hibridaÇÕes musicais de narguilÉ hidromecÂnico: um estudo sobre a canção remédio caseiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE MÚSICA E ARTES VISUAIS MÁRIO EDUARDO DE ARAÚJO RODRIGUES HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro Teresina 2014

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Piauí, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Música. Orientador: Prof. Ms. Juliana Carla Bastos Teresina - 2014

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Page 1: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE MÚSICA E ARTES VISUAIS

MÁRIO EDUARDO DE ARAÚJO RODRIGUES

HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

Teresina 2014

Page 2: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

MÁRIO EDUARDO DE ARAÚJO RODRIGUES

HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Piauí, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Música. Orientador: Prof. Ms. Juliana Carla Bastos

Teresina 2014

Page 3: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

Dedico este trabalho a minha mãe, Eliete,

por todo seu apoio, esforço, dedicação e

amor.

E a Beatriz, por todo amor, apoio e por

sempre acreditar em mim.

Page 4: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, meus irmãos Júnior e Samuel, e minha mãe,

Eliete por todo o amor, apoio incondicional, ensinamentos e bons momentos vividos

ao longo desta jornada. Além de “Mocinha” e “Neguinha” por todas as alegrias e a

companhia atenta nas madrugadas.

A Beatriz por ser minha companheira e conselheira em todos os momentos

importantes, ao seu amor e principalmente sua paciência! Obrigado por estar ao

meu lado.

A todos os professores da UFPI com quem convivi durante esses anos, em

especial Joaquim Ribeiro, Francisco Williams, e minha orientadora neste trabalho

Juliana Carla Bastos. Obrigado por todos os ensinamentos, todos os debates e

direcionamentos, por me fazer sentir que cada aula valeria a pena, e por serem

referência de bons profissionais na minha formação.

A todos os colegas músicos, professores, e alunos.

E por último, e claro, não menos importante a todos meus caros colegas e

amigos de curso, em especial João Paulo, Júlio César, Paulo Dantas, Gilberto

Ribeiro e Ellain Jarlon, por ajudar a passar por todas aquelas dificuldades e

problemas as quais nos deparávamos vez ou outra no decorrer do curso, e nos fazer

rir das mesmas, seja nas mesas da “PA” ou nas do “FIDI”. Parabéns galera!

Page 5: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

“Foi o tempo que dedicastes à tua rosa que a fez tão

importante”

(Antoine de Saint-Exupéry)

“A música é o tipo de arte mais perfeita: nunca

revela o seu último segredo”

(Oscar Wilde)

Page 6: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

RESUMO

Esta pesquisa visa investigar e analisar a formação de estruturas musicais híbridas

provenientes do diálogo entre influências de aspectos sonoros locais e globais na

canção Remédio Caseiro da banda Narguilé Hidromecânico O objetivo principal

desta pesquisa é partir em busca de uma resposta para a seguinte indagação: Que

elementos musicais de diferentes procedências estão presentes e de que forma

estes dialogam e se mesclam na canção Remédio Caseiro? Utilizando os conceitos

de hibridação cultural desenvolvidos por Canclini (2009), Oliveira (2007) e Vargas

(2007) e o método analítico desenvolvido por Phillip Tagg (2003; 2011).

Palavras-chave: Canção, Hibridismo musical, Narguilé Hidromecânico, Musemas,

Análise da música popular.

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ABSTRACT

This research aims to investigate and analyze the formation of hybrid musical

structures from the dialogue between local and global influences in the song

“Remédio Caseiro” from the band “Narguilé Hidromecânico”. The main objective of

this research is find an answer to the following question: What musical elements from

different origins are present and how they converse and mingle in the song “Remédio

Caseiro”? To this goal, we use the concepts of cultural hybridization developed by

Canclini (2009), Oliveira (2007) and Vargas (2007) and the analytical method

developed by Phillip Tagg (2003, 2011).

Keywords: Song, Musical hybridity, Narguilé Hidromecânico , Musemes, Analysis of

popular music.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1. Escala de Mi Mixolidio ..................................................................... 37

FIGURA 2. Riff principal de Remédio Caseiro (mG1) ........................................ 37

FIGURA 3. Ocorrências do musema mG1 ......................................................... 40

FIGURA 4. Variação sobre o riff original (mB1) .................................................. 41

FIGURA 5. Reforço do bumbo e zabumba (mB2) .............................................. 41

FIGURA 6. Modo Lídio (mL) ............................................................................... 42

FIGURA 7. Melodia da Guitarra Limpa ............................................................... 42

FIGURA 8. Ritmo Básico do Rock (STARR, 2009, p.61) ................................... 45

FIGURA 9. Ritmo básico do baião na zabumba ................................................. 45

FIGURA 10. Bateria de Remédio Caseiro .......................................................... 45

FIGURA 11. Xaxado (ROCHA, s/d apud CAMPOS, 2006, p.38) ....................... 46

FIGURA 12. Levada de Zabumba de Remédio Caseiro .................................... 46

FIGURA 13. Groove de Remédio Caseiro ......................................................... 47

FIGURA 14. Toque de agogô ............................................................................. 48

FIGURA 15. Melodia vocal Remédio Caseiro .................................................... 52

FIGURA 16. Primeira estrofe de Remédio Caseiro ............................................ 53

FIGURA 17.“Tamanquêro eu quero um pa” (coco-embolada) por Sebastião Alves

Feitosa e José Alves Silva (ULHÔA, 2003, p.59) ............................................... 53

FIGURA 18. “Eu nunca posso perder” (coco) por Frank e Nazah (ULHÔA, 2003,

p.59). .................................................................................................................. 53

Page 9: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

LISTA DE TABELAS

TABELA 1. Tabela De Eventos Sonoros ............................................................ 33

TABELA 2. Vinhetas ........................................................................................... 35

TABELA 3. Musemas Guitarra e Baixo .............................................................. 43

TABELA 4. Ocorrências do musema mA ........................................................... 49

TABELA 5. Ocorrências do musema mBT ......................................................... 50

Page 10: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

LISTA DE SIGLAS

OA Objeto De Análise

CeO Comparação Entre Objetos

MCeO Material de Comparação entre Objetos

ICM Itens de Código Musical

mV Musema Vinheta

mG1 Musema da estrutura composta por salto ascendente a partir da tônica

seguido de movimento descendente por grau conjunto sincopado.

mT Musema referente ao timbre de guitarra distorcida

mB1 Musema de variação do mG1 executada pelo baixo

mB2 Musema do reforço rítmico de bateria e zabumba executado pelo baixo

mT2 Musema referente ao timbre de guitarra limpa

mE Musema do modo mixolidio

mL Musema do modo lídio

mA Musema que compõe-se por batidas sincopadas de percussão e/ou

bateria na introdução da música marcando os riffs iniciais

mBT Musema referente a soma de bateria mais instrumentos de percussão

diversos executando fusões entre elementos rítmicos de procedências

distintas

Page 11: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................ 12

2. CAPÍTULO I: AS NOÇÕES DE HIBRIDISMO CULTURAL E MUSEMAS.... 14

2.1. HIBRIDISMO CULTURAL............................................................................ 14

2.2. O MÉTODO ANALÍTICO DE TAGG............................................................. 17

2.2.1 Poiésis vs. Estésis...................................................................................... 19

2.2.2. Procedimento de Comparação entre Objetos........................................... 20

3. CAPÍTULO II: “BÁSICO, SIMPLES... NARGUILÉ”....................................... 23

3.1. NARGUILÉ HIDROMECÂNICO................................................................... 23

4. CAPÍTULO III: ANALISANDO A CANÇÃO.................................................... 30

4.1. “REMÉDIO CASEIRO”................................................................................. 30

4.1.2. A Vinheta................................................................................................... 34

4.1.3. As Guitarras e o Baixo.............................................................................. 36

4.1.4. Bateria e Percussões................................................................................ 43

4.1.5. Um pouco sobre a Voz.............................................................................. 50

4.2. DELINEAMENTO DE HIBRIDISMOS DE REMÉDIO CASEIRO................. 53

5. CONSIDERAÇÕES......................................................................................... 58

6. REFERÊNCIAS............................................................................................... 60

ANEXO A.............................................................................................................63

Page 12: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho situa-se no campo de pesquisas sobre a música popular, o

qual está em crescente desenvolvimento no Brasil tanto no âmbito acadêmico em

número de monografias, teses e dissertações sobre o tema como em outras

publicações editoriais diversas (BAIA, 2007). Em Teresina, e em todo o estado do

Piauí, percebe-se que ainda há uma carência em relação a este tipo de publicação

principalmente no que se refere à música popular urbana sua memória e as

implicações socioculturais que a circulam.

A cidade de Teresina no fim da década de 90 e inicio dos anos 2000 viveu

uma fase de grande efervescência cultural e principalmente musical, gerando

bandas como Nando Chá e os Piula Contra, Os Caipora, Eucapiau, Roque Moreira,

Eita Piula, Casca Verde e Narguilé Hidromecânico, todas com uma característica em

comum: as experimentações e mesclagens entre ritmos tidos como regionais,

folclóricos ou tradicionais com o reggae, funk, rock, hip-hop, punk rock e tudo mais o

que pudesse agradar aos ouvidos destes “alquimistas do som”. Foi também durante

a década de 90 que o nordeste vivenciou toda a energia e a revolução sonora de

Chico Science e Nação Zumbi, grupo recifense que se tornou um marco do

movimento Manguebeat e referência nas fusões entre a música de Recife e a

música do mundo.

Termos como transculturação, globalização, mestiçagem, sincretismo e

hibridismo surgem no afã das ciências sociais para explicar estas práticas, frutos da

complexa dinâmica das sociedades onde a coexistência de culturas estrangeiras

diversas criou diferentes estruturas e especificidades, refletindo essas interações e

trocas também, é claro, nas obras de seus artistas e músicos. Desta forma esta

pesquisa visa investigar e analisar a formação de estruturas musicais híbridas

provenientes do diálogo entre influências de aspectos sonoros locais e globais na

canção “Remédio Caseiro” canção do segundo disco da banda Narguilé

Hidromecânico, uma da mais expressivas e bem sucedidas bandas teresinenses do

fim da década de 90. O objetivo principal desta pesquisa é partir em busca de uma

resposta para a seguinte indagação: Que elementos musicais de diferentes

procedências estão presentes e de que forma estes dialogam e se mesclam na

canção “Remédio Caseiro”? Buscamos descrever e listar estes elementos quanto a

sua origem, local ou globalizada.

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No primeiro capítulo desenvolve-se uma maior discussão acerca do conceito

de hibridismo cultural desenvolvido por Canclini (2009) e seus aspectos na América-

latina, usando também as ideias de Vargas (2007) e Oliveira (2011) para compor o

debate, em seguida temos o referencial teórico acerca da metodologia aplicada na

análise, que se trata do método semiológico-hermenêutico proposto por Philip Tagg

(2003; 2011), abordando seus aspectos gerais e principais ferramentas

metodológicas. No segundo capítulo temos um breve histórico a respeito da carreira

da banda Narguilé Hidromecânico, o contexto em que essa surge e as suas

principais produções. No terceiro e último capítulo tecemos a análise propriamente

dita da canção “Remédio Caseiro”, utilizando o instrumental metodológico de Tagg

em busca de seus elementos significativos, além de alguns comentários a partir dos

resultados obtidos fazendo um paralelo com as teorias do hibridismo e as

considerações do autor.

Desta forma, apresentaremos nas páginas seguintes as principais ideias de

hibridação cultural que norteiam este trabalho e a metodologia utilizada para a

realização do mesmo.

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2. CAPÍTULO I

AS NOÇÕES DE HIBRIDISMO CULTURAL E MUSEMAS

2.1. HIBRIDISMO CULTURAL

É comum ouvirmos falar que o Brasil, e outros países latino-americanos são

frutos da junção de três povos: o índio habitante original, o negro africano

escravizado e o branco europeu "descobridor" e conquistador das novas terras.

Palavras e expressões como diversidade, multiculturalidade, hibridismo, sincretismo,

pluralidade, mestiçagem etc. costumam ampliar esse tipo de raciocínio. "Tais

terminologias desenvolveram-se no afã de designar os novos processos e produtos

resultantes das ordens simbólicas, que, desde o final do século XV, concorreram

para a formação dos países latino-americanos” (BARBOSA & GAGLIETTI, 2007, p.

2).

De fato, as dinâmicas e interações entre estas três personagens acima

citadas (personificações das suas culturas de origem) formaram uma trama de

relações complexas principalmente no que se refere às culturas e identidades

formadas a partir deste processo na América latina. Este ambiente dinâmico e fértil

levou a um estado de constantes apropriações, ressignificações, diálogos e misturas

formando assim culturas híbridas, termo este que remete á noção "de que está em

jogo um processo de misturas que rompe a identificação com algum referencial

teórico imediato, seja estético ou histórico, ou modelo único de análise." (VARGAS,

2007 p.19) onde a modernidade é sinônimo de pluralidade, fundindo e recriando

relações até entre conceitos antagônicos como tradicional e moderno, urbano e

rural, hegemônico e subalterno, culto, popular e massivo.

