[livro ufsc] estudos linguísticos 1

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Estudos Linguísticos I Adriana de Carvalho Kuerten Dellagnelo Ina Emmel Raquel Carolina Souza Ferraz D´Ely Florianópolis, 2012. Período

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Estudos Linguísticos 1

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  • Estudos Lingusticos I

    Adriana de Carvalho Kuerten DellagneloIna Emmel

    Raquel Carolina Souza Ferraz DEly

    Florianpolis, 2012.

    3 Perodo

  • Governo FederalPresidente da Repblica: Dilma Vana Rousseff

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    Secretaria de Educao a Distncia (SEED/MEC)

    Universidade Aberta do Brasil (UAB)

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    Ficha catalogrficaD357t Dellagnelo, Adriana de Carvalho Kuerten 3 perodo estudos lingusticos I / Adriana de Carvalho Kuerten Dellagnelo, Ina Emmel, Raquel Carolina Souza Ferraz DEly. Florianpolis : UFSC/LLE/CCE, 2012. 94p.

    Inclui bibliografia UFSC. Curso de Licenciatura em Letras-Espanhol na Modalidade a Distncia ISBN 978-85-61483-61-6 1. Lingustica Estudo e ensino. 2. Anlise lingustica. 3. Fontica. 4. Morfologia. 5. Sintaxe. 6. Ensino a distncia. I. Emmel, Ina. II. DEly, Raquel Carolina Souza Ferraz. III. Ttulo. CDU: 801

    Catalogao na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da UFSC

  • Sumrio

    UNIDADE A FONTICA E FONOLOGIA .... 11

    Captulo 1 - Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica ..........................................................................13

    1.1 Introduo .............................................................................................131.2 Fontica e Fonologia: Uma viso panormica ..........................141.3 Particularizando os estudos da fontica articulatria ...........18Resumo ........................................................................................................ 27

    UNIDADE B MORFOLOGIA ........................ 29

    Captulo 2 - Das noes bsicas anlise morfmica ....312.1 Introduo .............................................................................................312.2 Primeiras palavras ...............................................................................322.3 Morfemas lexicais e morfemas gramaticais...............................352.4 Composio e Derivao..................................................................372.5 Uma Anlise Morfmica....................................................................43Resumo.........................................................................................................44

    UNIDADE C SINTAXE .................................. 47

    Captulo 3 - Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica ..............................................................49

    3.1 Introduo .............................................................................................493.2 A Sintaxe Gerativa ...............................................................................503.3 A Gramtica Sistmico-Funcional Hallidayana um brevssimo olhar .........................................................................................58Resumo.........................................................................................................64

  • UNIDADE D SEMNTICA ........................... 65

    Captulo 4 - Possibilidades de significao..................... 674.1 Introduo .............................................................................................674.2 Um primeiro olhar ...............................................................................684.3 A Semntica Formal ...........................................................................704.4 Significado: sentido & referncia....................................................754.5 A Semntica da Enunciao e a Semntica Cognitiva: algumas palavras........................................................................................83Resumo.........................................................................................................85

    Consideraes finais.........................................................87

    Referncias..............................................................................89

  • ApresentaoEste livro-texto introduz e discute em mais detalhe os nveis de anlise lin-

    gustica (DELLAGNELO; CERUTTI-RIZZATTI, 2008) que Weedwood (2002)

    chama de microlingustica, rol no qual Weedwood inclui tambm a Lexi-

    cologia, mas este nvel no ser tratado nesta disciplina, e que engloba a

    Fontica e a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe e a Semntica. Repetimos,

    aqui, portanto, o diagrama que Weedwood apresenta e que permite uma

    boa visualizao desses nveis em relao ao que a autora denomina de

    macrolingustica.

    Ao propormos enfocar os diferentes nveis de anlise lingustica, nosso

    propsito abordar o que tradicionalmente chamado de ncleo duro da

    lingustica, ou seja, a lngua em si. Desde j adiantamos que, para fazer

    isso no restrito espao de que dispomos e no mbito de uma disciplina

    somente, teremos de fazer certos recortes e opes tericas, j que pos-

    svel estudar cada um desses nveis luz de diferentes escolas de pensa-

    mento, (quase) todas elas com inegvel validade. O intuito dar uma viso

    panormica das reas e no impor uma linha, na tentativa de motivar voc,

    prezada(o) aluna(o), a querer enxergar as maravilhas subjacentes ao conhe-

    cimento do fenmeno da linguagem, e das lnguas em particular - que nes-

    ta concepo geral, so apenas realizaes particulares da linguagem, que

    Figura 1: Ncleo: microlingustica; raios: macrolingustica. Fonte: Weedwood, B. Histria concisa da lingustica, 2002, p. 11

    lingustica do texto

    neurolingustica

    soci

    olin

    gus

    tica

    pragmt

    ica

    anlise do discurso

    lingu

    stic

    a h

    ist

    rica

    anlise

    da

    conver

    sao

    psicolingustica fonticafonologiasintaxe

    morfologialexicologiasemntica

  • a que permite nossa espcie dar forma a pensamentos e comunic-los

    (MARTIN, 2003, p.75), comeando pelo estudo das peculiaridades lingus-

    ticas de sua lngua materna, o portugus brasileiro, que daqui em diante

    chamaremos de PB. E, a partir da abordagem que propomos para cada um

    dos nveis de que trataremos, gostaramos de ver voc procurar outras fon-

    tes de referncia para aprofundar seu estudo. No seu plo, voc ter acesso

    a uma bibliografia adicional, tambm elencada ao final deste livro; indicare-

    mos, ainda, sites interessantes ao longo da nossa discusso que podem ser

    consultados por voc.

    Neste empreendimento, vamos nos valer de uma linguagem simples e in-

    formal (mesmo sendo formal em termos de metalinguagem, conforme

    voc vai poder verificar mais adiante), at onde isso for possvel. Para que

    voc nos acompanhe neste percurso, propomos que voc tome o lugar de

    um cientista, neste caso, de um cientista da linguagem. Isso quer dizer que

    ser necessrio que voc se distancie do que lhe mais inerente, para que

    a linguagem possa, assim, constituir-se num objeto cientfico. S com esse

    distanciamento voc poder tentar entender esse objeto em toda a sua

    complexidade. Nem sempre vai ser fcil diferenciar a linguagem da meta-

    linguagem que usamos para descrev-la. Mas vamos tentar, no mesmo?

    De modo bem geral, podemos ordenar os nveis em termos de componen-

    tes de uma gramtica da seguinte forma:

    Segundo Ramers (2007, p. 13), na Fonologia, na Morfologia e na Sintaxe

    so analisadas as relaes formais entre as expresses lingusticas, ao pas-

    so que a Semntica seria responsvel por tematizar o lado do significado

    dessas unidades. O autor complementa, no entanto, que, tanto na Mor-

    fologia como na Sintaxe, so combinadas expresses de contedo (com

    FonologiaMorfologiaSintaxe

    ExpressoLingustica

    SistemaLingustico

    ContedoLingusticoSemntica

  • significado, portanto) e que uma diviso estanque entre as reas seria

    sempre complicada.

    Na unidade dedicada Fontica e Fonologia, temos como objeto de estudo

    os sons da fala; trata-se, portanto, de duas reas intimamente relacionadas

    na medida em que se dedicam ao mesmo objeto. A perspectiva sob a qual

    esse objeto abordado, no entanto, distinta: na Fontica, descrevem-se

    os sons da fala (por exemplo, como o som [t] articulado, que rgos ana-

    tmicos esto envolvidos e como, na sua produo, ele se diferencia de um

    [d], por exemplo, etc.); e na Fonologia, procura-se interpretar os resultados

    obtidos por meio da descrio dos sons da fala, em funo dos sistemas de

    sons das lnguas; aqui, portanto, explicam-se e interpretam-se os sons.

    (MASSINI-CAGLIARI; CAGLIARI, 2001; MORI, 2001).

    Em seguida, trataremos da Morfologia, levantando noes bsicas rela-

    cionadas aos domnios dessa rea. Escolhemos, primordialmente, o quadro

    terico do estruturalismo para faz-lo. Abordaremos a complexa questo

    da definio do que vem a ser uma palavra, para tentar nos aproximar do

    que seria a unidade bsica do estudo da Morfologia. Vamos tratar, de forma

    bastante sinttica, da tipologia de morfemas, da classificao dos mesmos,

    e de peculiaridades flexionais e derivacionais do PB.

    Na unidade intitulada Sintaxe, entendida aqui como a descrio da estru-

    tura das sentenas e da prpria noo de estrutura (modelo), ou seja, como

    parte da gramtica de uma lngua, vamos tratar das estruturas sintagmti-

    cas, dos constituintes internos das sentenas. Para tanto, vamos aceitar que

    cada um de ns possua esse conhecimento intuitivo do que seja uma sen-

    tena em sua lngua, sabendo diferenci-la de uma no-sentena, tanto em

    termos de gramaticalidade, como de completude. O objetivo da unidade

    refletir tambm sobre o que faz uma determinada cadeia de palavras ser

    gramatical ou no-gramatical e, assim, conseguir explicar as regularidades

    sintticas de uma lngua. Vamos explorar a noo de constituinte, que por

    sua vez dependente da estrutura subjacente sentena. Comentaremos

    brevemente o percurso da gramtica gerativa e da gramtica funcional,

    seus pressupostos e a influncia dela nos estudos lingusticos atuais.

  • Na ltima unidade, trataremos da Semntica,que tem um lugar bastante

    recente dentro dos cursos de Letras, apesar de sua relevncia. As razes para

    essa omisso vo ser comentadas ao longo da unidade, ainda que breve-

    mente e de forma introdutria. Pressupomos que a reflexo sobre o signi-

    ficado de palavras e sentenas sirva para reconhecer na linguagem as pos-

    sibilidades de significar. Muito mais do que tentar delimitar uma rea cujos

    limites so afinal bastante movedios, tentaremos provocar em voc uma

    tomada de conscincia sobre a importncia que as questes de significao

    tm, levando-a(o) a descobrir aspectos da linguagem sobre os quais voc

    talvez nunca tenha pensado e que so extremamente interessantes. Alm

    de dar uma viso panormica de tudo o que recai nessa rea de estudos, va-

    mos tratar mais pontualmente da pressuposio, da noo de acarretamen-

    to, discutir a negao, as descries definidas e comentar a quantificao.

    Esperamos que voc nos acompanhe com muita dedicao nesse percur-

    so, que promete ser desafiador e, assim torcemos, encantador ao mesmo

    tempo. Bons estudos!

    Professoras Adriana, Ina e Raquel

  • Unidade AFontica e fonologia

    Adaptao livre.

