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  • Elisabeth Kbler-Ross

    ACOLHER a MORTE On Death and Dying Uma maravilhosa mensagem de esperana para todos os que perderam algum prximo

  • O que os pacientes terminais tm para ensinar a mdicos, enfermeiros, sacerdotes, e s suas prprias famlias. O paradigma oncolgico est bem explanado nos escritos de Elisabeth Kbler-Ross, que definiu os tempos da morte como andamentos de uma sonata. A sua contribuio foi fundamental por obrigar a reflectir sobre a morte com outra coragem e lucidez e demonstrar a importncia da multidisciplinaridade no tratamento destas matrias. Assim, ela descreveu cinco passos sucessivos, eu diria cinco estaes de uma via sacra, no caminho para o fim. O primeiro a negao e o isolamento; o segundo a revolta; o terceiro a negociao (por vezes com Deus, sob a forma de promessas secretas ou explcitas); o quarto a depresso, e o final a aceitao. A anlise brilhante, apoia-se em casos ilustrativos, e no h dvida de que todos estes passos so reconheciveis na prtica clnica, excepto que, muitas vezes, no seguem a sequncia descrita e a negao ou a revolta podem persistir, inalteradas, at ao final ou, ento, a depresso inaugurar o quadro e no mais se abate. Joo Lobo Antunes in Memria de Nova Iorque e outros ensaios HAC-B1 31/81/2888 ,2002) 88102020180 310039 ISBN 978-972-8929-82-4 3 ?S378.32982J UBLER-ROSS. ELSABETH iCOLHER f> NORTE PRcl\H\nB~SMfiff\D~

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  • Acolher a Morte, um dos mais importantes estudos psicolgicos da segunda metade do sculo vinte, teve origem no famoso seminrio interdisciplinar da Dra. Elisabeth Kbler-Ross sobre a morte, a vida e a transio. Neste livro notvel, a Dra. Kbler-Ross explorou pela primeira vez as cinco fases dos doentes em estado terminal: negao e isolamento, ira, negociao, depresso e aceitao, conhecidos actualmente como o Mtodo Kubler-Ross. Atravs de entrevistas e conversas seleccio- nadas, a autora proporciona ao leitor uma melhor compreenso do modo como a iminncia da morte afecta o paciente, os profissionais que o servem, e a sua famlia, trazendo a esperana a todos os que esto envolvidos no processo. Acolher a Morte pode ajudar-nos a enfrentar, tanto em termos profissionais como pessoais, o fim da vida. Medical Opinion & Review

  • ELISABETH KBLER-ROSS, M.D., foi uma mdica de renome mundial, psiquiatra e tanatologista, conhecida pelo seu trabalho com crianas e idosos em fase terminal de doena e doentes com SIDA. A ela se deve a introduo do movimento das unidades de cuidados palia- tivos nos Estados Unidos. Os seus livros foram traduzidos em todo o mundo. Atravs deles e do seu trabalho, Kiibler-Ross levou conforto e compreenso a milhes de pessoas, ajudando-as a lidar com a sua prpria morte ou com a dos seus entes queridos. Faleceu em 2004.

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    Acolher a Morte i:m.^hp-m(

  • / Elisabeth Kubler-Ross Acolher a Morte O que os pacientes terminais tm para ensinar a mdicos, enfermeiros, sacerdotes, e s suas prprias famlias. Traduo de Pedro Soares

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  • A ESTRELA POLAR uma editora vocacionada para a rea do autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal. A nossa poltica editorial orienta-se, no essencial, para livros que nos inspiram e nos desafiam a melhorar a qualidade das nossas vidas e a sade do nosso planeta. www.estrelapolar.com.pt Elisabeth Kbler-Ross MD., 1969 Direitos reservados por ESTRELA POLAR uma marca da Oficina do Livro - Sociedade Editorial, Lda. Rua Bento de Jesus Caraa, 17 1495-686 Cruz Quebrada Tel: 21 005 23 50, Fax: 21 005 23 40 E-mail: [email protected] Ttulo original: On Death and Dying Traduo: Pedro Soares Reviso: Cristina Pereira Capa: Margarida Rolo/Oficina do Livro, Lda. ISBN: 978-972-8929-82-4 ^ Edio: 11 06 0038 1 .a edio: Janeiro de 2008 Depsito legal n. 269 421/08 Pr-impresso: JCT Impresso e acabamento: Multitipo - Artes Grficas, Lda. memria do MEU PAI e de SEPPLI BUCHER ,? * ?

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    Prefcio 11 I Sobre o Medo da Morte 13 II Atitudes perante a Morte e o Processo Que a Ela Conduz 23 III Primeiro Estdio: Negao e Isolamento 53 IV Segundo Estdio: Ira 67 V Terceiro Estdio: Negociao 101 VI Quarto Estdio: Depresso 105 VII Quinto Estdio: Aceitao 133 VIII Esperana 161 IX A Famlia do Paciente 183 X Algumas Entrevistas com Pacientes Terminais 209 XI Reaces ao Seminrio sobre a Morte e o Processo Que a Ela Conduz 275 XII Terapia com Doentes Terminais 301 Bibliografia 311 Agradecimentos 323

  • Prefcio sr S

    Quando me perguntaram se estava disposta a escrever um livro sobre a morte e o morrer, aceitei entusiasticamente o desafio. Quando finalmente me sentei e perguntei a mim prpria em que que me tinha metido, as coisas assumiram contornos diferentes. Por onde comear? O que incluir? O que poderei dizer a desconhecidos que vo ler este livro, o que poderei partilhar desta experincia com pacientes terminais? Quanto comunicado de forma no verbal e tem de ser sentido, experienciado, visto, sendo dificilmente traduzido em palavras? Trabalhei com pacientes terminais durante os ltimos dois anos e meio, e este livro falar sobre o incio desta experincia, que acabou por se revelar importante e didctica para todos os que nela participaram. No pretende constituir um manual de boa gesto de pacientes terminais, nem tenciona ser um estudo integral da psicologia de pessoas beira da morte. simplesmente o relato de uma nova e desafiante oportunidade para nos voltarmos a centrar no paciente enquanto ser humano, para o incluir em dilogos, para aprender com ee quais so os pontos fortes e fracos da nossa gesto de pacientes em contexto hospitalar. Pedimos-lhes para serem nossos professores, modo a que possamos aprender mais acerca dos estdios finais da 10-a, com todas as suas ansiedades, medos e esperanas. Estou simP esmente a contar as histrias dos pacientes que partilharam connsco as suas agonias, as suas expectativas e as suas frustraes. Esperaque isso encoraje outras pessoas a no evitarem o contacto com

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 12 os doentes sem esperana, mas antes a aproximarem-se deles, porque os podem ajudar muito durante as suas ltimas horas. Os poucos que o conseguirem fazer tambm descobriro que essa experincia pode ser mutuamente gratificante; aprendero muito sobre o funcionamento da mente humana, os aspectos nicos da nossa existncia, e emergiro mais ricos dessa experincia, e talvez com menos ansiedade sobre o seu prprio destino.

    Captulo I Sobre o Medo da Morte :\t

    II Que eu no reze para que me protejam dos perigos, mas para ser destemido perante eles. Que eu no suplique pela acalmia da minha dor, mas pela coragem de a conquistar. Que eu no procure aliados no campo de batalha da vida, mas a minha prpria fora. Que eu no implore, ansioso e amedrontado, para ser salvo, mas que almeje a pacincia de ganhar a minha liberdade. No me permitas a cobardia de sentir apenas a tua misericrdia no meu prprio sucesso; deixa-me antes encontrar no fracasso a fora da tua mo. Rabindranath Tagore, Recolector de Frutos \ .- .vs-t.ii > -iAr:--{ ,.>;:i.-ivx .;; r.&. .-. *..;>: ;;|

    s epidemias ceifaram muitas vidas em geraes passadas. A morte Ulante os primeiros anos de vida era frequente e poucas foram as milias que no perderam um dos seus membros numa idade pre- e- A medicina mudou muito nas ltimas dcadas. A vacinao ranzada fez com que bastantes doenas fossem praticamente erra-

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 14 dicadaS; pelo menos na Europa e nos Estados Unidos. O recurso terapja qumica, especialmente aos antibiticos, contribuiu para um numr0 cacla Vez menor de fatalidades causadas por doenas infecciosas A melhoria dos cuidados infantis e da educao conduziu a uma baixa taxa de mortalidade e de morbisidade entre as crianas. ^Uitas doenas que causaram impressionantes danos entre os jovens e as pessoas de meia-idade foram vencidas. O nmero de idosos est a aur^enta^ e com ele aumenta o nmero de pessoas com enfermidades e doenas crnicas associadas idade avanada. Os pediatras tm menos trabalho com situaes agudas e potencialrrvente fatais, mas encontram um nmero crescente de pacientes com perturbaes psicossomticas e problemas comportamentais e de adaptao. Os mdicos tm mais pessoas na sala de espera com prob|emas emocionais do que alguma vez tiveram, mas tambm contam so responsveis pelo cada vez mais intenso medo da morte, pelo crescente nmero de problemas emocionais, e pela maior necessidade de compreender e lidar com os problemas da morte e do process^ que a ela conduz. Quando olhamos para trs no tempo e estudamos antigas cultura s e povos, impressiona-nos que a morte sempre tenha sido desagradvel para o homem e, provavelmente, sempre o venha a ser no ruti^ro r_)0 pOnto de vista de uma psiquiatra, isto bastante comPre^nsvel, e talvez possa ser melhor explicado pela noo bsica, ainc^a qUe inconsciente, de que a morte nunca possvel no nosso Pr3rio caso. Para o nosso inconsciente, impossvel imaginar um verciadeiro trmino para a nossa prpria vida aqui na Terra; e, se essa ACOLHERAMORTE > 15 VI

    .1 tem de acabar, o seu desfecho sempre atribudo a uma interco maliciosa externa, por parte de uma outra pessoa. Em termos mples no nosso inconsciente ns s podemos ser assassinados; concebvel morrer de causas naturais ou de velhice. Por essa razo, a morte , em si mesma, associada a um acto malvolo, um acontecimento assustador, algo que requer uma retribuio e um castigo. prudente recordar estes factos fundamentais, uma vez que eles so essenciais para compreender algumas das declaraes mais importantes dos nossos pacientes, que de outra forma se tornam ininteligveis. O segundo facto que temos de compreender que, no nosso inconsciente, somos incapazes de distinguir entre um desejo e a sua concretizao. Todos temos conscincia de alguns dos nossos sonhos ilgicos em que duas afirmaes completamente opostas podem co- -existir - algo de muito aceitvel nos nossos sonhos mas impensvel

  • e ilgico durante o estado de viglia. Tal como o nosso inconsciente no capaz de diferenciar entre o desejo de matar algum num acesso de raiva e o prprio acto de o fazer, tambm as crianas pequenas so incapazes de fazer tal distino. A criana que deseja ferozmente que a me caia morta por no ter satisfeito as suas necessidades ficar muito traumatizada pela verdadeira morte da sua me - mesmo se esse acontecimento no tiver uma relao temporal prxima com os seus desejos destrutivos. Ela atribuir-se- sempre parte da culpa pela perda da sua me. Dir sempre a si prpria - raramente a outras Pessoas - Fui eu, eu fui a responsvel, fui m e por isso a mam dei- xou-me. E bom termos em mente que a criana reagir da mesma Orrna se perder um pai devido a divrcio, separao ou abandono. morte muitas vezes vista pela criana como uma coisa provisria - Por essa razo, pouco se distingue de um divrcio em que ela pode r a oportunidade de voltar a ver o pai ou a me. Muitos pais lembrar-se-o de observaes dos seus filhos como u enterrar agora o meu cozinho e na prxima Primavera, quando as res vltarem, ele levanta-se outra vez. Talvez o mesmo desejo tenha lvado os antigos egpcios, que deram alimentos e objectos aos seus