Segundo Nestor Garcia Canclini1, um dos maiores pesquisadores latino-

americanos nesta área, “[...] hibridação [são os] processos socioculturais nos quais

estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para

gerar novas estruturas, objetivos e práticas” (CANCLINI, 2008, p.19 apud OLIVEIRA,

1 Néstor Garcia Canclini nasceu na Argentina em 1939, mas foi radicado no México desde 1976. É doutor pela Universidade de Paris e já foi professor-pesquisador nas Universidades de Stanford,Austin, Barcelona, Buenos Aires e São Paulo. Festas populares, artesanato, arte, globalização, consumo e políticas culturais despontam como algumas das linhas de pesquisa recorrentes de sua obra (FAMECOS, 2006, p.7).

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2011 p.22)2. Estas "práticas discretas" anteriores não devem ser entendidas como a

"raiz" de uma tradição ou como uma espécie de fonte de originalidade, em outras

palavras, uma prática original, pura e verdadeira. No caso do Brasil, por exemplo, o

hibridismo cultural à época da colonização se configura como um fruto da

aglutinação de outras culturas já com elementos híbridos, como afirma Vargas:

As imputações históricas e culturais fizeram do Brasil um território de instabilidade, espaço de contato entre tradições estranhas e sínteses plurais: índios de diversos locais, africanos e ibéricos (estes já sincretizados na complexa junção entre ocidente cristão e oriente muçulmano) (2007, p.24).

Um pensamento ou visão linear da história não se aplica adequadamente ao

se tratar de culturas híbridas, pois por se configurar como um estado dinâmico que

opera com diversas temporalidades, formas, aglutinações, pontos de partida e

chegada não há uma relação hierárquica entre um passado considerado verdadeiro

e original com outras temporalidades que insistem em se expressar e intercruzar.

Canclini identifica na América latina a presença deste jogo entre tempos históricos

que existem simultaneamente num presente e o dá o nome de “heterogeneidade

multitemporal”, uma das especificidades da hibridação nesta região do planeta.

Todas as sociedades complexas são híbridas de alguma maneira e em

algum grau, dado o seu constante contato com elementos culturais diferentes dos

seus através de migrações, a transnacionalização de empresas, serviços e produtos,

os meios de comunicação globalizados, a internet e etc. a diferença é que na

América Latina o grau dessa mestiçagem étnica, material e simbólica é profunda.

Além da já citada heterogeneidade multitemporal, Canclini trabalha com os conceitos

de desterritorialização e descolecionamento para explicar o hibridismo da América

Latina, conceitos diferenciados, porém, complementares. A desterritorialização seria,

como o próprio nome sugere, a migração de bens simbólicos e produtos culturais de

um determinado território geográfico e social para outro. Este processo implica

também em “certas relocalizações territoriais relativas, parciais, das velhas e novas

produções simbólicas” (CANCLINI, 2008, p.309 apud OLIVEIRA, 2011, p. 21) o autor

menciona ainda a transnacionalização dos mercados simbólicos e as migrações

como peças do fenômeno da desterritorialização.

2 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp. 2008.

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Já o descolecionamento seria a diminuição da produção de bens culturais

colecionáveis, possibilitado pelo uso de recursos tecnológicos como a fotocopiadora,

o videocassete, videogame, e mais recentemente a internet. Eles permitem que um

bem cultural seja mais facilmente reproduzido e disponibilizado para todos. “A

formação de coleções especializadas de arte culta e folclore foi na Europa, e mais

tarde na América Latina, um dispositivo para organizar os bens simbólicos em

grupos separados e organizados (CANCLINI, 2008, p.302 apud OLIVEIRA, 2011,

p.21). O descolecionamento causa a quebra destas coleções organizadas pelos

sistemas culturais anteriormente bem definidos, o que leva a uma reinterpretação de

conceitos do que deveria vir a ser culto, popular ou massivo.

Estes processos da hibridação cultural são pertinentes quando tratamos de

suas influências no campo das expressões artísticas e mais especificamente do

trabalho no campo da música popular, como podemos observar, por exemplo, nos

trabalhos de Oliveira (2011), Vargas (2007) e Linhares (2007). As peculiaridades

destas músicas residem justamente no fato de, no passado, terem sido produto das

migrações e interações de diferentes povos desterritorializados e, mais

recentemente, da influência de músicas de ampla circulação internacional graças

aos modernos meios de distribuição e consumo de música (descolecionamento). As

novas tecnologias ampliaram ainda mais a dinâmica destes processos, agilizando a

maneira como as músicas de diversas procedências se relacionam e se recriam:

As tecnologias de reprodução disponibilizam a cada usuário a possibilidade de acesso a repertórios que podem ser mobilizados e organizados em novas combinações. Alguns artistas fazem isso na estrutura de suas obras (CANCLINI, 2008 apud OLIVEIRA, 2011, p.22)

No Brasil há um histórico de manifestações artísticas que constatam possuir

um caráter híbrido. Na modinha e no lundu se configuram a coexistência das

culturas europeias e negras nos primeiros anos do país, mais adiante temos o

Manifesto Antropofágico propondo "deglutir" as influências do legado cultural

europeu e "digeri-lo" sob a forma de uma arte brasileira, a Bossa Nova derivada do

samba e com influências do jazz norte-americano, o Tropicalismo que misturou

manifestações tradicionais com inovações estéticas da vanguarda e cultura pop

como o concretismo e o rock, e mais recentemente e mais importante para essa

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pesquisa por se situar histórica e esteticamente próximo ao objeto de estudo, temos

o movimento Manguebeat. Sandroni diz que:

O manguebeat é um movimento artístico e, sobretudo, musical desencadeado no Recife no início da década de 1990. Pode ser caracterizado por uma intensificação das fusões e combinações entre tradições musicais locais e músicas anglófonas de ampla circulação internacional (sobretudo punk, rock e hip-hop) (2009, p.64).

Percebe-se também na produção de bandas autorais teresinenses que

iniciaram suas atividades mais ou menos por esta época (1990) a presença

marcante dessas fusões. Dentre as bandas que trabalharam em cima desta

mesclagem na capital podemos citar, para efeito de exemplo, algumas como: Os

Caipora, Eucapiau, Roque Moreira, Sapucaia e Narguilé Hidromecânico, principal

banda a ser utilizada neste trabalho devido a sua projeção no cenário musical

independente dentro e fora do estado tendo participado de diversos eventos como

Rumos Musicais (Itaú Cultural / SP), Carnaval na Lapa (Arcos da Lapa / RJ), Festival

Nordestes (SESC Pompéia / SP), Mostra Piauí (Dragão do Mar / CE), Escalada do

Rock (Rock in Rio Café), Festival Internacional de São Luís (MA), Recbeat (Recife /

PE), Estrela da Lapa (RJ), FNAC (SP), Lona Sandra De Sá (RJ) Piauí Sampa (SP)

entre outros, além de ser uma das poucas que continua em atividade (ainda que

esporádica) na cidade atualmente.

2.2. O MÉTODO ANALÍTICO DE TAGG

O desenvolvimento deste trabalho está fundamentado principalmente em

ferramentas metodológicas para análise da música popular desenvolvidas pelo

musicólogo britânico Philip Tagg. Seu método surge durante a década de 80 e as

razões que o levam a esta contribuição se relacionam ao fato de que a música

popular e massiva, até aquele momento, não havia sido tratada como objeto de

estudo sistemático do ponto de vista musical, levando “teóricos de estudos culturais

[...] a clamarem por instrumentais adequados” (OLIVEIRA, 2011, p.36). Essa

insuficiência metodológica pode ser explicada pelo fato de que na musicologia

tradicional, aos olhos do autor, haveria um maior enfoque sobre os processos

intramusicais; aspectos ligados à notação musical formal, excluindo-se determinados

aspectos subjetivos, desta forma o método de Tagg visa trazer contribuições tanto a

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musicologia como aos estudos culturais.

Tagg entende a música massiva como um sistema simbólico e parte do

pressuposto de que esta faz relações com demais práticas historicamente definidas,

sejam elas musicais, sociais ou culturais. Ao ouvir uma música o ouvinte faz, mesmo

que de maneira inconsciente, associações com diversas outras canções com as

quais já teve contato, estabelecendo assim semelhanças entre diferentes materiais

de expressão musical; estas são associações de enfoque interobjetivo. Além disso,

o ouvinte relaciona esta música e/ou seus elementos estruturais a práticas, cenas,

locais, sensações, imagens, períodos históricos dentre outros elementos, que

aludem à sua memória musical/afetiva. Estas são designadas de associações

intersubjetivas e englobam todo elemento de expressão paramusical associado ao

discurso. “Paramusical” é o termo utilizado para definir “um elemento

semiologicamente relacionado a um discurso musical especifico sem ser

estruturalmente intrínseco aquele discurso.” (BORÉM, 2011, p.15)3, dentro da

análise estes tipos de associação podem ser agrupados em dois conjuntos:

IOCM: Abreviatura de Material de Comparação Interobjetiva (Interobjective Comparison Material), um neologismo criado por Philip Tagg em 1979 para descrever intertextos musicais, ou seja, trechos de outras obras musicais nos quais pode se demonstrar semelhança com a obra musical que é objeto de análise

PMFC: Abreviatura de Campo Paramusical de Conotação (Paramusical Field of Connotation), um neologismo criado por Philip Tagg em 1991 para descrever um campo semântico conotativamente identificável que se relaciona com estruturas musicais (ou um conjunto delas). De 1979 a 1990, foi denominando de EMFA (Extramusical Field of Comparison) (BORÉM, 2011, p.15).

O IOCM engloba elementos diretamente ligados ao discurso musical em si e

podem ser identificados a partir de uma “lista de parâmetros de expressão musical”.

Parâmetros como timbres, texturas, ritmos, andamentos, acentuações,

deslocamentos, contorno melódico, escalas, instrumentação, articulação,

tratamentos acústicos, efeitos como reverb, phasing, fade in ou fade out dentre

diversos outros aspectos observáveis4. Esta lista de parâmetros pode também ser

útil na descrição detalhada dos “musemas”, unidades mínimas de expressão musical

em qualquer estilo dado, e podem ser estabelecidos através do procedimento de

3 Texto retirado de Glossário do artigo de Tagg (2011), estruturado e traduzido por Fausto Borém.

4 Para mais aspectos ver TAGG, 2003. p.20

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comparação entre objetos do qual falaremos mais adiante.

Já o PMFC abarca as significações conotativas do discurso musical,

sentimentos, imagens, gestos, contextos e demais associações ligadas ao objeto

sônico. Tagg dá exemplos de expressões usadas por seus alunos que se referem a

cada um destes campos de associação:

Os alunos são […] capazes de sugerir descritores estésicos5 bastante relevantes, seja com base em gestos, tato, movimento, sons paramusicais e conotações (por exemplo, “avassalador”, “pontiagudo”, “áspero”, “delicado”, “louco”, “tenso”, “bem anos 80”, “tipo detetive”, ou seja, PMFCs) ou em relação as músicas que eles já conhecem (por exemplo, “sons como Bach”, “bem Per Shop Boys” [sic], “como o tema de James Bond”, “meio industrial”, ou seja, IOCMs). (2011, p.13).

Desta forma o autor trabalha a música como um processo de comunicação,

música esta repleta de sentidos musicais e paramusicais, onde cabe à interpretação

do ouvinte a conotação de seus significados, pois entende-se que um elemento ou

feixe de elementos musicais podem conotar diferentes significados para diferentes

grupos em diferentes contextos, assim o método de Tagg é então chamado de

hermenêutico-semiológico.

2.2.1. Poiésis vs. Estésis

O autor também aborda a música como forma de conhecimento e aponta

duas competências: a poiética e a estésica. A competência poiética é aquela que

“qualifica termos que denotam elementos estruturais do ponto de vista de sua

construção (poiésis)” (TAGG, 2011, p.08) estão associadas a habilidades

específicas de músicos (ou, na terminologia de Tagg, “musos”) como por exemplo:

compor, tocar, reger, ler e escrever música. A competência estésica “por outro lado,

qualifica termos que denotam elementos estruturais basicamente do ponto de vista

do efeito de sua percepção (estésis)” (TAGG, 2011, p.08), a esta se associam

habilidades como perceber, compreender, lembrar, associar, distinguir sons musicais

e suas conotações. O modelo analítico de Tagg, ao trabalhar com elementos de

expressão musical e paramusical (que podem ser delineadas tanto de maneira

poiética por “musos” ou estésica por “não-musos” cada um com suas

5 Termos ou expressões que descrevem elementos estruturais da música do ponto de vista de suas conotações subjetivas a partir das percepções do receptor.

