livro final

144
1 INÉDITOS Fazer uma apresentação individual dos autores como em Teixeira (2009) Se fizermos isto não precisamos apresentar no artigo em foma de rodapé Ajustar apresentação dos autores nos artigos INÉDITOS ........................................................................................................................ 1 Blogs: práticas de escrita instantânea e interativa na Sociedade da Aprendizagem ........ 2 Viagem ao ciberespaço: a virtualização do conhecimento na educação a distância ...... 17 Trajetórias de letramento: do caderno para a web ......................................................... 27 Arquiteturas pedagógicas nas práticas das alunas do PEAD: ensaio, relato e considerações. ................................................................................................................. 47 A Produção do habitus na Sociedade do Conhecimento: incorporação tecnológica e formação de professoras na modalidade EAD................................................................ 59 Um laptop por criança e as práticas de leitura e escrita: perspectivas para a inclusão digital ............................................................................................................................ 101 JÁ PUBLICADOS ........................................................................................................ 119 Proposta de metodologia para oficinas de informática e cidadania do Mutirão pela Inclusão digital.............................................................................................................. 120 Inclusão digital como base metodológica na formação de professores: um estudo de caso ............................................................................................................................... 132 Aspectos Sociais da Experiência do Mutirão pela Inclusão Digital: Resgatando 5 anos de atividade ................................................................................................................... 141 Uma Experiência Metodológica para a Utilização da Informática Educativa nas Aulas de Geografia.................................................................................................................. 153 Projeto Guri: software de autoria colaborativa de materiais educacionais hipermídia para a TV Digital .......................................................................................................... 163

Upload: adriano-canabarro-teixeira

Post on 05-Feb-2016

233 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Livro Final

1

INÉDITOS

• Fazer uma apresentação individual dos autores como em Teixeira (2009) Se fizermos isto não precisamos apresentar no artigo em foma de rodapé

• Ajustar apresentação dos autores nos artigos

INÉDITOS ........................................................................................................................ 1

Blogs: práticas de escrita instantânea e interativa na Sociedade da Aprendizagem ........ 2

Viagem ao ciberespaço: a virtualização do conhecimento na educação a distância ...... 17

Trajetórias de letramento: do caderno para a web ......................................................... 27

Arquiteturas pedagógicas nas práticas das alunas do PEAD: ensaio, relato e considerações. ................................................................................................................. 47

A Produção do habitus na Sociedade do Conhecimento: incorporação tecnológica e formação de professoras na modalidade EAD ................................................................ 59

Um laptop por criança e as práticas de leitura e escrita: perspectivas para a inclusão digital ............................................................................................................................ 101

JÁ PUBLICADOS ........................................................................................................ 119

Proposta de metodologia para oficinas de informática e cidadania do Mutirão pela Inclusão digital.............................................................................................................. 120

Inclusão digital como base metodológica na formação de professores: um estudo de caso ............................................................................................................................... 132

Aspectos Sociais da Experiência do Mutirão pela Inclusão Digital: Resgatando 5 anos de atividade ................................................................................................................... 141

Uma Experiência Metodológica para a Utilização da Informática Educativa nas Aulas de Geografia.................................................................................................................. 153

Projeto Guri: software de autoria colaborativa de materiais educacionais hipermídia para a TV Digital .......................................................................................................... 163

Page 2: Livro Final

2

Blogs: práticas de escrita instantânea e interativa na Sociedade da Aprendizagem

Talita Maria da Silva1

Tania M. K. Rösing2

Inspirados na frase do filósofo Descartes (séc.XVII), participantes da blogosfera – universo virtual dos blogs – cunharam uma paródia muito significativa para quem busca compreender o funcionamento e o papel desses espaços na atualidade: Penso. Blogo. Existo3. A construção anônima amplamente divulgada pela rede – embora ambígua, pois pode ser entendida tanto no sentido de que apenas quem pensa é capaz de “blogar” e, assim afirmar sua existência, quanto no sentido de que só quem pensa e “bloga” existe verdadeiramente – revela a relação intensa dos blogueiros com esses espaços. Em qualquer dessas leituras fica evidente que o blog é, para seu usuário, um espaço para pensar e “existir” dentro de um contexto inovador e cada vez mais valorizado, o virtual. Segundo dados da revista Info Online, divulgados em janeiro de 2011, o número de blogs já chega a 152 milhões e não para de crescer. Outro dado pertinente, revelado pelo “The State of Blogosphere”4, do ano de 2010, aponta que a maioria dos blogueiros escreve amadoramente. Isso significa que há um expressivo envolvimento do público com esse espaço o qual, pode-se dizer, é, basicamente, um espaço de leitura e escrita pessoal na rede mundial de computadores.

O surgimento dos blogs e a grande adesão do público a estes espaços é resultado de intensas revoluções ocorridas no final do século XX, no âmbito da cultura letrada e da própria sociedade. O advento das novas tecnologias, em especial no que se refere à informática e ao surgimento da internet transformou, textos, suportes e leitores de uma forma, que, conforme Chartier (2007), é inédita na história da humanidade. O autor, que possui largo conhecimento sobre as transformações da leitura e da escrita ao longo da história, explica que a chegada dos textos às telas digitais causou múltiplas transformações em diferentes segmentos da cultura letrada. E, embora não seja a primeira vez que isso acontece, é a primeira vez que várias mudanças ocorrem simultaneamente em diversos elementos basilares do processo de leitura e escrita. Além disso, menos de cinquenta anos se passaram desde que as novidades no ramo da informática começaram efetivamente a aparecer e as mudanças vindas com elas já são

1 Mestre em Letras – Estudos Literários, pela Universidade de Passo Fundo 2 Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Professora da Graduação e do Mestrado em Letras da Universidade de Passo Fundo, Coordenadora do Centro de Referência de Literatura e Multimeios da UPF. 3 A referida expressão pode ser encontra em diversos blogs como, por exemplo, no blog de Igor Lucas Adorno que a usa para nominar seu espaço disponível no endereço http://iglucarono.blogspot.com. 4 Relatório anual publicado pelo site Technorati. Disponível em http://.technorati.com

Page 3: Livro Final

3

muito expressivas e estão espalhadas por todo o mundo, situação muito diversa do que ocorreu em outras épocas quando as variações envolvendo tais práticas levavam séculos para alcançar tamanha dimensão.

Falar que as mudanças ocorreram a partir do surgimento dos suportes digitais não significa, entretanto, que os mesmos sejam a causa de toda essa movimentação existente na atualidade em relação à cultura da escrita, como se pode eventualmente pensar. Tal observação é feita por Lévy (1999) que explica que as novas tecnologias são apenas ferramentas que o homem constrói e usa para expressar uma revolução que, antes de qualquer coisa, ocorreu em seu interior. Para o autor quanto mais oportunidades o homem tem para aprender e se comunicar, mais ele buscará meios para aprimorar suas técnicas de aprendizagem e comunicação. É o que se constata ao observar, mesmo que rapidamente, o percurso percorrido pelos textos até chegarem ao nível de divulgação e popularização que possuem agora.

Na Idade Média as poucas obras existentes eram manuscritas e restritas apenas às classes dominantes: o clero e a monarquia. A escrita era algo sagrado e os livros, intocáveis, eram até mesmo queimados ou acorrentados nas masmorras dos castelos onde não poderiam revelar seus segredos ou corromper os pensamentos do povo. Mas não tardou para que outras classes, próximas a essas requeressem o direito de também tomar conhecimento da arte da escrita e dos mistérios que a envolviam. Assim, juízes, conselheiros e outros membros da corte foram adentrando o mundo das letras e pouco a pouco a restrição aos livros foi diminuindo. Porém, a maneira artesanal como eram produzidos dificultava muito a circulação dos mesmos, o que exigia a busca por novos métodos de produção. No século XV, então, inspirado em modelos que já vinham sendo usados pelos chineses, Gutenberg impulsionou definitivamente a produção de materiais impressos ao apresentar ao mundo a prensa de tipos móveis.

Mesmo assim a popularização da escrita não foi algo imediato. Santaella (2004) explica que o alto custo e a escassez do papel e da tinta, na época, tornavam o livro uma peça muito cara para grande parte da população. Foi somente um século depois do surgimento da prensa que materiais mais baratos passaram a ser produzidos e puderam, finalmente, chegar as mão da classe burguesa que despontava naquele momento e que buscava também o entendimento de mundo que era proporcionado pelas letras. Mesmo assim a popularização da escrita evoluiu a passos lentos e apenas nos séculos XVIII, XIX e, especialmente no século XX, os textos conquistaram mais espaço na sociedade. O aprimoramento das técnicas de produção cada vez mais eficientes, somado ao interesse do público por textos sobre os mais variados temas resultaram, nas últimas décadas dos anos de 1900, no que hoje ficou conhecido como cultura de massa, ou seja, a produção de materiais simbólicos de diversas naturezas fabricados em escala industrial por pequenos grupos especializados e distribuídos (vendidos) à grande massa da população.

O aparecimento dos suportes digitais e da criação da rede internet no final do século XX e início do século XXI ampliou o alcance dos textos e os aproximou ainda mais dos leitores ao apresentá-los em formato virtual. Isso acontece porque o virtual, conforme explica Lévy (1999), embora exista potencialmente na representação feita na tela, não possui materialidade física, como no caso da tinta impressa sobre o papel. Desse modo, o texto, quando no suporte digital, está desterritorializado, ou seja, ele está em todos os pontos da rede e pode ser encontrado e acessado por seus leitores – graças às propriedades da internet – a qualquer hora do dia, independente do lugar onde

Page 4: Livro Final

4

estejam ou de onde, originalmente, o texto tenha sido disponibilizado. Lévy (1997) ressalta, ainda, que o virtual não se opõe ao real – como é comum que se pense – mas ao atual, haja vista que, embora não exista de forma concreta, existe em potência e bastaria que tal condição fosse atualizada para que ele adquirisse outra forma.

Conectado à rede, os sujeitos podem não apenas acessar o conteúdo disponibilizado na web, mas podem também disponibilizar seus próprios textos em diferentes tipos de espaços e formatos, pois a virtualização permitiu que não só a circulação entre os usuários fosse facilitada, mas também a produção dos mesmos. Em outras palavras, junto com as novas tecnologias surgem também novas práticas de leitura e escrita muito mais democráticas do que as que se tinham até então.

A facilidade que os sujeitos têm para interferir e construir o conteúdo que será disponibilizado na web ocorreu, especialmente, após o desenvolvimento do que Xavier (2007) chama de “segunda geração da internet” ou “web 2.0”, cuja principal diferença em relação à “primeira geração” é a capacidade de promover a interação entre os usuários do ambiente online. Na web 2.0 as ferramentas disponibilizadas são de fácil manipulação e permitem a participação de pessoas que não são especialistas ou expert em informática. Qualquer sujeito que possua o mínimo entendimento do funcionamento desses suportes e acesso a rede pode participar da criação do ambiente virtual postando comentários em suas páginas preferidas ou, ainda, criando seus espaços dentro de redes sociais, blogs, sites, fóruns e outros.

Todas essas movimentações e relações de comunicação aí desenvolvidas pressupõem o uso de uma linguagem que, nesse caso, está ancorada na cultura escrita. Entretanto, embora essa predomine o ambiente virtual também contempla outras linguagens que, ao convergirem, formam o que, segundo Santaella (2004, p.48), é uma linguagem hipermidial.

A hipermídia mescla textos, imagens fixas e animadas, vídeos, sons, ruídos em um todo complexo. É uma mescla de vários setores tecnológicos e várias mídias anteriormente separadas e agora convergentes em um único aparelho, o computador, que é comumente referida como convergência das mídias [ou demais aparelhos digitais com propriedades semelhantes].

O uso dessa linguagem, que transformou radicalmente o formato dos textos, e a democratização do acesso aos mesmos através da capacidade interativa da web 2.0 e do formato virtual são mudanças marcantes nessa nova fase da cultura letrada e, como não poderia ser diferente, os causadores de muitas outras inovações ocorridas nesse contexto.

Até mesmo a maneira como se lê foi alterada. O leitor, ao invés de virar páginas e ler linearmente, “rola”, com toques do mouse, o texto na tela e pode, inclusive, “entrar” nesse texto acionando os links. Para Santaella (2004, p.33) essas são características de um leitor que a autora denomina como leitor imersivo e descreve como um sujeito

“que se encontra em estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multissequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a

Page 5: Livro Final

5

construir ao interagir com nós entre palavras, imagens, documentos, músicas, vídeos, etc.”

Esse novo leitor, além de desenvolver muito bem as habilidades necessárias para compreender e participar do novo universo virtual, não abandou as antigas práticas de leitura que foram adquiridas com os suportes tradicionais. Ao contrário, o sujeito que lê na rede não é alguém com um perfil absolutamente novo, mas alguém que acrescentou novos traços ao seu perfil. Esse sujeito leitor de textos em tela possui ainda outros nomes atribuído por diferentes teóricos que estudam o fenômeno da leitura na atualidade, como Homo Zappiens (Veen e Wrakking, 2009), Hiperleitor (Xavier, 2007), entre outros.

Da mesma forma, também há variações quanto à denominação do contexto em que está inserido esse leitor. Era Digital, Cibercultura e Pós- modernidade são algumas das nomenclaturas usadas para se referir aos novos tempos em que os textos e as informações estão muito mais acessíveis e podem ser compartilhados entre pessoas de todo o mundo através de relações interativas mediadas por suportes digitais. Lévy (1999) teórico que cunhou o termo “Cibercultura”, explica que a sociedade atual está se organizando cada vez mais como uma comunidade de inteligência coletiva, ou seja, um lugar onde as pessoas aprendem mediante a constante troca de informações entre os sujeitos.

A definição de Lévy (1999) quanto à sociedade de inteligência coletiva dialoga diretamente com as colocações de Froés (2000) quando a mesma faz referência à formação de uma Sociedade da Aprendizagem, vigente no século XXI. Segundo a autora tal denominação é justificada pelo fato de que, na atualidade, a busca pelo conhecimento já não se dá mais apenas na escola – instituição a que tradicionalmente se delega a tarefa de ensinar – mas na sociedade como um todo, em todos os lugares.

Os sujeitos, agora, buscam espaços alternativos onde o aprendizado não ocorra de forma manipulada e artificial, mas seja construído coletivamente contemplando vários enfoques e posicionamentos distintos. Clubes, praças, academias, cursos, entre outros são – conforme a autora –exemplos de espaços alternativos de aprendizagem que se somam aos ambientes virtuais na tarefa de disseminar informações e ampliar as possibilidades de aprendizagem dos sujeitos. Nesses distintos espaços sociais, online ou não, os sujeitos “entram em contato com diferentes formas de conhecer e organizar o conhecimento; expõem-se e interagem com diferentes referenciais de leitura da realidade” (FROÉS, 2000, p. 301) e, na troca de experiência que realizam, seja através da comunicação oral ou escrita, desenvolvem práticas que justificam a atribuição da denominação Sociedade da Aprendizagem.

Quando na rede de computadores, as ações desses sujeitos potencializam-se ainda mais, uma vez que praticamente não há restrições de acesso a conteúdos disponibilizados por milhões de pessoas espalhadas pelo planeta. Dentro desse contexto, os blogs são reflexos desse novo período da cultura letrada que, naturalmente e a passos largos, se instala na vida dos cidadãos e podem também serem apontados como espaços alternativos de compartilhamento de informações e construção de conhecimento típicos dessa nova sociedade que desponta no século XXI.

A comparação decorre do fato de que os blogs são, em sua essência, espaços construídos coletivamente, pois, embora possuam um “dono” ou um criador que

Page 6: Livro Final

6

disponibiliza seus conteúdos e os mantém atualizados, a participação dos demais usuários da rede que leem e postam comentários é fundamental para que eles tenham sentido. Compreender o papel dos blogs dentro da Sociedade da Aprendizagem e entender o funcionamento dessa ferramenta que revela um número crescente de sujeitos envolvidos com práticas de leitura e escrita diárias requer um olhar atento que possa observá-los e avaliar as atividades neles desenvolvidas, tarefa a que se propõe esse texto.

Blogs

Quando surgiram, no ano de 1999, segundo informações levantadas por Hewitt (2007) os blogs eram apenas diários virtuais como sugere sua nomenclatura original “weblog” (web – internet; log – diário). Entretanto, no decorrer dos poucos anos passados entre a sua criação e a imensa aceitação que obteve junto ao público, os simples relatos do dia a dia cederam espaço para outros e variados conteúdos, permitindo que, atualmente, a diversidade seja uma marca importante da blogosfera. Tal diversidade não se refere, porém, apenas às temáticas abordadas, mas aos variados pontos de vista lançados sobre elas. Espaços propícios aos debates e a exposição de variadas opiniões, os blogs não abrigam verdades absolutas, mas as distintas verdades expostas pelos inúmeros usuários que participam ativamente da blogosfera.

Frutos da web 2.0 em que as ferramentas são de fácil manipulação, os blogs podem ser criados por qualquer pessoa com acesso a um computador e à rede internet, condições necessárias também para a existência de suas principais características que só se efetivam em ambientes virtuais e online: a instantaneidade e a interatividade. Os blogs permitem que sujeitos, independente de possuírem algum destaque social ou serem autoridades em alguma área, possam publicar textos que, imediatamente após a postagem, poderão ser lidos por qualquer pessoa conectada à rede de qualquer lugar do mundo e, ainda, de forma gratuita. Dotados de ferramentas que permitem aos milhões de blogueiros receber, passar, trocar informações e, principalmente, discuti-las os blogs mostram “o quanto é renovável o conhecimento e a informação” (RETTENMAIER, 2009, p.84). Em razão, principalmente, da troca de conhecimentos entre os blogueiros que são estimulados pelo dinamismo do espaço, os blogs configuram-se como ambientes característicos da Sociedade da Aprendizagem, cujos sujeitos apreciam formas de aprendizado coletivas e livres.

Todas essas possibilidades multiplicadas pelo grande número de usuários permitem que a blogosfera seja, como afirma Hewitt (2007, p. 213), o lugar onde “a vida está em movimento” e os responsáveis por toda essa movimentação – como aponta o The State of Blogosphere, no ano de 2010, são, em sua maioria, jovens – sujeitos aos quais o desgastado discurso proferido principalmente pelas escolas trata como pessoas que não gostam de ler e não sabem escrever. Na blogosfera, ao contrário disso, eles desempenham com grande competência essas tarefas e põe em xeque tal concepção, fato que, no mínimo, deve (ou deveria) causar alguns questionamentos nas autoridades e pessoas envolvidas com a educação.

O caso ratifica, ainda, a observação de Fróes (2000) no sentido de que o conhecimento já não está mais institucionalizado, está em toda a sociedade e, inclusive,

Page 7: Livro Final

7

nessa espécie de sociedade virtual que é a blogosfera. Organizada, portanto, a partir da agregação de pessoas em torno de atividades de leitura e escrita que visam discutir e compreender as mais diversas temáticas, os blogs são compostos, basicamente, por três elementos: links – atalhos que conduzem os leitores a outros blogs ou páginas da internet; postagens – feitas pelo autor do blog; e comentários – feitos pelos visitantes dos blogs.

Links

Embora não sejam elementos exclusivos dos blogs, mas de toda a web, os links possuem papel fundamental dentro dessas estruturas que, com eles, tornam-se hipertextuais. “Ideia motriz do hipertexto”, conforme definição de Xavier (2009, p.192), os links atribuem aos blogs a propriedade de ligar-se a outros elementos que podem pertencer tanto à rede interna que existe dentro do próprio blog, quanto à rede de blogs que compõe a blogosfera ou ainda à grande rede mundial, a web. Sem os links os blogs seriam apenas uma espécie de bloco de notas digital dissociado da rede que amplia seu alcance e que os põe em contato com outros internautas. Os links são, inclusive, os dispositivos que possibilitam ao leitor do século XXI imergir – conforme concepção de Santaella (2004) – no espaço textual dos ambientes virtuais.

A imagem reproduzida a seguir do blog da editora Cosac Naify ilustra os links que, em formatos que se destacam dos demais elementos da tela cumprem diferentes funções dentro desse espaço.

Figura 5 – Imagem do blog “Blog da Cosacnaify” ( http://blog.cosacnaify.com.br/)

No caso desse blog, os links estão marcados em vermelho para contrastar com o restante da página configurado em tons de branco, preto e cinza. Os que estão inseridos no corpo do texto principal – ao centro – dão acesso a outros ambientes da web relacionados ao tema que aí está sendo discutido; à esquerda, links marcados em uma página de calendário permitem ao leitor acessar as postagens do dia escolhido. Há,

Page 8: Livro Final

8

ainda, abaixo desse calendário, links de acesso aos meses anteriores e subsequente. À direita da imagem há, também, o link de acesso ao site oficial da editora e os links das postagens recentes que, ao serem “tocados” pelo mouse, mudam de cor.

As formas distintas que os links assumem, bem como as diferentes possibilidades de funcionamento são características dessa ferramenta que, em poucas palavras, podem ser definidos como dispositivos programados para ao serem “tocados” pelo mouse, atuarem como atalhos da web. Em sua forma mais tradicional, os links são palavras sublinhadas e grafadas em cor diferente da usada pelo texto principal, mas eles podem ser também ícones, símbolos, ou imagens diversas usadas com a mesma finalidade.

Tanta variedade tem a pretensão de chamar a atenção dos leitores e “convidá-los” a conhecer o que há por detrás daquela “linkagem”. Dessa forma, a escolha dos elementos que funcionarão como links não acontece de maneira despretensiosa, ao contrário. O blogueiro, assim como escolhe o conteúdo que será publicado dentro de seu espaço, escolhe os elementos que serão linkados e o faz com alguma intencionalidade, já que estes novos textos ficarão “amarrados” ao principal podendo também ser considerados conteúdo do blog que o “linkou”.

Entretanto, para que esses novos textos sejam descobertos é preciso que os links atraiam a atenção do leitor, resultado que, para Xavier (2009, p. 196) se dá justamente pela “alta densidade informacional que eles devem conter [...].” Independente do texto que “guarda”, o link em si já possui (ou deveria possuir) uma grande carga significativa que permite ao leitor “[jogar] com os conhecimentos de mundo e imaginário dos usuários, encapsulando expectativas do que podem encontrar por ‘baixo’ de cada uma delas, ao serem acionadas.” (XAVIER, 2009, p. 196)

No caso dos blogs, a significação dos links inicia pela própria disposição deles dentro do espaço, já que os mesmos obedecem a uma codificação que, embora não seja regra, foi adotada pela maioria dos blogueiros e contribui para imbuir significados aos links. Em geral, aqueles que estão inseridos no texto principal direcionam o leitor a novos textos que podem tanto reforçar a ideia apresentada quanto refutá-la. Quando nessa função, os links, “contribuem para fazer convergir, em torno de um hipertexto, dados e informações complementares e ampliadores da discussão em andamento” (XAVIER, 2009, p. 212), possibilitando ao leitor obter uma visão ampliada do assunto e, consequentemente, construir sua opinião de forma mais crítica, mediante o conhecimento de um assunto visto e analisado sob diferentes perspectivas.

Além destes, há os links nas laterais dos blogs, os quais costumam dar acesso às postagens mais antigas e a outros blogs ou sites preferidos dos blogueiros, espaços que podem contribuir para a ampliação da leitura, embora não de maneira relacionada a um assunto específico como nas vezes em que o link está inserido dentro de um texto. Há, ainda, junto às postagens, links de acesso às redes de relacionamento como Facebook, Twitter, e outros, os quais possuem formatos pré-definidos por suas marcas e podem ser utilizados para divulgar também nesses espaços os conteúdos encontrados nos blogs. Na parte superior e inferior dos blogs estão os links de acesso ao provedor, que, como ressalta Rettenmaier (2009) permitem que qualquer leitor de blog possa, a partir dos blogs que visita, criar também seu próprio espaço, ampliando assim, a rede da blogosfera. Nesses lugares também estão os links de possíveis anunciantes, buscas, ou mesmo anúncios de trabalhos feitos pelo próprio blogueiro.

Page 9: Livro Final

9

Por fim, outro link característico dos blogs e um dos mais importantes é o que dá acesso ao espaço dos comentários. Invariavelmente localizado abaixo ou ao lado de cada postagem, esses links costumam ser frases ou expressões que representam verdadeiros convites à participação dos visitantes. Alguns blogueiros inclusive lhes dão forma de enunciados no imperativo em frases como: “dê sua opinião”, “fale conosco”, “comente”, “diga aí”, entre outros, que são como um incentivo à interação. Outros optam por formatos diferenciados de links como, por exemplo, os tradicionais “balões” das histórias em quadrinhos. O link dos comentários efetiva uma das principais marcas dos blogs: a convergência das vozes de muitos sujeitos em um único espaço textual. Além disso, reiteram a afirmação de Xavier, segundo a qual “o link é um elemento fundamental para que todas as conexões e capacidades de interação deem certo [...]”. (XAVIER, 2009, p.193).

Levando em consideração, portanto, que os blogs são espaços textuais inseridos nos contexto da Sociedade da Aprendizagem onde o conhecimento é construído coletivamente e amplamente divulgado por meio do rápido e livre acesso a variados tipos de textos, e da vasta possibilidade de comunicação oferecida pela internet, pode-se afirmar que os links exercem um papel importantíssimo para a viabilidade das operações comunicativas e informativas desenvolvidas na blogosfera. Afinal, são eles que “vinculam mútua e infinitamente pessoas e instituições enredando-as em uma teia virtual de saberes com alcance planetário a qualquer hora do dia” (XAVIER, 2009, p.193), conferindo aos blogs o dinamismo que tanto agrada aos usuários.

Postagens

Atribuir tipologias aos blogs e defini-los como sendo de poesia, jornalismo, humor, política culinária ou qualquer outro tema é atitude comum entre as pessoas que participam desse meio e está diretamente associada aquele que pode ser considerado o elemento central dos blogs: as postagens ou simplesmente “posts”, como são chamadas pelos blogueiros. Isso acontece porque, em geral, os blogs possuem um eixo temático sobre o qual o “dono do blog”, constrói, copia ou divulga textos em forma de postagens que irão se tornar o centro e a identidade daquele espaço. Tais textos são disponibilizados no blog onde poderão ser lidos, comentados e até mesmo divulgados por qualquer pessoa que o visite.

Por meio das postagens, o blogueiro tem a possibilidade de expor ao mundo o que de outra forma não conseguiria. Para Rettenmaier (2009, p. 84), os blogs “permitem voz e manifestação a todos, retirando a autoria das suportas autoridades intelectuais” e fazendo surgir a cada dia novos escritores que podem publicar seus textos sem passar pela burocracia das editoras e com um público ilimitado. A blogosfera não exige dele mais do que acesso a rede e vontade de participar. O reconhecimento ou não daquilo que escreve, ou seja, a sua “existência” na blogosfera, será uma consequência que, segundo Hewitt (2009) virá mediante a demonstração de competência do blogueiro.