  • Estudos Lingusticos I

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  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

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    Captulo 01

    1 Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    Ao final deste captulo, voc dever ser capaz de identificar fontica e fo-nologia como um dos nveis dos estudos lingusticos, distinguindo ambas as cincias entre si e reconhecendo seus principais fundamentos. Assim, empreendemos, inicialmente, uma discusso acerca do escopo da fontica e da fonologia, passando, ento, a dar nfase fontica articulatria, haja vista a sua importncia para a compreenso da forma como se d a articu-lao dos sons em uma lngua. nosso entendimento que tal compreenso facultar a voc maior familiaridade e facilidade no trato com questes de pronncia da lngua estrangeira a qual voc busca dominar o espanhol.

    1.1 Introduo

    Comeamos a nossa discusso lembrando que as lnguas se apre-sentam por sons resultantes de movimentos vocais que se inserem em um conjunto de fatos lingusticos (FERREIRA NETO, 2001, p. 11). Es-taremos, pois, sempre nos referindo linguagem como uma ativida-de primordialmente oral, aquela que se distingue dos demais sistemas simblicos (gestos, cdigos, sinais etc) por ser segmentvel em unida-des menores, unidades essas, segundo Callou e Leite (1995, p. 13), em nmero finito para cada lngua e que tm a possibilidade de se recombi-narem para expressar idias diferentes. Analisaremos o contnuo sono-ro em seus segmentos linearmente dispostos e verificaremos as funes distintivas que a presena desses segmentos causa, resultando ou no em mudana no significado de uma palavra.

    Ampliando o objetivo geral deste captulo, pretendemos, tambm, chamar a sua ateno sobre a importncia da fonologia para a aprendiza-gem de uma lngua estrangeira, que proporciona a voc um instrumental bsico para poder comparar, a partir dos estudos sobre a fontica e a

    No caso da ausncia des-ses segmentos, podemos pensar no que consiste a diferena entre cabra e abra (do verbo abrir), s para exemplificar a au-sncia de um segmento que resulta na mudana de significado.

  • Estudos Lingusticos I

    14

    fonologia do Portugus Brasiliero (PB), os erros que um falante nativo dessa lngua comente ao aprender o espanhol como lngua estrangeira (doravante LE). Assumimos, para tanto, que as caractersticas fonolgi-cas da lngua materna presumivelmente exeram influncia sobre todo o processo de ensino e aprendizagem de uma lngua estrangeira. O estudo deste captulo deve fornecer algumas ferramentas para entender, tam-bm, as razes para um aprendiz de LE tentar produzir os sons da lngua--alvo baseado no repertrio de sons e de outras peculiaridades fonol-gicas de sua lngua materna ou no de outras lnguas estrangeiras que, porventura, j tenha aprendido antes do espanhol, uma vez que natural partirmos sempre do conhecido para o desconhecido, no mesmo?

    Em linhas gerais, assumimos que ser capaz de analisar e sistematizar o sistema fonolgico de sua lngua materna vai ajudar voc na produo consciente do sistema fonolgico do espanhol, uma vez que voc ir se confrontar com as semelhanas e as diferenas desse sistema em relao ao seu. A partir dos estudos sobre o PB, voc ser capaz de avaliar, nas au-las de LE, as diferenas para o sistema fonmico do espanhol, no s em termos de nmero desses fonemas (distino quantitativa), mas tambm em relao s caractersticas internas desses sons (distino qualitativa).

    1.2 Fontica e Fonologia: Uma viso panormica

    Fontica e fonologia compem um dos nveis de anlise lingustica, mas no so sinnimos entre si; h distines entre ambas as cincias. Enquanto a fontica estuda os sons como entidades fsico-articulat-rias isoladas, a fonologia ir estudar os sons do ponto de vista funcional como elementos que integram um sistema lingstico(CALLOU e LEI-TE, 1995, p.11) Vamos entender isso melhor?

    Talvez pudssemos pensar que a fontica se ocupa dos segmentos sonoros quando so realizados, ou seja, emitidos pelo usurio da lngua. Sua preocupao analisar particularidades articulatrias, acsticas e perceptivas desses segmentos sonoros. A fontica a cincia que apre-

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    15

    Captulo 01

    senta os mtodos para descrio, classificao e transcrio dos sons da fala [...] (CRISTFARO SILVA, 2001, p. 23). A fontica focaliza gran-des reas de estudo como discriminamos a seguir.

    a. Fontica articulatria: ocupa-se de analisar a produo da fala do ponto de vista fisiolgico e articulatrio quando, por exem-plo, dizemos a palavra casa, a fontica articulatria procura descrever quais so os articuladores de nosso trato vocal (boca, dentes, lbios, lngua etc.) que esto envolvidos na realizao de cada um desses sons e como se comportam tais articuladores por ocasio da produo desses mesmos sons.

    b. Fontica auditiva: estuda como a fala percebida pelo interlo-cutor quando dizemos a palavra casa, por exemplo, a fontica auditiva preocupa-se em descrever de que modo o sistema au-ditivo do interlocutor recebe esse segmento sonoro e como ele processado por esse mesmo sistema.

    c. Fontica acstica: estuda as propriedades fsicas dos segmentos sonoros que falamos, descrevendo sua transmisso entre ns, falantes, e nossos ouvintes quando falamos a palavra casa, por exemplo, a fontica acstica ocupa-se em analisar como a cor-rente do ar transmite essa palavra falada para o ouvinte, quais so as particularidades acsticas dessa transmisso, o que en-volve focalizao das propriedades das ondas sonoras, entre ou-tras questes afins. nessa rea que tambm se pesquisa a fala sinttica (computadores reproduzindo a fala humana) e o reco-nhecimento automtico da fala (muito usado pela polcia nas gravaes telefnicas grampeadas, na subrea forense);

    d. Fontica instrumental: estuda propriedades fsicas da fala com o apoio de instrumentos de laboratrio para tal com os avan-os tecnolgicos, so inmeros os recursos instrumentais para estudos da fala.

  • Estudos Lingusticos I

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    Sim, mas se a fontica articulatria estuda como os segmentos so-noros se realizam, ou seja, como pronunciamos os segmentos sonoros da fala e como possvel transcrev-los, o que faz a fonologia? Callou e Leite (1995, p. 11) escrevem:

    fonologia cabe estudar as diferenas fnicas intencionais, distintivas,

    isto , que se vinculam a diferenas de significao, estabelecer como se

    relacionam entre si os elementos de diferenciao e quais as condies

    em que se combinam uns com os outros para formar [...] palavras e frases.

    Talvez pudssemos inferir que, enquanto a fontica se ocupa dos segmentos sonoros em seu processo de emisso na fala, a fonologia ocupa-se do inventrio de segmentos sonoros que adquirimos e que, estocados em nosso crebro, permitem que os emitamos por oca-sio da fala. Grosso modo, talvez pudssemos dizer que a fonologia ocupa-se dos segmentos sonoros como inventrio de que dispomos em nosso crebro, enquanto a fontica ocupa-se deles em seu pro-cesso de realizao na fala. Assim, fcil constatarmos que detalhes que diferenciam a fala de usurios de uma mesma lngua interessam fontica e no fonologia, que, por sua vez, ocupa-se de inventariar os segmentos sonoros de cada lngua. Reportando-nos aos estudos de Saussure (c.f. DELLAGNELO; CERUTTI-RIZZATTI, 2008), talvez pudssemos pensar que a fonologia ocupa-se da lngua (os segmentos sonoros que fazem parte dos sistemas lingusticos) enquanto a fonti-ca ocupa-se da fala (a realizao individual da lngua).

    Durante o nosso estudo, interessa-nos a fontica articulatria, so-bretudo, porque estaremos lidando com segmentos sonoros que no fazem parte de nossa lngua, os fonemas da lngua espanho-la, o que exigir de ns ateno para a forma como tais sons de-vem ser articulados por nosso trato vocal, um estudo que focaliza questes de pronncia de lngua estrangeira. As demais reas de estudos fonticos no nos interessam prioritariamente aqui.

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    17

    Captulo 01

    Busquemos uma situao que nos ajude a entender melhor essa di-ferena. Dois falantes de lngua portuguesa, um gacho e um carioca, por exemplo, conhecem o segmento sonoro s que aparece na palavra dois esse segmento s faz parte do inventrio de segmentos sonoros que ambos os falantes adquiriram ao aprender o portugus. um segmento que se distingue do segmento sonoro x, por exemplo, na palavra deixar, certo? Assim, na lngua portuguesa existem dois segmentos sonoros dis-tintos o s de dois e o x de deixar, entre outros tantos segmentos exis-tentes. Descrever todos os segmentos sonoros que fazem parte de uma lngua e que so distintos entre si tarefa da fonologia.

    Imaginemos, agora, esses dois falantes, articulando a palavra dois: possivelmente o falante carioca, ao invs do s ao final de dois, pronuncie um x, dizendo algo como doix, enquanto o gacho possivelmente no o faa e articule um s nessa posio, dizendo dois.

    Para a fonologia, o que interessa nesse caso que existe um nico segmento sonoro nessa posio (um arquifonema fonema que pode ser articulado de modo distinto por diferentes falantes; neste caso, o s em posio de final de slaba), o segmento o s. O fato de ele ser realiza-do de modo distinto na fala de usurios da lngua de diferentes regies interessa fontica e no fonologia, porque a fontica que se preo-cupa em descrever como os segmentos sonoros so articulados na fala.

    fonologia interessa mapear quais fonemas existem em uma ln-gua, independentemente do fato de esses fonemas poderem ser ar-ticulados de modo distinto por diferentes falantes ou mesmo por um nico falante em situaes diferentes de uso da lngua um gacho que passe a morar no Rio de Janeiro e que (por razes de identificao com o novo grupo de falantes) venha a aproximar sua fala do modo de falar dos cariocas, por exemplo, passando a dizer doix e abandonando a forma dois.

    Abrimos mo da notao formal dos fonemas em nome do carter introdu-trio do estudo e da no--familiaridade dos leitores com os smbolos fonticos.

    Essas diferenas de arti-culao de um mesmo segmento sonoro nesse caso, o s interessam fontica e no fonologia, porque, neste caso espec-fico, s e x so variantes de um mesmo fonema: o s, e no dois fonemas distintos.

  • Estudos Lingusticos I

    18

    Assim, importa que saibamos que a unidade de estudo da fontica so os segmentos da fala, ou os fones, enquanto a unidade de estudo da fonologia so os segmentos da lngua estocados no crebro dos falan-tes, ou seja, os fonemas.

    1.3 Particularizando os estudos da fontica articulatria

    Uma introduo aos estudos da fontica articulatria exige que co-nheamos minimamente o aparelho fonador, o conjunto de rgos que utilizamos na produo da fala e que envolve a regio da boca, lngua, dentes, nariz, esfago, laringe, pulmes etc. Antes de observarmos o de-senho do aparelho fonador, importa que tenhamos conscincia de que os rgos que o compem no tm como finalidade primeira a produ-o da fala, mas sim a respirao e a alimentao.

