livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

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Organizadores: Erineu Foerste Gerda M. Schütz Foerste Juçara Luzia Leite Marisa Valladares INTERCULTURALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO Povos Territórios Movimentos Sociais Saberes da Terra Sustentabilidade Ministério da Educação Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação\UFES

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Page 1: Livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

Organizadores:Erineu FoersteGerda M. Schütz FoersteJuçara Luzia LeiteMarisa Valladares

INTERCULTURALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADENA EDUCAÇÃO DO CAMPO

PovosTerritóriosMovimentos SociaisSaberes da TerraSustentabilidade

Ministério da EducaçãoSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização e DiversidadeUniversidade Aberta do BrasilUniversidade Federal do Espírito SantoPrograma de Pós-Graduação em Educação\UFES

Page 2: Livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e DiversidadeAndré Lázaro

Educação do Campo da SECAD/MECCoordenador GeralWanessa Zavarese Sechim

Universidade Aberta do BrasilCoordenador GeralCelso Costa

Universidade Federal do Espírito SantoReitorRubens Sérgio Rasseli

Coordenação da UAB/UFESMaria José Campos Rodrigues

Centro de Educação/UFESDiretoraMaria Aparecida Santos Correia Barreto

Programa de Pós-Graduação em Educação/UFESCoordenadoraDenise Meyrelles de Jesus

Programa de Educação do Campo/UFESCoordenadorErineu Foerste

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

I61 Interculturalidade e interdisciplinaridade na educação do campo : povos, territórios, saberes da terra, movimen-tos sociais, sustentabilidade / organizadores, Erineu Foerste ... [et al.] ; pesquisadores colaboradores, Antonio Faundez ... [et al.]. - Vitória, ES : UFES, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2010.200 p. : il.

Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-60050-25-3 1. Educação rural. 2. Movimentos sociais. 3. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. 4. Lin-guagem. 5. Cultura. I. Foerste, Erineu.

CDU: 37.018.51

Os autores são responsáveis pelas opiniões expressas nos respectivos textos, que não são necessariamenteas do Ministério da Educação.

Page 3: Livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

INTERCULTURALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADENA EDUCAÇÃO DO CAMPO

PovosTerritórios

Movimentos SociaisSaberes da TerraSustentabilidade

Organizadores:Erineu Foerste

Gerda M. Schütz FoersteJuçara Luzia LeiteMarisa Valladares

Colaboradores:Adriana Vieira Guedes Hartuwig

Andreia AlmeidaAndreia LocatelliAntonio Faundez

Carlos Rodrigues BarandãoCirce Mary Silva da Silva Dynnikov

Cláudia Alessandra LorenzoniCláudio David Cari

Dória Reis de MagalhãesEdivanda Mugrabi

Édna Castro de OliveiraElida Maria Fiorot Costalonga

Érica SabinoErineu Foerste

Gerda Margit Schütz FoersteJader Janer Moreira Lopes

Jorcy Foerster JacobJorge Küster JacobJuçara Luzia Leite

Leandra Gonçalves dos SantosLuciene Perini

Marisa ValadaresMarise Ramos

Mírian do Amaral Jonis SilvaNara Caliman

Ozirlei Teresa MarcilinoPatricia RufinoPriscila Chisté

Rachel Curto Marchado MoreiraSilvana Ventorim

Valdete CôcoVânia Maria Pereira dos Santos Wagner

Vera Maria Ramos de Vasconcellos

Vitória\ES - 2010

Page 4: Livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

© 2010. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC)

Universidades parceirasUniversidade Federal de Alagoas – UFALUniversidade Federal do Espírito Santo - UFESUniversidade de Montes Claros - UNIMONTESUniversidade Estadual do Maranhão – UEMAUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMSUniversidade Federal do Paraná – UFPRInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA

Coordenação Editorial – SECAD/MECMaria Adelaide Santana Chamusca

Conselho Editorial de Educação do Campo – SECAD/MECCezar Nonato Bezerra Candeias - UFALEdmílson Cezar Paglia – UFPRErineu Foerste – UFESIcléia A. de Vargas – UFMS

Equipe de Apoio – SECAD/MECDivina Lúcia BastosEliete Ávila Wolff

Equipe de Apoio – UFESAdriana Vieira Guedes HartwigAndressa Dias KoehlerArlete Maria Pinheiro SchubertAryaednyr Polmartney Lima Ferreira Borges MacêdoChristiano Athayde de OliveiraCláudio David CariJaninha Gerke de JesusJorcy F. JacobJosimara PezzinMaria PeresMarli da Penha Vieira Gomes dos SantosOzirlei Teresa MarcilinoRachel Curto Machado MoreiraRogério Omar Calliari

RevisãoElida Maria Fiorot Costalonga

Projeto Gráfico e DiagramaçãoLeandro Macêdo

Page 5: Livro interculturalidade e interdiciplinaridade na educação do campo

SUMÁRIOUnidade I

Interculturalidade, interdisciplinaridade e Educação do Campo:aspectos teóricos e práticos ............................................................................................................... 11

1 – Conceito de cultura ........................................................................................................................ 11

2 – Compreendendo a interculturalidade na Educação .......................................................... 17

3 – Conceito de disciplina escolar ................................................................................................... 22

4 – Compreendendo a Interdisciplinaridade ............................................................................... 30

5 – Algumas Considerações ................................................................................................................ 35

Unidade II

Aspectos históricos, geográficos, escolarização e construção identitáriaem comunidades indígenas, quilombolas, etc. no Estado do Espírito Santo ................... 43

1 – Conversando para convidar... ...................................................................................................... 44

2 – Convidando para conhecer... ....................................................................................................... 45

3 – Conhecendo para localizar........................................................................................................... 47

4 – Conhecendo para compreender... ............................................................................................. 52

5 – Compreender para conviver... ..................................................................................................... 81

Unidade III

Educação e Linguagens ...................................................................................................................... 93

1 – O que é Educação? .......................................................................................................................... 96

2 – Linguagem e Conhecimento ...................................................................................................... 115

3 – Ensino da Língua Materna .......................................................................................................... 122

4 – Etnomatemática .............................................................................................................................. 148

5 – Educação Física ................................................................................................................................ 175

6 – Educação e Meio Ambiente ......................................................................................................... 177

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Unidade IV

Produção de Trabalho Final do Eixo Específico III ....................................................................... 191

Apêndice I – Autorização para uso da imagem ........................................................................... 193

Apêndice II – Acervo Literário do Campo ..................................................................................... 194

Apêndice III – Orientações para apresentação de trabalhos .................................................. 195

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Olá Colegas!

O Eixo Temático III discutirá “Interculturalidade e Interdisciplinaridade na Educa-ção do Campo” a partir da abordagem teórico-prática dos conceitos e de sua relação com a produção do conhecimento em diferentes áreas. Está dividido em 4 unidades temáticas, exigindo a duração mínima de quatro semanas de estudos para cada uma delas.

Sugerimos leituras, pesquisa e estudo individual e em grupos. Compreendemos que a dinâmica de estudo pode ser construída pelos cursistas. Para tanto, propomos que a me-todologia de trabalho seja diversificada com consultas e pesquisa individual, leituras em grupo, seminários, convite a palestrantes, redação individual e coletiva, discussão em grupo ou duplas, entrevistas e levantamento de dados no contexto local.

Recomendamos que os textos de apoio sejam lidos por todos, com a utilização de dinâmicas de leitura, seminários e/ou leitura individualizada. Os trabalhos proposto a cada leitura poderão ser desenvolvidos individualmente ou por grupos de até três componentes, respeitando-se a proximidade e realidade de atuação dos cursistas.

A proposta desta disciplina está relacionada às questões da prática escolar em que você atua. Propõe o dimensionamente constante da teoria nas práticas de sala de aula e de vida na comunidade. Assim, o trabalho implica constante atenção e leitura do seu entorno, dimensionando a teoria com as práticas vividas.

A avaliação do ensino e aprendizagem será realizada durante o processo em trabalho colaborativo dos tutores presencial e a distância, do professor pesquisador e também de sua autoavaliação. Na auto-avaliação você vai relatar sobre seus estudos, sua participação nos encontros presenciais, seu empenho e envolvimento na leitura dos textos, realização das atividades propostas e também seu questionamentos. Ao final deste relato de auto-avaliação, atribua uma nota. A nota final será resultado da média do total de notas atribuídas pelo cumprimento das atividades sugeridas neste caderno, a pontualidade em entregar as atividades, o envolvimento no estudo dos textos, a participação nos encontros presenciais, os questionamentos que forem encaminhados e a de sua própria nota ao final de seu relato de auto-avaliação. Para aprovação na disciplina você deverá alcançar no mínimo a nota sete.

O caderno do eixo específico III está organizado em quatro unidades temáticas, a saber: a) Temática 01: Interculturalidade, interdisciplinaridade e Educação do Campo: aspec-

tos teóricos e práticos.b) Temática 02: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitá-

ria em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.c) Temárica 03: Educação e Linguagens (Língua materna, leitura de imagnes, etnoma-

temárica, educação física, educação ambiental)d) Temática 04: Produção de trabalho final do Eixo específico III. Seminário presencial

de avaliação nos pólos.

Na primeira Unidade Temática objetivamos:- Iniciar o debate sobre Interculturalidade e Interdisciplinaridade na Educação do Campo. - Refletir sobre os conceitos inerentes a essa relação, isto é, os conceitos de cultura,

interculturalidade, disciplina, disciplina escolar, e interdisciplinaridade. - Estimular nossas próprias “memórias escolares” sobre o tema.

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Na segunda Unidade Temática objetivamos:- Identificar e localizar os principais povos tradicionais do Espírito Santo, mapeando

suas trajetórias no tempo e no espaço;- Discutir a vivência desses povos nas relações que travam entre si, com outras socie-

dades, no tempo e no espaço; - Evidenciar a produção teórica sobre os povos tradicionais, numa perspectiva intercultural,

estimulando professores da Educação do Campo na pesquisa e no registro de suas produções;- Refletir sobre a relação entre o estudo e o cotidiano das escolas do campo.

A terceira Unidade Temática introduz discussões pertinentes à educação, construção do conhecimento e linguagens da escola do campo. Aborda aspectos do ensino da língua materna, das artes, da educação matemática e da educação do corpo e meio ambiente no espaço escolar campesino.

Na Unidade Temática quatro você terá oportunidade de aproximar as diferentes abor-dagens do eixo no trabalho final, com a possibilidade de dimensionar o debate a partir de suas próprias indagações na pesquisa que vem construindo ao longo do curso. O debate será ampliado no momento do seminário presencial a ser realizado em seu pólo.

Temos como objetivo, na elaboração deste caderno, possibilitar um estudo referido ao seu contexto de trabalho e vida. Para isso, sua participação é fundamental. Somente no diálogo com a realidade vivida os temas poderão ser dimensionados na prática de cada um e cada uma de nós.

Os textos selecionados estão disponibilizados em CD–Rom, que acompanha este caderno.

Este é o momento de juntos construirmos novos conhecimentos, produzirmos novas realidades, experimentarmos outras práticas, darmos visibilidade às coisas que fazemos bem e compatilharmos saberes. Como Milton Nascimento diz esta é nossa hora de

LapidarMinha procura toda

trama lapidaro que o coração

com toda inspiraçãoachou de nomear

gritando: almaRecriar

cada momento belo já vividoe ir mais

atravessar fronteiras do amanhecere ao entardecer

olhar com calmaentão.

Änïmä, música: Ze Renato/Letra: Milton Nascimento

Bom trabalho!

Abraços fraternos dos organizadores

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Unidade I

Interculturalidade, interdisciplinaridade eEducação do Campo: aspectos teóricos e práticos

Juçara Luzia Leite

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Unidade I: Interculturalidade, interdisciplinaridade e Educação do Campo: aspectos teóricos e práticos

Unidade I – Interculturalidade, interdisciplinaridade e Educação do Campo: aspectos teóricos e práticos

Juçara Luzia Leite

Objetivos da Unidade

• Iniciar o debate sobre Interculturalidade e Interdisciplinari-dade na Educação do Campo.

• Refletir sobre os conceitos inerentes a essa relação, isto é, os conceitos de cultura, interculturalidade, disciplina, discipli-na escolar, e interdisciplinaridade.

• Estimular nossas próprias “memórias escolares” sobre o tema.

Para tanto, destacaremos a revisão conceitual como eixo desta Unidade.

1 – Conceito de cultura

Debates, pesquisas e políticas que envolvam a cultura têm sido vistos em todo o mundo nas últimas quatro décadas. Entretanto, o conceito de cultura é extremamente polissêmico, isto é, dependendo da abordagem, possui um significado diverso. Compreender a noção de cultura, entretanto, é base para se compreender a Educação, His-tória, a Antropologia, a Sociologia, enfim, as ciências sociais em geral.

Se pensarmos apenas em relação à constituição do mundo moderno, por exemplo, podemos afirmar que, a partir do século XVI, o conceito de cultura passou a relacionar-se estreitamente com o conceito de civilização. Inicialmente, o conceito de civilização dizia respeito apenas ou ao homem educado e polido, ou à ordem social. Com o tempo, civilização passou a relacionar-se ao desenvolvimento econômico ocidental ligado ao progresso industrial e técnico. Assim tornou-se comum aproximar os conceitos de civilização e cultura ao exprimir aspectos do desenvolvimento material da sociedade mo-derna, o que serviu para construir imagens, representações e a cons-ciência que os ocidentais tinham de si mesmos.

No século XIX, por influência do darwinismo, muitos natura-listas e historiadores, ao tentar compreender a diversidade cultural que o mundo de então desvelava, passaram a considerar os relatos de viajantes e exploradores que narravam sobre as sociedades não européias como inferiores, exóticas e bárbaras ou incivilizadas. Essa visão era construída por oposição à idéia de progresso e civilização industrial cristã que vigorava na Europa.

Dessa forma, civilização e cultura eram conceitos utilizados para minimizar ou destacar a diferença entre os diversos povos, servindo, por vezes, para o objetivo imperialista da colonização de

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outros territórios. O conceito de identidade passou também a servir para esse propósito, relacionando-o ao caráter expansionista euro-peu e também americano.

Assim, a noção de cultura partia de uma fundamentação evolu-cionista, onde o topo era a sociedade européia: branca, cristã, indus-trial e técnica.

A Antropologia Social, por exemplo, por muito tempo ficou sendo vista como uma espécie de “ciência das sociedades primiti-vas”. No decorrer do século XX, com as alterações paradigmáticas que influenciaram as Ciências Sociais, os estudiosos da cultura (parti-cularmente os antropólogos), passaram a perceber essas sociedades como “culturas diferenciadas” e criaram categorias de análise como: sub-culturas, sub-grupos, etc.

O advento da Segunda Guerra Mundial, entretanto, trouxe uma análise mais crítica sobre aquilo que a “civilização ocidental branca e cristã” é capaz e levou os cientistas sociais a desenvolverem estudos voltados para grupos marginalizados nas regiões urbanas (a partir do conceito de “sociedades complexas”, por exemplo), bem como volta-dos para grupos pertencentes às classes populares. Culminaram em uma visão mais ampla da sociedade moderna e globalizada, incluin-do também a própria cultura científica (também da saúde e exatas).

Fig. 1 Fig. 2

Ora, conceituar cultura (bem como civilização) é uma tarefa bastante difícil uma vez que vários fatores contribuem para essas diferenças e principalmente, os diferentes pontos de vista de cada povo que tentou conceituá-las. Entretanto, podemos resumir as prin-cipais correntes teóricas que influenciaram essas mudanças assim:

A sociologia francesa de Durkheim e Mauss compreende cul-tura como um tema comum em praticamente todas as civilizações.

Durkheim, ao investigar o significado de “sociedade” em sua dissertação “Da Divisão do Trabalho Na Sociedade” explorou a noção de “organização de uma consciência coletiva”. Essa consciência apon-taria para uma identidade cultural.

Durkheim tinha a convicção de que a cultura tem muitas re-lações com a sociedade, que incluiriam os níveis: Lógico - indivídu-os que pertencem às mesmas categorias culturais e crenças (como acreditar em um Deus único); Funcional - certos ritos e mitos criam e mantém a ordem social (as pessoas criam ritos e mitos para justifica-rem uma dada ordem social e, quanto mais acreditam neles, mais re-

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forçam a manutenção dessa ordem); Histórico – como a Cultura teve suas origens na sociedade, evoluiu em sistemas de classificação.

Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim, realizou muitos estudos comparativos entre as sociedades ocidentais e as não-ocidentais, que incluíram religião, magia, lei e moralidade. Desenvolveu o conceito de fato social total e defendeu a existência de interações culturais.

Marx, por sua vez, em seus estudos, considerou a cultura como o conjunto de determinantes da classe dominante de uma sociedade de acordo com seus interesses.

Lévi-Strauss, refletindo os estudos de sua época, baseou-se si-multaneamente no positivismo sociológico de Durkheim e Mauss, mas também na Antropologia de Malinowsky, no marxismo econô-mico, no pensamento freudiano e na lingüística estrutural de Saussu-re. Dessa forma, priorizou questões relativas aos mitos, parentescos, religião, rituais, magia, simbolismos, ideologia, conhecimento, arte e estética, aplicando o estruturalismo como método. Em suas investi-gações, procurou princípios universais para o pensamento humano como uma forma de compreender comportamentos sociais e suas estruturas.

Braudel, por sua vez, contradisse algumas concepções de pen-sadores alemães que sustentavam que a idéia de civilização é igual à cultura, uma vez que ambas envolveriam valores, normas, institui-ções e modos de pensar e agir em uma determinada sociedade.

Já Norbert Elias defendeu a idéia da existência de um processo civilizador, isto é, um processo de consolidação e definição de uma determinada classe dominante na construção de sua identidade.

A - Concluímos, assim, que definir cultura, para muitos pensadores, esteve ligado às noções de civilização, sociedade e identidade.

Até mesmo Max Weber, ao que parece, considerou essa relação, apontando para o fato de que sociedade é composta de diferentes ti-pos de interesses e sentidos envolvidos na ação social. Weber inovou com a idéia de grupos de status baseados em raça, etnia, religião, re-gião, gênero, etc. Esses grupos estabeleceriam suas próprias normas, valores e estilos de vida, como se fossem uma cultura dentro de outra (ou subcultura) e, por isso criariam seus próprios símbolos para se expressarem.

B - Podemos, aqui, elaborar outra conclusão: a de que todas as concepções intelectuais acerca de cultura são também cons-truções das sociedades ou dos grupos que as elaboraram. Olhan-do para si próprias, ou a partir de si mesmas, buscam a constru-ção de um sentido específico para suas identidades particulares, em um determinado tempo histórico.

A crença de que a cultura pode ser simbolicamente codificada implica em acreditar que ela pode ser ensinada e também que pode

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se transformar ou mudar outras culturas. Ora, culturas são tão pre-dispostas à mudança quanto resistentes a ela. Essa resistência pode ocorrer a partir de um hábito, de uma religião, ou da interdependên-cia de traços culturais.

Para dar continuidade ao desenvolvimento de nosso tema (a relação entre interculturalidade, interdisciplinaridade e educação do campo), preferimos definir cultura como os padrões comuns de inte-rações, construções cognitivas, afetivas e de compreensão que são aprendidos através de processos de socialização. Esses padrões com-partilhados permitem identificar o membro de um grupo de cultura, ao mesmo tempo em que o distingue de outros grupos. Esses grupos podem ser compostos por diferentes gerações, países, regiões geo-gráficas, condição social, gênero, profissão, faixas etárias, freqüência de visitas a blogs ou sítios na internet, páginas de relacionamentos virtuais, etc.

ATIVIDADE 1

Observem, no texto da música abaixo, elementos que tradu-zem duas diferentes visões daquilo que é fundamental para a vida. A quais grupos essas visões pertencem? Elabore um pequeno texto discutindo sobre como esses elementos estão presentes na sua cul-tura cotidiana.

COMIDA (Arnaldo Antunes/ Sérgio Brito/ Marcelo Fromer)

Bebida é águaComida é pastoVocê tem sede de quê?Você tem fome de quê?A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arteA gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte, A gente não quer só comida, A gente quer bebida, diversão, baléA gente não quer só comida, A gente quer a vida como a vida quer

Bebida é águaComida é pastoVocê tem sede de quê?Você tem fome de quê?A gente não quer só comer, A gente quer comer e quer fazer amorA gente não quer só comer, A gente quer prazer pra aliviar a dorA gente não quer só dinheiro,

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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A gente quer dinheiro e felicidadeA gente não quer só dinheiro, A gente quer inteiro e não pela metade

Desejo, Necessidade e vontadeNecessidade e desejoNecessidade e vontade

Desejo e necessidade não são excludentes. Esta pode ser uma perspectiva cultural. Entretanto, para falarmos de cultura e de inter-culturalidade, não podemos perder a dimensão das possibilidades de um reconhecimento de si e do outro diante de construções culturais.

No texto abaixo, Tzvetan Todorov (1988) esclarece sobre a aven-tura da descoberta do outro e do eu, que pode ocorrer em vários níveis e graus: o outro como objeto (confundido com o seu entorno material), o outro como sujeito (semelhante ao si), a importância das descobertas anteriores, e os efeitos do desconhecimento.

“Quero falar da descoberta que o eu faz do outro. O assunto é imenso. Mal acabamos de formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Pode-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma subs-tância homogênea, e radicalmente diferentes de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os “normais”. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultu-ral, moral e histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie.[...]

[...]Não tenho outro meio de responder à pergunta de como se comportar em relação a outrem a não ser contando uma história exemplar. (este é o gênero escolhido), uma história tão verdadeira quanto possível [...].

[...] Entre os vários relatos que temo à disposição, escolhi um: o da descoberta e conquista da América. [...]

Duas razões fundamentaram a escolha deste tema como pri-meiro passo no mundo da descoberta do outro. Em primeiro lugar, a descoberta da América, ou melhor, dos americanos, é sem dúvida o encontro mais surpreendente de nossa história. Na “descoberta” de

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outros continentes e dos outros homens não existe, realmente, este sentimento radical de estranheza. Os europeus nunca ignoraram to-talmente a existência da África, ou da Índia, ou da China, sua lem-brança esteve sempre presente, desde as origens. A Lua é mais longe do que a América, é verdade, mas hoje sabemos que aí não há encon-tro, que esta descoberta não guarda surpresas da mesma espécie. Para fotografar um ser vivo na Lua, é necessário que o cosmonauta se coloque diante da câmera, e em seu escafandro há um só reflexo; o de um outro terráqueo. No início do século XVI, os índios da América estão ali, bem presentes, mas deles nada se sabe, ainda que, como é de se esperar, sejam projetadas sobre os seres recentemente desco-bertos imagens e idéias relacionadas a outras populações distantes [...].

Mas não é unicamente por ser um encontro extremo, e exem-plar, que a descoberta da América é essencial para nós, hoje. Além deste valor paradigmático, ela possui outro, de causalidade direta. A história do globo é, claro, feita de conquistas e derrotas, de coloniza-ções e descobertas dos outros; mas, como tentarei mostrar, é a con-quista da América que anuncia e funda nossa identidade presente. [...] A partir desta data, o mundo está fechado (apesar do universo tornar-se infinito). [...]. Os homens descobriram a totalidade de que fazem parte. Até então, formavam uma parte sem todo”. (TODOROV, 1988, p. 3-6).

ATIVIDADE 2

Considerando as idéias expressas no texto acima, resgate uma história de sua localidade que expresse o encontro de duas (ou mais) culturas diferentes.

ATIVIDADE 3

No mesmo sentido, elabore um pequeno registro escrito sobre uma situação vivida por você, quando era aluno/a, na qual houve um encontro ou desencontro com um “outro”.

Ora, diferentes culturas co-existem, se superpõem e se relacio-nam (de forma conflituosa ou não) em uma mesma sociedade, em um mesmo tempo histórico (ou não, como no caso da chegada dos europeus na América). Isto é, diferentes culturas se comunicam e in-teragem. Esse é o princípio da interculturalidade.

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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Unidade I: Interculturalidade, interdisciplinaridade e Educação do Campo: aspectos teóricos e práticos

CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 1 (CD) – ARAÚJO, Patrícia Cristina de Aragão “Educação Intercultural: encontro entre culturas, diálogo de saberes” - a autora dis-cute a interculturalidade na educação no contexto da globalização.

Elabore um resumo do texto a partir da seqüência:- Qual o objetivo da autora? - Identifique a concepção teórica sobre a qual o texto se funda-

menta. - Explique a relação dos reflexos da globalização sobre a cultura

e sobre a educação.- Relacione esses reflexos com a educação do campo buscando

distinguir cultura e saberes.

2 – Compreendendo a interculturalidade na Educação

A autora do texto 1 faz uso do conceito de interculturalidade em sua reflexão. Ora, interculturalidade e pluralidade (e diversidade) social estão relacionados se pensarmos que, no mundo atual, a ne-cessidade de comunicação entre diferentes culturas se intensifica à medida que nos deparamos com conflitos e interações sociais cada vez mais complexos. As pesquisas recentes em Educação consideram essa perspectiva e já falam em Ensino Intercultural, Pedagogia Inter-cultural, Educação Intercultural, etc.

Entretanto, já não se trata, simplesmente, de reconhecer as di-ferenças culturais, mas sim de como atender suas demandas. Isto é, é preciso compreender e determinar até onde esse reconhecimento é justo, legítimo e possível dentro de nosso estado constitucional de direito e considerando nossas condições sócio-econômicas.

Esta é uma questão séria em muitas regiões do planeta. No caso específico do Espírito Santo, ganha um significado especial devido à sua história constituída por séculos de escravidão do negro africano, pelo não reconhecimento das populações indígenas, pelos proces-sos migratórios internos, por levas de imigrantes europeus... Grupos que enfrentaram (e ainda enfrentam) dificuldades na afirmação de suas especificidades culturais em um mundo que se baseia em pro-cessos de homogeneização. Na trajetória histórica desses enfrenta-mentos, várias formas de resistência foram utilizadas e movimentos foram criados. É importante lembrar que as questões culturais (e in-terculturais) estão, portanto, eivadas das questões étnicas, de gêne-ro, geracionais, econômicas... Questões historicamente construídas, mas que, por vezes, em nosso imaginário, estão naturalizadas.

Ora, o feminino não é mais frágil do que o masculino (existe a diferença, mas o grau de supremacia não é natural, mas histori-

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camente construído). No mesmo sentido, negros não estão natu-ralmente mais afeitos a determinados trabalhos do que brancos ou indígenas. Esta, também é uma questão historicamente construída.

De que forma a Educação se relaciona a essas questões?De acordo com Ângela Maria Hoffmann Walesko (2006), em sua

pesquisa de mestrado intitulada “A Interculturalidade no Ensino Co-municativo de Língua Estrangeira: um estudo em sala de aula com leitura em inglês”, a importância da relação entre Educação e inter-culturalidade pode ser destaca a partir do atual contexto de globali-zação:

O processo de globalização da economia, da tecnologia e da comunicação tem mostrado não só a necessidade de comunicação entre diferentes culturas, mas também intensificado conflitos sociais entre estas, o que leva or-ganizações diversas a desenvolver propostas de educa-ção que se voltem aos direitos humanos.

O contato permanente com outros povos e culturas, fa-cilitado pelo enorme avanço dos meios de transporte e comunicação, exige que a educação se volte à formação de cidadãos com acesso a várias línguas estrangeiras e, em especial, à língua inglesa como língua franca.[...] En-tretanto, esse mundo está impregnado de relações de poder: entre as pessoas, as instituições, formas de co-nhecimento, etc. (WALESKO, 2006, p. 26 – 27)

E, citando Santos (2004), Walesko (2006) define interculturali-dade como:

[...] ação integradora capaz de suscitar comportamentos e atitudes comprometidas com princípios orientados para o respeito ao outro, às diferenças, à diversidade cul-tural, que caracteriza todo o processo de ensino/apren-dizagem de línguas, seja ele de línguas ou de qualquer outro conteúdo escolar. É o esforço para a promoção da interação, da integração e cooperação entre os indivídu-os de diferentes mundos culturais. É o esforço para se partilhar as experiências, antigas e novas, de modo a construir novos significados. (SANTOS, 2004, p. 154 apud WALESKO, 2006, p.26.)

C - Podemos, então, concluir que debater sobre questões culturais em sala de aula não significa exatamente trabalhar a interculturalidade. E que discutir questões interculturais no pro-cesso de ensino/aprendizagem não pode se reduzir a informa-ções.

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ATIVIDADE 4

Você conhece alguma experiência da relação Educação e in-terculturalidade? Construa uma pequena narrativa sobre ela. Caso não conheça, imagine como poderia ocorrer. Você acha que poderia extrair um tema de investigação a partir dessa experiência? Explique porque (sim ou não).

Apoiando-nos em Walesko (2006) e Santos (2004), concorda-mos que trabalhar em Educação de forma intercultural:

Significa adotar a perspectiva do intercultural como pro-cesso de diálogo, comunicação entre pessoas ou grupos pertencentes a culturas diferentes (nacionalidades, ori-gem social, gênero, ocupação, etc.), que promove a inte-gração e o respeito à diversidade e permite ao educando encontrar-se com a cultura do outro sem deixar de lado a sua própria, ou seja, incentiva o respeito a outras cultu-ras, a superação de preconceitos culturais e do etnocen-trismo. (WALESKO, 2006, p.27).

Assim sendo, ao trabalhar em uma perspectiva intercultural, o educador estará contribuindo para a construção de uma visão de mundo, de uma leitura da realidade consciente da pluralidade social e cultural de nosso contexto atual.

E é considerando essa perspectiva que Yvone Mello d’Alessio Foroni (2004) se posicionou em um relatou de experiência que teve no que diz respeito à formação de professores:

[…] Apesar de se mostrar recente no Brasil, o debate que se originou do desmonte do jargão positivista da “demo-cracia racial brasileira”, a partir do reconhecimento da diversidade e do confronto interativo entre diferentes grupos culturais, já admitiu diferentes enfoques.

Entende-se, dessa forma, a “abordagem intercultural” como uma busca constante de diálogo, interação e reci-procidade entre grupos diferentes, como fator de cresci-mento cultural e enriquecimento mútuo, procurando, ao mesmo tempo, sustentar uma relação crítico-solidária entre eles.

O principal desafio da prática pedagógica intercultural torna-se a necessidade de elaborar a multiplicidade e a contraditoriedade de modelos culturais que interfe-rem na formação de visão de mundo dos educandos e compreender as relações que tal visão estabelece com os “modelos” transmitidos por meio de situações educa-tivas vividas, particularmente, na escola. Nesse proces-so, o foco central da prática educativa se transfere da transmissão de uma cultura homogênea e coesa, para a elaboração de uma diversidade de modelos culturais que interagem na formação dos educandos. Pode-se até

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afirmar que a ênfase na relação consciente entre sujeitos de diferentes culturas constituirá o traço característico da relação intercultural, desde que se proponha inten-cionalmente um projeto educativo integrador e interdis-ciplinar nela centralizado.

Essa relação, entendida como relação de contextos complexos, produz confrontos entre visões específicas de mundo (fusão de horizontes internos e externos de grupos específicos) e contribui para uma modificação do horizonte de compreensão da realidade desses gru-pos, na medida em que possibilita compreender lógicas diferentes de interpretação da mesma realidade ou de relação social. Nesse sentido, a educação intercultural, por meio da relação entre pessoas de culturas diferen-tes, valoriza prioritariamente os sujeitos, no seu papel de criadores e sustentadores das culturas. Identifica-se com uma “pedagogia do encontro”, visando a promover uma experiência profunda e complexa para os participantes, pela qual a similaridade e o confronto de narrações e histórias de vida se configuram como uma ocasião de crescimento para si, a partir de experiências de conflito e acolhimento. O principal objetivo será conseguir uma “transitividade cognitiva”, o que constituirá uma oportu-nidade particular de crescimento da cultura pessoal de cada um, assim como de mudança das relações sociais. […]

O reconhecimento dos professores (e nos professores) de diferentes manifestações e comportamentos cultu-rais, o acolhimento, aliado ao respeito pelas diversida-des, tem repercussão nas auto-estimas dos alunos de grupos minoritários, gerando confiança e predisposição para a aquisição de outros saberes. Se tal não ocorrer, a perspectiva de uma formação monocultural do aluno-futuro-professor, a valorização de uma cultura única e as práticas de homogeneidade social, regidas por prin-cípios que orientam a assimilação ou homogeneização cultural da formação, apontam para o caráter injusto e empobrecedor da “pseudo-inclusão” desses novos gru-pos, principalmente quando se pensa na posterior ati-vidade docente desses alunos em seus grupos societais. Ao se silenciar a “fala da diversidade e da identidade cul-tural” com a imposição de um pacote único e fechado, composto de conteúdos “pré-fixados e hegemônicos”, estaremos arriscados a transportar para suas futuras prá-ticas educativas a reprodução e fixação de modelos que não lhes sejam compatíveis. (FORONI, 2004, s/d)

Ora, de acordo com essa perspectiva, é importante que o pro-fessor se desapegue de algumas certezas padronizadoras, não ape-nas em relação aos saberes que deseja construir junto com o aluno, mas também em relação a seu próprio planejamento de ensino e à rotina escolar. Dessa forma, é preciso problematizar a prática docente cotidiana e, ao fazê-lo, buscar uma outra estabilidade, mais complexa, baseada em inclusões de outros: é preciso construir novas práticas.

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Outras disciplinas escolares, ao refletirem sobre as demandas da relação Educação e interculturalidade, também estão construin-do novos significados para seus campos, considerando suas ciências específicas. Tal preocupação fez surgirem pesquisas em torno dessa relação. Júlia Isabel Coelho Alves de Castro (2005), por exemplo, ao investigar a relação da interculturalidade na construção do pensa-mento histórico do jovem, resumiu assim sua pesquisa:

As problemáticas que se encontram no cerne da reflexão sobre a Pedagogia Intercultural têm vindo a ser defini-das e redefinidas no contexto de um quadro conceptual, no qual se inscrevem diferentes áreas do saber, ligadas às Ciências Sociais e Humanas. Neste sentido, com re-corrência encontramos o Conhecimento Histórico como uma das linhas de reflexão dessas problemáticas, verifi-cando-se, por outro lado, que a Interculturalidade é uma das questões colocadas com alguma frequência no con-texto do Ensino da História.

Nesta sequência, é evidente a necessidade e a emer-gência de uma investigação e reflexão que impliquem o cruzamento do quadro conceptual, à volta do qual se si-tua hoje a discussão sobre estas mesmas problemáticas, com um conjunto de ideias estruturantes da natureza do conhecimento histórico, ou seja, as ideias de segunda ordem, das quais destacamos a Significância e a Empatia Históricas.

[…] O presente estudo centra-se no percurso do Pen-samento Histórico dos Jovens, nomeadamente no que concerne às ideias de segunda-ordem: Empatia e Signi-ficância Históricas, e à forma como estas estão ligadas à compreensão de um quadro conceptual ligado à Inter-culturalidade (de onde emergem conceitos como o de Diferença e Diversidade, Relação e Universalidade).

Este projecto de investigação envolveu jovens dos 15 aos 18 anos de idade (a freqüentar os 10º, 11º e 12º anos na área curricular de Humanidades) de escolas secundá-rias do Norte de Portugal (dos Distritos do Porto e Bra-ga). (CASTRO, 2005, Introdução)

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CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 2 (CD) – BASEI, Andréia Paula; LEÃES FILHO, Wences-lau. “Educação Física escolar na busca de interlocuções; re- pensando a formação de professores para uma educação intercultural” - os au-tores, a partir do campo da educação física escolar, discutem a com-plexidade das relações sociais tendo em vista a diversidade cultural.

- Identifique, de acordo com os autores, a importância da for-mação de professores nesse contexto.

- Desenvolva um pequeno texto ampliando o raciocínio para uma outra disciplina escolar, considerando a educação do campo.

A expansão e complexificação dos debates em torno da relação Educação e interculturalidade contrasta com a exiguidade de recur-sos didáticos, condições físicas e suporte teórico nos currículos das escolas e universidades. Trata-se, portanto, de considerar a possibili-dade de repensar e adaptar os conteúdos disciplinares historicamen-te valorizados, a relação entre eles, bem como os procedimentos de avaliação. Trata-se de pensar interdisciplinarmente. Mas o que é uma disciplina escolar?

3 – Conceito de disciplina escolar

Conceituar o que é uma disciplina escolar não é tarefa fácil. Existem polêmicas a esse respeito que se inserem em debates aca-dêmicos que se relacionam com outras divergências e convergências como: o papel da escola, a transmissão e/ou produção de conheci-mentos e saberes escolares, a relação professor – aluno, etc. De qual-quer forma, podemos afirmar que as disciplinas escolares fazem parte de uma concepção de educação sistemática e intencional construída historicamente, a educação escolar, mas que se redefine constante-mente ao longo dos séculos. As disciplinas escolares estão tão pre-sentes em nossas vidas (como alunos, pais, professores, e também na organização escolar), que tendemos a naturalizá-las, como se sempre tivessem existido. Entretanto, são construídas historicamente.

Alguns pensadores reduzem as disciplinas escolares a uma simplificação do saber erudito, isto é, das ciências de referência. De acordo com essa perspectiva, as disciplinas escolares seriam depen-dentes do conhecimento científico que as legitima, e a didática seria a forma de realizar essa “transposição”, criando instrumentos e técni-cas para tanto. Dessa forma, existiria uma espécie de hierarquia entre os conhecimentos e entre os “conteúdos” das disciplinas, cabendo à

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escola o lugar de reprodutora de um conhecimento externo adequa-do para a finalidade escolar através da didática.

Outros estudiosos consideram que compreender e conceituar uma disciplina escolar implica em reconhecer o conhecimento como instrumento de poder social, cultural e político. Dessa forma, estaria ligado à compreensão do papel da escola, por exemplo, na divisão de classes. Nesse sentido, é preciso considerar que a escola não é mera-mente reprodutora de algo externo a ela, mas que possui sua própria cultura, a cultura escolar. E é no interior dessa cultura que se formam as disciplinas.

De acordo com Circe Maria Fernandes Bittencourt (2004):

Em decorrência da concepção de escola como lugar de produção de conhecimento, as disciplinas escolares de-vem ser analisadas como parte integrante da cultura es-colar, para que se possam entender as relações estabe-lecidas com o exterior, com a cultura geral da sociedade. Conteúdos e métodos não podem ser entendidos sepa-radamente, e os conteúdos escolares não são vulgariza-ções ou meras adaptações de um conhecimento produ-zido em “outro lugar”, mesmo que tenham relações com esses outros saberes ou ciências de referência.

A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte, de-pende essencialmente de finalidades específicas e assim não decorre apenas dos objetivos das ciências de refe-rência, mas de um complexo sistema de valores e de in-teresses próprios da escola e do papel por ela desempe-nhado na sociedade letrada e moderna. (BITTENCOURT, 2004, p. 39 – 40).

Ora, a representação de uma escola em crise, difundida ns últi-mas décadas, tem levado políticos, técnicos e educadores a repensar a organização dos conteúdos em disciplinas e os currículos. Para al-guns, a solução é nuclear os conteúdos em áreas de afinidades cientí-ficas, para outros, em eixos temáticos; alguns defendem radicalmen-te a eliminação da escola, outros o retorno da escola tradicional. Qual caminho seguir nessa encruzilhada. Um olhar sobre a história da es-cola através da história das disciplinas escolares pode nos ajudar a pensar essa questão, considerando a cultura escolar e os contextos interculturais.

André Chervel, pesquisador francês, ao investigar a História das Disciplinas Escolares, destacou uma reflexão importante:

A história da palavra disciplina (escolar) e as condições nas quais ela se impôs após a Primeira Guerra Mundial colo-cam contudo em plena luz a importância deste conceito, e não permitem confundi-lo com os termos vizinhos.

No seu uso escolar, o termo “disciplina” e a expressão “disciplina escolar” não designam, até o fim do século XIX mais do que a vigilância dos estabelecimentos, a

Leitura Sugerida

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e saber escolar (1810 a 1910). Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2008.

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repressão das condutas prejudiciais à sua boa ordem e aquela parte da educação dos alunos que contribui para isso. No sentido que nos interessa aqui, de “conteúdos de ensino”, o termo está ausente de todos os dicionários do século XIX, e mesmo do Dictionnaire de l’Academie de 1932. Como se designavam, antes dessa época, as dife-rentes ordens de ensino? Que título geral se dava às ru-bricas dos diferentes cursos?

Nos textos, oficiais ou não, um grande número de fórmu-las confusas manifesta a ausência e a necessidade de um termo genérico. [...] Os equivalente mais freqüentes no século XIX são as expressões ‘objetos’, ‘partes’, ‘ramos’, ou ainda ‘matérias de ensino’.[...]

A aparição, durante os primeiros decênios do século XX, do termo ‘disciplina’ em seu novo sentido vai, certamen-te, preencher uma lacuna lexilógica, já que se tem ne-cessidade de um termo genérico. Ela vai sobretudo por em evidência, antes da banalização da palavra, as novas tendências profundas do ensino, tanto primário quanto secundário.[...]

Na realidade, essa nova acepção da palavra é trazida por uma larga corrente de pensamento pedagógico que se manifesta, na segunda metade do século XIX, em estrei-ta ligação com a renovação das finalidades do ensino secundário e do ensino primário. Ela faz par com o ver-bo disciplinar, e se propaga primeiro como um sinôni-mo de ginástica intelectual, novo conceito recentemente introduzido no debate. [...] Paralelamente, a confusão dos objetivos do ensino primário durante a década de 1870 leva a repensar em profundidade a natureza da formação dada ao aluno. Até aí, inculcava-se. Deseja-se, de agora em diante, disciplinar: ‘Disciplinar a inteligên-cia das crianças, isto constitui o objeto de uma ciência especial que e chama pedagogia’, escreve, no rastro de Michel Bréal, o lingüista Frédéric Baudry [...]

Logo após a I Guerra Mundial, enfim, o termo “disciplina” vai perder a força que o caracterizava até então. Torna-se uma pura e simples rubrica que classifica as matérias de ensino, fora de qualquer referência às exigências da for-mação do espírito. Basta dizer o quanto é recente o ter-mo que utilizamos atualmente: no máximo uns sessenta anos. Mas, ainda que seja enfraquecido na linguagem atual, ele não deixou de se conservar e trazer à língua um valor específico ao qual, nós, queiramos ou não, fazemos inevitavelmente apelo quando o empregamos. Com ele, os conteúdos de ensino são concebidos como entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não pare-cem dever a nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história. Além do mais, não tendo sido rompido

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o contato com o verbo disciplinar, o valor forte do ter-mo está sempre disponível. Uma ‘disciplina’ é igualmen-te, pra nós, em qualquer campo que se a encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras pra abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte. (CHERVEL, 1990, 178-180, itálico do autor)

Compreendemos, assim, a relação intrínseca entre “o que é uma disciplina escolar” e a história da Educação, escola e do currícu-lo. Pensamos também que, para além da história do termo “disciplina escolar”, também devemos refletir sobre a centralidade de algumas “disciplinas” em detrimento de outras ao longo da história da educa-ção escolar. Esse movimento de mudança de eixos e gravidades faz parte da cultura escolar.

Os estudos que contemplam a cultura escolar buscam novos referenciais para interpretar o ‘universo escolar’, aproximam-se dos fazeres e saberes ordinários da escola, bem como dos diferentes su-jeitos da educação e da relação entre vida escolar e reformas educa-cionais. Veremos, a seguir, algumas das definições mais conhecidas no Brasil:

De acordo com Dominique Julia (2001)

[...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimento a en-sinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práti-cas coordenadas e finalidades que podem variar segun-do as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagó-gicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimen-tos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização [...]. Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afasta-mento que apresentam em relação às culturas familia-res, (JULIA, 2001, p.10-11).

Jean Claude Forquin, por sua vez, afirmava que a cultura escolar é uma espécie de cultura segunda, derivada de uma cultura “maior”. Para ele:

A cultura escolar apresenta-se assim como uma cultura segunda com relação à cultura de criação ou de inven-ção, uma cultura derivada e transposta, subordinada in-

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teiramente a uma função de mediação didática e deter-minada pelos imperativos que decorrem desta função, como se vê através destes produtos e destes instrumen-tos característicos constituídos pelos programas e ins-truções oficiais, manuais e materiais didáticos, temas de deveres e de exercícios, controles, notas, classificações e outras formas propriamente escolares de recompensas e de sanções (FORQUIN, 1992, p. 33 – 34, itálico do autor)

André Chervel (1990), ainda analisando a problemática das dis-ciplinas escolares, conclui:

[...] Longe de ligar a história da escola ou do sistema escolar às categorias externas, ela se dedica a encon-trar na própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica. [...]. Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidi-ram sua constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante não somente na história da educação mas também na his-tória cultural.[...]. Porque são criações espontâneas e ori-ginais do sistema escolar é que as disciplinas merecem um interesse todo particular. E porque o sistema escolar é detentor de um poder criativo insuficientemente va-lorizado até aqui é que ele desempenha na sociedade um papel o qual não se percebeu que era duplo: de fato ele forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global. (CHERVEL, 1990, p. 184)

Outro pesquisador de grande influência nas pesquisas brasilei-ras, António Viñao Frago, observou que:

Afirmar que a escola – entendido este termo em seu sentido amplo – é uma instituição, é uma obviedade. Também o é dizer que existe uma cultura escolar. Exata-mente porque a escola é uma instituição é que podemos falar de uma cultura escolar, e vice-versa. [...] O problema consiste em que a cultura escolar, enquanto um conjun-to de aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização, possui várias modalidades ou níveis. Podemos, por exemplo, referir-nos à cultura espe-cífica de um estabelecimento docente determinado, de um conjunto ou tipo de centros em contrates a outros – por exemplo, as escolas rurais o as faculdades de direito -, de uma área territorial determinada ou do mundo aca-dêmico em geral por comparação com outros setores sociais. Também podemos oferecer uma perspectiva in-dividual, grupal, organizativa ou institucional de algum aspecto da dita cultura. Por último, a expressão anterior – ‘conjunto de aspectos institucionalizados’ – inclui práti-cas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história

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cotidiana do fazer escolar –, objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, sim-bologia, introdução, transformação, desaparecimento ...-, e modos de pensar assim como significados e idéias compartilhadas. Alguém dirá: tudo. Sim, é certo, a cul-tura escolar é toda a vida escolar: fatos e idéias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer. Acontece que, neste conjunto, há alguns aspectos que são mais relevantes que outros, no sentido que são elementos organizadores que a conformam e definem [...]. (VIÑAO FRAGO, 1995, p. 68-69, tradução nossa).

Viñao Frago, dessa forma, defendia a concepção plural de cul-turas escolares, variando de acordo com a instituição investigada. O pesquisador justifica sua opção esclarecendo que não pode haver duas escolas, colégios ou universidades exatamente iguais, mesmo que possamos estabelecer semelhanças entre elas.

ATIVIDADE 5

Compare o pensamento desses quatro pesquisadores e identi-fique semelhanças e diferenças no que diz respeito a uma definição da noção de cultura escolar.