Como dito anteriormente, os blogs, em seu significado e formato original, podem ser considerados como diários virtuais, associação que, embora com algumas alterações, pode ser reafirmada pelo menos em dois elementos relacionados à publicação das postagens nesse espaço: à frequência com que os textos são publicados e

Page 10: Livro Final

10

a “pessoalidade” do conteúdo. Nos diários tradicionais, o autor faz seus registros diariamente, como sugere a própria nomenclatura, ou pelo menos com alguma regularidade; nos blogs essa regularidade de publicação também deve ser observada, haja vista que a atualização é um elemento fundamental para que o blog seja valorizado dentro da rede.

O dinamismo característico de toda a web que permite a interferência constante dos usuários, somada à facilidade de comunicação e divulgação de informações dentro do ambiente virtual, faz com que a todo instante dados novos sejam disponibilizados e divulgados amplamente nesse ambiente, circunstância que se repete também dentro da blogosfera, entre os milhões de blogs que a compõem. Com o grande número de postagens publicadas diariamente, há sempre muita novidade circulando, e esses são os conteúdos mais procurados pelos usuários. Assim, quando o blogueiro “esquece” de atualizar seu espaço, os leitores também “esquecem” do seu blog.

A própria maneira como as postagens estão organizadas reiteram essa importância ao apresentá-las não dispersas na página, de modo a evidenciar os conteúdos mais importantes – como ocorre nos sites, por exemplos – mas “empilhadas”, de modo a deixar em evidência, ou seja, no “topo da pilha”, a postagem mais recente. A imagem abaixo retirada do blog “Vida no Campo”, da escritora de livros infanto-juvenis, Índigo, mostra essa organização das postagens dentro dos blogs.

Figura 2 – Imagem do blog “Vida no Campo” ( http:\\diariodaodalisca.blog.zip.net)

A importância da atualização, porém, pode ser mais ou menos intensa conforme o próprio tema abordado nas postagens. Em blogs de cunho literário como o ilustrado acima, bem como nos humorísticos ou culinários, por exemplo, esse não é o critério mais importante, enquanto que em outros, como os jornalísticos, de variedades ou aqueles ligados ao mundo da moda e das tecnologias, por exemplo, a constante publicação de novas postagens é vital para a sua pertinência na web.

O segundo aspecto a ser pensado em relação à semelhança com os diários impressos refere-se ao fato de que, embora tenham deixado ser relatos sobre a vida do autor, os conteúdos disponibilizado nos blogs continuam sendo muito pessoais, visto

Page 11: Livro Final

11

que, por meio deles, o blogueiro expõe suas opiniões, pensamentos e se revela como sujeito. Para Komesu (2004, p. 111), os blogs são “ferramentas de auto-expressão”, pois o sujeito, tendo liberdade de escolher o que será publicado em seu blog optará, certamente, por temas que revelam um pouco da sua própria personalidade através de seus interesses.

Em razão disso, o uso da primeira pessoa na redação das postagens torna-se muito comum e reafirma a personalidade fictícia ou não do sujeito por detrás da tela. Isso reforça, ainda, o tom de diálogo presente nesses espaços e ajuda construir um ideia de proximidade entre o blogueiro que publica suas postagens e aquele que lê e participa do blog. Para Marcuschi (2004) a linguagem na web mescla elementos da escrita e da oralidade resultando em uma linguagem peculiar que dá fluidez à leitura. Entretanto, no caso dos blogs, mesmo não sendo uma linguagem formal, a tendência ao excesso de abreviações e sinais gráficos comum em outros ambientes da web não se repete nos blogs, os quais, por não manterem uma relação de comunicação imediata com seus leitores, não comportam certos abusos de adaptação linguística típicas em ambientes como os chats onde a pressa em contestar impulsiona o uso dessa linguagem abreviada e comum nos ambientes virtuais.

Nos blogs, porém, por mais informais que sejam, é necessário que haja uma regularidade linguística que permita que o texto esteja claro para qualquer leitor que queira lê-lo. Como explica Marcuschi (2004) os blogs são espaços de comunicação assíncrona e multilateral, ou seja, a resposta aquilo que é publicado nem sempre ocorre imediatamente após a postagem como acontece nas salas de bate papo, por exemplo; e a comunicação acontece não de um para um – como nos emails, mas de um para um incontável número de sujeitos, possíveis leitores do blog em questão, o que contribui para que haja uma maior regularidade linguística existente nesses espaços em comparação a outros da web.

Há que se registrar ainda que, embora os blogs como um todo já se valham da linguagem hipermidiática para comunicar seja através dos links ou do próprio layout utilizado, as postagens são os espaços onde a multiplicidade de linguagens utilizadas se faz sentir com maior intensidade. Assim, as postagens podem conter textos verbais, icônicos e sonoros, sendo que estes últimos, em geral, são ativados através de links. A presença dessa característica atende as expectativas de um público que já está tão habituado a envolver-se com textos nos quais há a convergência de distintas linguagens que desenvolveu, inclusive, a capacidade de, entre a grande quantidade de informações que chegam simultaneamente com esse tipo de texto, modular a atenção e captar sobre aquilo que mais lhe interessa. Além disso, para Xavier (2009), o uso dessas diferentes linguagens reunidas pelos blogs em um único espaço favorece a comunicação permitindo que o blogueiro expresse de forma mais clara e precisa o que pretende, e leve o leitor a uma maior compreensão, despertando nele a vontade de também participar.

Comentários

Equivalente as anotações feitas ao redor das páginas de um livro, os comentários nos blogs, assim como elas, vem suprir essa vontade do sujeito de compartilhar as

Page 12: Livro Final

12

primeiras impressões, indagações e emoções que a leitura lhe desperta. A diferença é que essas anotações não estão presas às páginas de um livro onde permanecerão – se tudo ocorrer da forma mais corriqueira – como um segredo que nunca será compartilhado. Nos blogs, as “anotações” não só ficarão disponíveis a todos os demais leitores em forma de comentários, como também serão enviados diretamente ao “dono do blog” que, em alguns casos, necessitará aprová-las ou não antes de permitir sua publicação.

Como já tratado anteriormente, os comentários, bem como o espaço para escrevê-los está localizado próximo a cada postagem e podem ser acessados através de um link que ou dará acesso a esse espaço em uma listagem abaixo do texto principal, ou abrirá uma nova janela, como no exemplo a seguir do blog de crônicas “Cadernos de Vidro” de André Laurentino.

Figura 3 – Imagem da página de comentários do blog “Cadernos de Vidro” (www.andrelaurentino.blogspot.com.br.)

Mais do que uma atividade qualquer os comentário dão significação a esses espaços cuja principal finalidade é, justamente, promover situações de interação e comunicação. Quando alguém cria um blog e passa a publicar seus textos o faz porque quer compartilhar algo com outras pessoas e isso não terá sentido algum se não houver pessoas dispostas a lerem e envolverem-se com o assunto proposto. A grande participação dos leitores por meio dos comentários marca a qualidade da publicação e é verdadeiro termômetro da repercussão de um blog. Por mais que o número de visitantes de um blog seja alto, a verdadeira relevância do mesmo se mede pela participação dos leitores através dos comentários. A razão disso é que, quando essas novas vozes se somam a do texto principal, ampliam a visão daquilo que está sendo tratado e desertam a curiosidade daqueles que percebem a movimentação em torno de determinada postagem ou blog.

Os comentários podem ser entendidos como um novo texto ou como a continuação do texto principal construído coletivamente por pessoas que querem tornar públicas as suas impressões sobre o texto, compartilhar o que sabem ou, ainda, apimentar as discussões. Esse novo texto constitui-se como diálogos travados entre o “dono do blog” e os leitores e podem variar de uma singela parabenização a uma crítica

Page 13: Livro Final

13

mais áspera. Ao aceitar divulgar em seu blog textos que se opõem ou criticam sua fala, o blogueiro enriquece o espaço com a diversidade das opiniões nele apresentadas e confirma a democratização e a liberdade de expressão características do mesmo. Obviamente, quando a crítica é ofensiva ou quando o conteúdo possui uma conotação criminosa, a reação do blogueiro possivelmente não será a mesma.

Ao contrário do que ocorre com as postagens, a escrita abreviada e o uso de sinais gráficos é mais comum dentro do espaço dos comentários que, conforme Marcuschi (2004, p.63), abrigam uma “linguagem em estado natural de produção”. Estes, por se tratarem de textos publicados de forma espontânea tão logo o leitor acabe sua leitura, acabam ilustrando justamente as primeiras impressões sentidas pelo leitor que as escreve sem dedicar-lhes um trabalho de elaboração textual. Essa tendência a transgredir a regularidade linguística provém, certamente, da sensação de proximidade transmitida pela facilidade de contato com os demais sujeitos envolvidos nessas práticas que, inclusive, se assemelham a espaços de bate-papo.

Essa “liberação” da escrita, entretanto, varia de acordo com a temática e o estilo do blog ou mesmo do blogueiro. Assim, é comum que em blogs de cunho humorístico ou de entretenimento a linguagem nos comentários seja mais solta do que em um blog com temática voltada para questões políticas e econômicas, por exemplo. Um mesmo sujeito pode expressar-se das duas formas em tipos variados do blog, buscando sempre adequar-se ao contexto de cada um, pois no momento em que ele decide expor seu comentário, expõe também a si e sua identidade mesmo que na rede ela possa ser fictícia.

Para Marcuschi (2004) o termo “blogueiro” pode ser empregado não apenas para definir quem mantém um blog próprio, mas ainda para quem posta comentários, pois este também constrói textos e torna-se, assim, responsável pelos conteúdos publicados nos espaços em que participa. A observação do teórico é pertinente não apenas por conferir ao sujeito que comenta a condição de autor, mas também por solucionar a dificuldade em definir, no universo dos blogs, as figuras do leitor e do autor, já que o mesmo sujeito que mantém um blog e é considerado como sendo seu autor, pode também visitar e participar de outros blogs na condição de “leitor”.

Essa mobilidade permitida aos sujeitos dentro da blogosfera pode ser pensada também em relação a outro apontamento feito por Marcuschi (2004) quanto à funcionalidade dos blogs, a multilateraridade. O conceito, que já foi visto anteriormente junto com a noção de assincronia, permite essa comunicação em formato de rede, na qual os nós são links pelos quais os usuários movimentam-se em diferentes direções assumindo, como se viu, diversas funções. Em se tratando dos comentários, em específico, o modelo multilateral de comunicação permite que uma única postagem possa ser comentada muitíssimas vezes por um número enorme de pessoas. Na prática, esse número não costuma ultrapassar algumas dezenas de comentários – salvo raras exceções – mas a potencialidade existe. E mesmo que os grupos envolvidos em comentar um tema sejam pequenos, a interação entre os sujeitos sempre pode representar a oportunidade de um aprendizado.

Como são muitos blogs na web, a formação de pequenos grupos ao redor de cada um é corriqueira. Em geral, esses grupos são atraídos em função da temática abordada naquele espaço, ou seja, são pessoas com interesses em comum. Na medida em que as mesmas iniciam suas participações através dos comentários elas passam a se

Page 14: Livro Final

14

reconhecerem dentro da rede. Em alguns casos, inclusive, elas encontram-se virtualmente em mais de um blog e passam a dialogar entre si dentro desses espaços.

Já a assincronia influencia os comentários, no sentido de que a discussão, após ser iniciada, permanece no blog e o blogueiro leitor, portanto, pode participar tanto nos segundos que se seguem a publicação quanto um mês, uma semana ou mesmo um ano depois. Entretanto, o distanciamento no tempo diminui as possibilidades desse diálogo acontecer, pois, em razão da maneira como os textos estão dispostos nos blogs, as postagens mais antigas ficam ocultas ao final da “pilha” e, para serem encontradas, precisam que o leitor as busque ou através da barra de rolagem ou dos links de acesso às postagens antigas localizados, em geral, nas laterais dos blogs. O mais comum, portanto, é que os comentários sejam feitos enquanto a postagem está “visível” no blog.

Visível também é a importância dos blogs como ferramentas para a criação e divulgação de informações com potencial de transformarem-se em aprendizado. Embora os três elementos de composição dos blogs tenham sido vistos em separado, todos estão articulados de modo a comporem um espaço para o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita instantâneas e interativas. Nesse sentido, os links funcionam como os agregadores de textos e sujeitos em torno dos blogs; as postagens são os conteúdos compartilhados; e os comentários, por fim, o elemento que permite a interação desses sujeitos sobre esses conteúdos.

Considerações finais

Desde tempos muito remotos o homem busca o conhecimento. Inicialmente, como se viu, o saber estava sacralizado nos livros da Igreja; com o decorrer dos anos, nos livros das academias e escolas. Hoje, ele está em todos esses lugares e em muitos outros. A cultura letrada e mesmo os livros continuam exercendo um papel fundamental na disseminação do conhecimento, o que diferencia o período vigente na sociedade de hoje – que, segundo definição de Froés (2000), pode ser chamada de Sociedade da Aprendizagem – é, portanto, um gradual processo de desinstitucionalização do saber. Aprender, atualmente, é tarefa que, segundo a já citada autora, pode ser feita em espaços alternativos, nos quais os sujeitos trocam experiências e informações de maneira informal, espontânea e prazerosa, como acontece, por exemplo, nos blogs.

Entretanto, nem sempre o “tipo” de conhecimento tratado nesses espaços é algo reconhecido culturalmente, pois os conteúdos neles existentes são os mais variados possíveis. Por outro lado, o interesse de quem os busca também são muitos distintos, de modo que não se pode julgar o que é ou não relevante nesse cenário, haja vista que essa definição irá esbarrar na opinião pessoal dos sujeitos. Sempre haverá alguém interessado em aprender novas anedotas e outro em aprender um pouco mais sobre genética. A importância dos blogs dentro do cenário atual, portanto, não está nos temas discutidos pelos blogueiros que podem ter as mais variadas intenções, está no fato de que os sujeitos podem encontrar nos blogs um espaço para expor e discutir com outras pessoas temas de seu interesse que nem sempre são tratados, por exemplo, na escola.

Os blogs atendem as expectativas dos sujeitos inseridos nesse novo contexto social seja no sentido oportunizar contato com as mais diversas temáticas, seja em relação ao modelo de participação democrática que oferece, por meio da qual o

Page 15: Livro Final

15

blogueiro tem a oportunidade de construir ou participar de um espaço virtual que o coloca potencialmente em contato com o mundo. E, embora nem todas as pessoas da web irão “conhecê-lo”, algumas, ao menos, poderão associar-se a ele nas discussões que propõe. Assim, nos blogs, desaparecem as autoridades intelectuais que detém e repassam o saber institucionalizado e reconhecido como tal, e aparecem sujeitos híbridos, misto de leitor e escritor, que compartilham na rede suas experiências e especialidades e, juntamente com grupos de sujeitos que comungam dos mesmos interesses, pensam, blogam e existem dentro da rede.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARTIER, Roger. A escrita na tela: ordem dos discursos, ordem dos livros e maneiras de ler. IN: RETTENMAIER, Miguel & RÖSING, Tania. Questões de leitura e hipertexto. Passo Fundo. UPF, 2007. p. 200-237.

FROÉS, Teresinha. Sociedade da informação, sociedade do conhecimento, sociedade da aprendizagem: implicações ético-políticas no limiar do século. In: LUBISCO. Nídia M. L. et al. Informação e informática. Salvador: EDUFBA, 2000, p. 283-307.

HEWITT, Hugh. Blog: entenda a revolução que vai mudar o seu mundo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007.

KOMESU, Fabiana Cristina. Blogs e a prática de escritas sobre si na internet. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna: 2004. p.110-119.

LÉVY. Pierre. Cibercultura. 1.ed. São Paulo: Editora 34: 1999.

___________. O que é o virtual? 1.ed. São Paulo: Editora 34: 1996.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. IN: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna: 2004. p. 13-67.

RETTENMAIER, Miguel. (Hiper)mediação leitora: do blog ao livro. In: SANTOS, Fabiano; NETO, José Castilho Marques; RÖSING, Tania M. K. (org.). Mediação de leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

VEEN,Wim; WRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.

XAVIER, Antonio Carlos. A era do hipertexto; linguagem e tecnologia. Recife: Editora Universitária UFPE, 2009.

_____________. Hiperleitura e interatividade na web 2.0. In: RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, M. K. Tania (Orgs), Questões de leitura no hipertexto. Passo Fundo: UPF Editora, 2007. p. 32-49.

http://diariodaodalisca.zip.net

Page 16: Livro Final

16

http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?tag=literatura-francesa

http://info.abril.com.br/noticias/internet/veja-a-internet-em-numeros-no-ano-de-2010-16012011-4.shl

http://iglucadorno.blogspot.com

http://.technorati.com

http://www.andrelaurentino.blogspot.com

Page 17: Livro Final

17

Viagem ao ciberespaço: a virtualização do conhecimento na educação a distância

Patrícia Grasel Silveira1

Marie Jane Soares Carvalho - UFRGS2

1. Acessando o curso PEAD

O curso de Licenciatura em Pedagogia a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PEAD) foi desenvolvido para alunas/professoras que atuam em escolas, principalmente públicas, sendo grande maioria na área docente, com experiência que varia entre cinco a quinze anos. E que, todavia ainda não possuíam formação superior na área da licenciatura. O curso se insere dentro das políticas de formação de professores ligada ao plano da Universidade Aberta do Brasil (UAB).

O curso do PEAD atende alunas de cinco municípios do Rio Grande do Sul, que são: São Leopoldo, Sapiranga, Gravataí, Alvorada e Três Cachoeiras. Em cada um desses municípios existem os polos do curso, com aproximadamente 70 alunas em cada. Entre o total de alunas que o curso atende, as características mais encontradas nas mesmas são casadas e mãe de família, que ao iniciarem o curso tinham pouco ou muito pouco conhecimento sobre o uso dos recursos tecnológicos.

O curso PEAD apresenta características próprias. Apresenta uma proposta pedagógica em movimento, ou seja, é a primeira versão do curso, por isso conforme os eixos (semestres) vão passando o curso vai se constituindo. Além desta característica de estar em constante construção, o curso apresenta uma proposta pedagógica visível e disponível na web com o uso de espaços virtuais como os Blogs (diários online), os Pbworks (páginas coletivas) e o ROODA (Ambiente Virtual de Aprendizagem).

A proposta pedagógica do curso PEAD se apresenta, para a maioria das alunas/professoras, como um desafio de apropriação tecnológica, paralelamente com o desenvolvimento cognitivo delas no ciberespaço. Frente a proposta metodológica do curso, as alunas/professoras precisavam se tornar imigrantes confortáveis nesse contexto digital. O pouco contato e a ausência do domínio da tecnologia apresentada pelas alunas/professoras eram expressos, por exemplo, pelo medo em ligar o computador no início do curso.

1 PPGEDU- UFRGS [padronizar a apresentação como no primeiro] 2 PPGEDU- UFRGS

Page 18: Livro Final

18

2 – Navegando nos conceitos da pesquisa

Entre os concetos adotados que conversam sobre virtualização do conhecimento destacamos o de ciberespaço, tendo em vista que a pesquisa é próxima a netnografia, desenvolvida através da web. Esse estudo tem como base as ideias de Castells (1999, 2001), na intenção de pensar a sociedade em rede, discutindo com Morin (1995, 1997, 2000 e 2002) que serve de base para pensar sobre a complexibilidade do aprender a (re)aprender, convergindo com as questões de virtual que Lévy (1996) aborda em seus estudos, cuja discussão permitiu interrelacionar conhecimento, educação e tecnologia. Pierre Lévy foi especialmente importante para construir a compreensão sobre a constituição do virtual; Manuel Castells, no estudo, amplia a compreensão da sociedade ao tratar das conexões entre conhecimento e tecnologias digitais. Edgar Morin auxilia na compreensão do conhecimento e da complexidade do aprender.

O ciberespaço é compreendido nesse estudo como lugar potencializador, onde cada link é um convite, cujo indivíduo tanto influencia como é influenciado. Através do uso de espaços como Blogs, Facebook, Twitter entre outros, percebe-se as relações estabelecidas onde emergem ações que desfazem distância, pois há intensas trocas e compartilhamento de informações. Tais ações provocam novas leituras, bem como formas de comunicação e interação que, por conseguinte, geram novos conteúdos.

Hoje o que se observa é que as novidades e possibilidades que as tecnologias digitais disponíveis se renovam a cada mês, um exemplo é a próprio conceito de web. Há pouco tempo atrás se falava da Web 1.0, que proporcionava ao usuário explorar informações disponibilizadas na rede. Neste contexto, o sujeito é um usuário espectador. A Web 2.0 permite que os exploradores passem da posição de consumidores de informações para colaboradores e construtores de informações. E a Web 3.0 tem em vista os exploradores imersos nas redes sociais através de agentes inteligentes.

Para Carvalho e Silveira (2009, p. 2) “os avanços não param, o serviço de e-mail já é considerado ultrapassado, pois a comunicação na web está ganhando outra dimensão, há exigência de instantaneidade”. Com a grande oferta de tecnologias digitais, sem perceber, ganha-se agilidade em diferentes situações rotineiras. Isso contribui para que os sujeitos, que a priori não se sentiam parte do contexto digital, comecem a se render ao uso das tecnologias por curiosidade ou por necessidade.

De modo geral, o sujeito já faz parte da sociedade em rede e está inserido dentro desse contexto, muitas situações contribuem para sua imersão ao meio digital. O que nos leva a crer que para os conhecimentos serem potencializados para uma melhor apropriação tecnológica no ciberespaço não se faz necessário a realização de cursos técnicos introdutório, mas sim a acessibilidade a este, de modo a promover momentos provocadores e instigantes que permeiam a aprendizagem como um todo.

Castells (1999) afirma que a causa age sobre o efeito e vice-versa, isto é, produtos também originam aquilo que os produz. Ao mesmo tempo em que os sujeitos criam novas possibilidades no ciberespaço, os sujeitos têm conhecimentos antigos e novos que estão virtualizados e potencializados através de suas ações, a fim de suprir necessidades existentes no ciberespaço.

Page 19: Livro Final

19

Percebe-se que o homem se recria em trocas com o ambiente, a isto Morin (1995) chama de auto-eco-organização. Os sujeitos criam o ciberespaço, constituem a rede, potencializam o ser/acontecer na web ao mesmo tempo em que são potencializados por ela. Neste contexto, essa pesquisa entende-se às alunas/professoras os quais são sujeitos desse cenário tecnológico posto pela sociedade. Porém muitas delas se sentiam integrantes deste. No entanto, ao ingressarem em um curso na modalidade de educação a distância que usa como mídia o ciberespaço, o desafio de se fazer presente na rede digital é revelado a elas como fator determinante para realização e desenvolvimento da aprendizagem.

Nesse estudo a visão para ensino a distância encontra base na fala de Castells (1999) que diz: “as novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos”. O conceito de virtual apresentado por Lévy (1996) em seu livro “O que é Virtual?”, apresenta-se como ação que evoluí e é mutável. Lévy (1996, op. cit.) afirma que o virtual é real, ao contrário do que muitos consideram, alerta que o virtual está presente em nosso cotidiano, assim como o ciberespaço já faz parte da sociedade. Lévy (op.cit.) atenta para a necessidade de acompanharmos as tendências mais positivas da evolução em curso e criarmos projetos de civilização focados nas inteligências coletivas. O que no ponto de vista deste estudo pode ser potencializado pelo uso significativo das tecnologias digitais. O virtual pode ser considerado tudo o que existe em potência não se opondo ao real, mas sim ao conceito de atual. Tendo em vista que virtual é elevação em potência, relaciona-se esse conceito com a imersão das alunas/professoras do curso PEAD que ao entrarem em contato com o ciberespaço e suas possibilidades tiveram suas práticas pedagógicas potencializadas. Essas alunas/professoras por realizarem o curso na modalidade a distância tiveram que aprender a (re)aprender novas formas de leitura e de escrita.

Cabe destacar que de acordo com Lévy (1996) o virtual é algo que está em potência, pronto para acontecer, ou seja, é o ser/acontecer em potência, esperando um ato que o desperte. Assim como Lévy, Morim (2003) também fala sobre o virtual e apresenta-o como potência, algo que existe, mas ainda não é visível e de repente nem compreensível, no entanto nem por isso deixa de existir. É como se fosse um pedaço de madeira que potencializado poderá tornar-se um móvel.

A educação a distância é considerada por Silva (2010) como um conjunto de ações de ensino e aprendizagem ou atos de currículo mediados por interfaces digitais que potencializam práticas comunicacionais interativas e hipertextuais. Assim, a educação a distância é uma excelente oportunidade para novas metodologias ou para a construção de metodologias apropriadas à sociedade em rede. A possibilidade da modalidade de ensino a distância provocar a potencialização da virtualização do conhecimento está diretamente ligada ao desenho metodológico no qual o curso é elaborado e desenvolvido. Um curso pode ter seu desenho metodológico organizado para usar as possibilidades da web apenas como ferramentas e repositórios de materiais. Ou o desenho metodológico pode apresentar uma proposta em que as possibilidades do ciberespaço sejam provocações para conhecimentos (re)siginificados, fazendo uso de novas linguagens de interação e comunicação.

Formar para sociedade em rede não é o simples uso de computadores nas aulas de didática, não que isso não seja interessante, mas a intenção deve ir além. Não basta

Page 20: Livro Final

20

apenas utilizar, mas sim (re)significar o uso. Essa crítica serve como uma das basilares instigadoras dessa pesquisa. Ao pensar que existem jovens que cada vez mais falarão linguagens digitais e que a esta na formação de professores continua a mesma, gera uma sensação desagradável a quem acredita em uma educação com mais qualidade.

Com sua presença garantida em diferentes contextos e lugares a Internet tornou-se um passaporte de entrada para as pessoas vivenciarem diferentes situações, seu cotidiano. Mesmo para aquelas que fazem uso dessa rede apenas profissionalmente. Existe um grupo considerável de jovens e adultos que utilizam a web para expandir sua vida social, eles constituem e ampliam amizades através das redes sociais na web: Orkut, Twitter, Facebook, Blogs, Second Life... Esses espaços digitais favorecem uma comunicação rápida, instantânea com diferentes pessoas que estão em variados espaços e lugares, o que contribui para o trânsito ativo e plural no ciberespaço.

Fazer uso (re)significativo da web não se limita a ter um perfil em redes sociais, o conceito abrange as intenções do sujeito para perceber e explorar as potencialidades dos recursos hipermidiáticos. Santaella (2004) define como hipermídia o espaço de unificação de possibilidades de sons, imagens, textos, dados entre outros, todos na web. A referida unificação no ciberespaço permite viagens para diferentes espaços virtuais, basta um clic e o bilhete está pronto. É possível viajar, conhecer diferentes lugares e culturas que habitam a web. Essa é a era das tecnologias da informação e comunicação.

A virtualização ocorre quando esse uso instiga os conhecimentos e consequentemente são potencializados. O ciberespaço não se torna apenas um recurso e sim possibilidades de utilizar e explorar processos de virtualização que vão além da reprodução e da aplicação de conhecimento. A versatilidade do ciberespaço e o fascínio que costuma produzir nos sujeitos que o utilizam deixam na educação marcas de experiências tecnologicamente inovadoras, mas na grande maioria das vezes pedagogicamente insuficientes. Não basta saber viajar no ciberespaço, é preciso reconhecer as possibilidades que ele oferece para (re)significação do conhecimento.