Page 20: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

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especificidades) põe em contato estas duas formas de conhecimento que, em se

tratando de música e outras frentes artísticas como as artes visuais, foram

separadas e hierarquizadas. Por exemplo, a capacidade de compreender a palavra

escrita e falada (habilidades estésicas) é considerada tão importante quanto falar e

escrever (habilidades poiéticas) entretanto, na música e nas artes visuais é possível

perceber que existe certa tendência a inferiorizar ou simplesmente ignorar as

habilidades de competência estésica:

Adolescentes capazes de compreender referências visuais intertextuais bastante sofisticadas em vídeos de música, não são considerados artísticos, nem recebem créditos pela cultura visual que claramente possuem. Da mesma forma, a habilidade amplamente difundida e verificável empiricamente de distinguir entre, vamos dizer, entre dois tipos diferentes de estórias de detetive após ouvir não mais do que dois segundos de um trecho de música instrumental, aparentemente não nos permite qualificar a maioria da população como musical. De fato, “artístico”, na esfera das artes visuais, geralmente parece qualificar apenas as habilidades poïéticas e “musicalidade” parece se aplicar somente àqueles que se apresentam como cantores ou que tocam um instrumento, ou podem decifrar a notação musical. (TAGG, 2011, p.08)

Desta maneira fica claro que há uma visão parcialmente tolhida na

abordagem tradicional deste tema, como se a competência musical estésica da

maioria da população “não-musa” não fosse válida. O modelo analítico de Tagg

procura transpassar essa dicotomia tomando o conhecimento estésico como válido e

de suma importância para a compreensão musical plena sem desmerecer o

conhecimento poiético o entendendo como uma ferramenta eficaz no estudo das

expressões musicais de enfoque interobjetivo, mas não única, até porque as

ferramentas do conhecimento poiético (mais ligadas a musicologia tradicional) não

são capazes de abordar os aspectos sociais e culturais de enfoque intersubjetivo da

música em questão sendo necessárias outras ferramentas e abordagens mais

amplas.

2.2.2. Procedimento de Comparação entre Objetos

Como dito anteriormente, o material usado nesta pesquisa é o CD Poeirão

(2001), da banda Narguilé Hidromecânico, de grande atuação na cena alternativa da

cidade de Teresina no fim da década de 1990 e inicio dos anos 2000. A partir deste

disco, foi feita a coleta da canção que constituirá o objeto de análise (daqui em

Page 21: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

21

diante OA) deste trabalho: “uma obra musical, que tenha campos extramusicais

relativamente claros de associação” (OLIVEIRA, 2011, p.39) no caso, a canção

“Remédio Caseiro”. O procedimento de Comparação entre Objetos (CeO) consiste

basicamente numa descrição de música através da própria música, comparando e

relacionando o OA com outras obras que possuam certa relevância em relação ao

mesmo. O caráter inerentemente não verbal da música é a principal justificativa de

Tagg para o uso da CeO pois, segundo o autor, “O eterno dilema do musicólogo é a

necessidade de usar palavras para uma arte não verbal e não denotativa” (2003,

p.20), porém, tem-se consciência de que o texto da canção também se constitui

como um importante fator significativo e algo de fato indissociável da música

comercial atual.

O primeiro passo do procedimento é estabelecer semelhanças de estrutura

musical entre o OA e outras músicas, formando o chamado Material de Comparação

entre Objetos (MCeO). As músicas que formam o MCeO devem se restringir a

gêneros musicais, estilos e funções relevantes ao OA, desta maneira evitam-se

eventuais armadilhas ou enganos no decorrer da análise e nos resultados obtidos,

além do fato de que músicas que possuem pouco ou nenhum tipo de envolvimento

com o OA não apresentarão semelhanças significativas para o desenvolvimento da

análise. Por exemplo, se torna de certo modo inviável comparar elementos do punk

rock da banda inglesa Sex Pistols com o baião de Luiz Gonzaga, pois estes se

diferem em diversos pontos importantes dentre os quais podemos citar: a

localização geográfica, o ano de criação, o contexto político-sócio-cultural que as

envolve, a formação instrumental, os padrões estéticos adotados, suas funções,

elementos de expressão musical como escalas usadas, compasso, sincopas,

timbres, etc.

Por este motivo as músicas selecionadas para constituir o MCeO da análise

de “Remédio Caseiro” foram coletadas em CDs de bandas nordestinas que mantém

proximidade com o OA em certos aspectos como: a influência de manifestações

musicais locais e globalizadas, faixa etária do público, formação instrumental, época

de atuação, temática de letras, performance, e demais aspectos musicais, chegando

aos discos completos Vamonabaia (2003) e Sintonia da Mata (2006) das bandas Os

Caipora e Roque Moreira respectivamente, além de outras gravações de bandas

diversas que não chegaram a lançar um álbum completo, como por exemplo a

banda Sapucaia, e algumas outras bandas da região que preservam as

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22

características acima citadas como forma de aumentar o número de exemplos

musicais e assim respaldar as estruturas encontradas como musemas, chegando as

bandas Dr. Raiz (CE), Lampirônicos (BA), e Chico Science e Nação Zumbi (PE)

Em seguida é realizada uma busca no MCeO por elementos musicais ou

Itens de Código Musical (ICM) semelhantes aos encontrados no OA, desta forma

identificam-se as menores partes de expressão musical significativa destas canções,

os chamados musemas, que envolvem aspectos da lista de parâmetros de

expressão musical feita anteriormente como, orquestração, tonalidade, andamento,

textura, dinâmica, efeitos etc.

Para algumas informações específicas acerca da canção estudada foram

contatados via internet Júnior B. e Fábio Crazy, respectivamente baixista e vocalista

do Narguilé Hidromecânico desde a formação original e Arnaldo Oliveira, ex-

percussionista. Para a descrição estésica dos musemas encontrados foram

utilizados os comentários de diversas pessoas colhidos no decorrer da escrita do

trabalho, por meio de testes de escuta informais onde o voluntário ouvia algum dos

musemas e falava suas impressões acerca do mesmo, além das impressões do

próprio pesquisador.

Desta forma, após a apresentação dos principais fundamentos do método

analítico utilizado neste trabalho, podemos afirmar que foco desta pesquisa está

sobre a análise musemática do OA, remetendo predominantemente às questões

interobjetivas do discurso musical, mas sem de qualquer forma abandonar

totalmente as nuances e associações subjetivas inerentes ao método e ao discurso

musical.

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23

3. CAPÍTULO II

“BÁSICO, SIMPLES... NARGUILÉ”.

3.1. NARGUILÉ HIDROMECÂNICO

Formado em 1998 na cidade de Teresina, entre as idas e vindas do “Quintal

dos Galvão” nas proximidades dos bairros Mafuá e Marquês, o grupo Narguilé

Hidromecânico é um conjunto que se propõe6 a fundir e fazer experimentações com

gêneros musicais de diversas procedências. Podemos citar entre as influências de

gêneros “estrangeiros” o punk rock, o reggae, rap e funk, e dentre as influências

locais, o boi, o forró e o samba. Para tanto a banda utilizasse de uma formação

instrumental tão diversa quanto são suas influências, ao tradicional “guitarra-baixo-

bateria” do rock e suas ramificações são acrescidos instrumentos característicos da

música local: zabumba, pandeiro, berimbau, caxixi, triângulo, etc. passando pelas

pick-ups e os beats eletrônicos do hip-hop. Em suas letras o Narguilé Hidromecânico

trata de situações cotidianas e simples da vida de milhares de piauienses e

demonstra também uma ponte entre o espaço urbano e o rural fazendo um paralelo

entre tradição e modernidade. Com isso, tornou-se uma referência na música

piauiense conquistando espaço nacionalmente através de participações em projetos,

festivais e concursos em diversos estados como os citados anteriormente.

A banda surge no ambiente de um tradicional reduto cultural da cidade de

Teresina: O “Quintal dos Galvão”, a partir dos encontros diários e psicodélicos de

Fábio Cristian “Crazy” (Fábio Crazy) com os irmãos Alex e Júnior Galvão. Destes

encontros saíram diversas composições, muitas das quais vieram a integrar o

repertório não só do Narguilé como também de diversas outras bandas, algumas se

tornaram “clássicos” como “Maluco Regulão”, “Forró do Mulambo” e “Maquetes

Loucas”. Duas bandas “embrionárias” foram importantes para a formação do grupo,

a Calango Gringo que não passou da fase dos ensaios, mas foi responsável por

alguns dos já citados hits da banda, “Maluco Regulão” e “Forró do Mulambo” e a

banda Tequila formada logo em seguida mas agora com a proposta de fazer shows

cover, o que também não deu muito certo pois, o espírito criativo dos integrantes

falava mais alto. Sendo assim:

6 Nos últimos anos a banda tem demonstrado em suas performances ao vivo um certo distanciamento destas referências locais, se mantendo essencialmente como uma banda de rock.

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Dos sobreviventes da ressaca do Tequila surge o Narguilé. A primeira apresentação do grupo foi na sala Torquato Neto (Clube dos Diários, Centro) com o baterista da banda Cobra Criada (baile) Ribamar. Ele que acabou recebendo apelido de Ribatera, não duraria muito tempo na banda. No primeiro show “pra valer” do “Narguilé Hidromecânico”, no projeto Boca da Noite, também no Clube dos Diários, mas no espaço Osório Jr, quem toca bateria é Alexandre Naka. A apresentação acontece no dia 11 de fevereiro de 1998. (LEONEL, 2007, p.46)

Durante os seus anos de atuação, vários músicos passaram pelo Narguilé,

dentre alguns podemos citar Fábio Crazy, Hernane Felipe, Nando Chá, Jr. B,

Cláudio Hammer, Alexandre Naka, Márcio Bigly, André de Sousa, dentre outros.

Quanto às discussões acerca das experiências e fusões musicais do grupo

com seus passeios pelo baião, rock e hip-hop, fica clara a tendência de associar o

estilo da banda ao das bandas recifenses do Movimento Manguebeat. Essa

tendência é aceitável e justificável pelo fato de que em ambos os contextos a

mistura de elementos regionais com elementos globalizados tornou-se a sua

característica mais importante, o eixo central da produção e da estética do Mangue,

além do fato de que na década de 1990 o Manguebeat se encontrava em seu auge

servindo então como provável influência de muitas outras bandas novas. A banda

Narguilé Hidromecânico defende a originalidade de sua obra e se vê não como

produto do movimento de Chico Science e sim como uma iniciativa paralela ao

movimento, que mantém certos aspectos em comum e que por mera coincidência

passaram a produzir música em épocas próximas. Para eles essa mistura de sons e

influências já era algo comum no espaço do “Quintal dos Galvão”:

A mistura de sonoridades já vinha de antes, desde o quintal. Para Galvão Jr., era algo bem natural que já vinha acontecendo em sua casa há algum tempo. A ideia da existência de uma banda que misturasse um forró ao estilo Genival Lacerda com hardcore até então nem passava pela cabeça deles. A primeira vez que viu a banda Raimundos na TV, Alex vira para o irmão e fala: “– Jr., eu acho que esses caras tão imitando a gente! (risos)”.(LEONEL,2007 p.47)

Ainda sobre as prováveis influências do Mangue no som da Narguilé, Fábio

Crazy comenta:

“Dentro do conceito todo, não tem uma coisa exatamente mensurada, pensada estrategicamente de como é que seria. Essa ligação (com o Mangue Beat) era justamente as influências e não que uma coisa tenha nascido da outra porque em 93 a gente já fazia música lá no

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quintal do seu Galvão, cara. Em 89, a gente já via nêgo tocando punk rock no quintal da moçada, já ouvia música eletrônica. Sempre ouviu Luiz Gonzaga porque tua mãe gosta, a minha gosta, o meu avô... Na verdade, não existe só uma pessoa tendo as idéias. Elas simplesmente existem e circulam e tem um momento em que elas afloram.” [...] Eu não tô querendo dizer que eu sou um cara foda que nem o Chico Science, não é isso, porque o som dele é muito importante, mas só mais tarde passou a influenciar mais, a princípio não. Quando existe um cara com a linguagem artística semelhante à sua, obviamente você começa a estabelecer uma conexão com aquilo. É natural.” (Fábio Crazy apud LEONEL, 2007. p.48).