    Podemos dividir o aparelho fonador em trs conjuntos de rgos de acordo com a funo que desempenham: o sistema respiratrio (pul-mes, msculos pulmonares, brnquios e traquia); o sistema fonatrio (laringe e glote) e o sistema articulatrio (faringe, lngua, nariz, palato, dentes e lbios). Transcrevamos o detalhamento do aparelho fonador a partir da descrio de Cristfaro Silva (1999, p. 30):

    Neste ponto, j podemos adiantar uma questo notacional: as uni-dades bsicas da Fontica, os fones, so transcritos entre colchetes ([p],[m],[t] etc.); j os primitivos da Fonologia, os fonemas, so representados entre barras inclinadas (/p/, /t/, /m/ etc.)

    Vamos nos deter nas ques-tes de fontica articulat-ria, sobretudo, para classifi-car os segmentos da lngua portuguesa. No detalha-remos questes especficas da fonologia, limitando--nos a usar representaes de fonemas na classifica-o das vogais. Essa opo justifica-se porque se trata de um estudo introdutrio e seria bastante complexo dar destaque s teorias fo-nolgicas relevantes.

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    19

    Captulo 01

    O que vemos na imagem anterior o desenho do aparelho fonador com os rgos que o compem. A produo da fala d-se via esse apa-relho. Os fones articulados na fala so questes de interesse da fonti-ca, o que exige que observemos quais rgos do aparelho fonador esto envolvidos na produo desses fones e como tais rgos se comportam por ocasio da produo de cada qual deles. Assim, importa que es-tudemos o PONTO DE ARTICULAO (quais os articuladores esto envolvidos) e o MODO DE ARTICULAO (como esses articuladores se comportam em relao corrente de ar que vem dos pulmes, por ocasio da produo dos fones).

    Antes de dar sequncia a esse estudo, porm, preciso que distin-gamos vogais de consoantes. Voc j parou para pensar por que h essa separao? A diferena fundamental entre vogais e consoantes o fato de que as consoantes so fones produzidos com algum tipo

    Figura 2: O aparelho fonador e os articuladores passivos e ativos, as cavidades

    oral, nasal, faringal e a glote (cordas vocais). Fonte: SILVA, T. C. Fontica e Fonolo-

    gia do Portugus, 1999, p.30 (adaptada)

    1

    2 3

    4

    5 6 7 8 9 10

    17

    18

    19

    20

    211615141211

    13

    1. Cavidade oral2. Cavidade nasal3. Cavidade nasofaringal4. Cavidade faringal5. Lbio superior6. Dentes superiores7. Alvolos

    8. Palato duro9. Vu palatino (ou palato mole)10. vula11. Lbio superior12. Dentes inferiores 13. pice da lngua14. Lmina da lngua

    15. Parte anterior da lngua16. Parte mdia da lngua17. Parte posterior da lngua18. Epiglote19. Laringe20. Esfago21. Glote

  • Estudos Lingusticos I

    20

    H, ainda, alguns segmentos que se encontram em uma fronteira en-tre vogais e consoantes, so as semivogais ou glides (lemos: glaides). Come-aremos nosso estudo pelas consoantes, observando o ponto de articulao e o modo de articulao desses segmentos. Vejamos isso resumidamente no quadro a seguir que registra a articulao das principais consoantes da lngua portuguesa, extrada de Massini-Cagliari e Cagliari (2001, p. 126).

    Mais adiante, voc estudar vogais e consoantes da ln-gua espanhola.

    Exemplos de modos e lugares de articulao para as consoantes do Portugus

    Oclusivas:

    a) bilabiais:

    b) alveolares:

    c) velares:

    [p, b]

    [t, d]

    [k, g]

    pato, bato

    tato, dado

    cato, gato

    Fricativas:

    a) labiodentais:

    b) alveolares:

    c) palatoalveolares:

    d) velares:

    e) uvulares:

    f ) glotais:

    [f, v]

    [s, z]

    [, ]

    [, ]

    [,]

    [h, ]

    faca, vaca

    caa, casa

    ch, j

    rato, barriga

    roda, curral

    rato, barriga

    Africadas:

    a) palatoalveolares: [t, d] tia, dia, pote, podeNasais:

    a) bilabial:

    b) dental:

    c) palatal:

    d) velar:

    [m]

    [n]

    []

    []

    somo

    sono

    sonho

    banco

    Laterais:

    a) dental:

    b) palatal:

    [l]

    []mala

    malha

    de obstruo da passagem da corrente de ar que vem dos pulmes, enquanto as vogais so fones em cuja produo no h nenhum tipo de obstruo dessa mesma corrente de ar.

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    21

    Captulo 01

    Vibrantes:

    a) alveolar sonora:

    b) alveolar surda:

    c) uvular:

    [r]

    [r]

    [R]

    mar

    mar

    mar

    Tepes:

    a) alveodental: [] prato, crise, fora, caro

    Retroflexas:

    a) anterior (alveolar): [] porta, mar

    b) posterior (palatoalveolar): [] porta, mar

    Vimos, no quadro anterior, o ponto de articulao dos fones con-sonantais, ou seja, quais os articuladores de nosso trato vocal esto en-volvidos na produo desses fones (se a lngua, os dentes, os lbios etc.), assim como o modo de articulao das consoantes, ou seja, de que for-ma a corrente de ar passa pelo aparelho fonador, como se d a obstruo da corrente de ar por ocasio dessa passagem.

    Nos exemplos anteriormente citados, voc pde observar que usa-mos smbolos diferentes de letras. Esses smbolos so parte do Alfabeto Fontico Internacional o IPA que foi construdo com o objetivo de universalizar a representao dos fones nas transcries fonticas. Afinal, voc j deve ter percebido que a ortografia no nos d uma orientao clara da pronncia da lngua e de seus dialetos. Um exemplo apenas: giz e gota, embora na ortografia sejam representados por um mesmo smbolo inicial, na tabela fontica seriam, respectivamente, os fones [] e [], que indicam essa diferena que feita na fala. Esse fone [] de giz, por sua vez, o mesmo que usaremos para transcrever o j ortogrfico em viajar.

    Esse alfabeto tem, ainda, outros tantos smbolos, muitos deles espec-ficos de fones de outras lnguas, os quais no existem em portugus. Voc, durante o curso, tomar contato com segmentos sonoros especficos da lngua espanhola. Sugerimos que voc pesquise na bibliografia disponvel em seu plo Cristfaro Silva (2001), por exemplo ou na internet o

    Dado tratar-se de seu pri-meiro contato com os estu-dos da fontica articulat-ria, optamos por priorizar os fones da lngua portuguesa. Ao longo de nosso Curso e a partir desse conhecimen-to introdutrio, voc entra-r em contato com aqueles fones da lngua espanhola que so distintos de fones da lngua portuguesa.

    Tabela 1. Exemplos de consoantes do Portugus, classificadas quanto ao modo a ao lugar de articulao. Fonte: MASSINI-CAGLIARI, G; CAGLIARI, L. C. Fontica,

    2001, p. 126

  • Estudos Lingusticos I

    22

    Alfabeto Fontico Internacional IPA, de modo a tomar contato com os smbolos fonticos que devemos conhecer para atuar na rea de Letras.

    Com base na descrio mais detalhada e na exemplificao corres-pondente acima, passamos agora tabela-resumo dos fones do PB, que est baseada no padro sugerido pela IPA.

    Tabela 2. Tabela fontica consonantal. Fonte: SILVA, T. C. Fontica e Fonologia do

    Portugus (1999, p.37)

    Observe que os pontos de articulao aparecem nas colunas, en-quanto que o modo de articulao especificado nas linhas do quadro. Se voc voltar ao desenho da configurao do aparelho fonador e com-par-lo com os dados do quadro poder verificar que existe um parea-mento com a conformao fsica observe que vamos da parte frontal da boca (consoantes bilabiais) at o final da garganta (consoantes glotais).

    Atente tambm para outro agrupamento interessante:

    p/b, t/d, k/g, f/v, s/z, / etc.

    Articulao Maneira Lugar Bilabial

    Lbio--dental

    Dental ou Alveolar Alveopalatal Palatal Velar Glotal

    Oclusiva desv

    voz

    pb

    td

    kg

    Africada desv

    voz

    td

    Fricativa desv

    voz

    fv

    sz

    X

    h

    Nasal voz m n ( )Tepe voz Vibrante voz

    Retroflexa voz Lateral voz l () ()

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    23

    Captulo 01

    Onde voc acha que estaria a diferena entre os membros de cada par, j que em termos de ponto e modo de articulao eles compartilham exatamente das mesmas caractersticas? Esses pares so convencionados como sendo pares mnimos exatamente porque a diferena est unica-mente relacionada a uma articulao que acontece na cavidade larngea, ou seja, uma distino na sonoridade indicada pelo estado da glote. As-sim, enquanto os primeiros membros de cada par se caracterizam como fones surdos (desvozeados), a contrapartida so fones sonoros (vozea-dos) e tem a ver com a vibrao, ou no, das cordas (pregas) vocais. Quando em incio de palavra (ou slaba), como nos exemplos dados aci-ma, fica bastante fcil perceber essa diferena na sonoridade. Ns, como falantes do portugus, no temos dificuldade de reconhecer isso: afinal pata diferente de bata, pois [p] diferente de [b]. No se trata, ento, apenas de diferenas enquanto fones, mas tambm enquanto fonemas (/p/ e /b/), pois revelam diferena de significado, no mesmo? No es-panhol, voc vai verificar nas suas aulas de lngua, tambm temos esses pares mnimos e mais alguns que no acontecem no portugus.

    Dando sequncia a nosso estudo, passemos a refletir sobre as vo-gais, comeando com as vogais da lngua portuguesa. A princpio, pre-cisamos ter clareza de que as vogais so produzidas sem obstruo ou frico, no trato vocal (boca, lngua, dentes etc.), da passagem do ar que vem dos pulmes. Voc deve estar pensando: Bom, se no h nenhum tipo de obstculo passagem do ar, como tais fones distinguem-se uns dos outros? As vogais distinguem-se umas das outras porque, em sua produo, h mudanas na posio da lngua e no arredondamento dos lbios. Produzir um a requer a lngua em uma posio de repouso, e pro-duzir um o exige o arredondamento dos lbios, para citar dois exemplos apenas. No vamos entrar em detalhes quanto posio da lngua e dos lbios, porque se trata de uma disciplina introdutria, mas voc poder pesquisar quadros e esquemas representativos disso quando estiver mais seguro neste campo de estudo.

    Outra questo a considerar, de incio, que, ainda que tenha ha-vido importantes avanos no estudo das vogais, vamos manter, aqui, a

    No futuro, voc poder aprofundar seus conheci-mentos, buscando novas leituras, como Cristfaro Silva (2001), ou, em um nvel de aprofundamento maior, Bisol (2001) veja os detalhes dessas refern-cias ao final deste livro.