A potencialização da virtualização está ligada como a intensa imersão do sujeito no ciberespaço, a fim de provocar novas práticas cotidianas, transformando o seu dia a dia. Ao potencializar a virtualização esses sujeitos não terão mais as tecnologias digitais apenas como meras ferramentas, mas como processos em suas vidas.

3 – Fazendo o Login da pesquisa

O estudo teve como objetivo verificar a virtualização do conhecimento para alunas/professoras do curso PEAD. Para tanto, integramos os conceitos de virtual, sociedade em rede e complexidade do aprender com a finalidade de responder a questão norteadora: como ocorre a virtualização do conhecimento para alunas/professoras do curso PEAD?

O objetivo foi verificar como ocorre a virtualização do conhecimento para alunas/professoras do curso PEAD.

Os dados dessa pesquisa foram coletados e analisados dentro da perspectiva próxima da netnografia. Os dados foram obtidos nos Blogs, denominados no curso como portfólios de aprendizagens, das alunas/professoras do curso. Consideramos os

Page 21: Livro Final

21

Blogs das alunas/professoras dos cinco polos do curso localizados nos municípios de São Leopoldo, Sapiranga, Gravataí, Alvorada e Três Cachoeiras, do estado do Rio Grande do Sul.

Esses resultados foram obtidos por meio da análise das postagens selecionadas e apontadas conforme o quadro:

Eixo/semestre VIII São

Leopoldo Sapiranga

Três Cachoeiras

Gravataí Alvorada Total

1ª seleção - postagens 1053 1021 1144 990 1266 5474 2ª seleção - postagens sobre tecnologias

176 885 44 93 440 1638

Seleção final – postagens com evidências do trabalho com alunos nas escolas

19 13 8 6 26 72

Quadro 1 - critérios de seleção das postagens

A primeira seleção se refere todas as postagens realizadas durante as práticas de estágio, no período de março a agosto de 2010. A segunda seleção diz respeito às postagens relacionadas às tecnologias digitais, realizadas durante as práticas de estágio, no mesmo período. A seleção final contempla as postagens que mostram o uso das TIC, através de registros, imagens, vídeos, arquivos e links. Destacamos novamente que essas postagens foram realizadas durante as práticas de estágio curricular.

Nesta análise destacam-se os enfoques privilegiados nas postagens das alunas/professoras. Organizamos estes enfoques em dois grupos de categorias: marcas da virtualização na lógica da rede e visão da cibervioda na formação profissional, conforme a Figura 2:

Figura 2 – enfoques e categorias

Page 22: Livro Final

22

4 – Conectando os links – hipertextualidade da pesquisa

A formação dessas alunas/professoras contribuiu para mostrar que qualquer tecnologia pode ser educacional, desde que exista uma intenção e um planejamento pedagógico para seu uso. O que faz uma tecnologia ser útil ou não na educação é a postura do professor diante do recurso, é a proposta de uso para a ferramenta. Novas linguagens e novas formas de interação envolvem os alunos atualmente e os professores. Trabalhar com educação é buscar constantemente formas e alternativas de envolver os alunos, de despertar neles o desejo de aprender.

Entrar em contato com as possibilidades do ciberespaço durante a formação profissional contribuiu para as alunas/professoras perceberem novas metodologias, novas didáticas e formas de trabalhar com os alunos. Para Silveira, Teixeira e Carvalho (2009) a web 2.0 traz uma nova estrutura e organização para a postura do professor e consequentemente do aluno. Convida o professor a pensar sobre o planejamento para o uso de diferentes mídias, como vídeos, textos colaborativos, Home Pages e outros.

No momento em que as alunas/professoras se sentem desafiadas a explorar o ciberespaço, espaço novo e desconhecido para muitas, elas têm suas ações potencializadas independentemente de estar no espaço temporal ou digital. O fato é que o uso constante do ciberespaço durante o curso trouxe novos sentidos e novos significados para suas relações com o seu fazer pedagógico.

Castells (2001) fala a respeito de que as pessoas, as instituições, as empresas e a sociedade em geral transformam a tecnologia (e aqui o autor se refere a qualquer tecnologia), apropriando-se dela, modificando-a, experimentando-a.

A formação de professores para uma sociedade em rede ultrapassa a proposta de oferecer algumas disciplinas de introdução à informática educativa. A proposta do curso em pauta foi desenvolvida dentro da lógica da rede e se trabalhou com esta lógica nas práticas docentes das alunas/professoras, que foi se constitui em momento de (re)significar as aprendizagens e de multiplicar o conhecimento.

O desenho didático metodológico do curso PEAD contempla o uso dos espaços abertos da web, o que é um diferencial na modalidade a distância, o PEAD usa, predominantemente, como espaço digital o Pbworks, que pode ser acessado e visitado por qualquer usuário da rede.

A escolha da equipe pedagógica do curso PEAD por ferramentas abertas na rede fez a diferença na formação dessas alunas/professoras. O trabalho com ferramentas e recursos digitais a partir de uma proposta que desdobra possibilidades didáticas no ciberespaço abre possibilidades aos professores em formação de imaginar outras ações cotidianas com seus alunos. As alunas/professoras não esperavam desenvolver conhecimentos tecnológicos para ensinar, mas para desenvolver suas atividades discentes da graduação, entretanto, aprenderam para suas atividades docentes.

As alunas/professoras ao ingressarem no curso apresentavam um perfil de excluídas digitalmente, pois ao mesmo tempo em que pertenciam a uma sociedade em

Page 23: Livro Final

23

rede, não tinham sequer um endereço eletrônico. Muitas delas não sabiam como navegar na Internet, fazer uma apresentação em slides ou digitar e formatar um texto. O conhecimento tecnológico era praticamente nulo e nenhuma delas esperava terminar um curso de graduação fazendo parte de diferentes redes sociais na web.

Estamos tratando de um público adulto que faz parte da sociedade em rede. Todavia, a maioria, antes de ingressar no curso, não se sentia incluída digitalmente. È fato que a maioria não dispunha de conhecimentos necessários que as habilitassem participar da rede e ao uso do computador como instrumento para o trabalho ou lazer. Cabe destacar que o edital de seleção do curso não exigia conhecimentos de informática ou de navegação na web.

Ao ingressarem no curso, as alunas/professoras foram convidadas ao contato com as tecnologias, o que para muitas era novidade. Para as alunas/professoras foi um desafio a realização de atividades no modo digital. No entanto, o contato intensivo e constante com as ferramentas digitais encorajou-as ao uso de tais recursos em suas práticas docentes. Contribuiu para que os conhecimentos tecnológicos, virtualizados durante as atividades do curso, fossem potencializados durante as práticas docentes, em especial no estágio curricular.

Os conhecimentos tecnológicos são absorvidos de forma intrínseca e se virtualizam durante as práticas discentes dessas alunas. A virtualização, ao fazer parte do cotidiano, estabelece-se em potência para conferir um novo sentido e significação às práticas docentes. Lévy (1996, pág. 24) fala que “a virtualização se constitui na passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior”. É neste movimento constante de aprender a (re)aprender novas formas de comunicar, interagir, ler, escrever, novas formas de viver, novas metodologias, novas didáticas que a virtualização se constitui para alunas/professoras do curso. Elas desenvolvem um movimento de aprender para ensinar. Quando aprendem, multiplicam seus conhecimentos. Elas realizam o ‘ensinar para aprender’ quando exploram as ferramentas digitais com seus alunos, mesmo sem domínio total da ferramenta. As alunas/professoras virtualizam o conhecimento ao aprender e se dispor a aprender na interação com seus pares, com os docents do curso, mas, sobretudo, na relação com seus alunos no cotidiano. Esse movimento exige de todas (re)aprender a aprender, pois altera diretamente a postura que elas apresentavam diante das tecnologias digitais, influencia na disponibilidade de querer aprender e querer ensinar de outro modo.

A virtualização do conhecimento nas ações docentes das alunas/professoras revela que os planejamentos didáticos contemplaram não o uso da ferramenta em si, mas a lógica do uso, ou seja, de como funciona o recurso e quais as possibilidades pedagógicas que este oferece. Encontramos construção de Blogs, de páginas coletivas, de mapas conceituais, de projetos de aprendizagens desenvolvidos dentro e fora do ciberespaço. Encontramos Arquiteturas Pedagógicas em espaços concretas e em espaços digitais, produção de vídeos, de livros digitais, de CDs.

A virtualização do conhecimento das alunas/professoras se potencializou em práticas desenvolvidas em espaços digitais na intenção de uso pedagógico junto aos alunos na escola. O que se percebe é que as alunas/professoras compreenderam e mostraram maneiras de trabalhar com a lógica da rede em seus planejamentos.

Page 24: Livro Final

24

A virtualização do conhecimento desenvolvida durante a formação das alunas/professoras dimensiona-se para além das atividades do curso ao abranger as ações docentes e as ações sociais. A virtualização do conhecimento altera e influencia o dia a dia dessas alunas/professoras, tanto do ponto de vista profissional quanto do familiar e social. Os dados coletados apontam características no perfil constituído durante a virtualização do conhecimento:

• Maior autonomia e apropriação tecnológica na rede;

• Renovação e qualificação profissional;

• Ampliação da rede social no ciberespaço;

• Potencialização da vida no ciberespaço. É fazer parte da rede;

• Autoestima por saber fazer, saber ensinar e multiplicar o conhecimento;

• Visão de mundo para o tempo e espaço atual;

• Novas posturas diante do uso das tecnologias.

5 – Salvando os arquivos da pesquisa

Os dados deste trabalho mostram a relação direta entre a proposta de um desenho didático metodológico para a formação de professores que introduz as tecnologias digitais nas práticas docentes de forma direta através uso intensivo das possibilidades do ciberespaço no curso.

O que potencializa a virtualização do conhecimento não é o ciberespaço em si, mas a lógica deste nas ações das alunas/professoras. Do mesmo modo que o uso das tecnologias na educação faz sentindo tão somente quando embasado em intenções pedagógicas justificadas e esclarecidas. O planejamento que abrange e potencializa as possibilidades de trabalhar dentro do contexto digital e de uma sociedade em rede cria um uso pedagógico das tecnologias digitais no contexto escolar.

Ao desenvolver seu conhecimento dentro de um projeto específico na modalidade de ensino a distância, o aluno responde aos conteúdos programáticos que estão associados ao desenvolvimento de uma rede relacional no ciberespaço. São informações e conhecimentos construídos, individual e colaborativamente, que podem ser resignificados em outras ações e práticas no cotidiano da sala de aula.

A tecnologia digital, por si só, não garante a inovação pedagógica. Para realizar inovação pedagógica é necessário desenvolver uma epistemologia que sustente a integração do aparato digital ao privilegiar as relações na rede e ao criar formas de agir e pensar que encontrem esta lógica de rede.. As possibilidades oferecidas pela web podem provocar um novo olhar, avesso a linearidade, mais envolvente ao sustentar planejamentos participativos e a interação com e entre os alunos. A virtualização do conhecimento é criada e potencializada no envolvimento dos sujeitos com o ciberespaço. A virtualização ganha dimensões que influenciam as práticas e ações desses sujeitos, seja no âmbito profissional seja no social e familiar.

Page 25: Livro Final

25

Referências

CARVALHO, Marie J. S., NEVADO, Rosane e MENEZES, Crediné S. (2005) “Aprendizagem em Rede na Educação a Distância: concepções e suporte telemático.” Anais do XVI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação. SBIE 2005 / Fernanda Cláudia Alves Campos, Neide Santos. Juiz de For a: Universidade Federal de Juiz de For a, Departamento de Ciência da Computação, Porto Alegre, p. 362-372

_________________________________________________________ “Aprendizagem em Rede na Educação a Distância – estudos e recursos para formação de professores.” Porto Alegre – RS, ed. Lens, 2007

CARVALHO, Marie J. S., NEVADO, Rosane, BORBA, Merion GUIA DO PROFESSOR – Curso de Licenciatura em Pedagogia a Distância – Faculdade de Educação (FACED/UFRGS) – Núcleo de Estudos em Tecnologias Digitais na Educação – NETE. 2006

CARVALHO, Marie J. S, . S., SILVEIRA, Patrícia G. S. “A exploração de uma Arquitetura Pedagógica em sala de aula.” Anais do XX Simpósio Brasileiro de Informática na Educação. SBIE 2009 - Florianópolos – SC

CARVALHO, Marie J. S, Soares; SARTORI, Leonardo Porto. Portfólio Educacional: um Guia Didático de Avaliação [no prelo]. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1981

____________. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1994

____________ . Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra. (Coleção Leitura) 1996

____________ . A Educação na Cidade. 4.ed. São Paulo: Cortez. 2000

LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea., Sulina, Porto

_____________; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003.

LÉVY, Pierre. O que é virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.

____________; Cibercultura, (1999) São Paulo, Editora 34, 1999

____________. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 2. ed.

Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 1999.

____________. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da

informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1993

Page 26: Livro Final

26

MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América, 1984.

____________. O Método I, a natureza da natureza. Portugal: Publicações EuropaAmérica Ltda., 1997.

____________. A cabeça bem feita. RJ: Bertrand Brasil, 2000.

____________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. (Trad. Catarina Eleanora F. Silva e Jeanne Sawaya) 4a .Edição, SP: Cortez, 2001 .

____________. Ciência com consciência. 6ª edição. Trad. Maria D. Alexandre e Maria

Alice S. Dória. RJ: Bertrand Brasil, 2002.

____________. Ética, cultura e educação. (Organizadores: Alfredo Pena-Vega, Cleide R. S. Almeida e Isabel Petraglia). 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2003.

SILVEIRA, Patrícia G. S.; TEIXEIRA, Adriano C., CARVALHO, Marie J. S “Relato da experiência de uma Arquitetura Pedagógica em sala de aula”. RENOTE. Revista Novas Tecnologias na Educação, v. 1, p. 1-10, 2009.

TEIXEIRA, Adriano C.; CARVALHO, Marie J. S.; SILVEIRA, Patrícia G. S. “A virtualização da aprendizagem: novas perspectivas na cibercultura”. Revista Brasileira de Computação Aplicada, v. 1, p. 45-52, 2009.

TEIXEIRA, Adriano C.. Inclusão Digital: novas perspectivas para a informática educativa, editora Unijuí, PF, 2010.

Page 27: Livro Final

27

Trajetórias de letramento: do caderno para a web

Nádie Christina Ferreira Machado1

Marie Jane Soares Carvalho2

INTRODUÇÃO

1.1 Da alfabetização ao letramento

Até meados dos anos 1980, a terminologia adotada nas publicações acadêmicas remetia aos termos alfabetização e analfabetismo. A primeira menção ao termo letramento, no Brasil, é atribuída a Mary Kato, em 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”. O status acadêmico é atribuído por Soares (2003) à obra “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”, publicada em 1988 por Leda Tfouni. Nela, a autora distingue os conceitos alfabetização de letramento. Tfouni e Kleiman são as primeiras autoras a publicar livros com o verbete letramento no título, respectivamente: “Letramento e alfabetização” (TFOUNI, 1995) e “Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita” (KLEIMAN, 1995). Até então, alfabetização e literacy3 , eram traduzidos como equivalentes. Um exemplo que revela essa correspondência é a obra de Paulo Freire e Donaldo Macedo “Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra”, publicada em inglês sob o título “Literacy: reading the world and the word”4.

Outra autora importante na área de letramento, no Brasil, é Leda Veridiani Tfouni, também uma das primeiras a adotar o termo, que define como

[...] um processo cuja natureza é sócio-histórica deve-se aceitar que tanto pode haver características orais no discurso escrito quanto traços da escrita no discurso oral. Essa interpenetração das duas modalidades inclui, portanto, entre os letrados também os não-alfabetizados, mas com baixo grau de escolaridade (1995, p. 31).

Destacamos, ainda, a ênfase na relação entre oralidade e escrita em contraponto com o que a autora chama de a “grande divisa”. Essa pode ser explicada em decorrência de estudos realizados por pesquisadores como Ong (1986), que compreende letramento comparando sociedades ágrafas com letradas; Havelock (1963, 1982, 1986), que analisa

1 PPGEDU 2 PPGEDU 3 Termo em inglês que deu origem à palavra letramento em português (Brasil), literacia (Portugal). 4 O livro em inglês, segundo nossos registros, foi publicado em 1987, e em português em 1990.

Page 28: Livro Final

28

a introdução da escrita desde a Grécia Antiga, contraposta ao uso da memória e dos discursos orais, sofrendo a resistência de Platão, que considerava que o texto não poderia defender as ideias do autor; ou Goody (1977, 1987), cujos estudos históricos e antropológicos apontariam diferentes mentalidades entre os povos de culturas ágrafas e letradas.

Kleiman (1995) também se opõe à divisão entre práticas orais e letradas, e considera que, além dos impactos sociais da escrita, o letramento inclui os eventos de letramento e as práticas sociais na sua conceituação. A definição de evento de letramento é atribuída aos estudos de Heath (1982), que o define como “qualquer situação em que um portador qualquer de escrita é parte integrante da natureza das interações entre os participantes e seus processos de interpretação”5. As práticas sociais de letramento são definidas por Brian Street (1988 como um conceito mais “robusto”, pois

[...] tenta tanto tratar dos eventos quanto dos padrões que tenham a ver com o letramento, tratando de associá-los a algo mais amplo, de uma natureza cultural e social. Parte dessa amplificação tem a ver com a atenção dada ao fato de que trazemos para um evento de letramento conceitos, modelos sociais relacionados à natureza que o evento possa ter, que o fazem funcionar e que lhe dão significado (STREET, 2003, p. 7)6.

Diante dessa definição, entende-se que um indivíduo pode ser letrado mesmo sem ser alfabetizado, pois numa cultura letrada dificilmente uma pessoa deixaria de participar das mais variadas situações em que a escrita se faz presente. Um exemplo apresentado por Kleiman (op. cit., p. 18) remete à compreensão de uma criança ao ouvir de um adulto a frase “Olha o que a fada madrinha trouxe hoje!”. Ao reconhecer a fada madrinha dos contos de fada, essa criança revela conhecimentos de uma cultura letrada, e sua oralidade sofre as influências desses conhecimentos, que são adquiridos nas relações sociais cotidianas (com a mãe, ao ler histórias antes de ela dormir ou ao assistir à TV).

As contribuições de Street não se restringem ao conceito de práticas; estas se ampliam nas definições dos modelos autônomo e ideológico de letramento, publicados pela primeira vez em 1984 no livro “Literacy: Theory and Practice”. Esses modelos são revistos pelo autor em 2003 na Teleconferência Unesco Brasil sobre Letramento e Diversidade. Na versão escrita desse evento, o autor considera que, com frequência, o modelo autônomo de letramento é representado pela apropriação da técnica7, considerando-se que “as pessoas precisam aprender uma forma de decodificar as letras e

5 "A literacy event is any occasion in which a piece of writing is integral to the nature of participant's interactions and their interpretive processes" (HEATH, 1982, p. 93). 6 Texto completo na Biblioteca UniSesi, disponível em http://www.unisesi.org.br/portal/index.htm, acesso em 09/02/2009. 7 Grifo nosso.

Page 29: Livro Final

29

depois poderão fazer o que desejarem com o recém- adquirido letramento”. O modelo ideológico parte de outras premissas, considerando que as práticas de letramento são social e culturalmente determinadas, e a escrita assume significados segundo o contexto dos grupos e instituições em que foi adquirida.

Esses modelos, segundo Street (2003, p. 9), são indissociáveis, pois a forma autônoma do letramento

[...] é apenas uma das estratégias ideológicas empregadas em associação ao trabalho no campo do letramento, que em realidade disfarça a maneira em que a abordagem supostamente neutra efetivamente privilegia as práticas de letramento de grupos específicos de pessoas. Nesse sentido, o modelo autônomo mostra-se profundamente ideológico. Ao mesmo tempo, o modelo ideológico consegue perceber as habilidades técnicas envolvidas, por exemplo, na decodificação, no reconhecimento das relações entre fonemas e grafemas e no engajamento nas estratégias aos níveis de palavras, sentenças e de textos [...].

Freire, um dos autores citados por Street (2003), contribuiu para a definição da dimensão ideológica de letramento. É interessante observar que, entre os autores brasileiros, poucos o mencionam e, quando o fazem, é para colocá-lo na contracorrente do letramento como fenômeno, juntamente com Emília Ferreiro. Apesar de Freire nunca ter utilizado o termo ou discutido essa perspectiva, seus postulados não se distanciam daquilo que Street diz, como quando define que “[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (FREIRE, 1989, p. 11-12).

Soares também contribuiu para a definição do letramento no Brasil. A autora entende os processos de alfabetização [como apropriação da técnica] e letramento como diferentes, porém indissociáveis, e define essa relação pelos conceitos de estado ou condição – palavras que para ela são importantes para a compreensão das diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado. A autora parte do pressuposto de que quem aprende a ler e a escrever, passando a envolver-se em práticas de leitura e escrita de forma competente, torna-se uma pessoa diferente, ou seja, adquire outro estado ou condição, o que não implica “mudar de nível ou de classe social, mas mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura – sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente” (SOARES, 2003, p. 37).

Com a inclusão das palavras estado ou condição, Soares busca ampliar o foco para além do impacto ou das consequências da escrita numa dada sociedade. Sua definição inclui os eventos e as práticas como propostos por Heath e Street, mas não se restringem a eles. Nas palavras da autora, letramento é “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento” (SOARES,1998; 2002, p. 145).

Page 30: Livro Final

30

Para Ferreiro, alfabetização não é um estado, como define Soares, mas um processo que inicia bem cedo e se estende ao longo da vida. A autora considera modismo a adoção do termo letramento, porém aceitaria se fosse um consenso entre os especialistas. Segundo ela, “o conceito [de alfabetização] também muda com as épocas, as culturas e a chegada da tecnologia” (FERREIRO, 2007, p. 1).

A expansão nos usos do computador e da internet, para Ferreiro (2001), exige mais “rapidez na leitura e muita seletividade, porque não se pode ler tudo o que está na tela. E a capacidade de selecionar não é algo que, há alguns anos, fosse uma exigência importante na formação do leitor”.

Concordamos com essas novas demandas sinalizadas por Ferreiro e as discutiremos na próxima seção, no contexto das culturas do papel e da tela do computador.

1.2. Espaços de escrita

Para compreendermos as diferenças entre os processos de alfabetização e letramento na cultura do papel e na cibercultura8 (tela do computador), urge focalizar no que Bolter (apud SOARES, 2002, p. 149) caracteriza como espaços de escrita, que se constituem no “campo físico e visual definido por uma determinada tecnologia de escrita”. Diferentes espaços de escrita exigem diferentes tecnologias tanto de escrita como de leitura. Houve muitas mudanças ao longo do tempo até chegarmos ao uso do lápis, da caneta e do papel ou do quadro-verde e giz, ainda muito utilizados nas escolas. O papel e o quadro se constituem espaços de escrita manuscrita. Temos também como suporte de leitura os livros produzidos pela tecnologia tipográfica, mas estes não alteram de forma significativa a forma como se realiza a leitura na cultura ocidental: linear e da esquerda para a direita. Chartier (1999) considera que o leitor da tela é mais livre, pois o texto eletrônico lhe permite mais distanciamento e uma relação não-corporal – o mesmo acontece quando se escreve mediado pelo teclado –, enquanto o autor de textos manuscritos “[...] produz uma grafia diretamente ligada aos seus gestos corporais” (p. 16).

Nessa perspectiva, o nosso enfoque estará centrado na cultura escrita e nas mudanças decorrentes de novos processos comunicacionais. A análise concentra a atenção no letramento e nas novas demandas de leitura e escrita. As mudanças ou permanências nos processos comunicacionais serviram de parâmetro para pensarmos as práticas de letramento no contexto deste estudo.

8 Estamos inseridos no que Lévy (2004, p. 17) definiu como Cibercultura – “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço [isto é] [...] o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”.

Page 31: Livro Final

31

1.3. Letramento(s)

Soares (2002, p. 155), ao tratar do letramento na cibercultura, utiliza o termo no plural justamente para “[...] enfatizar a ideia de que diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos”9

Para Coscarelli (2005) ainda não seria o momento de trocarmos o lápis e a caneta pelo teclado, mas a autora considera essa troca algo previsível num futuro próximo. Chartier (1999) é mais cauteloso e, ao ser questionado sobre os novos comportamentos ou expectativas decorrentes de um leitor que tenha sido educado diante da tela, diz que talvez no futuro a tela do computador substitua o caderno ou a pasta de papéis. Pode-se conjecturar que a melhor estratégia seja manter o que temos e integrar as novas possibilidades.

Nem todas as pessoas trocam uma tecnologia por outra; muitas já nasceram num mundo no qual as tecnologias de informação e comunicação10 fazem parte do cotidiano. Alguns autores denominam-nas de “nativos da cibercultura”11 ou Geração Millenial12. Certamente não podemos desconsiderar as influências e possibilidades pedagógicas das tecnologias, mas precisamos considerar que vivemos num país de grandes contrastes e desigualdades. As preocupações com o letramento no Brasil, e no mundo de um modo geral, ganharam força a partir do momento em que os investimentos em alfabetização no século XX começaram a se refletir em níveis mais elevados de escolarização da população. Isso não necessariamente corresponde ao desenvolvimento das habilidades necessárias para dar conta das demandas de leitura e escrita impostas pela sociedade atual. Concomitante a essas novas preocupações em relação ao letramento da população, ainda num contexto da cultura do papel, surgem as demandas geradas pelas novas tecnologias e pelos problemas ainda não solucionados de letramento. Somam-se àquelas as questões de necessidades da alfabetização e do letramento digital.

Assim sendo, alunos de um curso de graduação, especialmente na modalidade a distância, estão expostos a uma série de demandas que envolvem vários letramentos, sendo constantemente desafiados a desenvolver habilidades de oralidade, leitura e

9 Grifos da autora. 10 Consideramos como Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) especialmente as tecnologias digitais que alteram as práticas de comunicação e o acesso à informação, bem como os suportes de escrita, como no caso do uso de computadores (teclado, mouse, tela), de internet (World Wide Web), da telefonia móvel celular (mobilidade, mensagens de texto, envio de imagens) e da TV a cabo ou via antena parabólica, dentre outras surgidas desde meados da década de 70. 11 Terminologia apresentada por Martins e Giraffa (2008, p. 430) 12 Cf. o documento da Pew Research (2009, p. 11), disponível em https://docs.google.com/viewer?url=http://pewsocialtrends.org/assets/pdf/millennials-confident-connected-open-to-change.pdf

Page 32: Livro Final

32

escrita – estas últimas no suporte do papel e no suporte digital (letramento digital. Essas práticas letradas envolvem a apropriação de novos gêneros textuais, muitos dos quais estão associados ao uso do computador e da internet como mediadores da comunicação. Além disso, diante da grande quantidade de informação circulante na rede, os alunos precisam desenvolver a capacidade de selecionar informações, o que se traduz por Competência Informacional.