De uma forma ou de outra, o conceito de cultura escolar impli-ca em uma visão relacional da escola (seus sujeitos, objetos, idéias, tempos e espaços...) com o seu entorno (outros sujeitos, objetos e idéias, mas também outros tempos e espaços).

Concordamos com Faria Filho, Irlen Gonçalves, Diana Vidal e André Paulilo quando afirmam que:

[...] cremos que os estudos sobre cultura escolar têm permitido desnaturalizar a escola e empreender estudos sobre o processo mesmo de sua emergência como insti-tuição de socialização nos tempos modernos. Articulada aos estudos do processo de escolarização, tal perspec-tiva traz, desde logo, a necessidade de pensar a relação da escola com as outras instituições responsáveis pela socialização da infância e da juventude, principalmente com a família, a Igreja e o mundo do trabalho [...]. (FARIA FILHO et al., 2004, p. 154)

Ao relacionarmos interculturalidade e interdisciplinaridade, estamos partindo de determinada noção de cultura e de disciplina inseridas na acepção de uma cultura escolar que engloba relacional-mente práticas e comportamentos, modos de vida, hábitos, objetos materiais, espaço, simbologia, transformação, memória, esqueci-mento, modos de pensar e idéias compartilhadas.

Leitura Sugerida

SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMA-RIN, Vera. (orgs.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, meto-dologias e desafios para a pesquisa. Campinas (SP): Autores Associados, 2005.

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CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 3 (CD) – Entrevista com Carlos Rodrigues Brandão - o entrevistado tece relações entre a escola e diferentes culturas.

- Identifique a concepção de cultura defendida por Brandão.

Segundo ele, qual o papel da escola atualmente considerando o contexto de diversidades culturais?

- Elabore um pequeno texto concordando e/ou discordando de Brandão. Aproveite para, assim como ele, relatar um pouco de sua experiência nesse sentido.

ATIVIDADE 6

Considere as imagens e o texto abaixo. Desenvolva uma com-paração entre essas “escolas” e a concepção de cultura que as funda-menta. Apresente por escrito ao tutor.

Fig. 3 Fig. 4

Fig. 5 Fig. 6

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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Fig. 7

Trecho do “Manifesto em defesa da reabertura e de uma melhor infra-estrutura pública da Escola Itinerante do MST-RS” - março de 2009.

(http://www.outubrovermelho.com.br/wp- content/uploads/2009/03/mstescolaiti-nerante.jpg)

Os camponeses foram expropriados de suas terras pelo poder do grande capital e nenhuma alternativa econômica lhes foi possi-bilitada. É por isso que as bandeiras do MST tremulam à beira das rodovias que ladeiam os latifúndios destrutivos. Dignamente os cam-poneses resistem lutando pela democracia que, para ser verdadeira, não pode prescindir dos meios econômicos que assegurem condi-ções de vida humana. E as Escolas Itinerantes são parte desse proces-so civilizatório.

As Escolas Itinerantes do MST são espaços de conhecimento, criação, socialização com base em valores ético-políticos libertários e democráticos. São espaços públicos de formação humana, de crí-tica e de renovação do pensamento pedagógico brasileiro e latino-americano. Estudiosos de diversos países as investigam e as difun-dem por meio de teses, artigos, experiências de educação popular, propagando ideais pedagógicos originalmente sistematizados e di-fundidos por Paulo Freire.

As Escolas Itinerantes são lugares que estão propiciando refle-xões que permitem construir um melhor futuro para a educação pú-blica, gratuita, laica e autônoma frente aos interesses particularistas e mesquinhos como os professados pelo atual governo estadual.

Exigimos a imediata reabertura das Escolas Itinerantes acom-panhadas pelo MST, bem como a garantia de que o poder público assegurará a infra-estrutura necessária ao pleno funcionamento das mesmas.

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4 – Compreendendo a Interdisciplinaridade

Ouvimos muito falar em interdisciplinaridade, mas o termo ain-da soa como algo estranho às nossas práticas docentes cotidianas. Tendemos a pensar sob o ponto de vista metodológico, isto é, uma forma de trabalho escolar que preveja a comunhão entre as diferen-tes disciplinas escolares. Assim, o professor de História trabalharia associado ao professor de Geografia, ou ao de Português, ou ao de Artes, ou mesmo ao de Matemática. E que tal todos juntos em um projeto? Estaríamos trabalhando interdisciplinarmente dessa forma? A resposta é sim. Entretanto, compreender a interdisciplinaridade e suas relações com a cultura escolar é algo mais amplo, pois implica também em considerarmos as disciplinas científicas.

As discussões acadêmicas acerca da interdisciplinaridade remon-tam à transição da década de 1960/70, mais particularmente às pes-quisas francesas do Centro para Pesquisa e Inovação do Ensino (CERI) com a colaboração do Ministério Francês para a Educação Nacional. Baseando-se nos resultados das pesquisas do CERI, e de outras que se seguiram no âmbito internacional, Hilton Japiassú resumiu (1976):

Numa primeira aproximação, o que vem a ser, afinal, o interdisciplinar? Passamos por graus sucessivos de coo-peração e de coordenação crescentes antes de chegar-mos ao grau próprio ao interdisciplinar. Este pode ser caracterizado como o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas o entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamen-te ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâm-bios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida. Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdis-ciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de em-préstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técni-cas metodológicas, fazendo uso dos esquemas conceitu-ais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, afim de fazê-los integrarem e convergirem, de-pois de terem sido comparados e julgados. Donde pode-remos dizer que o papel específico da atividade interdis-ciplinar consiste, primordialmente em lançar uma ponte para religar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo pre-ciso de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos. (JAPIASSÚ, 1976, p. 75, itálico do autor).

Ivani Arantes Fazenda, ao produzir uma síntese sobre os deba-tes acerca do tema, afirmou, considerando especificamente o con-texto da Educação:

Embora não seja possível a criação de uma única e restri-ta teoria da interdisciplinaridade, é fundamental que se atente para o movimento pelo qual os estudiosos da te-mática da interdisciplinaridade têm convergido nas três últimas décadas. [...]

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A chamada crise das ciências tem sido proclamada por muitos, em diversas escolas de pensamento em diferen-tes países. Fala-se em crise de teorias, de modelos, de paradigmas, e o problema que resta a nós educadores é o seguinte: É necessário estudar-se a problemática e a origem dessas incertezas e dúvidas para se conceber uma educação que as enfrente. Tudo nos leva a crer que o exercício da interdisciplinaridade facilitaria o enfrenta-mento dessa crise do conhecimento e das ciências, po-rém é necessário que se compreenda a dinâmica vivida por essa crise, que se perceba a importância e os impas-ses a serem superados num projeto que a contemple. (FAZENDA, 1994, p. 14).

Na mesma obra, a pesquisadora brasileira assim resumiu a tra-jetória dos debates e práticas no Brasil:

- Década de 1970: o vocabulário desencadeou certo modismo, e, sem uma reflexão epistemológica adequada, tornou-se base para reformas educacionais no ensino escolar (e também superior). Do ponto de vista acadêmico, houve ênfase em uma explicitação filosó-fica e na busca de uma definição para interdisciplinaridade.

A alienação e o descompasso no trato das questões mais iniciais e primordiais da interdisciplinaridade provoca-ram não apenas o desinteresse, por parte dos educado-res da época, em compreender a grandiosidade de uma proposta interdisciplinar, como contribuiu para o empo-brecimento do conhecimento escolar. O barateamento das questões do conhecimento no projeto educacional brasileiro da década de 1970 conduziu a um esfacela-mento da escola e das disciplinas. À pobreza teórica e conceitual agregaram-se outras tantas que somadas condenaram a educação a 20 anos de estagnação.. FAZENDA, 1994, p. 26.)

- Década de 1980: marcada pela necessidade de esclarecimen-tos acerca das dicotomias enunciadas nos anos 1970, tais como: teo-ria/prática, verdade/erro, certeza/ dúvida, ciência/ arte, etc. O movi-mento caminhou na busca de uma epistemologia que esclarecesse o teórico a partir do prático e do real. Houve ênfase em uma diretriz sociológica e na busca de uma explicitação de método para a inter-disciplinaridade. As contradições foram sendo minimizadas a partir de análise do quadro político da época.

[...] Analisei como foram gradativamente caladas as vo-zes dos educadores, dos alunos, e o processo de entor-pecimento pelo qual passaram as consciências esclareci-das, analisei também a mudez da imprensa e o conluio desonesto na articulação das propostas educacionais.

Em nome da interdisciplinaridade, todo o projeto de uma educação para a cidadania foi alterado, os direitos do aluno/cidadão foram cassados, através da cassação

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aos ideais educacionais mais nobremente construídos. Em nome de uma integração, esvaziaram-se os cérebros das universidades, as bibliotecas, as pesquisas, enfim, toda a educação [...] Somente a partir da década de 1980 as vozes dos educadores voltaram a ser pronunciadas.

[...] o educador dos anos 80 renasceu das cinzas, em bus-ca de seu passado de glórias e de sua afirmação como profissional.

[...] Essa história foi descrita em dois momentos sucessi-vos de pesquisa – (1987 a 1989) e (1989 a 1991). [...] Com isso consegui traçar um perfil do professor portador de uma atitude interdisciplinar em todas as suas afirmações e negações e nas mais diferentes perspectivas.

[...] Em todos os professores portadores de uma ati-tude interdisciplinar encontramos a marca da re-sistência que os impele a lutar contra a acomo-dação, embora em vários momentos pensem em desistir da luta. Duas dicotomias marcam suas histórias de vida: luta/resistência e solidão/ desejo de encontro.(FAZENDA, 1994, p. 30 -31, itálico da autora)

- Década de 1990: verificou-se a proliferação das práticas intui-tivas, aumentando o número de projetos que se intitulavam interdis-ciplinares. Em virtude desse contexto, na academia, há ênfase em um projeto antropológico e na construção de uma teoria da interdis-ciplinaridade.

[os projetos] Surgem da intuição ou da moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura provisoriamente difundida. [...]

Em nome da interdisciplinaridade abandonam-se e con-denam-se práticas consagradas, criam-se slogans, apeli-dos, hipóteses de trabalho muitas vezes improvisados e impensados. Em nome dessa falta de orientação gene-ralizada é que tenho dedicado meus estudos e minhas pesquisas, no sentido de elucidar posicionamentos. (FAZENDA, 1994, p. 34)

Uma rápida reflexão sobre a trajetória histórica das práticas e debates ocorridos no Brasil nas décadas finais do século XX pode nos ajudar a compreender a importância de continuarmos a debater acerca da interdisciplinaridade nestes primeiros anos do século XXI. Por exemplo, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.9394, de 20 de dezembro de 1996) e a elaboração dos Parâ-metros Curriculares Nacionais (PCN’s), apontaram para a possibilida-de de flexibilização dos conteúdos e da organização curricular. No entanto, embora os PCN’s façam referência ao termo “interdisciplina-ridade”, este não parece estar definido no documento.

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CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 4 (CD) – FREITAS, Deise; NEUENFELDT, Adriano. “Inter-disciplinaridade na escola: limites e possibilidades” os autores traba-lham a conceituação do termo “interdisciplinar”.

- Identifique a diferença entre interdisciplinar, multidisciplinar, pluridisciplinar e transdisciplinar.

- Opine sobre a proposta de construção curricular interdiscipli-nar apresentada pelos autores relacionado-a com as possibilidades de sua aplicação na educação do campo.

Consideramos, portanto, conforme concluímos anteriormente - quando debatíamos acerca das disciplinas escolares e culturas es-colares –, a percepção de dois movimentos em direções opostas, mas não excludentes: a tradição da organização escolar em disciplinas continua e se fortalece; e a acentuada tendência para simplificá-las e até mesmo reduzi-las em áreas. Tal visão nos remete, todavia, apenas a aspectos internos à escola, mais precisamente à organização dos “conteúdos” de ensino, às “metodologias” de ensino-aprendizagem, ao horário escolar, etc.

Ora, se pensarmos as “ciências de referência” como disciplinas científicas, poderemos estender o conceito de interdisciplinaridade ao campo dos atuais debates das alterações paradigmáticas na Ciên-cia, bem como aos debates acerca da interculturalidade.

Esse movimento ganha velocidade à medida que a comunica-ção entre os seres humanos ganha mais velocidade e intensidade. Em decorrência da maior e mais rápida circulação de opiniões e in-formações, há um maior reconhecimento da diversidade cultural e da importância da interculturalidade nas relações políticas, sociais, e econômicas, bem como nas práticas cotidianas e comportamentos.

De acordo com Carlos José Gomes Pimenta (2009):

Ao mesmo tempo que a disciplinaridade continua e reforça-se, assiste-se crescentemente a um movi-mento que, para simplificar, designamos de inter-disciplinaridade. As interdisciplinaridades com os seus objectos científicos próprios e os anseios de uma ciência da totalidade assumem crescente importân-cia. Uma relevância que frequentemente é mais sim-bólica do que epistemológica, mais discursiva que metodológica, mais emblemática que construtora. (PIMENTA, 2009, s/d, negrito do autor)

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D - Concluímos, assim, que nossas dúvidas são comuns e expressam um campo relacional (interdisciplinaridade e inter-culturalidade) que apenas se esboça atualmente, não apenas do ponto de vista epistemológico, mas também em relação às práti-cas e metodologias, e às incorporações e ressignificações destas no contexto das culturas escolares e dos movimentos sociais.

Se concordarmos com o autor, admitiremos que a interdis-ciplinaridade, e também a interculturalidade, possuem dinâmicas autônomas, embora se aproximem e se cruzem constantemente, sobretudo se pensarmos os contextos educacionais e as culturas es-colares. Isto é, concordamos com a visão de que muitas alterações paradigmáticas, que ocorreram no campo desta ou daquela discipli-na científica, tiveram origens na apropriação de aspectos de outras culturas, outras visões de mundo, outras racionalidades, atitudes e sentimentos.

Carlos José Gomes Pimenta (2009) sugere que, para trabalhar essa relação de forma metodológica e científica, nos apoiemos em nove vértices: ação, ciência, comunicação, conhecimento, homem, humanismo, interculturalidade, interdisciplinaridade, e projeto.

CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 5 (CD) – PIMENTA, Carlos José Gomes. “Interdiscipli-naridade” - , o autor discute o advento da interdisciplinaridade do ponto de vista científico.

Explique, para o autor:- O que é interdisciplinaridade?- Qual a relação estabelecida entre interdisciplinaridade e inter-

culturalidade?

- Comente com os seus colegas a relação possível entre os nove vértices apresentados e a escola atual.

- Construa um pequeno texto relacionando-os a partir da des-crição de uma prática docente considerada por você relevante para a discussão sobre interculturalidade, interdisciplinaridade e educação do campo. Apresente por escrito ao tutor.

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CONSULTANDO O CD-ROM

Atividades didáticas

No texto 6 (CD) – ALMEIDA, Andréia Cristina. “A prática da in-terculturalidade e da interdisciplinaridade a partir da experiência História Tupinikim: tradição oral abre caminho para reescrever o pas-sado” - a autora narra uma experiência pedagógica construída sobre uma técnica (instrumento) baseada em um gênero de texto por ela denominado “relato histórico”.

-Liste as etapas da proposta pedagógica da autora - Relacione a proposta da autora com os conceitos de cultura e

interdisciplinaridade.- Elabore uma pequena proposta para a educação do campo

considerando o emprego do “relato histórico”.

ATIVIDADE 7

Releia as quatro conclusões destacadas ao longo desta Unida-de. Você concorda/ discorda com elas? Por quê?

5 – Algumas Considerações

O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam nos ban-cos: cinco horas de suplício, uma crucificação [...]

Não há prisão maior do que escola primária do interior. A imo-bilidade e a insensibilidade me aterraram. Abandonei os cadernos e auréolas, não deixei que as moscas me comessem. Assim, aos nove anos ainda não sabia ler.

[...]

Governadores-gerais, holandeses e franceses começaram a importunar-me. Esquartejavam-se períodos, subdividiam-se e rotula-vam as peças em medonha algazarra. Os meus novos amigos guarda-vam maquinalmente façanhas portuguesas, francesas e holandesas, regras de síntese – e brilhavam nas sabatinas. Segunda-feira estavam esquecidos, e no fim da semana precisavam repetir o exercício, deco-rar provisoriamente a matéria. À medida que avançavam, a tarefa ia se tornando mais penosas: ficavam apenas, algum tempo, as últimas lições.

Eu achava estupidez pretenderem obrigar-me a papaguear de

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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oitiva. Desonestidade falar de semelhante maneira, fingindo sabedo-ria. Ainda que tivesse de cor um texto incompreensível, calava-me diante do professor – e a minha reputação era lastimosa.

(Graciliano Ramos, Infância)

A escola da qual nos fala Graciliano Ramos de forma memo-rialística é a escola da virada do século XIX para o XX. Uma escola pertencente a um determinado contexto histórico, a uma determina-da cultura escolar. As concepções sobre cultura foram, e continuam sendo, construídas historicamente a partir de demandas das socie-dades e grupos sociais que as constroem, divulgam e consolidam. É por isso que falar em interculturalidade e interdisciplinaridade nos parece tão afim com nossa própria época e cotidiano escolar. Somos produtos e produtores de nossa própria história.

Alguns autores já se referem a uma nova forma de cultura: a cultura digital. Podemos “vê-la” em ação por toda parte: na ciência, nas comunicações, na socialização de conhecimentos, na justificativa de um novo homem ou da falta de humanismo nas relações huma-nas, na compreensão da interculturalidade e da interdisciplinaridade, e na defesa de novos projetos para a Educação (como aqueles em EAD, por exemplo).

ATIVIDADE 8

Pensando nisso, explique a charge abaixo (fig. 8) e prepare-se para a próxima Unidade!

“Estou tentando incluir mais amigos”

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CRÉDITO DAS IMAGENS

Fig. 1 – 2ª Guerra Mundial: A Bomba Atômica. Disponível em http://www.saberweb.com.br/historia/historia_geral/images/segunda_guerra_mundial.jpg

Fig. 2 - 2ª Guerra Mundial: O Holocausto. Disponível em http://www.jornallivre.com.br/images_enviadas/segunda-guerra-mundial-holocau.jpg

Fig. 3 - Fachada dos Grupos Escolares José Rangel e Dr. Delfim Morei-ra em Juiz de Fora (MG)- sem data. Imagem sob a guarda do Arquivo Público Mineiro. Coleção Tipografia Guimarães (TG 202 – 014). Dispo-nível em http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/fotografico/TG-202/162.jpg

Fig. 4 – Educação Indígena. Disponível em http://webradiobrasilindi-gena.files.wordpress.com/2007/11/escola_indigena_700.jpg

Fig. 5 – Método de Ensino Mútuo. Disponível em http://farm2.static.flickr.com/1265/730566859_224b02c674.jpg

Fig. 6 – Método de Ensino Mútuo. Disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/02/Giovanni_Migliara_-_Confalonieri_e_Pellico_alla_applicazione_del_metodo_Lancaster-Bell_di_mutuo_insegnamento_-_aquarello.jpg

Fig. 7 – Escola Itinerante. Disponível em

http://www.outubrovermelho.com.br/wp- content/uploa-ds/2009/03/mstescolaitinerante.jpg

Fig. 8 – Charge Facebook. Disponível em http://4.bp.blogspot.com/_6_aUaV09pCE/SYow4pclx-I/AAAAAAAAAHc/2jp2EIFj28Y/s400/facebook_cartoon.gif

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe Mª F. Ensino de História : conteúdos e méto-dos. São Paulo: Cortez, 2004.

CASTRO, Júlia Isabel Coelho Alves de. A Interculturalidade e o Pensamento Histórico dos Jovens. 2005. Tese (Doutorado em Edu-cação). Universidade do Minho/ Portugal (Área de conhecimento: Metodologia do Ensino da História e das Ciências Sociais). Dispo-nível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0871-91872006000200012&lng=es&nrm= Acesso em 8 de fevereiro de 2010.

Indicação de Site

Visite o portal Aula Intercultural em

http://www.aulaintercultural.org

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CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre (RS), n.2, 1990, p. 177 – 229.

FARIA FILHO et al. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasi-leira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n.1, 2004, p. 139 – 159. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-970222004000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 8 de fevereiro de 2010.

FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas (SP): Papirus, 1994.

FORONI, Yvone Mello d’Alessio. A perspectiva intercultural na for-mação de professores. Revista Puc Viva. São Paulo, n. 21, julho a setembro de 2004, s/d. Disponível em http://www.apropucsp.org.br/revista/r21_r09.htm. Acesso em 26 de janeiro de 2010.

FORQUIN, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e episte-mológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

PIMENTA, Carlos José Gomes. Interdisciplinaridade. Página web. Disponível em http://www.humanismolatino.online.pt/v1/impri-mir.php?ID=11. Acesso em 26 de janeiro de 2010.

SANTOS, E. M. Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN): uma proposta para ensinar e aprender língua no diálogo de cultu-ras. 2004. Tese. (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.

TODOROV. Tzvetan (1982). A Conquista da América: a questão do outro. Tradução: Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

VIÑAO FRAGO, António. Historia de la educación y historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Edu-cação, São Paulo, n. 0, 1995, p. 63-82.

WALESKO, Ângela Maria Hoffmann. A Interculturalidade no En-sino Comunicativo de Língua Estrangeira: um estudo em sala de aula com leitura em inglês Dissertação (mestrado) - Univer-sidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Letras. Defesa: Curitiba, 2006. Disponível em http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstre-am/1884/10383/1/ANGELA_M_H_WALESKO.pdf Acesso em 26 de janeiro de 2010.

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TEXTOS DO CD

Texto 1 – ARAÚJO, Patrícia Cristina de Aragão. Educação intercul-tural: encontro entre culturas, diálogo de saberes. In http://www.paulofreire.org.pe/documentos/interculturalidad/patricia_aragauo. Disponível em http://www.pucp.edu.pe/ridei/pdfs/educacaointer-culturalencontroentreculturadialogodesaberesPatriciacristinadeara-gaoaraujo.pdf. Acesso em 28 de janeiro de 2010.

Texto 2 – BASEI, Andréia Paula; LEÃES FILHO, Wenceslau. Educa-ção Física escolar na busca de interlocuções: re-pensando a forma-ção de professores para uma educação intercultural. Revista Ibe-roamericana de Educación. n. 46/7, julho de 2008. Disponível em http://www.aulaintercultural.org/article.php3?id_article=3039

Texto 3 – Entrevista com Carlos Rodrigues Brandão. Disponível em http://www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/carlos_brandao.htm

Texto 4 – FREITAS, Deisi Sangoi; NEUENFELD, Adriano Edo. Interdis-ciplinaridade na escola: limites e possibilidades. Anais on-line do IV Encontro Ibero-Americano de Coletivos Escolares e Redes de Profes-sores que Fazem Investigação na sua Escola. Disponível em http://ensino.univates.br/~4iberoamericano/trabalhos/trabalho052.pdf

Texto 5 – PIMENTA, Carlos José Gomes. Interdisciplinaridade. Ex-traído da Página web. Disponível em http://www.humanismolatino.online.pt/v1/imprimir.php?ID=11. Acesso em 26 de janeiro de 2010.

Texto 6 – ALMEIDA, Andrea Cristina. A prática da interculturalida-de e da interdisciplinaridade a partir da experiência História Tupi-nikim: tradição oral abre caminho para reescrever o passado. Texto disponibilizado pela autora exclusivamente para este CD.

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Unidade II

Aspectos históricos, geográficos, escolarização e construção identitária em comunidades indígenas,

quilombolas, etc. no Estado do Espírito Santo

Marisa Valladares

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

Unidade II – Aspectos históricos, geográficos, escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo

Marisa Valladares

Objetivos da Unidade

• Identificar e localizar os principais povos tradicionais do Es-pírito Santo, mapeando suas trajetórias no tempo e no es-paço;

• Discutir a vivência desses povos nas relações que travam entre si, com outras sociedades, no tempo e no espaço;

• Evidenciar a produção teórica sobre os povos tradicionais, numa perspectiva intercultural, estimulando professores da Educação do Campo na pesquisa e no registro de suas pro-duções;

• Refletir sobre a relação entre o estudo e o cotidiano das es-colas do campo;

No estudo da Interculturalidade e Interdisciplinaridade na Edu-cação do Campo, a temática 02 - Aspectos históricos, geográficos, escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas etc no Estado do Espírito Santo – nos provoca no res-gate das origens e na reflexão sobre a vivência desses povos, cujas presenças estão bem presentes no seio da escola do campo.

No restrito espaço deste módulo, não é possível destacar toda a riqueza do material pesquisado e disponível. Assim, os recortes e as indicações podem ser ampliadas entre vocês (com sugestões e pro-duções para futuros estudos aceitas por esta colega...).

Orientação didático-acadêmica

Ao longo do texto, apresento:- Sugestões ou recomendações - Exercícios - Questões e reflexões - Relatos e excertos de textos

Esperando que lhes seja significativa a proposta desse estudo, desejo-lhes sucesso...

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

COMUNIDADES CAMPESINAS TRADICIONAIS NO ESPÍRITO SANTO ATUAL: HISTÓRIAS E GEOGRAFIAS

1 – Conversando para convidar... Para dizer dos povos tradicionais, gostaria de invocar percep-

ções deles e sobre eles, elaboradas por pessoas de uma geração que viveu, como eu vivi, num tempo inocente e ingênuo, quando então não era preciso falar medindo ou pesando tanto as palavras, no receio de que fossem mal interpretadas, de que fossem “mal ditas” quando nós as enunciávamos na conversa, no dito do dia a dia.

Embora se pensasse bastante antes de falar – até porque havia tempo para isso - não matutávamos tantas vezes sobre o saber conti-do no sabor de uma palavra. O tom da conversa primava pelo diálogo simples: se a gente não entendia, a gente perguntava; se a gente não concordava, a gente discordava e a gente proseava...

Éramos um tanto acríticos, é bem verdade, mas isto porque ain-da vivíamos despidos de um modo de ler o mundo e de escrever a vida que interrogasse mais “por quê?” do que apenas “o quê?”...

Assim, nomear povos, geograficamente localizados no campo, como campesinos, era um jeito de dizer que os conhecíamos como povos cujo modo de viver era eivado de tradições diferentes daque-las marcadas pelo jeito urbano de tocar a vida. Denominávamos imi-grantes, escravos, indígenas, caboclos ribeirinhos e litorâneos, assim como seus descendentes, genericamente, todos juntos, como povo da roça, atribuindo-lhes com essa denominação as características de um povo trabalhador, um povo ingênuo, romantizando seus modos de ser e de viver...

Ainda quando o lado reverso e perverso dessa distinção, tam-bém, se traduzisse numa compreensão deste sujeito como jeca, caipi-ra, roceiro e que o julgasse como pessoa que não pensava grande, um misto improvável de preguiçoso trabalhador, e que essa avaliação do camponês menosprezasse sua inserção numa identidade particular de um povo distinto de tantos outros, ainda que o considerássemos ape-nas como uma grosseira massa popular indistinta em suas maneiras peculiares de produzir, de viver, de festejar, de cultuar, assim mais se fazia por desconhecimento, por sermos também todos nós ingênuos em nossa arrogância urbana – caipiras, sim senhor, todos nós...

Era assim, nessa comparação dos povos campesinos com o modo de vida urbana, baseada numa pretensão de semelhança com a maneira eurocêntrica de viver que se formulava uma visão genera-lista de um povo desinformado, menosprezado no modo de viver... Então, como só se conhecia suas culturas e identidades com olhar estrangeiro, dificilmente parceiro, esse olhar era mais perscrutador do que acolhedor de diferenças...

Hoje, nosso olhar sobre esses povos se amplia pelo que eles conquistaram como identidades de si. É bem verdade que muitas pessoas não aceitam alterar seus modos de ver e suas posturas no

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

conviver com esse outro que se anuncia. Mas isso não detém mu-danças, nem impede conquistas. Na complexidade dos embates, dos encontros e desencontros, é preciso, então, cuidadosamente, esti-mular a reformulação de antigas percepções, transformando-as em conceitos cuidadosos, impregnados do que dizem de si e do querem para si estes povos.

Vamos, pois, conclamando muitos, senão todos, para estreitar relações que precisam ser amorosas e não piegas, que precisam ser receptivas às diferenças - que não precisam, nem devem separar, an-tes, devem unir. Vamos por aí, em estudos como este, que se pretende multiplicação e interrogação de aprender, estimulando a solidarie-dade que faz pergunta, que responde, que conversa com esse outro, reconhecendo, dignificando, dialogando com seu modo de produzir a vida, trançando as nossas e as suas nas mais diversas maneiras de tentar fazer o mundo melhor, promovendo ensaios de sustentabilida-de, buscando possibilidades planetárias, mergulhando intensamente numa convivência densa, complexa e voltada para paz...

Então, para dizer desses povos, para dizer como e onde estão vivendo no Espírito Santo, para tentar geografar suas histórias e his-toricizar suas geografias, vamos problematizar a formulação de suas identidades.

Orientação didático-acadêmica

Então, vamos combinar nosso diálogo e leitura. Tenha sempre à mão um atlas do Espírito Santo. Recorra sempre às reservas de textos do CD-ROM deste módulo, complementando, aprofundando e con-trapondo as idéias dos diferentes autores. Realize as indicações de estudo com o mesmo carinho com que lhe são propostas, ok? E apro-veite o tempo de estudar, porque como dizia minha sábia avó (que Deus a tenha!) estudar, namorar, comer e coçar..., é só começar!!!!

2 – Convidando para conhecer...

A legislação brasileira define povos tradicionais, quando deter-mina como o governo deve cuidar e proteger deles. A Lei Comple-mentar 75, de 20/05/1993, em seu Art. 6, VII, “c”, orienta a ação do Ministério Público Federal neste sentido.

Além disto, o Decreto N 6040, de 7/2/07 estabelece a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Conforme este decreto os pomeranos, os quilombolas, os indígenas, os ciganos e uma diversidade de outros povos e comu-nidades entendidos “[...] como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de or-ganização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ances-tral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e praticas ge-rados e transmitidas pela tradição [...]” são reconhecidos, legalmente,

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

como povos tradicionais. (FOERSTER e JACOB, 1998, p. 5)Conceitualmente, podemos dizer que povos tradicionais são

grupos que fazem do lugar aonde vivem, o retrato de suas identi-dades, misturando e forjando paisagens com sua própria existência.

São brasileiros de quem se usufrui o trabalho, de quem se des-fruta o jeito de viver no lazer conjunto. Busca-se viver como alternati-va ao caos urbano, o seu modo de produzir, de se distrair, de ser feliz. Muito se usa na arte que imita a vida e no estudo que tenta explicá-la, a reflexão sobre seu modo de falar, de vestir, de trabalhar, de viver, de lutar, de conquistar ou de ser subjugado.

Povos tradicionais são comunidades cujas origens e identida-des estão se perdendo, por se transformarem no contato com outros modos de viver, no tempo e na história, ainda que rasgos de persis-tência cultural se mantenham extraordinariamente como vínculo ao chão, ao rincão, ao passado e como promessa, ao hoje e ao amanhã....

Suas tradições são um acumulado diverso de saberes, cujas re-lações com a natureza são eivadas de normas e de critérios quanto ao uso das riquezas, presentes na natureza e reconhecidas como tal: as águas, as matas, os animais, a terra como solo de plantio, de extração, de criação, de moradia, de sustentação, de movimentação em seu ir e vir. Impregnados nesse modo de viver, cultivam suas crenças para além de simples explicações, e, fazem disso maneiras de se tratarem, de se cuidarem em seu bem ou mal querer.

Apontam para o futuro com fachos que deixam o passado vivo, dinamicamente colado ao presente, mesmo quando incluem no hoje uma tecnologia diferente e o decorrente pensamento que muda o comportamento, tornando mais complexa, mais densa, menos previsível a teia sócio-cultural com que enredam o seu coti-diano e no qual se enredam. A intervenção do mundo globalizado nessas comunidades altera o processo de re-ligação do homem à natureza, desde a solidariedade até a partilha, desde o trabalho até festas relacionadas aos ciclos produtivos, desde o vestir até o comer (ALVARENGA, 2002; CANDIDO, 1964; DIEGUES, 1996).

Reconhecendo-os pelo jeito de ser, pelo modo de viver, vamos nos aproximar, neste estudo, de grupos espiritossantenses com os quais convivemos, trabalhamos, aprendemos...

Seria bom destacar muitos outros, mas a fragilidade na dispo-nibilidade dos estudos sobre eles e a exigüidade do limite físico des-te estudo, nos cerceia... Reforçando o valor de todos, enfatizando a importância de lidar com carinho e com aceitação à diversidade de grupos que valorosamente lutam pelo mundo mais bonito a partir do nosso “pedaço” de Espírito Santo, vamos conhecer, um pouco, da geografia e da história dos pomeranos, dos quilombolas, dos grupos indígenas, das colônias italianas, dentre outras, e como seus descen-dentes vivem hoje...

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3 – Conhecendo para localizar...

Pois então, conhecendo os povos tradicionais como aqueles grupos sociais que mantém suas formas de organização espacial, seus modos de produção e suas manifestações culturais muito ar-raigadas na tradição que os distinguem e lhes garantem identida-des reconhecidas por outros grupos, vamos localizá-los no território espírito-santense. Ao localizá-los, vamos pesquisar e problematizar as diferentes razões que os situaram aqui e acolá, traçando e trançan-do linhas que marcam regiões e que definem territórios escolhidos, favorecidos, forçados, apropriados... aonde escrevem suas histórias, onde desenham paisagens, onde projetam futuros...

Vamos lançar mão de mapas para obtermos uma visualização geral da distribuição desses povos tradicionais no Espírito Santo. Os mapas são uma representação do espaço geográfico que desejamos estudar. Eles dizem a linguagem da Geografia, permitindo-nos per-ceber a extensão, a localização, a intensidade ou as relações entre diferentes fatos ou fenômenos no espaço geográfico. Eles provocam e amparam nossos raciocínios geográficos. Além deles, fotografias aéreas e imagens de satélites também são instrumentos que nos aju-dam nesse objetivo. Baseando-nos nisso, vamos realizar as seguintes atividades:

ATIVIDADE 1

1.1. Comparar a distribuição dos principais grupamentos dos povos tradicionais no Espírito Santo.

1.2. Analisar as regiões onde se localizam os principais povos tradicionais em nosso Estado, levantando hipóteses para estas loca-lizações e procurando pistas para as relações que travam com o meio em suas atividades produtivas.

1.3. Avaliar a localização de cada grupo considerando o entorno em que se situam, em especial cidades, atividades econômicas desen-volvidas por outros grupos sociais, vias de comunicação e transporte etc.

Lembrem-se: como os mapas são feitos com um propósito deter-minado, eles podem diferir entre si, dependendo da visão de mundo, da intenção, da concepção acerca do fenômeno ou fato registrado por seu autor. Por isso, é bom pesquisar em vários mapas, sempre que possível.

Para favorecer suas leituras, disponibilizei alguns mapas, que estão em anexo:

• Mapa da imigração estrangeira em solos capixabas - Anexo 1 • Mapa dos Indígenas – Anexo 2• Mapas dos Italianos e Alemães – Anexo 3

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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• Mapa dos Negros – Anexo 4 Algumas situações da localização destes povos são descritas

em obras que contam sua saga no Espírito Santo. Pensando em pro-vocar o desejo de conhecê-las e, simultaneamente, desejando colo-car em evidência como o nosso espaço geográfico foi sendo constru-ído por tantos e tão diferentes grupos, em suas variadas formas de lidar com o outro e com o meio, selecionei alguns excertos de textos que passo a apresentar-lhes – antes de lhes propor novos desafios...

Os primeiros habitantes da região onde hoje se localiza o atu-al município de Nova Venécia foram os índios Aimorés. Por volta de 1870, quando a região começou a ser povoada pelo homem branco, com a chegada do major Antonio Rodrigues da Cunha e dos africa-nos, que naquela época eram seus escravos, havia pequenos grupos de índios aimorés em locais esparsos da densa floresta.

[...] Alguns anos depois, começaram a chegar os cearenses, em 1880; em seguida vieram os italianos e os alemães do Hunsrück e da Pomerânia.

[...]Oito anos após a chegada dos cearenses, deu-se a abollição da escravidão, e a mão de obra escrava começou a ser substituída pela mão de obra assalariada. Os fazendeiros deram preferência à mão de obra européia. [...] Os imigrantes italianos que colonizaram Santa Leocádia e Nova Venécia chegaram a Vitória em 1887, em nú-mero de 50 famílias provenientes de Pádua, Verona, Montova, Vêneto e outras regiões. [...] As 50 famílias [...] deveriam ter ido para Santa Tereza, mas foram desviadas para São Mateus e encaminhadas para as margens do Córrego Bamburral, afluente do Rio São Mateus, onde fundaram a colônia de Santa Leocádia. [...]

No começo, os colonos foram sustentados durante 6 meses, re-cebendo alimentos do governo, trabalhando 15 dias para si próprios. Para o governo, eles abriam picadas e faziam estradas, e, para si, fa-ziam suas roças e suas casas. Os colonos se alimentavam também de caça, pesca e frutos nativos, como a polpa de jatobá, do oiti, da pinha do mato (biriba), a goiaba, o araçá, além do palmito amargoso e do palmito de iri [...] mel, a uva do mato, o vinho do jatobá e do murici [...]

Em 1935, alguns pomeranos que se encontravam no sul do Espírito santo – nas regiões de Domingos Martins, Afon-so Cláudio e Santa Leopoldina – começaram a emigrar para a Vila Pavão [...] essa comunidade pomerana é considerada uma das maiores comunidades pomeranas do Brasil e do mundo, que ainda conserva sua tradição original da antiga Pomerânia. (MURARI, J. B. et all. História, Geografia e organização social e política do município de Nova Venécia. Vitória: Brasília Editora, 1992, p. 23-29)

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Eu, meu pai, minha irmã e meus irmãos [...] chegamos ao Brasil, vindos da Polônia, em maio de 1931. Chegamos a Águia Branca e de lá mudamos para São Gabriel da Palha. A águia branca (Orzel Bialy) é o sím-bolo da Polônia. São Gabriel da Palha tem esse nome porque o primeiro morador se chamava Gabriel, era negro, e as casinhas do lugar eram to-das cobertas de palha. [...] A nossa saída da Polônia foi de trem [...]Eram 45 famílias [...] Algumas famílias [...] vieram para o Espírito Santo, onde, em Águia Branca, existia um núcleo de Imigração Polonesa ou Colônia Polonesa [...] Partimos de trem “Maria Fumaça” para a cidade de Colatina. [...]

São Silvano (atual bairro de Colatina) era praticamente mata pura, só tinha algumas casas. Pela estrada, feita a picareta e enxadão, fomos viajando até o Aldeamento dos Índios, que ficava perto de Franquiani, na margem do rio Pancas [...] Próximo a ele já existia um acampamento para imigrantes.[..] Neste local existiam tribos de índios já civilizados, guara-nis. [...] Nós, imigrantes poloneses, tínhamos pavor deles porque líamos, lá na Polônia, que eram umas feras contra os brancos.[...]

Depois de muito choro e de muito sofrimento, chegamos de tarde em Monte Claro, que era realmente outro acampamen-to, marco inicial do assentamento dos imigrantes poloneses, que foi logo se estendendo para Águia Branca, Águas Claras e Rio São José. (GLAZAR, E. Brava gente polonesa; memórias de um imigrante, for-mação histórica de São Gabriel da Palha e expansão do café conilon no Espírito Santo. Vitoria; Flor&cultura, 2005, p. 47-55)

Foram os imigrantes germânicos os desbravadores da primeira

colônia imperial no Estado, criada em 1847 – a Colônia Santa Isabel – iniciando efetivamente a política de imigração estrangeira por aqui[...]Trinta e oito famílias foram instaladas às margens do Rio Jucu, a sudoes-te de Vitória, atualmente distrito de Santa Isabel, município de Domin-gos Martins. Eram, segundo Rocha (p. 76) “163 imigrantes alemães pro-venientes do Hunsrück e do Hesse, na Região Central do Reno.” [...] Dez anos depois do fato inaugural da criação da Colônia de Santa Isabel, o Espírito santo recebe um novo contingente de imigrantes germânicos, em março de 1857, destinados à Colônia de Santa Leopoldina, mais a oeste no território capixaba. Aliás, essa colônia foi o destino da maioria dos imigrantes alemães chegados ao Estado, a despeito de os povos ger-mânicos marcarem presença em boa parte dos núcleos de colonização capixaba, sejam os iniciais, sejam aqueles que se formaram próximo e ao norte do Rio Doce, inclusive no século XX, num processo de migração interna fomentado pelo fim das áreas disponíveis nas regiões monta-nhosas originalmente destinadas à colonização européia. [...] Instalados apenas nas colônias imperiais, os imigrantes germânicos não foram des-tinados à substituição da mão de obra escrava dos grandes latifúndios, como ocorreu com outros grupos de estrangeiros aqui aportados.No Es-pírito Santo dedicaram-se majoritariamente à cultura do café, apesar de essa produção estar vinculada à grande propriedade de base escravocra-ta. Nesse caso específico, o Estado capixaba configurou uma exceção. “ (MARTINUZZO, J. A. Germânicos nas terras do espírito Santo. Vitória: Governo do Espírito Santo, 2009, p. 50-55.)

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A colônia mais louca do Brasil ImperialA colônia nasce nas proximidades da fazenda de cana de açú-

car chamada Limão, que pertencia à Associação Colonial. Estava si-tuada no Sul do Espírito Santo, na margem esquerda do rio Novo.[...] Os primeiros imigrantes a se estabelecerem na colônia foram chine-ses. Os italianos, mais especificamente trentinos, chegarão em 1875 e outras levas continuarão a chegar até a década de 1880 quando a colônia se emancipa.[...] Grosselli cita que grande área da colônia foi reclamada pelos indígenas.[...] As terras distribuídas aos imigrantes era de péssima qualidade [...] encontravam-se dentro das matas, que precisavam ser derrubadas [...] (LAZZARO, A. Lembranças campo-nesas... Vitoria [s.n.] 1992)

Para localizar grupos indígenas no Espírito SantoEm 1557, Jean de Lery faz referência ao aldeamento de Santa

Cruz, com presença dos Tupinikim. No século XIX, Von Wied regis-trou a existência de índios já civilizados em Nova Almeida em 1815 e Auguste de Saint Hilaire mencionou sua visita aos índios de Nova Almeida. Em 1610, os Tupinikim receberam a concessão de sesma-ria do capitão-mor Francisco de Aguiar Coutinho. Este documento encontra-se no livro de Registro de Leis e Tombo de Vila de Nova Al-meida. O próprio D. Pedro II ratificou a doação de terras aos índios, em 1860. Todos esses dados reforçam a posse imemorial14 das terras indígenas no Espírito Santo. (p. 67-68)

O relatório da FUNAI de 1994,p.17 recupera o histórico da luta pela terra dos dois povos, levantando a história de ocupação dos Tupinikim, relatos históricos dos viajantes e pintores, como Biard, os documentos e os mapas. Também inclui novas informações como a descoberta de sítios arqueológicos em Santa Cruz e traz os registros orais de antigos moradores de aldeias já extintas, chegando a con-tabilizar a existência de 40 aldeias18 no município de Aracruz. Além disso, diferentemente dos demais estudos que silenciavam os Guara-ni, por meio de informações muito vagas, o presente relatório apon-tava a história, a sociedade e a cultura dos Mbya. A presença Guarani no Estado antecedeu os anos de 1960, segundo o relatório (1994:41). Nos documentos do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), foram en-contrados registros de Guarani de 1950 a 1960, no Posto Indígena de Pancas. Segundo depoimento de Werá Kwaray (Ciccarone,1996), Tupã Kwaray e Werá Djekupé, os Guarani do Rio de Janeiro e os mais velhos contam que os índios de Pancas foram envenenados através da água do rio, supostamente pelo fazendeiro da região. (Kalna, p.72)

Os Guarani que chegaram ao Espírito Santo, por volta de 1967, foram liderados pela yraydjá, ou líder xamânica, Tãtãtxi Ywa Reté, ou dona Maria, em português. Seu ponto de partida teria sido a aldeia de Pindovy, localizada no Paraguai. Tãtãtxi possuía avós que eram líderes espirituais e que conduziram seus parentes em direção à Argentina, na região de Santa Maria, lá permanecendo durante seis a sete anos. Por volta de 1940, após a morte de um parente chamado Hilário, o grupo decidiu-se mudar para o Rio Grande do Sul, passando por Porto Xavier e São Miguel. De lá, então, partiram para São Paulo, onde per-

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maneceram por cinco anos. [...] Percorreram Parati Mirim, no Rio de Janeiro, até chegar ao Espírito Santo. No estado, passaram pelos mu-nicípios de Guarapari, Vitória e se estabeleceram em Caieiras Velhas, região de Aracruz. Sua longa trajetória fora motivada por inúmeras causas, como a revelação religiosa, os conflitos fundiários, os conflitos internos nas aldeias, o trabalho forçado nas fazendas, a morte de pa-rentes, dentre outros. Ao chegarem em Guarapari, o então prefeito da época prometeu-lhes terra em troca de que se apresentassem como atração turística para o município. Nesse momento, o então chefe da ajudância Minas/Bahia, Itatuitim Ruas, oficializou a existência dos Guarani no Espírito Santo e também dos Tupinikim. Anteriormente a esse período, não era reconhecida a existência de índios no estado. Tal fato deveu-se a uma política estatal de invisibilidade dos povos indígenas no Espírito Santo que permanece até os dias atuais. A che-gada dos Guarani ao estado trouxe à sociedade envolvente a neces-sidade de reconhecer que existiam índios no Espírito Santo. Segundo Perota (1981:35) é a partir da chegada dos Guarani ao estado, que se reconhece também a presença dos Tupinikim, sendo os Mbya os principais responsáveis pela injeção de ânimo da retomada da cons-ciência da identidade étnica dos Tupinikim. O momento em que os Guarani chegam ao estado coincide com o processo de luta pela ter-ra entre os Tupinikim e a empresa Aracruz Celulose, que dura de 1967 aos dias atuais.[...]. A eclosão da luta pela terra deveu-se à não aceita-ção dos Tupinikim em se retirarem de suas terras. A violência ocorria de forma latente na região, através de conflitos entre os Tupinikim e os posseiros pela posse da terra. [...] Os Guarani demonstravam-se contrários a conflitos. No entanto, iniciaram seu apoio junto aos Tupi-nikim, fornecendo-lhes instrumentos e estratégias de luta para o seu movimento, através de interlocuções com a imprensa regional e na-cional e da busca em torno de representantes políticos para divulgar o problema da terra. Nesse contexto de eclosão dos conflitos entre a empresa e os Tupinikim, é que os Guarani são descobertos pela FU-NAI e são levados para a Fazenda Guarani, em Minas Gerais, espécie de presídio para índios desajustados, durante o período da ditadura militar. [...] Na fazenda Carmésia, os Guarani permaneceram de 1973 a 1978, sendo separados dos demais grupos que lá estavam, como Pataxós, Krenak, Tupinikim, Pancararu, Karajá, Maxakali. Os Mbya, por inúmeras vezes, tentaram fugir do presídio. [...] As narrativas da mi-gração dos Guarani revelam muito mais que um aspecto marcada-mente religioso, pois trazem consigo o contato com os brancos, este em oposição às normas de obediência da vida Mbya. No entanto, em suas narrativas orais, a revelação e o sonho de Tãtãtxi têm muito mais força para os Guarani do que suas constantes mudanças em função de conflitos pela terra. [...]Segundo Garlet (1997:19) o recurso à uti-lização do mito permite aos Guarani a possibilidade de recriar sua história, reformular sua noção de território e incorporar fatos, locais e personagens históricos, além de elementos do tempo presente. (TEAO, Kalna Mareto. Arandu renda reko : a vida da escola Gua-rani Mbya. Vitória, 2006. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, p.57-61)

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No Espírito Santo, um testamento datado de 1550 confirma a presença dos primeiros africanos no início do processo de colonização. (SCHAYDER, 2002, p. 75)

As áreas de concentração dos escravos negros africanos que vie-ram para o Espírito santo foram determinadas pela vida econômica da região. Assim, até o fim do século XVIII, em função do cultivo da cana-de-açúcar e da mandioca, e com a criação de gado e a pesca, principal-mente, essa população se localizou nas regiões do Norte, nos atuais municípios de são Mateus, Conceição da Barra e Linhares; Central, nas cidades de Vitória, Serra, Santa Leopoldina, Vila Velha, Guarapari; e Sul, em Anchieta, Piúma, Itapemirim, Marataizes e Presidente Kennedy. (OSÓRIO, C.; BRAVIN, A. & SANTANNA, L. A. Negros do Espírito Santo. São Paulo: Escrituras, 1999, p. 25)

“Os ecos desse passado ainda estavam presentes em 1815, quando viajantes estrangeiros impressionaram-se com o ta-manho de algumas fazendas, como a de Araçatiba, que pos-suía 4000 escravos negros que cultivavam cana-de-açúcar. (ALMADA, V. P. F. Escravismo e transição. O Espírito santo (1850-1888) Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 57)

Atividade 2

Essas leituras pretendem nos provocar em dois exercícios:

2.1. Localizar os fatos e acontecimentos descritos, nos mapas indicados anteriormente.

2.2. Selecionar uma das leituras para se colocar no lugar de um per-sonagem que, tendo vivido o que é descrito, relate como viveu, dirigin-do-se a alunos do ensino fundamental de escolas de povos tradicionais.