  • ELISABETH KUBLER-ROSS > 16 mortos para os manter felizes, e os antigos ndios americanos, que enterravam os familiares juntamente com os seus pertences. Quando crescemos e comeamos a perceber que a nossa omnipotncia no assim to omnipotente, que os nossos desejos mais intensos no so suficientemente poderosos para tornarem possvel o impossvel, o medo de termos contribudo para a morte de um ente querido diminui - e com ele a culpa. No entanto, o medo s continua mitigado se no for desafiado com muita intensidade. Os seus vestgios podem ser encontrados diariamente nos corredores dos hospitais e nas pessoas prximas de quem perdeu algum. Um casal pode estar em conflito h anos mas, quando um dos seus membros morre, o que lhe sobrevive puxa os cabelos, geme e chora em altos brados, bate no peito cheio de arrependimento, medo e angstia, passando a partir da a temer mais a sua prpria morte, acreditando ainda na lei da retribuio - olho por olho, dente por dente - Sou responsvel pela sua morte. Em troca, terei de sofrer uma morte miservel. Talvez saber isto nos ajude a compreender muitos dos antigos costumes e rituais que duram h vrias sculos e cujo propsito aplacar a ira dos deuses ou das pessoas, conforme o caso, diminuindo assim o castigo por vir. Estou a pensar nas cinzas, nas roupas rasgadas, no vu, no Klage Weiber dos velhos tempos - formas de nos pedir para termos piedade deles, dos enlutados, e expresses de dor, pesar e vergonha. Se algum manifesta a sua dor, bate no peito, puxa os cabelos ou recusa comer, est a fazer uma tentativa de autopunio devido culpa que carrega pela morte de um ente querido. A dor, vergonha e culpa assim demonstradas no esto muito distantes de sentimentos de ira e raiva. O processo de luto inclui sempre algumas caractersticas prprias da ira. Como nenhum de ns gosta de admitir que sente raiva para com uma pessoa morta, estas emoes so muitas vezes disfaradas ou reprimidas, prolongando o perodo de luto ou manifestando-se de outras formas. sensato recordar que no nos cabe julgar tais sentimentos como maus ou vergonhosos, mas antes compreender o seu verdadeiro significado e origem ACOLHER A MORTE > 17 Jan de muito humano. Para o ilustrar, recorrerei mais uma vez corno disu xempl0 da cliana - e da criana dentro de ns. A criana de o anos que perde a me est tanto a culpar-se a si prpria pelo desaparecimento, quanto a zangar-se com ela por a ter abando- do e j no satisfazer as suas necessidades. A pessoa morta torna- e ento em algo que a criana ama e quer muito, mas que tambm odeia com a mesma itensidade devido a esta grave privao.

  • Os antigos hebreus encaravam o corpo de uma pessoa morta como algo de impuro, que no devia ser tocado. Os ndios americanos falavam de espritos malignos e disparavam flechas para o cu com o intuito de os afastar. Muitas outras culturas tm rituais para lidar com a m pessoa morta, e todos eles surgem deste sentimento de ira que ainda existe dentro de todos ns, embora no nos agrade admiti-lo. A tradio da lpide tumular pode ter origem neste desejo de manter os maus espritos bem no fundo da terra, e os seixos que muitas pessoas de luto colocam nos tmulos so smbolos remanescentes do mesmo desejo. Apesar de dizermos que o disparo de armas nos funerais militares constitui uma ltima saudao, trata-se do mesmo ritual que os ndios usavam quando arremessavam as suas flechas e lanas aos cus. Dou estes exemplos para enfatizar que, na sua essncia, o ser humano no mudou. A morte continua a ser um acontecimento temvel e assustador, e o medo da morte um medo universal, ainda que Pensemos que o dominmos a muitos nveis. O que mudou foi a nossa forma de lidar com a morte e com o processo que a ela conduz e com os pacientes nessa situao. Tendo sido educada num pas europeu onde a cincia no to Vanada, onde as tcnicas modernas s agora comearam a ser apli- uas medicina, e onde as pessoas ainda vivem como viviam neste h meio sculo atrs, posso ter tido a oportunidade de estudar rte da evoluo da humanidade num perodo mais curto. Lembro-me da morte de um agricultor, que ocorreu quando eu cnana. Ele caiu de uma rvore e no se esperava que sobrevivesse.

  • ELISABETH KUBLER-ROSS > 20 meios de nos prepararmos a ns e s nossas famlias para este acontecimento inevitvel. Ao invs, os dias em que o homem podia morrer na paz e dignidade do seu prprio lar so coisa do passado. Quanto mais avanos fazemos no campo cientfico, mais parecemos temer e negar a realidade da morte. Como isto possvel? Usamos eufemismos, fazemos com que os mortos paream estar a dormir, mandamos as crianas para longe para as proteger da ansiedade e da agitao que reina em casa, se o paciente teve a sorte de morrer em casa, no lhes permitimos visitar os pais moribundos no hospital, temos longas e controversas discusses sobre a possibilidade de dizer a verdade aos pacientes - uma questo que raramente se pe se a pessoa que est a morrer for atendido pelo mdico de famlia que a conhece desde o parto e que sabe quais so os pontos fracos e fortes de cada membro da famlia. Acho que existem muitas razes para termos deixado de enfrentar calmamente a morte. Uma das mais importantes o facto de a morte ser, em muitos sentidos, mais pavorosa hoje em dia, nomeadamente mais solitria, mecnica e desumanizada; por vezes, at difcil determinar tecnicamente o momento em que a morte ocorreu. Morrer torna-se solitrio e impessoal porque o paciente muitas vezes retirado do seu ambiente familiar e enviado pressa para uma sala de emergncias. Principalmente as pessoas que estiveram muito doentes e precisaram de repouso e conforto devem recordar a experincia de terem sido postas numa maca e suportado o barulho da sirene da ambulncia e a frentica agitao que dura at abertura dos portes do hospital. S os que passaram por isto podem ter noo do desconforto e da necessidade fria de tal meio de transporte, que apenas o incio de uma longa provao - difcil de suportar mesmo quando estamos de boa sade, difcil de expressar em palavras quando o rudo, as luzes, as bombas e as vozes so demasiado intensos. Seria bem melhor que respeitssemos mais o paciente sob os lenis e cobertores e interrompssemos a nossa bem-intencionada pressa e eficincia para lhe segurarmos na mo, sorrirmos ou respon- ACOLHERAMORTE> 21 a mos a uma pergunta. Incluo a viagem para o hospital como o priiro episdio no processo que conduz morte, tal como acontece muitos casos. Estou a contrast-lo exageradamente com o homem doente que deixado em casa - no para dizer que as vidas no devem ser salvas se o puderem ser atravs da hospitalizao, mas para manter as atenes concentradas na experincia do paciente, nas suas necessidades e reaces. Quando um paciente tem uma doena grave, muitas vezes tratado como uma pessoa que no tem direito sua opinio. Frequentemente, uma outra pessoa que decide se, quando e onde um paciente deve ser hospitalizado. Seria preciso muito pouco para nos lembrarmos de que a pessoa doente tambm tem sentimentos, desejos e opinies, e que, antes de tudo o mais, tem o direito de ser ouvida. Bom, o nosso suposto paciente chegou agora sala de emergncias. Ser rodeado de enfermeiras atarefadas, empregados, estagirios, mdicos internos, talvez um tcnico de laboratrio que lhe retirar uma amostra de sangue, um outro tcnico que lhe far um electrocardiograma. Pode ser levado para o raio-x e ouvir de relance opinies sobre o seu estado de sade, discusses e perguntas aos seus familiares. Lenta mas seguramente, comea a ser tratado como uma coisa. Deixou de ser uma pessoa. As decises so frequentemente tomadas sem a sua opinio. Se se tentar revoltar, ser

  • posto a sedativos e, depois de horas de espera a perguntar-se se ter as foras necessrias, ser levado de maca para a sala de operaoes ou para a unidade de cuidados intensivos e tornar-se- objecto e 8ran
  • ELISABETH KBLER-ROSS > 22 mas ser uma luta intil porque tudo isso feito em prol da sua vida e, se o conseguirem salvar podero ento, considerar a pessoa depois. Os que consideram a pessoa em primeiro lugar arriscam-se a perder tempo que seria precioso para lhe salvar a vida! Pelo menos, parece ser este o raciocnio ou justificao por detrs de tudo isto - ou no ser? Ser possvel que a razo para esta abordagem, cada vez mais mecanizada e despersonalizada, seja a nossa prpria atitude defensiva? Ser esta abordagem a nossa forma de reprimir e lidar com a ansiedade que um paciente, com uma doena muito grave ou terminal, nos provoca? Ser a nossa concentrao no equipamento, na presso sangunea, uma tentativa desesperada de negar a morte iminente, que to assustadora e desconfortvel para ns ao ponto de deslocarmos todo o nosso conhecimento para mquinas, porque elas esto menos prximas de ns do que a cara em sofrimento de um outro ser humano, que nos recordaria mais uma vez a nossa falta de omnipotncia, os nossos prprios limites e fracassos, e, acima de tudo o mais, a nossa prpria mortalidade? Talvez a questo tenha de ser posta: Estamo-nos a tornar menos humanos ou mais humanos? Apesar de este livro no pretender, de forma alguma, fazer juzos de valor, evidente que, qualquer que seja a resposta, o paciente est a sofrer mais - no em termos fsicos, talvez, mas em termos emocionais. E as suas necessidades no mudaram ao longo dos tempos, s mudou a nossa capacidade de as satisfazer. Captulo II Atitudes perante a Morte e o Processo Que a Ela Conduz Os homens so cruis, mas o Homem gentil. TAGORE, in Pssaros Perdidos A Contribuio da Sociedade para uma Atitude Defensiva At agora, abordmos a reaco humana individual morte e ao processo que a ela conduz. Se examinarmos agora a nossa sociedade, podemos querer interrogar-nos sobre o que acontece ao homem numa sociedade que tende a ignorar ou evitar a morte. Que factores, se que h alguns, contribuem para uma crescente ansiedade em relao morte? O que acontece no campo da medicina, que est sempre em mudana, fazendo-nos interrogar se a medicina permanecer uma profisso humanitria e respeitada ou se se transformar numa nova mas despersonalizada cincia ao servio do prolongamento da Vlda, e no da diminuio do sofrimento humano? Agora os estudantes tm sua escolha dezenas de palestras sobre RNA e DNA mas Possuem menos experincia na simples relao mdico-doente 4Ue costumava ser o fundamento de qualquer mdico de famlia em-sucedido. O que acontece numa sociedade que enfatiza mais o Qi e s crditos acadmicos do que factores simples como o tacto,