Mesmo sendo alfabetizados e mais letrados do que grande parte da população, que sequer atinge o nível médio de ensino formal, essas pessoas têm uma série de novas competências que precisam ser desenvolvidas paralelamente às aprendizagens específicas da área de conhecimento do curso. São competências intimamente vinculadas ao processo de formação, uma vez que integra o repertório de pedagogos e pedagogas que são responsáveis por alfabetizar/letrando as novas gerações. O compromisso dos alunos do curso com a promoção dessas habilidades junto ao seus próprios alunos (de hoje e do futuro) se traduz na forma como o curso foi concebido. Mesmo que esses letramentos mais específicos (digital e informacional) não se constituam um fim em si mesmos, eles se integram e articulam-se com a proposta pedagógica do curso, que prevê a formação inicial e em exercício dos alunos.

Não podemos ficar à margem de mudanças desse porte, de abrangência global. Todavia, para este estudo, as implicações que interessam são aquelas que se apresentam em eventos e práticas de letramento e exigem habilidades diferentes daquelas do suporte de papel. Finalizamos nossa revisão de literatura discutindo, brevemente, o letramento ou letramentos como um processo contínuo e observável, possível de ser acompanhado ao longo do tempo, como iremos mostrar na análise dos dados.

1.4. Letramento(s): um processo contínuo

Algumas autoras, como Ferreiro (2003) e Tfouni (2002), contribuem para a definição de letramento como um processo contínuo.

O “continuum” descreve, graficamente, um processo que se relaciona com a existência de posições de sujeito, que vão possibilitar que os textos produzidos em determinado momento sócio-histórico circulem (sejam eles orais ou escritos) e também quem pode (no sentido de “está autorizado a”) ocupar esses lugares. Isso quer dizer, por exemplo, que saber escrever um ofício, ou um sermão, ou uma outra peça discursiva qualquer, não garante que o sujeito que as produziu esteja efetivamente inserido nas práticas letradas que garantem a circulação desses discursos (ASSOLINI e TFOUNI, 2006, p. 42).

Tfouni e Pereira13 (2005) consideram que o conhecimento e a familiaridade com as práticas de letramento na perspectiva de continuum não seriam mensurados pelo

13 Disponível em http://www.accessmylibrary.com/coms2/summary_0286-32118689_ITM , capturado em: 30/08/2008.

Page 33: Livro Final

33

tempo de permanência na escola nem pelo grau de escolaridade alcançado, mas pela sua inserção efetiva nessas práticas.

Enquanto Soares enfatiza a diferença entre leitura e escrita nas práticas letradas, Tfouni (2001, 2002) “[...] propõe que se tome como critério para [se] distinguir entre oralidade e escrita a noção de autoria, que serviria de base para tratarmos dessa heterogeneidade das práticas letradas”.

A autoria também é defendida por Soares, na medida em que define que aprender a ler e a escrever é se apropriar da escrita, usando-a com propriedade. Entendemos que a circulação dos discursos, como propõe Tfouni, seria o equivalente aos usos competentes da leitura e da escrita nos eventos e nas práticas sociais de letramento (SOARES, 2002).

Assim, um processo contínuo no qual o sujeito pode ocupar diferentes posições ao longo do tempo ou atingir um novo estado/condição pressupõe a superação de alguns estágios. A inclusão na cultura letrada se dá antes mesmo da alfabetização e, de acordo com Tfouni, não tem relação direta com os anos de estudo ou o grau de escolaridade. Todavia, à medida que se complexificam as formas de leitura e escrita se ampliam as distâncias que separam os não-alfabetizados, ou com baixa escolaridade, daqueles que dominam os códigos e interagem em novos espaços, fazendo circular os seus discursos.

Ferreiro (1997) destaca que nem sempre o autor da ideia foi o autor material do texto, e quando isso aconteceu ainda precisava disputar a autoria com os editores. Enquanto no manuscrito o autor podia imprimir suas marcas, com a máquina de escrever (mecânica ou elétrica) estas se tornam mais sutis, expressando-se antes pelo estilo de escrita do que pela forma como são grafadas. O computador também inova na medida em que permite que o autor seja o editor de seus textos e ampliam-se as possibilidades de grafar (além das maiúsculas, minúsculas, sublinhado ou não) ao se escolher o tamanho da letra, a fonte, dentre outros recursos. Além disso, o autor/editor do material se torna também o distribuidor quando publica, por exemplo, na Internet, ou imprime, fazendo assim circularem seus discursos. Além disso, o texto no suporte digital pode ser editado quantas vezes gorem necessárias, diferindo do suporte do papel, no qual essas correções deixam marcas.

Nossa posição ainda defende a relação entre a oralidade e a escrita, acreditando na possibilidade de autoria em ambos, num continuum que inclui a aquisição de novos códigos, novos gêneros discursivos e textuais em outros suportes ou espaços de escrita, como a tela do computador ou o envio de mensagens de texto pelo celular.

Os alunos de curso de graduação, especialmente na modalidade a distância no modo digital, estão expostos a uma série de demandas que envolvem vários letramentos. Eles são constantemente desafiados a desenvolver habilidades de oralidade, leitura e escrita – estas últimas nos suportes do papel e digital e, muitas vezes, em situações de comunicação que, num curso presencial, seriam ocupadas pela oralidade. A necessidade de uso do suporte digital exige letramento digital e Soares o define como o uso do computador de forma competente, por indivíduo ou grupos, em situações em que o letramento é importante. Para Soares, as mudanças de estado ou condição de sujeitos ou grupos sociais não se relacionam com uma mudança de nível ou classe social, mas com uma mudança do que chama de lugar social. É a mudança no modo de viver em

Page 34: Livro Final

34

sociedade, nas suas relações com os outros, com o contexto, tornando-se uma pessoa diferente na sua forma de ser e estar no mundo. Mas apropriar-se da escrita é diferente de aprender a ler e a escrever. Aprender a escrever consiste na aquisição de uma tecnologia que permite codificar e decodificar a língua escrita. Apropriar-se “[...] da escrita é tomar a escrita ‘própria’, ou seja, assumi-la como sua ‘propriedade’” (SOARES, 2003, p. 39).

Em síntese, o indivíduo em estado ou condição de letrado não apenas domina a técnica de leitura e escrita, mas a usa socialmente, as pratica, respondendo adequadamente às demandas sociais de uma cultura letrada.

No caso da aluna-professora, cuja trajetória foi analisada neste estudo, o seu estado ou condição passou a transitar de um suporte a outro. Esses novos usos se refletem nas suas práticas como professora que se desafiou a alfabetizar os alunos em ambos os suportes: papel e o computador/web, através do uso de blogs. O uso intensivo de blogs, wikis e ambiente virtual de aprendizagem no curso com o foco no desenvolvimento de atividades, e não na apropriação das ferramentas em si e por si, permitiu que se realizasse a inclusão digital de todos os alunos-professores. Até aquele momento de início do curso, o grupo de alunos comportava aqueles que dominavam algumas ferramentas do computador para atender demandas burocráticas da escola; aqueles que usavam parcamente a correspondência eletrônica; aqueles que tinham computador em casa mas não tinham qualquer aproximação com este equipamento, embora ouvissem e vissem seus filhos usarem cotidianamente. Com raríssimas exceções um ou outro professor já havia usado o computador com seus alunos. A maior parte dos alunos destes professores do curso lidam com computador e a rede, mas eles próprios pouco ou nada interagiam com estes recursos.

1.5. Inclusão Digital

Na década de 1990 com a difusão das tecnologias também tem início a uma corrida mundial para democratizar o acesso àquilo que Levy nomeia como ciberespaço. A perspectiva de compreensão deste acesso inclui a possibilidade de promover a aprendizagem de forma recíproca.

O conceito de inclusão digital surgiu associado ao de abismo/fratura digital e inclusão social. Desde então vários conceitos sobre essas novas possibilidades foram surgindo e novas dicotomias passam a fazer parte da política.

Segundo Canclini (2004, p. 73) “A sociedade, concebida antes em termos de extratos e níveis, ou distinguindo-se segundo identidades étnicas ou nacionais, é pensada agora sob a metáfora da rede. Os incluídos são os conectados, os outros são os excluídos sem conexão.”

As políticas de inclusão digital no Brasil ganham força no final dos anos 1990, durante o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e se sistematizam a partir da publicação do Livro Verde, em 2000, que apresentava uma proposta inicial para o desenvolvimento de ações dentro do Programa Sociedade da Informação.

O livro verde considera a universalização dos serviços de informação e comunicação, como “condição fundamental, ainda que não exclusiva, para a inserção

Page 35: Livro Final

35

dos indivíduos como cidadãos, para se construir uma sociedade da informação para todos” (BRASIL, 2000, p. 31). Este documento atribui um importante papel para a Educação no contexto de uma sociedade da Informação e traça diretrizes no sentido de promover a redução nas desigualdades de oportunidades através do desenvolvimento da capacidade de “aprender a aprender” com o uso das tecnologias de informação e comunicação. Considera que “educar em uma sociedade em rede significa

Muito mais que treinar as pessoas para o uso das tecnologias de informação e comunicação: trata-se de investir na criação de competências suficientemente amplas que lhes permitam ter uma atuação efetiva na produção de bens e serviços, tomar decisões fundamentadas no conhecimento, operar com fluência os novos meios e ferramentas em seu trabalho, bem como aplicar criativamente as novas mídias, seja em usos simples e rotineiros, seja em aplicações mais sofisticadas. Trata-se também de formar os indivíduos [...] de modo a serem capazes de lidar positivamente com a contínua e acelerada transformação da base tecnológica (BRASIL, op. cit., p. 45)

Apesar destas intenções, o foco ainda se mantem muito mais no acesso e desenvolvimento de infraestrutura do que propriamente nos usos. E isso é de fato essencial, mas insuficiente. O conceito de inclusão digital abrange outras dimensões do viver em sociedade. Teixeira (2010) desenvolve esta compreensão conferindo amplitude ao conceito de inclusão digital na perspectiva de cibercidadania que envolve “modelo de formação docente vivenciado”. Teixeira e Franco (2005, p. 389) defendem

[...]o alargamento do conceito de inclusão digital para uma dimensão reticular e hipertextual, caracterizando-o como um processo horizontal que deve acontecer a partir do interior dos grupos com vistas à reapropriação crítica e criativa das TIC, em uma perspectiva que considere processos de interação, de construção de identidade, de ampliação da cultura e de valorização da diversidade, para, a partir de uma postura de criação de conteúdos próprios e de exercício da cidadania, possibilite quebrar o ciclo de produção, consumo e dependência tecnocultural.

A questão, de fato, amplia-se e as relações não se resumem a estar ou não conectado e ter acesso à informação/comunicação, passa-se de consumidores a criadores de conteúdo e a relação com o mundo e com os outros potencialmente se transforma.

O governo Federal, especialmente durante os dois mandatos do presidente Luis Inácio Lula da Silva, com apoio da iniciativa privada e de organizações não governamentais, expandiu o acesso à informação e comunicação. Só que o desenvolvimento de “competências suficientemente amplas” e a “fluência” passam diretamente pelo sistema de ensino e precisam de tempo para se disseminar num país de dimensões continentais.

Neste sentido, o Governo Federal, através das Universidades Federais, promoveu o desenvolvimento de cursos de formação e qualificação de professores, sendo o curso de Pedagogia, na modalidade a distância, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul um exemplo destas iniciativas que ainda contaram com o apoio das prefeituras para garantir a infraestrutura necessária nos polos. Em 2006 os Guias de orientação do curso

Page 36: Livro Final

36

apresentavam como um dos objetivos específicos a necessidade de “qualificar os professores para a utilização de recursos informáticos, na escola, para criar uma cultura de redes cooperativas intra e interescolas, a partir do uso de novas tecnologias de comunicação e informação na prática pedagógica” (CARVALHO, NEVADO e BORDAS, 2006, p. 20).

A concretização destes objetivos se materializa através dos registros das práticas docentes realizados pelos alunos em estágio e analisados neste trabalho.

MÉTODO DE PESQUISA

A pesquisa foi desenvolvida com base nos postulados da netnografia (KOZINETS, 1997, 2002; HINE, 2001, 2005). A análise incluiu os registros de campo (observações, entrevistas), os cadernos (os cadernos da aluna LBR foram fotografados e seus manuscritos analisados em relação ao texto online correspondente) e os registros online (e-mails, chats, fóruns, blogs, wikis). Os registros online, segundo Kozinetz (op. cit.), se constituem numa das vantagens da netnografia, à medida que já temos acesso ao registro escrito das entrevistas, por exemplo.

Os novos dados14 foram obtidos totalmente via web15 e foi possível avaliar a aquisição de novas habilidades que foram utilizadas para que o acesso ao manuscrito fosse viável. A habilidade específica neste caso foi a técnica de fotografar os registros manuscritos para disponibilizar na web, adotada na realização da tese e utilizada pela aluna LBR na realização do seu estágio docente, em 2010, quando postou atividades manuscritas dos seus alunos no blog. Identificamos essa prática ao buscar dados para a análise das mudanças desde 2008 e nos valemos do material que a aluna nos enviou por email: fotografias do seu caderno.

Em 2007 e 2008, ela nos entregou os cadernos, em encontros presenciais; dessa vez, ela os fotografou e enviou os arquivos por email. Isso certamente nos aponta mudanças significativas no seu estado ou condição, o que discutiremos em detalhe mais adiante.

ESTUDO DE CASO

O estudo de caso focalizou a trajetória de uma aluna e o apresentamos numa progressão histórica ao mostrar as mudanças que se desdobraram em razão das vivências no curso.

Fase 1 – A condição da aluna LBR em 2007 – 2008

14 O estudo expande a coleta de dados realizada entre ago. 2007 e dez. 2008, complementado com dados 2009/2 e 2010/1. 15 Estando a pesquisadora em Austin, Texas, e a aluna-professora (LBR) em Três Cachoeiras, no Rio Grande do Sul.

Page 37: Livro Final

37

A leitura que realizamos da trajetória da aluna LBR16, além de incluir os instrumentos de avaliação, contempla seus registros manuscritos desde o seu ingresso, 2007/1, até o final de 2008/2. Na ocasião, foi possível ter uma visão muito abrangente dos processos de letramento da aluna, desde a construção de hipóteses de escrita até a transformação que se opera nos textos manuscritos com a sua edição e publicação no suporte digital. A mudança de suporte não chegou a alterar o teor do texto, outrossim modificou sua estrutura, mais rígida no papel e mais dinâmica e fluída no digital.

O trabalho de pesquisa documental, na época, a partir dos registros nos cadernos, totalizou mais de 700 fotografias de páginas (do caderno da aluna em questão e dos de outras) em que buscamos capturar não apenas os textos, mas detalhes de uso do espaço do papel (margens), a organização (disciplinar ou interdisciplinar dos registros), a materialização do enunciado digital e a atividade manuscrita. Uma das atividades, que registra bem as mudanças observadas, é a que se denominou “o caminho da escola”. Observamos o registro manuscrito e o digital ao comparar as mudanças nos seus letramentos.

Quadro 1 – O mesmo texto no caderno e na página da web Caderno Página da web

Figura 1 – Caderno LBR17 (MACHADO, 2009, p. 169)

Figura 2 – Wiki LBR (MACHADO, 2009, p.170)

16 A aluna ingressou em 2007/1. Cf. Estudo das trajetórias de letramento em curso de educação a distância: o texto, o papel e a tela do computador. 17 No texto original, para facilitar a leitura das similaridades e diferenças nas duas versões, sinalizamos com números iguais os itens sobre os quais centramos a nossa análise. Aqui não vamos reproduzir as várias páginas, assim focalizaremos nos itens 1, 2 e 3 para ilustrar o que definimos como mudanças de um suporte para o outro. O desenho do ônibus não está na página do caderno que incluímos neste artigo,

Page 38: Livro Final

38

Figura 3 – Wiki LBR (MACHADO, 2009, 166)

Legendas (caderno e na página da web): 1 – desenho de uma casinha/imagem de uma escola; 2 – a palavra mensagem/uma mensagem digitada;3 – desenho de um

relógio/gif animado de um relógio com ponteiros que se mexem; 4 – previsão de espaço no corpo do texto para incluir a foto da sua casa/foto da casa incluída no slideshow ao final da página do Pbwiki; 5 – menção no texto a uma Igreja enorme”/foto da Igreja no

slideshow ao final da página do Pbwiki.

A Figura 1 é uma fotografia do rascunho da atividade no caderno e as figuras 2 e 3 são as telas do wiki onde ela digitou o mesmo texto. O que ela escreve no rascunho permanece inalterado na tela do computador, mas a estrutura vai sendo adaptada ao novo suporte, e os desenhos feitos à mão pela autora se transformam em imagens, animações ou emoticons capturados da web e inseridos na página do wiki. Isso acontece nos itens 1, 3 e 4 (Figuras 2 a 3), respectivamente. Se o texto se mantivesse no papel jamais teria o efeito obtido com a inclusão do gif animado: um relógio com uma carinha cujos ponteiros se mexem sem parar. Essas mudanças são irreversíveis, sendo impossível representá-las no papel, de tal forma que precisamos descrevê-las aqui e contar com a imaginação ou o conhecimento do leitor para compreendê-las.

O item 2 (Figura 1) só se materializa no suporte digital (item 2, Figura 2), tendo como correspondente no papel apenas a palavra mensagem, que alude a uma, mas não a reproduz. Imaginamos, sabendo da forma como se alteram as fontes no wiki, que a mensagem tenha sido capturada da Internet e colada no espaço previsto no rascunho (entre o título e o início do texto). Esta inferência é feita a partir da manutenção do uso de uma fonte no início do texto e da utilização de fontes alternativas para dar ênfase ou destacar alguma palavra ou trecho. Não é esse o caso na referida imagem, que apresenta até a metade uma fonte do tipo Monotype Cursiva e, de certo ponto em diante, calibri em itálico18, causando um estranho efeito sobre o leitor. Acreditamos que, ao colar o texto, este desconfigurou a fonte original. O interessante é que parece proposital, para registrar a passagem de uma escrita mais manuscrita para o uso de outros tipos mais característicos do uso do teclado. O item 4 (Figura 1), marcado no corpo do rascunho, integra, com outras fotos, uma animação legendada feita no slideshow (item 4, Figura 3).

Nesse período de análise, observamos alguns aspectos que caracterizavam as práticas de escrita e as certezas provisórias19 da aluna. Ela: (1) Possui bons conhecimentos de leitura e escrita (alfabética), mas poucos conhecimentos de informática (8h/aula); (2) Considera a “internet fútil, sem sentido para a educação”.

porém a imagem no wiki aparece e antecede a representação da igreja no item 5 da versão digital, por isso incluímos na legenda o item 6. 18 Adotamos as mesmas fontes do corpo do texto para destacar a diferença observada no original. 19 Conceito extraído da metodologia de Projetos de Aprendizagem.

Page 39: Livro Final

39

Valoriza e se organiza a partir dos registros no caderno, tendo, ao final do primeiro semestre de curso, utilizado quatro cadernos; (3) Valoriza o uso da web para se comunicar com as colegas (email, chats), todavia a preferência ainda é pelo face a face presencial; (4) Inicialmente busca conhecer as ferramentas e superar as dificuldades de letramento digital; posteriormente, focaliza seus esforços na busca do aprimoramento do gênero textual.

Durante essa fase, resultante de observação e registros ao longo de três semestres, a aluna realizou as atividades de forma duplicada – primeiro no caderno e depois na web; e, muitas vezes, o registro da web era impresso e colado no caderno, revelando idas e vindas entre os dois suportes.

A Figura 4 apresenta a linha do tempo, que sintetiza a trajetória da aluna LBR durante a fase 1, e nos ajuda a definir o estado ou condição inicial para a análise da fase 2.

Figura 4 – Linha do tempo de LBR (MACHADO, 2009, p. 182)

Falta a figura 4

Fase 2 – A condição da aluna LBR em 2009 - 2010

O ponto de partida para a análise é o estado ou condição de LBR em 2008/2, ou seja, no momento em que a aluna superou as dificuldades de uso das ferramentas e focaliza-se na apropriação de novos gêneros textuais acadêmicos.Nossa retomada inicia com um novo contato por email, em 2010/1, no qual questionamos LBR sobre o uso do caderno, e ela nos informou que

[...] os registros no caderno continuam, tenho QUASE tudo no caderno, poucas reflexões e planejamentos no pbworks de estágio fiz diretamente no computador [...] tenho percebido que o tempo desprendido quando faço diretamente nos ambientes se torna menor. Continuo com certo apego em escrever nos cadernos, porém menor com relação os semestres anteriores (e-mail, 25/06/2010).

Inicialmente, grifamos a palavra “quase”, colocada em caixa alta pela aluna, e que foi utilizada para descrever uma mudança expressiva em relação a outros momentos, quando ela registrava tudo no caderno. Essa mudança nas suas práticas teve início ainda na primeira fase da pesquisa, quando ela digitou seu primeiro documento, sem realizar registro algum no caderno, e iniciou a leitura das normas da ABNT.

Grifamos em negrito e colocamos em itálico o trecho em que ela menciona que algumas atividades estão sendo realizadas diretamente no computador. A aluna já havia feito algumas atividades desse modo (fase 1), porém estas eram ligadas ao uso de ferramentas do word (SmartArt, por exemplo). Nesse caso, ela está se referindo a textos produzidos no editor de texto de um wiki (online).

A explicação para a digitação diretamente no computador (online) se deve à economia de tempo que isso representa. Nas suas práticas anteriores, ela costumava

Page 40: Livro Final

40

escrever no caderno, digitar e, depois, disponibilizar na web. Eram três etapas, e cada uma demandava certo tempo. Como nem sempre ela tinha acesso ao computador e/ou internet, escrever no caderno e digitar (off line) ajudavam a manter as atividades em dia, utilizando pouco tempo para publicar na web – geralmente em casa, à noite e depois do trabalho, de atender a casa, ao marido e aos três filhos.

Por fim, ela revela que continua com “[...] certo apego em escrever nos cadernos”. Estes são muito presentes na trajetória da aluna. A ajudam a organizar os pensamentos, além de “materializarem” seus escritos, que podem ser lidos facilmente, sem estar online e sem precisar sequer de energia elétrica ou bateria. Isso se confirma nas práticas como a representada nos registros da Figura 5, em que ela anota no caderno que precisa “imprimir” dois fóruns (de discussão online) para ler no papel.

Figura 5 – Caderno de LBR (2007/1)

Nos registros online, a atividade realizada em 2009/2 nos chamou a atenção por discutir a relação entre presencial e virtual. A aluna LBR registra no seu diário de bordo as conclusões de um encontro presencial para discutir o Projeto de Aprendizagem do seu grupo, quando decidiram

[...] interagir mais virtualmente, pois nossas reuniões de grupo não estão sendo muito produtivas, pois há muita conversa paralela, de assuntos diversos, de atividades de outras interdisciplinas, enfim... Essa foi a forma provisória que encontramos para nos Disciplinar mais, para que o foco PA seja priorizado. [...] Combinamos quer durante os próximos dias a comunicação e as trocas entre os componentes deste PA serão exclusivamente por email e MSN, exceto as reuniões de grupo previamente marcadas.

Neste texto, quando a aluna menciona “reuniões do grupo”, está se referindo a encontros presenciais20 entre alunos, nos quais percebe que a atenção se dispersa e o trabalho se torna menos produtivo. Essa nova certeza provisória muda

20 O Polo de Três Cachoeiras é o mais distante da sede e com mais problemas de conectividade. Muitos alunos possuem conexões discadas ou por rádio, e com relativa frequência alterações climáticas afetam as comunicações. Dificuldades dessa ordem tendem a fazer com que os alunos prefiram realizar encontros presenciais.

Page 41: Livro Final

41

consideravelmente sua perspectiva de uso das tecnologias. Diferentemente de valorizar o uso de chat e email para se comunicar (2007/2), a aluna passa a considerar essa forma de comunicação como mais produtiva que o presencial.

Todavia, seu letramento digital também contribui para a superação de alguns obstáculos, em especial no que tange ao uso das ferramentas da web, como se pode observar em um registro realizado após um chat no dia 16 de setembro de 2009, quando encontrou “[...] algumas dificuldades para acessar o MSN, em função de uma atualização exigida pelo site [...]”. Esse registro difere bastante de outro, realizado em setembro de 2007, quando revelou que havia sido fácil criar um blog – ou seja, já possuía os conhecimentos e o fazia com relativa tranquilidade – no entanto, linkar o blog no pbwiki do polo estava “[...]dando mais trabalho”.

Desde 2008/2, quando seu foco passou a ser a escrita acadêmica, o deslumbramento inicial pelo uso de imagens e recursos, como slideshow, deixou de ser importante. Havíamos constatado, na análise do “caminho da escola”, que a escolha por fontes similares ao manuscrito parecia intencional. E essa preferência se manteve em 2010/1, quando ela cria um wiki de estágio em que realiza os registros semanais (planejamentos e reflexões, conforme descrito anteriormente). Destes, destacamos a forma (fonte) dos registros que nos permitem identificar: (a) Primeiramente, na Figura 4, o uso da fonte Lucida Handwriting, que remete à escrita manuscrita e é aplicada a toda parte do texto em que a aluna planeja ou reflete sobre o planejamento; (b) A fonte muda (Figura 5) quando algo é colado à página ou deverá ser impresso para ser entregue aos alunos. Neste último caso, a fonte escolhida é arial, destacando as letras para as crianças do segundo ano e em processo inicial de alfabetização, que, segundo a autora, “[...]deverão fazer a leitura da mesma e colocar para o grande grupo as ideias da letra”. Essa prática se encontra em outras postagens do wiki de estágio, sempre com a mesma lógica; (c) A fonte manuscrita se caracterizou, nesse momento do letramento, como uma das marcas21 dessa aluna no suporte digital; (d) Para concluir a análise, partimos do registro online e perguntamos a LBR se havia um correspondente manuscrito, e ela prontamente nos enviou duas páginas de caderno com parte da atividade que encontramos na web.

O texto da aluna LBR muda muito pouco no trânsito entre os suportes, inclusive pelo fato de ela escolher uma fonte como a Lucida Handwriting, que é similar ao manuscrito. O fato mais significativo, nesse processo, é a interrupção dos registros manuscritos, confirmando a falta de tempo, pois a “problematização” e a “reflexão do dia” são momentos posteriores ao planejamento das atividades, e seria necessário voltar a escrever no caderno, além de fazer o registro online, que o supervisor pode acompanhar. Apreendemos com isso que a aluna ainda planeja/organiza os seus

21 Na tese defendemos o conceito de marcas do autor no manuscrito, considerando que estas “[...] se mantêm após a adoção de outra ferramenta e suporte e também sofrem influências destes, que se materializam no papel” (p. 113). Na época, a aluna adotava certos sinais que relacionavam o manuscrito ao digital, por exemplo, se o texto já havia sido digitado e postado. Para saber mais, ler o item As Marcas do Autor (MACHADO, 2009, p. 113-119).

Page 42: Livro Final

42

pensamentos no papel, porém conclui a atividade, segundo as orientações dos professores, no suporte digital (online).