4 – Conhecendo para compreender...

Orientações didático-acadêmicas

Este trecho de nosso estudo vai exigir um pouco mais de disciplina para ler, marcar dúvidas ou partes que você pode querer aprofundar: é mais denso. Por isso, escolha seu lugar predileto para estudar. Tenha pa-pel e caneta à mão, para anotações. De vez em quando, vou fazer a indica-ção de um texto, de uma possibilidade de ler mais se você fizer uma busca na rede internet. Aí você vai ler um jeito diferente de um mesmo tema.

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Sabe de uma coisa? Acho que você vai se surpreender como a identidade está colada ao sentimento de auto-estima e como ambas escrevem a história e marcam a produção do espaço geográfico.

Prepare-se para um mergulho na história linda de povos que nos deixam como exemplo a luta pela vida digna. Espero que eu pos-sa provocar em você aprendizagens significativas sobre este tema...

À medida que as populações se ambientaram em determina-das regiões, territorializando seus lugares escolhidos, demarcando li-mites e potencialidades, produziram e consolidaram conhecimentos sobre o meio, elaborando técnicas e adaptando tecnologias, estrutu-rando sistemas produtivos compatíveis à dinâmica dos ecossistemas.

Evidentemente que há impactos e modos de fazer que preci-sam ser revistos. Há mitos e crenças passíveis de provocar dificulda-des ao meio e ao homem, mas estas formas identificam esses grupos, sendo transmitidas oralmente de geração em geração, permitindo-lhes contribuir com a biodiversidade e a sociodiversidade (CANDIDO, 1964). Este saber e o saber-fazer gerados no âmbito destes grupos não urbanos/industriais, dão-lhes a particularidade da tradição que os identifica.

As diversas formas de uso da terra e dos recursos nela dispo-níveis nos permitem notar como o acesso à terra está intimamente ligado a lutas históricas de diferentes grupos sociais em suas estra-tégias de sobrevivência. Isso nos provoca em reflexões que passam pela identificação particular desses grupos sociais, por processos de exclusão e de expropriação do trabalho que executam, no silencia-mento de suas maneiras tradicionais de viver e de expressar seus saberes, fazeres, quereres e poderes. Todavia, segundo estudiosos dos povos tradicionais, foi exatamente essa espoliação que provo-cou a dinâmica de auto-identificarão capaz de assegurar unidade aos distintos grupos dos povos tradicionais, em lutas que possibilitaram avanços legais de reconhecimento de suas identidades para posse de seus territórios e a manutenção de suas histórias e tradições – por mais doloroso e por mais cristalização de diferenças que esse proces-so possa ter gerado.

No caso das comunidades quilombolas e indígenas, a questão da identidade como elemento central para a reafirmação da condi-ção de ser e viver um lugar, tem-lhes garantido o caminho para lega-lização de seus territórios.

A perpetuação da memória, a luta pela terra e o desenvolvi-mento da auto-estima pela manutenção da cultura fortaleceram vínculos entre sujeitos das comunidades e destes com o lugar de vivência, propiciando-lhes gestar alternativas de enfrentamento às estratégias de subjugamento, de silenciamento, de expropriação.

Segundo Carril (2006), a aprovação do Artigo 68 da Constitui-ção Brasileira de 1988, que garante o direito às terras de quilombos, é uma das conquistas dos quilombolas que abriu caminho para novos espaços políticos de reconhecimento de direitos para povos tradicio-nais, materializando lugar geográfico e tempo de história para manu-tenção da cultura desses grupos. Trata-se da vinculação legal entre povo e território, no caso, rural.

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MAS... O QUE SÃO QUILOMBOS? COMO DEFINIR A IDENTIDADE QUILOMBOLA?

Há muitos estudos a respeito do tema, o que comprova a sua importância. Afinal, os quilombos são reconhecidos legalmente na Constituição Brasileira:

Art. 216. Inciso V. § 5º - Ficam tombados todos os docu-mentos e os sítios detentores de reminiscências históri-cas dos antigos quilombos.

Disposições Transitórias – Art. 68 – Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos. (BRASIL, 1988).

Com tal disposição legal, o entendimento do que sejam qui-lombos, no Brasil, parece estabelecer vínculos irônicos entre identi-dade quilombola e territorialidade...

Vejamos como o Conselho Ultramarino de 1740 definiu para o rei de Portugal, o que seria quilombo: “...toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles...”.

Essa definição do Conselho Ultramarino se referia aos lugares onde se juntavam negros fugidos da escravidão. Ela tornou jurídi-ca não apenas a organização territorial dos quilombos, como a as-sociou à identidade daqueles que habitavam tal território: escravos fugitivos. Este ponto, segundo Almeida (1999, p.14-15) se soma ba-sicamente a outros quatro: uma quantidade mínima de sujeitos na formação do grupo; a localização isolada entre obstáculos naturais; um modo rústico de habitação e a capacidade de manutenção. Com base em suas análises posteriores, é possível inferir que o elemento caracterizador do quilombo, observado de maneira crítica e manti-do ao longo do tempo, se concentra na produção autônoma de um modo de viver numa sociedade que exclui e marginaliza aquele que foi o trabalhador sustentáculo do sistema produtivo, expulso dele sem provimento de sua manutenção.

É interessante destacar que atualmente, uma análise mais cui-dadosa sobre a origem e a realidade territorial dos quilombos nos permite identificar outros processos formativos deles, para além de ponto de concentração de negros escravos fugitivos. Pesquisas re-centes colocaram à mostra outras origens diferentes dos quilombos, desde o abandono dos escravos pelos senhores em regiões conside-radas “de ninguém”, nas quais esses escravos constituíram sua mora-dia, até doações de terras para escravos e para santos da igreja, como pagamento de promessas, o que permitia a ocupação dessas áreas pelos escravos alforriados.

Então, é preciso destacar que quilombos não foram apenas ex-

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pressão de fuga, mas de desejo de liberdade, visceralmente entra-nhado nos que não imigraram: mas foram seqüestrados e resistiram, sempre...

Os quilombos também não se reduziram ao isolamento ou à segregação espacial. O território não se esgota numa relação de fi-xação à terra, até porque os limites não são fixos com o intuito de posse: são fluídos no alcance do necessário à sobrevivência. A territo-rialidade está intimamente ligada à identidade do grupo, sua ascen-dência étnica reconhecida como elo de ligação entre os sujeitos para estabelecer e fortalecer suas redes de solidariedade.

De toda forma, como os quilombos se localizavam inicialmen-te em áreas retiradas, os quilombolas desenvolveram uma relação com a natureza em tal ordem de intimidade que se tornaram cam-poneses, extrativistas, pescadores, criadores ou artesãos, extraindo do meio os recursos necessários à vida. Além disto, inventaram ou reconstruíram um suporte cultural capaz de manter sua organização social, incluindo um sistema de trocas com outros quilombos e com vilarejos, marcado por subterfúgios para não colocarem em risco o isolamento necessário, numa perspectiva de auto-sobrevivência.

Dentre as asperezas enfrentadas, mesmo quando deixados como invisíveis para propagação da idéia da falsa democracia racial brasileira, os quilombos não foram esquecidos porque sempre repre-sentaram focos de insubordinação à ordem estabelecida, atraindo so-bre si não só forças legais, mas também forças de espoliação: a terra, a produção e a força de trabalho são objetos de desejo de posse por aqueles que não reconheciam e aqueles que ainda não reconhecem os quilombos como um território de direito daqueles que o habitam.

Hoje, por conseguinte, a condição de ser quilombola inclui não só a negritude, mas também o pertencimento a um grupo antigo, a uma ancestralidade e à tradição cultural, o que significa agregar uma característica importante ao sujeito quilombola no movimento de luta e de conquista: a auto-estima como parte de sua identidade. Esse sentimento tem sido cultivado ao longo do tempo, estimulando outros grupos a manifestarem similar atitude.

No caso dos quilombolas, essa identidade assumida com or-gulho funcionou como amálgama entre os grupos, fortalecendo a tradição e a luta pela sobrevivência em situações de isolamento em relação a outras organizações sociais, assim como de enfrentamento às dificuldades de diferentes ordens.

Essas discussões se aguçaram com a questão de posse da ter-ra. Amorim e Germani realizam uma interessante análise dos olhares que as sociedades lançam sobre os quilombos e os quilombolas:

Há olhares que, contraditoriamente, apontam para o sig-nificado das Comunidades Negras Rurais Quilombolas: o primeiro é o olhar do outro, não de qualquer um, mas sim daqueles que buscam subtrair terras. Para estes suas manifestações são incipientes, buscando o conceito da Coroa Portuguesa, para afirmar o que são, apoiado em historiadores que vislumbravam o aniquilamento des-sas comunidades com o desenvolvimento da sociedade brasileira, simplesmente pela supressão de seus hábitos,

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costumes e valores, como se a imposição de valores exó-genos as fizessem desaparecer. Apoiados em documen-tos elaborados pelo poder repressor, constantemente afirmam não ser significativa esta forma de ocupação da terra. O segundo olhar é o significado dos membros da Comunidade, a qual aponta relatos de seus antepassa-dos, como torturas, delegação das atividades insalubres, estigmatização e segregação por outros grupos. A estra-tégia de formar Comunidades endogâmicas e permane-cer restritivos a indivíduos alheios, são as formas mais eficazes de manter a coesão do grupo contra potenciais inimigos externos. A sua afirmação enquanto negro qui-lombola, está relacionada ao seu conhecimento de um passado específico que o identifique como transgressor da ordem vigente, necessário para exercer sua liberda-de, dentro do sistema que usurpava sua exuberância (AMORIM e GERMANI, 2002, p. )

Assim, a luta pela terra pelos quilombolas, historicamente, re-presenta um exercício contra o processo de exclusão social de comu-nidades pobres e um ensaio de movimento por uma reforma agrária que propicie justiça social para quem trabalha na e com a terra, além de contemplar exemplos de uma relação sociedade e natureza hoje enfatizados e até incorporados por estudiosos quanto a políticas pú-blicas das questões ambientais, projetos de conservação de ecossis-temas e de desenvolvimento sustentável.

COMO OS QUILOMBOLAS TÊM REALIZADO A EDUCAÇÃO ESCOLAR EM SUAS COMUNIDADES? COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS TÊM TRATADO A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NOS QUILOMBOS?

Para discutir essas questões, recorri não apenas à produção bi-bliográfica disponível – pois esta, de um jeito ou de outro pode ser apropriada por vocês, colegas, por meio das muitas indicações e pis-tas que os artigos e textos deste módulo realizam. Convidei colegas a dizerem de suas experiências e ouso contar do que ouvi de profes-soras de escolas multisseriadas localizadas em quilombos, especial-mente no Norte do Estado. Espero que possam refletir sobre essas experiências, considerando-as como indicativos para seu trabalho na educação do campo. Então, vamos à leitura do que nos propõe a Professora Patrícia Rufino, em excerto do texto produzido por essa afroeducadora, especialmente para este módulo:

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A dificuldade de trabalho pedagógico é também uma maneira de valorizar o silêncio diante dos evidentes conflitos étnicos e acaba escondendo a violência racial presente na escola nos levando a repe-tir o que chamamos de preconceito racial dissimulado ou discrimina-ção racial indireta.

Diante de constantes impasses, a escola precisa tornar visível o racismo nela presente, como forma de permitir o enfrentamento positivo nas relações entre sujeitos e grupos sociais, colocando de maneira mais aberta como são significativas e contributivas a cultura e a história da população negra em nosso país. Outra questão so-bre a qual a escola precisa se debruçar para desvelar, são os conteú-dos apresentados nos livros didáticos por meio de textos, gravuras e imagens: neles são encontrados exemplos de distorção da herança africana, que fortalecem o imaginário racista. Nesse caso, as discus-sões em sala de aula são capazes de suscitar questionamentos entre os/as jovens e podem levá-las a (re) interpretar sua negritude. Essas discussões contribuem para ampliação do debate entre as diferentes culturas, desenvolvendo e acentuando o respeito pela história pre-sente nelas.

Se em outra perspectiva a exclusão social se dá de forma mate-rial e simbólica, ao se negar as contribuições e a concreta presença da população negra na história e cultura brasileira, assim como dos povos nativos africanos dos quais, por sua vez, esses brasileiros ne-gros descendem, procede-se uma inversão de posturas: de simples reprodutores, passa-se a produtores multiplicadores dessa exclusão.

Pensemos então, professores e professoras, nesses diferentes contextos selecionando e criando atividades que valorizem a cultura africana no Brasil, enfatizando como exemplo, o papel dos mais ve-lhos, as extensas famílias, os laços familiares que se espalharam no Espírito Santo, as comunidades quilombolas, caminhos criadas no trabalho escravizado e nas rotas de fugas, as contribuições das mu-lheres no trabalho e na organização familiar, as tradições religiosas, os ritmos e danças, dentre tantas outras contribuições. Além disso, embora permeando tudo isso, há que se destacar a discussão de ter-mos escritos e falados que levam a intensas explorações das diferen-ças entre as múltiplas visões de mundo e práticas culturais afro-brasi-leiras. Nesse sentido, as atividades escolares precisam ser planejadas com o intuito de problematizar a cidadania afrodescendente na vi-vência cotidiana dos educandos, promovendo reflexões e mudanças.

(LEIAM O TEXTO NA ÍNTEGRA, NO CD-ROM)

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De uma outra perspectiva, convido à leitura de uma experiência rica de aprendizagens, de afeto e de esperança, vivida com professo-ras de escolas unidocentes de São Mateus, dentre as quais aquelas localizadas em quilombos:

Um pouquinho do que aprendi com professoras e professores de escolas localizadas em quilombos de São Mateus

Em 2009, fui convidada a participar de encontros de formação continuada de professoras de escolas unidocentes localizadas na zona rural de São Mateus. A proposta era trabalhar a aprendizagem de geografia e de cartografia escolar, numa perspectiva que contem-plasse a educação do campo, numa dimensão de práticas docentes apropriadas à especificidade do trabalho dessas professoras. Como companheiras de trabalho, a Professora Doutora Gisele Girardi e a Professora Máris.

Nossa proposta se norteou por discussões sobre o fazer coti-diano das professoras, contemplando o seu saber geográfico e rela-cionando-o com a produção de conhecimento elaborado por outras colegas, considerando-nos, todas, pesquisadoras. Assim, realizamos leituras e discussões sobre o que Sonia Castelar, Lana Cavalcante e Jader Janer nos disponibilizam sobre o modo de aprender geografia pelas crianças e trançamos isso com a realidade que vivenciavam em sala de aula. Fizemos um convite para que elaborassem um projeto de estudo em suas escolas e acompanhamos o desenvolvimento do mesmo, procurando fornecer-lhes sugestões e apoio teórico-prático para sua realização. Não vou me deter em problematizar a rica tra-balheira de todas as professoras de todas as escolas com que e com quem trabalhei: contudo isso independe do tanto que amei fazê-lo e que a importância delas foi significativa para cada uma de nós e para todas nós. É que, agora, preciso dizer das geografias nas escolas de quilombos...

As professoras e professores de escolas localizadas em quilom-bos trabalharam, cuidadosamente, questões relativas às águas das comunidades; à implantação de hortas; ao lixo, o consumo e o des-perdício, dentre outras emergências. A preocupação de nós todas era que tais projetos não ficassem só como tarefa de um curso de formação docente. Queríamos que a geografia e a cartografia que teimávamos em estudar fossem praticadas, pensadas, ampliadas pe-las crianças e pelas comunidades.

Procuramos uma historinha que nos ajudasse a provocar os meninos e meninas a pensar sobre o meio em que viviam, o jeito que cuidavam da vida nele e possíveis propostas para cuidar da natureza e da sociedade de hoje e de amanhã. Procuramos algo que mexesse com a imaginação deles, mitos e fantasias presentes no folclore de suas outras histórias, de suas músicas e de suas crenças. Achamos a história do saci que queria irritar os produtores de uma cidadezi-nha e que acabou ajudando-os a descobrir a reciclagem, parabeni-zado pelo curupira. Adaptamos a história para torná-la possível de

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ser contada de diferentes maneiras: não disponibilizamos o texto, só as figuras.

Foi uma boa provocação! Os projetos foram sendo planejados: uma síntese inicial como

um mapa conceitual, discussões em grupo, preparação de pequenos textos e de materiais como jogos de trilhas, mapas para fazer maque-tes, maquetes para propor organização e cuidados com o lugar e suas riquezas; produção de desenhos, textos e mapas. Tudo foi exercitado pelas professoras, antes de se tornar proposta de estudo nas escolas.

Num dos encontros, brincamos de um pique sobre a natureza. Trata-se de um pique no qual é preciso mapear, planejar a ocupação do espaço, correr para salvar espécies, entender que é preciso garan-tir equilíbrio dos ecossistemas e registrar tudo para não esquecer.

Você quer saber como é esse pique? Então, prepare-se para en-tender:

É preciso fazer três tiaras de papel cartão para cada participan-te: uma vermelha, outra azul e mais uma, verde. A tiara azul é para on-ças. A azul para preás e a verde para arbustos. Contudo, todo mundo deve ter e levar consigo as três tiaras.

O jogo deve ser realizado num espaço aberto e bom para correr sem obstáculos que provoquem quedas ou encontrões.

No começo, cada um escolhe o que ser primeiro: as onças co-locam a tiara vermelha na cabeça e as outras duas no pulso. As preás usam a azul na cabeça e, como as onças, as outras duas no pulso. Também os arbustos usam a verde na cabeça e as outras duas...no pulso!

Uma pessoa anota num “mapa” a disposição e a quantidade de cada tipo de participante nele. As onças formam uma espécie de cír-culo externo, depois, mais no centro, de forma irregular se dispõem as preás e entre elas e as onças, dispõe-se os arbustos.

Arbusto não se move, não corre. Os arbustos serão a comida das preás. Mas, só vale uma preá por arbusto. E preá que está comen-do, onça não pode pegar: pecado comer quem está comendo... Se os arbustos forem comidos, viram preás, não é mesmo?

As onças que não comerem, morrem e nascem de novo como arbustos. Adubam o chão e fazem nascer plantas... Onças que comem preás, fazem com que elas virem novas onças – não foi para a barriga delas que as preás foram parar???? Preás que não comem arbustos, também morrem e viram arbustos...

Assim, quando o coordendador apita, todo mundo corre: onça atrás de preá, preá atrás de arbusto... Só o arbusto fica paradinho – até virar preá...

O registro muda a cada jogada. Cada “mapa” mostra a mudança ocorrida: às vezes, uma população (de onças, de preás ou de arbus-tos) some.

Aí se discute o desequilíbrio ambiental. Fina interação com a história, com a matemática, com as ciências... O espaço geográfico muda sempre, de acordo com a (re)construção que as sociedades fa-zem dele. A categoria lugar geográfico aparece nas relações de afeto

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e desafeto: eu fico mais cá para o lado da sombra, que ninguém me vê, diz uma professora-preá. A onça, matreira, descobre, também, que a paisagem muda, mostrando “o novo (desenho, que mostra a nova concentração de arbustos, mais à esquerda) está no velho (de-senho anterior, quando havia menos arbustos)” como ensina Milton Santos. A região é “montada” pelos arbustos, cujos interesses, pela água, pelo vento, são movidos pelo clima, pela paisagem, os definem como uma concentração ou um vazio regional... O trabalho é da cap-tura, o consumo também está ali, as sociedades são os grupos de sujeitos de uma dada espécie, o tempo marca o desenrolar do jogo e das mudanças...

As professoras correram e riram muito. Logo surgiram suges-tões de alternativas para o jogo: escravos, capitães-do-mato e senho-res coronéis; latifundiários, camponeses e a terra; professores, alunos e conhecimento; os mais velhos (a sabedoria), os mais novos (o vigor) e o tempo...

As geografias que trabalhamos juntas passaram pelas tentati-vas de compreender a origem do mundo, comparando explicações da ciência e aquelas povoadas de mitos e deuses, contadas de ge-ração para geração do povo quilombola, hoje mescladas às influên-cias cristãs e de outros saberes. Dessas lembranças, laço uma outra: a de uma lenda Yorubá (ANDREI, 2007), lida num Caderno UniAfro, da Universidade Estadual de Londrina, que faço questão de indicar para leitura e da qual ouso apresentar um recorte:

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No meio de nossos estudos, a vida fluía. Entre um encontro e outro, coisas aconteciam e quando nos juntávamos, as histórias so-bre esses encontros vinham em ondas: uma ventania que derrubou parte de matas de eucalipto, como se fora uma roçada “igual a que fazem na Amazônia e que fizeram em nossas matas – só que dessa vez foi a natureza” disse uma professora. Outra arrematou: “Esse ven-to não tem parte com o diabo, tem parte com o que estão fazendo com o planeta...” A consciência dos impactos causados por um modo exploratório sem limites foi apresentada com simplicidade. Eu lhes perguntei: vocês falam isso com os meninos? Elas me disseram que falam e que discutem. Uma delas foi logo me mostrando fotos que registrou ao longo do caminho, no dia da tempestade de vento. Elas me contaram como também convidam as pessoas mais velhas para contarem às crianças sobre o tempo, sobre como eram os riachos, a caça, a pesca, o plantio, a colheita em outras épocas, “quando chovia direitinho, quando o chão não era seco como agora”. A geografia ia fluindo assim, em nossas conversas sobre a relação sociedade e na-tureza: a intensa relação entre o clima e as formas de produção das sociedades, entre as diferenças percebidas por causa de monocultu-ras como o eucalipto hoje e o café cultivado ontem, substituindo as matas nativas com o seu desenho irregular e sua multiplicidade de espécies; como a pastaria foi descobrindo o chão e secando riachos, como o cacau por baixo de árvores centenárias foi se enchendo de pragas e fazendo os camponeses tornados empregados e desem-pregados irem para as periferias das cidades, como foi ficando difícil para as comunidades quilombolas manterem suas terras e seus cos-tumes porque tudo hoje obedece à televisão e suas propagandas... Essa simplicidade no trato com os saberes não perde a riqueza do que precisa ser repensado pelos jovens, pelos adultos e aprendido pelas crianças. O saber que associa marcas das disciplinas de escola ia sendo revisitado com exemplos de fazeres como a produção de hortas medicinais e de roças de vegetais cultivados com cuidados or-gânicos, o querer e o poder disputando lugar com os mandos de con-sumo e de produção diferentes da cultura tradicional das comunida-des. Nada era pensado como conquista definitiva: cada visita com as crianças a uma nascente era um recolher de lixo feito de plásticos e descartáveis, cada plantio de árvores nativa era uma esperança, mas também um desafio: como manter e multiplicar? E quando o curso acabasse, as maquetes que mostravam o como foi, o como está e o como se queria que fosse ficariam como entulho didático até virar mais lixo ou seriam promessas de um fazer de novo e mais uma vez...? Cada mapa de projeto de uma escola era estudado pela professora de outra escola, como se fosse o próximo capítulo da história que se pretendia continuar.

A apresentação dos projetos foi um corre-corre. Todo mundo queria anotar e todo mundo queria contar como foi. As professoras me diziam do envolvimento da comunidade. Em algumas comuni-dades, os projetos foram apresentados à sombra de árvores, para o povo todo. Mas, todas nós sabíamos que poderíamos ser tolhidas

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pela mudança de coordenação das escolas, pela emergência da ro-tina embrutecedora do dia a dia... Daí, que era preciso juntar muitos exemplos, muito conhecimento, muita força.

Mas, é possível acreditar:

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Olhem o que fizeram professoras em Escolas Quilombolas

Escola Pluridocente Municipal ‘’Córrego do Chiado’’- São Mateus-ES

Diretora Escolar: Marizete Soares Henriques.Professoras: Audilene Oliveira Batista e Gilcilene Souza Pereira

MAPA DE PROJETO PEDAGÓGICO 09-10-2009

PLANEJAMENTO

PROBLEMA: FALTA DE ÁGUA

QUESTÕES:De onde vem a água? Por que a água é escassa? Como é utilizada a água?O que provoca e o que evita a poluição?

HIPÓTESES:A água é escassa, porque é desviada para molhar plantações e dar água para gado. Assim, parece que a criação de gado e as plantações de café, pimenta do reino, etc, que tem na comunidade, são mais im-portantes do que ter água na escola e nas casas. A água não vai aca-

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bar, por isso não é preciso cuidar. Essa idéia errada é que precisa ser discutida e estudada com as crianças, em ações com a comunidade.

CONTEÚDOS CONCEITUAIS:Poluição da água: como evitar;A água como recurso esgotável;Usos da água;Relevo e hidrografia: de quem é o mundo?

CONTEÚDOS ATITUDINAIS:Valorização da água;Preservação:Conscientização de consumo.

CONTEÚDOS PROCEDIMENTAIS:Pesquisa de campo e entrevista com um pai e morador da comuni-dade;Desenho da pesquisa;Croqui da pesquisa;Elaborar uma maquete da comunidade (localEstudo do meio e ações de preservação do meio ambiente;Montagem de gráficos com dados da pesquisa

ATIVIDADES PROPOSTAS:Conhecer os arredores da escola;Pesquisar fatores que interferem na falta de água e na poluição dela;Confecção de painéis com desenhos e fotos.

Debates sobre o que foi pesquisado:

O que significa para a comunidade o que é visto no retrato?

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O que se aprende na escola a respeito do que vemos no retrato?

Qual e o tipo de vegetação e que tipo de relevo podemos ob-servar na foto? Como será que era esse lugar há tempos atrás? O que a comunidade pode fazer? O que a escola ensina e que pode ajudar?

Filmes Recomendados

Pois é, se podemos contar histórias, podemos indicar outras. Como o vídeo produzido pelo Projeto Araçá, o qual, por sua vez, indi-ca outros tantos vídeos no site :

http://www.saomateus.es.gov.br

E têm mais. ..

O livro ao lado, por exemplo, permite pensar sobre a viagem nos navios negreiros...

Vamos exercitar os conhecimentos adquiridos numa mistura boa com aqueles que já existiam e com a imaginação:

Cinqüenta dias a bordo de um navio negreiro traz o relato do reverendo Pas-coe Granfell Hill (1804-1882), que, em meados do século XIX, acompanhou a Ma-rinha britânica na captura de um navio que transportava escravos negros para o Brasil. A liberdade, no entanto, só viria depois de uma outra longa jornada, na qual os africanos continuariam vivendo em condições precárias e de semi-servidão: na viagem que Hill descreve neste seu diário, entre Quelimane e Cidade do Cabo, 163 das 444 pessoas - das quais 213 eram crianças - que se encontravam nos porões. “Uma tragédia potencializada pela alternância climática que alongou a viagem, mas também pela evidente inexperiência dos novos tripulantes do negreiro apresado”, escreve na introdução o historiador Manolo Florentino.

“É terrível este livro. E importante, apesar de pequenino”, afirma Alberto da Costa e Silva. “Sua importância reside em nos mostrar o que podia suceder - e isto

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parece não ter convocado a boa atenção dos historiadores - a um navio carregado de escravos, após a sua captura por um barco de guerra britânico... Ser conduzido para os porões de uma embarcação negreira era, com raríssimas exceções, o co-meço de uma viagem sem retorno, na qual se perdia para sempre o lar, a família, a linhagem e a pátria.”

Em uma passagem particularmente forte, Hill descreve a imagem da manhã seguinte a uma tempestade em alto mar, na qual quatrocentos negros, teoricamen-te livres, foram obrigados a ocupar um porão de 70 m²: “Alguns estavam enfraque-cidos por doenças e outros feridos e ensangüentados. Antonio disse-me que uns foram encontrados estrangulados, suas mãos agarrando um a garganta do outro, as línguas para fora de suas bocas. As vísceras de um estavam expostas e esmigalha-das. A maioria deles tinha sido pisoteada até a morte, os mais fracos sob os pés dos mais fortes, na loucura e no tormento de sufocar pelo calor e pela multidão.”

Atividade 3

3.1. Leia a crítica sobre o livro, como forma de internalizar como deveria ser uma viagem em navio negreiro...

3.2. Elabore um diário de bordo assumindo o papel de uma per-sonagem (um capitão, um feitor, um marinheiro, um negro ou uma negra, uma criança negra, uma mãe negra com o filho...). Relate como sentiria a viagem.

3.3.Para esta tarefa, use um mapa mundi. Transfira-o para uma transparência, com a canetinha adequada. Marque no mapa o local de saída do navio, num ponto da costa africana. Pesquise so-bre o local escolhido para dizer dele em seu relato. Trace a prová-vel viagem no mapa e o ponto de chegada no litoral brasileiro. Re-pita o processo de pesquisa sobre o local, reportando-se à época. Junte o mapa e o relato numa pasta bonita e, ...vamos, troque-a com um colega para ler outros relatos.

Penso que “reinventar” essa viagem promoverá novos modos de sentir a vida e de acolher o outro, assim como promoverá uma postura ativa em quaisquer circunstâncias de marginalização de pes-soas e de povos na sociedade global ou local .

A tristeza, às vezes, se transforma em obra de se admirar. Da dor nasce a denúncia, que toma feição do belo – paradoxalmente dor e beleza se aninham, côncavo e convexo...Problematizar a estética que torna bela e bu-cólica a arte, do mesmo jeito que permite a invisibilidade ou o desprezo na vida...é o de-safio. Pensar, falar, registrar.

Crianças negras - Obra de Emmanuel Zamor

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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PARA CONTINUAR PENSANDO E ESTUDANDO...

A Lei 10.639/03 estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacio-nais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Com base nessa medi-da legal, as anteriores ações de educadores compromissados com o desejo de valorização dos povos afrodescendentes, urbanos e rurais, rumo ao enfrentamento de quase quatro séculos de dominação, ga-nharam força e se tornaram exemplos a se pensar, complementar, ampliar. Ainda que esses povos estivessem subjugados a condições de espoliação da dignidade e da cultura, eles trançaram suas expe-riências pessoais de resistência, de sofrimento e de enfrentamento às características culturais de suas vidas e de seus ancestrais, com as formas de viver no lugar de seu aprisionamento e escravidão – no caso, o Brasil. Do hibridismo resultante, não apenas engendraram sua história no tempo, com suas identidades ressignificadas, como pres-taram um imenso trabalho produtivo, criativo e estético ao Brasil, es-pecificamente, ao lugar onde estabeleceram sua territorialidade.

Essas reflexões, ainda que simplificadas, mostram, em si, o po-tencial de trabalho pedagógico que se pode e que é preciso elabo-rar: a diversidade dos sujeitos trazidos ao Brasil como escravos abre o leque de possibilidades de relações entre os conteúdos da História e da Geografia escolares, tais como uma gênese da História da África em intensas relações com a História do Brasil e do lugar, provoca a urgência de uma análise dos diferentes lugares de onde vieram esses sujeitos, suas paisagens, regionalizações e territorialização dos espa-ços geográficos elaborados por esses povos, o modo de produção, de trabalho, de consumo e de proteção aos seus grupos sociais e ao ambiente que habitam... Permeando esses estudos, pulsa a ênfase à desmistificação dos estereótipos que favorecem a discriminação e ao preconceito. Uma das grandes ações de educadores é o esforço, individual e conjunto, em não permitir o alheamento à própria his-tória e à própria identidade do brasileiro, como uma forma de pro-mover a aceitação da pluralidade cultural e o acolhimento do outro. Daí a necessidade de rever conteúdos nos currículos escolares, em especial, nos documentos que tentam apreender o seu “que fazer” e “como fazer”. Os livros didáticos, como ferramentas usuais no traba-lho docente, precisam ser avaliados com cuidado para além daqueles envidados pelas normas e pelo trabalho das equipes do PNLD: eles precisam permitir a inserção da vida cotidiana, a vida que se vive e se sonha como promessa de fazer, no lugar da escola. O PPP da escola deve se impregnar do desejo de superação do sofrimento imposto aos ancestrais e aos afrodescendentes atuais, resgatando no encon-tro entre a história dos antepassados e na “identidadestima” do me-nino e da menina quilombola, a aposta na organização comunitária que permita uma vida justa, digna e feliz.

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...E QUEM PENSA QUE SÓ NOS QUILOMBOS PRECISA SER ASSIM?

Que tal mergulharmos agora no universo das escolas indíge-nas do nosso estado (pensando, também, outros lugares com elas...), na busca de conhecer e compreender como nossos povos indígenas se reterritorializaram em tanto tempo de dominação, manipulação e expropriação cultural, econômica, histórica, social? Vamos começar a nos aproximar da história vivida pelos grupos indígenas Tupis e Gua-ranis, na tessitura feita por eles e por aqueles com os quais convivem, mesmo que não do jeito que poderia ser mais bonito contar...

Era uma vez...

Era uma vez... um mundão bonito de verde de matas, de azuis de águas em todos os tons, de pardo de chão de montão de textu-ras, de bichos multicores ágeis na azáfama de providenciar a vida. No meio disto tudo, nas bordas disto tudo, homens e mulheres, cujas cores brincavam entre o vermelho do urucum e do negro da tinta do jenipapo, fazendo fita de penas coloridas, de sementes cheirosas, de pele exposta ao sol... Dizem, nas histórias contadas deste lugar, que moravam uns cinco milhões de pessoas por lá – isto é, por aqui, que este mundão é o Brasil e cá estamos... Se já conheciam povos que chegavam em barcos grandes na costa, não sei, mas alguns indícios, teimam em atiçar a crença de que sim.

Eu moro em Vila Velha e para ir ao trabalho, passo pela ponte que liga o continente à Ilha de Vitória, curvando nela entre o Morro do Convento da Penha e o Morro do Moreno. Às vezes, minha visão periférica arrisca um olhar para as encostas e me imagino lá, nos idos de 1553... Pés no chão nada macio, formigas e mosquitos em azáfa-ma perto de mim, vento na cara...Não é tão fácil viver assim, mas não se sabe de outro jeito de viver... Vejo uma outra paisagem e sinto o espanto tentar entender o que é uma caravela avançando nas águas da baia de Vitória. Penso como deve ter sido o encontro com outros humanos tão diferentes: medo? Curiosidade? Raiva? Pulsa adrenalina pura na tentativa de ver e não se deixar ver. E a história dispara em espirais difusas até me pegar de novo sentada no carro, pensando como escrever, para professores, sobre os povos indígenas do meu rincão natal, o Espírito Santo. E eu volto aos estudos...

Leitura Sugerida

Três grandes pesquisadoras sobre os indígenas do Espírito Santo disponi-bilizaram os seus estudos em forma de textos especialmente escritos para este módulo (COTTA, 2010 e AL-MEIDA, 2010) e a dissertação (TEAO, 2006) em:

http://www.ppge.ufes.br/disserta-coes/2007/KALNA%20MARETO%20TEAO.pdf

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Atividade 4

Para provocar novas aprendizagens, recortei excertos destes trabalhos para explorar histórias e geografias do viver e do aprender dos povos indígenas no Espírito Santo. Também juntei um excerto de um dossiê do CIMI.

Convido você a ler os estudos e...

4.1. Montar um belo painel, com excertos de textos, com figu-ras, com dados e notícias veiculadas em livros e periódicos...

4.2. Problematizar a representação da vida dos indígenas, no passado ou nos tempos atuais, pelas sociedades não-indígenas e pela educação escolar indígena.

No Brasil existem 250 povos indígenas, que apresentam dife-rentes situações e concepções de territorialidade, situação que re-percute diretamente sobre o modo de vida de cada um deles. Ve-jamos o caso dos povos indígenas do Espírito Santo, localizados no município de Aracruz-Espírito Santo, que são os Tupinikim [...] e os Guarani[...].

Estes dois povos se relacionam de forma diferenciada com o território.

Os Guarani, se necessário, realizam deslocamentos territoriais em busca da terra sem males, onde possam realizar o modo de ser guarani.

O povo Tupinikim pertence ao grupo Tupi que, no século XVI ocupava a costa brasileira desde o Rio Grande do Norte, passando pelo Espírito Santo até o Paraná.[...] A territorialidade Tupinikim é mar-cada pela memória e pela ancestralidade. Nesse sentido, a perda do território ancestral causou grande sofrimento ao povo Tupinikim [...](COTTA, 2010)

Os Guarani são a maior população indígena do país, contan-do com aproximadamente 35 mil habitantes (Ladeira, 2004).[...] Em nosso país, os Guarani dividem-se em três subgrupos: os Mbya, os Nhandeva e os Kaiowá. Os Mbya encontram-se localizados nas regi-ões litorâneas do sul e sudeste [...] Os índios guarani do Espírito Santo são classificados pelos antropólogos como Mbya, embora prefiram autodenominar-se como Nhandeva, pois, segundo os indígenas, esta denominação significa nossa gente e Mbya refere-se aos outros ín-dios que não os Guarani.[...] Segundo Ladeira (1992), os Mbya são o único subgrupo que continua em dias atuais migrando à procura da Terra sem Males.[...] Ladeira (1992) atribui a busca pela Terra sem Ma-les a uma procura dos Guarani por condições essenciais ao seu modo de ser, o nhandereko. Primeiramente, os Guarani buscam um tekoa,

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um lugar apropriado ao seu modo de vida e que reúne condições fí-sicas como a proximidade à região de Mata Atlântica e ao mar, a leste. Para Werá Djekupé, liderança política de Três Palmeiras, os Guarani procuram a terra, mas atingir a Terra sem Males não significa somente encontrar a terra enquanto ambiente físico. Segundo ele, para con-seguir alcançar a Terra sem Males, os Guarani devem obediência às normas de vida em sociedade como: não ingerir bebidas alcoólicas, respeitar os mais velhos e os caciques, não se casar com os brancos, não freqüentar forró, respeitar a natureza, ir à Casa de reza, pedir per-missão aos espíritos para caçar e pescar. Para Ladeira (2001: 184), o tekoa são os lugares onde os Guarani formam suas aldeias. O teko pode significar “ser, estar, sistema, lei, cultura, norma, tradição, com-portamento, costumes”. O tekoa consiste então, o lugar onde existam condições apropriadas ao exercício do modo de ser guarani.

Os Guarani que chegaram ao Espírito Santo, por volta de 1967, foram liderados pela yraydjá, ou líder xamânica, Tãtãtxi Ywa Reté, ou dona Maria, em português. Seu ponto de partida teria sido a aldeia de Pindovy, localizada no Paraguai. Tãtãtxi possuía avós que eram lí-deres espirituais e que conduziram seus parentes em direção à Ar-gentina, na região de Santa Maria, lá permanecendo durante seis a sete anos. Por volta de 1940, após a morte de um parente chama-do Hilário, o grupo decidiu-se mudar para o Rio Grande do Sul, pas-sando por Porto Xavier e São Miguel. De lá, então, partiram para São Paulo, na aldeia de Rio Branco, onde permaneceram por cin-co anos. Seguiram para a aldeia de Itariri, Rio Comprido, Rio Silvei-ra e Ubatuba. Formaram a aldeia de Boa Vista, ainda em São Paulo. Percorreram Parati Mirim, no Rio de Janeiro, até chegar ao Espírito Santo. No estado, passaram pelos municípios de Guarapari, Vitória e se estabeleceram em Caieiras Velhas, região de Aracruz. Sua lon-ga trajetória fora motivada por inúmeras causas, como a revelação religiosa, os conflitos fundiários, os conflitos internos nas aldeias, o trabalho forçado nas fazendas, a morte de parentes, dentre outros. (TEO, 2006)

BREVE HISTÓRICO (1500 – 1967) Os Tupinikim

Em 1500 os Tupinikim ocupavam um vasto território, hoje com-preendido pela área situada entre o sul da Bahia e o Espírito Santo. A população indígena estava estimada em 55 mil habitantes, mas ela foi se reduzindo drasticamente em virtude dos conflitos com o colo-nizador, das doenças e da política de aldeamentos. (1)

A presença dos Tupinikim na região litoral de Santa Cruz foi re-gistrada por inúmeros viajantes que passaram por esta região nos séculos XVI a XIX, inclusive o imperador do Brasil Dom Pedro II. Em 1610, os Tupinikim “receberam” da coroa portuguesa uma sesmaria de terras correspondente a seis léguas em quadra. Baseada nesta sesmaria, a terra dos Tupinikim teve a sua primeira demarcação em 1760, cujos limites iam de Capuba (perto de Jacaraípe) até Comboios, com 61 km de costa e 37 km de litoral para o interior. Este território

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foi sendo progressivamente invadido e muitas vilas e cidades surgi-ram. (1)

A Lei das Terras de 1850 levou muitas famílias indígenas na re-gião de Santa Cruz, preocupadas com a garantia de posse das suas terras, a registrar as mesmas em 1852 na paróquia de Freguesia da Vila de Santa Cruz. No próprio registro da Freguesia da Vila de Santa Cruz, o pároco, responsável pelo “cartório”, faz referência às proprie-dades indígenas registradas escrevendo “..em terras da sesmaria dos índios..” (2)

Na primeira metade do século XX os Tupinikim habitavam a re-gião que circunda o atual município de Aracruz, vivendo dispersos em quase 40 aldeias, no meio de milhares de hectares de mata atlân-tica. Estas florestas permitia-lhes viver da caça, pesca, coleta de fru-tas e plantas medicinais. Havia muita caça entre os quais tatu, caititu, paca, onça, cotia, veado, lagarto, tamanduá, jacu, jacupemba e jacu-tinga. Usavam várias espécies de armadilhas, inclusive para a pesca e coleta de mariscos no mangue. O mangue serviu para coleta de materiais para construção de casas, confecção de armadilhas, cestos, gamelas, tambores, etc. Na mata tinha inúmeras frutíferas a exemplo de guati, araçá, peri, maracujá, sapucaia, grão de galo, ingá, gabiroba, pitanga, etc. Praticavam uma agricultura itinerante e dispersa, usan-do sementes tradicionais e dispensando qualquer uso de fertilizantes ou agrotóxicos. Neste sistema sustentável plantavam principalmente mandioca, milho, feijão, cana e café. (1)

O sistema de produção agrícola contribuía na distribuição dos Tupinikim em tantas aldeias. Nestas aldeias moravam as várias famí-lias. A família era o nível básico das relações sociais no povo. Além disso, existia um comércio constante de troca de produtos entre as aldeias e as famílias para conseguir outros produtos necessários para a sobrevivência. Esta troca era mais intensa na hora das festas, das quais se destacam os Comemorativos com o Tambor, que tem início no dia 01 de novembro de cada ano, com a Festa de São Benedito, e encerra-se no dia 02 de fevereiro. Neste modo de vida os Tupinikim conseguiam obter da mata atlântica e dos rios e córregos todos os recursos necessários à sua subsistência sem afetar o meio ambiente, garantindo a sustentabilidade deste sistema.(1)

Em meados de 1940 aproximadamente 10 mil hectares de ter-ras usadas pelos Tupinikim foram ocupadas e desmatadas pela em-presa COFAVI (Companhia Ferro Aço de Vitória). O restante das ter-ras indígenas, aproximadamente 30.000 hectares ficou intacto até meados dos anos ’60, ou seja, até a chegada da Aracruz Celulose na região.(2)

1.Dossiê “Campanha Internacional pela Ampliação e Demar-cação das Terras Indígenas Tupinikim e Guarani”. CIMI, Aracruz, 1996 (baseado no “Relatório Final de Reestudo da Identificação das Terras Indígenas Caieiras Velhas, Pau Brasil e Comboios; Grupo Técnico, Por-taria No. 0783/94 de 30 de agosto de 1994”)

2.Registro das Terras em atendimento ao Regulamento no. 1918 de 30/01/1852, Vigário Manoel Antônio dos Santos Ribeiro, Fre-guesia da Vila de Santa Cruz, 1852.

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Distribuição geográfica de povos indígenas à época da colonização:

Mapa do Espírito Santo - Fonte: A Gazeta, 1996

Mapa do Brasil - Fonte: Cotta, 2010

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Atividade 5

5.1.Valendo-se dos mapas que Cotta (2010) usa em seu estudo, elabore uma atividade que você trabalharia em turmas de escolas campesinas para discutir a situação dos indígenas brasileiros hoje.

5.2.Usando mapas da América do Sul, do Brasil e do Espírito Santo, analise as informações encontradas no texto de Kalna TEAO (2006) para projetar uma possível caminhada dos Guarani até o mu-nicípio de Aracruz-ES, na busca da Terra Sem Males.

Aproveite para apontar duas diferenças enfrentadas por eles no espaço geográfico.

Mapa 1- Mapa do Território Guarani no Brasil

Fonte: Biodinâmica, 2005.

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Mapa 2 - Aldeias Guarani no Espírito Santo

Fonte: Biodinâmica, 2005.

Lendo e relendo sobre os povos indígenas, algumas provoca-ções me pareceram interessantes de socializar com você, numa pers-pectiva de análise geográfica e histórica, com possibilidades interdis-ciplinares mais amplas...