  • Estudos Lingusticos I

    24

    descrio clssica desses segmentos para que voc possa familiarizar-se com a discusso.

    E como essa descrio clssica das vogais? Trata-se de um olhar teri-co que vem de um importante estudioso brasileiro chamado Mattoso Cma-ra Jnior (1970). Em portugus, podemos referir a existncia de doze vogais, que podem ser orais (passagem do ar apenas pela cavidade oral) ou nasais (passagem do ar pelas cavidades oral e nasal). Vejamos o quadro a seguir.

    Orais Nasais

    /a/ mato //im

    manto

    /e/ letra //tempo

    gente

    // teta - -

    /i/ vida //ruim

    ainda

    /o/ boca //pe

    ombro

    conto

    // obra - -

    /u/ rubro //rumba

    mundo

    Outro aspecto que precisamos registrar aqui o fato de que as vo-gais podem ser anteriores mdias ou posteriores, dependendo do local

    Figura 3 - Mattoso Cmara Jnior

    Existem discusses bastante complexas sobre as vogais nasais; C-mara Jnior (1970) j referia isso com muita propriedade. No en-traremos em tais detalhes, optando por tratar desses segmentos apenas como vogais nasais, no discutindo as tantas particularida-des que h nesse universo; com o avano nos estudos, voc tomar contato com essas interessantes discusses.

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    25

    Captulo 01

    onde so articulados em nossa boca tais segmentos. Observemos a fi-gura a seguir, baseada na representao triangular de Cmara Jnior (1970), que mostra a classificao das vogais segundo a zona de articula-o, ou seja, o local onde so articuladas em nosso trato vocal. Imagine que o tringulo representaria a cavidade oral.

    Observando a figura anterior, podemos concluir que, para produ-zir as vogais, a lngua movimenta-se em nossa boca, deslocando-se mais para frente ou mais para trs. Vamos entender melhor o que significa cada qual dessas posies.

    Vogal mdia Vogais anteriores Vogais posteriores

    A vogal /a/ exige que a lngua permanea baixa, em estado de

    relaxamento.

    As vogais /i/, /e/ e // exigem que a lngua se eleve em direo ao cu da boca.

    As vogais /u/, /o/ e / / requerem que a lngua se eleve em direo ao vu palatino (veja novamente o aparelho fonador para localizar essa parte do trato vocal que fica mais ao fundo do cu da boca).

    H vrios outros detalhes no estudo classificatrio das vogais, tanto quanto a outras teorizaes, de configurao mais recente, em outros modelos tericos, no que se refere ao estudo das vogais, mas deixemos isso para um tempo futuro, quando voc estiver mais familiarizado com os estudos da fontica e da fonologia. Limitemo-nos a registrar os cha-mados encontros voclicos, encontros de vogais e de vogais e semivogais. Vejamos isso no quadro a seguir.

    /i/ /u/ /e/ /o/ Anteriores (lngua em direo ao palato) Posteriores (lngua em // // direo ao vu palatino) /a/

    mdia (lngua em repouso)

    Anteriormente, nos referi-mos s semivogais ou glides; trata-se de segmentos que no tm proeminncia acen-tual, ao contrrio das vogais. Talvez pudssemos dizer que se apiam nas vogais por ocasio da articulao nesses encontros voclicos.

  • Estudos Lingusticos I

    26

    Por ora, vamos parar por aqui nosso estudo de fontica, mas ad-vertimos que h muitos detalhes nessa discusso que merecem nossa ateno porque esto em constante processo de aperfeioamento e su-perao. Esperamos, de fato, que estudos de fontica possam vir a inte-ress-lo to logo voc domine melhor os caminhos tericos da lingua-gem e lembramos que, em disciplinas especficas da lngua espanhola, voc aprender novos fonemas e fones, especficos daquele idioma.

    Optamos, neste captulo introdutrio, por particularizar detalhes da fontica articulatria, mas no podemos concluir esta seo sem dizer a voc que a fonologia um vasto campo de estudos, que discu-te modelos tericos com base em diferentes escolas, sobretudo, a escola gerativista. No universo de estudos fonolgicos, so particularmente interessantes discusses sobre Fonologia Autossegmental, Fonologia Lexical, Fonologia Mtrica, Teoria da Otimizao. No futuro, assim que dominar melhor os conceitos de nossa rea, voc poder estudar essas questes, partindo de Cristfaro Silva (2001), Mori (2006), at chegar a Bisol (2001), por exemplo. A teoria dos traos distintivos e os princpios fonolgicos seguramente merecero sua ateno cuidadosa em um futuro prximo.

    Com relao a isso, cumpre-nos dizer-lhe, ainda, que as palavras e os morfemas, em qualquer lngua, alternam sua pronncia especfi-ca em dependncia de determinadas condies. Essas condies, de

    Ditongos Tritongos Hiatos

    Sequncia de vogal mais semivogal em uma mesma slaba. Pode ser:

    a) Ditongo crescente:semivogal + vogal: gl-ria; quatro (orais) e quando (nasal).

    b) Ditongo decrescente:vogal + semivogal:auto, pouco (orais) e pe (nasal).

    Obs.: os ditongos podem ser orais ou na-sais, como voc pde ver nos exemplos.

    Sequncia de semivogal + vogal + semivogal. Tambm pode ser oral ou nasal.

    Orais: Paraguai / averiguei

    Nasais: saguo/ sagues

    Sequncia de vogal + vogal pro-nunciadas em slabas separadas:

    pa s;

    mo e - da;

    vi - va

  • Duas cincias e um s nvel de anlise lingustica

    27

    Captulo 01

    acordo com Ramers (1998, p. 65), so descritas sob o rtulo Processos Fonolgicos. A alternncia dependente de:

    Isso pode ser facilmente comprovado, sem necessidade de entrar-mos em discusses tericas para tanto, com o que possibilita pronunciar ns como nis, peixe como pexe, ritmo como ritimo, assim como pode ser explicada a razo do fonema [z] em rapaz ter som de [s], mas de [z] se imediatamente seguido por algo como alto, mas no quando for seguido por gago em cadeia sonora. Tudo isso, alm de ser passvel de descrio, tambm pode ser explicado. A voltamos ao nosso ponto da introduo: como cientista da linguagem possvel faz-lo! No maravilhoso?

    Resumo

    Apresentamos, neste captulo, a rea da Lingustica que se ocupa dos sons da fala: a fontica e a fonologia. Mostramos a voc que, ainda que o objeto de estudo de ambas seja o mesmo (os sons da fala), o que as faz intimamente relacionadas, trata-se de cincias distintas, cada qual com seu foco de estudo. A fontica estuda os segmentos sonoros em seu pro-cesso de emisso na fala (como se articulam os fonemas em determina-do contexto lingustico, por determinado falante ou ainda por diferentes falantes; que orgos anatmicos so mobilizados para tanto; como os sons se diferenciam entre si); j a fonologia ocupa-se do inventrio de segmentos sonoros de uma lngua (quais fonemas existem em uma ln-gua). Particularizamos a fontica articulatria por conta de sua impor-

    o contexto fontico;

    a posio dentro da palavra;

    as condies de ordem morfolgica: traos flexionais e tipo de afixo;

    o ritmo da fala; e

    o estilo etc.

  • Estudos Lingusticos I

    28

    tncia na descrio dos sons de fala, haja vista estarmos em um Curso cujo objeto de estudo uma lngua estrangeira: o espanhol. Assim, a forma como os sons devem ser articulados por nosso trato vocal (ponto e modo de articulao) deve fazer parte de nossos recursos atencionais em se tratando de questes de pronncia. Ainda com a preocupao de facultar a voc a leitura da pronncia das palavras presentes em dicio-nrios, apresentamos o Alfabeto Fontico Internacional (IPA).

    De posse da capacidade de analisar e sistematizar o sistema fonolgico de sua lngua materna, esperamos que voc entenda e produza o sistema fonolgico do espanhol com maior facilidade. nosso desejo, portanto, t-lo sensibilizado quanto importncia desses conhecimentos para o seu sucesso como aluno e futuro profissional de Letras-Espanhol. Tendo focalizado os aspectos centrais da fontica e da fonologia para as finali-dades deste estudo, passemos Unidade B.

  • Unidade BMorfologia

    Adaptao livre.

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    31

    Captulo 02

    2 Das noes bsicas anlise morfmica

    Ao final deste captulo, voc dever ser capaz de identificar a morfologia como um dos nveis dos estudos lingusticos, caracterizando-a em seus prin-cipais fundamentos. Para tanto, apresentaremos os estudos de Mattoso C-mara Junior quanto ao vocbulo mrfico, assim como trataremos dos mor-femas lexicais e gramaticais e dos processos de composio e derivao. Ter-minaremos o captulo com um breve exemplo de uma anlise morfmica.

    2.1 Introduo

    Em estudos mais recentes sobre a linguagem natural, o lugar da morfologia o ponto de maior controvrsia (SANDALO, 2001). En-quanto alguns desconsideram totalmente esse nvel na construo de uma teoria da gramtica, h outros que a consideram o principal com-ponente. Sua relao com a Fonologia bastante estreita e por isso hou-ve um perodo (dcada de 70 e incio da dcada de 80) em que ela foi tratada dentro do componente fonolgico (Fonologia Lexical), e, por-tanto, processada no lxico e, em funo dessa adoo terica, irrele-vante para a Sintaxe.

    No cabe aqui toda a discusso em torno da evoluo (ou involu-o) do papel da Morfologia, ao longo das ltimas dcadas, dentro de vertentes tericas diversas dentre elas citamos a Morfologia de Traos, a Morfologia Distribuda e o Minimalismo (a ltima verso do mode-lo gerativista). Mas o extremo da irrelevncia ela atingiu na dcada de 60, quando a teoria da Gramtica estava preocupada exclusivamente em buscar universais da linguagem, e esses eram detectveis na Sintaxe, onde a similaridade entre as lnguas se faz mais presente. Mas impor-tante frisar que, na atualidade, ela voltou a ganhar destaque similar ao que tinha na vertente estruturalista.

  • Estudos Lingusticos I

    32

    Assim sendo, vamos nos debruar exatamente sobre as contri-buies que o estruturalismo fez rea da Morfologia (ou vice-versa), uma vez que todo aparato terminolgico e classificatrio partiu da. E nada mais apropriado para tal comear com Mattoso Cmara Jnior, a quem j fizemos referncias anteriormente e que foi um dos grandes estudiosos da estrutura da lngua portuguesa, se no o maior.

    2.2 Primeiras palavras

    Mattoso Cmara Jnior, a quem j fizemos referncia anteriormen-te, foi um dos grandes estudiosos da estrutura da lngua portuguesa. Seus estudos sobre o vocbulo mrfico ou formal (1970) contriburam significativamente para a anlise mrfica. Para saber o que o vocbu-lo mrfico, precisamos referir, ainda que brevemente, trs importantes conceitos: formas livres, formas presas e formas dependentes, conceitos que vm de Mattoso Cmara Jnior (1970), com base em um estudioso americano chamado Leonard Bloomfield, que publicou, no ano de 1933, uma importante obra intitulada Language. Vamos aos conceitos.