Sua vivência entre os dois suportes transcende suas práticas pessoais e se manifesta nas atividades realizadas com seus alunos. É possível verificar isso quando ela ilustra simultaneamente o manuscrito e o digital22 produzido por eles.

Quadro 2 – Registros de textos manuscritos dos alunos de LBR23 e tela do blog da turma onde os alunos criaram um texto coletivo.

Manucrito (páginas de cadernos)

Digital (texto coletivo no Blog da turma)

Essas práticas realizadas por LBR com seus alunos confirmam o que já havíamos sugerido ao discutir o futuro do caderno: “[...] talvez a melhor estratégia seja

22 O registro foi extraído do blog da turma e é uma das atividades resultantes do planejamento do dia 12 de maio de 2010, analisado neste estudo. 23 Digitalizados por ela e publicados no seu wiki de estágio. Omitimos os nomes dos alunos, pois o wiki é de acesso restrito.

Page 43: Livro Final

43

manter o que temos e integrar as novas possibilidades”.O novo estado ou condição de LBR possibilita que ela se desafie a construir novas propostas para seus alunos, “nativos da cibercultura”, em ambos os suportes de escrita.

Emília Ferreiro (2003) considera que o simples uso do teclado já desafia os alunos, pois eles vislumbram todas as letras juntas e, ainda por cima, fora de ordem, precisando selecionar aquelas que compõem uma dada palavra. Além deste desafio, a aluna LBR está trabalhando com a produção coletiva da escrita, e os alunos dela podem construir suas hipóteses de escrita e comparar com a dos demais colegas, como é possível observar no texto digital do Quadro 2, em que as mesmas palavras se repetem com grafias diferentes entre os diversos autores. Essa proposta vai além da individualidade do caderno para uma prática de escrita coletiva que prepara os alunos pra outro estado ou condição de letramento.

A figura 6 apresenta uma síntese das mudanças que consideramos mais significativas nas práticas de letramento de LBR, incluindo nestas os impactos nas práticas de seus alunos.

Observa-se a trajetória de valorização do uso de recursos na web para o desenvolvimento de atividades coletivas, dos trabalhos em grupo, nos quais ela sentia que presencialmente era mais fácil fugir do foco. Essa vivência que teve seu primeiro registro em 2009 se reflete na proposta de texto colaborativo que ela sugere como atividade para os seus alunos.

Ao mesmo tempo em que LBR vai ampliando suas práticas de escrita na tela do computador, e postadas diretamente na web, continua a valorizar o uso do caderno e ainda mantém seus registros manuscritos, como apresentamos no Quadro 1.

Figura 6 – Mudanças e impactos ao longo do tempo

Está faltando a figura 6

CONCLUSÕES

O letramento é um processo contínuo de construção e reconstrução. E, este processo se torna evidente através das mudanças observadas no estado ou condição da aluna LBR. A trajetória da aluna mostra seu direcionamento para o uso mais apropriado do computador e da rede ao secundarizar os registros no caderno. Os efeitos disso transcendem o curso e alcançam a sala de aula da aluna-professora. Os registros das práticas de escrita propostos por LBR aos seus alunos nos revelam que ela oferece a oportunidade deles explorarem diferentes tecnologias de escrita em diferentes suportes. Seus próprios alunos vivenciaram possibilidades que ampliam suas hipóteses de escrita e os desafiam na busca de estratégias de superação. O professor em formação se constitui, portanto, num importante agente multiplicador de novos letramentos.

A netnografia permitiu a análise da trajetória longitudinal de uma aluna e os diferentes conflitos que enfrenta ao ter que lidar com suportes que exigem novas acomodações da aprendizagem.

Page 44: Livro Final

44

As possibilidades abertas pela forma proposta neste curso a distância contemplaram sua realização predominantemente via web, exigindo uma proposta pedagógica diferenciada que se distinguiu por trabalhar com a interação virtual entre todos os membros desta comunidade. Esta proposta contemplou a inclusão digital da perspectiva de inserção dos sujeitos e realização das atividades no modo digital, mas, sobretudo, a inserção dos alunos à cibercidadania através do desenvolvimento de letramentos endereçados ao uso da web e das redes.

É este contexto que exigiu e permitiu as mudanças nas práticas de letramento da aluna LBR e de todos os outros alunos. Com isso, construiu-se a valorização da interação no suporte digital e a incorporação ao cotidiano. Por fim, é possível dizer que o investimento na formação de professores com o uso de tecnologias de informação e comunicação, contribui não apenas para a inclusão digital destes, mas de todos os seus alunos, sendo talvez uma das ações mais importantes com vistas ao uso competente das tecnologias de informação e comunicação.

REFERÊNCIAS

ASSOLINI, F. E. P.; TFOUNI, L. V. . Letramento e trabalho pedagógico. Revista Eletrônica Moçambrás, p. 36-52, 2006. http://www.mocambras.org

CANCLINI, G. N. Diferentes, desiguales y desconectados. Mapas da Interculturalidad. Barcelona: Gedisa editorial, 2004.

BRASIL. Livro Verde. 2000.

CARVALHO, M.J.S.; PORTO, L. S. Portfólio Educacional: proposta alternativa de avaliação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.

CARVALHO, M. J.; NEVADO, R. A.; BORDAS, M. C. Guia do aluno. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2006. Disponível em: http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/pead-informacoes/ Acessado em: 03/06/2011.

CHARTIER, R. O mundo como representação. Estud. av. , São Paulo, v. 5, n. 11, 1991. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 40141991000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 July 2008. doi: 10.1590/S0103-40141991000100010

_____. Do códice ao monitor: a trajetória do escrito. Estud. av. , São Paulo, v. 8, n. 21, 1994 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 July 2008. doi: 10.1590/S0103-40141994000200012

_____. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Trad.: Reginaldo de Moraes. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999.

COSCARELLI, C. V. (org.) Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. 3.ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

Page 45: Livro Final

45

_____. RIBEIRO, A. E. (orgs.) Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005.

FERREIRO, E. La revolución informática y los procesos de lectura y escritura. Estud. av. , São Paulo, v. 11, n. 29, abr. 1997 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141997000100015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 nov. 2008. doi: 10.1590/S0103-40141997000100015.

_____. TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Trad. Diana Myriam Lichtenstein, Liana de Marco e Mario Corso. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

_____. Reflexões sobre alfabetização. 24.ª ed. Atual. São Paulo: Cortez, 2001.

_____. Alfabetização e cultura escrita. Entrevista, maio/2003. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0162/aberto/mt_245461.shtml e capturada em: 21/10/2008.

FERREIRO, E. Alfabetização e cultura escrita. Revista Nova Escola, n.162, maio de 2003.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo. 1996 (Coleção Leitura).

GOODY, J. The domestication of the savage mind. New York: Cambridge University Press, 1977.

HAAS, C. Writing technology: studies on the materiality of literacy. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1996.

HAVELOCK, E. A. Preface to Plato. Cambridge, Mass.; London: Belknap Press, 1982, c1963.

KLEIMAN, A. B. Modelos de Letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. 8.ª reimpr. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995. p. 15-61.

_____. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. 8.ª reimpr. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995.

ONG, W. J. Writing is a technology that restructures thought. In: BAUMANN, G. The written word: literacy in transition. Oxford: Clarendon, 1986, p. 23-50.

MONTARDO, S. P.; PASSERINO, L. Estudo dos blogs a partir da Netnografia: possibilidades e limitações. RENOTE: Revista Novas Tecnologias na Educação. V.4, n.2, dezembro de 2006. Disponível em: http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2006/artigosrenote/25065.pdf capturado em: 07/08/2008.

SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 81, Dec. 2002 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302002008100008&lng=en&nrm=iso>. access on 03 June 2011. doi: 10.1590/S0101-73302002008100008.

Page 46: Livro Final

46

SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003a.

SOARES, M. Letramento e Escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. et al.(org.) Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, p. 89-113, 2003b.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003c.

SOUZA, V. S. Letramento digital contextualizado: uma experiência na formação continuada de professores. Dissertação de Mestrado, 2007. 244p. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Linguística, 2007.

STREET, B V. Literacy in theory and practice. 3.ªed. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

____. Abordagens alternativas ao letramento e desenvolvimento. Paper entregue após a Teleconferência Unesco Brasil sobre “Letramento e Diversidade”, 2003.

TFOUNI, L. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.

TEIXEIRA, A. C. Inclusão digital: novas perspectivas para a informática educativa. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.

TEIXEIRA, A. C. FRANCO, S.R.K. O projeto de Emersão Tecnológica de Professores como Experiência de Inclusão Digital. VII Simpósio Internacional de Informática Educativa – SIIE05. Leiria, Portugal, 16-18 Nov., 2005, p. 287-392.

Page 47: Livro Final

47

Arquiteturas pedagógicas nas práticas das alunas do PEAD: ensaio, relato e considerações.

Daiane Grassi1, Marie Jane Soares de Carvalho2

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo evidencia o trabalho realizado com as alunas do primeiro curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PEAD – sobre arquiteturas pedagógicas. As participantes, além de alunas, são professoras em exercício na rede pública, integrantes do primeiro curso de Pedagogia a Distância3 da Universidade, as quais são denominadas, neste artigo, por “alunas-professoras”. Ao longo do percurso, as alunas-professoras, após vivenciarem, na prática 4, como ocorre uma arquitetura pedagógica, embasaram-se teoricamente, estudaram, discutiram e iniciaram seus primeiros ensaios docentes fazendo uso de arquiteturas e se preparando para os estágios de final de curso. O estudo de um caso e o registro do seu processo em documento científico torna-se valoroso por evidenciar a tomada de consciência de uma aluna em relação a sua aprendizagem e ação docente, suas tentativas, reflexões, dificuldades e as soluções encontradas.

Desta forma, este artigo assumiu como desafio, evidenciar como5 a vivência em um curso embasado por arquiteturas pedagógicas abertas e flexíveis oportunizou uma ressignificação da prática e na prática de uma aluna-professora do PEAD.

1 email: [email protected] 2 email: [email protected] 3 O curso de Pedagogia a Distância da UFRGS – PEAD trata-se de um consórcio realizado entre a Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS) e o centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (CCE/UFSC). Este visa graduar em nível superior professores já em exercício nas séries iniciais do ensino fundamental, de escolas públicas estaduais e municipais do Estado do Rio Grande do Sul. 4 “Vivenciar na prática” em razão de o PEAD estar ancorado sob o conceito de arquiteturas pedagógicas. 5 A palavra “como” está marcada em itálico de maneira a enfatizar a característica principal do método utilizado, estudos de casos.

Page 48: Livro Final

48

2 ARQUITETURAS PEDAGÓGICAS PARA A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: o cenário, suas perspectivas e um breve diálogo.

O conceito de arquiteturas pedagógicas - AP para a educação a distância tem sido explorado no contexto educacional desde sua criação em 2005 pelos pesquisadores vinculados ao curso de Pedagogia, na modalidade a distância da UFRGS (Carvalho, Nevado, Menezes, 2005). Todavia, em razão de se apresentar como algo novo e em movimento, cede espaço à possibilidade de inúmeras interpretações. Diante disso, buscou-se agregar visões do meio acadêmico, de maneira a contribuir com as reflexões realizadas nesta área.

As primeiras discussões sobre a necessidade de "um novo paradigma pedagógico" surgiu com as inquietações dos autores Carvalho, Nevado e Menezes (2005, 2007, 2009a) com relação a:

(...) Programas e estratégias educacionais pensados como ferramentas didáticas sem sustentação em teorias curriculares interdisciplinares que têm diminuta repercussão na formação dos professores e consequentemente na alteração das práticas escolares. O efeito mais comum das ferramentas didáticas sem o aporte teórico é o seu uso como “receita” ou como mais uma “novidade”, logo adiante descartável. (...).

A partir daí, estudos e incursões pedagógicas foram realizados pelo trio de autores, em busca de estratégias que sustentassem a necessidade do novo paradigma pedagógico, há muito tempo advogado por Paulo Freire e sintetizado na Pedagogia da Autonomia [Freire 1999]. Articulado à perspectiva freireana, destaca-se o encontro com outro autor, Jean Piaget.

Após uma série de artigos, workshops e estudos realizados na área (de 2005 a 2009), os mesmos autores, publicam uma versão revisada e aprofundada no livro Aprendizagem em Rede na Educação a Distância, o capítulo 2: Arquiteturas pedagógicas para educação a distância. Este, além de enfatizar novamente o pressuposto de uma AP como:

estruturas de aprendizagem realizadas a partir da confluência de diferentes componentes - abordagem pedagógica, software educacional, internet, inteligência artificial, concepções de tempo espaço (...) compondo um trabalho artesanal, construído na vivência de experiências e na demanda de ação, interação e meta-reflexão do sujeito sobre os dados, os objetos e o meio ambiente socioecológico. Os pressupostos curriculares nesta perspectiva, compreendem pedagogias abertas capazes de acolher didáticas flexíveis, maleáveis, adaptáveis e sob diferentes enfoques (CARVALHO, MENEZES e NEVADO, 2007 p.39)

Traz-nos também um elenco sob o qual estão ancorados os componentes fundamentais de uma arquitetura pedagógica: concepção pedagógica forte, sistematização metodológica e suporte telemático. Cada um desses elementos possui o seu grau de importância, não sobressaindo-se um ao outro. Diante disso, os agentes do processo devem primar por uma visão equilibrada entre os itens mencionados. Observa-se que o foco do conceito, criado por estes autores, é o contexto pedagógico que se

Page 49: Livro Final

49

expressa em ações e conteúdos desenvolvidos com vistas à sua inserção e realização no cotidiano da prática de um curso em qualquer nível de ensino. Destacam-se, como arquitetura pedagógica, o conteúdo e a prática didática que se processam no cotidiano ao se desdobrar o currículo. A expressão do conceito é da ordem da epistemologia do ato pedagógico, no contexto das tecnologias emergentes.

O olhar realizado por Behar, Bernardi e Silva (2009) acerca da mesma temática se distancia da abordagem original. As autoras registram que: (...) uma arquitetura pedagógica se define por um sistema de premissas teóricas que representa, explica e orienta a forma como se aborda o currículo e que se concretiza nas práticas pedagógicas e nas interações professor-aluno-objeto de estudo/conhecimento. (...). Nesta perspectiva, os autores elencam como prioritários os seguintes elementos: sistema organizacional, instrucional, metodológicos e tecnológicos. A interpretação atribuída remete ao currículo, como um todo, e não propriamente à epistemologia do ato pedagógico, enfatizado por Carvalho et. Al (2007).

A partir do exposto, julgou-se necessário estabelecer um diálogo entre as duas perspectivas evidenciadas. Em tal diálogo não se pretende realizar uma comparação entre tais perspectivas, mas sim agregar subsídios importantes para o pensar e estruturar uma arquitetura pedagógica na modalidade de Educação a Distância. Paralelo a esta ação, ainda acredita-se ser instigante, articular a relação entre estas duas visões a um caso ancorado em uma arquitetura pedagógica fundamentada, sobretudo, no primeiro pressuposto apresentado e desenvolvido junto ao curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PEAD.

3 O “CASO” DIANTE DE PERSPECTIVAS DIVERGENTES

A seguir, o cruzamento do “caso” com as definições sobre arquiteturas pedagógicas:

1) Elementos de uma arquitetura pedagógica para educação a

distância conforme Carvalho, Menezes e Nevado (2005, 2007 e

2009a):

2) O diálogo entre perspectivas de arquiteturas pedagógicas com o

“caso” sobre a utilização de arquiteturas pedagógicas no

primeiro curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul.

3) Elementos de uma arquitetura pedagógica para educação a distância conforme Behar, Bernardi e Silva (2009):

Concepção pedagógica forte: partindo-se do pressuposto assentado em Pedagogias de Incertezas que sintetiza principalmente, mas não exclusivamente, as ideias de Paulo Freire e Jean Piaget. A Pedagogia da Incerteza se assenta em cinco princípios:

• Educar para a busca de soluções de

problemas reais; • Educar para transformar

informações em conhecimentos; • Educar para a autoria, a expressão

e a interlocução; • Educar para investigação e • Educar para a autonomia e a

cooperação.

O caso utilizado para ilustrar Arquiteturas Pedagógicas na Educação a Distância e dialogar com as duas perspectivas em questão, trata-se dos Projetos de Aprendizagem realizados pelos alunos do primeiro curso de Pedagogia a Distância da UFRGS - PEAD. O PEAD é, ao mesmo tempo, um curso de formação inicial e continuada de professores. Por conta dessa especificidade, o Projeto Político Pedagógico do curso se organiza sob três pressupostos, conforme Borda, Carvalho e Nevado (2006, p.19):

• autonomia relativa da organização curricular, considerando as características e experiências específicas da clientela -

Organizacionais: Dentre os elementos organizacionais da arquitetura pedagógica (AP), estão todos aqueles intrinsecamente envolvidos na elaboração da proposta pedagógica e sua culminância. Destacam-se os objetivos e finalidades da aprendizagem a distância, a compreensão do tempo e do espaço (neste caso pautados na perspectiva da virtualidade), os perfis dos sujeitos envolvidos no processo – o aluno, tutor e professor, bem como a definição das suas competências e habilidades. Os aspectos organizacionais precisam estar em consonância com o Projeto Político

Page 50: Livro Final

50

Sistematização

metodológica: a confluência de elementos é que permitem aos estudantes disporem de atividades cognitivamente instigantes e desenvolver métodos de trabalhos interativos e construtivos. Exemplo de arquiteturas nesta perspectiva:

• Arquitetura de projetos de aprendizagem (exemplo adotado no caso - 2a coluna desta tabela);

• Arquitetura de estudo de caso ou resolução de problemas;

• Arquitetura de aprendizagem incidente e;

• Arquitetura de ação simulada. Suporte telemático: a

utilização dos recursos tecnológicos nestes exemplos se configuram como auxiliares artesanais no processo. Faz-se uso principalmente de recursos da web 2.0 e softwares.

professores em serviço;

• Articulação entre Prática Pedagógica como elemento aglutinador dos demais componentes do currículo, constituindo-se em estratégia básica do processo de formação de professores e

• Articulação dos componentes curriculares entre si, no semestre e ao longo do curso.

, evidencia-se o que Behar, Bernardi e Silva (2009), chamam de elementos organizacionais (elaboração da proposta pedagógica e sua culminância, bem como questões institucionais) e o que Carvalho, Menezes e Nevado (2007) incluem em "concepção pedagógica forte". Nesta perspectiva, o segundo grupo enfatiza que um dos pressupostos de arquitetura pedagógica é a compreenção de pedagogias abertas capazes de acolher didáticas flexíveis, maleáveis e adaptáveis. Prosseguindo na questão de uma concepção pedagógica forte e sustentável destaca-se a Pedagogia da Incerteza e os seus princípios citados na coluna ao lado esquerdo. Com a finalidade de ilustrar a Pedagogia da Incerteza, apresenta-se uma arquitetura pedagógica baseada em projetos de aprendizagem (conforme sistematização metodológica, de acordo com o grupo da 1a coluna). Quando mencionamos o trabalho por projetos de aprendizagem ou conforme Fagundes, Maçada e Sato (1999) “aprendizagem por projetos” estamos nos referindo à formulação de questões pelo autor do projeto, pelo sujeito que vai construir conhecimento. Parte-se do princípio de que o aluno nunca é uma tábula rasa (...). E é a partir de seu conhecimento prévio, que o aprendiz vai se movimentar, interagir com o desconhecido, ou com novas situações, para se apropriar do conhecimento específico – seja nas ciências, nas artes, na cultura tradicional ou na cultura em transformação. Um projeto para aprender vai ser gerado pelos conflitos, pelas perturbações nesse sistema de significações, que constituem o conhecimento particular do aprendiz. Os alunos do curso de Pedagogia a Distância da UFRGS, desenvolveram projetos de aprendizagem. Metodologicamente os mesmos se apresentaram com a formulação de problemas a partir

Pedagógico da EAD e o Plano de Desenvolvimento Institucional no nível macro e com o Projeto Pedagógico de Curso no nível micro e os demais pressupostos que integram a gestão da EAD. Com a articulação dos planejamentos e de suas propostas será mais viável atender aos objetivos traçados.

Instrucionais: Os aspectos instrucionais estão relacionados, “ao ‘o quê’ será trabalhado”. Com relação aos elementos instrucionais, estão sendo considerados todas as formas e formatos (impresso, digitalizado, imagético,...) da proposição dos conteúdos de ensino. Estes podem ser disponibilizados através de recursos informáticos (como objetos de aprendizagem, softwares educativos ou mesmo páginas web, hipertextos) e demais ferramentas de aprendizagem, de forma isolada ou agregada. Independe-se o tipo de conteúdo que se queira trabalhar, seja este conceitual, fatual, atitudinal, ou procedimental, conforme a interpretação de Zabala (1999). Esse conjunto de elementos deve ser cuidadosamente definido, para que, a partir deles, seja possível construir conhecimento e desenvolver capacidades. Vislumbra-se, assim, a importância do processo de seleção de conteúdo, com destaque para a construção de objetos de aprendizagem, a fim de estes serem trabalhados com motivação e interesse na proposta pedagógica como um todo.

Metodológicos: Dentre os aspectos metodológicos constituintes de uma AP, estão as atividades, as formas de interação/comunicação a serem utilizadas, os procedimentos de avaliação adotados e a organização desse conjunto de elementos numa determinada ordenação.

Portanto, não se trata somente da seleção das técnicas, procedimentos e dos recursos informáticos a serem utilizados na aula, mas de articular e estruturar a proposta pedagógica anteriormente elaborada, combinando os elementos para o alcance dos objetivos almejados. Logo, compreende-se que esta ordenação e as relações constituídas podem vir a determinar as características da intervenção pedagógica. A ordenação do conjunto de elementos é

Page 51: Livro Final

51

das certezas provisórias e dúvidas permanentes do pesquisador. De acordo com Carvalho, Menezes e Nevado (2007, p.41), o primeiro passo é selecionar uma curiosidade, uma pergunta, a qual para fins didáticos denomina-se de "Questão de Investigação". Para Paulo Freire apud in Almeida e Streck (2008, p.319) a pergunta constitui o centro da “concepção problematizadora da educação”. A pergunta parte da curiosidade, sem a qual não pode haver verdadeira produção do conhecimento. Freire a compreende como uma dimensão ontológica, vinculada à práxis do sujeito. A curiosidade está associada à ação e à reflexão dos sujeitos comunicantes, e é essa relação dialética que se realiza a indagação. No fundo, a curiosidade é uma pergunta. Neste ponto, as duas perspectivas (coluna esquerda e direita) divergem quando a primeira se apresenta de forma aberta e possível de ser construída e reconstruída, flexível e dinâmica e a segunda, de maneira previamente desenhada (aspectos instrucional e metodológico). Os projetos de aprendizagens dos alunos do curso de Pedagogia da UFRGS podem ser acompanhados também através do site: peadalvorada7.pbworks.com. Todavia, escolheu-se de forma aleatória um projeto para ser incorporado neste diálogo: “Projeto de Aprendizagem – A cor influencia o comportamento humano?

http://tcheensino.pbworks.com/”. Neste trabalho os alunos se reuniram em grupos por critérios de afetividade, conversaram, refletiram... E evidenciaram uma pergunta de comum curiosidade a todos os componentes do grupo. A partir da pergunta, criaram um site na internet (suporte telemático e tecnológico) para que o trabalho pudesse ser construído de forma colaborativa e a distância. A combinação do grupo era de que todos os componentes evidenciassem em uma página do site as suas certezas provisórias e dúvidas permanentes. Neste trabalho os alunos foram acompanhados e assessorados por professores e tutores que realizavam indagações e mediavam o processo de aprendizagem. Através da navegação na produção do grupo é possível identificar as suas construções, os

determinada por Zabala (1999) como seqüência didática ou de atividades. Desta forma percebe-se que a elaboração, seleção e organização dos elementos metodológicos estão intimamente relacionados aos pressupostos didáticos definidos para a aplicação do projeto pedagógico de curso e, conseqüentemente, de suas disciplinas. Como já foi apontado, de acordo com a legislação que respalda as práticas da EAD, a avaliação precisa contemplar uma atividade final realizada presencialmente.

Tecnológicos: estão inseridos a definição da plataforma tecnológica e suas funcionalidades, bem como recursos destinados à promoção da comunicação (síncrona e/ou assíncrona), como a videoconferência (Behar, 2007; 2009). Estes ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) são propostos para fornecer suporte aos processos de ensino-aprendizagem na modalidade EAD. Ressalta-se, entretanto, que cada ambiente foi construído tendo como premissa implícita ou explícita uma ou mais concepções de aprendizagem. É importante observar se a plataforma a ser selecionada corrobora a proposta pedagógica adotada, atendendo as características do curso e das disciplinas.

Page 52: Livro Final

52

envolvimentos tecnológicos como suporte e apoio no desafio proposto. Os alunos, de forma autônoma, utilizavam recursos tecnológicos tais como a construção de mapas conceituais (em programa específico para isso), marcavam reuniões em ferramentas de bate-papo síncrona, utilizavam-se de vídeos encontrados na web, além das produções autorais.

A partir do entrelaçamento estabelecido entre as perspectivas com o caso, foi possível perceber quantos cuidados e articulações são necessárias quando se deseja pensar e praticar uma educação libertadora6, que contraponha a perspectiva de educação bancária (estilo fast food), comentada nas obras de Paulo Freire. Enquanto a perspectiva da 1a coluna deteve o seu olhar prioritariamente nas questões pedagógicas de uma arquitetura (baseada na construção, aberta e flexível), a perspectiva da 3a coluna se deteve em olhar aspectos mais administrativos/institucionais da pedagogia. O que não significa estar agindo de forma errônea. Significa não priorizar essencialmente o conceito de pedagogia como o ato primário de aprendizagem. A primeira perspectiva enfatiza uma pedagogia artesanal, tecida pelos sujeitos envolvidos a partir das necessidades evidenciadas por eles; a segunda perspectiva enfatiza que em grande parte dos cursos desenvolvidos na modalidade a distância seja adotada oficialmente uma arquitetura, formada por uma proposta de planejamento, que envolve a pré-definição de conteúdos e demais aspectos metodológicos e tecnológicos de um curso. Os âmbitos organizacionais, instrucionais, metodológicos e tecnológicos se encontram num quadro definido e definidor das práticas subseqüentes, o que determina maior investimento institucional em detrimento do investimento pessoal e autônomo dos agentes educacionais, em particular dos estudantes.

4 O ENSAIO ...

Para iniciar o trabalho sobre arquiteturas pedagógicas baseadas no conceito de essencialidade e foco na construção do saber, de maneira flexível e artesanal, com as

6 Libertação é um conceito central no pensamento freireano, intrinsecamente vinculado a liberdade, conscientização e revolução. Freire descreve a libertação como uma práxis, “a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. (JONES apud in STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2008 – p. 247)

Page 53: Livro Final

53

alunas do Pólo do Município de Alvorada7, foi proposta pelo Seminário Integrador VII8, a seguinte atividade a distância:

“Em pequenos grupos elaborar uma atividade a ser desenvolvida com seus alunos. O planejamento desta atividade, necessariamente, deve levar em conta: o material lido e discutido no SI VII9 e ter presente, no mínimo, três elementos considerados como constitutivos de um trabalho diferenciado10.