O primeiro registro fonográfico da banda ocorre quando em 1999, o

antropólogo Hermano Viana e os engenheiros de som R. C. Varela e Beto Vilares

assistem a um show do Narguilé Hidromecânico e da banda de hardcore Obtus no

Bar Elis Regina, em Teresina. Hermano naquela ocasião estava a procura de novas

bandas para o projeto MBR (Música do Brasil) e seguia “mapeando novas

sonoridades pelo país inteiro.O MBR foi uma série de 15 programas apresentados

por Gilberto Gil na MTV” (LEONEL, 2007, p.49), e o Narguilé era justamente o que o

produtor/antropólogo procurava. O registro foi realizado com os equipamentos de

gravação dos engenheiros de áudio no estúdio de ensaio de Cláudio Hammer, as

músicas “Forró do Molambo” e “In Memorian” que já haviam sido gravadas

anteriormente também foram adicionadas ao CD que foi batizado com o mesmo

nome da banda “Narguilé Hidromecânico”. O Narguilé acabou ficando fora do

programa de TV mas manteve contato com Hermano Viana e Beto Vilares o que

viria a trazer boas oportunidades no futuro. O CD de 11 faixas ficou entre os mais

vendidos em Teresina no ano de 1999.

Mais adiante no ano de 2001 o grupo lança seu segundo álbum intitulado de

“Poeirão” pelo selo “Cuia Records”. Este disco já conta com um maior rebuscamento

técnico resultando numa melhor produção e qualidade de gravação, além de conter

hits como “Maquetes Loucas” e “Jumento Bom” que renderam dois clipes de ampla

circulação, além de “Presentim”, “Folia de Longe” e a canção núcleo desta pesquisa,

“Remédio Caseiro”. É um disco que retrata uma banda mais madura e a consolida

como um expoente no cenário musical nordestino e nacional. Sobre esse disco cabe

aqui uma longa mas importante citação retirada do blog da banda:

“A história desse disco começa em 2000, no Rock in Rio Café da Barra da Tijuca/RJ, na seletiva do concurso ESCALADA DO ROCK. Enganação exposta, burlamos todos as regras do tal concurso aquela noite. Simplificando: anarquisamos o negócio. Fomos cínicos

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e ácidos na entrevista com a TV, tocamos mais do que o tempo estipulado fazendo os caras desligarem o som do P.A. e o Bernardinho meteu um chutão na batera. E foi naquela noite que perdemos o tal concurso mas conhecemos aquela que viria ser a produtora do segundo disco do Narguilé, o POEIRÃO. Elza Cohen já havia lançado naquela época, através do projeto super demo, bandas como Planet Hemp, Jorge Cabeleira e outras algumas. O disco foi gravado no estúdio do Flávio Canecci, dos Funk Fuckers. Foi época de doideira entre as sessões de gravações em Copacabana, noitadas hardcore na zoeira no Sinuca da Lapa e farras com a gangue dos C.L.O.V.E.R. na Barra da Tijuca. Isso tudo resultou num disco pensado na sua feitura, diferente do primeiro. O conceito do disco gira em torno da relação entre o urbano e o rural sertanejo através de um ônibus de linha que levava o apelido de poeirão, que fazia rota pra Cacimba Velha, localização do sítio onde o repertório do disco foi criado e ensaiado.” (FEDENDO..., 2011).

O músico ainda faz uma descrição de cada faixa do disco:

A vinheta de abertura do disco, a gravação de um telefonema a cobrar. Síntese do Narguilé naquela altura. Fazia a coisa acontecer mesmo que fosse debitado na conta do próximo!

MAQUETES LOUCAS

Um rockão básico de 2 acordes com letra redudante, concreta, sem sentido...circular como é a música. Usamos um beat funk na intro e sample de Luiz Gonzaga. Muito boa de tocar ao vivo.

REMÉDIO CASEIRO

Uma evocação à insurreição sertaneja do cangaço, composta nas farras extremas dos CAIPORA. Pro Narguilé, tomou direção de um porradão punk em escala sertaneja e de dinâmicas e arranjo elaborado. Faz um permeio ingênuo nas brincadeiras de infância de crianças que tem o sertão e sua aridez como playground.

CROA

A que foi mais longe nesse disco em termos de experimentações e outras maneiras de entender e produzir música. Um bumba meu boi de matraca sampleado sobre uma base de mpc criada pelo Dj Negralha... uma espécie de mantra de evocações de um candomblé eletrônico na coroa do rio Parnaíba.

MURIÇOCA

Hardcorezinho 100 por hora do tempo dos PIORES que fala de maconha. Criamos essa intro ainda em estúdio com o Flipper cantando um boizinho. A idéia era dar mais impacto quando entra o

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hardcore.

JUMENTO BOM

Essa é um míssil. Baião sujo, de letra brutalmente ingênua, que depois vira uma metralhadora hardcore. Essa só dá pra tocar com raiva!!

NOME AOS BOYS

Essa música é a mais antiga de todo nosso repertório. Foi composta em 1989, ainda nos tempos do power trio punk SEM IDENTIDADE (nome fuleiro esse!). Na versão do Narguilé assumimos em seus riffs a influência RAGE AGAINST THE MACHINE. Há nela também muitos espaços pra experimentações de música nordestina.

PRESENTIN

Baião + hardcore. Básico, simples...Narguilé. A letra, em estrutura formal de quadras poéticas nordestinas tem um estilo Zé Limeira. Misturando farinha com mandacaru e Bruce Lee. Essa música foi uma festa em estúdio, com participações nos backing vocals de Josh S. e Daniel Hulk.

FOLIA DE LONGE

Essa eu não sei o que rolou no estúdio. Não é eficiente como é a musica por si só. Uma metáfora através do homem que está entre o urbano e o rural. Tem referências locais na letra. Raimundo Soldado, Maria da Inglaterra, Praça da Bandeira, Quiosque do Dario e Luis do Óleo.

PERSEVERANÇA DE CAATINGA

Foi composta e produzida totalmente no Rio de Janeiro na época da gravação do disco. Parceria entre mim e Dj Negralha, foi resultado de experiências feitas no mpc dele. Eu fiz a letra e o Negralha sampleou a harmonia de uma gravação tosca dos CAIPORA. Entrou no disco na última hora.

MAQUETES LOUCAS (macaco mix)

Versão eletro viajandona do Josh Satan. Neurótica, fecha o disco com outro extremento [sic] musical sem descosturar a colcha. Tem samples do Narguilé tentando derrubar um elevador de porta pantográfica num edifício em Copacabana. (FEDENDO..., 2011).

Em uma rápida e informal análise do texto de Fábio podemos reunir algumas

expressões que facilmente se associam a ideia de hibridismo: “O conceito do disco

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gira em torno da relação entre o urbano e o rural sertanejo”, “Usamos um beat funk

na intro e sample de Luiz Gonzaga”, “Pro Narguilé, tomou direção de um porradão

punk em escala sertaneja”, “Uma metáfora através do homem que está entre o

urbano e o rural.”, “Baião + hardcore. Básico, simples... Narguilé”. Desta maneira fica

evidente que na obra do Narguilé Hidromecânico existem diálogos e interações entre

músicas de diferentes contextos e procedências, músicas estas que se aglutinando,

se reorganizando e se reinventando, acabam por também produzirem novos

significados e vivências, fazendo desta um material relevante para estudos sobre o

tema do hibridismo cultural/musical e por isso se justifica o uso da mesma como

ponto central da discussão que se desenvolverá nos capítulos seguintes. Para tanto,

escolhemos a canção “Remédio Caseiro” segunda faixa do álbum “Poeirão” como

música-núcleo da análise que irá se seguir mais adiante, por entender que esta

possui perceptíveis campos de associação musical de fácil identificação e análise,

esta última fundamentada nas ferramentas teóricas de Philip Tagg.

A partir do capítulo a seguir daremos início à análise dos musemas que

constroem a canção “Remédio Caseiro”. Antes de mais nada, fez-se necessária uma

escuta atenta da canção por diversas vezes em busca de seus elementos

significativos procedendo assim a análise, em um primeiro momento, a partir de

habilidades e ferramentas próprias da competência estésica como perceber,

compreender, lembrar, reconhecer, distinguir sons musicais e suas conotações.

Estes elementos foram listados e logo após agrupados em uma linha cronológica de

eventos sonoros/musicais. Oliveira aponta para a importância da grafia exata destes

eventos sobre a linha cronológica principal:

Para que o sincronismo entre estes eventos sonoros seja analítico, seus registros seguem a linha mestra da canção, ou seja, uma “disposição cronológica inequívoca” para que revelem o diálogo entre os elementos que soam simultaneamente ou sua posição no conjunto. (2011, p.40)

Assim se montou um quadro de representação gráfica das ocorrências

sonoras e musemáticas que basicamente consiste em um painel onde cada

ocorrência sonora significativa é grafada exatamente sobre a linha cronológica da

canção formando uma espécie de partitura gráfica da obra. De acordo com Tagg:

A apresentação gráfica deve incluir as seguintes linhas paralelas: (i) uma Linha do Tempo; (ii) uma Linha da Forma; (iii) uma Linha de

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Eventos Paramusicais (se for o caso); (iv) uma Linha de Ocorrências Musemáticas. Idealmente, esta partitura gráfica deve ser proporcionalmente cronométrica, de forma que durações iguais de tempo ocupem quantidades iguais do espaço horizontal (2011, p.13)

Em seguida foi feita a análise individual dos eventos sonoros encontrados,

relacionando estes por anafonia 7 a exemplos similares encontrados em outras

canções do MCeO embasando assim a estrutura básica em questão como musema.

Logo após, realizou-se a transcrição destes musemas para a notação musical

tradicional e a análise estrutural dos mesmos, fazendo uso da competência poiética

necessária para este segundo momento que se aproxima mais de uma análise

formal. À vista disto, foram obtidos os resultados que serão apresentados a seguir.

7 Analogia em termos sonoros. Neste caso descreve semelhanças entre eventos musicais distintos e suas conotações. Neologismo criado por Philip Tagg.

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4. CAPÍTULO III

ANALISANDO A CANÇÃO

4.1. “REMÉDIO CASEIRO”

Nosso objeto de análise é uma canção simples em compasso quaternário,

de uso comum na maioria das canções populares atuais. Dividida em três principais

sessões (A-B-C), cada uma com suas subdivisões e peculiaridades, mas sem

nenhuma grande mudança em termos de tonalidade ou métrica e sim em timbres e

conotações subjetivas, e que a um andamento de aproximadamente 130 bpm8

preenche 3'45''9 do CD “Poeirão” com harmonia e melodias construídas sobretudo a

partir do modo Mi mixolídio.

A instrumentação utilizada consiste em uma peculiar adição de dois trios

instrumentais de grande representação simbólica, estética, visual e sonora: o

primeiro é o power trio formação clássica e mais simples do rock e seus subgêneros,

popularizada em meados da década de 60, consiste na tradicional tríade guitarra,

baixo e bateria, podendo haver ou não um quarto integrante como vocalista

principal. Bandas como The Jimi Hendrix Experience, The Police, Nirvana, Rush,

The Who, Black Sabbath e Led Zeppelin são exemplos de power trio que ajudaram a

popularização desta formação.

Por outro lado vemos o também tradicional trio nordestino (LINHARES, 2007

p.09) formado por sanfona, zabumba e triângulo. Ainda mais simples que o power

trio do rock o trio de instrumentos típicos do nordeste conta com apenas um

instrumento harmônico/melódico e dois de percussão, a sua estrutura remonta as

bandas de pífanos e grupos instrumentais menores do sertão brasileiro. Diversos

grupos se utilizam desta formação instrumental básica as vezes incluindo outros

instrumentos de percussão como o pandeiro, agogô, flauta (quem remete aos

pífanos) e demais instrumentos apropriados a cada situação. Dentre alguns

exemplos podemos citar o Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Zé do Norte,

Marinês, Trio Mossoró, Dominguinhos, e claro Luiz Gonzaga, como artistas e grupos

que se utilizaram desta formação instrumental em diversas músicas e discos, além

8 Batidas por minuto.

9 Notação para minutagem da música. Neste caso, representa três minutos e quarenta e cinco segundos.

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da enorme quantidade de “Trios” que pode ser encontrada numa rápida pesquisa,

por exemplo, na internet.

Sendo assim a instrumentação completa usada na música é formada por

guitarra, baixo e bateria representando do rock e a música globalizada de ampla

circulação, além de zabumba e triângulo como os representantes do trio nordestino

do forró e das manifestações musicais locais que, dialogando com influências de

origens diversas, foram ressignificadas e se transformaram em uma nova

manifestação musical híbrida. Ainda sobre os instrumentos, vale ressaltar que os

timbres característicos como guitarra distorcida, baixo com reforço de graves e

bateria com pegada firme e caixa ligeiramente mais aguda e “seca” (sem muito

reverb10), também remete a estilos estrangeiros como o já citado rock e

principalmente a funk/soul music.