    Ento, o que o vocbulo mrfico ou formal?

    Silva e Koch (2002), baseadas em Cmara Jnior (1970), registram que o vocbulo formal ou vocbulo mrfico a [...] unidade a que se chega quando no possvel nova diviso em duas ou mais formas li-vres ou dependentes (p.19). Esses conceitos so estabelecidos no nvel

    Formas livres Formas presas Formas dependentes

    Constituem uma sequncia que pode funcionar isolada-mente como comunicao suficiente, conforme livros no enunciado O que voc

    vai revender? Livros. (SILVA e KOCH, 2002, p. 18)

    [...] s funcionam ligadas a outras [formas], como o pre-fixo re em revender e a marca de plural em livro-s. (SILVA e

    KOCH, 2002, p. 18)

    Funcionam ligadas s formas livres, mas distinguem-se delas porque no podem funcionar isoladamente como comunicao suficiente; distinguem-

    -se, tambm, das formas presas porque aceitam intercalao de novas formas e aceitam variao posicional na frase o caso, por exemplo, de artigos, preposies, pronomes to-

    nos (SILVA e KOCH, 2002).

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    33

    Captulo 02

    da sentena. Vejamos, ento, a sentena Os livros e as revistas de Joana foram rasgados. Nela, podemos observar que:

    Ficou mais claro agora? Bom, esses conceitos so fundamentais por-que, normalmente, quando tratamos da estrutura morfolgica da lngua, referimo-nos a palavras, no entanto, a noo de palavra bastante com-plexa. Se tomarmos, por exemplo, o pronome lhe, diremos que ele uma palavra? E se tomarmos as expresses construtor e aquele que constri embora esta ltima expresso tenha, na maioria dos contextos, sentido muito semelhante primeira, seguramente no diremos que uma pala-vra, como refere Sandalo (2006). Tomemos, ainda, a diferena entre pala-vras na fala e na escrita na escrita, chamamos de palavras os signos que so separados por espaos em branco. Na fala, porm, no h espaos em branco separando palavras quando falamos, por exemplo, casa amarela, articulamos algo como cazamarela, em um todo nico, em razo do con-tinuum da fala e do mecanismo de coarticulao. Logo, tratar a palavra como unidade do estudo da morfologia envolve complexidade.

    Assim, os conceitos formas livres, presas, dependentes e vocbulo mrfico ou formal parecem contribuir para clarificar em alguma medida essa complexidade. Alm deles, h um outro conceito fundamental em se tratando do estudo da morfologia como nvel de anlise lingustica: o conceito de morfema. Quando focalizamos, nas sees anteriores, a fontica e a fonologia, vimos que havia dois conceitos especficos fones e fonemas, unidades de anlise fontica e fonolgica respectivamente; na morfologia, as unidades para a anlise morfolgica so os morfemas.

    livros... .. uma forma livre... ...porque funciona isoladamente como comunicao suficiente (O que voc

    comprou? Livros.)

    -os na palavra livros... .. uma forma presa... ...porque s funciona ligada a outra forma (livr-).

    Os que antecede a pala-vra livros...

    ... uma forma dependen-te...

    ...porque poderia mudar de posio na frase (Se, por exemplo, escrevssemos As

    revistas e os livros...).

  • Estudos Lingusticos I

    34

    Estudar o nvel de anlise lingustica morfologia implica estudar os morfemas que compem o vocbulo mrfico ou formal se voc voltar ao quadro que inicia este captulo, definindo os nveis de anlise lingus-tica, voc ver que o estudo da morfologia est centrado nos morfemas que compem o vocbulo formal.

    No caso da sentena anterior Os livros e as revistas de Joana foram rasgados., o estudo do vocbulo formal implicaria analisar o os de livros no mais como forma presa, mas como morfema neste caso, dois mor-femas: o o seria o que chamamos de morfema classificatrio e o s seria o que chamamos de morfema flexional de nmero. Essas classificaes sero retomadas frente. Vamos, ento, discutir aspectos genricos da anlise mrfica. No entraremos em detalhes dada a natureza introdu-tria deste estudo. Silva e Koch (2002, p. 20) escrevem com propriedade:

    A anlise mrfica consiste na descrio da estrutura do vocbulo mr-

    fico, depreendendo suas formas mnimas ou morfemas, de acordo com

    uma significao e uma funo elementares que lhe so atribudas den-

    tro da significao e da funo total do vocbulo.

    No devemos, porm, confundir o conceito de morfema com o con-ceito de formas livres, presas e dependentes. Enquanto estas ltimas se estabelecem no nvel da sentena s podemos classific-las ob-servando seu grau de dependncia ou independncia na sentena; os morfemas se estabelecem no nvel do vocbulo formal. Na sentena Os livros e as revistas de Joana foram rasgados., que registramos an-teriormente, voc pde observar que classificamos o Os do incio da sentena como forma dependente e o os de livros como forma pre-sa fizemos isso no plano da sentena e no no plano do vocbulo.

    Por essa citao, podemos definir o que morfema: forma mnima do vocbulo mrfico com uma significao e uma funo que lhe so atribudas a partir da significao e da funo do vocbulo mrfico.

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    35

    Captulo 02

    Para entender isso melhor, vamos classificar os diferentes tipos de morfemas e discutir tais significao e funo cada tipo de morfema tem uma funo implicada na significao do vocbulo formal.

    2.3 Morfemas lexicais e morfemas gramaticais

    Existem dois grupos de morfemas: os morfemas lexicais e os morfe-mas gramaticais. Os morfemas lexicais contm o sentido bsico das pala-vras, enquanto os morfemas gramaticais veiculam noes como gnero, nmero, pessoa, modo, tempo etc. Todas as palavras que apresentam o mesmo morfema lexical so chamadas cognatas (por exemplo: pobre, pobreza, empobrecer, pobremente etc). Para entender isso melhor, ob-servemos as palavras do quadro a seguir.

    Complicado? Bom, estamos certas de que voc pde perceber que os morfemas lexicais so aquelas unidades presentes nos vocbulos de uma mesma famlia, as quais traduzem fundamentalmente a significa-

    Vocbulos Morfema destacado Classificao do morfema em destaque

    Pobreza Pobr eza Pobr- um morfema lexical presente em toda a famlia de palavras que traduz esse significado.

    Pobreza Pobr eza -eza um morfema gramatical do tipo derivacional; neste caso, um sufixo que forma um substantivo.

    Menino Menin o Menin- um morfema lexical presente em toda a famlia de palavras que traduz esse significado.

    Menina Menin a -a um morfema gramatical do tipo flexional, indicativo de gnero feminino.

    Cantor Cant or Cant- um morfema lexical presente em toda a famlia de palavras que traduz esse significado.

    Cantor Cant or -or um morfema gramatical; neste caso, um sufixo forma-dor de substantivo.

    Cantar Cant a r -a um morfema gramatical, neste caso, um morfema classi-ficatrio, uma vogal temtica indicativa de verbo da primeira conjugao: -ar.

    Cantaramos Cantara mos -mos um morfema gramatical do tipo flexional, indicador de primeira pessoa do plural em verbos.

  • Estudos Lingusticos I

    36

    o das palavras. J os demais morfemas morfemas gramaticais , voc seguramente observou que no traduzem a base de significao dos vo-cbulos, mas conferem a elas ideias de feminino ou masculino; singular ou plural; tempo, modo, pessoa verbal etc.

    Poderamos ir adiante em exemplos, mas o que queremos, com essa introduo, mostrar a voc os dois grandes grupos de morfemas: lexicais e gramaticais.

    Vamos sistematizar isso melhor no quadro que segue, no qual es-pecificamos os diferentes tipos de morfemas gramaticais. Quanto aos lexicais, no vamos particularizar detalhes, tais como a diferena entre radical e raiz, entre outras questes que voc poder estudar em um tempo futuro. Detalharemos os morfemas gramaticais porque sua sub-classificao tem relevncia aplicada no estudo da morfologia da lngua.

    Os morfemas lexicais so aquelas unidades que aparecem em uma mesma famlia de vocbulos, atribuindo-lhes sua significa-o bsica. J os morfemas gramaticais so os morfemas que vei-culam informaes de flexo, de derivao, de classificao etc. dos vocbulos formais.

    Morfemas GRAMATICAIS

    Tipos

    Definio Exemplo

    Morfemas gramaticais clas-sificatrios

    Tm como funo enquadrar os vocbulos em classes de nomes e verbos. So as cha-

    madas vogais temticas.

    Cant a r: o -a enquadra este vocbulo na classe dos verbos de primeira conjugao.

    Menin o: o -o enquadra este vocbulo na classe dos substantivos.

    Morfemas gramaticais fle-xionais

    Obs.: h uma srie de deta-lhamentos sobre a configu-rao que esses morfemas podem assumir, o que no discutiremos aqui. Caso voc queira saber mais, leia Silva e

    So morfemas responsveis por veicular as seguintes in-formaes:

    Nos nomes (substantivos e adjetivos): gnero (mascu-lino e feminino) e nmero (singular e plural).

    Menin a s: o -a um morfema flexional que indica gnero feminino; o -s um morfema

    flexional que indica plural.

    Canta ra mos: o

    -ria um morfema flexional que indica modo Indicativo e tempo Futuro do Pretri-to; o -mos um morfema flexional indicati-

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    37

    Captulo 02

    Alm de conhecermos os tipos de morfemas, h uma outra questo fundamental em se tratando do estudo da morfologia: como se formam os vocbulos. Ainda que no seja ocasio para entrarmos em detalhes, importa que saibamos que os vocbulos se formam, na maioria das ve-zes, por processos de unio ou supresso de morfemas; os vocbulos que do origem a outros so conhecidos como primitivos, e os vocbu-los que derivam de outros so conhecidas como derivados.

    2.4 Composio e Derivao

    Os vocbulos formam-se basicamente por dois grandes processos: processos de composio ou processos de derivao. Vejamos tais pro-cessos (e outros processos menos frequentes) a seguir.

    Composio

    Koch (2002) ou o prprio C-mara Jnior (1970).

    Nos verbos: categorias de modo e tempo, nmero e pessoa.

    vo de nmero plural e de primeira pessoa.

    Morfemas gramaticais deri-vacionais

    Criam novas palavras na ln-gua unindo-se aos morfemas lexicais. So os conhecidos prefixos e sufixos.

    In feliz: o in um morfema derivacional que se une ao morfema lexical feliz para formar uma nova palavra.

    Feliz mente: o

    -mente um morfema derivacional que se une ao morfema lexical feliz para formar uma nova palavra.