Os números disponíveis nos estudos sobre os povos indígenas são díspares, pois representam metodologias e objetivos de pes-quisa diversos entre si. Torna-se importante avaliá-los num contex-to amplo, inserido no texto em que são apresentados, mas podem, também, favorecer exercícios de tabulação e de mapeamento, inte-ressantes para a geografia que se ensinaprende...

Atividade 6

Vamos usar dados, que você considera significativos, dos excer-tos de textos a seguir, para criar tabelas, gráficos e mapas que repre-sentem as situações descritas.

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REFLITA: ESTES DADOS FAVORECEM A COMPREENSÃO DA IM-PORTÂNCIA DA PESQUISA SOBRE A SITUAÇÃO DOS POVOS IN-DÍGENAS NO BRASIL? É POSSÍVEL RELACIONAR OS DADOS OB-TIDOS À AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS APLICADAS A ESSES POVOS? JUSTIFIQUE SUA POSIÇÃO.

Estimativas demográficas apontam que por volta de 1500,

quando da chegada de Pedro Álvares Cabral à terra hoje conhecida como Brasil, essa região era habitada pelo menos por 5 milhões de índios. Hoje, essa população está reduzida a pouco mais de 700.000 índios em todo Brasil, segundo dados de 2001 do IBGE. A Funda-ção Nacional do Índio (FUNAI) e a Fundação Nacional de Saúde (FU-NASA) trabalham com dados ainda muito inferiores: pouco mais de 300.000 índios. Essa diferença ocorre em função de diferentes méto-dos utilizados para a obtenção de dados. A FUNAI e a FUNASA, por exemplo, trabalham apenas com as populações indígenas reconhe-cidas e registradas por elas, geralmente as populações habitantes de aldeias localizadas em terras indígenas reconhecidas oficialmente. Nos dados da FUNAI e da FUNASA, portanto, não está contabilizado o grande número de indígenas que atualmente reside nas cidades ou em terras indígenas ainda não demarcadas ou reconhecidas, mas que nem por isso deixam de ser índios. O IBGE utilizou o método de auto-identificação para chegar aos seus números, o que parece ser mais confiável e realista. Além disso, ainda existem povos indígenas brasileiros que estão fora desses dados, inclusive os do IBGE, e que são denominados “índios isolados”, ou índios ainda em vias de reafir-mação étnica após anos de dominação e repressão cultural.

Os dados da FUNASA são importantes no que se refere às infor-mações sobre as populações indígenas que vivem nas terras indígenas.

Segundo dados do Sistema de Informação de Atenção à Saú-de Indígena/ SIASI/FUNASA, o contingente populacional habitante das terras indígenas reconhecidas pelo governo brasileiro e cadas-trado pelo Sistema é de 374.123 índios, distribuídos em 3.225 aldeias, pertencentes a 291 etnias e falantes de 180 línguas divididas por 35 grupos lingüísticos (FUNASA, Relatório DESAI, 2002:3). Dos 374.123 indígenas atendidos pela FUNASA, 192.773 são homens e 181.350 são mulheres.

Ainda segundo os dados da FUNASA, a população indí-gena está dispersa por todo o território brasileiro, sendo que na região Norte concentra-se o maior contingente popula-cional indígena, com 49%, e na região Sudeste está o menor contingente populacional indígena do país, com apenas 2%. LUCIANO, G. S. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber so-bre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília:.Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006, p. 24-27

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O Brasil não tem ainda uma estimativa precisa sobre a popu-lação indígena em seu território. Como até hoje nunca se fez um censo indígena, as contagens variam e oscilam na medida em que se baseiam em informações de diferentes e heterogêneas fontes. Em todas as hipóteses, entretanto, trata-se de uma população pro-porcionalmente pequena, se comparada à totalidade da população nacional. Para efeitos desta publicação, estaremos considerando os números utilizados pela FUNAI, que informa existirem hoje no Brasil 215 povos indígenas, com uma população de aproximadamente 345 mil índios, o que representa cerca de 0,2% da população nacional. De acordo com a FUNAI, estes números referem-se somente aos índios que vivem em aldeias, estimando-se a existência de cerca de 100 a 190 mil outros vivendo fora de terras indígenas, inclusive em cidades, enquanto há ainda indícios de mais ou menos 53 grupos sem qual-quer contato com a sociedade (isolados), fora aqueles que começam a reivindicar a condição de indígenas (denominados “emergentes” ou “resistentes”). Por outro lado, uma coisa é bastante certa: a diversida-de sociocultural dos índios no Brasil é enorme. Falam cerca de 180 línguas distintas do idioma oficial, com usos, costumes e tradições diferenciadas, isso sem mencionar o imenso patrimônio ambiental abrigado em suas terras, que oferece possibilidades de garantir um desenvolvimento sustentável, em especial na Amazônia brasileira.

Até o momento, foram reconhecidas 582 terras indígenas em território nacional. A extensão total dessas terras alcança 108.429.222 hectares, o que equivale a 12,54% de todo o território brasileiro. Vale notar ainda que a maior parte dessas terras está localizada na Ama-zônia. São 405 terras indígenas na chamada Amazônia Legal, so-mando 103.483.167 hectares, ou seja, praticamente 99% do total da extensão das terras indígenas do país concentram-se nessa região, sendo que ali vivem aproximadamente 60% da população indígena do país. Os outros 40%, portanto, vivem espremidos no pouco mais que 1% restante de terras, espalhadas ao longo das regiões Nordeste, Sudeste, Sul e do estado do Mato Grosso do Sul.3 As terras indígenas fora da Amazônia, em geral, são áreas diminutas e maciçamente po-voadas, palco de constantes conflitos entre índios e não-índios e de inúmeros problemas resultantes de um inchamento populacional. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença / Ana Valéria Araújo et alii - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006, p. 24-25

As informações sobre os povos indígenas não podem ser traba-lhadas na educação escolar, em quaisquer escolas, como se apenas fossem dados sobre sujeitos “estranhos”. Uma das formas de enfren-tamento à discriminação étnico-racial é o conhecimento, uma das formas de acolhimento ao outro é a compreensão de sua cultura... Tanto quanto os afrodescendentes, os indígenas articularam a iden-tidadestima como forma de manutenção de sua cultura e como en-frentamento às expressões de exclusão social. Os dados dos textos

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anteriores se juntam à compreensão de que não adianta assumir uma postura de “bonzinho” ou “simpático” a essas questões: é preci-so compreendê-las como compromisso de luta educacional, postura política comprometida com um fazer que interfira de fato na socie-dade brasileira contra a segregação dos povos tradicionais, contra idéias como “muita terra para pouco índio”, contra o desconhecimen-to. Assim, é possível continuar tendo alento, esperanças:

De todo modo, as perspectivas indígenas de agora são outras em relação às de vinte anos atrás, quando iniciei a luta junto ao meu povo.

Hoje, os índios conseguiram recuperar algo que naquela época se imaginava impossível ou indesejável: a auto-estima. Junto com a auto-estima foi sendo recobrada a identidade étnica, como uma reali-zação individual e coletiva, mas também como cidadania reconhecida pela sociedade e pelo Estado. Hoje, quando vejo os povos indígenas cada vez mais presentes em todos os aspectos da vida nacional – cul-tura, agenda de governo, mídia nos seus diversos segmentos, pesqui-sa, vida universitária, esportes, política parlamentar e partidária – co-meço a acreditar que a questão indígena pode ter não somente maior visibilidade e relevância na vida nacional mas, sobretudo, um espaço próprio de autonomia e de liberdade para que se decida como vi-ver nesse mundo atual com todas as suas vantagens e desvantagens. (Luciano, Gersem dos Santos. O Índio Brasileiro: o que você pre-cisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Mi-nistério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabe-tização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006., p. 21)

Mas, não se esgotam assim as questões relativas à esco-larização dos indígenas: há ainda a complexidade da formação de professores; há as limitações da transição de conhecimen-to entre culturas e os cuidados para que não haja superposição ou silenciamento de uma cultura sobre outra... Mesmo quando professores e pesquisadores estão bem intencionados, há equí-vocos, dificuldades, desencontros. Veja dois exemplos. Um é nar-rado pelo pesquisador sobre sua própria atuação, outro é um gri-to de alerta lançado por um pesquisador e professor indígena. A CONQUISTA DA ESCOLA: educação escolar e movimento de professores indígenas no Brasil

Marcio Ferreira da Silva

A magia da escrita se burocratiza quando ela entra na escola, e a escola é quase sempre o espaço do Estado e das instituições que o representam. O lugar físico, social e político que tem a escola na al-deia confunde-se facilmente com o lugar que ocupa o Estado nesse povo. (Melià, 1989)

Meu interesse no debate sobre Educação Escolar Indígena foi despertado no ano de 1981, quando passei uma temporada com os Guarani Mbyá no Espírito Santo, com o objetivo de realizar uma pes-

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quisa lingüística2. Os Guarani rapidamente demonstraram ceticismo em relação à minha iniciativa. Perguntado, em várias ocasiões, em que o meu trabalho poderia servir a eles, respondia, com ingênua convicção dos lingüistas dedicados ao estudo das línguas indígenas, que minha pesquisa seria uma ferramenta indispensável se eles qui-sessem ter uma escola na comunidade. Naquele tempo, o modelo de escola indígena “politicamente correta”, para usar uma expressão da moda, era profundamente marcado pela ideologia da escola bi-língüe, onde os especialistas em línguas indígenas desempenham um papel fundamental. Entretanto, minhas conviccões foram aba-ladas pelos Guarani, que me asseguraram que jamais aprenderia a língua deles enquanto não aprendesse também religião e que, para usar as palavras de um líder da comunidade, “escola só pra fa-zer boniteza, não!” em poucas palavras, os Guarani me diziam que para entender sua língua — algo que para mim era um fenômeno, digamos assim, profano, e cuja análise dependia unicamente de minha habilidade de documentação e formulação de hipótese — não bastava e nem era preciso ser lingüista. Além disso, as cartilhas e livros de leitura que afirmava ser capaz de produzir soavam aos Guarani como “bonitezas”. Finalmente, os Guarani não pareciam in-teressados na questão “como fazer uma escola”, mas em uma outra mais fundamental, a saber, “por que uma escola”, o que, convenha-mos, não é uma questão para principiantes, como era o meu caso. (Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994, p. 3-5)

O objetivo desse estudo é buscar compreender as identidades dos povos indígenas, forjadas entre suas histórias e suas geografias, analisando as formas de escolarização que vivenciam, tentando con-tribuir com a formação que se elabora na escola.

Para tanto, convidei duas estudiosas para apresentarem algu-mas concepções sobre a temática.

CONSULTANDO O CD-ROM

Leia seus textos no CD anexo

A) A territorialidade e a questão da Educação Escolar Indígena.Professora Doutora Maria das Graças Cotta.

B) A prática da interculturalidade e da interdisciplinaridade a partir da experiência História Tupinikim: tradição oral abre caminho para reescrever o passado – Andréa Cristina Almeida

Estabeleça um paralelo entre os dois textos, apontando os pon-tos comuns que você considera mais importantes.

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Filmes Recomendados

Antes de prosseguirmos em nosso estudo de geografizar e his-toricizar os povos tradicionais do Espírito Santo, uma sugestão:

O sítio eletrônico Portacurtas da Petrobrás apresenta uma in-teressante coletânea de documentários, desenhos animados, filmes em curta metragem para professores. Dentre eles, destaca-se uma coleção sobre a vida em aldeias indígenas, pelas lentes de indígenas.

(http://www.portacurtas.com.br/index.asp)

Consulte também o endereço:http://www.videonasaldeias.org.br/2009/

...E PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE POMERANOS, ITALIANOS, POLONESES, AUSTRÍACOS ...

Na exigüidade deste espaço bibliográfico, não é possível tratar da variedade e da complexidade de povos e suas culturas com o de-talhamento desejado. Contudo, mais do que reunir muitas informa-ções, interessa problematizar as histórias e geografias das comunida-des européias imigrantes para o Espírito Santo. Então, vamos...

As imigrações européias acontecem num contexto mundial que promove diferentes objetivos na área dispersora de povos e na área atratora deles. A Europa não tinha o desenho político que co-nhecemos hoje:

Naquela época,existiam regiões autônomas e não países como hoje os conhecemos. Então quando nos referimos à imigração alemã, podemos falar na vinda de prussia-nos, saxônios, bávaros e hessenses. Em relação aos ita-lianos, podemos falar na vinda de vênetos, lombardos, istrianos, emilianos, piemonteses, sardos, entre outros. Outro grupo importante para nós, os pomeranos, vie-ram de uma região localizada no Norte da Europa e que atualmente é dividida entre a Alemanha e a Polônia. Os tiroleses vieram de uma região que é hoje dividida entre a Áustria e a Itália. (GIRARDI E GOMES, 2008, p. 66)

Em meados do século XIX, a Europa se encontrava na eferves-cência de um redesenho geopolítico: regiões se reorganizavam num plano de nacionalismo estimulado pela expansão capitalista. Esse processo se inicia com guerras por (re)unificação de regiões, por dis-puta de territórios, pelo confronto de forças da aristocracia, na manu-tenção do Estado balizado pela nobreza e pela Igreja, com os burgue-ses, cujos projetos de regimes republicanos e laicos propunham a não intervenção no plano econômico. Tais tensões acabaram produzindo um quadro generalizado de miséria, doenças e cerceamento de liber-dade entre as massas populares, causando a queda de produção no

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campo, pelo atrativo urbano, pela instalação de indústrias, pelo início da mecanização nos campos, pela exploração excessiva da mão de obra miserável. Esse quadro variou na intensidade e no tempo histó-rico das regiões dispersoras das populações. Os povos das diferentes regiões ansiavam, como hoje o fazem outros povos em situações de sofrimento, uma possibilidade de vida feliz, um retorno ao modo de viver, deteriorado pela situação da época. Esse desejo encontra a pro-paganda do Brasil, como terra prometida.

O Brasil, nesse mesmo contexto mundial, marcado pela busca de territórios nacionalizados, de aumento de produção, de implanta-ção de regimes liberais, de expansão capitalista, tinha um problema cuja solução exigia soluções urgentes: a mão de obra do mercado de trabalho era escrava e este modelo se esgarçava rapidamente pela restrição legal, imposta pelo liberalismo mundial que exigia trabalha-dores aptos ao trabalho modernizado por máquinas e implementos, bem como tornados consumidores em potencial. A substituição do escravo, libertado ou em vias de libertação, foi urgentemente con-traposta, quer no trabalho, quer na ocupação de terras, buscando-se reduzir custos ou investimentos em sua transformação em trabalha-dor ou operário: aposta-se no imigrante europeu, fragilizado pelo momento vivido em sua pátria, mas estimulado pela promessa de uma nova vida.

O governo brasileiro investiu pesado na propaganda além-mar: “Quem quiser viver mais uma vez feliz deve viajar para o Brasil” (BELINO, apud MARTINUZZO, 2009, p. 34) era o apelo das propostas do go-verno brasileiro para imigração, por volta de 1820, na Europa.

A imigração feita como política pública proporcionava aos sujeitos: pagamento do transporte intercontinental; financiamento de lotes agrá-rios; subsídios ao assentamento.

Vale enfatizar como se distinguia a imigração da colonização. Segun-do Prado Júnior (apud ROCHA, 2000):

a) imigração significando o processo de recrutamento e fixação dos imigrantes;

b) colonização explicando o sistema de colocação dos imigrantes em pequenas propriedades agrupadas em núcleos, estimulado por governos provinciais objetivando povoar e desenvolver atividades econômicas.

No caso do Espírito Santo, o governo realizava contratos com os imi-grantes, assinados no seu local de origem, comprometendo-se a fornecer:

[...] transporte, hospedagem provisória em Vitória e nas colônias, assistência médica por dois anos, um lote de terras até 60 hectares, meios de subsistência por seis me-ses, instrumentos indispensáveis ao trabalho na lavoura: enxadas, foices, facões e machados, sementes e mudas de milho, feijão, batata e abóbora, um casal de porcos, duas galinhas e um galo. (SCHAYDER, 2002, p. 65)

De um modo geral, os imigrantes não receberam o correspon-dente às promessas feitas. Essa situação fortaleceu o espírito empre-endedor dos povos que para aqui vieram. As marcas da cultura servi-ram como base para a organização do espaço, tão diferentes daquele de suas origens, criando outras formas hibridizadas de viver. As histó-

Leitura Sugerida

Para apreender a variedade de imi-grantes que sonharam e construíram um nova vida no Espírito Santo, vale conferir o texto da Professora Juçara Luzia Leite, no Caderno II – Projeto Político Pedagógico: interculturalida-de e campesinato em processos edu-cativos – p. 78 e seguintes. (FOERSTE, FOERSTE e LINS, 2007). A professora apresenta a sequência cronológica de chegada e onde se instalaram os imigrantes, problematizando como e porque organizaram o espaço e a vida como a história nos conta.

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rias de suas sagas foram resgatadas permanentemente, justificando, explicando e inventando enfrentamentos do clima, do inóspito das terras alagadiças, pedregosas, cobertas por matas fechadas...

No Espírito Santo, segundo Costa (1981) além da política de imigração subvencionada pelo governo brasileiro, algumas experi-ências tiveram o caráter de investimento particular. Destaca-se a Co-lônia de Rio Novo que foi estruturada por uma associação de capital privado (criada em 1854, foi reconhecida juridicamente em 1855 e sendo encampada pelo governo em 1861).

Segundo Grosseli (apud LAZZARO, COUTINHO e FRASNCES-CHETTO, 1992) essa colônia não teria como objetivo o povoamento da colônia, mas o fornecimento da mão de obra para o grande lati-fúndio, razão encoberta pela prática de altos preços de terra para os colonos e relativamente menores para particulares. Como a promes-sa para os colonos era de uso da terra, sem que se tornassem proprie-tários imediatamente, esperava-se que por terem contraído dívidas ficassem à mercê de latifundiários.

Atividade 7

Para visualizar a espacialidade do movimento das imigrações para o nosso Estado, utilize e analise os mapas, considerando que, embora eles representem a dinâmica da chegada, marquem a loca-lização das colônias e outros fatos, eles “congelam” o fenômeno de migração, perdem o “deslizamento”, tornado “mancha” no mapa, das mudanças, do aumento ou da redução dos grupos populacionais, da inserção de e em outros grupos...

Em sua análise, utilize, paralelamente, mapas atuais do Espírito Santo sobre diferentes temáticas: vegetação, relevo, hidrografia, cli-ma e outros, para “viajar” nas geografias que explicam porquês:

a) Por que os imigrantes preferiram as terras montanhosas inicial-mente e posteriormente se movimentaram para terras ao norte do ES ?

b) Por que a organização de colônias permitiu e incentivou a instalação deles naquelas regiões?

c) Por que no início da instalação de migrantes, também foram instaladas colônias em Rio Novo, Viana, Águia Branca, São Gabriel da Palha, dentre outros locais não montanhosos?

d) Como era e como é hoje a vegetação de onde eles se situa-ram inicialmente?

e) Será que o micro-clima da época em que as colônias se ins-talaram em Águia Branca, Castelo, Pancas, por exemplo, era o mesmo dos dias atuais? Como a análise dos mapas pode fornecer pistas para esta questão?

f ) Qual a relação entre a linha costeira, a hidrografia e a localiza-ção das famílias imigrantes?

Além dessas, outras muitas questões nos provocam na leitura dos mapas, das fotografias, dos textos que dizem de imigrantes, num tempo em que tudo era diferente e que mudou as paisagens do que eram para o que vemos e vivemos hoje.

Sugestão - Grupo de estudo: for-mar grupos de até quatro compo-nentes para trabalhar os textos e realizar atividades propostas. Este grupo prepara discussões para os encontros coletivos.

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E, assim, constituíram-se novas formas de viver, que somadas ao contato entre diferentes etnias, transformaram-se nos povos que hoje chamamos de tradicionais no Espírito Santo.

5 – Compreender para conviver...

A análise dos mapas deve ter lhe permitido verificar zonas de fronteiras entre culturas que se delineiam próximas ou incluindo sua escola ou região. Que características culturais você nota que se miscigeniza(ra)m em sua comunidade e adjacências? Como isto aconteceu? De que maneira a escola trata essas questões?

A educação escolar é instigada a problematizar as manifesta-ções culturais do seu entorno geográfico. Contudo, nem sempre a percepção de professores alcança a multiplicidade dos fenômenos: às vezes vivemos tão próximos deles que mal os enxergamos...

As meninas de minha escola reclamam do jeito que são trata-das pelos pais e irmãos em casa: dizem que eles as consideram como empregadas. Dizem que as mães, tias e avós falam que suas mães, tias e avós falavam que esse é o modo do seu povo viver... mas as me-ninas de hoje não querem viver assim. É um problema que elas ten-tam resolver longe da família, às vezes, cá na escola, agindo comple-tamente diferente do que na cultura familiar ou da comunidade: se envolvem com os meninos, engravidam, fumam, bebem...E qualquer ponderação minha, como professora, me coloca – na visão delas – no lado de lá, como se fosse mais uma tia velha, com idéias lá do tempo da imigração...(fala de professora em curso de formação continuada de Educação do Campo, na região montanhosa do ES, 2009)

Os meninos e meninas da escola, quando são repreendidos, baixam a cabeça. Eu olho os olhos deles e vejo o brilho da rebelião, mas eles baixam a cabeça. Vejo, quando estou lá frente, com a coor-denadora ou com a diretora, apenas os cocorutos deles: drags, cor-tes a máquina com recortes desenhados, carapinhas, blackpower... A negritude baixa a cabeça...mas, depois....o quilombo é a sala de aula. Respondem, gritam, debocham... (fala de professor em curso de for-mação continuada de Educação do Campo, no norte do ES, 2009)

Eu fui explicar a teoria do Big Bang como origem do mundo. Os meninos adoraram! A curiosidade era enorme e me fizeram mil perguntas. Eu fiquei me achando. Aí, no outro dia, tinha um monte de mães querendo falar comigo: E Deus onde estava? Eu estava des-virtuando os meninos. A Bíblia não explica assim e ninguém pode contradizer a Bíblia. Foi um sufoco! A única coisa que me consolou foi: meus alunos comentaram a aula com suas famílias...(excerto de e-mail enviado por professor de município do interior, no norte do ES, 2010)

Relatos e excertos de textos

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

Os alunos da escola, muitas vezes, se estranham e usam as ca-racterísticas de suas origens tradicionais como ofensas. Assim, desde a “polaca burra”, “nego sem vergonha”, “filhote de índio preguiçoso”, “pomerano enrolado”, “italiana polenta”, as diferenças vão sendo mar-cadas e cabe a nós, professores, estimular a problematização delas. As questões dos modos de viver podem ser excelentes molas pro-pulsoras do estudo das geografias e das histórias que os conteúdos escolares têm como objetivos.

Essa compreensão trabalha no sentido de propiciar aos alunos, destas diferentes culturas tradicionais, a dimensão exata de que a es-cola não nega o que lhes é próprio, nem deseja “ilustrá-los” para que se tornem uma massa homogênea no seio de uma sociedade sem diferenças.

Pensando assim, permito-me continuar numa opção pautada em “emoções, sentimentos e paixões” (SANTOS, 2006, p.119) para “produzir imagens radicais e desestabilizadoras dos conflitos sociais em que se traduziram no passado, imagens capazes de potenciar a indignação e a rebeldia.” (SANTOS, 1996, p. 17). Para além de me permitir continuar, permito-me a conclamar vocês para um projeto educativo emancipatório no qual é preciso, sobretudo, desejar, lutar e propor que “[...]temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” (SANTOS, 2006, p. 462).

Compreender como e porque as lutas dos povos tradicionais do campo geram novas organizações do espaço geográfico, desen-volvendo relações entre o passado, que não está morto, antes é o amálgama entre o vivido e o que se deseja viver, dá sentido à história, não mais vista ou entendida como um desenrolar de fatos alheios à nossa ação. Dá sentido à geografia, não mais reduzida à descrição da paisagem, nem ao rosário de fatos e expressões fenomênicas como substrato ao que as pessoas vivem nas sociedades.

Atividade 8

Analise qualquer um dos mapas da unidade ii. Faça uma cópia dele. Crie uma tarefa que poderia ser explorada numa escola do cam-po. Seja criativo.

Orientações didático-acadêmicas

Esse estudo sobre os povos tradicionais do campo no Espírito Santo teve como base muitas narrativas: de pessoas sobre suas his-tórias no mundo, de estudiosos sobre o que produziram como ex-pressão do conhecimento que teceram e que disponibilizam, de pro-fessores que fazem das lembranças contínuas do seu dia a dia uma formação permanente independente de ações institucionais sobre a ação docente.

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

Por meio das memórias, registradas por estudiosos, é possível notarmos pistas dos modos de viver em outros tempos vividos: fe-nômenos outros, que implicam na continuidade de fazer a escolari-zação para os povos tradicionais uma luta permanente de busca de manutenção das culturas, de resgate de identidades que teimam em tentar fazer a geografia e a história de um mundo melhor.

Segundo Bernardi (apud LAZZARO, COUTINHO e FRANCES-CHETTO, 1992), os testemunhos valorizados pelas sociedades se re-ferem àqueles tornados obras raras, de arte, cultuados em museus, bibliotecas, coleções, monumentos. Reconhece que somente em tempos recentes, estudiosos começaram a usar artefatos e relatos que falam de

[...] histórias de vida que se consumiram nos momen-tos de ombros curvados, de braços exaustos, de per-nas entorpecidas e de mãos calejadas. Vidas que se esvaíram nos trabalhos dos campos e nos afazeres domésticos, no tanque e no calor do fogão, nos ser-viços de estábulos e no alçar das redes, no entrançar dos cestos e na reparação dos utensílios de trabalho. (LAZZARO, COUTINHO e FRANCESCHETTO, 1992, p.7).

Esses relatos forjam memórias vivas. A memória, segundo Bosi (1994, p.55) “[...] não é sonho, é trabalho [...]” porque não se constitui apenas como arquivo morto, no qual a lembrança pode ir buscar o que se lhe reclamam. Também Certeau (1994) destitui da memória o papel pequeno de coleção de fatos, sequer a considerando uma jus-taposição de espacialidades ou de tempos estáticos. Argumenta que a memória não se restringe ao passado, porque se constitui de uma pluralidade de espaçostempos, é passadopresentefuturo combinan-do particularidades antecedentes e possíveis entre si.

A importância da narrativa, que traz na lembrança não só a ex-periência e o conselho, mas, também, a esperança, é que esta funcio-na como amálgama entre aquela e o viver ou o agir. O importante, parece-me, é que essa compreensão seja continuamente, insisten-temente, teimosamente disseminada, fortalecida, para impregnar outras tantas.

Parece-me necessário que ela se inclua na proposta de expan-dir o presente (incluindo mais experiência) e contrair o futuro que Santos (1996, 2006) apresenta para a sociedade, como possível, como uma pedagogia do conflito para construção de um conhecimento decente para uma vida prudente.

Assim, acredito que a esperança, como amálgama entre o nar-rar e viver lembranças, deve ser incorporada como mais um elemento na elaboração do processo da lembrança. Bosi (1994) explica que as sensações levadas ao cérebro, nele são trabalhadas em registros que podem repousar na memória, onde se transformam em representa-ções, as quais orientam concepções de vida, ou retornam ao esque-ma motor, tornando-se ações. Se as sensações, tornadas representa-ções e ações, forjam a memória, arsenal de nosso conhecimento de vida (BOSI, 1994), talvez devêssemos imprimir maior ênfase na forma como trançar esperanças nesse conhecimento – mesmo que nem

Leitura Sugerida

Leia no CD-ROM:Feitosa, A. et all – Territorialidades, diferenças e direitos: As comunidades tradicionais no Espírito Santo. (Texto produzido para o módulo)

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

sempre tornadas possíveis, por estarem ali entranhadas, poderiam potencializar diferentes modos de (vi)ver a vida, de ler o mundo, de querer o futuro... sempre, esperanças... Então, para que a educação do campo cultive esperança e luta, igualdade e diferença, convivência e compreensão, poetizemos o jeito de querer uma escola do campo: Esse poema foi feito para um coro falado. Assim, como atividade última, cada um escolhe uma cor e... poetizemos...

Uma escola do campoMarisa Valladares – julho2009

Uma escola do campo. (verde e branco) Escola do campo (todos)

Uma escola para o campo. (vermelho) Tem que ter (vermelho)

Uma escola no campo. (amarelo) Quadro de giz (branco)

Uma escola do campo. (todos) Risco por um triz (vermelho)

Para ser uma escola no campo (verde) Pra desenhar e contar,(amarelo e verde)

Basta ter uma janela(vermelho e branco)

Pra escrever e apagar,(branco)

Pra uma paisagem bela:(amarelo e branco)

Pra escrever outra vez(vermelho e verde)

Um riacho, uma árvore, cafezal em flor...(verde)

Aquilo que a gente já fez...(verde)

Uma escola para o campo (amarelo) Escola do campo (todos)

Pode ter voto de louvor (vermelho e verde)

Tem que ter(amarelo e vermelho)

As veiz até tem troça... (branco) Prateleira de livros cheia(verde)

É só janela entre cidade e roça.(verde e amarelo)

Feitos de parcerias a meia(amarelo)

Uma escola do campo(todos)

Contando histórias de povo(branco)

Tem que ter aberta porta(vermelho)

Sempre refeitas de novo...(verde, branco)

Pra entrar comunidade (verde) Escola do campo... (todos)

De roça e até de cidade(amarelo e branco)

Não pode ser só(vermelho, branco, verde)

Tem que ter janela aberta(verde e vermelho)

Escola pro campo(amarelo)

Com visão pra coisa certa(todos)

Ou no campo(vermelho)

Pr’um vale de lutas,(amarelo)

Escola do campo(todos)

Pr’um rio de labutas,(verde)

Não pode ser só(verde, branco)

Pr’um arco-íris de esperanças...(todos)

Tem que ser junto(vermelho e amarelo)

Roças inteiras de vontades(vermelho)

Tem que ter conjunto(verde e amarelo)

Vibrantes e puras, de crianças(branco e verde)

Tem que ser do povo(branco e vermelho)

De todas as idades...(amarelo)

Projeto sempre novo...(todos)

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

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Unidade II: Aspectos Históricos, Geográficos, Escolarização e construção identitária em comunidades indígenas, quilombolas, etc no Estado do Espírito Santo.

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SOARES, L.E. Campesinato: ideologia e política. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

TEAO, Kalna Mareto. Arandu renda reko: a vida da escola Guarani Mbya. Vitória, 2006. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação.

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ANEXOS:

ANEXO1

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ANEXO 2 - Presença Indígena

Mapa do Espírito Santo - Fonte: A Gazeta, 1996

ANEXO 3 - Presença de Imigrantes Europeus

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ANEXO 4 - Presença quilombola no ES

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Unidade III

Educação e Linguagens

Erineu FoersteGerda Margit Schütz Foerste

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Unidade III: Educação e Linguagens

Unidade III – Educação e Linguagens

Erineu FoersteGerda Margit Schütz Foerste

Objetivos da Unidade

• Conceituar educação, conhecimento e linguagem no con-texto educacional;

• Dimensionar teórica e praticamente as linguagens na esco-la do campo;

• Investigar particularidades no fazer educação do campo;• Discutir práticas pedagógicas e construção do conheci-

mento no contexto campesino.

Esta Unidade Temática abordará dois conceitos fundamentais, a saber: Educação e Linguagens. Propõe uma aproximação com a realidade escolar a partir de diferentes áreas de conhecimento. Ao mesmo tempo, busca construir com você uma discussão interdisci-plinar.

A partir desses objetivos foram organizados cinco blocos de reflexões :

• O que é Educação?• Lingugem e Conhecimento• Etnomatemática• Educação Física• Educação e Meio Ambiente

CONSULTANDO O CD-ROM

Ao longo deste Caderno IV recomendamos leitura dos textos do CD-ROM que o acompanha.

Orientações didático-acadêmicas

As leituras previstas sugerem estudo em grupo, organização e planejamento para execução das tarefas. Nesse sentido, vocês en-contrarão três Orientações Didáticas Básicas ante às tarefas a cum-prir, assim apresentadas:

• PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO • PARA POSTAR• PARA ENVIAR

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PARA LER E DISCUTIR EM GRUPOExige leitura e discussão, mas não precisa pos-

tar nem enviar trabalho para avaliação. Esses estu-dos constituirão uma base de reflexões – referências - para as tarefas seguintes.

PARA POSTARAqui significa que as tarefas para postar de-

verão ser respondidas e enviadas individualmente pelos cursistas na Plataforma Moodle. Referem-se às leituras específicas desenvolvidas pelos cursista e possibilitarão identificar distintas interpretações dos estudos propostos.

PARA ENVIARAs atividades para enviar requerem planeja-

mento dos cursista com os tutores e professor pes-quisador. Deverão ser identificadas antecipadamente e distribuídas para desenvolvimento em grupos. São propostas quatro atividades para enviar. Assim, suge-rimos, primeiramente, a organização dos grupos de

acordo com as temáticas de interesse. O procedimento dos grupos para cumprimento desta tarefa deverá respeitar os seguintes passos:

1 Reconhecimento da proposta e planejamento de sua execu-ção (ler, entender e planejar execução);

2 Registro e sistematização dos dados coletados em pesquisa de campo (diário de bordo, fotografia/scanner, elaboração de relatório);

3 Formatação e apresentação dos resultados (redação do re-latório, elaboração de slides/Power Point, preparação de versão im-pressa e digital (CD) e envio via correio.

Endereço para envio: Profa. Dra. Gerda M. S. Foerste/ PPGE/CE/UFES. Av. Fernando Ferrari, s/n, Goiabeiras, Vitória–ES CEP - 29075-910.

Esses trabalhos, após avaliação da qualidade de sua apresen-tação, constituirão material para novas pesquisas e divulgação no site www.ce.ufes.br/educacaodocampo. Assim, recomendamos que fiquem atentos a revisão do texto e qualidade do mesmo e das ima-gens. Na apresentação devem ser respeitadas as recomendações do apêndice III.

A critério dos cursistas e tutores, serão constituídos quatro gru-pos de pesquisa por pólo. Cada grupo ficará responsável por um tra-balho para enviar. Os trabalhos requerem procedimento de pesquisa. Serão desenvolvidos ao longo do curso e apresentados no seminário final, formatados e enviados.

Agora é com vocês!!! Podem usar criatividade para melhor aproveitar o tempo e as discussões.

Bom trabalho!!!Erineu Foerste

Gerda M. Schütz-Foerste

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Unidade III: Educação e Linguagens

A EDUCAÇÃO DO SER POÉTICO

Carlos Drummond de Andrade

Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância re-lacionada com a necessidade de jogo, a ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver – estado de pureza da mente, em suma?

Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora, concilia-da com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia.

Mas, se o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento corrosivo do instinto poética da infân-cia, que vai fenecendo, à proporção que o estudo sistemático se de-senvolve, ate desaparecer no homem feito e preparado supostamen-te para a vida?

Receio que sim. A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poetica-mente o conhecimento e o mundo.

Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se decoram versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa humana?

Oh, afastem, por favor, a suspeita de que estou acalentando a intenção criminosa de formar milhões de poetinhas nos bancos da escola maternal e do curso primário. Não pretendo nada disto, e acho mesmo que o uso da escrita poética na idade adulta costuma dege-nerar em abuso que nada tem a ver com a poesia. Fazem-se dema-siados versos vazios daquela centelha que distingue uma linha de poesia, de uma linha de prosa, ambas preenchidas com palavras da mesma língua, da mesma época, do mesmo grupo cultural, mas tão diferentes.

Se há inflação de poetas significantes, faltam amadores de poe-sia – e amar a poesia é forma de praticá-la, recriando-a. O que eu pe-diria à escola, se não me faltasse luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.

Não seria talvez despropositado cuidar de uma extensão poé-tica das escolinhas de arte, esta idéia maravilhosa que Augusto Ro-drigues tirou de sua formação humana de artista para a realidade brasileira. Longe de ser uma fábrica alarmante de versejadores infan-tis, essa extensão, curso ou atividade autônoma, ou que nome lhe

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Unidade III: Educação e Linguagens

coubesse, daria à criança condições de expressar sua maneira de ver e curtir a relação poética entre o ser e as coisas. Projeto de educação para a poesia (fala-se hoje em educação artística no ensino médio, quando o mais razoável seria dizer educação pela arte). A vocação poética teria aí uma largada franca, as experiências criativas gozariam de clima favorável sem que tal importasse na obrigação de alcançar resultados concretos mensuráveis em nível escolar. Sei de casos em que um engenheiro, por exemplo, aos 30, 40 anos, descobre a exis-tência da poesia... Não poderia tê-la descoberto mais cedo, encon-trando-a em si mesmo, quando ela se manifestava em brinquedos, improvisações aparentemente absurdas, rabiscos, achados verbais, exclamações, gestos gratuitos?

Alguma coisa que se bolasse nesse sentido, no campo da Edu-cação, valeria como corretivo prévio da aridez com que se costuma transcrever os destinos profissionais, murados na especialização, na ignorância do prazer estético, na tristeza de encarar a vida como de-ver pontilhado de tédio. E a arte, como a educação e tudo o mais, que fim mais alto pode ter em mira senão este, de contribuir para a educação do ser humano à vida, o que, numa palavra, se chama felicidade?

(Transcrito do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro – RJ, 20.07.74)

1 – O que é Educação?

Como fala nosso poeta a educação precisa ser feita com poesia. Está fundamentada na pergunta, no brincar, no rabisco, no olhar in-vestigativo, na poiésis.

Contudo, educação pode ter diferentes conotações na socie-dade contemporânea. Quando utilizado por políticos tem se cons-tituído em importante cabo eleitoral, quando defendida por profis-sionais do ensino pode significar espaço profissional demarcado ou estar em processo de construção e ressignificação constante, quan-do pronunciado por comunidades/movimentos sociais recebe cono-tação própria dos contextos que a reivindicam. Etimologicamente o termo deriva do latim educere e significa “trazer à luz”. Conforme Foerste (2008), a pedagogia moderna delineou o conceito e definiu padrões e formatos com pouca mobilidade para está prática social. Estes padrões podem ser identificados nos espaços escolares, visto que se construíram historicamente. Em geral predomina o modelo de ensino centralizado na figura do professor, do conhecimento en-ciclopédico, do livro didático, da disposição bancária dos corpos e do currículo, da memorização como forma de domínio dos conteúdos e da prova como controle. Redimensionar conceitos na prática pela experiência estética, através da arte e poesia depende de nós (você e eu).

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PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

1. Leiam o texto (1) “Discussões acerca do projeto Político da Educação do Campo” do professor Erineu Foerste (2008), disponível no CD-ROM.

2. Discutam com seus pares: qual conceito de Educação é cons-truído e reivindicado na comunidade a qual você pertence? Pontue cinco objetivos a serem alcançados e descreva a proposta educativa quanto à metodologia de ensino e aprendizagem, ao currículo, espa-ços físicos, participação dos sujeitos e formas de avaliação.

CONSULTANDO O CD-ROM

Texto 1 - DISCUSSÕES ACERCA DO PROJETO POLÍTICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Prof. Dr. Erineu Foerste/UFES

“O tempo é minha matéria, o tempo presente,

homens presentes, a vida presente.”

(Carlos Drummond de Andrade)

[...]O que é educação?

Quando se trata de construir coletivamente uma educação do campo, uma pergunta inicial é importante ser destacada: O que en-tendemos por educação?

A pedagogia moderna, desde Comênius (1592-1670), passan-do por Rousseau (1712-1778) e chegando a Dewey (1859-1952), compreende a educação como ação de tirar de dentro do indivíduo o que lá está adormecido. Na prática o verbo educere do latim foi apropriado pela racionalidade instrumental, que reforça a adaptação do indivíduo ao mundo estruturado, que está acabado e pronto. Para Durkheim (1858-1917) a educação constitui um processo de sociali-zação da criança na sociedade, onde cada um tem uma função esta-belecida para desempenhar, tendo em vista o bem-estar de todos. A pedagogia tradicional enfatiza a inculcação de boas maneiras através dos bancos escolares, reproduzindo a cultura européia como referên-cia civilizatória do mundo inteiro. O ser humano em desenvolvimen-to precisa se apropriar de determinados conteúdos, ajustando-se às necessidades da estrutura social.

Muitas críticas foram dirigidas a essa perspectiva de escola. Pau-lo Freire denominou essa prática pedagógica de educação bancária, negando de forma veemente a reprodução autoritária da linguagem e cultura das elites. Nos anos 80 e 90 foram acumuladas discussões sobre a chamada pedagogia crítico-social dos conteúdos, que defen-

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Unidade III: Educação e Linguagens

de o resgate do conteúdo do processo educativo formal na escola. Problematizaram basicamente os círculos de cultura da educação de jovens e adultos nos anos 50 e 60, que partiam dos saberes do povo para desenvolver programas de educação, como contrapartida às práticas opressoras do currículo da educação tradicional. Segun-do alguns estudiosos brasileiros, com os debates sobre a pedagogia libertadora, a escola teria deixado de ensinar conhecimentos cien-tíficos das diferentes disciplinas de que é composto o currículo da educação básica. Isso teria gerado um esvaziamento prejudicial de conteúdos formais nos currículos da escola básica.

Para eles era preciso recuperar o lugar dos conhecimentos acu-mulados pela ciência no interior do campo educativo. Assim se pas-sou a defender uma abordagem científica do processo pedagógico, recuperando a prática da transmissão e assimilação de conteúdos. Passaram-se a empregar métodos que a educação popular havia su-perado a partir da valorização do diálogo libertador entre educan-dos e professores, com o resgate da cultura popular. A linguagem do povo é abordada na pedagogia libertadora como base da construção de identidades culturais e não como desvio da língua padrão.

Observa-se que uma ênfase nos conteúdos sistematizados (conteúdos das diferentes disciplinas das ciências modernas) sub-mete a educação escolar a um processo de estandardização cultural na perspectiva da classe dominante. O silenciamento das múltiplas identidades dos trabalhadores do campo e da cidade nas escolas foi criticado e superado pela pedagogia libertadora. De fato, estudos culturais recentes apontam que a escola precisa cuidar para que a classe trabalhadora se aproprie dos conhecimentos científicos, res-significando-os a partir de suas lutas por uma sociedade sem injusti-ças. Estes saberes, na verdade, são instrumentos de que os oprimidos precisam para fortalecer suas lutas revolucionárias no campo e nas cidades. É preciso conhecer para transformar, eis um principio fun-dante da escola popular-libertdora.

Mas o debate da transmissão e assimilação de conteúdos, que alimentou os chamados Parâmetros Nacionais de Educação, precisa ocupar mais nossas reflexões coletivas, quando queremos ressignifi-car a escola com vistas à construção coletiva de um projeto popular-libertador de educação. Quando nós falamos de educação estamos nos reportando a que referenciais teórico-metodológicos? Que teo-ria pedagógica valorizar?

[Leia esse texto, na integra, no CD-ROM]

1.1. Educação Libertadora: PAULO FREIRE

As discussões de Freire têm fundamentado muitas práticas educativas em contextos campesinos. Em Freire encontramos as ba-ses para refletir o conceito de educação como prática de liberdade, que implica no respeito à cultura local, aos saberes campesinos, ao exercício do diálogo, à autonomia e responsabilidade dos sujeitos no processo de aprendizagem e ensino coletivo.

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PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

1. Visite o site:http://www.paulofreire.ufpb.br/paulofreire/principal.jsp

e acesse a produção de Paulo Freire por assunto.

2. Consulte:http://www.youtube.com/watch?v=TLnidFeLC0Y assista aos

vídeo sobre Paulo Freire

3. Conheça:http://www.paulofreire.org/Capa/WebHome - Instituto Paulo Freire http://www.paulofreire.org/FPF2008/WebHome - Fórum Paulo

Freire- Promove encontros entre pessoas e organizações que desen-volvem trabalhos e pesquisas na perspectiva da filosofia freiriana.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

1. Leia o livro Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. 2. No site http://www.youtube.com/watch?v=O88w0akLALQ&

feature=related assista aos vídeos Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire - By Coimbra Jones e Educar é construir pontes.

3. Levante três pressupostos fundamentais ao exercício de do-cência, a partir de Freire e, com suas palavras, exemplifique cada um com situações vividas em sua comunidade.

1.2. Os sujeitos: sobre quem faz a Educação.

A educação é uma conquista da comunidade, dela participam ativamente pais de alunos, lideranças comunitárias, profissionais da educação (professores, vigias, merendeiras, serventes, jardineiros en-tre outros) e alunos.

A educação se faz por sujeitos, que produzem sua história e se constroem cotidianamente no trabalho, no diálogo e na luta. Os su-jeitos da educação não são somente os profissionais da educação, embora estes exerçam um papel fundamental neste processo, pois, segundo Gramsci, os intelectuais podem participar ativamente na or-ganização da Cultura.

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1.2.1. Os professores

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

1. Leiam no CD-ROM o texto 2, cujo resumo e autores se encon-tram abaixo. Façam destaques a partir da discussão em grupo.

2. Respondam: • Como o seu grupo compreende o papel do professor nas

mediações entre escola/comunidade, assim como entre currículo/identidade e cultura?

• Em suas reflexões estabeleçam interlocução com os autores do texto, cujo resumo se encontra abaixo e o texto na ínte-gra está disponível no CD-ROM.

CONSULTANDO O CD-ROM

Texto 2 - Os intelectuais e a Educação do Campo: questões sobre cultura e campesinato

Profª. Drª. Gerda Margit Schütz - Foerste – UFESProf. Dr. Erineu Foerste – UFES

Resumo Este trabalho investiga questões da educação do campo, em

especial o papel dos intelectuais na organização da cultura (Gramsci). Parte da problemática identificada em contextos campesinos, onde se observa que a educação pública de qualidade para todos foi um direito negado historicamente aos trabalhadores do campo e que pouca atenção é dada à cultura de pomeranos, quilombolas e tra-balhadores do campo em geral. Parcerias entre poder público local (Secretarias Municipais de Educação), Universidade e segmentos or-ganizados da sociedade possibilitam investigações acadêmicas com ênfase na formação inicial e continuada de professores do campo. A aprendizagem constrói-se em processo coletivo de interação do su-jeito com o mundo e com os outros, transformando contexto social e subjetivo.

Palavras-chave: Trabalhador rural – Educação. Educação pro-fissional. Formação de professores.

[Leia esse texto, na integra, no CD-ROM]

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1.2.2. Os Alunos.

Conforme o resumo acima, de modo mais amplo “a aprendiza-gem constrói-se em processo coletivo de interação do sujeito com o mundo e com os outros, transformando o contexto social e subjeti-vo.” No contexto da educação formal do processo de ensino e apren-dizagem escolar, tais sujeitos são os alunos e seus professores, con-siderados como parte da comunidade interna em relação com a ou as comunidades sócio-culturais externas. Lembramos, aqui, que, no caso das escolas campesinas unidocentes, essa “comunidade interna” restringe-se à apenas ao professor (a) e seus aluno(s). Com relação a esses últimos sujeitos trouxemos uma curiosidade, encontrada no site abaixo.