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 24 a sensibilidade, o discernimento e o bom gosto na gesto do sofrimento? E numa sociedade profissional onde o jovem aluno de medicina admirado pela investigao e trabalho laboratorial que realizou durante os primeiros anos da faculdade, embora lhe faltem as palavras quando um paciente lhe faz uma simples pergunta? Se pudssemos combinar os ensinamentos das novas conquistas cientficas e tecnolgicas com uma nfase igual nas relaes interpessoais, estaramos de facto a fazer progressos. Mas isso no acontecer se o novo conhecimento for transmitido ao aluno custa de um contacto interpessoal cada vez menor. O que acontecer a uma sociedade que d mais importncia a nmeros e multides do que ao indivduo - onde as faculdades de medicina esperam alargar as suas turmas, onde a tendncia dominante se afasta da relao professor-aluno e a substitui por aulas em circuito fechado de televiso, gravaes e filmes, capazes de ensinar um nmero maior de alunos de uma forma mais despersonalizada? Esta mudana de nfase do indivduo para as massas tem sido mais dramtica em outras reas da interaco humana. Se olharmos para as mudanas que ocorreram nas ltimas dcadas, podemos reconhec-la por todo o lado. Antigamente, um homem podia enfrentar o seu inimigo de olhos nos olhos. Tinha uma hiptese justa de vencer um confronto pessoal com um inimigo visvel. Agora, tanto o soldado como o civil tm de antecipar armas de destruio massiva que no lhes do hipteses razoveis e, muitas vezes, nem lhes permitem ter conscincia da sua aproximao. A destruio pode cair do cu azul e destruir milhares de pessoas, como no caso da bomba de Hiroshima; pode chegar sob a forma de gs ou de outro meio de guerra qumica - invisvel, incapacitante, assassina. J no se trata do homem que luta pelos seus direitos, pelas suas convices, pela segurana ou honra da sua famlia, mas da nao, incluindo as mulheres e crianas que se vem envolvidas na guerra, afectadas directa ou indirectamente e sem hipteses de sobrevivncia. Foi assim que a cincia e a tecnologia contriburam para um cada vez maior medo da destruio e, em consequncia, da morte. ACOLHER A MORTE > 25 Ser ento surpreendente que o ser humano se tenha de defender cada vez mais? Se a sua capacidade de se defender em termos fsicos diminui progressivamente, as suas defesas psicolgicas tm de aumentar de forma exponencial. Ele no pode continar para sempre em negao. No pode fingir para sempre que est seguro. Se no podemos negar a morte, podemos tentar domin-la. Podemos juntar-nos corrida nas auto-estradas, podemos ler o balano de vtimas mortais durante os feriados e estremecer, mas tambm alegrar-nos - No me aconteceu a mim, eu safei-me. Grupos de pessoas, desde bandos de rua at naes, podem usar a sua identidade grupai para expressar o seu medo de serem destrudos atacando e destruindo outras pessoas. Ser que a guerra no passa de uma necessidade de enfrentar a morte, de a conquistar e dominar, de sair dela vivo - uma forma peculiar de negao da nossa prpria mortalidade? Um dos nossos pacientes, que estava a morrer de leucemia e no conseguia acreditar no que lhe estava a suceder, disse, impossvel que eu morra agora. No pode ser a vontade de Deus, porque ele fez com que eu sobrevivesse quando fui alvejado durante a Segunda Guerra Mundial e as balas passaram a poucos centmetros de mim. Outra mulher expressou o seu choque e incredulidade quando descreveu a morte injusta de um jovem que tinha vindo do Vietname em licena e morrera num acidente de carro, como se a sua sobrevivncia no campo de batalha lhe devesse garantir imunidade morte depois de regressar a casa.

  • Uesta forma, possvel que uma sada pacfica possa ser mais faciU mente encontrada atravs do estudo das atitudes dos lderes das naes Perante a morte, daqueles que tomam as decises finais de guerra e Paz entre naes. Se todos ns fizssemos um esforo global para con- emplar a nossa prpria morte, para lidar com as ansiedades que ueiam o conceito da nossa morte, e para ajudar os outros a fami- anzarem-se com estes pensamentos, talvez pudesse existir menos estmio nossa volta.

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 26 As agncias noticiosas talvez possam dar a sua contribuio para ajudar as pessoas a enfrentar a realidade da morte se evitarem termos to despersonalizados como a soluo da questo judaica para se referirem ao assassnio de milhes de homens, mulheres e crianas; ou, recorrendo a um assunto mais recente, a recuperao de uma colina no Vietname atravs da eliminao de uma metralhadora e de pesadas perdas de VC podia ser descrita em termos da tragdia humana e da perda de seres humanos em ambos os lados. Existem tantos exemplos em todos os jornais e outros meios de comunicao social que se torna desnecessrio acrescent-los aqui. Em resumo, penso que, com os rpidos avanos tecnolgicos e as novas conquistas cientficas, o ser humano foi capaz de desenvolver no s novas capacidades como tambm novas armas de destruio em massa que aumentam o medo de uma morte violenta e catastrfica. O ser humano tem de se defender psicologicamente de muitas formas deste crescente medo da morte e da cada vez maior incapacidade de a prever e de se proteger dela. Em termos psicolgicos, ele pode negar durante algum tempo a realidade da sua prpria morte, uma vez que, no nosso inconsciente, somos incapazes de percepcionar a nossa prpria morte e acreditamos na nossa imortalidade. Embora possamos conceber a morte de outras pessoas, as notcias que do conta dos nmeros de baixas era combate, em guerras ou nas auto-estradas servem apenas para reforar a crena inconsciente na nossa imortalidade, e permitem - na privacidade e secretismo do nosso inconsciente - que nos regozijemos por ter sido o outro, e no eu. Se a negao j no for possvel, podemos tentar dominar a morte desafiando-a. Se somos capazes de conduzir na auto-estrada a alta velocidade, se conseguimos regressar do Vietname, devemo-nos sentir realmente imunes morte. Matmos dez vezes mais inimigos do que as perdas que sofremos - ouvimos ns quase todos os dias nas notcias. Ser isto a projeco do nosso desejo infantil de omnip tncia e imortalidade? Se toda uma nao, toda uma sociedade sorre de tamanho medo e negao da morte, tem de usar defesas que so ACOLHER A MORTE > 27 riem ser destrutivas. Guerras, motins e um crescente aumento de micdios e outros crimes podem ser indicadores da nossa cada vez nor capacidade para enfrentar a morte com aceitao e dignidade. T lvez tenhamos de regressar ao ser humano individual e comear A zero, tentar conceber a nossa prpria morte e aprender a enfrentar este acontecimento trgico mas inevitvel com menos irracionalidade e medo. Que papel desempenha a religio nestes tempos em mudana? Antigamente, mais pessoas pareciam acreditar em Deus sem o questionar; acreditavam na vida aps a morte, que aliviaria as pessoas do seu sofrimento e da sua dor. Havia uma recompensa no Cu e, se tivssemos sofrido muito aqui na Terra, seramos recompensados depois da morte segundo a coragem e graa, pacincia e dignidade com que tivssemos suportado o nosso fardo. O sofrimento era mais comum, tal como o parto era um acontecimento mais natural, longo e doloroso - embora a me estivesse acordada quando a criana nascia. O sofrimento tinha um propsito e uma recompensa no futuro. Agora, damos sedativos s mes, tentamos evitar a dor e a agonia; podemos mesmo induzir o parto para que o nascimento ocorra no aniversrio de outro membro da famlia, ou para evitar que interfira com outro acontecimento importante. Muitas mes s acordam horas depois dos seus bebs nascerem, demasiado drogadas e sonolentas para se alegrarem com o nascimento do filho. O sofrimento no faz muito sentido, porque se podem administrar drogas para a dor, a comicho e outras sensaes

  • desconfortveis. H muito que j no se acredita que o sofrimento aqui na Terra ser recompensado no Cu. u sofrimento perdeu o seu significado. Mas, com esta mudana, h tambm menos pessoas a acreditar eamente na vida aps a morte, o que, em si mesmo, talvez uma gao da nossa prpria mortalidade. Bem, se no podemos antecia vida depois da morte, ento temos de considerar a morte. Se ao smos recompensados no Cu pelo nosso sofrimento, ento o j f>no sfrimento deixa de ter sentido. Se participarmos nas activi- dad es da igreja apenas para socializarmos ou para irmos a um baile,

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 28 ento somos privados do anterior objectivo da igreja, nomeadamente o de dar esperana e um sentido s tragdias aqui na Terra e uma tentativa de compreender e dar significado a ocorrncias nas nossas vidas que, de outra forma, so inaceitavelmente dolorosas. Por mais paradoxal que possa parecer, apesar de a sociedade ter contribudo para a nossa negao da morte, a religio perdeu muitos dos seus crentes na vida aps a morte, isto , na imortatdade, diminuindo assim a negao da morte por essa via. Mas o paciente no ficou a ganhar com esta troca. Enquanto que a negao religiosa, isto , a crena no sentido do sofrimento aqui na Terra e ni recompensa celeste depois da morte, ofereceu esperana e um propsito, a negao da sociedade no deu nem esperana nem propsito, mas serviu apenas para aumentar a nossa ansiedade e contribuir para a nossa atitude destrutiva e agressiva - matar para evitar a realidade e o confronto com a nossa prpria morte. Um olhar para o futuro mostra-nos uma sociedade onde cada vez mais pessoas so mantidas vivas com mquinas que substituem rgos vitais e computadores que verificam regularmente se algumas funcionalidades fisiolgicas adicionais tm de ser substitudas por equipamento electrnico. Podem ser construdos um nmero crescente de centros onde todos os dados tcnicos so reunidos e onde uma luz se acende quando um paciente expira, para parar o equipamento automaticamente. Outros centros podem-se tornar cada vez mais populares, congelando rapidamente os falecidos e colocando-os num edifcio especial a temperaturas baixas, espera do dia em que a cincia e a tecnologia tenham avanado o suficiente para os descongelar, devolver-lhes a vida e reintegr-los na sociedade. Mas o excesso de populao pode ser to assustador que se tornem necessrios comits especiais para decidir quantas pessoas podem ser descongeladas, tal como agora existem comits para decidir quem receber um rgo disponvel e quem morrer. Tudo isto pode parecer incrvel e horrendo, mas a triste verdade que j est a acontecer. Neste pas, no existe uma lei que impea os ACOLHER A MORTE > 29 oportunistas de fazer dinheiro com o medo da morte, negando-lhes o direito a anunciar e vender a preos elevados a promessa de uma vida possvel depois de anos de congelamento. Estas organizaes j existem, e apesar de nos podermos rir quando algum pergunta se a viva de uma pessoa congelada tem direito a casar novamente ou a aceitar penses da segurana social, estas questes so demasiado graves para serem ignoradas. Na verdade, demonstram os extraordinrios nveis de negao que algumas pessoas precisam para evitarem enfrentar a realidade da morte. Parece que chegmos a um ponto em que indivduos de todas as profisses e contextos religiosos tm de parar para pensar, antes que a nossa sociedade se torne to petrificada que tenha de se destruir a si prpria. Agora que olhmos para o passado, quando o homem tinha a capacidade de enfrentar a morte com tranquilidade, e tivemos um vislumbre algo assustador do futuro, regressemos ao presente e perguntemo-nos muito seriamente o que podemos fazer, enquanto indivduos, em relao a tudo isto. evidente que no podemos evitar a tendncia para um aumento global dos nmeros. Vivemos na sociedade do homem massificado, e no do homem individual. As turmas nas faculdades de medicina ficaro maiores, quer isso nos agrade ou no. O nmero de carros nas auto-estradas aumentar. O