    Morfemas gramaticais rela-cionais

    Ordenam os elementos da frase, possibilitando a conca-tenao dos morfemas lexi-cais entre si. (SILVA e KOCH, 2001, p. 26)

    So exemplos disso as preposies, as con-junes, os pronomes relativos.

    Processo de formao de palavras que cria novos vocbulos pela combinao de outros j existentes, dando origem a um novo sig-nificado. Atravs desse processo combinam-se dois morfemas lexi-

  • Estudos Lingusticos I

    38

    Por fuso semntica mais ou menos completa, entendamos unio dos significados das palavras primitivas, mantendo-se tais significados em sua totalidade ou no. Em girassol, por exemplo, as ideias de girar e de sol esto mantidas; j em p-de-moleque, nem a ideia de p nem a ideia de moleque foram mantidas; os morfemas lexicais uniram-se para formar uma terceira ideia.

    O processo de composio pode se dar por justaposio ou por aglutinao. Confira os tipos e exemplos a seguir.

    Composio por justaposio: os vocbulos primitivos que for-mam o novo vocbulo so mantidos lado a lado (com ou sem hfen), conservando sua autonomia fontica e de acento. Ex.: gi-rassol, p-de-moleque, amor-perfeito.

    Composio por aglutinao: os vocbulos se fundem em um todo fontico passando a ter um nico acento, podendo haver perda de alguns de seus elementos fonticos. Ex.: planalto, pon-tiagudo, aguardente. (SILVA e KOCH, 2002).

    Derivao

    Confira os tipos e exemplos a seguir.

    Derivao prefixal: um prefixo une-se ao morfema lexical for-mando novo vocbulo. Ex.: infeliz.

    Processo em que prefixos e/ou sufixos se unem ao morfema lexical formando novas palavras.

    cais, operando-se entre eles uma fuso semntica que pode ser mais ou menos completa(SILVA e KOCH, 2002, p.33 e 34).

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    39

    Captulo 02

    Derivao sufixal: um sufixo une-se ao morfema lexical forman-do novo vocbulo. Ex.: felizmente.

    Derivao prefixal e sufixal: um prefixo e um sufixo unem-se ao morfema lexical formando novo vocbulo. Ex.: infelizmente.

    Derivao parassinttica: um prefixo e um sufixo unem-se simultaneamente a um morfema lexical, formando novo vo-cbulo. Ex.: entardecer. (Nesse tipo de derivao, a retirada do prefixo ou do sufixo implica ausncia de significado, o que no ocorre na derivao prefixal e sufixal em in feliz mente, exemplo dado no item anterior, se retirarmos o prefixo ou o sufixo, continua a existir uma palavra.)

    Derivao regressiva: ocorre a subtrao de morfemas do vo-cbulo primitivo para formar nova palavra. Ex.: corte (de cor-tar); caa (de caar).

    Derivao imprpria: ocorre quando uma palavra muda sua classe gramatical. Ex.: manga rosa (o substantivo rosa passa a funcionar como adjetivo); cantar baixo (o adjetivo baixo passa a funcionar como advrbio) (SILVA e KOCH, 2002).

    Abreviao

    H tericos que concebam que o processo da abreviao abrange a abreviatura e a sigla (BELTRO e BELTRO, 19998) ou a abreviatu-ra, a sigla e o smbolo (KASPARY, 1998), mas isso no ser particula-rizado aqui. Confira os tipos e exemplos a seguir.

    Processo que implica o [...] emprego de uma parte da palavra pelo todo, at limites que no prejudiquem a compreenso. (SIL-VA e KOCH, 2002, p. 35).

  • Estudos Lingusticos I

    40

    Foto (de fotografia); moto (de motocicleta), pneu (de pneu-mtico) etc.

    Reduplicao e onomatopia

    Processo que implica a repetio de slabas para formar novos vo-cbulos. Quando imitativa e procura reproduzir aproximadamen-te certos sons ou certos rudos, tem-se as onomatopias. (SILVA e KOCH, 2002, p. 36)

    Confira os tipos e exemplos a seguir.

    Reduplicao: Dudu.

    Onomatopia: tique-taque.

    Siglas

    Confira os tipos e exemplos a seguir.

    INSS (de Instituto Nacional de Seguridade Social)

    Em se tratando deste nvel de anlise, a morfologia, poderamos, ainda, discutir particularidades da flexo dos nomes e dos verbos. Abriremos mo dessa discusso, delegando-a a voc em seus estudos futuros, para o que voltamos a referir Silva e Koch (2002) e o prprio

    Voc pode facilmente perceber que, em alguns desse casos, a pala-vra primitiva parece estar em efetivo desuso.

    Reduo de longos ttulos s letras iniciais das palavras que os compem. (SILVA e KOCH, 2002, p. 36)

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    41

    Captulo 02

    Mattoso Cmara Jnior (1970). H, ainda, uma outra obra de contedo bastante acessvel na qual voc pode retomar essas questes, ampli-las e exercitar seus conhecimentos: Laroca (2003). Todas essas obras esto devidamente referidas na bibliografia deste livro.

    A teoria gerativa padro, que voc conhecer melhor em outras dis-ciplinas, discute, por exemplo, as relaes entre Fonologia e Morfologia, mapeando, por meio de regras de transformao, os ambientes em que ocorrem mudanas. Em fronteira de vocbulos, por exemplo, tais mu-danas costumam se processar: tomemos o plural do vocbulo casa se estiver em uma sentena em que for seguido de vocbulo iniciado por segmento sonoro, o s que marca o plural e corresponde ao fonema /s/ passar a corresponder ao fonema /z/: cazaz amarelas; j se vier seguido de vocbulo iniciado por segmento surdo, o fonema /s/ ser mantido: casas pretas. A morfologia estrutural focaliza mudanas, por exemplo, em fronteiras entre morfemas se tomarmos a forma verbal partis (vs partis), veremos que houve um processo de fuso entre morfemas:

    No podemos ir adiante, porm, sem esclarecer a voc que todas essas consideraes que fizemos aqui sobre morfologia inscrevem--se no quadro terico da escola estruturalista. A escola gerativista, no entanto, tem fecundas discusses sobre questes morfolgicas e parece ser a escola que hoje encontra maiores adeptos no trato dessa questo. No nos ateremos a ela, aqui, porque entendemos que, sendo uma disciplina introdutria, devemos inserir voc no conjunto dessas discusses, o que significa focalizar a morfologia estruturalista, dado que a partir desses estudos que novas discus-ses, sob outros parmetros tericos, tm se instaurado.

    Morfema Lexical Morfemas gramaticais

    Radical Morfema classificatrio vogal temtica

    Morfema flexional De-sinncia de modo e de

    tempo

    Morfema flexional De-sinncia de pessoa e de

    nmero

    Part i f

    (ausncia de marca)

    is

  • Estudos Lingusticos I

    42

    Podemos observar que o i do segundo quadro, uma vogal temtica, fundiu-se com o i do is, desinncia de pessoa e nmero. Nesses casos, observamos uma mudana na fronteira entre morfemas. A existncia de mudanas nas fronteiras entre morfemas e nas fronteiras entre vocbulos objeto da ateno da Fonologia que, no quadro terico do gerativismo, passou a ser concebida como Fonologia Lexical (processada no lxico) e Fonologia ps-lexical (processada nas estruturas sintticas) dentro da teoria gerativa, a morfologia passou a ser tratada dentro do quadro da fo-nologia lexical. Escreve Sandalo (2006, p. 190, 191):

    Com a apresentao da teoria gerativa na dcada de sessenta, a morfolo-

    gia e a descrio morfolgica [...] como desenvolvidas pelos estruturalistas,

    perderam espao. [...] Nesse momento, passou-se a buscar os universais da

    linguagem. Por esse motivo, a Sintaxe (i.e., o estudo da formao das sen-

    tenas) passou a ser o ponto central da Gramtica, uma vez que na sin-

    taxe que vemos uma maior similaridade entre as lnguas. Como a Morfolo-

    gia tem uma relao bastante importante com a Fonologia, a Morfologia

    passou a ser tratada dentro do componente Fonolgico [...] Deixou de ser,

    assim, um componente da Gramtica. natural, assim, que a Morfologia

    tenha perdido espao nessa poca. Dentro do quadro gerativista das d-

    cadas de setenta e oitenta, passou-se a assumir que cada componente da

    Gramtica deveria corresponder a um mdulo independente governado

    por seus princpios particulares. Cada mdulo seria, assim, completamente

    independente do outro. [...] A Morfologia passou se ser tratada dentro do

    quadro da Fonologia Lexical. [...] De acordo com Chomsky (1970), a sintaxe

    seguiria toda e qualquer operao lexical, manipulando palavras inteiras,

    sendo, portanto, cega estrutura interna das palavras, isto , ope-

    raes lexicais. Essa perspectiva, no entanto, se mostrou simplista

    demais no decorrer da dcada de oitenta. (grifo nosso)

    Anderson (1982/1992) questionou essas concepes. Em estudo futuro, voc certamente conhecer a chamada Hiptese lexicalista e po-der enfronhar-se melhor nessa interessante discusso. O que importa registrarmos, por ora, que Chomsky (1993/1995), em estudos poste-riores, dentro do chamado Programa Minimalista, reformulou o papel da morfologia dentro da teoria lingustica, conferindo-lhe novamente

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    43

    Captulo 02

    destaque, mas mantendo-a como parte da sintaxe, mas essa uma dis-cusso para o futuro. Assim, teorizaes de base gerativista ou teoriza-es com base na chamada Teoria da Otimidade, hoje em franca expan-so, ficaro para mais tarde.

    2.5 Uma Anlise Morfmica

    Antes de concluir este captulo, vamos proceder uma anlise mor-folgica completa de uma palavra complexa (em se tratando do nmero de morfemas e de alomorfia), dentro dos parmetros estabelecidos pelo estruturalismo. O exemplo foi extrado de Kehdi (1990, p. 54-56) com algumas adaptaes:

    Agora, muita ateno, pois o vocbulo que iremos analisar : confiabilidade

    Em relao ao par inicial confiabilidade e confivel preciso, pre-viamente, levar em conta outros grupos na lngua que possuem com-portamento anlogo: aceitabilidade x aceitvel, amabilidade x amvel, durabilidade x durvel etc. Nesses pares, observamos que os elementos primeiros so substantivos abstratos correspondentes aos adjetivos que constituem o segundo elemento do par. A terminao vel dos adjetivos passa regularmente a bil- nos substantivos, permitindo-nos concluir que bil- uma forma variante de vel. Assim, podemos concluir que confivel e confiabil- so formas correspondentes. Sendo assim, o seg-mento diferencial, destacvel, idade, sufixo. A ocorrncia de dade (sem o i-), em vocbulos como bondade, lealdade, ruindade, leva-nos a interpretar o i- como vogal de ligao. Mas se optarmos por uma clas-sificao mais econmica, tambm podemos considerar idade como alomorfe de dade. Continuando, procedemos agora comparao de confivel e fivel e depreendemos con- como prefixo. Prosseguindo, es-tabelecemos um novo par: fivel x fia, que nos leva a destacar vel como sufixo (que no caso do vocbulo em questo se apresenta sob forma do alomorfe bil). Comparando agora fia x fio segmentamos a (e tambm o, mas que no nos interessa nesse caso). O a segmentado leva-nos

  • Estudos Lingusticos I

    44

    interpretao de terceira pessoa do singular do presente do indicati-vo. No entanto, podemos corrigir essa classificao, levantando formas como fiava x firamos x fiassem onde a ocorrncia de a- constante, independente de modo/tempo e nmero/pessoa; trata-se, na verdade, da vogal temtica da primeira conjugao.