Fonte: http://pt.wiktionary.org/wiki/aluno

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Curiosidades...Aluno: do latim alumnus, alumni (criança de peito) e alere que

significa alimentar, nutrir, fazer crescer. Daí que aluno é aquele que se alimenta e não o sem-luz, como afirma uma etimologia falsificada que lê a - como prefixo de negação grego e lun- como proveniente do latim lumen, luminis (luz). Sinônimos: estudante, aprendiz, discí-pulo, educando e discente.

Consultem diferentes dicionários e outros sites da internete e comparem as definições, tanto de “aluno”, como de “professor”.

Orientações didático-acadêmicas

Informações:Considerando a amplitude do conceito de ALUNO, nessa

subunidade, daremos ênfase à Educação Infantil e ao debate so-bre Educação de Jovens e Adultos, cujos sujeitos de aprendizagem organizam-se, principalmente, em razão da faixa etária.

Apresentaremos essas discussões em dois blocos: (1) a partir dos textos de Jader Lopes, Valdete Coco e; (2) a partir dos textos de Marise Ramos e Edna Castro. Os dois primeiros relacionados às dis-cussões da Educação e infância no campo (aqui compreendida tam-bém a primeira fase do Ensino Fundamental) e os dois seguintes rela-tivos à Proposta de Educação de Jovens e Adultos (compreendendo também Ensino Fundamental e Ensino Médio). Sugerimos que vo-cês leiam os textos e façam a tarefa relacionada especialmente ao seu contexto de trabalho (ou Educação e Infância, ou Educação de Jovens e Adultos). Optem por uma das tarefas, segundo o interesse particular.

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• InfânciasO conceito de infância tem recebido importantes contribuições

na atualidade, sobretudo a partir da sociologia da infância, que hoje recoloca o debate na perspectiva Histórico-Cultural. Neste discutimos as infâncias como expressão contextualizada e não como conceito geracional pasteurizado. Discutindo as particularidades da geografia da infância, Lopes defende que alguns conceitos são arbitrários e re-querem maior cuidado em nossos estudos, como é debatido a seguir.

A própria noção de “interior” é uma arbitrariedade geo-gráfica, pois na superfície terrestre não existe um centro localizável, portanto, é uma relação que se calca numa posição hierárquica, estabelecendo diferentes “centros” de poder, nomeados em suas posições históricas, como interiores, periféricos e outros.

Fazer emergir os diversos “centros de saberes” que for-mam a experiência brasileira nesse extenso território, descortinar os interiores, as periferias, dar voz as crianças, aos seus cotidianos são pressupostos de um plano social que possui o diálogo como projeto. (LOPES, 2010, p. 9)*

[Leia esse texto 3, na integra, no CD-ROM]

Para a professora Valdete Côco,

A interface da Educação Infantil com a Educação do Campo nos atenta para a visibilidade da infância consi-derando as demandas das crianças que vivem no campo e nos mobiliza na proposição de processos educativos que dialoguem com os diferentes universos infantis. (CÔCO, 2010, p.14)**

[Leia esse texto 4, na integra, no CD-ROM]

CONSULTANDO O CD-ROM

*LOPES, Jader Janer Moreira. Dialogar com as crianças do inte-rior... Desconstruir a centralidade da infância.

**CÔCO, Valdete. Reflexões sobre a Educação Infantil em Diálo-go com a Educação do Campo: desafios para a formação de educa-dores.

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PARA POSTAR [1a]1

Leia os textos acima indicados de Jader Lopes e de Valdete Côco e realize investigação com as crianças de sua escola. Busque informações a respeito do ambiente cultural, familiar e produtivo das crianças. Se possível complemente a pesquisa com fotografias, dese-nhos e objetos trazidos pelos alunos.

A partir das leituras propostas a respeito das infâncias, pode-mos dizer que este conceito necessita ser dimensionado a partir de um estudo interdisciplinar ou multidisciplinar, visto que, requer olha-res da sociologia, filosofia, história, geografia, artes e das linguagens das infâncias na aproximação conceitual do termo.

• Jovens e AdultosA seguir proporemos dois textos para subsidiarem as discussões

sobre jovens e adultos. Leiam os textos sugeridos e disponibilizados em CD-ROM desenvolvam a proposta de trabalho que estiver em maior afinidade com os trabalhos que você desenvolve neste momento.

As discussões trazidas por Ramos recolocam as bases de uma educação fundada no princípio do trabalho. Mas chama a atenção para a necessidade de conceituar o trabalho no principio da liberda-de, visto que, segundo ela deve-se ter claro, contudo, que o trabalho pode ser assumido como princípio educativo na perspectiva do capi-tal ou do trabalhador.

O que se requer na construção da educação com jovens e adultos, segundo Ramos, é o que hoje vem sendo de-nominado de ensino integrado, ou projeto unitário de ensino. Para a autora,

Na base da construção de um projeto unitário de ensino médio que, conquanto reconheça e valoriza o diverso, supera a dualidade histórica entre formação básica e for-mação profissional, deve estar, portanto, a compreensão do trabalho no seu duplo sentido:

ontológico, como práxis humana e, então, como a for-ma pela qual o homem produz sua própria existência na relação com a natureza e com os outros homens e, as-sim, produz conhecimentos;

histórico, que no sistema capitalista se transforma em trabalho assalariado ou fator econômico, forma específi-ca da produção da existência humana sob o capitalismo; portanto, como categoria econômica e práxis direta-mente produtiva.

Diz ainda,

Hoje não discutimos a preparação profissional no ensino médio como uma política compensatória para aqueles que não teriam acesso ao ensino superior; nem como

1Observe que nesta tarefa você postará apenas um trabalho, ou referente à educação infantil ou refe-rente à jovens e adultos.

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uma necessidade da economia brasileira.[...] entende-mos que o Ensino Médio Integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condi-ção necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade (RAMOS, 2008, p. 15)

A partir de discussões presentes em Marx e em Gramsci, busca-mos a superação entre teoria e prática e, com esta, outras dicotomias passam a ser problematizadas, na perspectiva de sua superação: currículo oficial (prescrito) X currículo praticado; saberes da prática X saberes acadêmicos; trabalho manual X trabalho intelectual; domi-nantes X dominados, entre outras.

Ao dar exemplo de uma proposta de Currículo Integrado, Ra-mos apresenta questões do cotidiano dos sujeitos, que desafia ao olhar interdisciplinar e contextualizado na construção de conceitos e práticas. Diz:

A interdisciplinaridade, como método, é a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da realidade; isto é, dos di-versos campos da ciência representados em disciplinas. Isto tem como objetivo possibilitar a compreensão do significado dos conceitos, das razões e dos métodos pe-los quais se pode conhecer o real e apropriá-lo em seu potencial para o ser humano. (RAMOS, 2008, p. 22)

[Leia esse texto 5, na integra, no CD-ROM]

CONSULTANDO O CD-ROM

RAMOS, Marise. Concepção do Ensino Médio Integrado.

PARA POSTAR [1b]2

Leia os textos de Marise Ramos e de Edna Castro. Realize inves-tigação em sua realidade de ensino, buscando identificar possíveis práticas de ensino integrado nas quais o contexto cultural e produ-tivo faça parte ativa do currículo. Busque estabelecer uma relação entre a educação de jovens e adultos e o PEP (Planos de Educação Profissional de Estado do Espírito Santo -2009-2011, da Secretaria de Educação, elaborado por Marcelo Lima, Vitória: SEDU- 2009).

Texto 5 disponível no CD: Concepção do Ensino Médio Inte-grado, de Marise Ramos.

Texto 6 disponível no CD: Os Processos de Formação na Edu-cação de Jovens e Adultos: a “panha” dos girassóis na experiência do PRONERA/MST, de Edna Castro de Oliveira – UFES – [email protected]. GT: Educação de Jovens e Adultos / n.18

2 ver nota1

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1.2.3. A comunidade e a escola

A escola é uma conquista da comunidade, como vimos discu-tindo nos estudos do eixo temático I e II. Nas lutas por dignidade e vida no campo e na cidade os trabalhadores têm buscado garantir educação e práticas sociais inclusivas para seus filhos.

O acesso do filho do trabalhador à escola é uma prática his-toricamente negada pelo poder. A falta de escolas, frágil formação docente, precárias instalações, baixa qualidade e a falta de políticas públicas de educação de qualidade para todos são algumas questões que acompanham a história da educação deste país, quando falamos da educação do trabalhador. Sabemos que ao logo dos quinhentos anos de exploração da terra e de seus trabalhadores muitas foram os enfrentamentos, por vezes sangrentos, que buscavam transformar esta realidade. Contudo, neste início de século XXI, a escola campesi-na ainda não é uma conquista plena.

Analise a imagem que segue e busque contextualizá-la segun-do o tempo e espaço representado/registrado. Comente sobre os su-jeitos presentificados nesta imagem, o contexto histórico-cultural e a composição plástica dos elementos. Exercite esta análise a partir do seu olhar e, na medida do possível, incorpore em sua análise novas referências a partir das leituras feitas.

Grupo escolar, 1940, Pancas – ESFotografia 9 cm X 12 cm, preto e branco - Acervo família Foerste

Em suas análises, leve em consideração o local em que se encon-

trava esta escola. Trata-se de uma construção com paredes de adobe, erguida em mutirão em local estratégico de uma pequena proprieda-de de agricultura familiar de Carlos Foerste, que reunia grande número de crianças e jovens. Também era o local de reuniões de lideranças e das famílias. No período em destaque, na migração e organização dos trabalhadores do campo, iniciativas de escolarização eram mediadas pela comunidade ou recebiam mediação de igrejas. Os moradores lo-

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cais, em mutirão, erguiam escolas, buscavam o professor (que por ve-zes era também Padre ou Pastor). As escolas comunitárias constituem-se como alternativas à omissão do poder público.

Estão presentes no Brasil desde o período colonial, através de instituições religiosas que mantinham a educação no país. Tem gran-de incremento com a chegada de alemães, italianos, poloneses e ja-poneses, visto que é uma das únicas possibilidades encontradas de educalarização.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Leituras sugeridas sobre Escolas Comunitárias :

LUCHESE, Terciane Ângela. “leggere, scrivere e calco-lare”: escolas comunitárias étnicas italianas no Rio Grande Do Sul. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/128TercianeLuchese.pdf>.

LUCHESE, Terciane Ângela. As escolas comunitárias étnicas entre imigrantes italianos no Rio Grande Do Sul. Disponível em: <<. http://www.alb.com.br/anais16/sem07pdf/sm07ss01_09.pdf>.

KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncias de coordenação e estruturas de apoio. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE15/RBDE15_11_LU-CIO_KREUTZ.pdf

AHLERT, Alvori Igreja e escola cola: desafios atuais para as es-colas comunitárias da Igreja Evangélica de Confissão Luterana No Brasil (IECLB) e sua rede associativa. Disponível: <http://revista.inie.ucr.ac.cr/articulos/3-2006/archivos/igreja.pdf>.

As escolas comunitárias rurais. A experiência de Jaguaré-ES. Disponível em:< http://www.cenpec.org.br/memoria/uploads/F970_003-05-00009%20Educ.Desenv.Municipal-Vol.6.pdf>.

SCHNEIDER, Joni Roloff. Escola comunitária: trama entre su-jeitos e instituição. São Leopoldo: EST/PPG, 2008. Dissertação (mes-trado) – Escola Superior de Teologia. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em Teologia. São Leopoldo, 2008. Disponível em: < http://www.comunitarias.org.br/docs/teses/joni_schneider.pdf>.

Sites Sugeridos:

http://www.comunitarias.org.br/docs/manifesto.pdf

http://www.jusbrasil.com.br/politica/73263/camara-aprova-mudanca-no-conceito-de-escola-comunitaria

http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=55261104&iCveNum=10765

http://www.noticiacapital.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5178:regularizacao-de-escola-comunitaria-debatida-na-camara&catid=42:politica-geral&Itemid=27

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Unidade III: Educação e Linguagens

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Busque aprofundar seus estudos, realizando pesquisa sobre a História da Educação do Campo. Localize suas leituras no início do século XX. O breve texto que segue poderá abrir pistas para suas in-vestigações e leituras.

CONSULTANDO O CD-ROM

[...]Entre os anos de 1910 e 1920 aconteceu no Brasil grande mo-

vimento migratório, levando pessoas do campo para as cidades em busca de trabalho. Este movimento desencadeou discussões sobre a educação do campo, denominado de “Ruralismo Pedagógico” Ca-racterizava-se pela busca de uma escola voltada aos interesses regio-nais, com o fim de fixar o homem do campo no campo.

O ruralismo no ensino permaneceu até a década de 1930, uma vez que a escolaridade mantinha-se vinculada à tra-dição colonial e distanciada das exigências econômicas do momento. Somente após os primeiros sintomas de uma transformação mais profunda no modelo econô-mico agroexportador é que a escolaridade, de maneira geral, tomaria posições mais arrojadas. (LEITE 2002, p.29)

[...]Os anos vinte foram palco de grandes transformações, sobre-

tudo no campo da educação. Sob crescente influência americana, vi-veu o “otimismo pedagógico”, também conhecido como Escola Nova. Anísio Teixeira trouxe para o Brasil grande parte das discussões do educador americano John Dewey. Requeria-se para a educação mais escolas, novas práticas, mudanças na arquitetura escolar. A Escola Nova defende a escola pública, laica e universal (segundo valores li-berais). A expressão “otimismo pedagógico” decorre do depositarem na escola o papel de democratização e transformação da sociedade. Contudo, a educação ainda era muito precária tanto no que se refere à oferta quanto à qualidade e formação de seus profissionais.

Tal condição se prolonga no período da República Velha, a des-peito desta defender que a escola pode ser fator desenvolvimentista. Mas no campo a escolarização do filho do trabalhador continuou de-sordenado e com pouco investimento.

Entre 1930 e 1937, “na Era Vargas” a produção industrial supe-rou a agrícola e os centros urbanos cresceram demograficamente e, conseqüentemente, os setores de serviços. Isso acarretou um ressen-timento também na exigência das pessoas em não se submeterem aos trabalhos braçais, exigindo cada vez mais a educação e a escola, pois a intenção era a de que pudessem ficar fora do serviço físico bruto.

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Vargas, então, criou um plano de “reconstrução nacional”, em 03 de novembro de 1930, onde um dos itens falava sobre educação e, pelo Decreto nº. 19.850 (11/04/1931) criava o Ministério da Instru-ção e Saúde Pública. Inicialmente, esse Ministério foi gestado por Francisco Campos (1930 - 1932), na qual criou, em 1931, o Conse-lho Nacional de Educação, organizando o Ensino Superior no Brasil, adotando o chamado “regime universitário”; em seguida, organizou a Universidade do Rio de Janeiro; organizou o ensino secundário; or-ganizou o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador e outras.

[...]Segundo Leite (2002), apesar da escolarização fazer parte des-

se ideário, dando suporte para a industrialização, o processo escolar campesino mantinha-se inalterado. Nas escolas do campo, a missão do professor era a de convencer o homem do campo a permanecer marginalizado dos benefícios que a população urbana possuía. A po-lítica educacional era voltada para o ensino vocacional urbano, desti-nado especialmente às classes populares, mediante as possibilidades do mercado de trabalho.

Já as Universidades cresceram nessa época. Passaram a ter maior autonomia didática e administrativa, voltaram-se para o inte-resse à pesquisa e à difusão da cultura, visando beneficiar a socieda-de. Somente por volta de 1936, houve impulso no campo de forma-ção do magistério, e, em 1937, diplomam-se, no Brasil, os primeiros professores licenciados para o ensino secundário.

Segundo Ghiraldelli (2003), em 1º de novembro de 1932, Var-gas designou uma comissão para a elaboração do anteprojeto de constituição, a ser aprovado pelo governo provisório à Assembléia Nacional Constituinte. A Associação Brasileira de Educação24 (AEB), por sua vez, havia decidido pela formação de uma “Comissão dos 10”, que seria encarregada de elaborar um estudo sobre as atribuições relativas à educação, respectivas dos governos federal, estaduais e municipais. Tal estudo deveria ser referendado pela “Comissão dos 32”, composta pelos delegados representantes de cada estado. E as-sim aconteceu, sendo o estudo da AEB transformado em anteprojeto para a Constituinte, com o título de O problema educacional e a nova Constituição. (p.74).

Este texto, aprovado pela Constituinte, garantiu a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário integral, além disso, garantiu a tendência à gratuidade para o ensino secundário e superior; o reco-nhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino ficou con-dicionado ao fornecimento de um “salário condigno aos professores”; a liberdade de cátedra; e, a fixação da quantia de 10%, retirada dos impostos arrecadados pela União, destinada ao “sistema educativo”.

Dessa forma, podemos concluir que os anos 30 foram, ideolo-gicamente, ricos, mas não duradouros, pois, em 1937, sob o pretex-to de combate ao comunismo e de manter a unidade e a segurança da nação, Vargas desfechou um golpe que institucionalizou o Estado Novo e abafou os debates educacionais até então existentes.

Indicação de Leitura

PEZZIN, J. Professores (as) Sem Terra: um estudo sobre práticas educati-vas do movimento dos trabalhado-res rurais sem terra Disponível em: http://www.ppge.ufes.br/dissertaco-es/2007/JOSIMARA%20PEZZIN.PDF Acessado em março de 2010.

LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: ur-banização e políticas educacionais. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

PERINI Luciene. A Linguagem do Aluno do Campo e a Cultura Escolar: um estudo sobre a cultura e o cam-pesinato na escola básica. Disponível em: http://www.ppge.ufes.br/disser-tacoes/2007/LUCIENE%20PERINI.pdf Acessado em março de 2010.

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Somente por volta de 1937 é que o Estado Novo dá certa aten-ção à escola do campo, sendo criada a Sociedade Brasileira de Educa-ção Rural, com o objetivo de expansão do ensino e preservação da arte e do folclore do campo. Na verdade, a idéia era a de que era preciso al-fabetizar, mas sem se descuidar dos princípios de disciplina e civismo.

Em 1942, realizou-se o VIII Congresso Brasileiro de Educação, cujas teses reafirmavam a necessidade de uma escola que despertas-se e formasse uma consciência cívica e trabalhista que fizesse desa-parecer a humilhação e o desprestígio impresso no trabalho do cam-po desde os tempos da escravatura.

Segundo Leite (2002),

Nem liberal nem capitalista monopolista, mas com um discurso essencialmente conservador-nacionalista, esse Congresso de Educação não definiu claramente os óbi-ces da produção agrícola brasileira e da própria edu-cação rural, mas sabia que ela era essencial para a ma-nutenção do status quo não só da sociedade como do próprio Estado. (p. 31)

[...]A inspiração para o processo educativo do Estado Novo era a

escolanovista, pois, seus princípios falavam em desenvolver o ensino de modo sistemático e graduado, segundo os interesses da infância; a didática seria de acordo com as atividades dos alunos e o ensino de acordo com seu ambiente; desenvolver o sentimento de solida-riedade; e, revelar as aptidões dos alunos; etc.. Tornou-se um para-doxo, pois, o liberalismo pedagógico em sua vertente escolanovista acomodava-se ao regime ditatorial do Estado Novo (texto adaptado).

Fragmento do Texto 7, PERINI Luciene. A Linguagem do Aluno do Campo e a Cultura Escolar: um estudo sobre a cultura e o campe-sinato na escola básica.

[Leia esse texto 7, na integra, no CD-ROM]

Disponível também em: http://www.ppge.ufes.br/dissertaco-es/2007/LUCIENE%20PERINI.pdf Acessado em março de 2010.

PARA DISCUTIR EM GRUPO

Considerando as discussões acima, analise a imagem. Dimen-sione em sua análise três pontos básicos:

a) o contexto da produção desta imagem (tempo e espaço);

b) a realidade histórico-social do grupo representado;

c) a máxima: educação é direito de todos.

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Unidade III: Educação e Linguagens

No Estado do Espírito Santo a educação do campo é tema de debate ao longo da história de muitas gerações. Desde as escolas jesuíticas (entre elas o MEPES), passando pelas escolas de assenta-mento e lutas por educação e ter do MST, até os planos de educa-ção municipais e estadual, conforme vimos discutindo nas unidades temáticas anteriores. Na UFES, a Educação do Campo é objeto de pesquisa, extensão e ensino em diferentes centros e Programas de Pós-Graduação, especialmente na última década.

No que se refere à formação continuada de professores do cam-po o Centro de Educação da UFES, desenvolve desde 2005 o Curso de Extensão em parceria com secretarias municipais de educação de diver-sos municípios capixabas. Muitos projetos de ensino e pesquisa foram desenvolvidos pelos participantes deste curso. Os materiais vêm cons-tituindo importante banco de dados e informação sobre a realidade do campo, em especial sobre as práticas educativas nas escolas campesi-nas neste estado e, assim, contribuem na investigação do o conjunto de sujeitos que discutem e fazem a escola campesina capixaba.

PARA DISCUTIR EM GRUPO

Analise as fotos disponibilizadas a partir do acervo fotográfico de Vilma Gruenewald Jacob Tesch. Observe, na materialidade imagé-tica, contexto e os sujeitos representados.

Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Luiz Jolffroy”

Encerramento do ano letivo 1968Acervo: Vilma Gruenewald Jacob Tesch

Pessoas retratadas: Germano Julius Stabenow, Olga Reetz Coelho, Adalgisa de Oliveira Paula, Dona Mônica (parteira), alunos do 4° e 5° ano e Vilma Gruenwald Jacob Tesch.

Fotografia 6 cm por 9 cm, revelada em preto e branco.

Indicação de Leitura

CALAZANS, Maria Julieta Costa. (et all) Educação e Escola no campo. Campi-nas, SP: Papirus, 1993.

CALDART, R. S; CERIOLI, P. R. & FER-NANDES, B. M. Por uma Educação Bá-sica do Campo. Contexto & Educação / Universidade de Ijuí – v. 13, n. 52, out./dez. – Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998.

CALDART, Roseli Salete. Educação em movimento: Formação de educadoras e educadores no MST. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

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Unidade III: Educação e Linguagens

A fotografia retrata o encerramento do ano letivo em 1968, onde diplomas confeccionados pelos professores foram entregues aos alunos do 4° e 5° ano.

Os diplomas estão sendo entregues pelo senhor Germano Julius Stabenow e ao seu lado a professora Olga Reetz Coelho.

O uniforme usado era camisa branca com gravata, bermuda azul (meninos) e saia plissada vermelha (meninas).

A fotografia mostra a parte interna da escola (banheiros ao fun-do, sala de aula ao lado) onde mesas foram postas com os diplomas e as comidas.

1.3. Tempos e contextos da escola do campo

Espírito Santo é um Estado com grande diversidade cultural. Como vimos estudando ao longo deste curso, as expressões das cul-turas indígenas, quilombola, pomerana, italiana, portuguesa, entre outras são significativas na constituição do povo capixaba. Assim, fa-lar em capixaba significa agregar ao conceito a diversidade de sabe-res e sujeitos que o constituem.

Conforme mencionamos anteriormente, desde o ano de 2005 vimos desenvolvendo trabalhos na formação continuada de profes-sores do campo, através de Curso e Extensão universitária, na Uni-versidade Federal do Espírito Santo, em parceria com secretarei as municipais de educação de diversos municípios capixabas. Decor-rente deste estudo, no ano de 2006 foram desenvolvidas atividades na EMEF “SOÍDO”, com turmas do 1º e 2º período da Ed. Infantil, pela Profª INEIDE. O tema do trabalho realizado com crianças de 5 anos envolveu questões de diversidade e campo. Conheça a síntese do projeto através dos slides apresentados pelo grupo.

Destaque os principais méritos deste trabalho e relate, se possível experiências desenvolvidas em sua escola com projetos semelhantes.

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PARA DISCUTIR EM GRUPO

Projeto : Brasil um país de muitas raças

Tema: Diversidade

Dinâmica: a pessoa mais importante. Quem será?

Recorte e montagem de painel com figuras de pessoas Debate sobre a diversidade cultural existentes em nosso país

Texto e Imagens extraídos do trabalho apresentado por professores de Domingos Martins, no ano de 2007. Disponível no banco de da-dos do Programa de Formação Continuada de Professores do Cam-po, coordenado pelo Prof.Erineu Foerste

PARA DISCUTIR EM GRUPO

[Leia o texto 8, na integra, no CD-ROM]

O que é contexto? A fim de construir sua resposta recorra não apenas ao dicionário, mas à narrativa de Paulo Freire, no texto A Im-portância do Ato de Ler, ao poema de Patativa do Assaré, que segue, e a realidade vivida por você.

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Triste Partida Patativa do AssaréComposição: Patativa do Assaré

Meu Deus, meu Deus. . .

Setembro passou Outubro e Novembro Já tamo em Dezembro Meu Deus, que é de nós, Meu Deus, meu Deus Assim fala o pobre Do seco Nordeste Com medo da peste Da fome feroz Ai, ai, ai, ai

A treze do mês Ele fez experiência Perdeu sua crença Nas pedras de sal, Meu Deus, meu Deus Mas noutra esperança Com gosto se agarra Pensando na barra Do alegre Natal Ai, ai, ai, ai

Rompeu-se o Natal Porém barra não veio O sol bem vermeio Nasceu muito além Meu Deus, meu Deus Na copa da mata Buzina a cigarra Ninguém vê a barra Pois a barra não tem Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra Descamba Janeiro, Depois fevereiro E o mesmo verão Meu Deus, meu Deus Entonce o nortista Pensando consigo Diz: “isso é castigo não chove mais não” Ai, ai, ai, ai

Apela pra Março Que é o mês preferido Do santo querido Senhor São José Meu Deus, meu Deus Mas nada de chuva Tá tudo sem jeito Lhe foge do peito

O resto da fé Ai, ai, ai, ai Agora pensando Ele segue outra tria Chamando a famia Começa a dizer Meu Deus, meu Deus Eu vendo meu burro Meu jegue e o cavalo Nós vamos a São Paulo Viver ou morrer Ai, ai, ai, ai

Nós vamos a São Paulo Que a coisa tá feia Por terras alheia Nós vamos vagar Meu Deus, meu Deus Se o nosso destino Não for tão mesquinho Cá e pro mesmo cantinho Nós torna a voltar Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro Jumento e o cavalo Inté mesmo o galo Venderam também Meu Deus, meu Deus Pois logo aparece Feliz fazendeiro Por pouco dinheiro Lhe compra o que tem Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão Ele joga a famia Chegou o triste dia Já vai viajar Meu Deus, meu Deus A seca terrível Que tudo devora Lhe bota pra fora Da terra natá Ai, ai, ai, ai

O carro já corre No topo da serra Oiando pra terra Seu berço, seu lar Meu Deus, meu Deus Aquele nortista Partido de pena De longe acena

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Adeus meu lugar Ai, ai, ai, ai

No dia seguinte Já tudo enfadado E o carro embalado Veloz a correr Meu Deus, meu Deus Tão triste, coitado Falando saudoso Seu filho choroso Exclama a dizer Ai, ai, ai, ai De pena e saudade Papai sei que morro Meu pobre cachorro Quem dá de comer? Meu Deus, meu Deus Já outro pergunta Mãezinha, e meu gato? Com fome, sem trato Mimi vai morrer Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena Tremendo de medo “Mamãe, meus brinquedo Meu pé de fulô?” Meu Deus, meu Deus Meu pé de roseira Coitado, ele seca E minha boneca Também lá ficou Ai, ai, ai, ai

E assim vão deixando Com choro e gemido Do berço querido Céu lindo azul Meu Deus, meu Deus O pai, pesaroso Nos filho pensando E o carro rodando Na estrada do Sul Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo Sem cobre quebrado E o pobre acanhado Procura um patrão

Meu Deus, meu Deus Só vê cara estranha De estranha gente Tudo é diferente Do caro torrão Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano, Três ano e mais ano E sempre nos prano De um dia vortar Meu Deus, meu Deus Mas nunca ele pode Só vive devendo E assim vai sofrendo É sofrer sem parar Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia Das banda do norte Tem ele por sorte O gosto de ouvir Meu Deus, meu Deus Lhe bate no peito Saudade lhe molho E as água nos óio Começa a cair Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado Ali vive preso Sofrendo desprezo Devendo ao patrão Meu Deus, meu Deus O tempo rolando Vai dia e vem dia E aquela famia Não vorta mais não Ai, ai, ai, ai

Distante da terra Tão seca mas boa Exposto à garoa À lama e o paú Meu Deus, meu Deus Faz pena o nortista Tão forte, tão bravo Viver como escravo No Norte e no Sul Ai, ai, ai, ai

Disponível no site:http://letras.terra.com.br/patativa-do-assare/1072884/

Veja também: A Triste Partida (animação)http://www.youtube.com/watch?v=0s4BbHxpUKY&feature=related

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2 – Linguagem e Conhecimento

“Entre objetos e palavras – principalmente entre palavras - circulamos”

(Carlos Drummond de Andrade)

Henrique Theodor, Colheita do caféSanta Tereza 2004

Conhecimento, linguagem e cultura são conceitos amplamen-te utilizados no âmbito das Ciências Humanas e Sociais, e de modo bem intenso nas Ciências da Educação e Linguagem. De modo que, se lançarmos essas “palavras” no site do Google, abrir-se-á diante de nós, uma multiplicidade de fontes de trabalhos, pesquisas, estudos, reflexões, etc., envolvendo pessoas de diferentes lugares acadêmicos e não-acadêmicos, de diferentes épocas e contextos. Para início de nossa conversa, convidamos vocês, para, também manifestarem suas concepções sobre esses assuntos.

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PARA DISCUTIR EM GRUPO

Vamos, entrem nesse debate interdiscursivo amplo que envol-ve os conceitos Conhecimento, Linguagem e Cultura. Vocês podem fazer isso, aqui no próprio texto, nas linhas abaixo, ou, à parte, confor-me seu hábito de estudo.

(1) Primeiramente, façam um esforço metodológico e tentem apenas conceituar:

Conhecimento:___________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Linguagem:___________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Cultura:___________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

(2) A seguir, escrevam um texto explicando como que tais con-ceitos se inter-relacionam. Na medida do possível, façam isso em grupo. Discutam com alguém, mesmo que a atividade de escrita seja individualizada. Assim podemos exercitar nossa condição humana de sujeito social.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Tenha liberdade de escrever mais ou menos de cinco linhas. Essa atividade pode ser feita aqui no próprio texto, ou , à parte, no ca-derno e/ou fichário de estudos e anotações de cada um ...

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CONSULTANDO O CD-ROM

Como já sabem, no CD-Rom que acompanha este Caderno, vocês encontram alguns textos-base de estudiosos que vêm se de-bruçando sobre esses temas. Recomendamos, sobre o assunto, a lei-tura do texto 9, do pesquisador Carlos Brandão “Saber para si, saber com os outros”. Recomendamos, também, o texto 10, da professora Fiorot-Costalonga (2009), no qual, essa discussão aparece no contex-to de uma reflexão sobre o “O papel do Conhecimento nas Socieda-des Humanas”, disponibilizado para esse curso como “contribuições à educação dos educadores do campo”. Nele, vocês encontram alguns desdobramentos da reflexão iniciada pela própria autora, conforme se segue.

Para reflexão conjunta...

Elida Fiorot-Costalonga

A discussão sobre o tema “Interculturalidade, Interdisciplina-ridade e Educação do Campo não pode prescindir do conceito de Linguagem, quer como conhecimento, quer como prática social, sob pena de deixarmos à margem o contexto-base no qual se constitui e se exprime o humano no mundo e o mundo do humano de forma inter-multicultural e inter/transdiciplinar. Em outras palavras, a Lin-guagem (todas as linguagens!) revela a multidimensionalidade da história da humanidade. Esse fenômeno vivo, complexamente multi-dimensional, multicultural têm se revelado às abordagens disciplina-res um obstáculo à sua apreensão e apresentação nos processos de ensino e aprendizagem.

A Linguagem é conhecimento, é cultura. Parafraseando Edgar Morin (1999, 2001) podemos dizer que a Linguagem está na Cultura que está na Linguagem. Da mesma forma, o Conhecimento que é também Cultura, necessita da Linguagem para revelar-se ao mundo. E, é justamente nesse processo interdiscursivo das sociedades huma-nas que a Linguagem se configura como objeto de estudo que explode e expande no mundo (na academia e na vida cotidiana) como uma rede de enunciações infinitas (BAKHTIN,1995) transdisciplinares, multiculturais.

Todavia, é preciso entender que a Linguagem que exprime a Humanidade, não assegura a humanização do mundo compartilha-do. Por vezes, dependendo dos interesses que forjam sua enunciação, ela pode adquirir estatuto de poder, de controle, de manipulação e subjugação ideológica, intelectual e econômica de alguns “homens sobre outros homens”. Isso implica em que, a linguagem pode tanto aproximar, como também, afastar indivíduos e grupos, segregar e ri-valizar, pondo comunidades inteiras umas contra as outras.

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Faz-se oportuno, nesse momento, repor a pergunta: Que papel tem a cumprir a Educação do Campo nesse contexto histórico, senão o de instituir o diálogo - linguagem humana por excelência – como método e meta para religar saberes, conhecimentos, linguagens e culturas? Talvez, a Educação do Campo pudesse antecipar-se, inde-pendentizar-se, em relação à hegemonia da “Educação do Centro”, e, ir em busca do tempo perdido (Proust), religando escolas, famílias, instituições outras: movimentos sociais, campesinos ou não, das ci-dades com suas favelas. Talvez, a Educação do Campo possa ensinar a resiliência às avessas – ao invés de adaptar-se passivamente às situ-ações de opressão, resistir/insistir no diálogo.

Como nos ensinou Paulo Freire o diálogo é uma ação política por excelência, e por isso mesmo, apresenta-se como possibilidade de dester-ritorialização de conhecimentos e saberes, culturas e linguagens. Articu-lados, transterritorialmente, os seres-humanos, do campo e da cidade, podem ser uma rede de educação e proteção social comprometida com a humanização do mundo compartilhado. Uma vez que a pluralidade é uma das condições existenciais básicas da vida humana na Terra.

Conversas paralelas, para provocar novas reflexões...

Elida Fiorot-Costalonga

Ao tocar na humanização do mundo como um compromisso compartilhado, sinto-me evocada por uma conversa paralela entre a filósofa alemã do século XX Hannah Arendt (1906-1975) e um ca-cique indígena, século XIX, em sua carta-resposta (1854) ao Governo dos Estados Unidos que tentava comprar as suas terras.

Nossa educação, particularmente, escolar, tende a inibir “COn-VErSAs PArALelAs. Entendemos essas conversas como uma expres-são de que a nossa aula, possa estar passando algo para os nossos alunos interlocutores. São, portanto, evocações enunciativas que de-vem ser convidadas a participação da aula e do processo discursivo-comunicativo em ação pedagógica. Ouçamos, então, as falas de Han-nah Arendt e o Cacique Indígena3 ,

Hannah Arendt (2009), filósofa alemã – século XX, ante a histó-rica polêmica do senso comum, segundo a qual, “o que é bom para um é mau para outro”, defende ela:

Do ponto de vista do mundo, o que importa é que o mau foi feito: e aí se torna irrelevante saber quem se saiu melhor - o autor ou a vítima. Na qualidade de cidadãos, nós devemos evitar que o mal seja cometido, porque está em jogo o mundo em que todos – o mal-feitor, a vítima e o espectador – vivemos. E reafirma Arendt “a lei da Terra não permite escolha, quando a comunidade em seu conjunto

3 Percebem, como e porque a linguagem é transdisciplinar, transcultural? Percebem que ela é também transtemporal?

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for violada”. Um século antes de Arendt, o chefe indígena Seattle – (1854)

em sua carta-resposta ao Governo dos Estados Unidos que tentava comprar as suas terras, disse o seguinte:

“Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a Terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensi-namos às nossas, que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra.

Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o san-gue que une uma Família. Há uma ligação em tudo.

O que ocorre com a terra, recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu o tecido da vida: ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo”.

Percebem a transculturalidade desse diálogo? Percebem nessa “conversa paralela” transtemporal e transterritorial, o desenvolvimen-to de um processo interdiscursivo em defesa da propalada susten-tabilidade da vida ? – responsabilidade que nos é posta e reposta, continuamente, pela presença das crianças no mundo (!!!)

Levando em conta essa “conversa paralela”, notadamente o con-teúdo ético-humanitário nela em enunciação, somos provocados a pensar o quanto complexa é a sociogênese da condição humana no planeta Terra. Essa conversa nos confronta com um exemplo de di-álogo político-pedagógico – flagrado, por nós, para evidenciarmos como sociedades se constroem e são construídas a partir de intera-ções bio-psico-sociais e político-econômicas entre indivíduos e gru-pos. A produção/invenção de linguagens, saberes, mitos, tradições e culturas, faz-se nesse processo coletivo, profundamente contraditó-rio, ambíguo e conflitante.

Assim, se é verdade que as línguas e as linguagens não se cons-tituem em atividades individuais, mas fazem parte do legado histó-rico-cultural da humanidade, igualmente, não há dúvidas quanto à contradição dessa história: esse patrimônio cultural (conhecimentos, culturas e lnguagens) não são devolvídos/distribuídos, igualitaria-mente, entre os seus criadores (!).

Como vimos, a construção do conhecimento está inegavelmen-te relacionada à Linguagem e à Cultura. Os homens em diferentes contextos produzem distintas práticas e saberes, mediados pela lin-guagem. A Linguagem (as linguagens, todas!), é ela mesma, um co-nhecimento histórico-cultural construído pelas sociedades humanas, em processo de comunicação e interação homem-homens-mundo”.

De acordo com esse raciocínio, a aprendizagem em geral, ou de

Indicação de Leitura

Conheça do autor as obras:

MORIN, Edgar. O método2: a vida da vida. 3 ed., Portugal: Publicações Eu-ropa-América, 1999. 440p.

______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F.da Silva e Jeanne Sawaya. Brasília/DF: UNESCO, São Paulo: Cor-tez, 2000.

______. O método 4 As idéias: habitat, vida, costumes, organização. Trad. Ju-remir Machado da Silva. Porto alegre: Sulina, 2001, 320p.

______. O método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto alegre: Suli-na, 2002a. 304p.

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uma língua ou linguagem em particular, se realiza na mediação entre os sujeitos, e nesse encontro, ampliamos nossas referências de vida, reelaboramos concepções de mundo, conhecemos/interpretamos o que nos rodeia, bem como o que transcende nosso espaçotempo.

Podemos transformar valores, princípios e saberes, construir realidades sociais mais respeitosas e tolerantes com “as diferenças”, bem como, dentro de grupos sociais constituído de “semelhantes”. São notórios os debates intensos sobre a necessidade de inclusão dos diferentes na escola, isso é salutar. Porém, não podemos ignorar que é justamente entre os pares semelhantes que, dia a dia, crescem as segregações, os guetos, as igrejinhas, em conseqüência dos confli-tos de idéias, da disputa pelo poder, da defesa de Verdades!!!

Particularmente quanto ao Conhecimento, esquecemos que esse nunca se completa, não é algo dado para sempre, mas sim, um processo em construção e reconstrução constante na interação que estabelecemos com os mundos: natural e social. Esta construção se efetua como processo social ininterrupto, no qual, a linguagem ad-quire, a um só tempo, a função de ser conhecimento e tecnologia de acesso à realidades múltiples: humanas e não-humanas, objetivas e subjetivas ... e, por isso mesmo, a linguagem serve também como poderosa ferramenta de controle ideológico-social.

ATENÇÃO!Por vezes, é necessário retornar aos textos lidos. Relê-los

pode ser interessante para a formulação de novas idéias e con-ceitos, saberes e conhecimentos.

PARA DISCUTIR EM GRUPO

Agora é hora de retomar aquelas concepções prévias (PARA DISCUTIR EM GRUPO), estabelecer relações entre os conceitos e, a partir das novas leituras e reflexões, reconceitualizar: “Conhecimen-tos”, “Linguagens” e “Culturas”.

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PARA DISCUTIR EM GRUPO

Comentem os excertos - transcrições de textos:

Excerto 1 - O ser humano, no decorrer do seu processo evo-lutivo histórico e social, desenvolveu capacidades sociopsicológicas, as quais lhe permitiram criar linguagens, produzir culturas, tecer co-nhecimentos, inventar tecnologias: e com tudo isso, fazer, registrar e contar História. É-nos, quase impossível, imaginarmos o desen-volvimento da vida e da organização dos humanos, em sociedades complexas, tal como elas se apresentam hoje, sem a existência e o desenvolvimento da Linguagem, em suas várias formas de expres-sões (inclusas aqui estão as pausas, os silêncios discursivos, os ruídos ambíguos, etc.,) a partir das quais, os seres humanos não apenas se comunicam, mas, também, dão-se a conhecer ao mundo. *

[Leia esse texto 11, na integra, no CD-ROM]

Comentário: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Excerto 2 - A cada momento da vida o aprender-a-saber tem a ver com importantes transformações qualitativas de todo o sistema que constitui um organismo vivo. Assim, quase se pode dizer que, ao aprender, não se “sabe mais”, mais se sabe “de uma outra maneira”. Quando uma criança aprende algo significativo que não conhecia antes, ela não aprendeu apenas “aquilo”. Através “daquilo” ela alterou de algum modo todo o seu sistema cognitivo. Isto pode significar que ela modificou qualitativamente toda a sua vivência vital. **

[Leia esse texto 9, na integra, no CD-ROM]

Comentário: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Leiam na sequencia, a clássica frase de Paulo Freire, e, façam um comentário articulando o pensamento freireano às reflexões anteriores.

Excerto3 - “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”. (FREIRE, 1989). ***

[Leia esse texto 8, na integra, no CD-ROM]

Comentário: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Indicação de Leitura

Leia o texto de Paulo Freire. Disponí-vel no site: http://moodle.stoa.usp.br/file.php/193/PAULO_FREIRE/A_im-portancia_do_ato_de_ler.pdf

Leia o texto de Luiz Felipe Ribeiro. Disponível no site: http://revistabrasil.org/revista/artigos/crise.htm .

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CONSULTANDO O CD-ROM

* FIOROT-COSTALONGA, Elida. O que é a escrita e como abordá-la na Escola: em Comunidades Culturais Campesinas e outras.

** BRANDÃO, Carlos, Saber para si, saber com os outros.

*** FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler.

PARA POSTAR [2]

1 - Reúnam-se em grupo, e, tomando como referência os textos indicados como leitura na página anterior (FREIRE, 1989) e (Ribeiro, 2006) e discutam os conceitos de língua, signo e linguagem, pondo-os em relação à atividade de leitura e a prática de ensinar a ler e es-crever. Proponha essa discussão na Plataforma. Agende dia e horário. Coordene esse Fórum de Discussão

2 - Pesquise na Internet e divulgue na plataforma moodle, Obras e Dados Biográficos:

• Algumas obras de Paulo Freire sobre o ensino da leitura e escrita• Alguns dados sobre sua vida: formação acadêmica e prática social

3 – Ensino da Língua Materna

Apesar do Brasil apresentar como língua nacional, o Português, a língua apresenta variantes linguísticas decorrente de fatores como a grande extensão do território nacional e as particularidades socio-culturais em distintas regiões. Especialmente no contexto campesino as variantes linguísticas representam importante fator de diferencia-ção e, por vezes, de exclusão social. Além das variantes na língua materna, encontramos na realidade brasileira muitos grupos bilín-gues (como é o caso dos índios guaranis, os descendentes pomeran-dos, italianos, entre outros povos tradicionais que conservam como língua materna o legado de seus ascendentes). Em alguns casos, as crianças em seus primeiros anos de vida, no seio da comunidade de origem, falam apenas a língua corrente na comunidade. Apenas no tempo de seu ingresso na escola terão como desafio o aprendizado da língua oficial brasileira. Este é um dos desafios da escola, especial-mente, campesina.

A escola reúne em suas salas de aula sujeitos de diferentes gru-pos culturais e sociais. O currículo escolar nem sempre tem dado a devida atenção para diversidade e para as diferenças dos sujeitos e da comunidade em seu entorno. Este é um tema recorrente nas dis-cussões sobre currículo e fracasso escolar.

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No que se refere à lingua e linguagem, necessitamos de mais estudos e proposição de novas práticas educativas que se alicercem no ensino da língua materna como espaço de respeito às diferenças e como possiblidades de conhecimento, ao mesmo tempo que atenda às particularidades locais, no sentido da cultura, bilinguismo e saberes.

A criança pequena se expressa por diferentes meios, atravé de uma linguagem sincrética. Gesto, som e grafismo se articulam para di-zer isso « Este é meu Au-au ». Ao iniciar o processo de leitura e escrita seus conhecimentos não podem ser descuidados e desconsiderados.

A criança, na qualidade de intérprete ativo, ao escrever, age com os signos (visuais, sonoros, gestuais, etc) e de-mais elementos de sua cultura. Em sua prática discursi-va infantil se tem representações da fala, têm também imitação, fantasia, imaginação, invenção, memorização, codificação dos registros, sinais, e símbolos de sua cul-tura, para os quais tenta encontrar e construir sentido. (FIOROT-COSTALONGA, 2010).

PARA DISCUTIR EM GRUPO

InformaçãoO texto “O que é a escrita e como abordá-la na escola: em co-

munidades culturais campesinas e outras”, de autoria da professora-pesquisadora Fiorot-Costalonga encontra-se disponível no CD-ROM, texto 11. Alguns trechos foram transcritos para esse Caderno, por re-comendação da autora, revisora, com a finalidade de focar a discussão no tema em questão nesse bloco de estudos, qual seja: o ensino da língua materna.

Leiam na íntegra o texto 11, escrito especialmente para sua par-ticipação na Mesa Redonda e Debate sobre Abordagens teórico-me-todológicas do ensino da leitura e escrita: [ensinar e aprender - um processo de comunicação entre os seres humanos, no mundo] PRO-GRAMA ESCOLA ATIVA-FORMAÇÃO DE FORMADORES MÓDULO III - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO- MEC/SECAD/UFES/SEDU, Vitória, ES, março, 2010.

Assim, explicita a autora, as premissas da abordagem teórico-metodológica adotada para discutir o ensino da leitura e escrita - en-sinar e aprender – como um processo de comunicação entre os seres humanos, no mundo:

Concepção de Homem – os seres humanos são “intérpretes ativos” que se diferenciam dos demais seres do mundo porque buscam sen-tido: interpretam mundos para conhecer e significar suas existências.

Concepção sociopedagógica - todo conteúdo de ensino é veicu-lado através de determinadas formas discursivas que fazem do ensino em relação à aprendizagem [e vice-versa] um processo de comunica-ção entre: professor/alunos/objetos de estudos curriculares [e outros] – o que configura diferentes tríades didáticas discursivas – [aula].

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aula

Fonte: FIOROT-COSTALONGA, 2010

Como podemos ler, a autora apresenta inicialmente suas con-cepções de base, a partir das quais propõe algumas sugestões de práticas de ensino de leitura e escrita para as escolas e comunidades campesinas (e outras, como a própria professora, signaliza).