  • nmero de pessoas mantidas vivas tambm, se tivermos em conta apenas os progressos na cardiologia e na cirurgia cardaca. E tambm no podemos recuar no tempo. No nos podemos ar ao luxo de proporcionar a todas as crianas a experincia de a vida simples numa quinta, prxima da natureza, assim como exPerincia do nascimento e da morte no ambiente natural da nca- Os homens da igreja at podem no conseguir restituir 1 mais pessoas a crena na vida aps a morte, o que torna- j Orte mais compensadora, embora atravs de uma certa forma e negao da mortalidade. nem a Pdemos negar a existncia de armas de destruio massiva Preender qualquer espcie de regresso ao passado. A cincia e

  • M ELISABETH KBLER-ROSS > 30 ACOLHER A MORTE > 31 a tecnologia permitir-nos-o substituir mais rgos vitais, e a responsabilidade por questes que envolvem a vida e a morte, dadores e receptores, aumentar exponencialmente. Problemas jurdicos, morais, ticos e psicolgicos sero colocados s geraes presentes e futuras, que decidiro cada vez mais questes de vida e de morte at que, provavelmente, essas decises sejam tambm tomadas por computadores. Embora cada pessoa v tentar, por si prpria, adiar estes problemas e questes at ser forada a enfrent-los, s ser capaz de mudar as coisas se conseguir comear a conceber a sua prpria morte. Isto no pode ser feito ao nvel das massas. No pode ser feito por computadores. Cada ser humano tem de o fazer sozinho. Todos ns sentimos necessidade de evitar esse assunto e, no entanto, todos temos de o enfrentar mais cedo ou mais tarde. Se pudssemos todos dar um primeiro passo contemplando a possibilidade da nossa prpria morte, podamos concretizar muitas coisas, acima de tudo o bem-estar dos nossos pacientes, das nossas famlias e, finalmente, talvez da nossa nao. Se pudssemos ensinar aos nossos alunos o valor da cincia e da tecnologia enquanto, sumultaneamente, lhes ensinvamos a arte e a cincia das relaes inter-humanas, dos cuidados mdicos humanizados e integrais, faramos verdadeiro progresso. Se a cincia e a tecnologia no forem impropriamente utilizadas para aumentar a destrutividade, prolongando o tempo de vida em vez da qualidade, se puderem contribuir para libertar mais tempo para os contactos interpessoais em vez de os tornar ainda mais escassos, ento podemos realmente falar de uma sociedade melhor. Finalmente, podemos alcanar a paz - a nossa paz interior, bem como a paz entre as naes - enfrentando e aceitando a realidade da nossa prpria morte. Um exemplo da combinao de conquistas mdicas e cientficas com uma atitude humana dado pelo seguinte caso do Sr. R: O Sr. P. era um paciente de cinquenta e um anos que foi hos- 1 pitalizado com uma esclerose lateral amiotrfica de progresso , -jg com envolvimento bulbar. Era incapaz de respirar sem ventilador, tinha dificuldade em eliminar expecturao pela tosse e desenvolveu uma pneumonia e uma infeco no local da traqueostomia. Devido a este ltimo problema, tambm estava incapaz de falar; por isso, ficava deitado na cama a ouvir o assustador som do seu ventilador, sem conseguir comunicar as suas necessidades, pensamentos ou sentimentos a ningum. Podamos nunca ter sido chamados para ver este paciente se um dos mdicos no tivesse tido a coragem de pedir ajuda para si prprio. Numa noite de sexta-feira, ele visitou-nos e pediu simplesmente algum apoio Enquanto nos sentvamos e o ouvamos, ele relatou-nos sentimentos que raramente so manifestados. O mdico tinha-se ocupado deste paciente desde o momento da sua admisso no hospital e estava visivelmente impressionado pelo seu sofrimento. O paciente era relativamente jovem e tinha uma perturbao neurolgica que exigia imensa ateno mdica e assistncia pessoal para lhe prolongar a vida apenas durante um curto perodo de tempo. A sua mulher tinha esclerose mltipla e ficara com todos os membros paralisados trs anos antes. O paciente desejava morrer durante este internamento, porque achava inconcebvel estarem duas pessoas paralisadas em casa, cada uma delas observando a outra sem serem capazes de se ajudar mutuamente. Esta dupla tragdia resultou no estado de ansiedade do mdico e nos seus esforos excessivamente vigorosos para salvar a vida deste homem seja em que condies for. O mdico tinha plena

  • conscincia de que isso ia contra os desejos do paciente. Os seus ros continuaram a ser bem-sucedidos, mesmo depois de a bstruo coronria que complicou a situao. Combateu-a 0 ecazmente quanto combateu a pneumonia e as infeces. ando o paciente comeou a recuperar de todas as complica- levantou-se a questo - E agora? Ele s podia sobrevi- gado ao ventilador e com assistncia pessoal vinte e qua- ras Pr dia; estava incapaz de falar ou de mexer um dedo,

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 32 mas intelectualmente vivo e plenamente consciente da sua grave situao. O mdico detectou algumas crticas implcitas s suas tentativas de salvar este homem. Tambm provocou no doente reaces de ira e frustrao dirigidas a si. O que esperavam que ele fizesse? Para alm disso, agora era tarde demais para mudar as coisas. Quisera fazer o seu melhor enquanto mdico, e agora, que tinha sido bem-sucedido, s conseguia provocar a ira e a crtica do paciente. Decidimos tentar resolver o conflito na presena do paciente, uma vez que ele era uma parte importante do problema. Ele pareceu interessado quando lhe contmos a razo da nossa visita. Ficou visivelmente satisfeito por o termos includo, considerando-o uma pessoa e tratando-o como tal, apesar da sua incapacidade de comunicar. Quando lhe apresentei o problema, pedi-lhe que acenasse com a cabea ou nos desse outro sinal se no quisesse discutir o assunto. Os seus olhos falavam mais alto do que quaisquer palavras. Era bvio que se esforava por dizer mais, e ns tentvamos encontrar formas que lhe permitissem participar na conversa. O mdico, aliviado por partilhar o seu fardo, tornou-se bastante criativo e, a certa altura, esvaziou o tubo do ventilador durante alguns minutos, o que permitiu ao paciente proferir algumas palavras enquanto expirava. Uma torrente de sentimentos fluiu destes dilogos. O paciente sublinhou que no tinha medo de morrer, mas que tinha medo de viver. Tambm empatizou com o mdico, mas exigiu-lhe que me ajude a viver agora, j que fez um esforo to grande para que eu sobrevivesse at aqui. O paciente sorriu e o mdico tambm. Houve um grande alvio da tenso quando ambos conseguiram falar um com o outro. Eu reformulei por outras palavras os conflitos do mdico, e o paciente simpatizou com eles. Perguntei-lhe de que forma o podamos ajudar mais, nesta altura. Ele descreveu o seu pnico crescente quando ficou incapaz de comunicar pela fala, pela escrita ou por outros meios. Ficou grato pelos poucos minutos de esforo e comunicao conjuntos, que ACOLHER A MORTE > 33 tornaram as semanas seguintes menos dolorosas. Numa sesso posterior, observei com prazer que o paciente chegou a considerar a hiptese de ter alta e de ser transferido para a costa oeste, se conseguir encontrar l um ventilador e quem me preste assistncia. Este exemplo talvez ilustre melhor a grave situao em que muitos mdicos jovens se encontram. Aprendem a prolongar a vida, mas recebem pouca formao sobre a definio de vida, e discutem pouco esse assunto. Este paciente considerava-se, e com razo, morto at cabea, sendo que a tragdia era o facto de estar, em termos intelectuais, plenamente consciente da sua situao e incapaz de mexer um dedo sequer. Quando o tubo fazia presso e o magoava, no conseguia diz-lo enfermeira, que estava com ele dia e noite sem ser capaz de aprender a comunicar. Muitas vezes, damos por garantido que no se pode fazer nada e concentramos o nosso interesse no equipamento em vez de nas expresses faciais do paciente, que nos podem dizer coisas mais importantes do que a mquina mais eficiente. Quando o paciente tinha uma comicho, no conseguia mexer-se, coar-se ou soprar, e ficava cada vez mais obcecado com essa incapacidade, at se deixar tomar pelo pnico que o levava a beira da loucura. A introduo destas sesses regulares de cinco minutos acalmaram o paciente e fizeram com que ele conseguisse tolerar melhor os seus desconfortos. Isso aliviou os conflitos do mdico e assegurou-lhe uma relao or sem culpa nem comiserao. Assim que verificou como esses gos explcitos podiam proporcionar tanto conforto e tranquili- continuou-os sozinho, tendo-nos usado apenas como uma esp-

  • catalizador para pr em marcha a comunicao, j. u plenamente convicta de que assim que o processo deve r- No acho benfico que se chame um psiquiatra sempre que no relao doente-mdico esteja em perigo ou que um mdico seu a U Se^a incaPaz de discutir assuntos importantes com o e- Considerei corajoso e sinal de grande maturidade que

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 34 este jovem mdico reconhecesse os seus limites e os seus conflitos, e procurasse ajuda em vez de evitar a questo e o paciente. No devemos ter como objectivo designar especialistas para os pacientes terminais, mas antes formar o nosso pessoal hospitalar para se sentir confortvel quando tem de enfrentar tais dificuldades e procurar solues. Confio que este jovem mdico ter muito menos conflitos e perturbaes quando for confrontado com estas tragdias da prxima vez. Tentar ser um mdico e prolongar a vida, mas tambm ter em conta as necessidades do paciente discutindo-as francamente com ele. Este paciente, que ainda era uma pessoa, s achava insuportvel continuar a viver porque no era capaz de fazer uso das faculdades que lhe restavam. Com os esforos combinados das vrias pessoas envolvidas, muitas destas faculdades podem ser usadas se no fugirmos assustados com a mera viso de um indivduo to impotente e em to grande sofrimento. Talvez o que eu esteja a dizer que podemos ajud-los a morrer tentando ajud-los a viver, em vez de vegetarem de uma forma desumana. i.-p n O Incio de Um Seminrio Interdisciplinar >n-. Sobre a Morte e o Morrer No Outono de 1965, quatro estudantes de teologia do Seminrio Teolgico de Chicago pediram-me ajuda para um projecto de investigao por eles escolhido. A turma a que pertenciam tinha sido encarregue de escrever um artigo sobre crises na vida humana, e os quatro estudantes consideravam a morte a maior crise que as pessoas tm de enfrentar. Depois, surgiu a questo bvia: Como fazer investigao sobre o processo que conduz morte quando os dados so praticamente impossveis de obter, quando no podemos verificar os nossos dados nem podemos acumular experincia? Reunimo-nos durante algum tempo e decidimos que a melhor forma possvel de estudar a morte e o morrer seria pedir aos doentes terminais que fossem nossos professores. Observaramos doentes terminais, estudara- ACOLHERAMOKTE> 35 mos as suas respostas e necessidades, avaliaramos as reaces das pessoas que os rodeavam e aproximar-nos-amos tanto quanto eles nos deixassem do processo que conduz morte. Decidimos entrevistar um doente terminal na semana seguinte. Estabelecemos uma data e um local, e todo o processo parecia bastante simples e pouco complicado. Como os estudantes no tinham experincia clnica e nunca tinham contactado com pacientes terminais num hospital, espervamos algumas reaces emocionais da parte deles. Eu faria a entrevista enquanto eles ficavam em redor da cama a observar. Iramos depois para o meu gabinete e discutiramos as nossos prprias reaces e a resposta do paciente. Acreditvamos que, fazendo muitas entrevistas deste tipo, ficaramos com uma ideia dos doentes terminais e das suas necessidades, s quais estvamos dispostos a responder, se possvel. No tnhamos outras ideias pr-concebidas nem lramos quaisquer artigos ou publicaes sobre o assunto, para que pudssemos ter a mente aberta e registar apenas o que fssemos capazes de observar, tanto nos pacientes quanto em ns prprios. Tambm no estudmos propositamente a ficha do paciente, uma vez que isso poderia diluir ou alterar as nossas observaes. No queramos ter qualquer noo pr-concebida das eventuais reaces do paciente. No entanto, estvamos preparados para estudar todos os dados disponveis depois de termos registado as nossas prprias impresses. Isso, pensvamos ns, sensibilizar-nos-ia para as necessidades das pessoas com doenas muito graves, aumentaria o nosso discernimento e, espervamos, dessensibilizaria os assustados estudantes atravs de um numero crescente de confrontaes com doentes terminais de diferentes idades e contextos. Estvamos bastante satisfeitos com os nossos planos e as dificuldades s surgiram alguns dias mais tarde.