    Gostou da empreitada? Um comentrio final: observe, tambm, que os adjetivos terminados em z, quando seguidos dos sufixos dade e ssimo, alternam o z em c-, conforme ilustram os exemplos: capaz / capacidade / capacssimo, feliz / felicidade / felicssimo, veloz / velocida-de / velocssimo.

    Chegamos ao final de nossas consideraes sobre o nvel de anlise lingustica morfologia. Fizemos as nossas incurses nessa rea dentro do quadro terico do estruturalismo, que nos permitiu uma familiariza-o bsica com a terminologia e com a metodologia utilizada para de-preenso dos morfemas do portugus e para uma classificao primria dos mesmos, tanto sob a tica funcional como a formal.

    Resumo

    Neste captulo, em que estudamos a Morfologia luz da escola estrutu-ralista, apresentamos a noo de vocbulo mrfico ou formal, bem como o conceito de formas livres, presas e dependentes, as quais se estabelecem por ocasio de seu grau de (in)dependncia em uma sentena. Por sua

    Retomando os morfemas destacados, temos como resultado:

    con-: prefixo

    fi-: radical

    a-: vogal temtica (1 conjugao)

    -bil-: alomorfe do sufixo vel

    -idade : alomorfe de idade (ou i-: vogal de ligao)

  • Das noes bsicas anlise morfmica

    45

    Captulo 02

    vez, o conceito de morfema menor unidade de significado est atre-lado ao nvel do vocbulo formal. Vimos que h dois tipos de morfemas: os lexicais que contm o sentido bsico das palavras e os gramaticais que informam gnero, nmero, pessoa, modo, tempo etc.

    Outra questo de fundamental importncia nos estudos da morfologia o entendimento de como se d a formao de vocbulos em uma lngua. Nesse sentido, reconhecemos que os vocbulos se formam, primordial-mente, a partir de processos de composio quando a combinao de vocbulos j existentes origina novos vocbulos e derivao quando afixos se unem a morfemas lexicais.

    No prximo captulo, dedicado Sintaxe, voltaremos a fazer pontes com o que foi discutido neste sobre a Morfologia, uma vez que dissociar essas duas reas, conforme falamos anteriormente, ponto de controvrsia.

  • Estudos Lingusticos I

    46

  • Unidade CSintaxe

    Adaptado de: sxc.hu

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

    49

    Captulo 03

    3 Do gerativismo ao funciona-lismo: uma viso panormica

    Ao final desta seo, voc dever ser capaz de identificar a sintaxe como um dos nveis de estudos lingusticos, caracterizando-a em seus princi-pais fundamentos. nfase ser dada escola gerativista e, dentro dela, Gramtica Gerativa Transformacional de Chomsky correspondente ao perodo de 1957 a 1965 Teoria Padro, fazendo aluses pontuais aos estudos de sintaxe aos olhos da Gramtica Tradicional. Adicionalmente, apresentaremos, ainda que tambm de forma preliminar, uma abordagem funcional hallidayana Sintaxe.

    3.1 Introduo

    A sintaxe tem ganhado projeo e ateno dos estudiosos da lngua, sobretudo, desde a segunda metade do sculo XX, de modo a firmar-se como um dos mais importantes nveis de anlise lingustica na atua-lidade. Esse status deve-se, em grande medida, aos estudos da escola gerativista, em especial graas s pesquisas de um dos maiores linguis-tas de todos os tempos, ainda vivo e em atividade, o americano Noam Chomsky, a quem j fizemos referncia em captulos anteriores.

    Os estudos de Chomsky e de seus colaboradores e seguidores projetaram a sintaxe como fecundo campo de anlise, gerando um conjunto de teorias to interessantes quanto complexas, teorias cujos eixos de estruturao precisam ser minimamente conhecidos por es-tudiosos da rea da linguagem.

    Paralelamente discusso da sintaxe gerativa, persiste, nos estudos das Letras, o estudo da sintaxe tradicional, com suas bases tericas bem menos complexas, mas capazes de suscitar inmeras discusses dadas as tantas lacunas que trazem consigo, questo que voc pode relembrar

    Figura 4 - Noam Chomsky. Fonte: http://wikipedia.org

    Noam Chomsky nasceu em 7 de dezembro de 1928, na Filadlfia, Esta-dos Unidos. professor de lingustica e filosofia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e tam-bm um ativista poltico incansvel em suas mani-festaes contra o capita-lismo americano. Para sa-ber mais, acesse o portal UOL Educao. Disponvel em: . Acesso em 1 mar. 12.

  • Estudos Lingusticos I

    50

    em Dellagnelo e Cerutti-Rizzatti (2008), por ocasio da discusso acer-ca da gramtica tradicional. Alm disso, claro, h estudos de sintaxe com base em outras escolas de pensamento lingustico, como o funcio-nalismo. Berlinck, Augusto e Scher (2006, p. 212) escrevem:

    Pensar a Sintaxe segundo uma perspectiva funcionalista, implica, ento,

    alargar a anlise para alm dos limites da sentena. Os processos sint-

    ticos so entendidos aqui pelas relaes que o componente sinttico

    da lngua mantm com os componentes semntico e discursivo. S

    possvel compreender o que se passa na Sintaxe, olhando tambm para

    o contexto (texto e/ou situao comunicativa) em que a sentena est

    inserida. nesse espao ampliado de anlise que se vo buscar as modi-

    ficaes das escolhas que o falante faz em termos estruturais.

    No nos deteremos, nesta disciplina introdutria, nos detalhes da sintaxe funcional ou gerativa, porm gostaramos de lhe falar, ainda que brevemente, acerca dessas vertentes. Ento, vamos l.

    3.2 A Sintaxe Gerativa

    Vamos nos debruar sobre a sintaxe gerativa, conhecida tambm como abordagem formalista da sintaxe. Berlinck, Augusto e Scher (2006, p. 211):

    A viso formalista se revela neste programa [programa de investigao

    da gramtica gerativa], em primeiro lugar na preocupao primordial

    com as propriedades estruturais de uma lngua. Em outras palavras,

    Chomsky adota uma perspectiva formalista para a anlise dos dados

    lingsticos dos quais se ocupa, tentando, pelo estudo da lngua em ter-

    mos de suas partes, determinar os princpios de sua organizao, para

    ento estabelecer as relaes entre elas e o seu uso.

    No nos sero dados, porm, aqui, detalhes da sintaxe gerativa, em razo da complexidade dessa vertente terica e do tempo de discusso que isso demandaria. Poderamos mapear estgios do pensamento de Chomsky, por exemplo, que iriam da Teoria Padro, Teoria Padro Es-

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

    51

    Captulo 03

    tendida, Teoria de Princpios e Parmetros ao Programa Minimalista, o que denota um processo de refinamento terico que, ao mesmo tempo em que se destina a reduzir a amplitude das regras propostas, traz con-sigo crescente complexidade formal e o requisito de domnio de uma maquinaria conceitual expressiva.

    O que continua sendo uma unanimidade subjacente a todos esses mo-delos que os mecanismos responsveis pela linguagem so inatos e, por-tanto, no levam em conta aspectos culturais. Assume-se assim que todas as lnguas so regidas por princpios universais a que damos o nome de gramtica universal (doravante GU). Essa GU constitui o estado inicial da faculdade da linguagem (So), e a gramtica do indivduo adulto constitui o seu estgio final, firme ou estvel (Ss), de acordo com Raposo (1992, p. 46).

    Optamos por referir a sintaxe em uma perspectiva gramatical des-critiva, lanando mo de alguns conceitos bsicos da Gramtica Gerativa Transformacional de Chomsky correspondente ao perodo de 1957 a 1965 Teoria Padro, de modo a ilustrar a importncia de analisar as estruturas sintticas a partir da hierarquia que revelam em sua estrutura profunda. Sugerimos a voc, para um aprofundamento futuro dessa questo, o es-tudo da obra de Lcia Lobato e de Carlos Miotto, estudiosos que tm se dedicado a desvendar o gerativismo para os iniciantes nesse campo.

    Se voc retomar as sees anteriores, observar que cada qual dos nveis particularizados apresenta uma unidade de anlise: as unidades de anlise da fontica so os fones; da fonologia so os fonemas; da mor-fologia so os morfemas. Muito bem, e qual a unidade de anlise da sintaxe? A unidade de anlise da sintaxe a sentena.

    input GU uma lngua

    S S

    S = estgio inicial da aquisioS = estgio estvel / gramtica adulta (stable stage)

    s

    s

    O Prof Carlos Mioto (UFSC), junto com suas colegas Fi-gueiredo e Silva e Lopes, es-creveram o primeiro manu-al de sintaxe de orientao gerativista do Brasil. Este li-vro, dada a sua relevncia e orientao didatizada, j se encontra em sua 3 edio, sendo utilizado em muitos cursos de Letras do pas.

  • Estudos Lingusticos I

    52

    Estudar a sintaxe implica focalizar o que chamamos de constituin-tes oracionais, os sintagmas. Mas o que so sintagmas?

    Observemos a seguinte sentena: As meninas liam os livros. Podemos decomp-la em dois grandes sintagmas: um que tem como ncleo um nome substantivo, meninas, e outro que tem como ncleo um verbo, liam.

    Uma sentena apresenta como constituintes bsicos um sintagma nominal (SN) e um sintagma verbal (SV). Retomemos a nossa senten-a, agora, representando-a sob forma arbrea, conforme teorizaes iniciais da Gramtica Gerativa Transformacional. Antes, observe o que cada qual das siglas significa:

    Sintagmas so unidades que se organizam em torno de um n-cleo, no interior da orao, mantendo entre si relaes de depen-dncia e de ordem.

    As meninas liam os livros.

    Este trecho da frase forma uma uni-dade porque as palavras mantm relaes de dependncia entre si: as refere-se ao ncleo meninas; mantm, tambm, relaes de or-dem: as no pode vir aps meni-nas. Trata-se, pois, de um sintagma nominal porque o ncleo desta uni-dade o nome meninas.