Para Fábio Crazy em síntese “Remédio Caseiro” se trata de “um porradão

punk em escala sertaneja” com letra ingênua que trata das diversas brincadeiras e

traquinagens “de crianças que tem o sertão e sua aridez como playground” além de

também fazer citações diretas a Virgulino Ferreira Lampião e ao cangaço, incluindo

ai uma clara referência a toada “Mulher Rendeira”, música que foi adaptada ao ritmo

do baião urbano por Zé do Norte e foi trilha do filme “O Cangaceiro” de 1953, filme

que ganhou a palma de ouro no Festival de Cannes e uma menção especial á esta

música (TINHORÃO, 1986 p.226). Abaixo podemos ter uma visão geral destes

aspectos a partir da transcrição da letra e da TAB.1 com a Linha de eventos

sonoros, acompanhados logo em seguida da discussão acerca dos musemas e

partes significativas da música.

10

Efeito de eco de curta duração que pode simular a ambiência natural de diferentes locais, como pequenas salas ou grandes auditórios.

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“Remédio Caseiro” – Letra:

Da vez melhor que eu nadei foi a vez que

engoli a piaba que descia viva na minha

garganta

Da vez melhor que eu voei foi a vez que

engoli o coração do passarinho que eu

matei com minha baladeira

Da vez melhor que eu vi foi da vez que bebi do pus do olho podre de Lampião

Virgulino Ferreira, Virgulino Ferreira, Lampião.

Olê mulher rendeira, olê mulher rendá

Tu me ensina a namorar que eu te carrego no emborná

Olê mulher rendeira, olê mulher rendá

era a cantiga de vitória

que Lampião costumava cantar

Virgulino Ferreira, Virgulino Ferreira, Lampião.

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4.1.2. A Vinheta

Logo nos primeiros instantes de música somos recepcionados pelo som de

uma velha vitrola tocando uma música provavelmente tão velha quanto a própria, e

rapidamente somos transportados para o cenário árido do sertão brasileiro, e

podemos associar este pequeno recorte de música com tudo mais o que temos de

impressão sobre esta região do país, com suas cores, roupas, pessoas, paisagens,

etc.

A vinheta de abertura da canção é um elemento de importante valor

expressivo pois se configura como uma citação direta a um determinado tipo de

região e de música, neste caso àquela das bandas de pífanos e forrós do nordeste

brasileiro e que carregada de diversos sentidos paramusicais que ao longo das

décadas foram associados a esse lugar, serve para “preparar o terreno” e dizer o

que está por vir. É como se afirmasse “nós somos daqui, esse é nosso som e é por

aqui que nossa música vai caminhar”.

O corte súbito da vinheta e a entrada da guitarra distorcida demonstra uma

característica das culturas híbridas que é o diálogo entre conceitos antagônicos:

tradição e modernidade, local e global, rural e urbano ou acústico e elétrico,

conceitos estes que longe de serem totalmente dicotomizados se intercruzam,

interseccionam, justapõem e convivem numa mesma heterogeneidade temporal. A

guitarra distorcida apesar de não ser elemento de uma tradição musical nordestina

se apropria de suas especificidades, o seu “sotaque”, e emprega em seus riffs11

escalas características dos cantos e melodias sertanejas, ao mesmo tempo em que

a tradição transformada em sample12 e mesmo antes disso, em registro fonográfico,

penetra na modernidade.

Além de “Remédio Caseiro”, foram selecionados mais seis exemplos de

vinhetas que tem conotações similares. São elas as das canções “Magia Nordestina”

e “Animal Animado” ambas do Conjunto Roque Moreira e “Saragateia” da banda Os

Caipora como representantes Teresinenses, além de “Caldeirão de Santa Cruz do

Deserto” e “Bendito Seja” da banda cearense Dr. Raiz. A TAB. 2 apresenta-as mais

11

Frase musical de curta duração e repetição contínua que se constitui como a principal estrutura reconhecível de uma canção. Ex: Os riffs introdutórios de Smoke on The Water, e Satisfaction, das bandas de rock Deep Purple e Rolling Stones respectivamente.

12 “Amostra” em inglês, em música se refere a pequenos trechos sonoros recortados de obras ou gravações pontuais para posterior reutilização noutra obra musical, não necessariamente no mesmo contexto do original.

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especificamente:

TABELA 2: Vinhetas (mV)13

MÚSICA/BANDA DESCRIÇÃO DA

VINHETA PFMC'S

“Remédio Caseiro” – Narguilé Hidromecânico

Banda de Pífanos tocando tema alegre com sanfona

triângulo e zabumba, ruídos de agulha de

vitrola.

Zona rural, dança, poeira, terra, festejo, vida simples, alegria,

diversão.

“Magia Nordestina” – Roque Moreira

Trecho de toque de rabeca, com ruído

semelhante à de agulha de vitrola.

Toque solene de cortejo religioso, lamparinas,

canto sertanejo de lamento, fim de tarde,

igreja, procissão.

“Animal Animado”–Roque Moreira

Som de sapos, insetos, pássaros e outros pequenos animais

Água, lagoa, riacho, floresta, lama, noite,

grama, ambiente natural, zona rural.

“Saragateia” – Os Caipora

Xote instrumental, com sanfona, zabumba,

triângulo mais guitarra com delay14 e baixo

elétrico

Baile rural, festejos, tranquilidade, vida simples, alegria,

diversão.

“Caldeirão de Santa Cruz do Deserto” – Dr. Raiz

Cantoria religiosa (Hino de São Sebastião) em vozes

masculinas a capella e toque de sinos.

Zona rural, religiosidade, procissão,

velas, imagens religiosas, idosos,

tradição.

“Bendito Seja” – Dr.Raiz

Cantoria religiosa (Bendito de Padre Cícero) em

vozes de crianças/adolescentes a

capella

Zona rural, religiosidade, tradição, missa, velas, imagens

religiosas, tradição.

Percebemos que em todas as vinhetas existe a conotação de “algo rural”,

“do campo” ou “natural” procedendo assim com os locais de origem dos registros, as

conotações de cunho religioso, “da igreja”, “missa” e etc. também são recorrentes

nos exemplos analisados, o que pode ser considerado natural tendo em vista que a

região nordeste até o ano de 2010 era considerada a região mais católica do país

13

Todas as músicas utilizadas neste trabalho estão disponíveis em CD anexo e podem ser consultadas através da lista de faixas na página 63.

14 Efeito de áudio que consiste na repetição de um som com um determinado tempo de atraso em relação ao original, como o eco.

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36

com 72,2% de adeptos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA, 2010), ou seja, as vinhetas são verdadeiros recortes dos ambientes

e épocas nas quais a música deseja situar o ouvinte, que através de sua experiência

e vivências produz uma série de associações musicais e paramusicais em torno de

suas impressões acerca daquela música, do local de onde ela vem, sobre as

pessoas que a fazem, as situações em que a ouvem e etc. Constituindo-se assim

como um importante material de conotação subjetiva.

Infelizmente, apesar da busca feita em diversos discos e de toda a ajuda dos

integrantes da banda, até o momento não foi possível definir a que conjunto

pertence a música que compõe a vinheta, e nem o nome da mesma. Em conversa

num site de relacionamentos sociais, Arnaldo Oliveira ex-percussionista da banda,

indicou algumas pistas sobre a obra, segundo o músico se trata de “alguma banda

de pífanos do caruaru” cujo nome “tem algo relacionado a Lampião”, informações

importantes mas que lamentavelmente ainda não foram o suficiente para a nossa

busca.

4.1.3. As Guitarras e o Baixo

Após a recepção do ouvinte às impressões iniciais da vinheta de abertura,

ocorre uma súbita mudança de cenário com a entrada do riff principal da música

(mG1), executado na guitarra com o som distorcido (mT1), mostrando o outro lado

do que está em jogo na canção: a articulação de diversos códigos culturais de

procedências distintas. O som da guitarra distorcida está ligado sobretudo a

marcadores estilísticos do rock e suas variações, apesar de ser popularmente

difundido entre guitarristas de todas as vertentes principalmente em momentos de

solos e riffs, graças a instrumentistas como Jimi Hendrix grande expoente e

popularizador do uso de efeitos. Vargas afirma que “Nos anos 1960, esse músico

incorporou à guitarra os mais estranhos sons, retirou dela e da aparelhagem de

amplificação todo um arsenal de possibilidades timbrísticas e de ruídos.” (2007,

p.126).

Com o passar do tempo as distorções foram se tornando cada vez mais

“pesadas”15, através de estilos como hard rock, punk rock, o heavy metal e todas as

15

Exemplo de descritor estésico comumente utilizado para se referir ao som de guitarra com uma distorção muito saturada e grave.

Page 37: HIBRIDAÇÕES MUSICAIS DE NARGUILÉ HIDROMECÂNICO: Um estudo sobre a canção Remédio Caseiro

37

suas variantes, e ao mesmo tempo graças a evolução tecnológica na área da

música as distorções também se tornaram mais fáceis de controlar e modificar,

através de pedais específicos para este efeito com diversos controles de regulagem

e demais funções expandido assim o leque de possibilidades timbrísticas do

instrumento, isso sem levar em consideração os diversos outros periféricos utilizados

na aparelhagem da maior parte dos guitarristas.

No rock a guitarra distorcida se constitui como um elemento estético

fundamental que se remete a própria música bem como a rebeldia e agressividade a

ela atribuídas, existindo também a figura mítica do guitarrista enquanto o “porta-voz”

ou “dominador” de toda essa energia e agressividade. A imagem do instrumentista

empunhando sua guitarra em meio as grandes multidões é também um elemento

estético visual do rock, atingindo nos solos o ápice de sua performance e fruição do

público. Assim, “esse instrumento e seu executante tornaram-se índices diretos da

estética do rock” (VARGAS, 2007 p.126).

Retornando a canção analisada, notamos que o riff principal de “Remédio

Caseiro” foi construído sobre a escala de Mi mixolídio (FIG.1), uma das variadas

escalas de comum uso na música do nordeste (LINHARES, 2007) (CAMPOS, 2006)

e que tem como principal característica o sétimo grau abaixado formando um

intervalo de sétima menor (7°m) em relação a tônica. A escala utilizada revela a

intenção modal do riff (FIG.2) e se trata de mais uma referência à música nordestina,

“o caráter modal das melodias, predominantemente em mixolídio, está presente nas

toadas dos violeiros, na sonoridade característica dos pifes” (CAMPOS, 2006, p.37)

bem como em composições de Luiz Gonzaga, percussor e popularizador do baião

como o conhecemos.

FIGURA 1 – Escala de Mi Mixolídio (mE)

FIGURA 2 – Riff principal de “Remédio Caseiro” (mG1)

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38

Iremos agora nos focar no musema denominado mG1 deste riff que engloba

a figura rítmica e a linha melódica característica dos primeiros tempos do seu

compasso.

Melodicamente o musema original consiste no movimento de 7° menor

ascendente, ou seja, o intervalo característico do modo em que foi construído, a

partir da nota Mi (sexta corda solta) realizando logo em seguida um movimento

descendente por grau conjunto (neste caso a 6° maior). De maneira literal, se trata

do movimento da nota Mi até a nota Ré uma oitava acima terminando em Dó

sustenido. Este movimento melódico ascendente seguido de um descendente por

grau conjunto, pôde ser também percebido em diversos outros fragmentos no

MCeO, como demonstram as figuras que iremos ver adiante.

A estrutura rítmica tem na síncope16 sua característica principal entendendo

sua importância tanto para os ritmos brasileiros como aos demais ritmos afro-

americanos, que neste caso, são as matrizes de origem dos ritmos e tradições que

dialogam e convergem na composição em questão. A figura rítmica básica consiste

na colcheia pontuada mais uma semicolcheia ligada a uma figura de igual ou maior

duração ( ) formando um dos principais padrões rítmicos do baião (GIFFONI,

1997, p.34), porém, apesar da especificidade deste padrão o que se percebe é que

há na verdade uma intenção funk no contexto geral do riff. O funk é um dos gêneros

derivados da soul music “forma surgida no início dos anos 1960 no sul dos EUA,

derivada também do rythm and blues e do gospel” (VARGAS, 2007, p. 128) e

consiste em uma das variações mais dançantes deste estilo. Um de seus principais

traços é a forma percussiva de tocar o instrumento desenvolvida por guitarristas e

baixistas, através de técnicas como o slap17, o scratch guitar18 e as muted notes e

ghost notes19, além da presença marcante e proeminente de linhas de baixo que

sustentam toda a música. Na verdade, o baixo está para o funk assim como a

16

Caracteriza-se pelo prolongamento do tempo forte, ou parte forte de tempo até o tempo fraco, ou parte fraca do tempo do pulso seguinte, criando um deslocamento na acentuação rítmica.