  • Comecei a pedir, a mdicos de servios e alas diferentes, auto- ao para entrevistar um doente terminal que estivesse sob os seus lclados. As reaces foram variadas, desde olhares espantados de Credito a mudanas de assunto bastante abruptas; como resultado

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 36 final, no tive uma nica oportunidade para me aproximar de um desses pacientes. Alguns mdicos protegiam os seus pacientes dizendo que estavam demasiado doentes, demasiado cansados ou fracos, ou que no eram muito faladores; outros recusavam-se simplesmente a tomar parte num projecto deste tipo. Tenho de acrescentar, em defesa dos mdicos, que eles tinham, em certa medida, razo. Eu estava ainda a comear o meu trabalho nesse hospital e ningum tinha tido hiptese de me conhecer ou de saber qual era o meu estilo e tipo de trabalho. No tinham nenhuma garantia, excepto a minha, de que os seus pacientes no seriam traumatizados, que aqueles a quem no tinha sido revelada a gravidade da sua doena no a ficariam a .saber. E estes mdicos tambm no sabiam da minha experincia anterior com o processo de morte noutros hospitais. Acrescentei isto para apresentar as reaces dos mdicos de uma forma to justa quanto possvel. Estes mdicos foram muito defensivos quando comemos a falar de morte e do processo que a ela conduz e tambm protegeram os seus pacientes para evitar uma experincia traumtica com um membro da faculdade ainda desconhecido que acabara de se juntar s suas fileiras. De repente, parecia que no existiam doentes terminais naquele enorme hospital. Os meus telefonemas e visitas pessoais aos vrios servios foram todos em vo. Alguns mdicos disseram educadamente que iam pensar no assunto, outros disseram que no gostariam de expor os seus pacientes a esse tipo de interrogatrio, porque os poderia cansar demasiado. Uma enfermeira furiosa perguntou-me, sem conseguir acreditar no que estava a ouvir, se eu gostava de dizer a um homem de vinte anos que s tinha algumas semanas de vida! Virou-me as costas antes que lhe pudesse dizer mais qualquer coisa sobre os nossos objectivos. Quando conseguimos de facto um paciente, ele recebeu-me de braos abertos. Convidou-me a sentar e era bvio que estava ansioso por falar. Disse-lhe que no o desejava ouvir nesse momento ma que regressaria no dia seguinte com os meus estudantes. No fui sun cientemente sensvel para apreciar o que ele me estava a comunica ACOLHER A MORTE > 37 Foi to - difcil arranjar um paciente, que eu tinha de o partilhar com estudantes. Mal eu sabia nessa altura que quando um paciente Por favor, sente-se agora, amanh pode ser tarde demais. Quando ltmos a visitar no dia seguinte, estava estendido na almofada, A masiado fraco para falar. Fez uma tentativa tnue para levantar o K co e sussurrou Obrigado por tentar - morreu menos de uma , ra depois e guardou para si prprio o que queria partilhar conosco e o que ns queramos to desesperadamente aprender. Foi a nossa primeira e mais dolorosa lio, mas tambm o incio de um seminrio que comearia por ser uma experincia cientfica e acabou por ser uma experincia pessoal intensa para muitas das pessoas envolvidas. Depois deste encontro, os estudantes encontraram-se comigo no meu gabinete. Tnhamos necessidade de falar sobre a nossa prpria experincia e queramos partilhar as nossas reaces para as conseguirmos compreender. Este procedimento continua at hoje. Tecnicamente, pouco mudou no que a isso diz respeito. Continuamos a visitar cada paciente terminal uma vez por semana. Pedimos-lhe autorizao para gravar o dilogo em audio e damos-lhe completa liberdade para falar o tempo que quiser. J no utilizamos o quarto do paciente mas antes uma pequena sala de entrevistas de onde podemos ser vistos e ouvidos embora no vejamos a audincia. De um grupo de quatro estudantes de teologia, a turma cresceu para cinquenta alunos, o que obrigou introduo de uma janela de viso num s sentido. Quando ouvimos falar de um paciente que pode estar disponPara o seminrio, eu abordo-o sozinha ou com um dos estudane o mdico ou capelo do hospital que referiu o paciente, ou os- Aps uma breve apresentao, informamo-lo do propsito e unidade da nossa visita, de forma clara e objectiva. Digo a cada a ,ente que temos um grupo interdisciplinar de pessoal hospitalar m . S por aprender com ele. Enfatizamos a

  • necessidade de saber Faz aCerca ds paciente terminais ou com doenas muito graves. s depois uma pausa e esperamos pelas reaces verbais e no vel tes

  • ACOLHER A MORTE > 39 38 EUSETHK0LBOS5>3 ^f^ Cse^-se un. dilogo tpico: c- nor favor, sente-se. capelo N. e eu tes Gostava de saoei tatnos-lhes se nao se np ^.^ :mDora I.V.- mente 4~ sObrt pvolicar o objectivo da entrevista enquanto nos dirigimos para 1 sublinhando o direito de o paciente interromper a sesso Iquer momento, qualquer que seja o motivo. Descrevemos nova- tp o espelho na parede que faz com que a audincia nos possa tnenic ... . ... ouvir, concedendo assim ao paciente um momento de privaci, i connosco que muitas vezes usado para aliviar preocupaes e medos de ltima hora. J na sala de entrevistas, a conversa flui de modo fcil e rpido, comeando com informaes de carcter geral e prosseguindo depois para questes muito pessoais, tal como se pode verificar nos registos gravados de entrevistas, alguns dos quais so apresentados neste livro. A seguir a cada sesso, levamos o paciente de volta para o seu quarto, e depois o seminrio continua. Nenhum paciente mantido espera nos corredores. De regressso sala de aula, o entrevistador junta-se audincia e discute em conjunto com ela os acontecimentos. As nossas prprias reaces espontneas, sejam elas apropriadas ou irracionais, so discutidas abertamente. Debatemos as nossas diferentes respostas, tanto a nvel emocional quanto intelectual. Debatemos as respostas do paciente a diferentes entrevistadores e a diferentes questes e abordagens, e tentamos por fim alcanar uma compreensao psicodinmica das suas declaraes. Estudamos os seus pontos ortes e fracos, bem como as nossas foras e fraquezas na gesto desta Pessoa em particular, e conclumos recomendando certas abordagens esPeramos ns, tornaro os ltimos dias ou semanas do paciente mais confortveis. enhum dos nossos pacientes morreu durante a entrevista. ^ uo de tempo a que ainda lhe sobreviveram variou entre doze sr ariS meses- Muitos dos nossos pacientes mais recentes ainda Ctj Os e muitos dos que se encontravam num estado bastante etitf erarn uma remisso e foram para casa desde a altura da ^V, Vrios pacientes no tiveram recadas e esto bem. SubliNte pnto porque estamos a falar do processo que conduz sCq a ^aeientes que no esto realmente a morrer no sentido Palavra. Estamos a falar com muitos deles, seno com a ck, seno com a

  • EUSABETH KBLER-ROSS > 40 ACOLHER A MORTE > 4l maioria, sobre este acontecimento porque algo que eles enfrentaram devido ocorrncia de uma doena geralmente fatal - a nossa interveno pode ter lugar a qualquer altura, desde a elaborao do diagnstico at aos momentos que antecedem a morte. A discusso serve muitos propsitos, tal como pudemos descobrir pela experincia. Foi muito til para tornar os estudantes mais conscientes da necessidade de considerar a morte como uma possibilidade real, no s para os outros como para eles prprios. Provou ser uma forma sensata de dessensibilizao, processo que ocorre lenta e dolorosamente. Muitos estudantes que compareciam pela primeira vez saam antes de a entrevista acabar. Alguns conseguiam finalmente assistir sesso completa, mas eram incapazes de expressar as suas opinies durante a discusso. Certos alunos deslocavam toda a sua ira e fria para outros participantes, para o entrevistador ou, por vezes, para os pacientes. Esta ltima ocorrncia tinha lugar quando, ocasionalmente, um paciente parecia enfrentar a morte com calma e tranquilidade, enquanto que o estudante estava altamente perturbado pelo encontro. Posteriormente, a discusso revelava que o estudante achava que o paciente estava a ser irrealista ou mesmo falso, porque lhe era inconcebvel que algum pudesse enfrentar uma tal crise com tanta dignidade. Outros participantes comearam a identificar-se com os pacientes, especialmente se tinham a mesma idade e tinham de lidar com estes conflitos durante a discusso - e muito depois. A medida que os elementos do grupo se comearam a conhecer e a perceber que nada era tabu, as discusses tornaram-se uma espcie de terapia de grupo para os participantes, com muitas confrontaes sinceras, apoio mtuo e, por vezes, descobertas e revelaes dolorosas. Mal sabiam os pacientes do impacto e efeitos duradouros que muitas das suas comunicaes tiveram numa to grande variedade e nmero de estudantes. Dois anos aps a sua criao, este seminrio tornou-se um curso certificado na Faculdade de Medicina e no seminrio teolgico. Tam* bm frequentado por muitos mdicos visitantes, por enfermeiros auxiliares de enfermagem, assistentes hospitalares, assistentes sociais, padres e rabinos, por terapeutas respiratrios, terapeutas ocupaionais, mas raramente por membros da faculdade do nosso prprio hospital- Os estudantes de medicina e teologia que nele ingressarn enquanto curso formal de crditos tambm frequentam uma sesso terica que lida com questes filosficas, morais, ticas e religiosas, e que conduzida alternadamente pela autora e pelo capelo do hospital. Todas as entrevistas so gravadas em suporte audio e permanecem disponveis para alunos e professores. No final de cada trimestre, cada estudante escreve um artigo sobre um assunto por ele escolhido. Estes artigos sero apresentados numa futura publicao; variam desde exploraes muito pessoais em torno de conceitos e medos da morte, at artigos altamente filosficos, religiosos ou sociolgicos acerca da morte e do processo que a ela conduz.