Desta forma, as alunas-professoras se organizaram em trios, duplas e uma aluna opcionalmente de maneira individual e iniciaram as construções. O primeiro cronograma de desafios às alunas-professoras previa a criação da arquitetura pedagógica, a testagem da mesma e a análise e discussão da ação desenvolvida, a partir dos registros e produções dos alunos e relatórios dos professores. Todavia, em razão da proposta ter sido realizada no final do semestre, mês de dezembro, obteve-se dificuldades na realização das práticas nas escolas.

Em meio a todas as dificuldades, houve grupos que conseguiram avançar significativamente em seus trabalhos. Principalmente em negociações muito criativas com as direções das escolas, com colegas e com seus alunos, para se adequarem às necessidades de uso mais intenso dos laboratórios pelo período que viabilizaria a prática. Outros, ainda, apesar de não terem chance de usar laboratórios de informática, também foram criativos em alternativas com outras tecnologias tais como fotos, vídeos, entre outros.

Os trabalhos realizados pelas alunas-professoras foram orientados pelas professoras e tutoras do curso de maneira que fossem contemplados os três itens já mencionados de uma arquitetura que prima pelo ato pedagógico: o uso de tecnologias digitais, uma teoria de base e uma metodologia de trabalho (com objetivos e metas claramente expostas, explicitando os conceitos a serem trabalhados e as competências a serem desenvolvidas).

7 Polos: para a definição da área física de abrangência do Curso, foi considerada a localização de escolas que acolhessem os Polos com a infra-estrutura necessária, em geral mantida pelas Secretarias Municipais de Educação. Os Polos visam assegurar, aos alunos o uso das tecnologias de informação e comunicação. 8 Seminário Integrador: a ideia do curso é romper com a organização disciplinar e instaurar interdisciplinas que articulem os conhecimentos específicos, teóricos e práticos, em cada semestre. Essa articulação é garantida por Seminários Integradores que ocorre em todos os semestres. 9 O material lido foi “Arquiteturas Pedagógicas para Educação a Distância, uma versão revisada do artigo Arquiteturas Pedagógicas para Educação a Distância: Concepções e Suporte Telemático originalmente apresentado no XVI SimpósioBrasileiro de Informática na Educação e publicado nos anais do simpósio. Cf. Carvalho, M. J. S., R. A. D. Nevado, et al. Arquiteturas pedagógicas para Educação a Distância: concepções e suporte telemático. Anais - XVI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, v.1, p.362-372. 2005. 10 Elementos constitutivos de um trabalho diferenciado – dinâmica trabalhada em aula presencial.

Page 54: Livro Final

54

Uns grupos optaram por trabalhar com desafios investigativos, outros com releituras e outros ainda com produções textuais colaborativas. A sistemática por seguir e evidenciar na escrita da arquitetura a indicação dos três itens solicitados (tecnologia, teoria de base e metodologia) foi adotada pelos grupos.

O caso escolhido para a análise não reflete um modelo de sucesso a ser seguido para desenvolver uma arquitetura pedagógica. No entanto é uma proposta que evidencia a busca pela inovação por parte da aluna-professora, suas angústias, sua autocrítica, seus medos e alguns desafios vencidos pela mesma.

5 O RELATO ...

Em “O Relato” é possível verificar os desafios pelos quais passou a aluna-professora em questão, bem como as articulações realizadas para que de fato, a mesma pudesse resolvê-los da melhor forma, ou pelo menos, iniciar uma tentativa de resolução.

A análise deste percurso teve como fonte de pesquisa, o portfólio de aprendizagem11 da aluna-professora, disponibilizado na web, por meio da ferramenta blog12. Além disso, tal caso foi também apresentado pela aluna-professora no workshop de avaliação13 presencial do curso.

Ao iniciar a sua postagem14 de tomada de consciência em relação ao seu processo de aprendizagem, a aluna evidencia o desafio pelo qual está sendo instigada a resolver. Tal perspectiva vai ao encontro da proposta de arquitetura pedagógica do curso: resolução de problemas, autonomia e autoria. Nesta perspectiva a aluna reflete que:

(...) No dia 16 de dezembro teríamos a apresentação de algo que comprovasse nosso crescimento no semestre que estava prestes a terminar. O que apresentar? Nos outros semestres esta sempre era a pergunta, mas logo vinha a solução. Desta vez não encontrava respostas. Remoí esta pergunta uma semana inteira. O que fazer? Estava muito preocupada, pois não consegui colocar em prática as ‘arquiteturas pedagógicas’ na escola em que trabalho, por não ter ambiente informatizado. E as preocupações não pararam por aí, pois o estágio seria em cima destas ‘arquiteturas’. Logo deveria ser em

11 Portfólio de Aprendizagem: Registro de todas as evidências de aprendizagens de cada aluno. 12 Blog: um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados "posts". Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog. 13 Workshop de Avaliação: momento presencial em que o aluno apresenta uma aprendizagem significativa do semestre em questão. 14 Endereço da postagem: http://malucostapead.blogspot.com/2010/01/lan-house-uma-aliada.html

Page 55: Livro Final

55

um ambiente informatizado, e a maioria das escolas com ambiente informatizado não tem acesso a internet.

Diante da situação problema, “não ter acesso a um ambiente informatizado”, a aluna-professora pensou em algumas alternativas para a resolução do mesmo, no entanto, conforme evidencia em sua postagem, na íntegra, não lhe pareciam as melhores. Foi quando ainda sem resolução para o seu problema, resolveu lançar o desafio aos alunos: “(...) vamos fazer um trabalho de pesquisa na internet sobre aquecimento global? (...), segundo a professora, este era um tema muito comentado em sala de aula e todos gostaram e aprovaram o desafio. Nesta perspectiva:

Duas alunas disseram que já estavam com internet em casa e montaram seus grupos para se reunirem lá. Uma iria para a casa do pai no final de semana e poderia pesquisar e trazer na segunda. Outros três disseram que iriam a uma lan house15. Perguntaram como deveriam entregar o trabalho, e eu disse que deveriam abrir uma página na internet e colocar tudo o que foi pesquisado para que outras pessoas pudessem utilizar essas informações. Um perguntou se o rapaz da lan house poderia ajudar, já que noutro dia o mesmo ajudou a abrir o Orkut. Então eu disse: - Porque não vamos todos para a lan house? - Como assim?! – Perguntaram. - Vamos ter nossa aula na lan house, completei.

Conforme o relato da aluna-professora, os alunos sentiram-se motivados por utilizar este novo recurso. O recurso era o que os instigavam. Nesta perspectiva é necessário cautela ao propor um trabalho de pesquisa utilizando recursos da web para que o foco não seja a ferramenta, mas sim a pesquisa e a construção que a mesma possibilita. Uma metodologia e o planejamento também são necessários, de acordo com a perspectiva de arquitetura pedagógica. E neste planejamento, é necessário envolver e comprometer os alunos, para que os mesmos sejam autores e co-autores de conhecimentos.

(...) A alegria foi geral (...) comenta a aluna-professora. Sim, trabalhar com o novo pode ser extremamente desafiador aos alunos. O desafio e a responsabilidade que circulava naquela turma de alunos os fez articular como iriam para a lan house, quando e quanto pagariam pelo serviço, quem os levariam... Questões que também poderiam ter sido trabalhadas no projeto. (...) os alunos deixaram a escola com uma grande responsabilidade, marcar esta atividade e conseguir um preço justo (...). Ao definirem a lan house que iriam utilizar para o trabalho de pesquisa, foi só aguardar o dia.

As 14hs levei 18 alunos para a lan house e pedi para uma tia nos acompanhar. O rapaz da lan house havia conseguido mais cadeiras para todos ficarem confortáveis.

15 Lan House: um estabelecimento comercial onde as pessoas podem pagar para utilizar um computador com acesso à internet e a uma rede local, com o principal fim de acesso à informação.

Page 56: Livro Final

56

Na verdade eu não sabia exatamente como proceder, fiquei um pouco atrapalhada por ser a primeira experiência. Mas, a primeira coisa que fiz foi explicar sobre a página que abriríamos que era igual a minha e mostrei meu pbworks. Eles ficaram maravilhados, pois encontraram seus trabalhos postados na página. Eu permiti que eles mexessem no site para matar a curiosidade. Disse-lhes que para abrir a página deveríamos ter um e-mail da turma e foi o que fizemos. Logo todos queriam abrir o seu e eu permiti. Para facilitar o acesso entre os computadores o rapaz retirou as divisórias. Pude assim me deslocar com mais agilidade. Os primeiros a fazer seus e-mails também foram ajudando os outros. Depois mostrei como abrir um pbworks.

Estabelecer parcerias, certamente é uma estratégia fundamental para trabalhar com grupos de alunos, especialmente desses cenários (escola pública e sem muitos recursos). Tanto a parceria com o “rapaz” da lan house, como com os alunos propriamente ditos, garantiu parte do sucesso do trabalho. Nesta perspectiva evidencia-se a importância de se ter primeiramente definido o ato pedagógico. Que, com este aspecto bem fortalecido e embasado, posteriormente as questões administrativas/institucionais/estruturais definem-se, acontecem.

Nesta perspectiva, ao refletir sobre “O Relato”, não coube aqui julgar os acertos e os erros, mas sim evidenciar a tomada de consciência da aluna-professora, sobre o seu próprio processo. Até porque esta análise já foi realizada pela mesma e consta em seu planejamento para 2010:

Mas o que eu queria observar eu consegui. A minha apresentação, não seria sobre a página que abrimos ou a pesquisa que fizemos, mas sobre esta experiência que tivemos. Volto ao título da postagem, Lan House, uma aliada? Eu diria que sim. Sei que foram três horas e parece pouco, mas realmente dá para termos uma ideia. Se tivéssemos começado no início do ano, trabalharíamos primeiro as curiosidades e o manuseio da máquina, com uma aula semanal ou quinzenal. Acredito que possamos fazer um belo trabalho, com a participação de todos.

Certamente o tempo que ficaram em interação no ambiente informatizado, foi muito enriquecedor, pela novidade, pelo fato de utilizarem as ferramentas tecnológicas na educação. A reflexão sobre o processo, realizada pela aluna-professora é algo que deve ser considerado como um crescimento, pois a partir desta ela pode tomar consciência da necessidade de um planejamento por etapas: apresentar o laboratório, traçar os objetivos e negociá-los com os alunos antes de “colocarem a mão na massa” de fato. Para a aluna:

O mundo se renova e cria novas formas para que todos possam usufruir de suas inovações. Apenas as escolas continuam sem renovação. Não adianta reciclarem os professores, se eles não têm como aplicar suas ideias. Se eu tivesse um notebook e um Datashow daria aulas maravilhosas. Geografia seria apaixonante. Mas dizem que sonhar não paga imposto, mas frustra, porque tu teres o conhecimento e não poder usar é muito pior. O rapaz da Lan House disse que poderia colocar um aparelho que interliga os computadores e facilitaria o acesso dos alunos. Sei que se conversarmos com os atendentes das Lan Houses poderíamos ter mais colaboração, porque também estaríamos ajudando a expandir seu negócio.

Page 57: Livro Final

57

Nesta perspectiva, através do relato de experiência da aluna-professora foi possível perceber que sim, “adianta” reciclarem os professores! Pois, se não fosse o embasamento oportunizado no PEAD, bem como o desafio de criar uma arquitetura pedagógica com os seus alunos, talvez esta experiência com a lan house não tivesse ocorrido. Diante disso:

Se quisermos mudar esta realidade temos que agir usando as armas que estão a nossa disposição, “Lan House, uma grande aliada!”.

Postagem extraída do blog de uma aluna-professora.

6 E AS CONSIDERAÇÕES ... AINDA QUE PROVISÓRIAS E EM MOVIMENTO.

Ao realizar as considerações, ainda que provisórias e em possível movimento, em relação a este artigo, torna-se necessário reforçar a proposta do mesmo: mostrar como a vivência em um curso ancorado em arquiteturas pedagógicas abertas e flexíveis oportunizou uma ressignificação da prática [e na prática!] de uma aluna-professora do curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal do RS. O objetivo da análise não foi realizar um julgamento sobre posicionamentos certos e errados, tão pouco apresentar uma proposta modelo de arquiteturas pedagógicas a ser seguido, mas sim, evidenciar os primeiros passos de uma possível trajetória baseada na aprendizagem, no ato pedagógico, bem como, um possível novo elemento a ser observado em arquiteturas pedagógicas: o envolvimento social da comunidade.

Nesta perspectiva, como a vivência em um curso embasado por arquiteturas pedagógicas abertas e flexíveis oportunizou a ressignificação da prática de uma aluna-professora do PEAD?

• Pelo desafio do primeiro problema: oportunizar a vivência de uma arquitetura pedagógica em sua sala de aula;

• Pela experiência vivenciada ao longo do curso, PEAD, com pesquisa, construção de conhecimento e autoria;

• Pelo contato com as tecnologias digitais: internet, e-mail e páginas pessoais e

• Principalmente, por ter percebido e vivenciado a arte de aprender a aprender, por parte de todos os envolvidos.

REFERÊNCIAS

Page 58: Livro Final

58

BEHAR. Patrícia Alejandra; BERNARDI, Maira; SILVA, Kétia Kellen Araúdo da. Arquiteturas Pedagógicas para a Educação a Distância: a construção e validação de um objeto de aprendizagem. Acesso dia 16 de setembro de 2009 em www.cinted.ufrgs.br/renote/jul2009/artigos/12e_patricia.pdf.

BORDAS, Mérion Campos; CARVALHO, Marie Jane Soares de; NEVADO, Rosane Aragón de. Licenciatura em Pedagogia a Distância – Anos iniciais do Ensino Fundamental: Guia do Tutor. Porto Alegre, Julho de 2006.

CARVALHO, Marie Jane Soares de; MENEZES, Crediné Silva de e NEVADO, Rosane Aragón de. Arquiteturas Pedagógicas para Educação a Distância: Concepções e Suporte Telemático. Acesso dia 16 de setembro de 2009a em: http://vipzprofes.pbworks.com/f/arquiteturas_pedagogicas_sbie2005.pdf.

CARVALHO, Marie Jane Soares de; MENEZES, Crediné Silva de; NEVADO, Rosane Aragón de. Arquiteturas Pedagógicas para Educação a Distância. In.: _______. Aprendizagem em rede na educação a distância: estudos e recursos para formação de professores. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2007, p.15-52.

FAGUNDES, Léa da Cruz; MAÇADA, Débora Laurino; SATO, Luciane Sayuri. Aprendizes do Futuro: as Inovações Começaram. Coleção Informática para a Mudança na Educação – Ministério da Educação. Brasília: Estação Palavra, 1999.

GOODE, W. J. & HATT, P. K. - Métodos em Pesquisa Social. 3ªed., São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969.

STRECK; Danilo R.; REDIN; Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

Page 59: Livro Final

59

A Produção do habitus na Sociedade do Conhecimento: incorporação tecnológica e formação de professoras na

modalidade EAD

Renato Avellar de Albuquerque

Marie Jane Soares Carvalho

1 – Introdução

Este artigo surge de um projeto de mestrado de mesmo título defendido no ano de 2010 na UFRGS, sob orientação da profa. Dra. Marie Jane Soares Carvalho, tratando da formação de professoras na modalidade Educação a Distância (EAD). As análises que são divulgadas neste artigo foram possíveis pela realização de uma pesquisa, iniciada em 2008, sobre os usos do tempo de professoras do curso de pedagogia na modalidade a distância, aplicada às professoras-estudantes do Curso de Pedagogia Séries Iniciais: modalidade a distância, promovido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PEAD/UFRGS).

Mas uma produção científica não se caracteriza tão somente por uma metodologia para interpretação do real, esta se consuma com a síntese realizada pelos pressupostos conceituais e o enfoque dado aos resultados das pesquisas, o que possibilita a criação de esquemas de funcionamento social, como ferramenta interpretativa e analítica para o desenvolvimento do conhecimento científico.

Ao partir da premissa que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) constituem um elemento com alto potencial de transformação nas relações sociais, esta produção científica busca verificar em um grupo com condições materiais, culturais e conjunturais favoráveis, como esta tecnologia vem se agregando ao quotidiano, quais suas relevâncias nas atividades diárias, se realmente existe um aumento de tempo dedicado ao uso das TICs, e se este tempo é utilizado como atividade produtiva, sendo concorrente ou adaptativo aos outros aspectos da vida pessoal.

A proposta apresentada neste artigo pretende avaliar o duplo aspecto do contexto histórico atual, representado pelo avanço das TICs na sociedade e seu reflexo na educação, o processo de incorporação das tecnologias na formação do habitus pelos professores através de uma trajetória de formação universitária, observando as características e os limites que esse processo de transformação encontra ao se chocar com as estruturas sociais concretas e mentais.

A pesquisa apresentada neste artigo mostra que existe um aumento do tempo destinado ao uso das tecnologias, influenciado pelo contexto da EAD, e que este aumento produz uma condição objetiva para a interiorização das TICs como estruturas estáveis na prática docente. Contudo, podemos questionar se esta prática encontra uma

Page 60: Livro Final

60

condição favorável para se tornar prática dentro das escolas, lugar específico de trabalho da amostragem de trabalhadoras pesquisada.

2 – Habitus em Produção

A análise das transformações sociais, em qualquer dos aspectos que seja abordado, depende da constituição das relações de poder e das relações simbólicas que os permeiam. Segundo Bourdieu (BOURDIEU, 1991) é impossível realizar uma análise sobre as relações de poder institucionais sem verificar ao mesmo tempo a constituição social dos agentes que o exercem e também verificar a constituição simbólica e social daqueles que o recebem. Nesse sentido, falar sobre as transformações tecnológicas do mundo atual requer sempre localizar a que parcela da sociedade essas mudanças se relacionam, pois cada segmento social encerra as especificidades relacionadas ao trabalho, à classe social, ao gênero, à região e etc.

O conceito de habitus é uma forma de compreender este conjunto de predisposições incorporadas pelas aprendizagens sociais, seja na interferência da educação, ou pela observação das lógicas, procedimentos e estratégias sociológicas subjetivadas pela formação histórica de cada sujeito, que são tomadas como referenciais sobre as práticas atuais e futuras, não significando modelos de comportamento cristalizados. Estas predisposições incorporadas funcionam como padrão de reação, construído e aperfeiçoado ao longo de uma formação histórica individual, que por sua vez incorpora e adapta novos procedimentos aprendidos nas relações sociais, entre elas a educação, alimentando a dinâmica de reação aos estímulos quotidianos.

Por outro lado, todas as atividades desenvolvidas pelos sujeitos não partem apenas de predisposições subjetivas, são resultados de condições externas e organizações sociais imprimidas pelos habitus dos demais sujeitos formadores de uma realidade social, ou seja, formadoras dos costumes e da cultura, das normas morais e éticas, das instituições legais e de poder, enfim, de toda estrutura objetiva que forma a realidade concreta exterior ao sujeito.

Bourdieu afirma que a escola é a responsável pelo desenvolvimento de esquemas duráveis (habitus), e que estes esquemas só podem se tornar transferíveis quando os próprios formadores incorporam estes esquemas. As instituições, entre elas a universidade, têm por finalidade a intenção de produzir indivíduos modificados de forma durável, sistematicamente por uma ação prolongada de transformação que tende a dotá-los de uma mesma formação durável e transferível, esquemas comuns de pensamento, de percepção de apreciação e de ação. (BOURDIEU, PASSERON, 2009, pp231).

Essa relação entre as disposições e as condições objetivas que cercam os indivíduos funciona como uma equação, produzindo as práticas sociais quotidianas entre o que já foi incorporado pela formação histórica e o que esta incorporação, afetando nas ações do devir. Nessa pesquisa foi primordial reconhecer e avaliar as práticas ligadas ao processo de formação, trabalho e uso das tecnologias, buscando interpretar a relação do tempo com a atividade produtiva e as mudanças que estão relacionadas com o uso das TICs, por um

Page 61: Livro Final

61

lado, e o tempo dedicado a outras atividades, inerente às atividades do âmbito pessoal, que poderão representar uma amostra das conservações sociais do quotidiano, mais influenciada pelos habitus e organizações familiares e condições de trabalho.

3 – Metodologia

A reflexão teórica apresentada neste artigo foi realizada sob a utilização de dados obtidos a partir da pesquisa intitulada “Estudos sobre os usos do tempo de professoras do curso de pedagogia na modalidade a distância”, iniciada em março de 2008 sob coordenação da Profa. Dra. Marie Jane Soares Carvalho. Parte do grupo de pesquisa, contudo, possui um histórico de trabalhos com as temporalidades, que se inicia com a participação em uma pesquisa desenvolvida na UFMG, sob orientação da Profa. Dra. Neuma Aguiar, e com o trabalho de pesquisa intitulado “Os usos do tempo entre crianças e jovens de classe popular” coordenado pela Profa. Dra. Marie Jane Soares Carvalho a partir de 2004.

A pesquisa aqui utilizada observou os orçamentos do tempo entre professoras em formação no Curso de Pedagogia na modalidade a distância (PEAD) da UFRGS, estudantes de cinco cidades-pólos do estado do Rio Grande do Sul. Ao todo são cerca de 400 alunas no curso e a pesquisa analisa o tempo de 176 delas dividido entre todos os pólos, sendo, portanto, uma amostra representativa do conjunto do PEAD.

O software usado na tabulação e compilação dos dados quantitativos da pesquisa é o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), agregando os orçamentos de tempo das atividades desenvolvidas ao longo de vinte e quatro horas de um dia da semana, aleatoriamente escolhido pelo caderno, e vinte e quatro horas do domingo, representando o final de semana.

O PEAD foi um curso iniciado no segundo semestre de 2006, coordenado pelas profa. Dra. Marie Jane Soares Carvalho e Rosane Aragon Nevado, sendo a preparação prática para o seu desenvolvimento iniciado no primeiro semestre do mesmo ano, com a formatura das turmas em 2011. O curso era dividido em eixos com duração semestral, onde eram agregados interdisciplinas com um Seminário Integrador. Essa estrutura auxiliava na organização do curso em grandes áreas do conhecimento mantendo uma coesão entre o conhecimento desenvolvido em cada interdisciplina e entre os eixos.

O PEAD foi desenvolvido com uma pedagogia baseada nas condições específicas das estudantes, ou seja, o curso foi justamente planejado para atender a professores em atuação no ensino fundamental, o que significa ter estudantes com uma carga horária de trabalho e uma experiência profissional com seus respectivos saberes docentes.

Facilita a pesquisa o fato de serem em sua maioria professoras, o que sugerem que possam pertencer a uma mesma classe social e sujeitas às mesmas especificidades de gênero. Nesta pesquisa existe inerentemente uma coesão nos quesitos de gênero, classe e níveis de escolarização que permitem uma análise com menor número de exceções e relativizações, o que facilita uma abordagem mais geral e precisa da amostra.

Page 62: Livro Final

62

A flexibilização do tempo no acompanhamento do curso é fator essencial para possibilitar a formação dessas professoras, que de outra maneira dificilmente teriam chances de se qualificarem em uma universidade na modalidade presencial. Além dessa adaptação às realidades específicas do público, toda a pedagogia desenvolvida para este curso foi pensada de forma a tornar os conhecimentos propostos pelo currículo o resultado de um amplo trabalho de interação entre objetos de aprendizagens, professores, tutores e discentes, em uma organização altamente interativa (CARVALHO et. al., 2006).

O curso foi construído para atender a estudantes de cinco cidades pólos, quatro delas na região metropolitana de Porto Alegre, e uma delas, Três Cachoeiras, fora desse perímetro. Cada pólo possuía tutores que atuavam prioritariamente no atendimento presencial, além de uma equipe permanente de tutores de sede que atuavam nas interdisciplinas de cada eixo. Contudo, a interdisciplina Seminário Integrador era o fio condutor das transformações de cada eixo, nela eram alocados os professores coordenadores de pólo e professores que possuíam como finalidade manter a coesão entre cada eixo do curso, ao longo de toda a graduação.

Apresentação de Dados da Pesquisa

Das estudantes pesquisadas, 5 (cinco) delas declararam como trabalho principal a “atividade de docência”, 138 (cento e trinta e oito) se declararam como “professoras”, 6 (seis) como “agentes educativos”, estas três ocupações somando 84,7% da amostra analisada. Cerca de 15% da amostra são de estudantes que exercem outras atividades não vinculadas à docência.

Frequencia Porcentagem

Porcentagem válida

Porcentagem cumulativa

atividade docência 5 2,8 2,8 2,8

professor 138 78,4 78,4 81,3

outros agentes educativos 6 3,4 3,4 84,7

outras ocupações 23 13,1 13,1 97,7

Missing 4 2,3 2,3 100,0

Total 176 100,0 100,0

Tabela 4 – Ocupação profissional primária dos indiv íduos da pesquisa de usos do tempo

O levantamento da ocupação secundária não permite uma posição conclusiva, posto que 55,7% delas não informaram, embora 22,2% delas tenham se declarado “donas de casa”, sendo um número representativo para a definição do papel desempenhado na estrutura familiar, justificando a pertinência das análises sobre o tempo familiar nas atividades ligadas ao tempo dedicado ao trabalho remunerado e ao processo de qualificação.

Page 63: Livro Final

63

Frequencia Porcentagem Porcentagem válida

Porcentagem cumulativa

Apicultora 1 ,6 ,6 ,6 Apoio pedagogico 1 ,6 ,6 1,1 Artesanato 1 ,6 ,6 1,7 Assistente administ 1 ,6 ,6 2,3 Aula particular 3 1,7 1,7 4,0 Comerciante 2 1,1 1,1 5,1 Dona de casa 39 22,2 22,2 27,3 Esteticista 1 ,6 ,6 27,8 Estudante 9 5,1 5,1 33,0 Grupo de mulher 1 ,6 ,6 33,5 Grupo escoteiro 1 ,6 ,6 34,1 Manicure 2 1,1 1,1 35,2 Mini-mercado 1 ,6 ,6 35,8 Nao informado 98 55,7 55,7 91,5 Não informado 2 1,1 1,1 92,6 Professora 1 ,6 ,6 93,2 Proprietaria posto 1 ,6 ,6 93,8 Secretaria 2 1,1 1,1 94,9 Smed 1 ,6 ,6 95,5 Superintendente 1 ,6 ,6 96,0 Vendedora 3 1,7 1,7 97,7 Voluntaria 1 ,6 ,6 98,3 Voluntario 3 1,7 1,7 100,0 Total 176 100,0 100,0

Tabela 5 - Ocupação profissional secundária dos indivíduos da pesquisa de usos do tempo

Um outro levantamento serve de base para esta análise, no segundo semestre de 2006. Neste período as professoras-estudantes preencheram um questionário onde uma das questões perguntadas foi: qual a sua carga horária total de trabalho? Para ilustrar este comparativo foram selecionados dois pólos, o do município de Alvorada e do município de Gravataí, ambos na região metropolitana de Porto Alegre.