SIGNALIZAÇÕES CONCEITUAIS

• A aprendizagem é um processo biopsicológico e sócio-cultural. • O ser humano se constitui na História, nas inter-relações entre

Natureza, Cultura e Linguagens e Sociedade; • O ser humano - intérprete ativo no mundo que busca e produz

sentido; • A invenção histórica da Escrita a partir da tríade social: Homem/

Homens/Mundo; • Na história da comunicação Homem/Homens/Mundo: o sujeito-

intérprete • Constitui-se como sujeito-de-discurso (fala e escreve para um

Outro);• A aprendizagem da escrita promove reorganização/formação

de novas formas de pensar, interpretar, compreender/explicar o mundo.• O desenvolvimento cultura se articula ao desenvolvimento cog-

nitivo-afetivo que são inseparáveis;• Aprender a pensar com conceitos e a inter-relacioná-los contri-

bui para o desenvolvimento bipsicológico e sócio-cultural;

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SIGNALIZAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS PARA O CAMPO E OUTRAS COMUNIDADES CULTURAIS

• Aprender a ensinar CRIANÇAS a “ler e escrever” inspirando-se na historia da invenção da Escrita pela humanidade, a partir das intera-ções sociais, linguísticas e discursivas entre Homem/Homens/Mundo – tríade didática social;

• Tríade didática social – tríade didático-pedagógica: põe e repõe em relação professor/alunos/Escrita;

• O ensino-aprendizagem da escrita e leitura deveria abordar a criança em processo de comunicação com os códigos e linguagens de sua Cultura;

• Ponto de partida – o texto – Ponto de chegada – o Mundo e suas realidades múltiplas. Lemos para conhecer coisas, seres, entida-des, fatos, processos, fenômenos, sensibilidades, expressividades afeti-vas, psicológicas, intelectivas (enfim, interpretamos textos para conhe-cermos mundos materais e imateriais, simbólicos, virtuais, objetivos/subjetivos, etc);

• Alfabetizar: processo de análise/síntese: do texto à letra do texto;• Planejar aprendizagens de acordo com cada tipo de texto (por

em relação significados e sentidos sociais dos diversos tipos de texto);• Organizar Projetos de leitura e escrita para trabalhar determi-

nados tipos específicos de textos: informativos, literários, poéticos, narrativos, religiosos, descritivos, argumentativos, normativos, expli-cativos, didáticos, filosóficos;

• Comparar e observar que: quando muda o tipo de texto, muda o conteúdo e a forma do discurso porque mudam os objetivos, mu-dam os interlocutores (reais ou imaginários) muda, portanto, o sentido social do texto/discurso.

Onde não há texto não há também objeto de estudo nem de pensamento (…) Onde o homem é estudado for a do texto e independente do texto, não se trata mais de ciências humanas, mas de anatomia, de fisiologia huma-na, etc. (…) O texto é o dado primeiro (uma realidade) e o ponto de partida de todas as disciplinas da ciências humanas” Bakhtin (1995. p.78)

• Fazer um levantamento dos tipos de textos que circulam em cada comunidade campesina (será que há textos diferentes disponí-veis e em uso nas diferentes famílias: dos latifundiários, dos colonos, dos que atuam no agronegócio, na agricultura familiar, nos povoa-dos e nos sertões, nas diferentes grupos religiosos, entre as famílias dos comerciantes, etc. Que textos são lidos e escritos na e para as atividades culturais campesinas?

• Que tipos de textos são usados pelos movimentos sociais do campo? Que outros tipos de textos, as escolas do campo deveriam mostrar, além dos que já são conhecidos pelos estudantes do campo?

• Como envolver todos os alunos das classes multisse-riadas, independente da “série” e idade? (romper com a seria-ção, dentro da sala de aula. Durante o ensino-aprendizagem,

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todos podem aprender, em comunicação uns com os outros!!) Isso não exclui momentos de realização de tarefas/atividades in-dividuais. Trata-se de uma questão de Planejamento Coletivo com distribuição de responsabilidades. Por exemplo, pode-se:

- Promover oficinas literárias com crianças e seus avós, sob a coordenação do professor com os alunos mais velhos da sala. Realizar essa oficina no coreto da igreja, no centro co-munitário, no terreiro/quintal de um morador do campo. Escolher um local público, se possível, fora da escola, um local que reuna condições para se ouvir e contar histórias, contar e ouvir “causos”, relatos de experiências de vida, etc.;

- Organizar momentos para apreciar músicas (letra e melodia, ritmos, etc). Discutir a relação da música com a cultura de suas co-munidades de origem. Incentivar a escrita de letras de músicas;

- Cada tipo de texto abre muitas possibilidades didáticas, tanto para o trabalho na escola como na comunidade: en-volvendo as famílias e os movimentos sociais de cada região e/ou município... etc., etc.

Enfim, que os textos não sirvam apenas de pretextos para trei-nar letras, sílabas e palavras, mas que sua aprendizagem seja uma efetiva prática pedagógica e social inclusiva – de inserção ativa dos aprendizes na Cultura e na História sendo feita pelos seres humanos desse tempo: presente! Na aula da escola e na aula da vida!

FIOROT-COSTALONGA, Elida “O que é a escrita e como abordá-la na escola: em comunidades culturais campesinas e outras “.

[Leia esse texto 11, na integra, no CD-ROM]

PARA POSTAR [3]

Atividade 1Leiam o texto 11 “O que é a escrita e como abordá-la na escola:

em comunidades culturais campesinas e outras” (FIOROT-COSTALON-GA, 2010). Disponível em CD-ROM.

Discutam em pequenos grupos aspectos pontuados pela au-tora à luz da sua experiência nas escolas do campo. Responda: Qual a orientação teórica seguida por sua escola na alfabetização? Qual o material didático adotado em seu município? Que críticas e quais a sugestões que vocês fazem à otimização do processo e introdução das crianças à leitura e escrita.

Formulem um relato-síntese contemplando as discussões/re-flexões realizadas e planejem com o (a) tutor (a) presencial um deba-te sobre essas questões?

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Atividade 2 Acesse ao site : http://www.marcosbagno.com.br/index.htm e

conheça a produção teórica de Marcos Bagno. Leia os textos dispo-níveis nos seguintes endereços eletônicos ou no CD Rom, sobre o ensino da lingua materna.

http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/deu_jornal_do_commercio.htm

http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/art_nada-na-lingua-e-poracaso.htm

A partir das leituras realizadas discuta : Existe ‘erro em português ?

Qual o papel da escola no ensino da lingua materna ?

3.1. O poeta da Roça : Patativa do Assaré

Vamos conhecer um pouco de Patativa do Assaré...

Patativa do Assaré (1909- 2002)

Patativa do Assaré era o nome artístico (pseudônimo) de Antô-nio Gonçalves da Silva. Nasceu em 5 de março de 1909, na cidade de Assaré (estado do Ceará). Foi um dos mais importantes representan-tes da cultura popular nordestina.

Indicação de Leitura

Para complementar seus estudos su-gerimos a leitura do livro Preconceito Linguistico no site abaixo:

http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/liv_preconceito_linguistico.htm

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Poemas mais conhecidos•ATristePartida•CanteLáqueeuCantoCá•CoisasdoRiodeJaneiro•MeuProtesto•Mote/Glosas•Peixe•OPoetadaRoça•ApelodumAgricultor•SeExisteInferno•VacaestrelaeBoiFubá•VocêeLembra?•VouVorá

Disponível em:

http://www.suapesquisa.com/biografias/patativa_assare.htm Acessado em março de 2010.

O Poeta da RoçaPatativa do Assaré

Sou fio das mata, cantô da mão grosaTrabaio na roça, de inverno e de estioA minha chupana é tapada de barroSó fumo cigarro de paia de mio.Sou poeta das brenha, não faço o papéDe argum menestrê, ou errante cantôQue veve vagando, com sua viola,Cantando, pachola, à percura de amô.Não tenho sabença, pois nunca estudei,Apenas eu seio o meu nome assiná.Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,E o fio do pobre não pode estudá.Meu verso rastero, singelo e sem graça,Não entra na praça, no rico salão,Meu verso só entra no campo da roça e dos eitoE às vezes, recordando feliz mocidade,Canto uma sodade que mora em meu peito.

Disponível em http://letras.terra.com.br/patativa-do-assare/872145/

Sugestão de Site

http://www.revista.agulha.nom.br/anton.html

http://www.tanto.com.br/Patativa.htm

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3.2. J Borges : um artista do Sertão

Agora observe a gravura de J. Borges e descreva a cena. Que elementos estão representados? Uma imagem é um texto? O que é um texto?

A Vida no Sertão - J. Borges - Xilogravura

Disponível em http://blog.teatrodope.com.br/images/xilogravura_01.jpg

J.Borges é considerado um dos mais importantes gravadores populares brasileiros. O artista revela em sua obra o imaginário nor-destino, dos costumes às lendas fantásticas. Acesse ao blog: http://zematutodocordel.blogspot.com/2009/06/j-borges-cordelista-ge-nio-da.html E assista à entrevista com J. Borges, disponível em vídeo. Acessado em março de 2010.

3.3. O Cordel, expressão literária do sertão

O cordel, como proposta literária, reúne tex-to verbal e imagético em experiências de leitura. Rompe com a noção de leitura como ato mecânico de decodificação e redimensinona-o como exercí-cio de solidariedade, encontro de sujeitos com sa-beres diferentes, mas igualmente interessados na construção do conhecimento. A palavra na leitura, assim como as bandeirinhas ao vento (cordéis nos varais), é propagada ganha sonoridade na expe-riência coletiva, agregando ao ato de ler, o ato de narrar, de cantar, de desenhar, de gravar, como po-demos perceber no texto de Nilza B. Megali, que segue.

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Literatura de Cordel Nas feiras do Nordeste é muito comum encontrar-se bancas

onde são vendidos folhetos que atraem a atenção de todos. É a de-nominada literatura de cordel. Estes folhetos, escritos em versos (sex-tilhas, septilhas ou décimas), tratam dos assuntos mais variados. Há os “romances”, que contam estórias com a intenção de entreter; os de “opinião”, que criticam fatos ou pessoas. É muito comum também encontrar-se alguns que reproduzem desafios ou contam as aventu-ras de Lampião ou a vida do Padre Cícero. Cordel é também o jornal nordestino. Os desastres, as inundações, as secas, os cangaceiros, as reviravoltas políticas, alimentam o caráter jornalístico dessa produ-ção, que chega a centenas de títulos por ano. O bom crime é a alegria do poeta, dizem os cordelistas. Quando Getúlio Vargas morreu, mal ouviu a notícia pelo rádio, um dos poetas de cordel começou a es-crever: “A lamentável morte de Getúlio Vargas”. Entregou os origi-nais ao meio dia e à tarde recebeu os primeiros exemplares. Vendeu 70.000 em 48 horas. Outro assunto que teve grande repercussão foi “O trágico romance de Doca e Ângela Diniz”. A “Carta do Satanás a Roberto Carlos” também teve grande sucesso, inspirado na canção do “Rei” que dizia: “E que tudo mais vá pro inferno”.

O nome Literatura de cordel foi dado a estes livretos porque eles são vendidos nas feiras e nas portas de lojas, encarreirados em cordéis e presos por prendedores de roupas. Os poetas, autores des-sa literatura, são gente tão simples como as pessoas que compram estes livretos. Sua linguagem é a linguagem do povo, por isso des-pertam tanto interesse. Eles se referem a Deus e ao Diabo, aos heróis do sertão como Jerônimo e Antônio Conselheiro, aos animais consa-grados pelo cultura popular como o boi, a cobra e ouros.

Um dos mais famosos poetas de cordel é Rodolfo Cavalcanti, que já escreveu sobre todos os assuntos, inclusive sobre “Os cabe-ludos de ontem e os cabeludos de hoje”, com interessante crítica a respeito deste tema. Ele disse que esta literatura começou nos idos de 1910, quando os trovadores foram registrando no papel as pelejas dos cantadores e repentistas e vendendo nas feiras populares.

Outros cordelistas famosos são: João José da Silva, Abrão Batis-ta, Manuel Caboclo da Silva, Severino Milanês e muitos outros, que com sua poesia animam a vida da população nordestina.

É difícil calcular a importância da literatura de cordel na exis-tência do nordestino. É muito comum as pessoas se reunirem em tor-no de alguém que saiba ler, para ouvir e até decorar os versos dos folhetos. É provável que grande parte das informações e conheci-mentos chegue ao poço do interior através da literatura de cordel. A imigração nordestina espalhou o interesse por estes folhetos por todo o Brasil.

Além da parte literária, o cordel é interessante pelas figuras que apresenta, feitas em xilogravuras, mostrando toda a ingenuidade da arte popular. Aparecem nas gravuras: monstros, o diabo e os ele-mentos que rodeiam os artesãos do cajá, madeira mole que facilita a execução das figuras. São eles os cantadores, vaqueiros, bois, aves e

Sugestão de Sites

http://www.jangadabrasil.com.br/in-dex.asp

Texto que apresenta resultados de pesquisa da produção do poeta e gravador pernambucano J.Borges: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0382-1.pdf

Site da Associação brasileira de litera-tura de cordel:http://www.ablc.com.br/publicacoes/public_cordel.htm

A árvore do dinheiro – Cordel:http://www.youtube.com/watch?v=2p7gMAPwcaU&feature=player_em-bedded

Relatos e excertos de textos

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animais diversos. Surgem também figuras humanas, geralmente re-lacionadas com o assunto dos folhetos.

O cordel sobreviveu ao radinho de pilha e ao avanço da tele-visão no agreste. Esse jornal do sertão transmitido de pai a filho, de geração a geração, essa literatura popular fonte de inspiração de um Ariano Suassuna e um Guimarães Rosa, resistiu a tudo e a todos os progressos da tecnologia moderna. O cordel sobrevive até na São Paulo cosmopolita, em Osasco e no ABC, regiões onde existe a maior população nordestina do Brasil, depois do Nordeste.

A literatura de cordel, tanto pela sua parte poética, como pela arte da xilogravura, constitui uma das mais interessantes páginas do folclore brasileiro.

Folclore Brasileiro / Nilza B. Megale- Petrópolis: Editora Vozes, 1999Disponível em http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifes-

to/cordel.html - Acessado em 28 de dezembro de 2009.

PARA DISCUTIR EM GRUPO

Leia os textos a seguir e discuta com seus pares. Leia também o relato de experiência do Projeto desenvolvido por professores em Santa Maria do Jetiba, intitulado o Mundo Mágico da Leitura relatado no texto de HARTUWIG, Adriana Vieira Guedes e MOREIRA, Rachel Curto Machado, Experiências com Leitura Literária que Transcendem Tradições, disponível no CD-ROM, texto 12.

CONSULTANDO O CD-ROM

Texto: TRABALHO COM LITERATURA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Professor Dr. Erineu Foerste/UFES 4

1. IntroduçãoO texto “Educação do ser poético”, escrito em 1974 por Carlos

Drummond de Andrade5 , desafia-nos a refletirmos sobre a forma-ção poética das pessoas. À escola, particularmente o trabalho do professor, cumpre papel importante nesse processo. Assim, vamos iniciar nossas discussões agora com dois desafios para a organização de projetos de ensino nas séries iniciais, a partir de textos literários. Primeiro: O que deve conter um texto de literatura (poema ou prosa)

4 Professor formado em Licenciatura Plena em Letras, tendo defendido tese de doutorado em educa-ção. Trabalha com Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa no Centro de Educação/UFES. Desenvolve e orienta pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Educa-ção da UFES. Conferir: Foerste (2005; 2006 e 2007) e Foerste, Martins e Moreira (2007).5 Consultar site http://www.releitura.com/drummond_bio.asp. Ler o texto no site: http://www.oziris.pro.br/home/ver_texto.php?id=26

Relatos e excertos de textos

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para ser trabalhado com crianças? Segundo: Que autores de litera-tura infantil você citaria se tivesse que responder à pergunta “quais escritores brasileiros produziram/produzem obras literárias para crianças?” Poderíamos também formular estas questões a partir de outras perspectivas. Por exemplo: Que livros literários lêem as crian-ças brasileiras? A escola favorece a leitura de poemas? Que textos são lidos, afinal, com alunos de educação infantil e/ou de séries iniciais do ensino fundamental? Como podemos trabalhar textos literários em escolas localizadas em contexto campesino?

Problemas como esses inquietavam Cecília Meireles (1901 – 1964)6 , poetisa brasileira e professora de literatura de renome inter-nacional. Formada pela Escola Normal do Rio de Janeiro, atuou por muito tempo no magistério primário. Daí seu grande interesse por problemáticas relacionadas ao ensino. A primeira biblioteca infantil de que se tem notícia entre nós, foi fundada por ela. Era defensora da criação de uma biblioteca mundial de literatura infantil. Estudiosa do folclore nacional, ela contribuiu de forma significativa para a ins-talação da Comissão Nacional de Folclore. Em 1951 a autora proferiu três conferências em Belo Horizonte, as quais foram posteriormente publicadas em forma de livro no volume Problemas da literatura in-fantil. Neste livro define claramente que “a Literatura precede o alfa-beto. Os iletrados possuem sua Literatura. Os povos primitivos, ou quaisquer agrupamentos humanos alheios ainda às disciplinas de ler e escrever, nem por isso deixam de compor seus cânticos, suas len-das, suas histórias; e exemplificam sua experiência e sua moral com provérbios, adivinhações, representações dramáticas – vasta herança literária transmitida dos tempos mais remotos, de memória em me-mória e de boca em boca” (Meireles, 1984, pp. 19 e 20).

Desde o lançamento deste livro de Cecília Meireles, acumula-ram-se discussões significativas a respeito da problemática que en-volve a literatura infantil, através de pesquisas acadêmicas. Em suas reflexões, a autora considera a história do livro infantil recente, cha-mando a atenção para o fato de que os textos produzidos para crian-ças nem sempre eram de literatura. É bem provável que os primeiros livros para crianças ocupavam-se em oferecer materiais para favore-cer a aprendizagem da leitura, isto é, tratavam-se de manuais didá-ticos. Nem sempre os textos escolares apresentavam interesse literá-rio. Os objetivos estavam mais voltados para atividades didáticas de aprendizagem da leitura e da escrita. Isso gerava certo enrijecimento, com poucos potenciais para a imaginação. Na prática, a leitura na es-cola geralmente está associada ao livro didático.

Essa história do livro remete ao século XVIII 7, momento em que a criança passa gradativamente a ser compreendida como um ser com características e necessidades próprias, diferente dos adultos (Zilberman, 1987). Ocorre que esse processo coincide com os avan-ços das ciências, com o incremento da industrialização, enfim, com o surgimento da burguesia. A história da produção de livros para jo-

6 Consultar site http://www.cmeireles_bio.spa7 Para aprofundamento, consultar http://www.noruega.org.br/cultura/literatura/children/children.htm

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vens coincide com a criação e expansão da escola como a conhece-mos ainda hoje. Até então a criança era educada como se fosse um sujeito adulto em miniatura8, tomando parte, portanto, também da literatura deles, tendo que ler os chamados autores clássicos (no caso das crianças da nobreza) ou participando da leitura e/ou tradição oral das histórias de cavalaria e de aventuras (no caso das crianças de classes populares). Vale destacar que a transmissão de lendas e contos folclóricos era mais freqüente entre a população mais pobre.

Fragmento do capítulo IV, do Fascículo Linguagem V , de Erineu Foerste

[Leia esse texto 13, na integra, no CD-ROM]

[...]Contar e ouvir histórias é um prazer que não se limita à criança,

mas é compartilhado por pessoas em qualquer idade e em diferentes lugares. Sentados ao lado do narrador somos levados pela imagina-ção e desafiados a reconstruir com ele longas trajetórias, aventuras, emoções e sensações. Chegamos a sentir frio, calor, fadiga, exaltação, tristeza, ou ter a sensação dos cheiros, gostos e barulhos, tal o envol-vimento que com as histórias experimentamos.

Contar histórias é uma prática humana muito antiga, que se re-porta ao processo de socialização do homem e de preservação de sua história. Esta prática é responsável pela construção de um sentimen-to de pertença entre membros de uma comunidade, que ocorrem em conseqüência da distribuição e preservação das experiências. O relato oral é uma das expressões que possibilita socialização das ex-periências e continuidade de modos particulares de constituição das comunidades.

Segundo Benjamin (1980), a narrativa é responsável pela con-servação das tradições, mantendo viva a memória e estendendo-a aos membros de um dado contexto social. Ela necessita do envolvi-mento do narrador e do(s) ouvinte(s) na sua construção. Para Benja-min, “o narrador colhe o que narra na experiência, própria ou relata-da. E transforma isso outra vez em experiência dos que ouvem a sua história” (1980, p. 60). Para Benjamin, o narrador é aquele que está envolvido com o seu meio e colhe neste a matéria-prima de sua nar-rativa, diferentemente do romancista que, para ele, segregou-se do meio. Nesta perspectiva, Benjamin inquietava-se com a possibilidade do “declínio da narrativa” com o advento do romance no início da Era Moderna.

Para ele,

8 Dispõe de discussões acumuladas sobre a criança e seu lugar na sociedade, no mundo antigo e na Idade Média. Em nosso tempo, temos discutido de forma significativa questões relacionadas à criança, como ela se desenvolve social, psicológica e culturalmente. A questão central é “como a criança aprende melhor, sem traumas?” Uma abordagem histórica interessante feita sobre essa problemática encontra-se no livro de Philippe ARIÈS. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Uma obra interessante sobre literatura infantil é o livro de Bruno BETTELHEIM. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

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[...] torna-se cada vez mais raro o encontro com pessoas que sabem narrar alguma coisa direito. Em cada vez mais freqüente espalhar-se em volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma faculdade, que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou seja: a tro-ca de experiências (BENJAMIN, 1980, p. 57).

A arte de narrar implica na articulação entre diferentes esferas comunicativas. Nela se imbricam a expressão facial, o olhar, o corpo, a mão, a voz, a memória, entre outras tantas dimensões. A memória é um dos fundamentos da narrativa, visto que “a lembrança institui a corrente da tradição que transmite o acontecido de geração a gera-ção” (BENJAMIN, 1980, p. 67)

Na compreensão de Benjamin, a arte de narrar se assemelha às práticas artesanais, pois exige do artista o envolvimento pesso-al com a matéria-prima. Desde a concepção do tema, cunhado em sua vivência, à escolha dos materiais, com a expressão particular de sua mão, face e corpo, até o olhar permutado com os ouvintes, tudo contribui para a construção de um texto coletivo, criado e recriado a cada encontro.

Fragmento do texto CHISTE, Priscila, SABINO Érika & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda M. A Criança e a Narrativa: um diálogo com Walter Assis. In: CHISTE, Priscila, SABINO Érika & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda M. Na Ciranda da Arte Capixaba: leitura de imagens, diálogo e brincadei-ras. Vitória: GM Gráfica/ FACITEC/UFES, 2008.

[Leia esse texto 14, na integra, no CD-ROM]

PARA ENVIAR

Grupo 1

Identifique em sua comunidade contos tradicionais, poesias e histórias de fatos narrados por “contadores de causos”/narradores. Registre em filmagem e/ou fotografia, Escreva os textos narrados. Não esqueça de registrar o título, autoria, ano e local.

Ou

Procure em sua comunidade identificar o acervo de Literatura das famílias. Busque catalogar os títulos raros, de valor histórico. Para tanto, utilize o formulário do apêndice II. Não esqueça de registrar também em imagens (fotografia, digitalização ou filmagem.

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PARA DISCUTIR EM GRUPO

Visite o site http://comunidades.mda.gov.br/dotlrn/clubs/ar-cadasletras/one-community?page_num=0 e discuta com a comu-nidade próxima a sua escola a possibilidade de aderir ao Programa Arca da Letras, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Analise a importância de promover a formação de agentes de leitura e pro-mova reuniões para apresentar a proposta e discussão de formas de viabilizá-la em sua região.

O que é Arca das Letras?

Criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2003, o programa Arca das Letras promove o acesso à leitura por meio da implantação de bibliotecas nas comunidades rurais brasilei-ras. Atende famílias de agricultores, assentados da reforma agrária, pescadores, quilombolas, indígenas e populações ribeirinhas.

Acesse também outros Programas do Ministério do Desenvol-vimento Agrário: http://www.mda.gov.br/portal/

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3.4. A arte: a imagem, o imaginário

Arte é um conceito construído a partir do campo transdiscipli-nar. No decorrer da história do pensamento humano, está relaciona-do a três definições tradicionais: arte como expressão, arte como fa-zer e arte como conhecimento. Essas três vias de reflexão estética são apontadas por Luigi Pareyson ao abordar Os problemas da Estética (1997). Segundo esse autor, em distintos momentos da história tem se dado acento diferenciado a cada uma dessas três dimensões, que no conjunto possibilitam uma aproximação do conceito de arte.

A experiência artístico-estética é a base da criação e produção em arte. No contato com a imagem/obra de arte, o sujeito elabora, estabelece relações e cria novas estruturas. A mediação da imagem e a criança/jovem/adulto é fundamental para sua construção imagética e está estreitamente relacionada à construção do conhecimento pelo sujeitos, na sua relação com o mundo e consigo mesmo. As imagens oferecidas pelo ambiente escolar, as imagens veiculadas pela mídia, aquelas que circulam no contexto social em que circulamos influen-ciam a construção do imaginário infantil (COLA, 2003; FOERSTE, 2005).

Curiosidades...Imaginação: Palavra de origem latina imaginatione que signi-

fica faculdade que tem o espírito de representar imagens. Fantasia: evoca objeto já percebido. Imaginário do Latim imaginariu: que só existe na imaginação; ilusório, fantástico.

Para Vigotski (1982) a imaginação está na base de toda a ativi-dade criadora que produz cultura. Manifesta-se em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Para Vigotski, quatro formas básicas ligam a atividade imaginadora com a realidade, a fim de mostrar que esta relação não é um simples capricho, mas uma função vitalmente necessária ao homem. A primei-ra forma de vinculação da fantasia à realidade consiste em que toda forma criativa (imaginada) se elabora a partir de elementos tomados da realidade e da experiência anterior do homem. Assim, quanto maior for a experiência do homem, maior será o material disponível à imaginação e maiores as possibilidades associativas. A criança, com experiências restritas, apresenta imaginação ainda limitada. A segun-da forma de vinculação da fantasia à realidade se refere ao poder as-sociativo do homem, que recria formas e paisagens sem nunca as ter vivenciado. É o caso de artistas que representam em suas pinturas lugares em que nunca estiveram. Isso se torna possível porque o ho-mem compartilha experiências no espaço social. A terceira forma de vinculação está relacionada ao aspecto emocional, que se manifesta de duas maneiras: de um lado, toda a emoção tende a manifestar-se em imagens que com ela concordam, ou seja, certas emoções fazem emergir impressões, idéias e imagens congruentes com elas. Quando estamos tristes expressamos sonora ou plasticamente nossa tristeza, diferente de quando estamos alegres. Dessa forma, toda a manifesta-

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ção criadora traz consigo elementos afetivos. A quarta forma de vin-culação da fantasia com a realidade encontra-se no ponto em que o objeto criado pela atividade imaginativa do homem pode represen-tar algo totalmente novo, que não encontra semelhança em nenhum objeto real. Tais objetos são produtos de complexa reelaboração em período longo de história do desenvolvimento da humanidade. São frutos da imaginação e do trabalho coletivo e cumulativo do homem. A materialização de formas novas, capazes de modificar a realidade, cumpre um círculo de atividade criadora da imaginação humana. A fantasia é um fundamento da arte.

A arte no contexto escolar visa introduzir a criança no universo da produção de arte e deve ser entendida, primeiramente, como um momento prazeroso de fruição, experimentação, conhecimento e expressão. Com crianças pequenas, com jovens ou adultos, em qual-quer idade, a arte é o conteúdo do ensino da arte.

PARA ENVIAR

Grupo 2

Procure identificar uma expressão típica de arte em sua co-munidade. Busque na música; literatura; pintura; escultura; modela-gem... Procure bordadeiras, bandas, fotografos, entalhadores, mar-ceneiros que realizem trabalho artesanal original e típico. Registre também por meio de fotografia e filmagens.

Conforme vimos discutindo aqui, a palavra é importante media-dora na construção de conhecimentos. Como sujeitos de linguagem ar-gumentamos, projetamos, contamos histórias, em fim, interagimos atra-vés da palavra. Usamos o texto verbal oral e/ou escrito, como também objetos, sinais, sons, gestos, música, arte, signos, símbolos, imagens.

A Cuca na sala de aula

Em 2005, desenvolvemos coletivamente um estudo a partir do personagem do folclore “Cuca”. Este estudo envolveu crianças da educação infantil, professores e alunos do curso de pedagogia da UFES, nas modalidades presencial e a distância. Constituiu-se em um pequeno projeto de pesquisa intervenção, apresentado no capítu-lo IV, “Para Fazer”, do Fascículo Linguagem II –Arte, Vitória: EDUFES, 2005, de Gerda M. Schütz Foerste. Os resultados foram discutidos em grupos, nos municípios e escolas, em cujo espaço foi aplicado. Rece-bemos relatórios de pesquisa de diferentes localidades, como Barra de São Francisco, Montanha, Colatina, Santa Tereza, Linhares, entre outros (Agradecemos a todos que nos retornaram os resultados, em especial pela atenção e pelas cartas afetuosas que recebemos. Se não respondemos a cada uma como desejávamos, hoje é possível que

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cada um estes trabalhos seja compreendido na soma de conheci-mentos construídos coletivamente. AOS COLEGAS, OBRIGADO!!!) No texto que segue, apresentamos algumas reflexões decorrentes do trabalho coletivo sobre este tema. Leia o texto que segue e discuta em grupo a experiência relatada.

Gerda Margit Schütz Foerste

Mediações semióticas em processos interativos na educa-ção de crianças pequenas.

Gerda Margit Schütz FoerstePPGE/UFES

Resumo: A pesquisa parte da problemática que se constrói em torno da recepção, da distribuição e da produção de imagens na sociedade hodierna, investigando a influência que estas exercem na construção do imaginário infantil. Propõe levantamento biblio-gráfico dimensionando o conceito mediação semiótica e Infância, a partir de teóricos como Vigotski (1982, 1998), Lukács (1966, 1978), Agamben (2005), Wilson e Wilson (1997) Fichtner (1997, 2000, 2005a, 2005b e 2005c) , entre outros. A partir da coleta de dados empíricos, busca analisar processo de leitura de imagens de um ente folclóri-co, por crianças nas idades de 6 a 7 anos, em escolas de educação básica.O estudo possibilita perceber impactos na construção imagé-tica da criança a partir de espaços de interação sociais.

[Leia esse texto 15, na integra, no CD-ROM]

A partir da experiência relatada podemos destacar o grande in-fluênica da mídia na construção do imaginário infantil. Percebemos que na sociedade contemporânea, muitas vezes, a roda de contação de histórias é substituida pela discursividade homogenizadora da te-levisão, video game ou computador...

PARA POSTAR [4]

A partir de um breve projeto de intervenção em sala de aula, proponha a coleta de desenhos cujo tema seja: Qual o seu persona-gem preferido nos desenhos animados? Analise com seus colegas a recorrência na escolha dos personagens, busque informações sobre os meios (TV, video game ou outros), locais (em casa, lan house, ou outro) e tempo (em turno e quantidade de horas por dia/semana) de acesso das crianças aos desenhos. Analise desenhos das crianças e os dados e responda : Quais os impactos da grande mídia na expressão da criança campesina ? Poste esta atividade. Escaneie os desenhos analisados e poste-os juntamente com a análise e os dados coletados.

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3.5. Imagens da escola

Nunca em nenhum tempo da história a humanidade produ-ziu imagens em quantidade e na forma que produz hoje. São dese-nhos, pinturas, impressões, fotografias, filmes. Imagens fixas ou em movimento. Coloridas e Preto/Brancas. Estão nos jornais, revistas, outdoors, cinemas, em casa, na escola, no livro didático. Capturadas pelo celular, pela câmera fotográfica, pela filmadora, mas sempre pelo olhar do homem que a selecionas, registra, preserva e distribui. Como sabemos isto nem sempre foi assim.

Por exemplo, no final do século XIII, quando o químico fran-cês Nicéfhore Niépce (1765-1833) conseguir a primeira imagem de uma vista do pátio de sua casa, após uma exposição ao sol por mais de oito horas de uma placa de estanho tratada, a fotografia causou grande debate no campo da produção artística. Compreende-se nes-te processo a quebra de um paradigma de produção da imagem e o surgimento de uma nova maneira de produzi-la. Os artistas que de-fendiam esta como nova forma de expressão artística, materializaram através de suas obras a nova expressividade imagética da fotografia. Hoje este ato é considerado trivial. Imagens estão disponíveis na In-ternet. Podem ser acessadas, capturadas e tratadas. Este fenômeno é considerado como um novo paradigma de produção de imagens. Segundo Santaella e Nöth, chadado de paradigma pós-fotográfico de produção de imagnes.

Este volume de produção e disponibilização imagética não sig-nifica a democratização dos meios, nem mesmo total visibilidade dos sujeitos. Com freqüência perguntamos: por que estas imagens estão aqui? Que imagens não têm espaço de visibilidade? Como podemos dar visibilidade aos nossos projetos e aos de nossa comunidade?

Perguntamos: que imagens temos nas escolas. Especialmente, que imagens temos das escolas? Quais imagens temos das escolas do campo?

As imagens recorrentes nos meios de comunicação de massa mostram uma escola violenta e depredada. Está é a única imagem possível da escola?É a predominante? Sua escola é assim? Ao mes-mo tempo em que dedicamos nossa vida e trabalho à educação, não podemos concordamos que exista uma única imagens deste espaço, visto que somos protagonistas da história. Podemos dar visibilidade a outras imagens da escola?

A escola do campo tem se ressentido de investimentos públi-cos, enquanto políticas públicas, para construção de prédios e oferta de infraestrutura; reivindicamos um currículo diferenciado; profissio-nais qualificados, entre outros. Contudo, sabemos que as conquistas são fruto de muito trabalho e luta, dos sujeitos, em particular, e da comunidade como um todo.

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Unidade III: Educação e Linguagens

Uma experiencia para compartilhar

Assim, há algum tempo nossos projetos tem abordado o con-texto escolar como ponto de partida/chegada na construção de co-nhecimentos contextualizados. Compreendemos que a comunidade escolar precisa com certa regularidade introduzir as novas gerações no resgate histórico dos lugares em que transitam. Desta forma te-mos fomentado projetos de pesquisa e intervenção que promovam ou novo olhar sobre a realidade escolar de pertença. Em 2005, propu-semos o texto que segue. A partir deste, temos recebido importantes relatos que começam gradativamente a constituir novas fontes de pesquisa e referencias para nossas reflexões. Viste o site www.ce.ufes.br/educacaodocampo e analise os relatos dos professores Leia o tex-to e desenvolva a proposta de trabalho em grupo de acordo com aproximidade com colegas de curso.

A Escola do Campo em Imagens

Profa. Dra. Gerda Margit Schütz Foerste

Enquanto seres humanos, somos freqüentemente surpreendi-dos por lembranças. Recordamos, por instantes, os momentos vivi-dos em espaços escolares: lembramos de amigos, pensamos na pro-fessora, reconstruímos mentalmente praças, parques, a sala de aula, as carteiras, janelas, portas...

A escola, como instituição formadora, é parte de nossa socieda-de e faz parte de nossa formação. Contudo, sempre foi assim? O mo-delo de escola, hoje vigente, é o mesmo de tempos passados? Quem poderia nos contar um pouco desta história?

Recorrendo a Manacorda (1992) perceberemos que a preo-cupação com o processo educativo dos cidadãos está presente em distintas sociedades, desde a Antigüidade aos nossos dias. Contudo, por ser expressão da sociedade, também é possível identificar que não se trata apenas de uma proposta educativa para todos, uma vez que fica evidente a clara divisão entre educação e trabalho. Às clas-ses governantes cabe a educação das letras na arte de governar e o aprendizado do trabalho destina-se às camadas majoritárias da so-ciedade. No Egito, na Grécia antiga, em Roma, mantidas as suas parti-cularidades, a educação reproduzia a sociedade estratificada. A Idade Média é considerada por Manacorda como a idade da desintegração e da reconstrução, momento em que surgem novos centros de ins-trução, como mosteiros e paróquias subordinados ao poder papal. À parte as especificidades, até o século XIX predominava a concepção rousseauniana de que “a melhor escola é à sombra de uma árvore”. Já no final do século XIX e início do século XX a preocupação com o lugar que a escola deve ocupar na sociedade passou a ser levada em consideração.

O espaço físico em que se exercita o ensino/aprendizagem

Uma experiencia para compartilhar

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Unidade III: Educação e Linguagens

apresenta-se, ao longo da história, de formas variadas: da praça pú-blica aos mosteiros, destes aos múltiplos espaços construídos, das adaptações às construções de escolas planejadas, resignificamos espaços para a tarefa educativa. Os espaços escolares fazem parte da nossa formação. Por meio deles construímos nosso imaginário de escola, dimensionamos sua participação na organização da comuni-dade/sociedade e referenciamos materialmente relações pessoais, afetividades e subjetividades. As escolas, em sua organização espa-cial (distribuição de salas, carteiras, mobiliário, entre outros) e de sua localização (no campo, ao lado da igreja, no centro da vila, na cidade, etc), formam valores e saberes que, por vezes, são mais persuasivos do que aqueles passados pelo currículo oficial e prescrito.

Os espaços educativos, como lugares que abrigam a li-turgia acadêmica, estão dotados de significados, conte-údos e valores do chamado currículo oculto, ao mesmo tempo em que impõem suas leis como organizações dis-ciplinares (Escolano, 2001, p.27)

A escola, como lugar, constitui importante referência para aquele que nela passaram. Lembrar da escola muitas vezes signifi-ca reconstruir espacialmente o ambiente vivido: lembrar da sombra da árvore no pátio da escola; sentir o frio dos corredores; reconstruir mentalmente a janela, as carteiras, o quadro-giz ou sentir o cheiro acre do ambiente coletivo. Também é, lembrar da festa, do vestido de formatura, da melhor amiga/o, do professor austero, do professor amigo, entre outras tantas coisas. Isso tudo faz parte do currículo es-colar, embora, nem todos sejam definidos à priori. Essas, em síntese, são partes de nossa representação imagética.

As imagens abrigam nossa memória . Nesse prisma, as imagens, mentais ou materializadas, guardam muitas de nossas lembranças de escola.

De espaços materiais, visualizáveis, o conhecimento de si mesmo, a história interior, a memória, em suma, é um depósito de imagens. De imagens de espaços que, para nós, foram, alguma vez e durante algum tempo, luga-res. Lugares nos quais algo de nós ali ficou e que, por-tanto, nos pertencem; que são, portanto, nossa história (VINÃO FRAGO, 2001, p. 63).

Revistar os espaços imagéticos é uma experiência fascinante, visto que implica um desafio pessoal e coletivo na perspectiva de aproximação de tempos e espaços vividos. Ver uma foto de escola pode suscitar uma “viagem” ao convívio em um lugar de sons, cheiros e sentimentos. Buscar, nas narrativas, dos sujeitos as relações que es-tabelecem com as imagens pode auxiliar na construção histórica de um tempo/espaço vivido. Contudo, isto requer um trabalho coletivo e atento para que, no cruzamento de nossas narrativas uma aproxi-mação como o objeto seja possível.

Gerados em preto e branco ou sépia, e amarelados ou esmaecidos pelo tempo, os antigos retratos apresentam-

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se como desafios à nossa lucidez visual. Remetem a um tempo intempestivo, anacrônico, depositário de reminis-cências, no sentido de que as imagens que olhamos pa-rece também nos fitar e nos interrogar para trazer de vol-ta a sua história soterrada. História que vai sendo narrada pelo familiar que herdou a fotografia, embaralhando na narrativa fragmentos de verdade, de invenção e de fan-tasia, o que torna o discurso mais ficcional que real, uma vez que sobrepõe a ilusão da presença e o sentimento de perda, de vazio, de nostalgia (LOPES, 2004, p.124).

A imagem fotográfica pode ser, neste caso, uma ponte para estabelecer relações entre nossas lembranças e nosso processo de escolarização, sobretudo, na reconstrução do currículo oculto, que em última análise se refere à história da escola em contextos culturais específicos.

A imagem, no caso a fotografia, necessita ser investigada como mediação, o que significa sua abordagem como materialidade histó-rico-social, que por sua vez implica em buscar as relações técnicas, econômicas e culturais em seu processo de produção, distribuição e recepção (Ciavatta, 2001, p. 47).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Nilda. O Espaço Escolar e suas marcas: o espaço como dimen-são material do currículo. Tese para Professor Titular em Currículos de Programas, apresentada ao Departamento de teoria e Prática do Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, 1995.

BENCOSTTA, Marcus Levy A. (org.) História da Educação e espaço esco-lar. São Paulo: Cortez, 2005.

CIAVATTA, Maria e ALVES, Nilda. (orgs.) A Leitura de Imagens na Pes-quisa Social: história, Comunicação e Educação. São Paulo: Cortez, 2004.

FIORI, Neide A.(org.) Etnia e Educação: a escola “alemã” do Brasil e es-tudos congêneres. Florianópolis: Ed. Da UFSC; Tubarão: Editora UNISUL, 2003.

FOERSTE, Erineu e SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda M. Questões Culturais na for-mação de professores. In.: Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE-UFES. Vitória: v.7, nº 14. p.38-87, jul/dez. 2001.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemoló-gicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

LE GOFF, Jacques, História e Memória, Campinas, SP Editora da UNI-CAMP, 2003.

GEERTZ, Clifford. Interpretação das Culturas.Rio de Janeiro: LTC Edi-tora, 1989.

LOPES, Almerinda da Silva. Memória Aprisionada: a visualidade foto-gráfica capixaba: 1850/1950 –Vitória: EDUFES, 2004.

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Unidade III: Educação e Linguagens

MACLAREN, Peter. A Vida nas Escolas: uma introdução à pedagogia crí-tica nos fundamentos de educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1977.

MANNHEIM. Karl. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.

REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Cultura, Culturas e Educação. Rio de Janeiro: ANPED, Maio/jun/jul/ago 2003, nº 23 (número especial).

RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e Estética do cotidiano no ensino de artes visuais. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2003.

SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda. Leitura de imagens: um desafio à educação Contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.

SILVEIRA, Thaís Guimarães. O Espaço Escolar e suas implicações sobre a Criatividade. Monografia apresentada no Programa de Pós-Gradu-ação em Educação. Vitória: UFES. 2005. Sob a orientação da Profa. Dra. Gerda M. S. Foerste.

SODRÉ, Muniz. Reinventando @ Cultura: a comunicação e seus produ-tos. Petrópolis: Vozes. 1996.

SUBIRATS, Eduardo. A Cultura como Espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989.

VIÑAO FRAGO, Antônio e ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e sub-jetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Proposta de trabalho extraída do banco de dados do Curso de For-mação continuada de professores, em 2005, coordenada pelo pro-fessor Erineu Foerste.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Considerando a proposta de trabalho acima sugerida, analise os resultados da pesquisa de campo desenvolvida, em 2005, pelos professores de Laranja da Terra, Danúbia Perozine Seibel, Gilberto Nunês Melo, Rita de Cássia Teixeira Flegler, Ilza Seibel Binow Rosine-te Melo Mundt, Vanderléia D’Ávila Cabral, Willyan Allyer Lorenço, Tâ-nia Maria Damm Lourenço, Odília Ribeiro Westphal, Friedlinda Jann Damm, Marcelo Leffler, Vera Lúcia Mayer Seibel e Maria Lúcia Pizzaia de Souza. Observe como o grupo utilizou a fotografia para resgatar a história de vida da professora e busque identificar como a história dos sujeitos se imbrica com a história da conquista da escola em co-munidades campesinas.

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Professora Arlete Schaquette – D. Arlete. Afonso Cláudio.

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Texto extraído do relatório disponível no banco de dados do Curso de Formação Continuada de professores do campo, 2005, co-ordenado pelo Prof. Erineu Foerste.

Este estudo possibilita-nos perceber a escola do campo, como parte das lutas por vida e dignidade no campo, em especila destaca-mos a construção coletiva e compartilhada de saberes.

Agora volte às fotografias disponibilizadas por Vilma Grue-newald Jacob Tesch referidas acima em nossa discussão intitulada A comunidade e a escola, analise o contexto de sua produção. Obser-ve o trabalho do grupo na identificação da imagem, a descrição e a forma de apresentação das imagens, que podem sinalizar para a metodologia utilizada, como por exemplo entrevista, analise de do-cumentos (cartas, certidões etc.) e novas buscas por imagens.

PARA ENVIAR

Grupo 3Conforme você pode perceber ao longo deste caderno, as pro-

postas investigativas visam ampliar o banco de dados sobre escolas e comunidades campesina no Estado do Espírito Santo, especialmen-te, objetivam dar maior visibilidade às experiências, às práticas, ao patrimônio e aos sujeitos da escola do campo.

Compreendemos que a construção de conhecimento se efetiva na interação entre os sujeitos e destes com o meio. Para compreen-dermos melhor estas intrincadas relações entre o discutido e a práti-ca cotidiana vivida, propomos a retomada do trabalho investigativo que aproxime a teoria da prática. Dessa forma, apresentaremos a se-guir um pequeno projeto que deverá ser desenvolvido pelos profes-sores em seus contextos educacionais específicos.

Proporemos alguns títulos, em caso de o grupo já ter participa-

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do da pesquisa na formação anterior. Compreendemos que somos protagonistas de um processo de formação continuada de professo-res do campo. Neste sentido, temos como desafio dar visibilidade aos espaços, sujeitos e histórias de lutas campesinas neste estado.

Títulos: a) Minha comunidade em imagens (busque registros fotográ-

ficos e documentos que destaquem a vida e organização de sua co-munidade)

b) A Escola do campo em imagens (resgate o processo histórico de construção de sua escola)

c) Família em imagens (realize inventário com famílias de “pri-meiros moradores” de sua região;

d) Modos de produção agroecológica em imagens (procure re-gistros de processos produtivos inovadores em seua região

e) Culturas do campo em imagem. (resgate fotografias de fes-tas típicas e/ou casas típicas de sua região)

Objetivos:a) Realizar levantamento empírico sobre a comunidade escolar

e seu entorno, a partir de fotografias e de narrativas dos sujeitos en-volvidos nesse espaço;

b) No caso de pesquisa sobre a escola: analisar a organização espacial e estética do ambiente escolar como dimensões reais do currículo escolar;

c) Identificar no relato dos sujeitos lembranças, imaginação e memória, quando mediados pela fotografia.