17 Técnica de efeito percussivo, “Consiste em bater a lateral do dedão da mão direita nas cordas superiores e “estilingar” com o dedo indicador as inferiores, substituindo o tradicional pizzicato” (VARGAS, 2007, p. 129)

18 Técnica da guitarra também de efeito percussivo que consiste em tocar acordes formados nas três cordas mais agudas do instrumento pressionando-as rapidamente com pouca ou nenhuma sustentação abafando as cordas logo em seguida, enquanto a mão direita prossegue no seu padrão rítmico ou “batida”

19 “Notas abafadas” e “Notas fantasmas” respectivamente. Tratam-se de notas ou cordas abafadas com a mão esquerda ou direita do instrumentista novamente com a intenção de criar efeitos percussivos.

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39

guitarra está para o rock, em níveis de expressão e importância, assim se no rock

temos na imagem do guitarrista e no som distorcido da guitarra seus principais

campos de associação visual e sonoro, é no funk que contrabaixo e contrabaixista

encontram-se como os responsáveis pela condução de toda a banda e como

símbolos de um movimento musical. Ainda sobre o funk e a soul music, Vargas diz

que estes estilos:

Enquadrados em compassos quaternários, têm uma batida pulsante e, normalmente, o ritmo é dinamizado por síncopes feitas pelo baixo. Na bateria, a métrica é regular, porém com leves alterações sentidas por toques de bumbo em contratempo ou síncope. (2007, p.129)

E sobre os aspectos rítmicos das levadas sincopadas do baixo Savaglia, se

referindo aos músicos da banda de James Brown, afirma que os baixistas:

[…] valorizavam as síncopas e o uso de contratempos, tão comuns na soul music. Além disso apostaram em uma batida muito mais pesada, não raro, repetindo a figura rítmica de um único compasso durante toda uma música, com o objetivo de tornar os grooves20 de baixo e bateria hipnóticos (s.d., p.18).

Assim a guitarra de “Remédio Caseiro” em seu riff inicial se apropria das

síncopes e dos efeitos percussivos das levadas de baixo da funk music através de

muted notes para produzir seu próprio groove, tanto que dentre os exemplos

equivalentes encontrados no MCeO dois se localizam nas linhas de baixo de

músicas que tem uma maior intenção funk. São elas “Animal Animado” do Conjunto

Roque Moreira e “Banditismo por uma questão de classe” de Chico Science e Nação

Zumbi além de “Morro do Querosene” da banda teresinense Sapucaia e novamente

no baixo em “Caldeirão da Santa Cruz do Deserto” da banda cearense Dr.Raiz. A

seguir temos a transcrição destes elementos como forma de facilitar a visualização

destas ocorrências musemáticas (FIG.4):

20

Groove: termo da língua inglesa que literalmente significa “sulco”. Em música é uma expressão sem tradução exata para o português e pode significar dentre outras coisas “levada”, “swing”, “balanço”, “condução”, “gingado” etc.

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FIGURA 3 – Ocorrências do Musema mG1

A linha de baixo de “Remédio Caseiro” é uma variação ainda mais

sincopada do riff principal da música (FIG. 4), criando assim mais movimento e

mantendo o baixo em seu posto de condutor da levada. Começa a se desenvolver a

partir dos 0'39'' quando a guitarra passa a executar repetidas vezes apenas o

musema mG1 abrindo espaço para o baixo aparecer em destaque, característica

esta que novamente remonta ao funk como afirma Vargas quando diz que os

acompanhamentos de guitarra deste estilo:

[…] não são simplesmente encadeamentos de acordes que formam a estrutura harmônica da canção, mas séries de riffs, fraseados de aspecto rítmico sem ter única e necessariamente a finalidade harmônica. (2007, p.125)

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FIGURA 4 – Variação sobre o riff original (mB1)

Em outro momento (2'17'') o baixo funciona como reforço da figura rítmica

(FIG. 5) base do baião, já citada anteriormente, reforçando os toques graves da

zambumba e do bumbo da bateria, aspecto este conhecido como “the lock” ou

traduzindo ao pé da letra “cadeado”, e se refere “a sincronização do baixo com o

bumbo da bateria, criando assim um efeito dançante […] No funk, este recurso virou

uma verdadeira obsessão” (SAVAGLIA, s.d., p.07).

FIGURA 5 – Reforço do bumbo e zabumba (mB2)

Por último, temos o musema mT2 referente ao timbre de guitarra limpa, ou

seja, sem distorção, que se inicia aos 2‟15”. O uso da guitarra limpa nesta seção

está adequado em relação aos outros elementos musicais utilizados e à sonoridade

geral, tendo em vista que é neste trecho que há a maior presença de referências e

marcadores estilísticos do baião, assim, junto à melodia da guitarra a bateria se

reduz apenas a marcação do tempo, o baixo se apropria das síncopes executadas

pela zabumba, e o agogô entra em cena. O timbre limpo também funciona como

elemento contrastante à seção posterior que se caracteriza como um punk rock,

estilo que surgiu em meados da década de 70 e que tem como característica

músicas rápidas e geralmente com letras de protesto. Sobre o punk rock Teixeira

diz:

A primeira manifestação punk se deu nos Estados Unidos nos subúrbios da parte leste de Nova York e foi absorvida pouco tempo depois na Inglaterra, onde obteve proporções radicais e complexas. O punk rock é um revivalismo da cultura rock’ n roll, posta-se como um tipo de música curta, rápida, de poucos acordes, simples e dançante, contrapondo com o rock tradicional que, submetido à indústria fonográfica, havia se transformado numa enorme fonte de empreendimentos comerciais e lucrativos. (2007, pag. 04)

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A melodia executada pelo instrumento é novamente modal, porém agora na

escala de Mi Lídio (FIG.6), cujo aspecto principal é a presença do intervalo de quarta

aumentada a partir da tônica (4°A), e se configura como mais uma das escalas

modais de comum uso na música brasileira e nordestina (LINHARES, 2007). É neste

trecho também que ocorre a referência à canção “Mulher Rendeira”. Abaixo, a

transcrição do trecho (FIG.7).

FIGURA 6 – Modo Lídio (mL)

1

FIGURA 7 – Melodia da Guitarra Limpa

Podemos perceber que a linha melódica é composta basicamente por duas

estruturas principais dispostas nos dois primeiros compassos. A primeira (compasso

1) é um fragmento que se repete por todo o decorrer do tema como podemos

claramente perceber na visualização da partitura, e se trata de um motivo simples

com poucas notas que se movimentam por graus conjuntos sem ultrapassar uma

oitava, conduzindo à segunda estrutura, um salto ascendente num intervalo de

décima primeira justa (11°J) que varia de nota de partida para se adequar ao

contexto da harmonia em cada momento. A seguir podemos observar na TAB.3 um

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43

apanhado geral dos musemas de guitarra e baixo.

TABELA 3 – Musemas Guitarra e Baixo

MUSEMA DESCRIÇÃO PFMC'S

mG1

Salto ascendente a partir da tônica seguido de

movimento descendente por grau conjunto.

Síncope.

Movimento, funk, soul, discoteca, dança, festa, globo de luz, quente, pra

cima.

mT1 Refere-se ao timbre de

guitarra distorcida

Força, agressividade, ruído, ronco de motor, atitude, poder, cidade grande, sujeira, peso.

mT2 Refere-se ao timbre de

guitarra limpa

Brilho, semelhante ao violão, mais calmo, limpo,

leve, cidade.

mE e mL

Modo Mixolídio – T 2M 3M 4J 5J 6M 7m

Modo Lídio – T 2M 3M 4ª 5J 6M 7M

Nordeste, pífanos, cantador, forró, sanfona,

quadrilha, festa.

mB1 Variação do mG1, mais

sincopada. Movimento, dança, pra frente, gingado, festa.

mB2 Figura rítmica própria do

baião.

Forró, dança, nordeste, festa, animação,

movimento.

4.1.4. Bateria e Percussões

Como citado anteriormente, em “Remédio Caseiro” são utilizados quatro

instrumentos de percussão, são eles: bateria, zabumba, triângulo e agogô,

instrumentos estes que juntos formam uma intricada e interessante estrutura rítmica

que transita entre o rock e ritmos nordestinos conduzindo o desenvolvimento da

música. As percussões entram em cena a partir dos 0‟17‟‟ acompanhadas da

guitarra principal, o contrabaixo e uma guitarra secundária, que tocam juntas o

mesmo ritmo, pontuando o riff principal com a figura rítmica característica do baião, a

colcheia pontuada–semicolcheia prolongada ( ) (GIFFONI, 1997) (CAMPOS,

2006) e a síncope semicolcheia–colcheia–semicolcheia ( ), ambas figuras

rítmicas de grande relevância para a nossa música:

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44

“Como explica Sandroni, desde o século XIX, a síncope aparece como uma marca registrada da música brasileira. Ela aparece também como uma característica que define a música popular brasileira nos estudos de Mário de Andrade [...]” (CAMPOS, 2006, p.29)

Na bateria o uso do tambor mais grave remete sonoramente ao toque das

alfaias, grandes tambores de madeira usados nos desfiles de maracatu21 e também

nas canções do grupo pernambucano Chico Science e Nação Zumbi, referência nas

experimentações e fusões musicais entre ritmos locais e globais. Também pode ser

associado aos toques da zabumba, instrumento que geralmente se encarrega da

execução das síncopes citadas acima nas levadas do baião e demais ritmos

nordestinos, dividindo estas síncopes entre a membrana superior que possui uma

pele mais grossa e é tocada por uma baqueta com abafador chamada de “boneco”,

e que, portanto, produz um som mais grave e a membrana inferior, com uma pele

mais fina, tocada com uma baqueta que se assemelha a uma vareta chamada de

“bacalhau”, produzindo um som mais agudo (CAMPOS, 2006). Percebeu-se que

este evento sonoro, descrito adiante como musema, mA, é bastante recorrente em

aberturas de diversas outras canções do MCeO, a qual poderemos visualizar mais

adiante.

Prosseguindo, aos 0‟39‟‟, temos a entrada da bateria na levada principal da

música, que consiste numa adaptação da célula básica do baião tocada pela

zabumba, subdividindo-a entre o bumbo (como a pele grave da zabumba) e a caixa

da bateria (como a pele aguda), porém com uma peculiaridade: a batida da pele

mais aguda, que originalmente cairia sobre a parte fraca do segundo tempo, dado o

prolongamento característico do primeiro, é deslocada para a parte forte. Em outras

palavras, a caixa da bateria abandona o contratempo típico executado pelo toque

agudo da zabumba, levando assim a “acentuações de caixa “aberta” no 2º e 4º

tempos (típicas tanto do soul quanto da música pop).” (GONÇALVES, 2009, p.323).

Segundo Starr:

A maioria das batidas de rock baseiam-se, de uma forma ou de outra, neste ritmo. De certo modo, você poderia considerar este ritmo como a pedra angular da bateria rock. [...] o bumbo tocando nos

21

“[...] folguedo pernambucano, muito vinculado a cidade de Recife, mas também presente de maneira tênue em Alagoas e na Paraíba. São agremiações e blocos que, desde meados do século XIX, saem no Carnaval comemorando a coroação do Rei e Rainha negros, embalados por uma música de forte ritmo sincopado e com marcante presença de instrumentos de percussão.” (VARGAS, 2007, p. 116)

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tempos um e três e a caixa nos tempos dois e quatro. Dezenas de milhares de canções de rock usam isto como o suporte rítmico principal, apesar de que variações podem ser usadas para apimentar este padrão.22 (2009, tradução nossa).

Assim a figura básica do baião perde o seu prolongamento natural na

segunda metade de seu primeiro tempo para ceder lugar a acentuação do rock no

segundo e no quarto tempo, o que também implica numa mudança métrica,

transformando o tradicional 2/4 de diversas manifestações musicais locais (samba,

frevo, maracatu, etc.) (GIFFONI, 1997) em um 4/4, métrica regular da maioria das

canções pop atuais. Abaixo, as figuras FIG. 9, FIG. 10 e FIG.11 ajudam a visualizar

esta fusão:

FIGURA 8 – Ritmo Básico do Rock (STARR, 2009).

FIGURA 9 – Ritmo básico do baião na zabumba

FIGURA 10 – Bateria de “Remédio Caseiro”.

22

“Most rock beats are based, one way or another, on this beat. In a sense, you could consider this beat to be the cornerstone of rock drumming. (…) the bass drum playing on beats one and three and the snare drum playing on beats two and four. Tens of thousands of rock songs use this as its rhythmical backbone, even though variations may be used to spice up this pattern.”