  • Para assegurar a confidencialidade, elaborada uma lista de todos os participantes e so alterados os nomes e dados pessoais em todos os registos transcritos. A partir de uma reunio informal de quatro estudantes, desenvolveu-se no espao de dois anos um seminrio que frequentado por cinquenta pessoas, incluindo membros de todas as profisses humanitrias. De incio, precisvamos, em mdia, de dez horas por semana para que um mdico nos autorizasse a pedir uma entrevista a um paciente; agora, raramente somos obrigados a procurar urn Paciente. Eles so-nos referenciados por mdicos, enfermeiros, assisentes sociais e - o que para ns talvez mais encorajador - por Pacientes que participaram no seminrio e partilharam a sua expe. ncia com outros doentes terminais, que depois nos pedem para r lcipar, s vezes para nos prestar um servio, outras para serem vidos.

  • elisabeTh KXJBLER.roSS > 42 ACOLHER A MORTE > 43 APRENDER COM OS PACIENTES TERMINAIS nu. rnt1tar ou no contar, eis a questo. STf-lar com mdios, capeles de hospital e pessoal de enfe- t ficamos multas vezes impressionados com a sua preocupao

    -de?ro^:^:rrd::;Una ^ ***. ^ teSr, preferem contar aos familiares mas ocultar os factos dos mdltes para evitar uma crise emocional. Outros sao sensjms as PaCTs a des dos seus pacientes e conseguem dar-lhes a con ecer a nC ca de uma doena grave sem lhes tirar toda a esperana. verdadeiro conflito. A pergunta nao deveria ^ t, -as antes Como partilho isto com o meu^pau etfe . Te ^Diz-se rn^^^V^^^T-X^ uma doensa terminal, e encaram as duas como sinommo, ^ . ^entalm^te verdade e pode ser uma beno J e a dependendo da forma como se for genndo a cnse com o Pa ^ ^famHa nesta situao crucial. Para muitas pesso , s ! uma doena terminal, apesar do crescente -^ ^ ;raSede TeUesbem-suced1das.Acred1toqu^^ ir o habita de pensar ocasionalmente sobre a morte o p ^ a ela concW, a.nda antes de a encontrarmos na nossa p morrer i de ir ao - o tivermos feito, o diagnstico de um cancro na nossa famlia u r-nos- brutalmente da nossa prpria morte. Por isso, pode ser lembra bno utilizar o perodo da doena para pensar na morte e no

  • er relacionando-a com o nosso caso pessoal, quer o paciente tenha j ao encontro da morte, quer a sua vida possa ser prolongada. Se um mdico puder falar livremente com os seus pacientes bre o diagnstico de uma doena maligna sem a equiparar necesariamente morte iminente, prestar um grande servio ao paciente. Ao mesmo tempo, deve deixar a porta aberta esperana, nomeadamente a novas drogas, tratamentos, oportunidades de novas tcnicas e nova investigao. O essencial que ele comunique ao paciente que nem tudo est perdido; que no est a desistir dele por causa de um determinado diagnstico; que vo travar aquela batalha em conjunto - paciente, famlia e mdico - qualquer que seja o resultado final. Esse paciente no recear o isolamento, o engano, a rejeio, e continuar a confiar na honestidade do seu mdico e a saber que, se h algo que possa ser feito, eles f-lo-o em conjunto. Tal abordagem tambm reconfortante para a famlia, que muitas vezes se sente terrivelmente impotente nesses momentos. Ela depende em grande medida do encorajamento verbal e no verbal do mdico, especialmente se ele lhes disser que tudo o que possvel fazer est a ser teito, se no para prolongar a vida, pelo menos para minorar o sofrimento. i>e surgir uma paciente com um caroo no peito, um mdico nsato prepar-la- para a possibilidade de uma doena maligna e ne-a que uma bipsia, por exemplo, capaz de revelar a verdalatureza do tumor. Tambm lhe dir antecipadamente que ser ssaria uma cirurgia mais extensa se for encontrado um tumor maigno P sVi paciente tem mais tempo para se preparar para a pos- ts. e um cancro e estar melhor preparada para aceitar uma a mais extensa, se necessrio. Quando a paciente acorda da f eno cirrgica, o mdico pode dizer, Lamento, tivemos de fa eno cirrgica, o mdico pode dizer, Lamento, tivemos de 5e a cirurgia mais extensa. Se a paciente responder, Graas a era benigno, ele pode simplesmente dizer, Quem me deri

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 44 que isso fosse verdade, e depois sentar-se em silncio com ela, em vez de lhe virar as costas. Essa paciente pode fingir no saber da sua situao durante vrios dias. Seria cruel da parte do mdico for-la a aceitar o facto quando ela lhe diz claramente que ainda no est pronta para o ouvir. O facto de ele lho ter dito uma vez ser suficiente para manter a confiana no mdico. Essa paciente procur-lo- mais tarde, quando estiver suficientemente forte e capaz de enfrentar a possibilidade de um desfecho fatal para a sua doena. A resposta de outra paciente pode ser Oh, senhor doutor, isso horrvel, quanto tempo tenho de vida? O mdico pode ento dizer-lhe o quanto se tem progredido nos ltimos anos em termos de prolongar o tempo de vida dos pacientes, e falar-lhe da possibilidade de fazer mais cirurgias, algo que tem dado bons resultados; pode dizer-lhe, com toda a sinceridade, que ningum sabe quanto tempo tem ela de vida. Acho que o pior exemplo de procedimento com um paciente, por mais forte que ele seja, dar-lhe um nmero concreto de meses ou anos. Como esse tipo de informao , em todo o caso, errada, e as excepes por defeito ou por excesso so a regra, no vejo razo para levarmos sequer em conta esse tipo de informaes. Essa necessidade pode existir nalguns casos raros, em que um chefe de famlia precise de ser informado que tem pouco tempo de vida para que possa organizar as suas coisas. Penso que, mesmo nesses casos, um mdico sensato e com tacto pode informar o seu paciente de que melhor organizar os seus afazeres enquanto tem tempo livre e fora suficientes, em vez de esperar demasiado. provvel que esse paciente compreenda a mensagem implcita mantendo, ao mesmo tempo, a esperana que todos os pacientes tm de conservar a vida, incluindo os que dizem que esto preparados para morrer. As nossas entrevistas mostraram que todos os pacientes mantiveram uma porta aberta possibilidade de continuarem a existir, e nenhum deles afirmou de forma consistente que no tinha qualquer desejo de viver. Quando perguntmos aos nossos pacientes o que lhes tinham contado, aprendemos que todos eles sabiam que padeciam de doena terminal, quer isso lhes tivesse sido dito explicitamente ou no; no ACOLHER A MORTE > 45 ntanto, para eles era muito importante que o mdico lhes tivesse presentado essas notcias de uma forma aceitvel. O que , ento, uma forma aceitvel? Como que um mdico sabe qual o paciente que o quer ouvir sucintamente, qual o que prefere uma longa explicao cientfica, e qual o que prefere evitar o assunto por completo? Como o podemos saber quando no temos a vantagem de conhecer bem o paciente antes de sermos confrontados com essas decises? A resposta depende de duas coisas. A mais importante a nossa prpria atitude e capacidade para enfrentar a doena terminal e a morte. Se isto constitui um grande problema nas nossas vidas, e se a morte vista como um assunto assustador, horrvel e tabu, nunca seremos capazes de a enfrentar com um paciente de forma calma e til. E digo morte de propsito, mesmo se tivermos apenas de responder se a doena maligna ou no. Esta questo est sempre associada iminncia da morte, uma morte de natureza destrutiva, e esta ltima que evoca todas as emoes. Se no conseguimos enfrentar a morte com tranquilidade, como podemos ajudar os nossos pacientes? Temos esperana de que eles no nos faam essa horrvel pergunta. Torneamos a questo e falamos sobre muitas trivialidade ou sobre o tempo maravilhoso que est l fora, e o paciente, bem-educado, entra no jogo e fala sobre a prxima Primavera, mesmo se tiver plena conscincia de que, para ele, no haver prxima Primavera. Estes mdicos, quando ndagados acerca do assunto, dizem-nos que os seus

  • pacientes no querem saber a verdade, que nunca perguntam por ela, e que acreditam que est tudo bem. Na verdade, os mdicos esto muito aliviados por nao terem de suportar essa confrontao, e muitas vezes no se do cnta de que foram eles a provocar essa resposta no paciente. Mdicos que ainda se sentem desconfortveis quanto a essas scusses mas que no adoptam uma postura to defensiva podem arnar um capelo ou um padre e pedir-lhe para falar com o paciente. ern~se sentir mais vontade passando a difcil responsabilidade a ra pessoa, o que pode ser prefervel a evit-la por completo. Por

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 46 outro lado, podem estar to ansiosos a esse respeito que deixam ordens explcitas para que o pessoal e o capelo no contem nada ao paciente O grau de clareza dessas ordens revelar mais sobre a ansiedade dos mdicos do que eles gostariam de reconhecer. H outros que tm menos dificuldade com este assunto e que encontram um nmero muito menor de pacientes que no esto dispostos a falar sobre a doena grave de que padecem. Baseando-me nos muitos pacientes com quem falei sobre este aspecto, estou convencida de que os mdicos que precisam, eles prprios, de negao encontr-la-o nos seus pacientes, e os que conseguem falar sobre a doena terminal descobriro que os seus pacientes sero mais capazes de a enfrentar e reconhecer. A necessidade de negao directamente proporcional necessidade de negao do mdico. Mas isto apenas metade do problema. Descobrimos que pacientes diferentes reagem de forma distinta a esse tipo de notcias, dependendo da estrutura da sua personalidade e do estilo que usaram at ento. As pessoas que recorrem negao como principal forma de defesa utilizaro muito mais intensivamente a negao do que outras. Pacientes que, no passado, recorreram a confrontos abertos para enfrentar situaes stressantes, faro algo semelhante na presente situao. Desta forma, muito til travar conhecimento pessoal com um novo paciente para esclarecer os seus pontos fortes e fracos. Apresento de seguida um exemplo do que acabei de expor: A Sra. A, uma mulher branca de trinta anos de idade, pediu para a vermos durante a sua hospitalizao. Surgiu-nos como uma r mulher baixa, obesa e masculinizada que nos falou, com um sor 47 De repente, ficou muito chorosa e contou uma histria pattica em que o seu mdico de famlia lhe tinha falado de um linfoma benigno depois de receber os resultados da bipsia. Um linfoma benigno? repeti eu, transparecendo alguma dvida na minha voz e sentando-me depois calmamente espera de uma resposta. Por favor, senhora doutora, diga-me se maligno ou benigno, pediu ela. Mas, sem esperar pela minha resposta, comeou a contar a histria das suas tentativas infrutferas para engravidar. Tinha esperado um beb durante nove anos, fez todos os testes possveis, recorrendo por fim a agncias na esperana de adoptar uma criana. Foi recusado por muitas razes, primeiro porque s estava casada h dois anos e meio, e depois talvez devido sua instabilidade emocional. No tinha sido capaz de aceitar o facto de que nem sequer podia ter um filho adoptivo. Agora, estava no hospital e era obrigada a assinar um papel para fazer radioterapia, onde dizia explicitamente que o tratamento resultaria em esterilidade, tornando-a decisiva e irrevogavelmente incapaz de gerar um filho. Era algo de inaceitvel para ela, apesar de j ter assinado o papel e de se ter submetido aos preparativos para a radiao. O seu abdmen estava marcado e o primeiro tratamento ser-lhe-ia administrado na manh seguinte. Este dilogo revelou-me que ela no estava ainda capaz de aceitar o facto. Perguntou se a doena era maligna mas no esperou Por uma resposta. Tambm me disse que no conseguia aceitar 0 racto de no poder ter filhos, apesar de ter aceitado o tratamento por radiao. Falou exaustivamente de todos os pormenres do seu desejo por cumprir e continuou a olhar para mim com grandes pontos de interrogao nos seus olhos. Respondihe que, provavelmente, ela me estava a falar da sua incapaci- ade de enfrentar a doena, e no de no conseguir enfrentar a Sua esterilidade. Disse-lhe que era capaz de compreender isso, Pois que ambas as situao eram difceis, mas no desesperadas, deixei-a com a promessa de regressar no dia seguinte aps o lamento.