Metodologia: A investigação implicará basicamente em três etapas.a) O levantamento junto à comunidade escolar (alunos, pais de

alunos, parente, professores, diretores, serventes, etc) de “fotografias do tempo de escola” o fotografias de família ou fotografias da comu-nidade (para relato de evento específico ou reconstituição histórica de conquistas coletivas).

b) As Fotografias deverão ser identificadas, segundo seus pro-prietários, ano, sujeitos retratados, autoria. Scaneadas e arquivadas em CD.

c) Escolher uma “fotografia do tempo de ....” para análise deta-lhada. Descrever densamente a fotografia: material, tamanho, cores, composição, ângulo de enquadramento, etc. Descrever o evento fotografado: sujeitos, vestimentas, posturas, objetos, espaços, etc. Buscar (quando possível) identificar fotógrafo e buscar informações biográficas do mesmos.

d) Buscar entre os sujeitos representados/registrados na foto-grafia escolhida depoimentos/narrativas sobre o tempo/espaço, es-tabelecendo relação entre o registro fotográfico e a memória viva de sujeitos do campo. Isso requer a realização de entrevistas. As entre-vistas serão gravadas ou filmadas e deverão ser transcritas e entre-

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gues juntamente com o relatório.e) Solicitar autorização dos representados, do autor, ou do pro-

prietário da imagem para sua divulgação com fins educativos. Con-forme modelo, apêndice I.

f ) Para concluirDê opinião sobre a importância de sua investigação para a

construção de conhecimento em sua comunidade. No caso da pes-quisa sobre a escola, pontue aspectos de relevância para o contexto em que se encontra. Nesta reflexão busque estabelecer as relações entre tempo vivido pelos sujeitos em espaços escolares e as repre-sentações da escola predominantes na comunidade.

ATENÇÃO!O trabalho deverá ser enviado em CD para a secretaria da Edu-

cação do Campo, aos cuidados da professora Dra. Gerda. M. S. Foers-te. Para o endereço PPGE/CE/UFES. Av. Fernando Ferrari, s/n, Goiabei-ras, Vitória–ES CEP: 29075-910.

Complementando nossa discussão sobre imagem de escola e a apropriação dos sujeitos dos seus espaços vividos, observe a imagem que segue. Tem alguma escola com arquitetura semelhante em seu bairro? A maquete é uma produção dos alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Fazenda Germano Schwarz fotografada e disponibilizada ao curso de Formação de Professores do Campo da UFES, em 2005, sob coordenação do Prof. Erineu Foerste. Este traba-lho será detalhado mais à frente.

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4 – Etnomatemática

Leia o texto que segue e discuta como este tema pode ser dimen-sionado nas práticas de sua escola, numa perspectiva interdisciplinar.

Leia também o texto 16, das Profa. Dra. Circe Mary Silva da Silva e Profa Ms. Dóris Reis de Magalhães, intitulado Educação Matemática numa Perspectiva Intercultural, disponível no CD-ROM.

Uma experiencia para compartilhar

AFROETNOMATEMÁTICA: UMA PROPOSTA DE ENSINO DE MATEMÁTICA PARA SER ENFATIZADA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Leandra Gonçalves dos Santos9

Vânia Maria Pereira dos Santos-Wagner10

ResumoNeste texto colocamos alguns de nossos pressupostos sobre

como podemos trabalhar conceitos matemáticos e construir signi-ficados para os mesmos em espaços urbanos ocupados principal-mente por alunos brasileiros afrodescendentes. Descrevemos um projeto pedagógico que foi desenvolvido em 2008 para podermos explorar conceitos de geometria escolar em uma perspectiva cultural onde integramos conceitos de matemática, artes, arquitetura e cul-tura africana. Mostramos que experiências que valorizem as ações dos alunos em experimentos em sala de aula servem para motivar o aprendizado em geometria e refletir sobre suas identidades cultu-rais na comunidade onde vivem. Além disso, nessas experiências os alunos podem argumentar, integrar matemática e arte, descobrir os elos entre a arquitetura, a matemática e a história das construções de casas africanas. Muitos desses alunos afrodescendentes ocupam espaços urbanos de periferia e nem sempre conseguem sucesso em seus estudos de matemática. Mas este estudo exploratório mostra o potencial de usarmos situações escolares dentro e fora do ambien-te tradicional de sala de aula, onde a cultura africana é valorizada e onde integramos matemática, arte, arquitetura e os alunos atuam como agentes de seu aprendizado. Com essa experiência sinaliza-mos aos educadores campesinos que é possível ensinar matemática, valorizando os espaços campesinos.

Palavras-chave: matemática; afrodescendente; ensino e apren-dizagem.

IntroduçãoGrande parte dos alunos apresenta dificuldades preocupan-

tes na aprendizagem escolar, principalmente de matemática. Com

9 Professora Mestra em Educação Matemática pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professo-ra da Prefeitura Municipal de Vitória e da Prefeitura Municipal de Cariacica. E-mail: [email protected] Professora Doutora em Educação Matemática por Indiana University. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo e professora aposentada do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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isso, percebemos no aluno, do Ensino Fundamental, a ausência de algumas habilidades relevantes para aprendizagem de matemática. Por exemplo, a ausência do conhecimento geométrico, do conheci-mento algébrico e do conhecimento aritmético de cálculo mental. Na perspectiva de resgatar tais conhecimentos e ainda de motivar nossos alunos, utilizamos diversos recursos metodológicos nas aulas de matemática. Segundo Lorenzato (2006) trabalhar a matemática em sala de aula, levando o aluno a experienciar na prática sua apli-cabilidade ou levá-lo a conhecer concretamente a matemática, é um método necessário para a aprendizagem inicial. Percebemos, então, que essa metodologia leva o aluno a redescobrir e/ou construir con-ceitos matemáticos, a tirar conclusões e fazer generalizações mate-máticas, a querer estudar com maior profundidade o conteúdo e a sentir-se mais motivado em estudar matemática. Então acreditamos que a realidade na educação do campo, pouco se difere de nossa re-alidade (urbana).

Estudos, tais como o, de Cunha (1999) e Munanga (2001) dis-sertam sobre a privação que os negros sofreram ao longo dos sécu-los. Os negros foram privados de sua liberdade, de terem acesso à educação, de divulgarem sua cultura, costumes, tradições, religiões e ainda perderam suas identidades de origem. Por exemplo, até hoje, muitos negros de São Mateus (ES) não sabem nem de que partes da África vieram seus antepassados. A interpretação que fazemos sobre a condição de ser negro e afrodescendente no Brasil é que fazemos parte de uma cultura que contribuiu e contribui para o crescimento da sociedade e ainda, conseguimos marcar a sociedade com nossas características singulares (THEODORO, 2001). Tais características es-tão marcadas na arte, na música, na religião, na escultura, na arquite-tura, na escrita etc. Nesse artigo vamos destacar a contribuição que podemos perceber que a cultura africana nos deu em relação à arqui-tetura e a matemática e a presença de suas contribuições no campo, nos quilombos etc.

Percebemos na maioria dos espaços rurais e urbanos brasileiros a presença de elementos arquitetônicos provenientes das culturas indígena, luso-brasileira e africana. Maria Paula Van Biene (2007) em sua pesquisa de mestrado intitulada “A arquitetura das casas-gran-des remanescentes dos engenhos de açúcar no Rio de Janeiro se-tecentista” comenta que podemos identificar indícios de influências indígenas em residências rurais, pois

A casa luso-brasileira tem a intenção de ser duradoura, o que se evidencia pelos materiais utilizados nas cons-truções mais importantes – a casa-grande e a capela – e pelo sentido de propriedade. O avanço crescente dos engenhos de açúcar, que ocupavam vastas extensões territoriais e aumentavam em número, muitas vezes for-çava o deslocamento das tribos indígenas remanescen-tes na região, apropriando-se das terras e dos caminhos abertos pelos índios. Os engenhos de açúcar, ao con-trário dos índios, estabeleceram-se em limites demar-cados vastos, porém definidos, murados ou cercados, e documentados. A propriedade tinha caráter de fixação, era perene, imóvel e individual, centrada na existência

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de um dono, na figura do senhor. A vida coletiva e os grandes espaços contínuos das ocas monumentais, que caracterizam a habitação indígena, eram considerados promíscuos e não atendiam aos antecedentes culturais europeus de espaços compartimentados, com funções definidas (sala, quarto etc). As configurações espaciais das casas de residências rurais (casas-grandes) dos en-genhos de açúcar que se estabeleceram no Rio de Janei-ro apresentam, no entanto, alguns indícios da influência indígena, do modo de habitar do índio, pela implanta-ção de cozinhas voltadas para as varandas nos fundos ou para os pátios internos. Um hábito que o português pode ter aprendido com o índio foi o de, nos trópicos, cozinhar em áreas abertas e arejadas (p. 57).

Estudos sobre arquitetura, como o de Biene (2007) no Rio de Ja-neiro, e de arqueologia, como o de Carle (2005) no Rio Grande do Sul, nos fazem questionar, refletir e procurar compreender que indícios há de materiais e tecnologias utilizados nas edificações rurais e urbanas e em assentamentos de ocupação tradicional de africanos e descenden-tes no Rio Grande do Sul. Por exemplo, Biene (2007) identificou que

Os telhados em duas águas (sem calhas), uma desaguan-do para o logradouro e a outra para os fundos do lote, foi um padrão variado apenas pelo aproveitamento do espaço do telhado, em algumas casas, das águas furta-das (um cômodo sob a estrutura dos telhados). As ca-sas rurais, sem as limitações das casas “coladas” vizinhas, possuíam telhados em quatro águas. As composições formais das casas urbanas e rurais possuem em comum a simplicidade e a austeridade ordenadoras das suas lin-guagens; as técnicas construtivas e os materiais, como coberturas em telhas cerâmicas, beirais de cachorros, paredes caiadas, esquadrias de madeira pintadas e colo-ridas, vãos em madeira e verga reta ou em arco abatido, pisos em tabuado de madeira nos cômodos da residên-cia e forros de teto em madeira tipo gamela ou saia e ca-misa. As similaridades entre as casas urbanas e rurais se encontram mais nas configurações espaciais, no modo de ocupar os espaços, na distribuição e na relação entre os espaços de viver e morar, do que nas suas composi-ções formais. As casas de chácara, também denomina-das casas de arrabalde ou casas semi-rurais, situavam-se nos arredores do núcleo urbano e se aproximam mais das características das composições formais das casas-grandes rurais (p. 116).

Cláudio Baptista Carle (2005) em sua tese de doutorado, “A organização espacial dos assentamentos de ocupação tradicional de africanos e descendentes no Rio Grande do Sul, nos séculos XVIII e XIX”, comenta que

Existem várias Classes de Cerâmica de Construção, bem como várias subclasses. A maioria dos pisos das casas do século XIX, provavelmente eram cobertos por tabu-amentos, no entanto em áreas frontais de edificações e mesmo em áreas de serviços apareceram pisos ou ladrilhos cerâmicos. Estes pisos são encontrados nos

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quilombos em estudo são frutos de descarte de outras edificações e sendo reutilizados nestes sítios. No século passado, poucos eram os locais no Rio Grande do Sul e mesmo em Porto Alegre que possuíam água encanada e esgoto. E as evidências são raras nos dois sítios do sé-culo XIX. Os casarões do século passado normalmente eram cobertos com telhas cerâmicas conhecidas como capa-canal, ou seja, telhas em formas de meia-cana, que se afunilavam de uma extremidade para a outra. Estas telhas eram depositadas sobre os telhados em que seu peso e, no caso do estilo colonial, por uma fileira de te-lhas da borda que sobrepostas, impediam que o telhado escorregasse, este beiral é conhecido como beira sobre beira. No espaço da Ilha encontram-se vestígios de te-lhas e de tijolos, mas não caracterizando que houvesse edificações que as comportassem. Ao compararmos a grande quantidade e variedade dos dados cerâmicos até o momento analisados verificamos uma antiguida-de significativa do material e, por conseguinte, de partes das estruturas que poderiam existir nos locais (p. 162).

Este olhar na história, mais precisamente na arquitetura e ar-queologia nos despertou para potencialidades de produzirmos um projeto pedagógico pautados na observação e análise de constru-ções civis de nossa comunidade. Percebemos a oportunidade de vin-cular estudos de matemática, arquitetura, arte, história e cultura. Como a escola onde desenvolvemos o trabalho, a maioria dos alunos são afrodescendentes decidimos focalizar um pouco mais sobre a cultura africana. Não podemos falar em arquitetura e sua ligação com a mate-mática, sem procurar transitar por estas áreas de conhecimento com a cultura africana, sua história e a matemática decorrente dessa cultura. Para tanto, vamos examinar em linhas gerais essa relação e inter-rela-ção da cultura africana e da matemática, que estaremos designando como etnomatemática e mais adiante como afroetnomatemática11 . Fi-nalizaremos com um enfoque didático-pedagógico, com o objetivo de mostrar a aplicação da matemática a partir de nosso cotidiano.

Professores e alunos afrodescendentes assim como professores e alunos brasileiros descendentes de portugueses, de indígenas e os que são descendentes de nossas três raças, a indígena, a portuguesa e a africana precisam aprender sobre seus antepassados, aprenden-do a valorizar suas histórias, seus costumes, suas crenças, suas tecno-logias, seus hábitos alimentares etc. Precisamos todos nos conhecer em termos de nossas memórias e histórias passadas e precisamos respeitar a todos. As atuais políticas de afirmação dos direitos à edu-cação para os descendentes indígenas e para os afrodescendentes devem ser implementadas em todos os níveis de ensino. Ou seja, desde a educação infantil até o ensino superior, seja no campo ou outro espaço urbano, precisamos pensar em como colocar estes no-vos olhares e desafios sobre nossa história cultural, sobre os conhe-cimentos que foram incorporados dos indígenas e dos africanos nos

11 Cunha Jr. (2004, p. 01) define afroetnomatemática como sendo a área da pesquisa que estuda os aportes de africanos e afrodescendentes a matemática e informática, como também desenvolve co-nhecimento sobre o ensino e aprendizado da matemática, física e informática nos territórios da maioria afrodescendentes.

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diferentes conhecimentos científicos que estudamos nas escolas. Precisamos rever conceitos porque, nas diferentes áreas de conhe-cimento científico, estes acabam passando para as novas gerações sempre a imagem de que foram os conhecimentos trazidos pelos portugueses da cultura ocidental que foram incorporados em língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia, música, educa-ção física, artes etc. E convém ressaltar que muitos desafios e ques-tionamentos ainda ficam presentes. Por exemplo, como incorporar e reorganizar em nossos currículos escolares o que trazemos de contri-buição dos grupos que foram historicamente marginalizados como os indígenas e africanos? E como realizar tal tarefa se muitos de nós, professores já formados, nem temos conhecimentos destas histórias, das tecnologias e dos conhecimentos provenientes de indígenas e de africanos? Portanto nós, professores já formados, precisamos ter coragem de ousar em nossos projetos pedagógicos em nossas salas de aula, quer sejam estas de educação infantil ou educação básica ou educação de jovens e adultos ou ensino médio ou ensino superior. Precisamos repensar nossos currículos para formar os futuros profes-sores que atuarão nos diferentes níveis de ensino e pensar em como capacitar os professores já formados.

Estudo exploratório de geometria: uma proposta para a educação do campo.

Tendo todos os pressupostos mencionados anteriormente pro-curamos em 2008 trabalhar alguns conhecimentos matemáticos de forma diferenciada e levando em conta a necessidade tanto de pro-fessores quanto de alunos de tomarmos ciência dos entrelaçamen-tos da matemática com arte, com a cultura africana e com o espaço urbano onde as escolas se inserem. O trabalho desenvolvido em au-las de matemática em turmas de 6º, 7º e 8º ano de escolas da rede pública dos municípios de Vitória e de Cariacica teve como um de seus objetivos conscientizar os alunos de que o conhecimento ma-temático não está pronto, acabado e que nem é fruto de um olhar isolado da cultura ocidental. Em síntese, procuramos com este estu-do exploratório responder aos seguintes questionamentos: (a) Como um trabalho explorando o espaço urbano e também do campo, e a comunidade dos alunos pode auxiliar na aprendizagem de geome-tria e no desenvolvimento da visualização espacial? (b) Que significa-dos os alunos atribuem à geometria, arte e arquitetura? (c) Será que os alunos reproduzem a visão espacial do cotidiano em que vivem nas construções de maquetes e ainda conseguem perceber a rela-ção disso com o estudo de geometria escolar? (d) Que significados e relações entre os conhecimentos sobre geometria, arte e cultura nós podemos explorar com nossos alunos?

Passamos agora a descrever em linhas gerais o trabalho desen-volvido em aulas de matemática para estudar geometria, onde se procurou que os alunos explorassem os conceitos geométricos em diversas situações. Ressaltando que achamos relevante tratar ora a matemática prática voltada para o cotidiano do aluno e em outros momentos a matemática teórica. Isto porque acreditamos que o alu-no deve ser preparado para a vida, numa visão emancipatória (FREI-

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RE, 1992), mas que este deve aprender os conteúdos necessários para seu desenvolvimento intelectual. Com isso, concordamos com Lins e Gimenez (1997) quando comentam que a matemática escolar e a do cotidiano têm significados distintos e de que nem tudo que temos que ensinar e que o aluno precisa aprender em matemática, encontramos sua aplicação no cotidiano do aluno. Da mesma manei-ra nem todo conhecimento da prática nós temos a oportunidade de ensinar na sala de aula. Portanto, a arte de ensinar constitui-se em um desafio constante. No entanto, se conseguirmos ensinar valori-zando o cotidiano, a cultura da comunidade escolar, tentando levar a matemática da teoria à prática, os alunos principalmente os que vi-vem em espaços urbanos irregulares e no campo terão oportunidade de aprenderem uma matemática ressignificada na escola.

Descrição do estudo exploratórioEsse trabalho foi desenvolvido em turmas de 6º, 7º e 8º ano, porém

a forma de abordagem de conceitos geométricos foi diferente. Pois, soli-citamos aos alunos que trabalhassem atividades semelhantes, mas com desdobramentos diferenciados. Exemplificamos com duas atividades.

Atividade inicial de explicitação de elementos geométricos e ex-ploração do espaço

Solicitar aos alunos que tragam para a sala de aula objetos da natureza como folhas, flores, cristais, pedras, etc. e objetos do meio ambiente como caixas, embalagens e outros. A partir da observação, exploração e discussão das formas, linhas e contornos de elemen-tos identificados nos diversos objetos pode-se explicitar elementos geométricos e introduzir nomenclatura (triângulo, quadrado, círculo, reta, retas paralelas, retas que se cortam, cubo, paralelepípedo, cone, simetria, etc.). (Atividade adaptada do livro Geometria na era da ima-gem e do movimento de M. L. Leite Lopes e L. Nasser, 1996).

Atividade de classificação de sólidosPedir aos alunos que observem uma coleção de sólidos em

cima da mesa. Em seguida, solicitar que separem os sólidos de forma que possamos conversar sobre as semelhanças e diferenças que te-nham encontrado entre os mesmos.

Solicitar que expliquem de que forma separaram e/ou agru-param os sólidos (Atividade adaptada do livro Geometria na era da imagem e do movimento de M. L. M. Leite Lopes e L. Nasser, 1996).

Estas atividades foram exploradas e trabalhadas de forma di-ferenciada com os alunos das turmas de 6º, 7º e 8º ano. Fomos apro-fundando os conceitos estudados na turma de 8º ano. Trabalhamos as atividades ao longo de um trimestre escolar. Os alunos foram de-monstrando mais interesse durante as atividades, pois além deste trabalho de exploração, observação, discussão e sistematização de conceitos, também fomos explorando as ligações de geometria com arte e trabalhando na aula de campo. Ou seja, algumas rotinas esco-lares foram modificadas e os alunos foram se sentindo mais e mais atuantes em vários momentos.

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Culminância de algumas atividades nas turmas de 6º e de 7º anos Estudamos conceitos e propriedades de polígonos, não-po-

lígonos, poliedros e não poliedros. Em seguida, construímos e ma-nipulamos esses elementos. Além disso, estudamos a simetria das figuras geométricas na teoria e na prática.

Alguns elementos (poliedros, não-poliedros e figuras planas com seus eixos de simetria) construídos pelos alunos de 6º e 7º anos (2008).

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Além disso, estudamos a simetria das figuras geométricas e sua aplicação na Arte. Os alunos simularam obras artísticas, tais como a de Kandinsky e Tarsila do Amaral. Isto foi feito com o intuito de que eles melhor construíssem os conceitos básicos de geometria. Este trabalho sobre os dois artistas foi desenvolvido de modo interdisci-plinar com as professoras de artes. Nessas atividades, que trabalha-mos em nosso estudo exploratório, os alunos indicavam que estavam desenvolvendo coordenação motora e algumas noções geométricas, dentre elas, a noção intuitiva de plano e não-plano, simetria e suas propriedades. Após essas atividades avaliamos que estes alunos es-tavam preparados para perceberem a matemática na arte africana.

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Atividades sobre polígonos, não-polígonos, planificação e a

presença da geometria na arte. Alunos de 6º e 7º anos da escola mu-nicipal de Vitória e Cariacica (2008).

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Após a utilização desses artistas, introduzimos o tópico que envolve a história da arte africana e assim foi possível mostrar aos alunos artistas afrobrasileiros que se destacaram no campo da pin-tura e escultura, tais como: Rubens Valentim, Jorge dos Anjos, Abdias Nascimentos e Emanuel Araújo. Os alunos puderam, ainda, simular a arte de NDBELE, conforme mostra as figuras abaixo.

Atividade feita pelos alunos de uma escola estadual do Municí-pio de Cariacica (2008).

Estudo da proporcionalidadeEstudamos proporcionalidade, escala numérica e sua relevân-

cia para o desenho geométrico e desenho arquitetônico. Os alunos, do 7º ano, desenharam plantas baixas, calcularam suas áreas e perí-metros e construíram maquetes, inclusive de edificações existentes

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na região onde moram. Nesta etapa do projeto percebemos que pre-cisávamos buscar mais apoio na literatura sobre construções e edifi-cações brasileiras de séculos anteriores. Este relato que trazemos no texto mostra um pouco das aprendizagens que nós, professoras de matemática, estamos tendo e de nosso desejo de continuarmos es-tudando e buscando informação das contribuições culturais de indí-genas e africanos (SANTOS, 2009).

Maquetes: algumas casas da região possuem arquitetura se-

melhante (2008).

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Valorização do espaço urbano nas aulas de matemática

Após concluirmos a parte teórica dos tópicos geométricos pla-nejados para o trimestre propomos aos alunos que fizéssemos a re-visão dos conteúdos estudados e que envolviam geometria. Com a concordância dos alunos, fomos pensar e buscar colaborativamente uma dinâmica de grupo que ao mesmo tempo valorizasse o cotidia-no desses alunos e possibilitasse o uso dos significados geométricos construídos e trabalhados anteriormente em aula. Conversando com alguns alunos e professores nós descobrimos que perto da escola havia um campo com várias árvores frutíferas, onde muitos alunos gostavam de passar a maior parte do tempo, inclusive em horários escolares. No dia da atividade quando chegamos ao local iniciamos conversando com os alunos sobre a valorização dos espaços e o que este espaço em particular representava para os mesmos. Fizemos um debate sobre ética e regras em espaços urbanos periféricos. Após toda a dinâmica fizemos a conclusão, resgatando assuntos matemá-ticos, confirmando características dos objetos, conceitos básicos e propriedades geométricas corretas e corrigindo com comentários e questionamentos o que tivessem falado incorretamente.

Aula de campo com os alunos da 6ª série (2008).

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Unidade III: Educação e Linguagens

Essa atividade de campo nos reporta à visão de utilizarmos apropriadamente o meio em que vivemos, de usarmos adequada-mente e reaproveitar os materiais. Esta visão de trabalharmos com a reciclagem dos objetos está de acordo com o que compreendemos como sendo a visão de sustentabilidade da cultura africana de uti-lizar aquilo que o meio oferece ou transmite em suas artes, em sua vestimenta, em suas habitações etc. Ou seja, aproveitar dos recursos disponíveis para a construção de novas estruturas. No caso de nossa atividade de campo e das outras atividades escolares tínhamos tam-bém como meta desenvolver pensamento geométrico, visualização espacial e conhecimentos de estruturas geométricas em nossos alu-nos, para auxiliá-los a trabalhar melhor o conceito algébrico e aritmé-tico integrados com geometria.

ConclusãoCom este tipo de projeto pedagógico que desenvolvemos foi

possível avaliar que os alunos dessas escolas sentem-se bem mais motivados para a aprendizagem de matemática e mais participan-tes do contexto escolar. Além disso, a execução das atividades gerou melhor sistematização dos conteúdos em sala de aula e melhor com-preensão dos assuntos de geometria estudados. Sinalizamos ainda, a melhoria das reflexões e das argumentações matemáticas do aluna-do. Portanto, pudemos introduzir os cálculos algébricos e numéricos, tais como, fórmulas e cálculos de áreas e perímetros, de forma mais tranqüila. No entanto, percebemos que este estudo exploratório ofe-receu-nos possibilidade para refletir e para buscarmos mais subsídios para desenvolver futuramente outros projetos e procurar investigar de modo mais sistemático os questionamentos colocados anterior-mente. Percebemos que para muitos alunos ainda está distante o re-conhecimento de sua identidade enquanto afrodescendente.

A consciência sobre etnias, suas contribuições para o ensino de matemática e a importância da história africana para o desenvol-vimento atual vai exigir de nós, professores, um trabalho mais pro-fundo. Este olhar minucioso e este resgate da história africana e de outras culturas e de seus entrelaçamentos com a construção do co-nhecimento matemático requer que nós, professores, procuremos desenvolver outras estratégias. Ou seja, que pensemos em propor projetos políticos-pedagógicos que ousem e nos auxiliem a propor um diálogo libertador e emancipatório em ensino de matemáti-ca resgatando e valorizando as artes, a cultura, a história como nos propunha Paulo Freire. Nós, professores, ainda precisamos estudar e aprofundar nossos olhares sobre as culturas que formaram e formam nosso povo brasileiro se quisermos ressignificar a matemática e seu ensino valorizando o cotidiano e a produção de saberes que estão inseridos nos espaços urbanos e espaços campesinos.

Por exemplo, quando procuramos agora no início do ano le-tivo de 2009 verificar que conhecimentos sobre geometria tinham permanecido para nossos alunos e investigar que significados eles atribuíam a alguns termos ficamos um pouco intrigados e perplexos com algumas respostas. Colocamos a seguir alguns dos questiona-mentos que fizemos e as respostas obtidas de quatro alunos.

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1. O que é matemática para mim?2. Se você fosse a matemática que bicho você seria? Porquê?3. Se você fosse a matemática de que cor você seria? Porquê?4. Você sabe o que é geometria? 5. Aonde vemos a geometria?6. O que é afrodescendente?7. Você á afrodescendente?8. O que é ser negro?9. Todo negro deve estudar a que tipo de matemática?10. Que matéria de matemática você lembra ter estudado? Cite todas:11. Em sua comunidade há muitos negros?12. Qual é escolaridade da maioria dos negros de seu bairro?13. Fale um pouco sobre você e o ensino de matemática.14. Elabore uma questão sobre a matemática.15. Faça um desenho que represente a matemática.16. A África é um país ou um continente?17. Que lugares da África você já ouviu falar?18. O quê da África vocês conhecem?19. O que existe (tem) na África?

As respostas dos quatro alunos a estes questionamentos apare-cem no quadro a seguir.

Questionamentos Aluno A1 Aluno A2 Aluno A3 Aluno A4

1 O que é mate-mática?

É um monte de números somas e

contas

É a soma, multipli-cação, divisão, são

números etc...

É uma lógica que soma, multiplica, subtrai e divide

etc. A matemática a usa bastante,

como pagar contas de luz ou de água, compra qualquer

coisa.

Matemática para mim é uma coisa

que a pessoa quer aprender e não consegue, aí ela

fica mais....?

2 Se a matemática fosse um animal?

Uma raposa. Por que ele pensa e

depois faz.

Leão, porque é uma fera.

Seria um jacaré. Porque ele pensa e

calcula muito.

Eu seria uma cobra cascavel.

3 Se você fosse a matemática de que

cor seria?

Marrom. Por causa da cor da raposa. vermelho

Vermelho, porque é a minha cor

preferida.

Eu seria a cor azul porque o azul é mais elegante.

4 O que é geome-tria

Seria mais ou menos.

Sim metro qua-drado.

É uma outra forma de matemática Não sei.

5 Aonde vemos a geometria?

Em todos os lugares Em números .... É uma lógica. Não sei.

6 O que é afrodes-cendente? É antepassados. Negro.

Eu acho que é quando está quase se formando ado-

lescente

Não sei.

7 Você é afrodes-cendente? Não sei. Mais ou menos. Sim. Não sei.

16 A áfrica é um país? País País País País

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Unidade III: Educação e Linguagens

Respostas dos quatro alunos aos questionamentos

A associação dos alunos com os animais e cores nos passam al-gumas percepções e concepções deles sobre a matemática. Isto está relacionado ao que pensam sobre a matemática, como eles a perce-bem e às experiências que têm com a matemática na escola e fora dela. Para os alunos que falam que a matemática seria leão e cobra parece que eles percebem a matemática como algo complexo. Já os outros dois alunos dizem que a matemática seria raposa e jacaré, pois pelo que explicam em suas respostas associaram a idéia de que ma-temática envolve bastante o pensar e o calcular. Ficamos surpresos por ver a idéia de matemática que ficou para estes alunos. Para eles parece que matemática envolve apenas números e cálculos com os mesmos e que a geometria fica desconectada de matemática. Tam-bém nos deixou surpresos perceber que estes alunos desconheciam o significado da palavra afrodescendente e que consideram a África como um país. Se nossos alunos atribuem significados diferentes dos nossos para alguns termos podemos inferir que somos nós, professo-res, que precisamos fazer algo para dialogar e argumentar com eles sobre os significados que usamos para os termos. Precisamos provo-car desequilíbrios cognitivos em nossos alunos para poder auxiliá-los no processo de construção destes outros significados. Para tanto precisamos nos preparar mais profundamente para desenvolver com qualidade este tipo de trabalho e para propor intervenções pedagó-gicas e conduzir investigações de natureza qualitativa em nossas sa-las de aula para responder com mais detalhes aos questionamentos citados no estudo exploratório. Portanto, consideramos que essa é uma proposta para se desenvolver métodos de ensino nas aulas de matemática na educação campesina valorizando seus espaços e os saberes neles (re) produzidos.

Referências bibliográficas

BIENE, Maria Paula van. A arquitetura das casas-grandes remanes-centes dos engenhos de açúcar no Rio de Janeiro setecentista. 2007. 200 f. Dissertação (Mestrado em História da Arte (História e Crí-tica da Arte)) – Escola de Belas Artes, Centro de Letras e Artes, Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

CARLE, Cláudio Baptista. A organização espacial dos assentamen-tos de ocupação tradicional de africanos e descendentes no Rio Grande do Sul, nos séculos XVIII e XIX. 2005. 364 f. Tese (Doutora-do Internacional em Arqueologia). Departamento de História, Facul-dade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

CUNHA JR., Henrique. História Africana na Formação dos Educa-dores. Maringá – PR: Cadernos de Apoio ao Ensino. Maringá, número 6, p. 61-77, abril de 1999.

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Unidade III: Educação e Linguagens

EDITORA MODERNA (org.). Projeto Araribá Matemática. São Paulo: Editora Moderna, 2008.

FREIRE, Paulo. A pedagogia da esperança: um reencontro da peda-gogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LINS, Rômulo Campos; GIMENEZ, Joaquim. Perspectivas em aritmé-tica e álgebra para o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 1997.

LOPES, Maria Laura M. Leite.; NASSER, Lilian. (coord.). Geometria na era da imagem e do movimento. Rio de Janeiro: Projeto Fundão, Instituto de Matemática, UFRJ, 1996.

LORENZATO, Sergio. Para aprender matemática. Campinas, SP: Au-tores Associados, 2006.

MUNANGA, Kabengele (org.) Superando o racismo na escola. 3. ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamen-tal, 2001.

NASSER, Lilian; TINOCO, Lucia. Curso básico de geometria: enfoque didático. Módulo II: Visão dinâmica da congruência de figuras. 3.ed. Rio de Janeiro: Projeto Fundão, Instituto de Matemática, UFRJ, 2004

SANTOS, Vânia M. P. dos. (coord.). Avaliação da aprendizagem e ra-ciocínio em matemática: métodos alternativos. Rio de Janeiro: Pro-jeto Fundão, Instituto de Matemática, UFRJ, 1997.

SANTOS, Leandra G. dos. A casa africana: projeto no Auto Cad. Ar-tigo submetido ao Seminário Nacional de Africanidades e Afrodes-cendência: Formação de professores para a educação de relações ét-nicas. Universidade Federal do Ceará, 2009.

THEODORO, Helena. Buscando caminhos nas tradições. In.: MU-NANGA, Kabengele. (org.). Superando o racismo na escola. 3. ed. Bra-sília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, p. 77-93, 2001.

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Unidade III: Educação e Linguagens

PARA POSTAR [5]

A Educação Matemática está vinculada ao homem e seus sabe-res em contextos específicos de produção social da existência. Dis-cutir o currículo da escola, no que se refere à educação matemática, implica também considerar o homem em seu meio, seus saberes e suas relações sociais. Daí decorre nossa pergunta para discussão em grupo.

À luz dos textos lidos até este momento e considerando as dis-cussões de Lorenzoni & Marcilino, INTERCULTURALIDADE NA CONS-TRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE MATEMÁTICA PARA AS ESCOLAS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO, no texto 16 disponível em CD-Rom, discuta com seus grupo o que pode significar educação escolar po-merana ou uma educação escolar indígena, ou educação escolar qui-lombola?

Elabore suas reflexões, reafirmando ou refutando a discussão das autoras, particularmente na provocação que segue:

Dado que a escola tem raízes ocidentais e que a forma-ção dos professores da escola guarani conta ainda, em grande parte, com a ação de não-índios, deve-se afir-mar que o detalhamento de conteúdos de Matemática para a problemática discutida na proposta curricular é um começo. É uma possibilidade que hoje se apresen-ta numa escola que, estando em construção, caminha rumo a uma proposta que seja, cada vez mais, específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural e, por que não di-zer, tomando emprestadas as palavras do cacique Wera Kwaray, “soberana com relação a seus conhecimentos”. Lorenzoni & Marcilino.

Uma experiencia para compartilhar

As construções têm muitas histórias

Gerda M. Schutz Foerste

Os lugares por onde passamos carregam as marcas de tantos homens e mulheres que ali viveram. Cada tijolo, cada casa, cada rua, cada aldeia tem as digitais dos sujeitos que a construíram. Nas pala-vras de Ítalo Calvino, o olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas... Neste sentido, sensibilizar nosso olhar para realizar esta lei-tura é tarefa da escola.

Como já relatei em momento anterior, tenho especial carinho pela escola enquanto espaço de conquistas dos sujeitos e da comuni-dade, como espaço do encontro das diferenças e socialização e como espaço político com potencialidade de organização da comunidade. Assim em diferentes escolas em que trabalhei desenvolvi projetos que partiam da realidade local para construir outras referências a partir da pesquisa. O projeto que vou relatar também já contemplou Igrejas, Prédios Históricos e monumentos.

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No Estado do Espírito Santo fomentamos esta proposta atra-vés do material que elaboramos em 2005/2007, no curso formação continuada de professores PROEX/UFES. No percurso, o projeto foi ressignificado e desenvolvido em diferentes contextos educacionais, como veremos à frente.

A proposta também abarca um procedimento de pesquisa, que exige espírito de equipe na sua condução, planejamento, distribui-ção de tarefas e, sobretudo, engajamento de todos com a compreen-são dos objetivos para o êxito do trabalho coletivo. A construção da maquete depende do trabalho em grupo e dos acordos pactuados, em especial no que se refere à escala (módulo) na redução e cons-trução da maquete. Também na discussão dos encaminhamentos às entrevistas, análise documental e sistematização dos dados.

Leia a proposta e organize-se para vivenciá-la com seus alunos.

PARA ENVIAR

Grupo 4 Desenvolva em sua escola um projeto interdisciplinar de ensino. Pro-

cure trabalhar em equipe. Busque outros colegas e desenvolva o projeto.

MINHA ESCOLA: um projeto interdisciplinar.

Objetivos:* Construir uma visão ampliada da escola campo de trabalho.* Resgatar o processo histórico e arquitetônico de construção

desta escola.* Outros (elabore novos objetivos que possam ser alcançados a

partir do desenvolvimento deste projeto de ensino).

Áreas envolvidas:Artes, história, geografia, matemática, língua portuguesa, físi-

ca, química etc.

Conteúdo programático:- Confecção de maquete.- História da escola/comunidade/cidade.- Relevo, mapa político e geográfico do entorno da escola.- Unidades de medida, redução por módulos.- Relato descritivo.- Preparo de tintas e de superfícies para confecção de maquete.

Procedimentos:Distribua as atividades em grupos de trabalho, de acordo com as

condições de sua turma, em sala de aula. Atribua aos grupos diferen-tes tarefas relativas ao resgate da história de sua escola (entrevistas, análise de documentos, fotografias da escola etc.). Organize com os alunos um álbum da escola contendo relatório detalhado dos dados

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Unidade III: Educação e Linguagens

encontrados, com reprodução de fotos e documentos como anexos.Também distribuídos em grupos, proponha a confecção da ma-

quete de sua escola. Para isso siga os seguintes passos:1º Faça uma exploração do prédio de sua escola (observe, dese-

nhe, faça fotos da escola com seus alunos).2º Desenhe com seus alunos uma planta baixa de sua escola

(quantas paredes externas delimitam o seu espaço). Observação: Se houver necessidade, peça ajuda a um engenheiro e/ou arquiteto (ou pedreiro/ mestre de obras).

3º Numere na planta as paredes externas de sua escola.4º Organize os alunos em grupo, de modo que cada grupo fi-

que responsável por uma parede externa da escola.5º Solicite que cada grupo (responsável por diferentes paredes) bus-

que as medidas reais da parede que recebeu (medindo sua altura e com-primento, como também suas ornamentações, aberturas, luminárias, etc.).

6º Distribua aos grupos um módulo (pequeno pedaço de papel padronizado de 5 centímetros de comprimento) que corresponde a uma unidade de medida (ou se preferir introduza a redução por esca-la). No caso de indicar módulo/ padrão diga que este corresponde a 1 metro. Ex.: Se uma parede tem 5 metros e meio, esta será reduzida a partir do módulo, repetindo-o cinco vezes e meia.

7º Distribua papelão ou folhas de papel cartão para que os alunos construam suas “paredes” a partir da redução, por módulo, da medida real. Cada grupo fica responsável pela réplica da parede em seus detalhes. Solicita-se que os grupos deixem uma margem de 3cm nas laterais para posteriormente colar e montar a maquete. Ex.:

8º Prepare tinta com os alunos, explore materiais e texturas para a decoração das paredes. Dê atenção a cada grupo na redução a partir do padrão para que seja possível a montagem da maquete.

9º Depois de decoradas e secas, cada parede será colada à ou-tra pela aba de ligação de modo que se erga a estrutura do prédio de sua escola, em seqüência. Ex.: Parede 1 – 2 – 3 – 4 e assim por diante.

10º Por último, com a ajuda do professor, finalizar a maquete (com jardim, telhado, escadaria etc.), preparar a exposição e registrar em fotografia o trabalho realizado em equipe.

Os professores devem apresentar relatório da atividade de-senvolvida.

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Unidade III: Educação e Linguagens

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Analise o projeto de intervenção desenvolvido pelo professo-res e alunos, em Domingos Martins.

PROJETO MINHA ESCOLA

Professores: Ângelo, Ineide, Luciana, Marilia, Marilsa, Noeme, Rosilena, Silvia, Valdicéia.

Período: 21 a 30 de outubro de 2007.Escola: Escola Municipal de Ensino Fundamental “Soído”Endereço: Rodovia 17 s/nº, Soído, Distrito da Sede de

Domingos Martins-ESSérie: 7ª

JUSTIFICATIVAO projeto servirá de apoio para induzir os alunos a repensarem

sobre suas raízes partindo da comunidade na qual convivem e com-preendendo todo o processo que resultou na escola de hoje.

INTRODUÇÃOO estudo abrangerá uma pesquisa a respeito de informações

históricas sobre a comunidade de Soído, induzindo questionamen-tos referentes ao processo de formação e construção da escola de Soído.

OBJETIVOS GERAISAbordar através do projeto as diferentes áreas do conhecimen-

to: artes, história, geografia, matemática, ciências, língua portuguesa.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS-Conhecer a história da comunidade local e associá-la com a

história da escola.-Identificar e desenvolver diferentes habilidades nos alunos.

DESENVOLVIMENTO DO PROJETOInicialmente será desenvolvida uma pesquisa histórica por

meio da coleta de dados realizada mediante perguntas direcionadas a pessoas que convivem a mais tempo na comunidade.

As informações coletadas serão analisadas e sintetizadas em forma de textos.

Após o estudo da história da comunidade será realizado tam-bém um breve histórico da escola.

Os alunos explorarão o prédio escolar, observando sua estrutu-ra, arquitetura e medindo todas as superfícies para anotações. Esta etapa do trabalho deverá ser realizada em grupos para não tumultu-ar a escola. Cada grupo se responsabilizará pela medição de determi-nados espaços da escola.

As medidas serão transformadas em escala de cm. e desenha-

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das numa cartolina branca. Cada grupo desenhará sua parte e cobrirá com papel colorido. Esta fase compõe a confecção da planta baixa da escola, que será a base de construção da maquete da escola de Soído.

Cada parede ou superfície será montada com papelão, obede-cendo às medidas proporcionais ao prédio.

Os grupos montarão a maquete da escola e pintarão suas par-tes definindo o acabamento, o pátio e o telhado para finalização e exposição.

RECURSOS NECESSÁRIOS - Metro de madeira flexível; - Papelão; - Diferentes tipos de tinta; - Areia; - Cola quente e cola comum; - Cartolina branca e colorida; - Lápis; - Tesoura; - Canetinha; - Caderno para anotações.

ORGANIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DOS ESPAÇOS A pesquisa será realizada na comunidade e comporá uma ati-

vidade extra-classe. As análises, produção de textos e confecção da planta baixa

serão desenvolvidas na sala de aula. A exploração do prédio será realizada em suas dependências

e no pátio. A construção da maquete acontecerá no pátio da escola. Os alunos desenvolverão as etapas do projeto em grupos de

três alunos e a maquete resultará dos trabalhos de cada grupo.

CONTEÚDOS A SEREM TRABALHADOS POR ÁREA DO CONHECIMENTO

Artes: desenho e colagem da planta baixa; pintura e confecção da maquete do prédio escolar.

História: conhecimento da história da comunidade e da escola.

Geografia: escalas, relevo, mapeamento do prédio, tipo de construção; evolução da comunidade e da escola.

Ciências: recursos utilizados para a construção do prédio; aná-lise das mudanças ambientais ocorridas ao redor da escola e na co-munidade; reciclagem de material (papelão).

Matemática: unidades de medida, comparação de diferentes tamanhos, proporcionalidade e medida de superfície.

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Língua Portuguesa: produção de texto, análise e síntese das informações coletadas.

AVALIAÇÃO/RETORNOEspera-se que os alunos obtenham maior consciência de suas

raízes históricas e conheçam de forma articulada a escola em que es-tudam.

Pretende-se avaliar a compreensão dos alunos quanto aos conteúdos trabalhados no decorrer do projeto, bem como o envol-vimento e participação de cada aluno nos trabalhos, respeitando os diferentes níveis de maturidade e identificando as habilidades e difi-culdades apresentadas por cada um.

ANÁLISE DESCRITIVA DO PROJETOO projeto encontra-se em fase de execução.Já foram realizadas as pesquisas históricas a respeito da comu-

nidade e da escola, culminando em relatos informativos.Os grupos formados já mediram toda a escola e exploraram a

estrutura do prédio para confecção da planta baixa em cartaz.Pôde-se observar as diferentes formas de envolvimento e par-

ticipação dos alunos de acordo com as habilidades e dificuldades apresentadas por cada um, pois o nível de interação grupal obedece à capacidade de expressão e comunicação.

Foram identificadas habilidades artísticas, perceptivas, lógico-matemáticas e expressivas, além da dificuldade por parte de alguns alunos, em expressar-se ou envolver-se nesse tipo de atividade de caráter dinâmico.

Quanto aos conteúdos abordados no projeto foi possível ana-lisar o fato de que nem todos os alunos conseguem apreender os conceitos através de projetos. No entanto, outros apresentam uma predisposição em aprender por meio de dinâmicas, o que resulta na necessidade de se trabalhar de formas variadas na sala de aula se-gundo as necessidades dos alunos.

Texto extraído do banco de dados do Curso de Formação

Continuada de professores do campo, coordenado pelo profes-sor Erineu Foerste.

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Medindo a Escola e confeccionando a Planta Baixa

Agora, observe as fotos com momentos do trabalho em grupo quando professores e alunos desenvolveram este projeto.

Imagens disponibilizadas pela Escola Municipal de Ensino Fun-damental “Soído”, ao Programa de Formação de Professores do Cam-po da UFES, em 2007, coordenado pelo Prof. Erineu Foerste.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Observe a partir das fotografias que seguem a construção da maquete pelo grupo de alunos da Escola Municipal de Ensino Funda-mental Fazenda Germano Schwanz.

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Fonte: Imagens disponibilizadas pelos professores e alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Fazenda Germano Schwarz, ao curso de Formação de Professores do Campo da UFES, em 2005, coordenado pelo Prof. Erineu Foerste.

Agora observe fotos das maquetes do acervo da Escola da Ciência, Biologia e História, localizada no prédio do Sambão do Povo em Vitória. Endereço: Avenida Dário Lourenço de Souza, 790, Mário Cypreste - Sambão do Povo. De segunda a sábado, das 8 às 12 e das 14 às 18 horas; feriados, das 14h às 18h. Visite com seus alunos http://www.vitoria.es.gov.br/seme.php?pagina=escolabiologiahistoria.

As maquetes que seguem representam, respectivamente, a Igreja da Misericórida e o Palácio Domingos Martins. A primeiro, uma construção do período colonial abrigou também o primeiro hospital de Vitória. Sua demolição deu lugar ao Palácio Domigos Matins, que abrigou a Assembéia Legislativa durante 88 anos.

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Construir é planejar a ocupação do espaço, criar e ressignificar objetos. Observe as construções de Carlos e Henrique, com Lego de madeira.

Palácios Construções, 2010 - Carlos e Henrique (10 anos)Fotografias de Carlos Hermann

Maquete: Lateral da Igreja da MisericórdiaFoto: Carlos Hermann - 2010

Acervo ECBH/PMV

Maquete: Igreja da MisericórdiaFoto: Carlos Hermann - 2010

Acervo ECBH/PMV

Maquete: Palácio Domingos MartinsFoto: Carlos Hermann - 2010

Acervo ECBH/PMV

Maquete: Palácio Domingos MartinsFoto: Natasha Maran - 2010

Acervo ECBH/PMV

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Uma experiência para compatilhar.

Relendo Imagens, Atribuindo significados: as cidades que devem ser esquecidas.