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À levada de bateria ainda se misturam zabumba e triângulo, tornando a

seção rítmica ainda mais complexa com a adição do xaxado:

Originalmente, o xaxado era uma dança executada apenas por “cabra macho”, no sertão de Pernambuco, sua disseminação por todo o nordeste é atribuída ao bando de Lampião [...] Era dança individual, em círculos, o arrastado das sandálias (xá-xá) caracterizando o nome xaxado. Mas, pela voz do próprio [Luiz] Gonzaga, Jackson do Pandeiro e outros compositores, o xaxado também se incorporou ao universo do forró, transformando-se em “xaxado urbano”, dança de salão com presença feminina, de par enlaçado. O ritmo assemelha-se ao do baião, mas apresenta andamento um pouco mais rápido e mais variações rítmicas. (CAMPOS, 2006, p.38)

Dada esta ligação histórica entre a dança e o bando de Lampião o xaxado

se constitui como mais uma referência ao cangaço, tema que também permeia a

letra da canção. Abaixo seguem as transcrições do ritmo de xaxado (FIG.11) e a

comparação com a levada de zabumba de “Remédio Caseiro” (FIG.12).

FIGURA 11 – Xaxado23

(ROCHA, s.d. apud CAMPOS, 2006, p.38)24

FIGURA 12 – Levada de Zabumba de “Remédio Caseiro”

Adiante temos a transcrição de zabumba, bateria e triângulo juntos, o que

nos oferece uma visão geral de como estes instrumentos convergem

simultaneamente no groove de “Remédio Caseiro” (FIG.13).

23

Optou-se por adaptar a grafia da transcrição original feita por Rocha à grafia já utilizada neste texto por questões de normatização do trabalho e como forma de facilitar a leitura e o entendimento dos exemplos. Para mais informações sobre a grafia original consultar Campos, 2006, p. 36.

24 ROCHA, Eder “o”. s.d. Zabumba moderno. Pernambuco: Funcultura.

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FIGURA 13 – Groove de “Remédio Caseiro”.

É interessante perceber como estes padrões distintos dialogam, se

complementam e se entrelaçam formando um rico contraponto rítmico. No início do

compasso (primeiro tempo) zabumba e bumbo - perdão pela cacofonia – tocam

juntos a fatigada figura colcheia pontuada-semicolcheia, acompanhados pelo

triângulo em seu ostinato25 de semicolcheias, com as duas primeiras abafadas e as

duas últimas soltas, efeito que causa a acentuação do contratempo. Da mesma

forma no fim do compasso (quarto tempo) zabumba e bateria caminham lado a lado,

compartilhando duas colcheias, sendo a primeira acentuada pela bateria com o

toque da caixa.

É no meio do compasso (tempos dois e três) que ocorrem os contrapontos

mais interessantes, principalmente entre zambumba e bateria. No segundo tempo

caixa e pele aguda tocam juntas uma colcheia em cima da parte forte do tempo,

caminhando logo em seguida, a bateria, para uma segunda colcheia no bumbo, já a

zabumba subdivide esta segunda colcheia a bipartindo em duas semicolcheias,

sendo uma ocupada novamente pelo toque agudo e a outra pelo toque grave. O

toque grave da zabumba neste trecho pode ser entendido como uma apojatura do

toque do bumbo que vem logo em seguida no início do terceiro tempo. Em seguida

(terceiro tempo) o bumbo regressa a figura do baião enquanto a zabumba se

25

Em música, ostinato é um termo que se refere a qualquer padrão, melódico ou rítmico, que é repetido persistentemente.

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encarrega da síncope semicolcheia-colcheia-semicolcheia o que acaba fazendo com

que o toque grave do instrumento coincida com o do bumbo e o agudo dê mais

movimento ao groove com seu deslocamento.

Outra particularidade relevante se encontra no fato de que no ritmo do

xaxado também não há o prolongamento característico, o que faz com que as

batidas agudas da zabumba coincidam com as acentuações da caixa da bateria, e

as graves com os toques de bumbo, possibilitando assim um maior “entrosamento”

entre os dois instrumentos e a fluência da condução, que somadas ao baixo

possibilitam o efeito “the lock” coeso e dançante da funk music como descrito na

página 41.

Na parte “B” a bateria perde espaço para as percussões, e o agogô entra em

cena prolongando a parte fraca dos tempos um e três (FIG.14).

FIGURA 14 – Toque de agogô

À bateria fica designada a função de marcar os tempos do compasso com o

chimbal, soando como os pratos das bandas de pífanos que se reservam a mesma

função. Após o interlúdio uma virada de bateria marca a transição para a parte “C”

da música, momento em que as percussões perdem espaço e a bateria comanda a

levada do punk rock que se trata de uma variação do rock comum, mas num

andamento mais acelerado. Uma das características deste estilo musical é a sua

simplicidade técnica fazendo com que a levada seja “crua” e direta, também é

bastante comum o uso de andamentos extremamente acelerados principalmente no

hardcore, uma variação do punk ainda mais rápida e agressiva, cujo ritmo básico é

aquele de rock já apresentado acima.

Na TAB.4, referente ao musema mA, temos uma lista de músicas do

material de comparação que possuem eventos sonoros similares ao da descrição do

musema: “Batidas sincopadas de percussão e/ou bateria na introdução da música

marcando os riffs “, junto com a transcrição destes eventos. Já a TAB.5 refere-se ao

musema “mBT”, que engloba todas as interações e o jogo rítmico entre bateria e

percussão, abrangendo padrões e toques de diferentes proveniências. Apesar de

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entender que nem sempre estas interações e diálogos se darão exatamente como

ocorre em “Remédio Caseiro” (no caso, envolvendo xaxado e rock) foi necessário

aglutinar em um único musema a ideia geral em questão, que é a da confluência

entre ritmos distintos resultando em um novo tipo de levada rítmica, tendo em vista

que a análise minuciosa de cada esquema encontrado levaria a uma longa pesquisa

acerca de todos os seus aspectos, o que não compete ao trabalho em questão, já

que este se concentra em seu objeto de análise, a canção “Remédio Caseiro”. Como

forma de manter o material de comparação mais próximo do objeto de análise,

optou-se por tratar apenas de canções que possuíssem pelo menos zabumba e

bateria no instrumental.

Tabela 4- Ocorrências do musema mA

MUSEMA DESCRIÇÃO TRANSCRIÇÃO

mA

Batidas sincopadas de percussão e/ou

bateria na introdução da

música marcando os riffs

MÚSICA TRANSCRIÇÃO

“Crepúsculo” -

Roque Moreira

“Boi de Pancadaria”

- Roque Moreira

“Precisando ganhar

dinheiro” - Os

Caipora

“Presentim”–Os

Caipora

“Pulo do Gato” -

Sapucaia

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50

Tabela 5 – Ocorrências do musema mBT

MUSEMA DESCRIÇÃO

mBT

Refere-se a soma de bateria mais instrumentos de percussão diversos executando fusões entre elementos rítmicos de procedências distintas

MÚSICA RITMOS

“Musico a Música - Roque Moreira” Xote / Reggae

“Curupira – Lampirônicos” Xaxado / Rock

“Ligou pra me Dizer – Lampirônicos” Xote / Rock

“Malafronte – Sapucaia” Xaxado / Rock

4.1.5. Um pouco sobre a Voz

A voz sem dúvida é um aspecto válido para esta análise, por se tratar de um

relevante elemento de construção de significados e associações musicais e também,

é claro, paramusicais. Buscou-se neste pequeno recorte, uma análise dos elementos

estruturais da melodia cantada - escalas, ritmos, contorno melódico e conotações

paramusicais observando como esta voz se desdobra pelas seções da música,

ajudando a compor as sonoridades e os cenários que cada uma deseja transmitir,

excluindo-se alguns outros parâmetros de importância para uma futura análise mais

aprofundada como, a entonação, prosódia, impostação, extensão e o sotaque que

neste caso poderia se configurar como musema.

Analisando em um primeiro momento através da escuta podemos perceber

que o canto em “Remédio Caseiro” trás consigo nuances da embolada:

Gênero musical que teve origem no Nordeste brasileiro, aparecendo mais frequentemente na zona litorânea e mais raramente na zona rural, suas características principais incluem uma melodia mais ou menos declamatória, em valores rápidos e intervalos curtos. (EMBOLADA, s.d.)

Os descritores musicais “melodia mais ou menos declamatória”, “valores

rápidos” e “intervalos curtos” citados acima, se aplicam adequadamente quando

contrapostos ao contorno da voz no decorrer da canção estudada. A melodia

declamada transita por volta do modo mixolídio, o qual já se abordou previamente no

tópico acerca da guitarra e baixo, se movendo na maior parte do tempo por

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intervalos curtos e num ritmo constante, ritmo este que chama a atenção por ser

formado principalmente por tercinas, quiálteras formadas por três colcheias,

entrando em conflito com a divisão tradicional binária de cada tempo estabelecida

pelo compasso, que neste caso, seria de apenas duas colcheias.

A melodia começa “escorregando” pela 7° menor (Ré), nota característica do

modo, e persiste na nota Mi até o fim do verso onde segue descendentemente para

a nota Si. No trecho em que a harmonia cromática e descendente de guitarra e baixo

entram em cena a voz acompanha o movimento cantando a tônica ou terça dos

acordes G - F# - F e E respectivamente, todos maiores, passando pela nota Lá #,

típica de outro modo estudado, o Mi Lídio. Percebe-se também a presença de duas

vozes que cantam simultaneamente em uníssono durante toda a seção “A”, se trata

da própria voz de Fábio Crazy duplicada em uma sobreposição de dois takes

(tomadas de gravação) diferentes.

Na parte “B” da música, apenas uma das vozes permanece, e soa de uma

forma mais “preguiçosa”, mais contida e grave em relação ao trecho anterior, como

alguém que murmura uma velha canção sobre o modo lídio. De certa forma, a

escolha deste caráter vocal é semelhante à decisão de utilizar nesta mesma

passagem apenas o timbre limpo da guitarra e manter a bateria apenas marcando o

tempo, medidas que tem como propósito criar uma atmosfera contrastante à seção

explosiva e movimentada que vem logo em seguida. Assim como a guitarra perde

sua distorção, a voz “abaixa o tom” e se contem como se guardasse suas forças

para a seção seguinte.

Enfim a parte “C”, um punk rock onde a voz pode enfim liberar toda a

energia contida há alguns instantes atrás. O punk e sua versão ainda mais rápida, o

hardcore, tem no vocal mais agressivo e por vezes gritado um de seus traços

estéticos, reflexo de suas músicas de protesto e da insatisfação exposta em seus

versos. A vocalização mais agressiva também entra de acordo com a sonoridade

geral da banda, por vezes bastante ruidosa por conta de distorções e o uso

constante de pratos de ataque e chimbal aberto na bateria. O mais importante para

este estilo é transmitir a energia, a intensidade e a mensagem de suas músicas, em

detrimento da afinação vocal, ou execução perfeita dos instrumentos, que

geralmente são aqueles do power trio, guitarra, baixo e bateria. A seguir a FIG.15

apresenta a melodia principal, da parte “A”, da música.

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FIGURA 15 – Melodia vocal “Remédio Caseiro”, Parte “A”.

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Abaixo, para efeito ilustrativo do uso de notas repetidas na embolada, temos

uma comparação entre a linha melódica de “Remédio Caseiro” (FIG.16) e trechos de

emboladas coletados por Ulhôa (FIG.17 e FIG.18):

FIGURA 16 – Primeira estrofe de “Remédio Caseiro”

FIGURA – 17 “Tamanquêro eu quero um pa” (coco-embolada) por Sebastião Alves Feitosa e José

Alves Silva (ULHÔA, 2003, p.59)

FIGURA 18 – “Eu nunca posso perder” (coco) por Frank e Nazah (ULHÔA, 2003, p.59)

Expostas as caracterizações e comparações, passaremos agora a uma

breve argumentação acerca dos elementos híbridos encontrados, com o intuito de

contextualizar os exemplos com o conceito de hibridismo cultural.

4.2. DELINEAMENTO DE HIBRIDISMOS DE REMÉDIO CASEIRO

Após a minuciosa análise dos eventos sonoros significativos da canção e a

designação de seus musemas, podemos neste capítulo tecer alguns comentários

sobre como se dá esta confluência de ritmos e elementos estéticos de gêneros

musicais distintos, e as suas relações entre o local e o global. Como visto as

estruturas musicais e o processo composicional de Remédio Caseiro engloba uma

série de apropriações e ressignficações de determinados elementos estéticos de

gêneros como o rock, o funk, o baião e o xaxado, produzindo um novo gênero

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híbrido que conta com algumas das especificidades de seus gêneros base. Vale

ressaltar que “os dados não estão colocados no processo de hibridação de forma

“pura” e substancial, mas já são ou foram objetos de outras misturas” (VARGAS,

2007, p. 24), ou seja, esta aglutinação de influências não advém de gêneros

originais ou totalmente puros, os estilos que se fundem na nova composição

também são hibridizados em diferentes níveis e diferentes formas, como o rock, por

exemplo, que surge a partir das interações entre o blues, country e o rythm and

blues.