Se comparado ao início do curso, a carga horária de trabalho das alunas professoras não se alterou muito, fazendo uma comparação entre o tempo de trabalho observado em um dia da semana (gráfico 2) e a média de carga horária semanal declarada no início do curso (tabela 3), podemos observar uma equivalência de tempo.

Page 64: Livro Final

64

Bars show Medians

Alvorada Gravataí São Leopoldo Sapiranga Três Cachoeiras

pólo (1 = Alvorada, 2= Gravataí, 3 = São Leopoldo, 4 =Sapiranga, 5 = Três Cachoeiras)

100

200

300

400

500

tem

po

de

trab

alh

o r

emu

ner

ado

500 510 500 495 470

Gráfico 2 – Tempo médio de trabalho remunerado em u m dia da semana em minutos

Média de trabalho em horas no pólo de

Gravataí Qual a sua carga horária total de trabalho?

Calcular Resultado Desvio Padrão 10.216928759188 Média 39.304347826087 Mínimo 20 Máximo 60

Tabela 3 - Pesquisa estatística do tempo de trabalh o semana no início do curso (Pólo de Gravataí)

Os dados obtidos na pesquisa de usos do tempo nos permitem fazer uma comparação com os usos do computador pelas professoras-estudantes no início do curso, quando uma pesquisa feita por questionários pôde dar uma visão panorâmica sobre o nível de inclusão.

Pólo Alvorada Quantas horas por dia você usa o computador? Resposta Contagem Percentagem Sem resposta 16 25.40% menos que 10 minutos (r1) 8 12.70%

Page 65: Livro Final

65

menos de 1 hora (r2) 12 19.05% entre 1 e 2 horas (r3) 14 22.22% entre 2 e 3 hora (r4) 13 20.63%

Pólo Alvorada Quantas vezes por semana você usa o computador? Resposta Contagem Percentagem Sem resposta 13 20.63% eventualmente, não necessariamente todas as semanas 14 22.22% um dia por semana (r2) 3 4.76% dois dias por semanas (r3) 2 3.17% de três a seis dias (r4) 14 22.22% todos os dias (r5) 17 26.98%

Pólo Gravataí Quantas horas por dia você usa o computador? Resposta Contagem Percentagem Sem resposta 8 17.39% menos que 10 minutos (r1) 8 17.39% menos de 1 hora (r2) 19 41.30% entre 1 e 2 horas (r3) 8 17.39% entre 2 e 3 hora (r4) 3 6.52%

Pólo Gravataí Quantas vezes por semana você usa o computador? Resposta Contagem Percentagem Sem resposta 6 13.04% eventualmente, não necessariamente todas as semanas 12 26.09% um dia por semana (r2) 3 6.52% dois dias por semanas (r3) 9 19.57% de três a seis dias (r4) 7 15.22% todos os dias (r5) 9 19.57%

Os dados obtidos com a pesquisa dos usos do tempo mostram que o uso do computador como atividade primária fica abaixo dos trinta minutos, se tomarmos uma média entre os cinco pólos. Entretanto, ao avaliarmos este tempo como atividade secundária, podemos verificar um aumento significativo deste uso, pois neste caso a atividade principal pode ser a de estudo, e a utilização do computador um meio para realizar esta tarefa.

Page 66: Livro Final

66

Bars show Medians

Alvorada Gravataí São Leopoldo Sapiranga Três Cachoeiras

pólo (1 = Alvorada, 2= Gravataí, 3 = São Leopoldo, 4 =Sapiranga, 5 = Três Cachoeiras)

10

20

30

40

tem

po

de

uso

de

com

pu

tad

or 40

20 20

30

25

Gráfico 3 – Tempo médio de uso do computador em um dia da semana

em minutos

Bars show Medians

Alvorada Gravataí São Leopoldo Sapiranga Três Cachoeiras

pólo (1 = Alvorada, 2= Gravataí, 3 = São Leopoldo, 4 =Sapiranga, 5 = Três Cachoeiras)

0

25

50

75

100

tem

po d

e us

o de

com

puta

dor

com

o at

ivid

ade

secu

ndár

ia

90

30

100 100

45

Gráfico 4 – Tempo médio de uso do computador como a tividade

secundária em um dia da semana em minutos

Os dados apresentados também apontam para uma permanência do tempo destinado ao trabalho, enquanto o uso do computador e do estudo passou a ter uma relevância maior nos orçamentos de tempo das professoras-estudantes. Estes indícios nos levam às questões levantadas na hipótese do projeto defendido em 2010: se houve um aumento do tempo destinado à atividade produtiva, como se desenvolve o processo de adaptação do tempo pessoal a esta nova estrutura, quais os limites encontrados, e em que medida isso significa a incorporação de novos habitus nos orçamentos do tempo diário?

Page 67: Livro Final

67

Uma comparação entre os dados divididos entre tempo de trabalho remunerado, tempo de estudo, tempo de cuidados pessoais e tempo de cuidados com a família ilustram como as condições objetivas da organização dessas estudantes criam condições que limitam uma ampliação do uso do computador, embora ele seja uma demanda para a realização do curso e que encontre, hipoteticamente, nas professoras uma condição favorável a inclusão digital. Abaixo dois gráficos que representam este tempo diário dividido em minutos.

Os gráficos acima mostram a divisão do tempo médio das professoras-estudantes organizado em quatro atividades principais, ao longo de um dia da semana. Somente estas quatro atividades, juntas, correspondem a uma média aproximada de 21 horas por dia.

Page 68: Livro Final

68

Interpretação dos dados

Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) 2008, realizada pelo IBGE, mostraram que o uso da internet está intimamente ligado ao estudo, os resultados mostram que entre as mulheres estudantes cerca de 70% delas utilizaram a internet no período base dos últimos três meses, enquanto na população de mulheres não estudantes este índice cai para menos de 30% na região sul (PNAD 2008 – 1.7.2. pp.75). Este contexto de formação significou uma inclusão digital das professoras estudantes, em maiores e menores níveis segundo os pólos observados. A análise preliminar dos dados mostra que aproximadamente 30% dos pesquisados utilizaram o computador na semana, e este uso foi de aproximadamente vinte e cinco minutos como atividade primária, e em média setenta minutos como atividade secundária. Em comparação à pesquisa realizada no início do curso, através de questionário estruturado, podemos observar um aumento neste uso, embora apenas cerca de 35% das estudantes declarassem usar o computador mais de três vezes por semana, no exemplo específico de Gravataí, o uso total do computador ficava, na sua maioria, restrita a menos de uma hora diária.

No caso de Três Cachoeiras, por exemplo, o número de estudantes que não possuíam computador no início do curso era de 50%, passou na metade do curso para aproximadamente 7,5%. Além disso, o tempo de uso do computador como atividade primária e secundária passou a ser em média de aproximadamente cento e dez minutos, quando no início do curso apenas 23% das alunas utilizavam o computador por mais de uma hora. O local privilegiado de acesso à internet é o domicílio, entre as mulheres da região sul 64,4% delas acessam de casa, seguido do local de trabalho com 34,1%. (PNAD tabela 1.17.2 pp102). Esta tendência talvez explique um maior grau de inclusão nos pólos onde as professoras-estudantes tiveram maior desenvolvimento nas condições de acesso, pela compra de computador e instalação de conexões com a internet.

Os sujeitos pesquisados, que usaram o computador na semana, dedicam seu tempo em uma faixa de tempo de dez a vinte minutos como atividade primária, mas este tempo aumenta entre quarenta e cinqüenta minutos quando consideramos o uso do computador como atividade secundária. Entretanto, ao considerarmos que este uso diário do computador ainda ficou restrito a cerca de 30% das professoras-estudantes, e considerando ainda que trata-se de um contexto privilegiado, podemos questionar o quanto a construção do habitus ligado ao uso das TICs está se desenvolvendo na “sociedade do conhecimento”.

A hipótese é que o uso do computador foi integrado ao tempo de estudo, mas este uso não se estendeu a outras atividades quotidianas. As atividades ligadas ao trabalho não se alteraram, portanto, o tempo utilizado para estudo e uso do computador foi deduzido do tempo destinado aos cuidados com a família, cuidados pessoais e atividades sociais, embora as demandas de tempo para estas atividades possam explicar os limites para uma maior inclusão das professoras-estudantes, portanto, de uma maior integração às TICs.

Segundo a PNAD (tabela 1.15.1 – pp 94) o número de pessoas que não acessam a internet ainda é maior do que o número de pessoas que acessam, contudo, quando considerada a população estudante, esta tendência se inverte. Na região metropolitana de Porto Alegre, por exemplo, dos 3472 pesquisados 1524 usaram a internet no período,

Page 69: Livro Final

69

contra 1948 que não utilizaram. Quando levamos em conta o fator estudante, que contabilizam 791, observamos que 583 deles utilizaram, contra 208 que não fizeram uso. Esses dados apontam para outra característica das professoras-estudantes do PEAD que favorecem o enquadramento enquanto sujeitos em contextos privilegiados de acesso.

As condições de acesso e mesmo as demandas da qualificação do trabalho produtivo não transformam prontamente a realidade objetiva desses grupos sociais, conservadas pelo habitus e pelas formas de organização social inerentes a outros campos, como a organização do tempo escolar, fortemente influenciadas pelas questões de gênero, estruturação das famílias e pelas limitações que o tempo do trabalho impõe ao aumento dessa qualificação integrada à tecnologia. Estes dados podem apontar quais são as principais demandas desses sujeitos pesquisados, quais as funções que se destinam a aplicação tecnológica e como estas TICs estão sendo incorporadas por essas professoras-estudantes no seu quotidiano.

Entretanto é possível notar um aumento do uso do tempo ligado ao aspecto do estudo e do computador, portanto, existe de fato um grau de inclusão digital atrelado ao uso do tempo direcionado à atividade produtiva. A pesquisa mostra as características desse uso, pois verificamos um aumento mais acentuado do computador enquanto atividade secundária.

Compreender as características dessa utilização do computador pode também ajudar na análise desse uso pelos professores, qual o grau de integração tecnológica e as possibilidades de que este uso seja agregado ao trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas. Para isso é necessário analisar os dados do uso do computador voltado também para o trabalho remunerado, realizado nos finais de semana ou integrado ao tempo de trabalho durante os dias da semana.

Estas análises possibilitam verificar as transformações que o uso tecnológico está promovendo nos processos de qualificação do trabalho, especificamente da formação docente, nas transformações das relações sociais no meio familiar e nos tempos dedicados à atividade produtiva, ligados diretamente ao mundo do trabalho. A hipótese inicial é que o tempo destinado ao trabalho aumentou, embora sua aderência ao tempo de formação e à mediação realizada pelas TICs dissimulem este tempo enquanto tempo produtivo.

5 – Considerações Finais

Os dados e análises feitas neste artigo encaminham a conclusão para o fato de que a sociedade do conhecimento, entendida como uma nova etapa do capitalismo mundial, vem criando contextos propícios para a incorporação tecnológica em vários segmentos da sociedade, entre eles a do corpo docente das escolas. Contudo, este processo é em grande parte limitado pelas condições reais que estes profissionais encontram na destinação do tempo para este uso tecnológico, impedido que exista uma incorporação desse habitus tecnológico na vida dos professores, necessária ao processo de reprodução das estruturas mentais inerente à ação pedagógica nas escolas.

Page 70: Livro Final

70

Este processo caminha junto com a intensificação do trabalho docente, em que as atividades produtivas dividem seu espaço com as atividades de cuidado pessoal e familiar, restando muito pouco tempo para outras atividades importantes ao longo do dia. Enquanto a formação e qualificação do professor, integrada às TICs, não for encarada como atividade produtiva que deve ser adaptada ao orçamento diário, remunerada e reconhecida como trabalho, a ampliação do estudo e da inclusão digital terá uma duração limitada na prática de formação das professoras, durando somente o tempo em que elas estão sujeitas às condições favoráveis de um curso na modalidade EAD, podendo não constituir a formação de esquemas interiorizados e duráveis de utilização tecnológica.

6 – Referência Bibliográfica

ALBUQUERQUE, RENATO AVELLAR DE. DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM E

AVALIAÇÃO . IN: NEVADO, ROSANE ARAGÓN DE; CARVALHO, MARIE JANE

SOARES; MENEZES, CREDINÉ SILVA DE (ORGS.). APRENDIZAGEM EM REDE NA

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: ESTUDOS E RECURSOS PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES. PORTO ALEGRE: RICARDO LENZ, 2007.

BOURDIEU, PIERRE. A DOMINAÇÃO MASCULINA. TRADUÇÃO MARIA HELENA

KÜHNER. 4ª ED., RIO DE JANEIRO:BERTRAND BRASIL, 2005. 160P.

______________. ESTRUTURAS SOCIAIS E ESTRUTURAS MENTAIS. IN. TEORIA E

EDUCAÇÃO. N. 3, PORTO ALEGRE, 1991, PP. 113-119.

______________. A DISTINÇÃO: CRITICA SOCIAL DO JULGAMENTO. PORTO ALEGRE, RS:ZOUK, 2008. 560P.

______________. ESCRITOS DE EDUCAÇÃO. MARIA ALICE NOGUEI E AFRÂNIO

CATANI (ORG.). PETRÓPOLIS, RJ. VOZES, 1998.

BOURDIEU, PIERRE. PASSERON, JEAN-CLAUDE. A REPRODUÇÃO: ELEMENTOS

PARA UMA TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO. TRADUÇÃO DE REYNALDO BAIRÃO; REVISÃO DE PEDRO BENJAMIN GARCIA E ANA MARIA BAETA. 2. ED. PETRÓPOLIS, RJ; VOZES, 2009. PP.275 .

CARVALHO, MARIE JANE SOARES, MACHADO, JULIANA BRANDÃO. AS SIMETRIAS

DE CLASSE SOCIAL E DE GÊNERO NOS USOS DO TEMPO ENTRE CRIANÇAS. UNIREVISTA - VOL. 1, N° 2: (ABRIL 2006)

CARVALHO, MARIE JANE SOARES; NEVADO, ROSANE ARAGON DE; BORDAS, MÉRION CAMPOS. LICENCIATURA EM PEDAGOGIA A DISTÂNCIA – ANOS

INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL : GUIA DO TUTOR. PORTO ALEGRE: FACED, 2006.

CASTELLS, MANUEL. A GALÁXIA DA INTERNET: REFLEXÕES SOBRE A INTERNET, OS

NEGÓCIOS E A SOCIEDADE. RIO DE JANEIRO: JORGE ZAHAR EDITOR, 2003. 243

P.

DEDECCA, CLAUDIO SALVADORI . TEMPO, TRABALHO E GÊNERO. IN. RECONFIGURAÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NO TRABALHO. [ORG.] ANA

Page 71: Livro Final

71

ALICE COSTA, ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA , MARIA EDNALVA

BEZERRA DE LIMA , VERA SOARES. SÃO PAULO: CUT BRASIL, 2004. PP. 21-52.

ELIAS, NORBERT. SOBRE O TEMPO. EDITADO POR M ICHAEL SCHRÖTER; TRAD. VERA

RIBEIRO. RIO DE JANEIRO, JORGE ZAHAR EDITORA. 1998.

LAHIRE,BERNARD. CRENÇAS COLETIVAS E DESIGUALDADES CULTURAIS. IN. EDUCAÇÃO & SOCIEDADE, CAMPINAS, VOL. 24, N. 84, PP. 983-995, SETEMBRO

2003.

LAHIRE, BERNARD. REPRODUÇÃO OU PROLONGAMENTOS CRÍTICOS? IN. EDUCAÇÃO

& SOCIEDADE. CAMPINAS, V.23,N.78, ABR. 2002. DISPONÍVEL EM:

<HTTP://WWW.SCIELO.BR/SCIELO.PHP?SCRIPT=SCI_ARTTEXT&PID=S0101-73302002000200004&LNG=PT&NRM=ISO>.

ACESSOS EM 29 MAR. 2010.

LAHIRE, BERNARD. PATRIMÔNIOS INDIVIDUAIS DE DISPOSIÇÕES: PARA UMA

SOCIOLOGIA À ESCALA INDIVIDUAL. IN. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, N.º 49, 2005, PP. 11-42

MARCHI JR, WANDERLEY. NORBERT ELIAS E PIERRE BOURDIEU: REDIMENSIONANDO

AS POSSIBILIDADES DE APROXIMAÇÕES TEÓRICAS. IN. X SIMPÓSIO

INTERNACIONAL PROCESSO CIVILIZADOR . UNICAMP, CAMPINAS, 2007.

MARX, KARL. CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA ; TRADUÇÃO E

INTRODUÇÃO DE FLORESTAN FERNANDES. 2.ED. SÃO PAULO: EXPRESSÃO

POPULAR, 2008. 288P.

PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS: ACESSO À INTERNET E POSSE DE

TELEFONE MÓVEL PARA USO PESSOAL 2008. RIO DE JANEIRO: IBGE, 2009. 217

P.

TARDIF, MAURICE. OS PROFESSORES ENQUANTO SUJEITOS DO CONHECIMENTO: SUBJETIVIDADE, PRÁTICA E SABERES NO MAGISTÉRIO. CANDAU, VERA (ORG). RIO DE JANEIRO: DP&A, 2000. PP. 112-128.

SCHWARTZMAN, SIMON. A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E A EDUCAÇÃO

TECNOLÓGICA. INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE. JANEIRO

DE 2005. DISPONÍVEL EM:

<HTTP://PORTAL.CRIE.COPPE.UFRJ.BR/PORTAL/DATA /DOCUMENTS/STOREDDOCUMENTS

/%7B93787CAE-E94C-45C7-992B-9403F6F40836%7D/%7B20E1E826-1879-42B2-99E3-CF29F6AC5D51%7D/SOCIEDADE_CONHECIMENTO_EDUCACAO_TECNOLOGI

CA.PDF>

SQUIRRA, SEBASTIÃO. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO. IN: MELO, JOSÉ MARQUES

DE;

SATHLER, LUCIANO. DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. SÃO

Page 72: Livro Final

72

BERNARDO DO CAMPO: UMESP, 2005, P. 255-265.

Page 73: Livro Final

101

Um laptop por criança e as práticas de leitura e escrita: perspectivas para a inclusão digital1

Silvia Kist Marie Jane Soares Carvalho

1. Computador como elemento potencializador de mudanças de práticas e inclusão digital

O uso do computador pelas crianças há tempos coloca-se como mobilizador de ações para a melhoria da educação. Papert (1994), desde a década de 1980, preconizava que o acesso ao computador permitiria às crianças estabelecerem outra relação com o conhecimento - o “aprender fazendo” - pois a máquina oferecia objetos que favoreciam o “pensar com”, diferente dos modos escolares de aprender. Na sua visão, a inserção do computador no contexto escolar poderia mudar as formas defasadas de ensinar e aprender, tendo em vista o fracasso na aprendizagem de um grande número de sujeitos.

A “máquina do conhecimento”, como ele chamava o computador, possibilitaria a construção de conceitos por meio da experiência direta, sem necessariamente o domínio do código escrito. O computador seria um meio pelo qual a criança poderia familiarizar-se com língua escrita antes de estar alfabetizada, sendo ele um elemento desencadeador de conflitos cognitivos e mobilizador para essa aprendizagem:

A Máquina do conhecimento oferece às crianças uma transição entre a aprendizagem pré-escolar e a verdadeira alfabetização de uma forma mais pessoal, mais negociada, mais gradual e, assim, menos precária do que a abrupta transição que no momento pedimos que as crianças façam quando passam da aprendizagem através da experiência direta para o uso da palavra impressa como a fonte de informações importantes. (Papert, 1994, p.18)

Naquela época, no entanto, o acesso a essa tecnologia, em função dos altos custos, era extremamente limitado a uma elite. Grande parte da população passou a enfrentar uma situação de exclusão digital, aumentando ainda mais as desigualdades de oportunidades entre as diferentes classes sociais.

Em 2005, como forma de garantir acesso à máquina por todas as crianças, incluindo países subdesenvolvidos, um grupo de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) criou a ONG One Laptop Per Child (OLPC) com a missão de desenvolver um laptop de baixo custo, o laptop XO.

1 A base para o presente artigo foi a dissertação de Kist (2008), uma das investigações realizadas

sob coordenação do Laboratório de Estudos Cognitivos da UFRGS no Projeto Um Computador por Aluno – Fase I.

Page 74: Livro Final

102

Considerando a participação do Brasil no período de teste do laptop XO, dentro da Fase 1 do Programa Um Computador por Aluno (Brasil, 2008), o objetivo da presente investigação é analisar o impacto do uso do laptop em uma turma de alfabetização de uma escola pública brasileira. Conjuntamente, investiga-se quais são as possibilidades e as condições necessárias para que o uso da tecnologia venha a ser um instrumento de inscrição de crianças em práticas de letramento. Ao conseguirmos demonstrar isso podemos pensar a superação da relação das crianças com a escrita nos modelos estritamente escolares em vigência. Ao mesmo tempo esta inscrição em práticas de letramento com o suporte da tecnologia funciona como catalisador de inclusão digital.

Partimos do pressuposto que a introdução do laptop na modalidade 1:1 (utilizando os conceitos de saturação e propriedade da criança, cf. OLPC, 2007) muda a dinâmica da sala de aula e as práticas das crianças em relação à leitura e escrita e ao uso da tecnologia, trazendo novas perspectivas para a inclusão digital dos sujeitos envolvidos.

As questões que se colocam são: (a) Quais práticas são possibilitadas e potencializadas pelo uso do laptop na modalidade 1:1, por crianças em processo de alfabetização? (b) Sob que condições as práticas mudam, de modo que os cidadãos sejam capazes de utilizar tanto a língua escrita quanto a máquina como tecnologias de empoderamento?

2. Metodologia

A investigação foi desenhada como um Estudo de Caso (EC) incorporado, conforme a definição proposta por Yin (2001, p. 32): “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

Acredita-se que o presente estudo se inscreve na definição trazida por Yin, principalmente no que tange aos limites existentes entre o fenômeno e o contexto. O EC conforme o autor:

[...] enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidência, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta de dados e a análise dos dados (Yin, op.cit., p. 32-3).

A pesquisa foi realizada acompanhando-se o trabalho da classe de alfabetização – 1º ano do ensino de nove anos – de uma escola pública de Porto Alegre – Brasil. Os 19 alunos, de 6 anos de idade, estavam imersos em um cotidiano digital ao receberem laptops doados pela ONG One Laptop per Child.

As práticas realizadas pelos estudantes dentro da modalidade 1:1 constituem o caso do estudo. Elas foram examinadas segundo três unidades de análise: (a) práticas dos alunos propostas pela professora; (b) práticas realizadas espontaneamente e; (c) casos emblemáticos. Por meio da triangulação de dados foi possível criar categorias

Page 75: Livro Final

103

relacionadas a três eixos: (1) letramento; (2) alfabetização e; (3) fluência digital, sob os quais cada unidade foi analisada. As fontes de evidências são: registros dos alunos e da professora no ambiente virtual de aprendizagem AMADIS, registros do diário de campo da pesquisadora, que esteve presente em sala de aula em todas as propostas analisadas neste estudo (DC), registro de todas as produções salvas nos laptops de todos os alunos da turma (LA ) e registro de entrevistas/conversas realizadas com os alunos e com a professora gravadas em áudio (EN).

Conforme característica de um estudo de caso, a pesquisa teve início com uma proposição teórica, sustentada pelas experiências anteriores do grupo de pesquisa e pelo referencial teórico utilizado. Partiu-se para a investigação com a seguinte proposição teórica:

A modalidade 1:1 e a propriedade do laptop pelo estudante, para além da proposta da professora, cria o ambiente simbólico propício ao desenvolvimento cognitivo de crianças em processo de alfabetização à medida que possibilita práticas diferenciadas em relação à conceituação da língua escrita e ao desenvolvimento da fluência no uso da tecnologia.

Nas próximas duas seções são analisados os dados coletados segundo a hierarquia: Unidade de Análise; Agrupamento de Categorias; Categorias.

3. Unidade de Análise 1: Práticas propostas pela professora

Para essa unidade, cabe a ressalva feita por Ferreiro (1999, p. 31) de que “o método (enquanto ação específica do meio) pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar, porém não pode criar aprendizagem. A obtenção de conhecimento é resultado da própria atividade do sujeito”. Desta forma, as atividades aqui apresentadas referem-se a propostas da professora que foram diferenciadas em função do uso do laptop e geraram práticas por parte dos alunos.

3.1 Letramento

As crianças de 6 anos, ao ingressarem à escola, estão vivenciando formalmente o processo de conceituação da língua escrita, embora se saiba que esse processo inicia previamente. O processo de conceituação da língua escrita é fruto da ativação dos sistemas de significação e dos sistemas lógicos do sujeito. Neste sentido, é dependente destes dois outros processos: alfabetização (compreensão do funcionamento do código) e letramento (compreensão da função e a capacidade de uso da língua). Por isso, acredita-se que a ausência de interação simbólica envolvendo a língua escrita, de contato com portadores de texto e com práticas sociais de leitura e escrita no cotidiano, são elementos contribuintes para a dificuldade das crianças em compreender a função da língua e, conseqüentemente, a aprendizagem do código. No trabalho geral da professora observamos práticas relacionadas ao letramento, classificadas nas seguintes categorias:

3.1.1 Inclusão no mundo virtual letrado

Para incorporar a língua ao cotidiano é necessário, além do domínio do código, a compreensão de sua função. Um dos fatores que podem contribuir com a compreensão

Page 76: Livro Final

104

da função da língua é estar incluído (como agente) em um mundo letrado (Soares, 2006). Nas propostas da professora tal situação inicia-se com o trabalho no ambiente virtual de aprendizagem – AMADIS (Bittencourt et al., 2006). A participação em um ambiente que é habitado por todos os escolares da instituição de ensino torna factíveis diferentes níveis de interação e demanda o exercício de práticas sociais de leitura e escrita. Todos os alunos do 1° ano tinham um nome de usuário e uma senha para acessar o ambiente virtual, bem como um perfil com foto, conforme Figura 1.

As propostas que envolvem o desenvolvimento dos projetos proporcionam a continuidade do trabalho de uso do ambiente. Este uso do ambiente possibilita às crianças fazer parte deste meio virtual baseado no código escrito. A professora desenvolveu com a turma o Projeto chamado Curiosidade Premiada, inspirado na Metodologia de Projetos de Aprendizagem (Fagundes et al, 1999). Nesta prática os alunos puderam expressar suas curiosidades e escolher algumas questões para realizarem uma investigação, como por exemplo: O que os golfinhos comem? Os tiranossauros ficam banguelas? O que os leões fazem além de atacar e comer? Como o elefante bebe água? Por que os morcegos chupam sangue?

Figura 1: O aluno ER insere sua foto e escreve sua apresentação no webfólio do AMADIS

A sistemática de publicação no diário das descobertas sobre as questões dos projetos e das fotos desenvolveu uma rotina de uso do ambiente. Isto pode ser observado na Figura 2 que mostra o registro sobre diferentes temáticas dos projetos. Todos os projetos deveriam ser registrados no diário do AMADIS.