Gerda Margit Schütz Foerste

No ano de 2010, desenvolvemos projeto com financiamento do FACITEC (Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de Vitória. O projeto piloto foi coordenado pelas professoras Raquel Conti, Sônia Ferreira e Gerda M. S. Foerste e estabeleceu parceria en-tre a Escola da Ciência, Biologia e História, a Universidade Federal do Espírito Santo e Secretaria Municipal de Educação do Município de Vitória. Tinha como objetivo promover formação continuada de professores a partir da Leitura de Imagem. O projeto foi intitulado Relendo Imagens, Atribuindo Significados: As Cidades Que De-vem Ser Esquecidas. Tomando a imagem como mediação, discutiu a fotografia como fonte histórica; as transformações das cidades e o projeto de modernização republicano; a imagem na educação; os tempos e espaços; as cultura e a história, em partirticular a história do Estado do Espírito Santo.

http://web2.ufes.br/arteeducadores/projeto/default.html

Foto: Arcesislau SoaresAcervo do Arquivo Público do Estado.Descrição: “Praça João Clímaco – Victoria, onde se vê a antiga igreja que foi demolida e em seu lugar construído o atual Edíficio do Congresso. 1910”Fonte: Exposição sobre os Negócios do Estado no quatriênio de 1908 a 1912, pelo Exmo. Sr Dr. Jeronymo Monteiro – Presidente do Estado no mesmo período. Vitória: 1913, p. 232

Relatos e excertos de textos

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PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Relacione o texto que segue com a imagem e informações an-teriores.

Durante quase três séculos, o largo, que se espraiava frente à igreja de São Tiago, era conhecido ora como largo do Colégio, ora como largo Afonso Brás. [...] A Câmara Municipal, a 25 de agosto de 1883, tendo em vista proposta assinada pelos vereadores Passos Cos-ta Junior e Moniz Freire, resolveu mudar o nome do largo para praça João Clímaco.

Em 1908 o Presidente Henrique Coutinho providenciou melho-ramentos ali, sendo que, em 1910, já no governo de Jerônimo Mon-teiro, quando o logradouro tinha o terreno inclinado para a baía (o terraço onde está situado o coreto é aterro efetuado nessa época), a praça “sofreu transformação radical em planta e perfil”. Para aplainá-la, construiu-se um muro de arrimo, coroado por balaustrada, frontei-ro à atual rua Nestor Gomes.

[…] Dava frente para essa praça a igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, adquirida no governo de Henrique Coutinho e demo-lida quando presidente do Estado o Dr. Jerônimo Monteiro, que, no local, mandou construir o edifício da Assembléia Legislativa. [...]

Em 1926, quando da abertura da rua Nestor Gomes, demolido “o muro de arrimo, coroado de balaustrada”, o logradouro ganhou seu atual jardim, cabendo os serviços de jardinagem a Paulo Motta e os de aplainamento da área, com a rampa resultante das modifica-ções ali verificadas, à firma Politti, Derenzi & Cia.

[...]O atual patrono da praça, padre João Clímaco de Alvarenga

Rangel, nasceu em Vitória, a 30 de março de 1799, tendo falecido, na mesma cidade, a 23 de julho de 1860. Foi professor de Filosofia. Dire-tor do Liceu, havendo sido eleito deputado geral em 1833, quando ainda estudante do curso jurídico. [...] Defendeu, em Vitória, os escra-vos presos em decorrência da Insurreição do Queimado, abandonan-do, em seguida, a vida parlamentar, em que se notabilizou.

Extrato de Texto. In: ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vi-tória. Vitória: EDUFES: Secretaria Municipal de Cultura, 1999. (Cole-ção José Costa; 3). p. 43-4.

Conversas paralelas...

Identifique construções e monumentos representativos de sua comunidade. Como exemplo, observe a maquete da Igreja Luterana de Domingos Martins.

Analise como as construções podem abrigar histórias, símbolos, sonhos e ser expressão de homens e mulheres, sujeitos de cultura.

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Maquete da Igreja Luterana de Domingos Martins-ESFoto: Pastor Valdeci Foerste - 2010

Acervo Paróquia de Domingos Martins – IECLB

5 – Educação Física

De acordo com estudos e debates desenvolvidos até o momen-to, podemos dizer que o currículo escolar está centrado no saber enciclopédico e pouco se articula a relação com o mundo do traba-lho, não está referenciado ao contexto dos sujeitos. Esta realidade atinge a todas as áreas do conhecimento e disciplinas escolares. Na educação física, o currículo escolar não tem levado em consideração questões sobre a saúde e o corpo dos sujeitos na sua relação com a natureza. Não está atenta ao contexto de seu aluno, o trajeto que faz da casa à escola, como não considera o espaço do campo, os jogos e a vida de seus sujeitos.

Segundo Ventorim e Locatelli, no texto 17, Notas Essenciais para o Diálogo entre o Ensino da Educação Física e a Educação do Campo, disponível no CD-Rom, o campo da Educação Física tem realizado revisão constante de suas concepções e práticas. Conside-

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ra em sua autoanalise a base conceitual como também as questões físico-estruturais como a falta de espaço físico adequado, de materiais didáticos; o difícil acesso as escolas, a falta de professores e rotativida-de de professores e sobrecarga de trabalho e a baixa remuneração. No que ser refere ainda à revisão de que falam as autoras cabe destacar, no que tange à presença do profissional do ensino desta área nas es-colas do campo, alguns pontos problemáticos. Os problemas podem constituir impedimento ao trabalho qualificado na Escola do Campo.

As extensas jornadas de trabalho com pouco tempo destinado ao processo de reflexão e planejamento da ação pedagógica e os baixos salários têm dificultado o estabelecimento de vínculos com a escola da educação do campo, já que os professores necessitam de mais de uma escola para trabalharem. O isolamento dos profes-sores também aparece com uma das questões que têm fragilizado o trabalho do professor de Educação Física na escola do campo, pois a necessidade de percorrer longas distâncias dificulta também suas participação em reuni-ões pedagógicas e programas de formação específica. NOTAS ESSENCIAIS PARA O DIÁLOGO ENTRE O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO Drª Silvana Ventorim-Universidade Federal do Espítito Santo (UFES)-PROTEORIA Msª Andrea Locatelli-Prefeitura Mu-nicipal de Vitória (PMV), disponível no CD-Rom.

É notório que as condições para a realização do trabalho do-cente são importantes para imprimir qualidade à educação. Contu-do, também é fundamental ter clareza conceitual para definir o pro-jeto de ensino que será desenvolvido. Assim, falar de Educação Física implica em falar de um corpo, como organismo do qual nenhuma parte pode ser isolada. Isto significa a indissociabilidade entre corpo e mente, educação e trabalho. Significa tematizar conceitos como corpo, esporte e ludicidade.

Conforme Moreira et all, no texto Educação Física Escolar: Cor-po, esporte e Lúdico, disponível no endereço http://www.efescolar.pro.br/Arquivos/arq_2005_8.pdf e no Cd-Rom, os objetivos da Edu-cação Física na escola não reside na competição ou na adestração dos corpos, mas na construção de conhecimentos do homem sobre o seu próprio corpo em sua relação com o meio. Discutem a ludi-cidade como princípio da construção do conhecimento na infân-cia. Compreendem que a escola, enquanto instituição produzida na sociedade capitalista tem produzido corpos por um lado, dóceis e adapatados e de outro fomentado a competição. Nesta lógica a Edu-cação Física tem servido historicamente a este fim. Cabe aos pro-fessores romper com esta lógica, que na compreensão dos autores ainda não possibilita banir o esporte/competição das aulas de edu-cação física por vivermos em uma sociedade capitalista e competitiva, mas proporcionar ao aluno reflexões sobre esse modelo esportivo e dar oportunidade aos mesmos para a construção de novos valores e signi-ficados atribuídos ao esporte e às práticas corporais de maneira geral(Educação Física Escolar: Corpo, esporte e Lúdico MOREIRA Douglas Pereira de Ataíde, MELO Leandro Alves de, MARINHO Marcos Rober-to, OLIVEIRA Douglas Luciano de, ALVES Maurício).

Indicação de Leitura

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: Corpo, esporte e Lúdico MOREIRA Douglas Pereira de Ataíde, MELO Leandro Al-ves de, MARINHO Marcos Roberto, OLIVEIRA Douglas Luciano de, ALVES Maurício. Texto disponível em http://www.efescolar.pro.br/Arquivos/arq_2005_8.pdf, acessado em maio de 2010.

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Discuta em sua escola propostas práticas de educação física a partir da realidade dos alunos de sua escola.

CONSULTANDO O CD-ROM

Texto 17 - NOTAS ESSENCIAIS PARA O DIÁLOGO ENTRE O EN-SINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO Drª Silvana Ventorim-Universidade Federal do Espítito Santo (UFES)-PROTEORIA e Msª Andrea Locatelli-Prefeitura Municipal de Vitória (PMV)-Centro Universitário de Vila Velha (UVV)-PROTEORIA

6 – Educação e Meio Ambiente

Ao discutirmos Educação do Campo estamos implicados em temas transdisciplinares, como: povos, territórios, saberes da Terra, movimentos sociais e sustentabilidade, conforme vimos debatendo ao longo de nosso estudo. Não podemos construir um currículo dife-renciado do campo sem levar em consideração o modo de produção campesino, desenvolvimento sustentável e agroecologia.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

http://pucf5.files.wordpress.com/2009/10/onu.jpg

Observe a imagem e discuta com seus colegas: como a forma de cultivo da terra em sua região tem impactos no meio ambiente ou de como o cultivo da terra (agricultura) pode ou não também Culti-var (cuidar) a TERRA?

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A TEMÁTICA AMBIENTAL NA SALA DE AULA: uma proposta investigativa

Mirian do Amaral Jonis Silva12

Quando nos referimos ao meio ambiente, as imagens que nos vêm à mente são florestas exuberantes, animais, plantas, riachos cris-talinos, os bois no pasto, a plantação, o ar puro do campo... É bas-tante provável que nos lembremos também dos desmatamentos, da poluição dos rios e das alterações climáticas decorrentes do aque-cimento global. É menos comum relacionarmos o ambiente com a casa onde moramos, a escola, a rua ou a cidade em que vivemos. Esta tendência está bastante arraigada no imaginário popular, em virtude dos sérios problemas ambientais que enfrentamos hoje.

O século XXI chegou, e, contrariando as expectativas mais oti-mistas, trouxe consigo as conseqüências das agressões ao meio am-biente que eram previstas para um futuro remoto. O desenvolvimen-to de tecnologias limpas, a gestão dos recursos hídricos e o controle da emissão de poluentes são hoje prioridades nos programas de governo em todo o mundo.

São inegáveis os benefícios assegurados pelo desenvolvimento científico e tecnológico, destacando-se, por exemplo, o aumento da expectativa de vida da população nos países que contam com mais recursos da tecnologia. Entretanto, o modelo político global tem tornado desigual a distribuição e o acesso das populações aos recur-sos tecnológicos. A concepção de “sociedade de risco”, de Beck e Gi-ddens (1997) amplia a compreensão da situação atual, em que todo o desenvolvimento está centrado no aspecto econômico. A natureza é transformada em recurso ou em produtos consumidos por alguns, mas todos arcarão com as conseqüências dos danos ambientais ain-da previsíveis. Em outras palavras, o “lucro” é de alguns, mas o preju-ízo é global.

Esse processo de sensibilização é relativamente recente. Nos anos 60 e 70 o mundo percebeu que a exploração inescrupulosa dos recursos naturais representava uma grave ameaça para todo o plane-ta. O Brasil, no entanto, demorou um pouco mais para implementar políticas e ações concretas em relação ao meio ambiente. Naquela época o país vivia sob o impacto de um regime autoritário de go-verno, que fomentava a expectativa do “milagre econômico”. Os go-vernantes favoreciam a instalação de indústrias, mesmo que fossem potencialmente poluidoras, acreditando que isso traria benefícios econômicos, a tal ponto expressivos, que seriam capazes de com-pensar os irreparáveis prejuízos ambientais.

Começa na década de 70 uma forte inserção do meio ambien-te nos movimentos sociais. A educação ambiental surge muito mais para instrumentalizar as ações do ambientalismo do que uma abor-dagem educativa transformadora e política que consideramos hoje. A Educação Ambiental teve, portanto, uma inserção tardia na edu-

12 Profa. Dra. Do Departamento de Didática e Prática de Ensino/CE/UFES.

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cação. Aos poucos os currículos escolares brasileiros começaram a incorporar a discussão da temática ambiental, embora tenham fica-do ainda silenciados aspectos políticos e ideológicos diretamente re-lacionados com as questões ambientais. Percebemos hoje que este tema é muito mais sério e complexo do que poderíamos presumir há poucos anos atrás.

Adotar um conceito mais amplo de ambiente implica perceber que as relações que estabelecemos com o ambiente refletem-se tam-bém em nossos hábitos e práticas sociais. Até mesmo nossas opções de vestuário, alimentação, lazer etc. são muito influenciadas pelas condições ambientais.

Um olhar mais atento permitirá observar que algumas ativida-des econômicas também estão diretamente ligadas às características ambientais de cada região. A pesca, as atividades agropastoris, a mi-neração, dentre outras, são atividades diretamente relacionadas com as condições ambientais locais.

A disponibilidade de recursos minerais é um exemplo. Jazidas minerais atraem exploradores, que por sua vez criam empregos, esta-belecem moradias e logo nasce mais uma cidade, fortemente marca-da pela degradação ambiental, que caracteriza este tipo de atividade econômica. O avanço da industrialização em meados do século XX propiciou o surgimento de inúmeras vilas operárias, que tiveram que conviver, desde o seu nascimento com os problemas ambientais. No campo, o uso dos defensivos agrícolas e a falta de saneamento bási-co também causam sérios problemas.

Percebemos, portanto, que as características ambientais de uma determinada região podem determinar possibilidades de explo-ração econômica e conseqüentes transformações, que se refletem também nas relações sociais.

Nesta perspectiva o ser humano está totalmente integrado ao meio, agindo sobre o ambiente e transformando-o, enquanto sofre, ao mesmo tempo, as conseqüências de suas ações. Contudo, nem sempre a percepção da integração homem-natureza é clara. Em ge-ral, as sociedades modernas contribuem para a dissociação, criando uma falsa ilusão de autonomia em relação ao meio ambiente.

Consideremos, por exemplo, a questão da destinação do lixo, que afeta a grande maioria das cidades em todo o mundo. Embora a problemática do lixo tenha se tornado um tema recorrente em todas as propostas curriculares, raramente se observa na escola reflexões que dêem conta da complexidade da questão.

Ficam silenciados nas abordagens escolares a correria e o con-sumismo que caracterizam a vida nos grandes centros, influenciando os hábitos das pessoas, que passam a consumir muito mais produtos industrializados, muito mais embalagens descartáveis e, assim, aca-bam produzindo muito mais lixo.

Até mesmo nas escolas, onde a questão do lixo é frequente-mente discutida, um olhar um pouco mais atento permite perceber como são subutilizados e até desperdiçados os lápis, cadernos, livros, papéis e plásticos em geral. Como o reaproveitamento ainda não foi

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Unidade III: Educação e Linguagens

efetivamente incorporado à nossa cultura, ainda estamos longe de resolver o problema do lixo.

Não basta, portanto, incentivar o uso das lixeiras. É preciso também desestimular a sua produção. Isso requer a conjugação de esforços de vários setores e a integração de diversos campos de conhecimento, que sob diferentes ópticas, trarão luz à discussão. O problema do lixo envolve, portanto, medidas de cunho político e ad-ministrativo, mas também a reflexão em torno de fatores históricos, sócio-econômicos e culturais.

Lacreu (1998) observa que os alarmantes níveis de degradação ambiental têm contribuído para o surgimento de um comportamen-to acrítico e consumista, que não leva em conta a complexidade da questão. Segundo a autora,

“o desconhecimento dos aspectos científicos e ideológicos subjacentes ao “ecologismo” contribui para uma aceitação acrítica de tudo aquilo que se faz ou diz em nome do “verde”. Dessa forma, hoje em dia “o ecológico” passa a ser um objeto de consumo; enquanto ontem consumíamos alegremente aerossóis, hoje consumimos “pro-dutos ecológicos” e desprezamos os aerossóis.”

A todo instante surgem “produtos alternativos” que visam a contribuir para a redução dos impactos ambientais. Pode-se ver ôni-bus ecológico, agricultura ecológica e uma vasta gama de produtos ecológicos, que passaram a constituir uma nova modalidade de con-sumismo: o consumo ecológico “politicamente correto”.

Subjacente a todas estas práticas, prevalece uma representa-ção de ambiente.

O pesquisador Marcos Reigota publicou, em 1995, os resulta-dos de um estudo, cujo objetivo era apreender e explicitar as repre-sentações sociais de professores sobre o ambiente e os problemas ambientais. Ele verificou que, de acordo com as concepções dos professores entrevistados, o ser humano exerce, ao longo da histó-ria, o papel de ”depredador por excelência”. A superprodução de lixo, a poluição e o desmatamento foram os problemas mais apontados pelos professores. As atividades econômicas e o modelo capitalista, centrado na lucratividade, seriam as causas principais dos desequilí-brios ambientais.

O pesquisador Tarso Mazotti realizou um estudo semelhante, mas foi além, levantando as representações sociais não apenas dos professores, mas também de estudantes e lideranças comunitárias.

Mazotti (1997) destaca que os estudantes, assim como os pro-fessores, apontam as intervenções humanas sobre a natureza, mo-tivadas pela ganância dos grandes empresários, como as principais causas para o desequilíbrio ambiental e climático.

Já para os líderes comunitários, o problema ambiental assu-me configuração mais política. Para este grupo, o maior problema ambiental enfrentado pela população estaria relacionado aos baixos salários e à péssima qualidade da alimentação, das condições de mo-radia e dos serviços públicos de saúde a que tem acesso a população de baixa renda, que é obrigada a conviver de perto com o lixo, com a

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escassez de água e a falta de saneamento básico. Mais uma vez o poderio econômico é visto como o principal

agente causador desses desequilíbrios sócio-ambientais. Para os lí-deres comunitários participantes da pesquisa, as ações educativas e ambientalistas não parecem estar conseguindo modificar significati-vamente esta situação. Entretanto, demonstram esperanças de que a mobilização da população possa ser uma alternativa para as mudan-ças necessárias.

Estudos mais recentes indicam que, em geral, os professores entendem que é papel da educação contribuir para o desenvolvi-mento de uma consciência ecológica, que repudie as agressões ao meio ambiente, evitando dessa forma, as conseqüências desastrosas que poderão comprometer ainda mais a qualidade de vida das co-munidades. Verifica-se também uma expectativa positiva em relação ao papel dos meios de comunicação na veiculação de informações que contribuam para a sensibilização e mobilização da população, no que se refere às questões ambientais (Silva, 2006).

Nota-se que desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, cada vez mais o conceito de ambiente vem sendo ampliado, abrangen-do não apenas o meio físico e biológico, mas também o meio sócio-cultural. Nesse sentido, as questões ambientais estariam também relacionadas com os modelos de desenvolvimento adotados pelos sistemas políticos.

A percepção da abrangência do conceito de ambiente e da complexidade dos problemas ambientais aponta para a necessidade de construção de um outro estilo de vida. Esta seria a base do para-digma da sustentabilidade. A inserção de termos como “sustentabi-lidade” e “desenvolvimento sustentável” no discurso escolar torna-se cada vez mais comum. Estariam os professores e alunos aprofundan-do o debate e a compreensão acerca desses conceitos? Neste senti-do, vale lembrar a observação de Tristão (2005),

Para ampliar essa reflexão, remeto-me ao exemplo de uma en-trevista que realizei com professores(as), questionando-os(as) sobre o que é desenvolvimento sustentável. O argumento foi o de que é uma forma racional” de utilização, é um “desenvolvimento com refle-xão sobre a utilização sem destruição”. Quer dizer, esses repertórios interpretativos amplamente utilizados, além de reafirmar o grande impasse criado pela noção de desenvolvimento sustentável que res-significa o termo na lógica do mercado, lida com premissas previa-mente aceitas pelas linguagens totalizantes que impregnam os cam-pos do sentido da Educação Ambiental. (p. 255)

A sustentabilidade, portanto, não se refere apenas ao tipo de interação humana com o mundo que preserva ou conserva o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras. Visa também à manutenção prolongada do equilíbrio nos processos econômicos, sociais, culturais, políticos e institucionais e a instituição de uma nova ética, pautada no respeito à diversidade biológica e cultural.

Mazzotti (1998) faz uma crítica a essa nova ética, questionan-

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do sua suposta originalidade. Para este autor, a ética ambientalista, que surge como nova, estaria, de fato, baseada na economia política clássica. Um exemplo seria a idéia de que a natureza é regida pelo princípio da otimização energética. Esse princípio apóia-se em um conceito econômico que propõe a maximização dos benefícios ou a otimização da relação custo-benefício.

A incorporação velada dos conceitos econômicos na aborda-gem da temática ambiental se traduz até mesmo no caráter utilitário comumente atribuído aos seres vivos. A abelha é um animal “útil” porque nos fornece mel, assim como o carneiro, que nos fornece a lã e a carne. As árvores também são muito importantes, pois fornecem frutos e madeiras para fabricarmos nossos móveis e moradias...

Há também aqueles supostamente “nocivos” ou até mesmo os considerados “inúteis”.

É possível perceber que em todas essas afirmações existe um aspecto valorativo, social e culturalmente construído, com forte viés econômico.

Quando falamos do meio ambiente, tendemos a desconsiderar a interrelação entre estes aspectos. Frequentemente a culpa pelos problemas ambientais recai sobre homens gananciosos, consumis-tas, exploradores e depredadores por excelência, que contaminam e destroem desenfreadamente o meio ambiente. Afinal, quem são esses homens? Onde eles estão? “Eles” são sempre os “outros”. “Nós”, ao contrário, seríamos os “homens bons”, comprometidos com a “sal-vação” do planeta, vítimas da ganância e da irresponsabilidade dos “outros”, cabendo, portanto, a “nós” modificar as condutas dos “ho-mens maus” através de práticas educativas.

As ações educativas voltadas para a temática ambiental quase sempre estiveram associadas a algo pertinente às florestas, aos mares e animais ameaçados de extinção, ao plantio de árvores, à coleta se-letiva de lixo, à manutenção de hortas, excursões ecológicas, além de práticas mais restritas à sala de aula, como redações e desenhos com temas preservacionistas. Enquanto isso, deixavam de ser discutidas a condição do homem, os modelos de desenvolvimento predatórios, a exploração de povos, o sucateamento do patrimônio biológico e cultural, a expansão e o aprofundamento da pobreza no mundo e a cruel desigualdade social estabelecida entre os povos.

Um olhar investigativo sobre a temática ambiental implica re-conhecer que ainda não temos as respostas. Uma investigação re-quer a busca de pistas, o levantamento de hipóteses, as tentativas, os erros, novos desafios, novas descobertas e novos questionamentos. Como diz Tristão (2005),

A Educação Ambiental inspira-se na utopia de um mundo soli-dário. Claro que devemos sonhar com a força de nossos desejos, pois, como educadores e educadoras, somos criadores de mundos possí-veis, de idéias por realizar (p. 262)

Finalizo, então, este texto com a convicção clara de não haver esgotado a discussão. Compartilho com Paulo Fernando de Almeida Saul, de quem tomo emprestadas as palavras poéticas aqui transcri-

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tas, as inquietações suscitadas pelo reconhecimento dos perigos de incorporarmos às nossas práticas educativas um ambientalismo in-gênuo e reducionista, que desconsidere as complexas relações entre ambiente, cultura e sociedade. Que se mantenha o debate...

As armadilhas do ambientalismo

Paulo Fernando de Almeida Saul

[...] Afinal, nós ambientalistas (eu me considero um) não acerta-mos nunca? Primeiro nos dizem: “alguém precisa fazer alguma coisa, senão o mundo acaba!” Saímos, então, armados com a fé e a determi-nação de cruzados a abraçar árvores ameaçadas pela sanha dos ma-deireiros; a jogar tinta nos casacos de pele das madames; a enfrentar barcos de pesca em alto-mar para defender as baleias da extinção. Depois foi a vez do “deixa disso”, é preciso mudar as leis; atuar nos bastidores dos centros de decisões; pensar globalmente. Aos poucos, ainda sem compreender, vemos nossos exércitos, dizimados, volta-rem da Terra Santa sem terem conquistado os infiéis. A natureza con-tinua sendo sufocada, os rios poluídos, o lixo se acumulando. Nós, os conhecedores da verdade, os detentores da tocha, os Escolhidos que levariam a todos os povos a consciência dos desequilíbrios am-bientais, que construiríamos a sociedade perfeitamente equilibrada, o nosso paraíso, onde erramos?

A percepção do novo nem sempre é representada pela supera-ção das antigas formas. Estas prevalecem, mudando apenas sua rou-pagem. Quando pensamos estar fazendo algo inovador, surpreende-mo-nos ao descobrir que muitas de nossas dificuldades advém dessa falsa mirada. O que pensávamos como universal, natural, verdadeiro, em parte é assim mesmo, mas só em parte. As relações do homem com o meio são problemáticas, sim. Na ânsia de salvar o planeta, uti-lizamos os mesmos métodos e instrumentos que condenamos na-queles que consideramos seus destruidores [...] É bom refletirmos sobre esses perigos, iluminando nossas ações com a luz da dúvida e da crítica, para que o fundamento da democracia moderna continue encontrando-se na afirmação da igualdade ética entre os homens e no veto a quem quer que se apresente como o único e verdadeiro intérprete da ética”.

(Extrato do texto introdutório do capítulo Uma crítica da “éti-ca” ambientalista, de Tarso Bonilha Mazzotti. CHASSOT, A (Org.) Ciência, ética e Cultura. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1998.)

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Para vivenciar na escola...

Você já procurou identificar as características ambientais de sua cidade ou de seu bairro e as influências que elas exercem sobre os hábitos sociais e culturais da população?

Uma boa sugestão é a realização de atividades extra-classe, como as excursões, que propiciam boas oportunidades para a ob-servação do ambiente local. Estamos nos referindo às excursões que não requerem investimentos financeiros expressivos, podendo ser realizadas até mesmo no entorno da escola.

As crianças sempre demonstram curiosidade pelo ambiente em que vivem. Ao estudá-lo, estarão se envolvendo em situações concretas, com as quais estão familiarizadas, o que tornará a aprendi-zagem mais agradável e significativa, suscitando atividades e discus-sões muito interessantes.

As excursões devem favorecer o reconhecimento e a explora-ção didática dos recursos disponíveis no ambiente local, mediada por uma análise crítica.

Ao planejar as excursões, você deverá selecionar previamente o local a ser visitado, certificando-se de sua adequação aos objetivos propostos para a atividade. Um olhar panorâmico sobre o ambiente local já dá a idéia da quantidade de aspectos a serem explorados. Todas as atividades que possam ser desenvolvidas durante a excur-são, bem como seus desdobramentos devem ser cuidadosamente planejados. É importante que seus alunos participem desse planeja-mento para que conheçam as finalidades da atividade e estejam bem preparados para realizarem as tarefas propostas durante e depois da excursão. Mesmo que a excursão seja realizada nas proximidades da escola, é recomendável que todas as precauções sejam tomadas para que não haja riscos para as crianças.

Em relação aos aspectos naturais, você pode observar a diver-sidade da vegetação, as cores e odores das flores, as plantas cultiva-das, o tipo de solo, os diversos animais, desde os pequenos insetos até os animais domésticos que porventura estejam circulando pelos arredores da escola. É possível que você encontre um ninho, uma teia de aranha ou uma toca feita por algum animal. Flores e folhas encontradas pelo chão, amostras de solo e insetos mortos são exem-plos de coisas que podem ser trazidas para a sala de aula para uma observação mais pormenorizada.

Leve seus alunos a observarem as transformações feitas pela ação humana no ambiente local. Você pode propor a comparação entre as construções novas e as antigas, a observação do uso que as pessoas fazem dos espaços, do tipo de roupas que usam em suas ati-vidades diárias, o trabalho que executam, do modo como utilizam a água, o solo, os animais e as plantas. Leve-os a observar que cuidados as pessoas têm (ou não) em relação ao ambiente. Procure perceber os sons, os cheiros... Enfim, tente fazer com que as crianças apreen-dam a dinâmica do ambiente local e percebam suas peculiaridades.

Uma vez realizada a excursão, segue-se a etapa de avaliação da

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atividade. É recomendável pedir aos alunos que registrem as observa-ções e relatem suas conclusões por escrito ou por meio de desenhos, maquetes, esquemas etc. Se for possível a coleta de material durante a excursão, ele deve ser imediatamente explorado em sala de aula.

A exploração do ambiente local pode se desdobrar em ativida-des de experimentação ou ainda, pesquisas históricas com base em jornais antigos, relatos orais e documentários em vídeo que resga-tem a história local.

Procure detectar as representações sociais de sua comunidade acerca do ambiente e dos problemas ambientais e estimule o deba-te, chamando a atenção para os aspectos políticos, sócio-culturais e econômicos relacionados à temática ambiental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH. S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética no ordem social moderna. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.

LACREU, L. I. Ecologia, ecologismo e abordagem ecológica no en-sino das ciências naturais: variações sobre um tema. Porto Alegre: Artmed, 1998.

MAZZOTTI, T. Representação social de “problema ambiental”: uma contribuição à Educação Ambiental. Revista Brasileira de Estu-dos Pedagógicos. Brasília, v. 78, n. 188/189/190, p. 86-123, 1997.

MAZZOTTI, T. Uma crítica da “ética” ambientalista. In: Ciência, Ética e Cultura na Educação. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1998.

REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995.

SILVA, M.A.J. Terra: Planeta Vida. Guia de Estudo do Verdas, Unidade 1, Módulo 5. In. Minas Gerais, Secretaria de Estado de Educação. Ve-redas – Formação de Professores. SALGADO, Maria Umbelina Caiafa e MIRANDA, Glaura Vasques (orgs.). Belo Horizonte; SEE-MG, 2004.

SILVA, M.A.J. Aprender para a vida ou para o vestibular? O alfa-betismo científico e a construção social de conceitos biológicos entre estudantes de Cursos Pré-Vestibulares comunitários. Tese de Doutorado. PUC-Rio, 2006.

TRISTÃO, M. A educação ambiental na formação de professores: redes de saberes. São Paulo/Vitória: Annablume/ Facitec, 2004.

TRISTÃO, M. Tecendo os fios da educação ambiental: o subjetivo e o coletivo, o pensado e o vivido. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 251-264, maio/ago. 2005

Relatos e excertos de textos

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Unidade III: Educação e Linguagens

Os sujeitos do campo são homens, mulheres, crianças, jovens, adolescentes, idosos. Participam das lutas pela terra e constroem contidinamente conhecimento sobre sua realidade. São índios, ne-gros, pomeranos, italianos, portugueses, holandeses, tiroleses, entre outros grupos culturais e étnicos que constituem a diversidade cul-tural do Espírito Santo.

Os estudos sobre o campo e seus saberes não pode prescindir da contextualização dos sujeitos que o constituem.

PARA LER E DISCUTIR EM GRUPO

Observe a imagem a seguir e discuta com seus colegas o con-texto em que se inscreve. As linguagens que utiliza. Para isso observe corpo, vestimenta, ambiente, representação plástica da fotografia, entre outros signos, símbolos e indícios que comunicam temporali-dade, espacialidade e valores do contexto que a produz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Referências Bibliográficas Disponíveis no CD-Rom.

BRANDÃO Carlos Rodrigues SABER PARA SI, SABER COM OS OUTROS

CÔCO Valdete REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL EM DIÁLO-GO COM A EDUCAÇÃO DO CAMPO: DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES

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Unidade III: Educação e Linguagens

FIOROT Elida Maria Costalonga O PAPEL DO CONHECIMENTO NAS SOCIEDADES HUMANAS Contribuições à educação dos educadores do campo

FOERSTE Erineu DISCUSSÕES ACERCA DO PROJETO POLÍTICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

FOERSTE Erineu TRABALHO COM LITERATURA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

FOERSTE, Erineu SCHÜTZ - FOERSTE, Gerda Margit OS INTELECTUAIS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: QUESTÕES SOBRE CULTURA E CAMPE-SINATO

FREIRE Paulo “A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER”, disponível em PDF, no site: http://moodle.stoa.usp.br/file.php/193/PAULO_FREIRE/A_importancia_do_ato_de_ler.pdf

HARTUWIG Adriana Vieira Guedes MOREIRA Rachel Curto Machado EXPERIÊNCIAS COM LEITURA LITERÁRIA QUE TRANSCENDEM TRADI-ÇÕES

LOPES Jader Janer Moreira DIALOGAR COM AS CRIANÇAS DO INTE-RIOR...DESCONSTRUIR A CENTRALIDADE DA INFÂNCIA

LORENZONI Claudia A. C. de Araújo MARCILINO Ozirlei Teresa INTER-CULTURALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE MATEMÁ-TICA PARA AS ESCOLAS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO

MUGRABI Edivanda ACERCA DE LA PEDAGOGÍA DEL TEXTO

OLIVEIRA, Edna Castro de OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO NA EDUCA-ÇÃO DE JOVENS E ADULTOS A “PANHA” DOS GIRASSÓIS NA EXPERI-ÊNCIA DO PRONERA/MST

PERINI Luciene. A LINGUAGEM DO ALUNO DO CAMPO E A CULTU-RA ESCOLAR: um estudo sobre a cultura e o campesinato na escola básica. Disponível em: http://www.ppge.ufes.br/dissertacoes/2007/LUCIENE%20PERINI.pdf Acessado em março de 2010

RAMOS Marise CONCEPÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO

SCHÜTZ FOERSTE Gerda Margit LINGUAGEM II – Arte. Vitória:EDUFES,2005.

SCHÜTZ FOERSTE Gerda Margit MEDIAÇÕES SEMIÓTICAS EM PRO-CESSOS INTERATIVOS NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS PEQUENAS.

SILVA DA SILVA Circe Mary MAGALHÃES. Dóris Reis de EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NUMA PERSPECTIVA INTERCULTURAL

VENTORIM Silvana Locatelli Andrea NOTAS ESSENCIAIS PARA O DIÁLO-GO ENTRE O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

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Unidade III: Educação e Linguagens

ACESSE NOSSOS SITES

http://www.ce.ufes.br/educacaodocampo

Este site também pertence a você. Disponibilize fotos, textos e sua produção em educação do campo para divulgarmos neste espaço. Veja aqui:•Slides•AlutapelaterraTupiniquim,2006.•Quilombolas,200?•Vídeos•SaberesSilvestres(2009)•PedagogiadaAlternância(2010)

http://www.proex.ufes/arteeducadores

Este site pertence também a você. Disponibilize sua produção em arte e ensino da arte para divulgarmos neste espaço.

OUTROS SITES PARA CONSULTA

http://portal.mec.gov.br/

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html

http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/

http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/ler-escrever-432060.shtml

http://www.forumsocialmundial.org.br/

http://www.universidadepopular.org/pages/pt/inicio.php

http://www.dominiopublico.gov.br/Missao/Missao.jspObjetiva promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal.

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Unidade IV

Produção de trabalho final do Eixo Especifico III

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Unidade IV: Produção de trabalho fi nal do Eixo específi co III

Unidade IV – Produção de trabalho final do Eixo Específico III.

Seminário presencial de avaliação nos pólos.

O Cio da TerraMilton NascimentoComposição: Milton Nascimento / Chico Buarque

Debulhar o trigoRecolher cada bago do trigoForjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pãoDecepar a canaRecolher a garapa da canaRoubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de melAfagar a terraConhecer os desejos da terraCio da terra, propícia estação De fecundar o chão.

Fonte: http://letras.terra.com.br/milton-nascimento/47414/ Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=mAS9a7H2T78&feature=player_embedded

Chegamos ao final do Eixo Específico III, no qual realizamos significativos estudos e debates. Estamos convencidos de que a construção do conhecimento somente é possível no encontro com o outro.

Ao final deste processo de discussões é momento de buscar aproximação das diferentes abordagens apresentadas pelas temáti-cas anteriores, a partir do debate e da realização de Seminário Pre-sencial.

O seminário deve ser aberto à comunidade, constituindo-se em evento que dá visibilidade às pesquisas e estudo, relacionados à temática, desenvolvidos no pólo. Nesta oportunidade é favorecido o diálogo da teoria com as questões de pesquisa de cada participante e destas com as demandas da comunidade. Consideramos este como um importante canal de expressão e divulgação das discussões siste-matizada durante o curso. A troca de experiência deve ser favoreci-da constantemente, mas compreendemos que no Seminário esta se potencializa.

Julgamos muito importante promover integração com pólos vizinhos e fazer convite às lideranças e intelectuais da comunidade para proferir palestra no evento.

A organização do evento demanda planejamento prévio. Re-quer a constituição de comissões visando levantamento de financia-mento, logística e programação. Especialmente, recomendamos que sejam buscados recuros junto aos municípios contemplados pelo curso no pólo. A promoção deve ser conjunta. É importante transfor-mar este momento em uma “festa da colheita”.

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Unidade IV: Produção de trabalho fi nal do Eixo específi co III

Sugestões para o tema Interdisciplinaridade

1. A interdisciplinaridade no cotidiano escolar do campoNo encontro presencial os alunos serão agrupados em duplas

para discutir as implicações da interdisciplinaridade no cotidiano es-colar do campo, a partir das perguntas:

a) Como as disciplinas “conversam” entre si em sua escola?b) Quais projetos vocês consideram como interdisciplinares em

sua escola?c) Após a discussão, faça o relato de sua experiência sobre a

interdisciplinaridaee no cotidiano escolar do campo. 2. A interdisciplinaridade em minha escolaA partir dos exemplos de projetos interdisciplinares citados no

texto (citar o nome do texto), discuta em duplas sobre os projetos interdisciplinares que já foram realizados em sua escola, mesmo que vc não tenha participado deles. Para isso, converse com seus colegas de escola, a equipe pedagógica, a direção, e descubra o que já foi rea-lizado sobre este tema. Relate o que você apurou em suas conversas.

 3. Proposta interdisciplinar para minha escolaNovamente reunidos em duplas no Encontro Presencial, discuta

sobre a realidade e necessidades da região onde sua escola está inse-rida e que tipo de projeto interdisciplinar seria possível para sua es-cola. Então, depois da discussão, elaborem um pequeno proposta in-terdisciplinar e intercultural que contemple a realidade de sua região. Apresente a proposta da dupla ao grupo no encontro presencial e aproveite para ouvir sugestões dos colegas sobre sua proposta. Cada componente das duplas deve postar sua proposta na plataforma.

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Unidade IV: Produção de trabalho fi nal do Eixo específi co III

Apêndice I – Autorização para uso da imagem

Universidade Federal do Espírito SantoCentro de EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCurso de Especialização em Educação no Campo

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA DIVULGAÇÃO DE IMAGEM

Responsável: Profa. Dra. Gerda Margit Schütz Foerste

Justificativa: Na condição de professora pesquisadora da linha de pesquisa Educação e Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação, venho direcionando parte de meus estudos à investiga-ção de imagens, enquanto formas simbólicas de grande impacto nos processos de formação humana. Ocupo-me especialmente em abordar os processos de produção, distribuição e recepção de imagens na cul-tura contemporânea e, em particular, busco analisar os impactos desta em espaços escolares e/ou não formais de educação. Desta forma, a pre-sente pesquisa visa compor um banco de imagens para estudo.

Descrição dos procedimentos metodológicos: Imagens foto-gráficas serão reproduzidas e utilizadas para fins acadêmicos. Imagens de obras de arte de artistas capixabas serão selecionadas e farão parte de material de ensino voltado à Educação Infantil, em projeto aprovado pelo FACITEC, 2007.

Aspectos Éticos: A pesquisa não utilizará procedimentos que re-presentem risco de qualquer natureza para os participantes, encontran-do-se em conformidade com as Resoluções 196/96/CNS e 016/2000/CFP, que regulam a ética em pesquisa com seres humanos.

Pretende-se divulgar e publicar as imagens em meios de divulga-ção científica, em meios impressos e digitais, visando contribuir com no-vas análises sobre o tema.

Identificação do participante e/ou responsável:Nome: ______________________________________________RG: ________________________________________________CPF: ________________________________________________ Estou de acordo com o presente termo e autorizo a divulga-

ção de imagens em que eu, ou menor do qual sou responsável legal, toma parte como retratado/produtor/fotógrafo/artista. Desta forma, assino o termo em duas vias.

Participante: _________________________________________

Data: ______________________, ______ de ____________.

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Unidade IV: Produção de trabalho fi nal do Eixo específi co III

Apêndice II – Acervo Literário do Campo

Universidade Federal do Espírito SantoCentro de EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCurso de Especialização em Educação no Campo

Justificativa e recomendações: As famílias camponesas guar-dam em suas casa importante acervo literário. Com pesquisa piloto identificamos em comunidades pomeranas livros que acompanham as famílias de imigrantes há pelo menos um século e meio. São livros que foram “salvos” das fogueiras do período de guerras e permanecem como patrimônio familiar. Contudo, em alguns caso não têm recebido a devida atenção, seja pelo fato de não estarem preservados ou por sua escrita ser de difícil leitura – alguns são escritos em alemão gótico – ou ainda por não terem espaço no cotidiano contemporâneo dos sujeitos. Assim , muitos são encontrados no paiol da propriedade acondiciona-dos em caixas ou naquela velha mala de papelão. Precisamos fazer im-portante levantamento deste acervo, como do acervo literário de outras comunidades tradicionais do Estado do Espírito Santo. Interessa-nos obter dados acerca da localização dos livros em comunidades campesi-nas. Contudo, não recomendamos que os livros sejam retirados de seus contextos. Pelo contrário, sugerimos que a comunidade escolar propo-nha projeto de valorização do livro, incremente propostas de leitura e fomente a organização de bibliotecas.

FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

TÍTULO DO LIVRO

AUTOR:

EDITORA: ANO: LOCAL:

OUTROS DADOS:

ASSUNTO/ TEMA:

RESUMO:

PROPRIETÁRIO / BIBLIOTECA:

ENDEREÇO: CIDADE:

Obs. Em anexo apresentar imagem do livro: Scannear ou fotografar a capa, ficha ca-

talográfica, sumário e primeira página.

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Apêndice III – Orientações para apresentação de trabalhos

A elaboração de relatórios ou relatos de experiência deverá se-guir as seguintes recomendações. O relato de experiência exige o gê-nero textual narrativo, que implica constante presença do narrador e suas vivências. No relatório os procedimentos são descritos com pouca manifestação do autor, suas opiniões e subjetividades.

A - Tanto o relato de experiência como o relatório serão apresentados em cópia impressa, 1 via (que não será devolvida). Constará obrigatoriamente dos elementos que seguem (pode-rão ser complementados):

Dados de identificação•Título,autores,nomedaescola•Turno,turmanºdealunos•Local,data

Relato detalhado sobre o desenvolvimento do projeto

Relato conclusivo sobre a experiência realizada.

Anexos: •Projetodeensino•Trabalhodealunose/oufotografias

B - Os trabalhos deverão atendende as seguintes propostas de forma e conteúdo, tanto os relatórios, narrativas como analises:

•Deverãoserdigitadosobservandoasmargenslateraisde3cm,com entrelinhamento 1,5 para texto e simples para citações diretas, usando a fonte “Times New Roman” 12, com alinhamento justificado.

•Título,digitadonamesmafontedotexto,emtamanho14,comalinhamento centralizado e em negrito. Deve ser breve e específico;

•Nomecompletodoautor (es),abaixodo título,comalinha-mento à direita. Tipo de vinculação institucional, formação e estudos atuais em nota de rodapé a partir do nome do autor. Informar e-mail (opcional).

•Poderáserencaminhadoviae-mail,usandooeditor“Wordfor

Windows”, em formatação para papel A4.

•Osartigosdeverãoserredigidossegundoaortografiaoficial,observando a extensão de 10 a 20 laudas.

•Otextodeveráestarestruturadoconformeascaracterísticas

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Unidade IV: Produção de trabalho fi nal do Eixo específi co III

específicas da contribuição (artigo), com paginação numerada no canto superior direito. As citações de fontes no texto podem ser di-retas e indiretas e devem conter sempre: sobrenome do autor, segui-do do ano de publicação da obra. Por exemplo: um autor: Segundo Ribeiro (1998), ou no final da frase (RIBEIRO, 1998). Até três auto-res: Segundo Ribeiro e Souza (1998), ou no final da frase (RIBEIRO;SOUZA, 1998). Mais de três autores: Segundo Ribeiro et al. (1998), ou no final da frase (RIBEIRO et al., 1998).

•Ascitaçõesdiretasdeverãosersempreindicadasentreaspas,com a mesma fonte do texto. Com mais de três linhas, ficam afastadas 4cm da margem esquerda, com letra menor que a do texto, sem aspas.

•Asnotascontidasnoartigodeverãoserexplicativas,limitan-do-se ao mínimo possível.

•As imagens (fotografiasougráficos, tabelas,etc.)devemserseguidas da indicação da fonte de onde foram retiradas (autor, data) abaixo da ilustração e por completo nas referências.

•Asreferências,redigidasdeacordocomaNBR6023/2002,daAssociação Brasileira de Normas Técnicas, deverão ser ordenadas al-fabeticamente, por sobrenome do autor e constituir uma lista como última seção do artigo. A exatidão e adequação das referências a tra-balhos que tenham sido consultados e mencionados no texto do ar-tigo são de responsabilidade do(s) autor(es). As referências deverão ter alinhamento apenas na margem esquerda.

•Solicita-seapresentaçãodoautor(curriculumresumido),emfolha anexa no final.

C - Normas para elaboração do Banner

•Dimensões:Largura:90cm.Altura:90cmaté120cm.

•Conteúdo:Título;Nomeseinstituiçõesdosautores;CidadeeEstado; Resumo (tema, objetivos, metodologia, resultados, conclu-sões e bibliografia); Instituição/escola

•Legibilidade:fonteArial30,composiçãocomequilíbrioentretexto e imagens, contraste entre figura e fundo (texto escuro em fun-do claro, ou vice versa)

Obs. O texto deverá ser legível a distância. Ser sucinto e estabe-lecer diálogo com as imagens, gráficos, tabelas. Faça revisão ortográ-fica do texto

•Imagens:qualidadedasimagens,comresoluçãoem300DPI,com referência de autoria, ano, dimensões originais e fonte.

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D - ApresentaçãoO banner será apresentado no último encontro em forma de

seminário. Os autores terão 30 minutos para apresentação. Será constituída banca para avaliação dos projetos e seus resultados.

E - Normas para apresentação de slides digitais

•Elabore no máximo 10 slides

•Produza slides legíveis, que apresentam contraste entre figura e fundo. Use fonte Arial, 30. Dê um subtítulo para cada slide. Distri-bua texto e imagens . Os textos devem ser objetivos e claros.

•No primeiro slide apresente o Título do trabalho, autores e ins-tituição/instituições, ano e local do trabalho.

•Nos slides seguintes apresente tema, objetivos, metodologia, resultados e bibliografia.

•Observe a qualidade das imagens e do texto.

•Apresente bibliografia e lista de referência de figuras, imagens e tabelas.

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