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 48 Foi a caminho do primeiro tratamento de radioterapia que ela confirmou estar consciente da natureza maligna do tumor, embora esperasse que aquele tratamento a pudesse curar. Durante as visitas seguintes, que adquiriram um carcter informal, quase social, ela alternava entre conversas sobre bebs e sobre o seu tumor maligno. Durante essas sesses, tornou-se cada vez mais chorosa e abdicou da sua aparncia pseudo-gay. Pediu um boto mgico que lhe permitisse expulsar todos os seus medos e libert-la do pesado fardo que sentia sobre o peito. Estava profundamente preocupada com a companheira de quarto que chegaria dentro de pouco tempo, preocupada de morte, nas suas palavras, que lhe calhasse uma mulher em fase terminal. Como o pessoal de enfermagem na sua ala era muito compreensivo, relatmos-lhes os seus receios e ela arranjou como companheira uma mulher jovem e alegre, o que muito a aliviou. O pessoal de enfermagem tambm a encorajou a chorar sempre que lhe apetecesse, em vez de esperarem que ela estivesse sempre a sorrir, e a paciente agradeceu-lhes por isso. Ela tinha uma grande capacidade para perceber com quem podia falar sobre a sua doena, e escolheu os que tinham menos disposio para isso para conversar sobre bebs. O pessoal ficou bastante surpreendido ao perceber que ela tinha suficiente conscincia e capacidade para discutir o seu futuro de uma forma realista. Foi depois de algumas visitas muito proveitosas que a paciente me perguntou de sbito se eu tinha filhos e, quando eu disse que sim, pediu para terminar a visita porque se sentia cansada. As visitas seguintes foram repletas de observaes amargas e cruis para com o pessoal de enfermagem, psiquiatras e outras pessoas; finalmente, foi capaz de admitir que sentia inveja dos jovens e saudveis, mas especialmente de mim, porque eu parecia ter tudo. Quando percebeu que no era rejeitada embora se tornasse, por vezes, uma paciente bastante difcil, tornou-se cada vez mais consciente da origem da sua ira, e expressou-a muito directamente como uma ira contra Deus, por ter permitido que ela morresse ACOLHER A MORTE > 49 to jovem e com tanto por realizar. Felizmente, o capelo do hospital era um homem muito compreensivo e nada castigador, e falou com ela sobre esta ira quase nos mesmos termos em que eu o fiz, at que ela desapareceu para dar lugar a mais sentimentos depressivos e, espera-se, aceitao final do seu destino. At ao momento, a paciente ainda mantm esta dicotomia em relao ao seu problema principal. Com um grupo de pessoas, s se relaciona como uma mulher em conflito sobre a sua incapacidade de ter filhos; com o capelo e comigo, fala sobre o significado da sua curta vida e a esperana que ainda tem (e com razo) de a prolongar. Na altura em que escrevo este livro, o seu maior receio a possibilidade de o marido casar com outra mulher que possa ter filhos, embora depois admita jocosamente, Ele no o X da Prsia, apesar de ser uma ptima pessoa. Ainda no resolveu completamente a sua inveja dos vivos. O facto de no precisar de manter a negao ou de a deslocar para outro problema trgico mas mais aceitvel permite-lhe lidar melhor com a doena. Outro exemplo de um problema de contar ou no contar o do Sr. D., de quem ningum tinha a certeza se conhecia a natureza da sua doena. O pessoal hospitalar estava convencido de que o paciente no sabia da enorme gravidade da sua situao, porque nunca permitia que algum se aproximasse dele. Nunca fazia qualquer pergunta a esse respeito e parecia, de um modo geral, invocar uma sensao de temor no pessoal. As enfermeiras apostavam que ele nunca aceitaria um convite para discutir o assunto comigo. Antecipando difidades, aproximei-me dele com hesitao e perguntei-lhe simplesmente, Est muito doente? Estou cheio de cancro..., respondeu e- O problema deste paciente que nunca ningum lhe fizera uma rgunta simples e objectiva. Confundiam o seu semblante carregado uma porta fechada; na verdade, a prpria ansiedade do pessoal Ptalar impedia-os de descobrir o que ele tanto queria partilhar COm outro ser humano.

  • ELISABETH KUBLER-ROSS > 50 Se a doena maligna for apresentada como uma enfermidade para a qual no h esperana, resultando numa atitude de para qu, no h nada que possamos fazer, isso ser o incio de um perodo difcil para o paciente e para aqueles que o rodeiam. O paciente sentir o crescente isolamento, a falta de interesse por parte do seu mdico, a solido e o desespero cada vez maiores. Pode entrar num rpido processo de deteriorao ou cair numa depresso profunda da qual pode no sair a menos que algum lhe consiga dar alguma esperana. A famlia desses pacientes pode partilhar os seus sentimentos de mgoa e inutilidade, impotncia e desespero, e contribuir pouco para o bem-estar do paciente. Podem passar o pouco tempo que lhes resta numa depresso mrbida, em vez de o tornar numa experincia enriquecedora, tal como muitas vezes acontece quando o mdico responde, como foi antes descrito. No entanto, tenho de sublinhar que a reaco do paciente no depende apenas da forma como o mdico lhe d as notcias. O modo de comunicar as ms notcias , contudo, um factor importante que muitas vezes subestimado, e ao qual deveria ser dada maior nfase no ensino de alunos de medicina e na superviso de jovens mdicos. Em resumo, acredito que a pergunta colocada no deve ser Conto ao meu paciente?, e deve ser reformulada para Como devo partilhar estas informaes com o meu paciente? O mdico deve, em primeiro lugar, examinar a sua prpria atitude perante as doenas malignas e a morte, para que seja capaz de falar sobre assuntos to srios como esses sem ficar indevidamente ansioso. Deve estar atento a pistas dadas pelo paciente que lhe permitam encoraj-lo a enfrentar a realidade. Quanto mais pessoas conhecidas do paciente souberem o diagnstico da doena maligna, mais cedo o prprio paciente compreender o verdadeiro estado das coisas, porque poucas pessoas sabem representar to bem ao ponto de manter uma mscara credvel de alegria durante um longo perodo de tempo. De qualquer forma, a maioria dos pacientes, se no todos, sabe o que se passa. Pressentem-no quando lhes comeam a prestar outro tipo de aten- ACOLHERAMORTE> 51 Ia abordagem nova e diferente das outras pessoas, pelo baixar aOj y ozes e pelo evitamento de visitas, por uma cara lacnmejante ou um membro da famlia de sorriso amarelo que no consegue escondi oS seus verdadeiros sentimentos. Fingiro que no sabem quando mdico ou um familiar no for capaz de falar sobre a sua verdadeira situao, e recebero de braos abertos algum disposto a falar sobre ela mas que lhes permita conservar as suas defesas enquanto precisarem delas. Quer o paciente receba as notcias explicitamente ou no, acabar, ainda assim, por ter conhecimento delas, e pode perder a confiana num mdico que lhe mentiu ou que no o ajudou a enfrentar a gravidade da sua doena enquanto ainda podia haver tempo para organizar os seus afazeres. Partilhar notcias dolorosas com qualquer paciente uma arte. Quanto mais simplesmente se fizer, mais fcil ser para o paciente record-lo numa data posterior, se no o ouvir no momento. Os

  • nossos pacientes apreciavam que o fizssemos na privacidade de uma pequena sala, em vez de no corredor de uma clnica sobrelotada. O que todos os nossos pacientes sublinharam foi a sensao de empatia que contou mais para eles do que a tragdia imediata das notcias. Foi o conforto de lhes ser dito que seria feito tudo o que fosse possvel, que no desistiriam deles, que existiam tratamentos disponveis, que havia uma rstia de esperana - mesmo nos casos mais adiantados. Se as notcias puderem ser transmitidas dessa forma, o paciente continuar a ter confiana no mdico, e ter tempo para trabalhar as diferentes reaces que lhe permitiro lidar com esta nova e stressante situao de vida. Nas pginas seguintes, tento resumir o que aprendemos com os nossos pacientes em termos dos mecanismos que usam para lidar com os problemas que lhes so colocados na altura de uma doena terminal.

  • Captulo III Primeiro Estdio: Negao e Isolamento O Homem ergue barricadas contra si prprio. TAGORE, in Pssaros Perdidos, LXXIX A maioria dos mais de duzentos pacientes terminais que entrevistmos, quando soube que tinha uma doena terminal, comeou por reagir com a frase No, eu no, no pode ser verdade. Esta negao inicial verificou-se tanto nos pacientes a quem isso foi dito de forma objectiva e logo no incio da doena, como naqueles a quem a notcia no foi dada de forma explcita e que chegaram a esta concluso por si prprios um pouco mais tarde. Uma das nossas pacientes descreveu um longo e dispendioso ritual, tal como ela lhe chamava, para fundamentar a sua negao. Estava convencida de que os raios-x tinham sido trocados; pediu que lhe garantissem que o seu relatrio da patologia no pudesse ter sido trocado pelo relatrio de outra paciente ja que ficou pronto to cedo. Quando nada disto pde ser confirmado, pediu rapidamente para sair do hospital, procurando outro mdico na v esperana de obter uma explicao melhor para os ^eus problemas. Esta paciente deambulou por muitos mdicos, alguns dos quais lhe deram respostas reconfortantes, outros que con- r. lrrnaram as suspeitas anteriores. Quer fossem ou no confirmadas,