    Este trecho forma uma unidade porque as palavras mantm rela-es de dependncia entre si: os livros referem-se ao verbo ler. Tra-ta-se, pois, de um sintagma verbal porque o ncleo desta unidade o verbo ler.

    S = sentenaSN= sintagma nominalSV= sintagma verbalDET= determinanteN= nomeV= verbo

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

    53

    Captulo 03

    Nessa rvore, voc pode observar as relaes existentes entre os vocbulos. Fica bastante visibilizada a correlao entre as palavras que formam cada um dos sintagmas. Como voc pode ver, determinante, nestes dois casos, so os artigos as e os que determinam o substantivo em gnero e nmero. Os determinantes so constitudos por artigos, numerais e pronomes adjetivos. As estruturas oracionais, porm, po-dem ser bem mais complexas, apresentando um maior nmero de ele-mentos, como sintagmas preposicionais e sintagmas adjetivais. Vamos ver um exemplo disso? Podemos aumentar a nossa sentena assim: As meninas curiosas liam os livros de histrias. Como ficaria essa arboriza-o? As novas siglas, aqui, so:

    S

    SN

    NDet

    As meninas liam os livros.

    SV

    SNV

    Det N

    SP= sintagma preposicionado

    SA= sintagma adjetival

    MOD= modificador

  • Estudos Lingusticos I

    54

    Podemos ver, no exemplo, a manuteno dos dois grandes sintag-mas: o sintagma nominal constitudo pelo fragmento As meninas curio-sas, e o sintagma verbal constitudo pelo fragmento liam os livros de his-trias. No interior dos dois sintagmas, porm, podemos observar cada qual das unidades que os constituem:

    a. no sintagma nominal, h:

    um determinante formado pelo artigo as;

    um nome ncleo deste sintagma o substantivo meninas;

    um modificador, um sintagma adjetival, formado pelo adjetivo curiosas.

    b. No sintagma verbal, h:

    um verbo liam , ncleo deste sintagma;

    um sintagma nominal formado por:

    S

    SN

    NDet

    As meninas curiosas liam os livros de hist.

    SV

    SNV

    Det N

    Mod

    SA SP

    P SN

    Mod

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

    55

    Captulo 03

    um determinante o artigo os;

    um nome ncleo deste sintagma o substantivo livros;

    um modificador, um sintagma preposicionado, formado pela preposio de e pelo nome histrias.

    Podemos estudar as estruturas oracionais no mbito das relaes internas entre os constituintes de uma mesma orao a Gramtica Tradicional chama isso de sintaxe interna e nomeia os tipos de termos que compem esse estudo:

    termos essenciais da orao (sujeito, predicado e predicativo);

    termos integrantes da orao (objeto direto, objeto indireto, complemento nominal e agente da passiva); e

    termos acessrios da orao (adjunto adnominal, adjunto adver-bial, aposto e vocativo).

    Podemos ter sintagmas nominais no interior de um sintagma ver-bal e podemos ter sintagmas adjetivais e sintagmas preposicionais no interior de sintagmas nominais, chamados, nesse caso, de mo-dificadores, ou seja, elementos que modificam os nomes. Estamos certas de que voc achou complexas essas arborizaes, mas pre-cisamos registrar que se trata apenas de alguns exemplos bastante simples das possveis formas de representar a hierarquizao entre os constituintes oracionais; ou seja, a forma como se relacionam os elementos que compem as sentenas. O objetivo desse registro apresentar a voc um dos caminhos para a anlise das estruturas sintticas; neste caso, a partir dos princpios fundadores da Gra-mtica Gerativa Transformacional.

  • Estudos Lingusticos I

    56

    No caso da nossa sentena As meninas curiosas liam os livros de histrias, o sintagma nominal As meninas curiosas funciona como sujeito do sintagma verbal liam livros de histrias. J o sintagma no-minal livros de histrias funciona como complemento verbal (objeto direto) do verbo liam.

    No nossa preocupao estudar sintaxe segundo a Gramtica Tradicional, por razes que j aludimos aqui, mas sugerimos a voc que, caso no se recorde desses conceitos (que deveriam ter sido estu-dados no ensino mdio), retome um manual de gramtica e refaa seus estudos, porque conhecer a sintaxe segundo a Gramtica Tradicional pode contribuir para compreender melhor as discusses da sintaxe sob a perspectiva dos estudos lingusticos; afinal, a Lingustica, ao criticar a Gramtica Tradicional, vai muito alm dela, mas h conceitos que se en-trecruzam e que, por isso, merecem ser conhecidos tambm sob o ponto de vista da Gramtica Tradicional para que as crticas e os avanos da Lingustica sejam de fato compreendidos.

    Pensando no que a Gramtica Tradicional chama de sintaxe ex-terna, ou seja, as relaes sintticas estabelecidas entre as oraes, re-tomemos a nossa sentena, agora com outras mudanas: As meninas que eram curiosas liam livros de histrias.

    Nesse caso, podemos observar que no h mais apenas um ver-bo, mas dois verbos; assim, estamos diante de dois sintagmas verbais, porque temos, nesta sentena, duas estruturas oracionais inter-rela-cionadas. Vamos arvore?

    Podemos, ainda, estudar outro tipo de relaes, as relaes que uma orao estabelece com outras oraes a Gramtica Tradi-cional chama esse estudo de sintaxe externa e classifica dois grupos de oraes nele inseridas: as oraes coordenadas (aditivas, adver-sativas, alternativas, explicativas e conclusivas) e as oraes subor-dinadas (adjetivas, substantivas e adverbiais).

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

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    Captulo 03

    Observe, no interior da sentena, As meninas liam livros de his-trias escrita em negrito , h outra estrutura oracional: As meninas eram curiosas escrita em itlico. O sintagma nominal As meninas, nes-te caso, foi inteiramente substitudo pelo pronome que, e a estrutura final ficou As meninas que eram curiosas liam livros de histrias.

    Nosso objetivo, ao mostrar essas arborizaes, registrar que a sin-taxe, como nvel de anlise lingustica, preocupa-se com as estru-turas oracionais, com os sintagmas que constituem tais estruturas; busca representar as relaes existentes entre eles com vistas a expli-citar as implicaes de sentido que derivam dessas mesmas relaes.

    As arborizaes que mostramos aqui correpondem a fases ini-ciais dos estudos de Chomsky na Gramtica Gerativa Transformacio-nal. Hoje, esses estudos evoluram significativamente, havendo vrios desdobramentos tericos como a Teoria Padro Estendida, a Teoria de Princpios e Parmetros e o Programa Minimalista. Optamos por colocar voc em contato com os conceitos bsicos da sintaxe gerativa porque

    S1

    SN

    NDet

    S2

    SN SV

    Det N Cp SA

    SV

    V SN

    N Mod

    SP

    P SN

    N

    As meninas As meninas eram curiosas liam livros de histrias.

    Em S2, observe que h uma nova sigla, Cp, que signi-fica CPULA; neste caso e para as finalidades deste estudo introdutrio, pode-mos entend-la como sin-nimo de verbo de ligao.

    Para conhecer melhor es-sas teorias, pesquise algu-mas produes dos autores j referidos neste captulo, alm das obras do prprio Chomsky, mas isso exigir de voc uma base infor-macional um pouco mais efetiva, o que ser conso-lidado ao longo do curso.

  • Estudos Lingusticos I

    58

    este um estudo de natureza introdutria. Aps essa incurso acerca dos estudos gerativistas em sintaxe, nosso olhar recai sobre a perspecti-va funcionalista de Halliday.

    3.3 A Gramtica Sistmico-Funcional Hallidayana um brevssimo olhar

    Para que possamos fazer uma breve incurso em uma perspectiva que analisa lngua levando em considerao seus aspectos funcionais, vamos centrar nossa ateno na proposta Hallidayana, chamada de Gra-mtica Sistmico-Funcional.

    Nessa perspectiva, a lngua vista como um sistema, no sentido de Saussure, portanto, previsvel e sistemtico, passvel de regras e regula-es. Porm, se fssemos simplesmente nos ater a questes do sistema per se, qual seria a inovao dessa perspectiva, no mesmo?

    A gramtica proposta por Halliday (1994) chamada de gramtica sistmico funcional devido ao fato de levar em considerao ques-tes relacionadas ao significado (base semntica) e ao uso (fun-cional) de uma determinada lngua e por considerar a existncia de uma rede de sistemas que constituem uma lngua. Seus objeti-vos so descrever o sistema da lngua e as formas pelas quais esse sistema se relaciona com os textos, sendo estes entendidos como instncias reais da lngua. (Disponvel em: . Acesso em: 1 mar. 12.).

    Na sesso anterior, abrimos espao para falar de uma abordagem formalista de anlise lingustica e centramos nossa ateno no Gerati-vismo, que prima pelo estudo das caractersticas internas da lngua, tais como a natureza de seus constituintes e da relao entre eles. O grande foco da anlise lingustica, nessa perspectiva, se d em relao a seu as-pecto formal no nvel da sentena, no mesmo? Ademais, a ordem dos

    Figura 5 - Michael Alexander Ki-rkwood Halliday. Fonte: http://wikipedia.org

    Michael Alexander Ki-rkwood Halliday (MAK Halliday) nasceu em 13 de abril de 1925, em Le-eds, Yorkshire, Inglaterra. Para saber mais, acesse as referncias indicadas na Wikipedia. Disponvel em: . Acesso em: 1 mar. 12.

  • Do gerativismo ao funcionalismo uma viso panormica

    59

    Captulo 03

    constituintes sintticos de uma sentena tratada em termos de pro-priedades internas ao sistema lingustico ou de possibilidades de varia-o que se verificam nesse mesmo sistema.

    Na perspectiva funcionalista que iremos brevemente abordar, h um alargamento no foco da anlise lingustica que avana para alm dos limites da sentena e abarca estratos tanto intra como extralingusticos, j que a lngua(gem) vista como sistema multiestrato, e sua materia-lizao determinada pelas condies sociais de produo. O primeiro estrato a ser considerado o contexto social, chamado de contexto da situao, que extralingustico.

    Esse contexto nos remete aos aspectos lingusticos relevantes para o entendimento do texto, j que o significado de qualquer palavra so-mente pode ser entendido com referncia ao contexto em que ocorre (Halliday, l978), entendimento que encontra sua origem nos postulados de Bakhtin, que percebe lngua(gem) como construda na e pela inte-rao. Sendo assim, qualquer anlise textual que se d na perspectiva funcionalista hallidayana buscar responder a questes que abarcam trs aspectos do contexto da situao, quais sejam as noes de campo, relao e modo. Vamos a elas?

    3.3.1 Campo

    No que tange a campo, a partir dessa noo que se desvela a ao social, o objetivo comunicativo, o assunto do texto. Nesse nvel de anli-se, procura-se entender quem faz alguma coisa, o que feito, para quem feito e quando e como feito. A noo de campo, que remete a um dos sig