Através da análise podemos perceber certas particularidades deste processo

de hibridação musical como a apropriação de escalas, instrumentos, ritmos e

síncopes características dos gêneros locais, e de timbres, acentos métricos, efeitos

de áudio e certas particularidades idiomáticas de guitarra e baixo (como as muted

notes) dos gêneros globalizados. Acerca desta globalização de determinadas

músicas e gêneros, é pertinente abrir um parênteses para compreendermos que a

influência da indústria fonográfica de grandes potências comerciais como os E.U.A.

é a peça chave para compreender este fenômeno. Como explica Vargas quando

afirma que:

[...] as músicas que alcançaram o mercado fonográfico norte-americano tornaram-se globalizadas pela força da dinâmica dessa indústria cultural contemporânea. Não à toa, essa mesma indústria criou o termo world music para definir e rotular “gêneros étnicos” de vários países encampados por ela para o mercado consumidor (VARGAS, 2007, p. 28).

Desta maneira, podemos entender que a desterritorialização destas práticas

musicais através do crescimento, produção e difusão em larga escala da indústria

fonográfica moderna, é ferramenta essencial para que a hibridação ocorra. Esta

mesma indústria também pôde se apropriar de práticas comumente chamadas de

tradicionais ou folclóricas e expandir sua circulação, tanto em âmbito global na

denominada world music, como em âmbito local. Foi o que fez Luiz Gonzaga ao

trazer o ritmo do baião ao rádio e aos grandes centros nacionais, pois:

Até então, o baião era restrito ao interior do nordeste e só chegaria à música popular brasileira urbana com Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A dupla grava em 1946 seu primeiro baião, intitulado Baião, de grande sucesso nacional, divulgando o gênero para além das fronteiras do nordeste brasileiro. (LINHARES, 2007, p. 08)

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Estas conclusões apontam para a multiplicidade de caminhos traçados pela

hibridação, onde uma visão simplista, dicotômica e linear da história não é capaz de

abarcar todas as possibilidades e percursos exequíveis, onde até mesmo o que se

tinha dicotomicamente bem definido como tradicional/original ou moderno/derivado

já não tem mais um delineamento bem claro, e não pode ser definido (numa visão

linear) apenas por sua localização cronológica, “como se um dos „passados‟ fosse

mais importante e verdadeiro (original e essencial) que os „outros‟” (VARGAS, 2007,

p.20), pois sendo o híbrido um estado de heterogeneidade multitemporal, os outros

passados “não desaparecem em definitivo; ao contrário, a todo instante teimam em

se expressar, cruzar, sobrepor, e desviar daquilo que as teorias lineares evolutivas

tendem a ordenar.” (GRUZINSKI26, 2001, p.58 apud VARGAS, 2007, p.20)

Assim os conceitos de tradicional e moderno, segundo Vargas, não se

aplicam mais, pois só podem ser entendidos pelo critério cronológico linear da atual

música pop. O autor problematiza e aponta uma solução:

O que gêneros como o rock e o rap teriam de “moderno” em relação ao maracatu ou ao coco? Na verdade, ambos são produtos de tradições distintas, de processos históricos e musicais ocorridos em locais diferentes e com sentidos também diversos [...] minha tendência não é definir as músicas como “tradicionais” ou “modernas”, termos mais vinculados ao enfoque racional-evolucionista ocidental, mas como produtos de tradições distintas, sejam as formas mais locais, sejam as que ganharam as estruturas globalizadas. (VARGAS, 2007, p.28)

Então podemos chegar à conclusão de que em Remédio Caseiro ocorre

uma fusão entre práticas musicais de tradições distintas, entendo que o termo

“tradições” neste caso não configura a ideia de manifestações originais, “puras” e

“verdadeiras” do fenômeno em questão, e sim de que há em determinado contexto e

local, uma marcante continuidade ou permanência daquele modo de fazer e se

pensar a música.

Na análise de Tagg ao levar em consideração a recepção do ouvinte e os

significados ou impressões do mesmo acerca daquela música, teremos em uma

canção híbrida, um quantidade de associações musicais e paramusicais tão diversas

quanto são as músicas que dialogam na composição, pois entendendo que cada

elemento musical carrega consigo um significado ou um conjunto de associações

diretas e indiretas, cada elemento estrutural, textual, rítmico, melódico, textural,

timbrístico, instrumental, etc. se apresenta como todo um universo de possibilidades

26

GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

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e caminhos a seguir, cada qual com suas peculiaridades a partir da percepção de

quem a ouve, em síntese “o híbrido não é resultado de nenhum aspecto e nem se

reduz ao que é único, tende a se mostrar por várias facetas, cada uma de origens

distintas” (VARGAS, 2007, p.)

Quanto ao valor ou caráter destas fusões, não cabe a nós definir se estas

mesclagens, num discurso conservador, são “boas” ou “más” para a preservação e

manutenção de nossa cultura e identidades tradicionais. “Más” por “contaminar” a

manifestação popular tradicional com a influência estrangeira da cultura de massa

deturpando assim seu sentido original, ou “boas” por ressignificar estas tradições,

inserindo-as no contexto da modernidade, remodelando seus sentidos e aplicações

de acordo com a visão de mundo da sociedade em que estas se incluem. Para

Canclini, “a noção de hibridação (...) é uma noção descritiva, caracteriza processos

sociais em que se dão cruzamentos, intersecções, sem nos permitir estabelecer o

caráter dessas intersecções ou dessas hibridações” (CANCLINI, 2009, p.9). Desta

maneira, a pergunta que se faz quanto a esses processos não é “por que

acontecem?” e sim “quando, onde e de que forma acontecem?”.

Desta maneira, os aspectos que se intercruzam e convergem em Remédio

Caseiro podem ser, em síntese, assim listados:

Formação instrumental que mescla o power trio, formado por guitarra, baixo e

bateria com o “trio nordestino” composto por zabumba, triângulo e sanfona.

Uso do timbre de guitarra distorcida, marcador estilístico do rock e suas

vertentes.

Modalismo na composição das linhas melódicas com o uso de modos

característicos da música nordestina como o lídio e mixolídio.

Levada “funkeada” no riff de guitarra e na condução do baixo com uso do

efeito percussivo de muted notes.

Adequação do ritmo do baião executado pela bateria para a acentuação

característica do rock, nos tempos dois e quatro.

Uso do ritmo de xaxado na zabumba se mesclando à condução rítmica mista

da bateria

Canto que se aproxima dos padrões rítmicos e melódicos da embolada.

Referências ao punk rock e sua variação mais acelerada o hardcore.

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Basicamente seriam estes os elementos que mesclados e sobrepostos se

transformam na canção Remédio Caseiro, envolvendo, entre os ritmos globalizados,

elementos do funk e do rock, e entre os ritmos locais o baião e o xaxado.

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5. CONSIDERAÇÕES

Após discorrer acerca dos conceitos da hibridação e analisar os musemas

de Remédio Caseiro observando o intercâmbio entre diversas influências musicais,

podemos considerar a música da banda Narguilé Hidromecânico híbrida por

descolecionar e trabalhar com elementos de temporalidades e procedências

diversas (OLIVEIRA, 2011), elementos estes que se tornam indissociáveis entre si e

indispensáveis para a construção dos sentidos da música. Ou seja, os aspectos e

procedimentos utilizados nesta música não são apenas um conjunto de meras

referências ou citações de elementos de um gênero musical inseridos dentro de um

novo contexto e obra, mas sim a própria base estética e sonora fundamental para a

composição dos traços estilísticos da canção que caracterizam seu estilo único, em

outras palavras significa dizer que a canção só tem seu sentido pleno se

preservados todos os aspectos que a compõem. Seria, por exemplo, como retirar a

guitarra de uma banda de rock ou cavaquinho e o pandeiro de um grupo de samba,

instrumentos já internalizados como sendo da essência destes gêneros, e isso se

tratando apenas do instrumental utilizado, cabe ainda todo um universo de aspectos

e particularidades fundamentais para a construção dos gêneros.

Este trabalho apresenta apenas um pequeno recorte de toda a obra musical

do Narguilé Hidromecânico havendo muitas outras possibilidades de estudos e

caminhos a se percorrer em se tratando de suas outras canções e álbuns, bem

como dos trabalhos de todos os outros grupos locais citados. Atualmente Narguilé

Hidromecânico e Os Caipora são as duas únicas bandas ainda em atividade dentre

todas as citadas neste trabalho, porém com mudanças significativas no seu modo de

tocar e compor música tendo abandonado a maioria de suas fusões com gêneros

regionais (pelo menos da forma como foram descritas aqui), o que abre precedentes

para se pensar sobre que fatores corroboraram para o fim destes grupos e, de

maneira geral, para o declínio desta maneira de compor tão peculiar das jovens

bandas nordestinas de meados da década de 1990.

A ideia de duas formas de conhecimento musical, uma poiética ligada ao

“fazer”, e outra estésica ligada ao “perceber”, abre caminhos para diversas outras

pesquisas no âmbito dos estudos acerca da Educação Musical, incluindo-se ai as

possibilidades de discussões sobre novas metodologias, abordagens e/ou atividades

que tenham a competência estésica como foco. Os conservatórios e escolas de

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música são os ambientes onde tradicionalmente tem-se um maior foco sobre as

habilidades da competência poiética, já que estas se propõem a formar músicos

instrumentistas, compositores ou regentes. Já nas escolas de ensino regular onde o

objetivo não é formar profissionais em determinada área, uma abordagem sobre as

habilidades da competência estésica pode vir a ampliar a compreensão e o senso

crítico dos educandos acerca das músicas com as quais estes convivem

diariamente, e sobre quais os sentidos e “mensagens” desta música.

A música popular do Piauí é terreno fértil e ainda pouco explorado em

número de pesquisas acadêmicas acerca do tema, porém se por um lado faltam

registros formais sobre estas manifestações culturais por outro a memória dos que

viveram estes acontecimentos, sejam eles músicos ou público, ainda compõe um

campo de coleta de informações importantíssimo para a realização de futuros

trabalhos.

Entender como se faz música no local onde vivemos é entender um pouco

mais sobre nós mesmos e sobre o ambiente em que estamos inseridos, é afirmar

nossas identidades e é uma forma de tentar ajudar a manter viva a memória cultural

de nossa cidade, tão escassa em registros e trabalhos oficiais sobre tantos outros

temas. Analisar os aspectos que marcam a identidade e as especificidades das

nossas bandas dentre tantas outras do Brasil, observar a dinâmica destas no ainda

tímido mercado musical local, e buscar entender do ponto de vista musical, social,

econômico, antropológico dentre outros, o cenário musical das bandas autorais de

Teresina são alguns dos caminhos por onde se pode seguir num futuro próximo.

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6. REFERÊNCIAS

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FEDENDO a mofo – 02. Blog Narguilé Hidromecânico, Teresina, jan. 2011. Disponível em: <narguilehidromecanico.blogspot.com/2011/01/fedendo-mofo-02.html‎>‎Acesso‎em:‎‎‎25‎‎jan.‎‎2014.

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LAMPIRÔNICOS. Que luz é essa?. [s.l.]: Sony Music, 2001. 1 CD.

LAMPIRÔNICOS. Toda Prece. [s.l.]: Trama, 2004.1 CD.

LEONEL, Elayne Sousa. Memórias:‎Passagens‎da‎história‎do‎Rock‎„n‟‎Roll‎Teresinense nas décadas de 80 e 90. 2007. 57 f. Livro-Reportagem (Bacharelado em Comunicação Social) – Faculdade de Jornalismo, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, 2007.

LINHARES, Leonardo Barreto. Pro Zeca De Victor Assis Brasil: aspectos do hibridismo na música instrumental brasileira. 2007. 61 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Escola de Música da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

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ANEXO A – LISTA DE FAIXAS DO CD

01 - Remédio Caseiro - Narguilé Hidromecânico

02 - Magia Nordestina - Roque Moreira

03 - Animal Animado - Roque Moreira

04 - Saragateia - Os Caipora

05 - Caldeirão da Santa Cruz do Deserto - Dr Raiz

06 - Bendito Seja - Dr Raiz

07 - Morro do Querosene – Sapucaia

08 - Banditismo por uma Questão de Classe - Chico Science e Nação Zumbi

09 - Crepúsculo - Roque Moreira

10 - Boi de Pancadaria - Roque Moreira

11 - Precisando ganhar dinheiro - Os Caipora

12 - Presentim - Os Caipora

13 - Pulo do Gato – Sapucaia

14 - Musico a música - Roque Moreira

15 - Curupira – Lampirônicos

16 - Ligou pra me dizer – Lampirônicos

17 - Malafronte - Sapucaia