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 54 ela reagia da mesma forma; pedia exames e contra-exames, sabendo em parte que o diagnstico original estava correcto, mas procurando tambm mais avaliaes na esperana de que a primeira concluso fosse realmente um erro, e ao mesmo tempo mantendo-se em contacto com um mdico para ter ajuda disponvel a todo o momento, nas suas prprias palavras. Esta negao ansiosa a seguir apresentao de um diagnstico mais tpica do paciente que informado prematura ou abruptamente por algum que no o conhece bem ou que o faz rapidamente para despachar o assunto sem ter em considerao se o paciente est preparado para o ouvir. A negao, pelo menos a negao parcial, usada por quase todos os pacientes no s durante os primeiros estdios da doena ou depois de serem confrontados com ela, como tambm posteriormente, de tempos a tempos. Quem foi que disse, No podemos estar sempre a olhar para o Sol, no podemos estar sempre a enfrentar a morte? Estes pacientes podem levar em considerao durante algum tempo a possibilidade da sua prpria morte, mas depois tm de a pr para trs das costas para continuarem com a sua vida. Sublinho vigorosamente este aspecto porque o considero uma forma saudvel de lidar com a situao dolorosa e desconfortvel com a qual muitos destes pacientes tm de viver durante bastante tempo. A negao funciona como um amortecedor depois das notcias chocantes e inesperadas e, com o tempo, mobiliza outras defesas menos radicais. Isso no implica, contudo, que, mais tarde, o mesmo paciente no esteja disposto, ou no fique at contente e aliviado, se se puder sentar e conversar com algum sobre a sua morte iminente. Um dilogo desse tipo ter de ocorrer segundo a convenincia do paciente, quando ele (no o ouvinte!) estiver pronto para o enfrentar. O dilogo tambm tem de ser terminado quando o paciente no conseguir enfrentar mais os factos e retomar a sua anterior negaoO momento em que este dilogo tem lugar irrelevante. Muitas vezes, somos acusados de falar sobre a morte com pacientes muito doentes quando o mdico acha - e com muita razo - que eles no esto ACOLHER A MORTE > 55 rrer. Eu sou a favor de falar com pacientes sobre a morte e o esso que a ela conduz muito antes de ela, de facto, ocorrer, se ciente indicar que o quer fazer. Um indivduo mais forte e sau- ,, j pOde lidar melhor com ela, e est menos assustado com a imi- ncia da morte quando ainda se encontra a quilmetros de distn- a do que quando est mesmo sua porta, tal como disse to apropriadamente um dos nossos pacientes. Para a famlia, tambm mais fcil discutir estes assuntos numa altura de relativa sade e bem- -estar, e de providenciar segurana financeira para os filhos e outras pessoas enquanto o chefe de famlia ainda est operacional. Muitas vezes, adiar estas conversas no serve os interesses do paciente, mas apenas a nossa prpria atitude defensiva.

  • A negao geralmente uma defesa temporria, sendo pouco depois substituda por uma aceitao parcial. Uma negao continuada nem sempre implica maior perturbao se for mantida at ao fim, o que eu continuo a considerar uma raridade. Entre os nossos duzentos doentes terminais, s encontrei trs que tentaram negar a aproximao da morte at ao ltimo momento. Duas dessas mulheres falaram brevemente da sua morte, mas apenas se referiram a ela como um aborrecimento inevitvel que espero que chegue enquanto eu estiver a dormir e disseram espero que no seja doloroso. Depois destas afirmaes, retomaram a negao da sua doena. A terceira paciente, tambm uma solteirona de meia-idade, tinha aparentemente recorrido negao durante a maior parte da sua vida. orna de um grande cancro da mama de tipo ulcerativo, mas recuou tratamento at pouco antes de morrer. Tinha uma grande f na encia crist e agarrou-se a esta crena at ao seu ltimo dia. ApeQa sua negao, uma parte dela deve ter enfrentado a realidade ena, porque acabou por aceitar a hospitalizao e pelo menos . os tratamentos que lhe foram postos disposio. Quando a ei; antes de uma cirurgia programada, ela referiu-se operao cortar parte da ferida para que possa sarar melhor. Tambm u claro que s queria saber pormenores da sua hospitalizao

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 56 que no tenham nada a ver com a minha ferida. Depois de a visitar mais vezes, tornou-se bvio que ela receava qualquer tipo de comunicao com o pessoal hospitalar, pessoas que lhe poderiam falar do estado avanado do seu cancro e deitar por terra a sua negao. A medida que foi enfraquecendo, a sua maquilhagem tornou-se mais grotesca. De incio, aplicava discretamente batom vermelho e rouge, mas depois a maquilhagem tornou-se mais brilhante e encarniada, at a fazer parecer um palhao. A medida que o fim se aproximava, as suas roupas tornaram-se tambm mais vistosas e coloridas. Durante os ltimos dias, ela evitava olhar-se ao espelho mas continuava a aplicar a sua mscara numa tentativa de encobrir a sua crescente depresso e a sua aparncia em rpida deteriorao. Quando lhe perguntmos se podamos fazer alguma coisa por ela, respondeu, Volte amanh. No disse, Deixe-me em paz, ou No me chateie, mas deixou aberta a possibilidade de, no dia seguinte, as suas defesas j no conseguirem aguentar e ela necessitar de ajuda. A sua ltima frase foi Acho que no aguento mais. Morreu menos de uma hora depois. A maioria dos pacientes no recorre to intensivamente negao. Podem falar brevemente sobre a realidade da situao em que se encontram e, de um momento para o outro, indicarem que j no so capazes de a encarar de uma forma realista. Nesse caso, como sabemos quando um paciente j no deseja enfrentar essa realidade? Ele pode falar de alguns assuntos relevantes relacionados com a sua vida, pode partilhar algumas fantasias importantes sobre a prpria morte ou sobre a vida depois da morte (em si mesma uma negao), s para mudar de assunto alguns minutos depois, quase contradizendo o que tinha dito antes. Ao escut-lo nessa altura, pode parecer que estamos a ouvir um paciente com uma doena pouco importante, nada tao srio como uma situao potencialmente fatal. E nesta altura que te tamos captar as pistas e reconhecer (para ns prprios) que, ness momento, o paciente prefere olhar para coisas mais animadas e lum nosas. Permitimos-lhe ento sonhar acordado com coisas mais a ACOLHER A MORTE > 57 grs, por mais improvveis que elas possam ser. (Tivemos vrios pacientes que sonharam acordados com situaes aparentemente impossveis que - para nossa surpresa - se concretizaram.) O que estou a tentar enfatizar que a necessidade de negao existe em todos os pacientes, em determinadas alturas, mais no incio de uma doena grave do que nos ltimos tempos de vida. Numa fase posterior, a negao torna-se intermitente, e o ouvinte sensvel e atento reconhecer isso e permitir que o paciente tenha as suas defesas sem lhe chamar a ateno para as contradies. Geralmente, muito mais tarde que o paciente recorre mais ao isolamento do que negao. Pode ento falar sobre a sua sade e a sua doena, a sua mortalidade e a sua imortalidade, como se fossem irmos gmeos que pudessem coexistir lado a lado, enfrentando assim a morte e continuando a man- ter a esperana. Em resumo, a primeira reaco do paciente pode ser um estado de choque temporrio do qual ele recupera gradualmente. Quando a sua sensao inicial de dormncia comea a desaparecer e ele se consegue recompor, a sua resposta mais comum No, no me pode estar a acontecer a mim. Como, no nosso inconsciente, somos todos imortais, -nos quase inconcebvel reconhecer que tambm ns temos de enfrentar a morte. Dependendo muito de como as notcias so dadas ao paciente, do tempo que ele tem para reconhecer gradualmente a inevitabilidade do desfecho, e do modo como foi preparado ao longo da vida para lidar com situaes stressantes, o paciente abdicara aos poucos da sua negao e utilizar mecanismos de defesa menos radicais. Tambm descobrimos que muitos dos nossos pacientes recorre- 111 a negao quando enfrentaram elementos do pessoal hospitalar

  • Peas suas prprias razes, tinham de usar esta forma de lidar Os Problemas. Esses pacientes podem ser bastante selectivos na , a das pessoas de entre os membros da famlia ou do pessoal alar com quem discutir assuntos relacionados com a sua doena qu _ a rnorte iminente, enquanto fingem dar-se bem com aqueles conseguem tolerar a ideia da prpria morte. possvel que

  • ELISABETH KB1R.ROSS > 58 J esta a razo da discrepncia de opinies sobre a necessidade de 0 Pacier>te saber que tem uma doena fatal. A breve descrio que se segue refere-se ao caso da Sra. K., e m e5
  • dade, ela no se comportava como uma paciente. A crena no seu prprio bem-estar era inabalvel e ela insistia em ouvi-la confirmada. Uma conversa com o marido revelou que ele era um homem bastante simples e pouco emotivo, que acreditava seriamente que a mulher estaria melhor se passasse um curto perodo em casa com os filhos em vez de prolongar o seu sofrimento com longas hospitalizaes, custos infindveis, e todos os altos e baixos da sua doena crnica. Tinha pouca empatia por ela e separava com bastante eficcia os prprios sentimentos do contexto dos seus pensamentos. Relatava, de uma forma bastante erra-a-terra, a impossibilidade de ter um ambiente estvel em casa, uma vez que ele trabalhava durante a noite e os filhos esta- arn ora de casa durante a semana. Escutando-o e colocandoos no seu lugar, fomos capazes de compreender que ele s esse lidar com aquela situao de uma forma distanciada, conseguimos transmitir-lhe a necessidade de ele criar uma No

  • ELISABETH KBLER-ROSS > 60 ACOLHER A MORTE > 61 idas tra- iez, ten- sasse um maior empatia pela mulher, por for /aarecoorrer menos negao, e ficasse assim mais susceptVe] aHm tiratamento efectivo. Ele saiu da entrevista como se tiVes,^corrnpletado uma tarefa obrigatria, visivelmente incapaz d . mudar a sua atitude. A Sra. K. foi visitada por ns a i^/^los regulares. Apreciava as nossas conversas, em que fal^^Os de acontecimentos do quotidiano e tentvamos saber quai > %m as suas necessidades. Gradualmente, foi ficando mais ffa/ca e durante duas semanas - limitava-se a dar-nos a mo e / Wrmitar, sem falar muito. Depois disso, ficou cada vez mais c^^sa ee desorientada, e tinha delrios com um bonito quarto c^0 U urrn pouco a lucidez, tentmos ajud-la a fazer artesanato, p^ra qUue 0 tempo passasse um pouco mais depressa. Tinha pasSa(/0 graande parte das ltimas semanas sozinha num quarto, cal hospitalar racionalizava o seu prprio evitamento com o^f^oxes como Ela est demasiado confusa para perceber, e ^ fa satfberia o que lhe dizer, e a tem cada ideia mais maluca. Por causa deste isolamento e Cf(/scent.te solido, vrias vezes a viram tirar o telefone do desca^ (^ para ouvir uma voz. Quando a puseram a fazer urna ^ie\a : sem protenas, ficou com muita fome e perdeu muito p /? Seentava-se na cama, segurando as pequenas saquetas d ^kcaar entre os dedos e dizia, Este acar vai-me finalmente V^tatr. Sentei-me ao seu lado e, quando ela me deu a mo, d^^^e, *m as maos t qUe tes. Espero que esteja comigo .^nodo eu ficar cada vez mais fria. Sorriu de forma Cmpli ^, nessemomento, ambas soubemos que ela tinha abandon^ ^ rmega- Foi caPaz de P^ sar e falar sobre a sua prpr^ ^S^rUe e pediu apenas que fizessem um pouco de comp^jti^ ppara se sentir mais con tvel, e que no passasse muita fvt^-nee nos seus ltimos dias. trocmos mais do que as paja /*lS acima mencionadas; sen mo-nos em silncio por uns momentos e, quando me fui embora, ela pediu-me que regressasse e que trouxesse comigo aquela maravilhosa TO (terapeuta ocupacional), que a ajudou a fazer alguns objectos em couro para a sua famlia, para que eles tenham alguma coisa que lhes faa lembrarem-se de mim. O pessoal hospitalar, quer sejam mdicos, enfermeiras, assistentes sociais ou capeles, no sabem o que perdem quando evitam estes pacientes. Se estamos interessados no comportamento humano, nas adaptaes e defesas que tm de usar para lidar com este tipo de presses, aqui que podemos aprender a