Page 77: Livro Final

105

3.1.2 A utilização da língua escrita para atingir um fim

Figura 2: O aluno CE escreve no diário do AMADIS sua descoberta sobre como os elefantes bebem água e insere uma imagem.

Constatou-se que em todas as propostas que envolviam o uso do AMADIS a escrita era utilizada para atingir um fim. Para ingressar nessa “grande casa” que é o

AMADIS (metáfora utilizada para que as crianças entendessem o que é o ambiente na web) foi necessário o uso da língua, porque elas precisavam digitar o site e identificarem-se com nome e senha, isto é, a “chave de entrada da casa”.

Durante o trabalho com Projetos, uma das estratégias utilizadas foi a busca de informações e imagens na Internet, que demanda uso da escrita como meio para obtê-las. Na prática de buscar imagem na Internet, não foi imposta limitação para escrever somente palavras com sílabas simples. A curiosidade da criança e a questão do projeto guiaram o tipo de palavra a ser escrita; ela é quem determinou as letras, os sons, as palavras que foram aprendidas.

3.1.3 Exercício da autoria na escrita

Dentre as inúmeras práticas em que os alunos exerceram autoria sobre sua escrita, isto é, utilizaram a língua escrita com sentido para expressar-se, cabe destacar a prática de salvar imagens da Internet para o projeto, alterando espontaneamente o nome original do arquivo. O aluno BG, ao salvar imagens da Internet, descobriu que podia modificar-lhes o nome. A prática de alterar o nome indica uma compreensão da função da língua e um exercício da função de autoria, porque é possível agir sobre o código e expressar significações próprias. Essa apropriação pode ser vista no extrato a seguir, em que o aluno quer chamar sua imagem de “elefante pit bull”. Esse procedimento foi adotado por vários alunos, como ilustra a Figura 3.

Page 78: Livro Final

106

Figura 3: (DC) 13/11/2007: BG entra no Google e escolhe uma imagem de elefante. Na hora de salvá-la no laptop, diz: “Eu quero escrever outro nome. Eu botei elefante03, mas eu quero ‘elefante pit bull’. Mas eu não sei escrever pit bull”. Escreve elefantepitidu.jpg. (LA) No dia 13/11/2007 FA (à direita) salva no laptop imagens de elefantes e modifica os nomes dos arquivos conforme seu sistema de significação.

3.1.4 Comunicação através da língua escrita

A comunicação assíncrona em rede é um dos fatores que contribuem com a compreensão das funções da escrita. A ação da professora de enviar mensagens aos seus alunos dentro do ambiente virtual teve a intenção de promover a comunicação através do uso da língua escrita. Além disso, quando os posts do diário são comentados, as crianças têm a garantia de que sua escrita está sendo lida por interlocutores reais

3.1.5 Exploração de diferentes estratégias para ler ou escrever

No processo de letramento, não há necessidade de domínio do código para o exercício/uso da língua escrita. O uso do computador, por permitir inúmeras manipulações simbólicas, potencializa-o na medida em que possibilita a utilização de estratégias de leitura e escrita, sendo possível atingir um grau de letramento, sem dominar completamente o código.

3.2 Alfabetização

Poucas propostas da professora, durante o uso do laptop em sala de aula, centraram-se no domínio do código. Dentre as que mais contribuíram para a alfabetização, estavam aquelas relacionadas aos projetos, ou seja, atividades que demandavam a escrita espontânea. As propostas relacionadas a alfabetização foram classificadas conforme as categorias a seguir:

3.2.1 Escrita a partir de um Modelo

As propostas nas quais está previsto o registro da pergunta do projeto no AMADIS, podem ser consideradas práticas de escrita a partir de um modelo, porque pressupunham o registro da questão previamente estruturada e escrita em cartazes na sala de aula. Entretanto, alguns alunos escreveram a pergunta conforme sua hipótese e não copiaram o modelo. A cópia do modelo foi a estratégia utilizada pelas crianças que não dominavam o código.

3.2.2 Escrita com função instrumental A proposta de registro do nome dos colegas no editor de texto pode ser

considerada uma atividade sem intenção comunicativa, centrada no exercício da escrita como um fim em si mesma. Os alunos apenas registraram o nome de colegas no editor

Page 79: Livro Final

107

de texto. No entanto, essa atividade mostrou-se importante porque foi realizada com sucesso por todos os alunos, inclusive os pré-silábicos.

3.2.3 Compreensão do Funcionamento do Código Escrito

As propostas de análise do código contribuem com a compreensão do seu funcionamento, ou seja, com a alfabetização. A partir da proposta de registro no ambiente virtual sobre as aprendizagens dos projetos, foi possível acompanhar o desenvolvimento das hipóteses de escrita que as crianças foram construindo ao longo do ano letivo. Apareceram momentos em que os alunos, na tentativa de compreender a língua, fizeram generalizações de regras na ortografia da palavra, na sintaxe e na semântica que não são generalizáveis para todas as situações (cf. Figura 4).

Figura 4: (AM e DC) Em 31/10/2007 WI escreve no diário sem deixar espaço entre algumas palavras. Quando o menino foi escrever "leãos são" perguntou se era com “SS”. Pensou e percebeu que teria que separar as palavras. Mas segmentou somente nessa situação. Nesse momento, instaurou-se uma perturbação e a partir daí ele passou a separar em palavras em algumas situações. (AM) Em 31/10/2007 CE (à direita) escreve no diário de AMADIS que está "PROGETANDO", generalizando a desinência verbal.

Esse processo ativo de construção dos mecanismos de produção do conhecimento torna o sujeito criador do conhecimento(Ferreiro, 1999), A criança, ao aprender a língua, realiza uma reconstrução própria; ela cria a sua gramática. Neste estudo, entende-se tal processo como compreensão do código e não como simples aquisição do mesmo.

3.3 Fluência Digital

Considerando o entendimento sobre Inclusão Digital para além do simples acesso a ferramentas tecnológicas, trabalhamos com um conceito sobre o desenvolvimento das habilidades: fluência digital (Committee on Information Technology Literacy,1999). Ser fluente digitalmente implica não apenas ser capaz de utilizar as ferramentas tecnológicas, mas também saber construir coisas significativas a partir delas, aprender coisas através delas, solucionar problemas tanto em relação à máquina como de outra natureza, utilizando-as. Neste eixo, as práticas propostas pela professora foram classificadas segundo as seguintes categorias:

3.3.1 Capacidade para Utilizar a Tecnologia

As propostas iniciais trabalharam com a lógica de fluência em que há aprendizagem a partir da ação/exploração. Não houve nenhuma instrução formal sobre como abrir o laptop, como localizar as atividades, como fechá-las, como desligar a máquina, como usar o trackpad. Essas são aprendizagens que foram sendo construídas a partir das necessidades reais no momento do uso com a ajuda do outro (colega, professora, pesquisadora) ou como uma construção individual. As atividades de

Page 80: Livro Final

108

exploração livre tendem a levar o sujeito a se deparar com atividades que inicialmente parecem sem sentido, mas aos poucos são organizadas dentro da sua lógica e de seu sistema de significações e acomodadas.

O uso sistemático do AMADIS no trabalho por Projetos transformou os procedimentos complexos em atividades rotineiras para alguns sujeitos. Para entrar no ambiente havia uma série de passos que deveriam ser realizados e que a maioria dominava.

3.3.2 Capacidade de Aprender Novas Formas de Utilizar a Tecnologia

Para que um sujeito se torne fluente no uso da tecnologia, não se faz necessário o domínio de todas as funcionalidades de um programa. Fluência envolve a capacidade de aprendizagem, segundo suas necessidades.

As propostas de oficinas com o Squeak/EToys (Kay, 2005) foram tentativas de aprofundar os conhecimentos sobre os recursos de uma atividade do laptop que muitas crianças exploravam espontaneamente. Na primeira oficina de Squeak/EToys, as crianças aprenderam que, além de desenhar objetos, elas podiam desenhar letras e criar cópias das letras para escrever palavras. O conceito de objeto, característico desta linguagem de programação, foi uma das construções que exigiu atividade cognitiva intensa das crianças de 6 anos, pois elas tinham a tendência de desenhar seus projetos como um todo, impossibilitando o uso de recursos de animação de objetos individuais.

3.3.3 Capacidade para Construir com a Tecnologia

O uso do Squeak/EToys permitiu diferentes manipulações e experimentações simbólicas. Na atividade, as crianças tiveram a oportunidade de desenhar objetos ou letras e colocá-los em movimento, inserir som, construindo artefatos sobre os seus projetos. Outro grupo de propostas que possibilitou diferentes criações com o laptop foi o trabalho por Projetos. A proposta de fotografar a exposição de dinossauros, os livros sobre os leões e os dinossauros construídos com massinha de modelar, contempla a utilização de um recurso computacional para a criação de um registro.

3.3.4 Solução de Problemas Técnicos

Uma proposta da professora iniciou com uma conversa sobre os problemas no laptop que se apresentavam em razão de ser este um projeto pioneiro, com uma máquina em fase de teste. Nessa proposta, cada criança relatou os problemas que enfrentou com o laptop e que soluções encontraram ou quais medidas poderiam ser tomadas frente a determinados problemas técnicos. O aluno BA relatou que seu computador desligou sozinho. Com este relato, os alunos aprenderam que o computador necessita de energia para funcionar. Outros problemas diziam respeito ao fato a não conseguir abrir determinada atividade ou ao laptop ficar lento. Para estes casos foram identificados os problemas e as soluções foram formuladas com o grupo.

4. Unidade de Análise 2: Práticas espontâneas realizadas pelos alunos

Um dos pressupostos centrais na filosofia da modalidade 1:1 é que o laptop seja propriedade da criança. Tal princípio garante que a máquina esteja presente para além do espaço escolar. E mesmo que seu uso se dê no espaço escolar, ele pode ser realizado

Page 81: Livro Final

109

espontaneamente pela criança, sem a dependência de uma proposição da professora. Nessa unidade de análise, procura-se entender e diferenciar o que as crianças conseguem aprender e fazer sem a proposição ou a intervenção da professora segundo os três eixos de categorias: letramento, alfabetização e fluência digital.

4.1 Letramento

4.1.1 Participação em Práticas de Letramento no Contexto Digital

O uso do ambiente virtual AMADIS, iniciado com uma proposta da professora, tornou-se progressivamente uma prática diária e espontânea no cotidiano de alguns alunos do 1º ano. Eles manifestavam interesse em entrar no AMADIS, seja para ver o webfólio (perfil) dos colegas, seja para ler suas mensagens, mesmo quando a proposta de aula não envolvia o uso do ambiente. Outra prática que indica o pertencimento a um determinado ambiente social letrado é quando as crianças criaram uma rede de relações, adicionando outros usuários como amigos. Alguns alunos restringiram-se a adicionar colegas da turma. Outros adicionaram professores, pesquisadores e alunos de outras turmas, ampliando sua rede de relações. Apenas uma aluna não adicionou amigos.

Figura 5: FA adicionou, alunos de outras turmas, professores, pesquisadores e colegas. O Aluno CL (a direita) adicionou apenas colegas de aula.

4.1.2 A Utilização da Língua Escrita para Atingir um Fim

Outro procedimento em que a língua escrita se fez presente constituiu-se em localizar os colegas que estavam próximos pela rede mesh do laptop, através da identificação dos respectivos ícones do XO. Ao deixar o apontador do mouse sobre um XO, aparecia o nome do usuário correspondente ao ícone. Para realizar a prática de entrar em sites de jogos, localizar sites ou imagens de interesse, a escrita foi condição sine qua non para a utilização da ferramenta. O procedimento de entrar na Internet e salvar imagens foi trabalhado pela professora com as crianças para a busca das figuras dos animais dos projetos. No entanto, ele foi generalizado para a busca de outras imagens. Durante esta prática espontânea aconteceram fatos que contribuíram para a construção da língua escrita, como a aprendizagem de “formas fixas”, ou seja, palavras incorporadas pelo sujeito que serviram de modelos para pensar a escrita de outras palavras.

Page 82: Livro Final

110

4.1.3 Exercício da Autoria na Escrita

A prática de expressão escrita espontânea teve início com o aluno PA ao escrever no diário do AMADIS sobre assuntos de seu interesse (Cf. Figura 6). Como o aluno tinha computador com Internet em casa, realizava tal ação durante a aula e também fora do espaço escolar. Os demais colegas tomaram conhecimento com PA sobre essa possibilidade e iniciaram a fazê-la. Capturavam a imagem na Internet e inseriam-na no seu diário do AMADIS ou somente escreviam no diário do AMADIS espontaneamente, independentemente da solicitação da professora e dos projetos de aula. O aluno PA escrevia sobre o que desejava, sobre coisas que achava interessantes e de que gostava, sobre sua rotina, como lugares que visitou, horário em que acordou, seus filmes e brinquedos preferidos, fazendo uma interlocução com o leitor.

4.1.4 Comunicação através da Língua Escrita

Paralelamente à apropriação do AMADIS e também da língua escrita, os alunos iniciaram a prática de fazer uso do recurso de envio de mensagem pelo AMADIS.

Figura 6: (AM) Expressão espontânea no diário do AMADIS realizada por PA

Figura 7: (AM) WI adiciona um colega como amigo e envia uma mensagem comunicando-lhe. Em menos de seis minutos, o aluno ER lê a mensagem e a responde.

4.1.5 Estratégias para Ler ou Escrever

Uma estratégia utilizada por várias crianças foi a de fotografar portadores de texto dentro e fora da sala de aula. O aluno VI, um usuário assíduo no AMADIS, utilizava a estratégia de copiar o nome dos colegas do cartaz exposto na sala de aula para que pudesse entrar em seus webfólios e adicioná-los como amigos. O aluno FA costumava copiar a palavra presente na imagem da capa dos cadernos como uma estratégia para buscar a imagem no Google.

Page 83: Livro Final

111

4.2 Alfabetização

4.2.1 Escrita com Função Instrumental

Espontaneamente, as crianças escrevem alguns nomes, brincando com a escrita, como fez o aluno BG, modificando a escrita original do seu nome e do nome de seu irmão. O “brincar” de escrever como escrever nomes, palavras conhecidas, brincar/modificar a escrita de nomes são práticas que podem contribuir na compreensão do código, tendo em vista que há manipulação simbólica.

4.2.2 Compreensão do Funcionamento do Código Escrito

O aluno FA, na dúvida sobre a escrita de uma palavra, testa a sua hipótese, escrevendo-a no Google. Ao verificar que cometeu uma troca de letras, ele se auto-corrige e no momento de salvar a imagem escreve corretamente a palavra.

4.3 Fluência Digital

4.3.1 Capacidade para Utilizar a Tecnologia

Uma prática espontânea realizada pelos alunos que evidencia a capacidade de utilizar aspectos básicos da tecnologia pode ser ilustrada pelo número de fotos e vídeos realizados por cada aluno, ao longo do ano letivo. Uma conduta peculiar foi a do aluno GU, um aluno com uma hipótese de escrita pré-silábica. No primeiro dia em que levou o laptop para casa, ele tirou 57 fotos. Assim como os alunos executaram as propostas da professora de salvar imagem da Internet em função dos projetos, eles também salvaram imagens de seu interesse. Os mesmos problemas e indiferenciações se repetiram entre todos. Se, por um lado, dominavam o procedimento de entrar no buscador, localizar a imagem, salvá-la no computador e até modificar seu nome, por outro, usavam a extensão JPG como uma pseudo necessidade, apenas colocando-a ao lado da outra palavra, sem utilizar o ponto, não demonstrando compreensão da lógica dos sistemas de arquivos.

4.3.2 Capacidade de Aprender Novas Formas de Utilizar a Tecnologia

Figura 8: (LA) Em 25/9/2007 BG, em aula, desenha no Squeak/EToys um carro como o modelo do tutorial.

Figura 9: (LA) BG faz no Squeak/EToys um cachorro deslizando pelo corrimão

Page 84: Livro Final

112

O uso do Squeak/EToys iniciou-se como uma prática espontânea. Quando se abria a atividade, havia uma opção de assistir a um tutorial que demonstrava como fazer o desenho do carro e os comandos para colocá-lo em movimento. Os alunos descobriram essa opção dentro da atividade e tentaram reproduzi-la (Figura 8). Algum tempo depois, com o suporte das oficinas de Squeak/EToys na sala de aula, o aluno BG já havia se apropriado do procedimento para colocar objetos em movimento. Assim, conseguiu criar usos para essa funcionalidade, inventando projetos próprios, como aparece na Figura 9. O aluno VI possui 24 produções de Squeak/EToys salvas no seu laptop, quase todas realizadas em casa. Em cada uso do Squeak/EToys, os alunos descobriam novidades e traziam-nas para a aula para compartilhar com os colegas.

4.3.3. Capacidade para Criar Coisas com a Tecnologia

Figura 10: Em 19/10/2007 CL desenha no Paint em casa e salva a imagem como "feliz aniversario pai.png

Uma das práticas espontâneas de uso da tecnologia que envolvia criações pessoais, invenções de novos jeitos de utilizá-la, foi a atividade com a câmera. Alguns alunos a utilizavam para gravar desenhos da TV. O aluno CL tem horas de gravação do desenho animado. O aluno RI faz, em casa, um vídeo com a família. Outro aluno, o BA, utiliza a câmera para entrevistar uma pessoa em sua casa. Também a prática de utilizar o laptop para gravar suas vozes cantando uma música foi recorrente entre eles. A prática de uso da câmera de fotos do laptop encontrou diversas finalidades: fotografias pessoais, da família, dos colegas, de objetos pessoais, registro de brincadeiras, etc. O uso do editor para desenhos permitiu diferentes criações espontâneas por parte das crianças, como fez o aluno CL para seu pai na data do seu aniversário (Figura 10). Criar usos diferenciados para as ferramentas existentes foi uma característica do trabalho que o laptop, na modalidade 1:1, propiciou principalmente às crianças que dificilmente teriam acesso à tecnologia em suas casas.

4.3.4 Solução de Problemas Técnicos

Enquanto alguns alunos conseguem pensar em soluções para os problemas técnicos, outros esperam por ajuda ou ficam sem ação. O aluno BG, ao deparar-se com um problema tal como ‘não conseguia tirar mais fotos’ apresenta a hipótese de que havia tirado muitas fotos e não havia mais espaço no laptop. O mesmo aluno resolve para a colega NA o problema de como ligar a máquina, porque ela não estava conseguindo fazê-lo. Ele retira a bateria do laptop e a insere novamente. Assim, o laptop volta a funcionar.

Page 85: Livro Final

113

5. Unidade de análise 3: casos emblemáticos

Com o intuito de aprofundar a compreensão a respeito da proposição teórica, a unidade de análise 3 apresenta cinco casos individuais que ilustram diferentes situações em relação às práticas de letramento e de uso do laptop.

O caso do aluno TH aponta as implicações que os problemas técnicos no laptop, aliados a baixa tolerância a frustração dele, trouxeram para o seu desenvolvimento da língua escrita. O aluno TH parecia um caso promissor, mas ao longo do trabalho com o laptop não demonstrou avanço na sua hipótese de escrita, ao contrário, passou a utilizar hipóteses precárias. O laptop do aluno TH apresentava problemas no trackpad (dispositivo apontador do laptop). Esse foi um problema comum aos primeiros protótipos de laptop. Quando se tentava mover o cursor, este não se comportava da maneira esperada, e ia “pulando” para outras partes da tela. Tal dificuldade foi frustrando a cada dia o aluno, e ele na maioria das vezes abandonava o trabalho no laptop e deprimia-se.

O caso do aluno FA mostra como o laptop contribuiu com o letramento, com a alfabetização e consequentemente com a conceituação da língua escrita pelo menino. As condições oferecidas com o uso do laptop na modalidade 1:1, do ambiente virtual e das práticas de projeto permitiram ao aluno outro grau de participação em práticas sociais de leitura e escrita.

O aluno VI tornou-se um caso singular, porque ele adquiriu fluência no uso da tecnologia, embora não tenha demonstrado o mesmo avanço em relação à compreensão do funcionamento da língua escrita (alfabetização). Para utilizar o laptop, ele criava estratégias de uso da escrita (práticas de letramento) removendo os obstáculos. Apesar do uso do laptop na modalidade1:1, do desenvolvimento de projetos e do uso de uma escrita com significado através do ambiente virtual, durante os quatro meses e meio de trabalho em que os dados foram coletados, o aluno não conseguiu alcançar uma hipótese de escrita alfabética, embora fosse referência para os demais colegas em relação ao uso do laptop.

O aluno MN é um exemplo de caso que não atingiu o nível de escrita alfabético. Ele é representativo de outros três, porque se refere as crianças infrequentes às aulas e oriundas de famílias pouco presentes em sua vida escolar. São crianças que, apesar de viverem em um mundo letrado, estavam excluídas das práticas sociais de leitura e escrita no ambiente familiar e não viam muito sentido para a aprendizagem. Na sala de aula, elas não apresentavam interesse em escrever espontaneamente durante a realização dos projetos e do uso do ambiente virtual e também tiveram mais dificuldade em apropriar-se da tecnologia.

O aluno PA foi um caso em que o trabalho com laptop na modalidade 1:1, com acesso a Internet e ambiente virtual, contribuiu para resgatar o sentido da escola e motivá-lo a continuar desenvolvendo a sua escrita. Ele compreendia o funcionamento do código (era alfabetizado), mas não demonstrava muita preocupação com a compreensão do que lia (letramento).Era considerado um aluno problema porque era desinteressado pelas atividades escolares. Criadas as condições de uso do laptop, trabalho com Projetos, uso da Internet e de ambiente virtual, o aluno PA começou a participar ativamente das aulas e tornou-se referência em muitas situações. Teve oportunidade de

Page 86: Livro Final

114

expressar-se através da escrita, interagindo com interlocutores reais por meio do uso do ambiente virtual, avançando também em relação à conceituação da língua escrita.

6. Discussão dos dados

As práticas realizadas a partir da proposta da professora com a utilização cotidiana do laptop permitiram à maioria das crianças a exploração da língua em situações reais, construindo um ambiente simbólico propício para a compreensão da função e do sentido da língua escrita. Isso pode ser observado através das práticas que envolviam o trabalho por Projetos, principalmente quando vinculado ao uso do ambiente virtual. No AMADIS, os alunos tiveram a oportunidade de pertencerem a um mundo virtual letrado, de vivenciarem a autoria na rede, de exercerem práticas reais de leitura e escrita para expressarem aprendizagens, buscarem informações e compartilharem conhecimentos. O uso do AMADIS teve mais sentido durante as propostas da professora quando relacionadas ao trabalho por Projetos. Além disso, o trabalho por Projetos favoreceu o desenvolvimento da fluência digital, sem ser o domínio da ferramenta o foco das aulas. Também oportunizou situações em que, ao escreverem espontaneamente para relatar suas aprendizagens ou mesmo para buscar imagens na Internet, os sujeitos vivenciavam perturbações de suas hipóteses de escrita e que, em determinados momentos, levaram à criação de novas hipóteses. As práticas diferenciadas de uso da língua escrita por meio do uso do laptop criaram a necessidade de compreensão da sua estrutura, favorecendo o processo de conceituação. Portanto, a unidade de análise “práticas dos alunos propostas pela professora” apresenta dados sobre a importância de propostas pedagógicas diferenciadas que encontrem o uso ativo da máquina e da internet.

Em relação às “práticas realizadas espontaneamente” observamos que o laptop na modalidade 1:1 favoreceu a maioria das crianças, principalmente em relação ao letramento e ao desenvolvimento da fluência digital. As crianças, sendo proprietárias do laptop, tiveram oportunidades de experimentação sobre a língua, bem como sobre o funcionamento e as funções das atividades do laptop. Em relação ao desenvolvimento do letramento, a interação simbólica através do uso do laptop e, principalmente, do ambiente virtual proporcionou às crianças a vivência de práticas espontâneas de participação em situações sociais de leitura e escrita em um mundo virtual letrado. Desenvolveu a utilização da escrita com autoria e com função pessoal para expressão de idéias, preferências, interesses, a utilização da escrita para comunicação, a utilização da escrita para buscar entretenimento e a utilização da língua escrita sem mesmo dominar completamente o funcionamento do código alfabético. Além das vivências em relação à língua escrita, o laptop no cotidiano do aluno possibilitou o desenvolvimento da fluência digital e o estabelecimento de uma relação com o conhecimento mais independente. A atividade (física e mental) da criança para compreender para que serve e como funciona o laptop pode ser observada em várias produções que ficaram registradas na sua máquina, incluindo-se as tentativas frustradas. A disponibilidade em aprender novas funções para as ferramentas existentes, bem como o compartilhamento das descobertas com os colegas, são momentos que evidenciam as práticas espontâneas.

Page 87: Livro Final

115

No entanto, se analisarmos cuidadosamente o tipo de práticas espontâneas, percebemos que grande parte foi semelhante às práticas propostas pela professora.

Os resultados encontrados nessa unidade vão ao encontro da proposição teórica. Neste caso, pode-se dizer que as práticas espontâneas criam a necessidade de compreensão do funcionamento da língua e da tecnologia. No entanto, o que não se pode afirmar é que somente a necessidade favoreça o processo de conceituação e de desenvolvimento da fluência digital. O que se observou é que, para alguns alunos, além da necessidade, é fundamental a intervenção dos professores.

Os casos dos alunos FA e PA são emblemáticos e contribuem para reforçar a proposição teórica, pois foram casos em que o uso do laptop na modalidade 1:1 permitiu às crianças a exploração da língua em situações reais, construindo um ambiente simbólico propício para a compreensão da função e do sentido da língua escrita e, portanto, criou a necessidade de compreensão da sua estrutura, favorecendo o processo de conceituação. O aluno PA já havia compreendido a estrutura da língua, mas ainda não demonstrava muita preocupação com o sentido da sua escrita ou da sua leitura. O trabalho com o laptop em sala de aula, juntamente com o uso do ambiente virtual, criou esse sentido para que PA participasse e exercesse práticas sociais de letramento. O aluno FA, a partir do interesse em comunicar-se através do ambiente virtual, em usar diferentes possibilidades do laptop, demonstrou necessidade de compreensão do funcionamento da língua e progressivamente foi avançando nas suas hipóteses de leitura e escrita.

O caso do aluno VI traz uma questão diferente ao mostrar que o processo de conceituação da língua escrita não é instantâneo. Ele, em decorrência do seu interesse e da sua facilidade em utilizar o laptop no cotidiano, criou estratégias para utilizar a língua pois demonstrava compreensão sobre a sua função. No entanto, o tempo de quatro meses e meio em que o laptop foi utilizado em sala de aula não foi suficiente para que o aluno VI chegasse a uma hipótese de escrita alfabética. O menino avançou na sua hipótese, pois ao final do ano possuía um repertório de palavras que lhe serviam de modelo e escrevia de forma silábica, mas ainda permanecia com o critério da quantidade mínima de letras, fato que o levava a acrescentar letras às palavras. Conforme as teorias que sustentam o estudo (Ferreiro, 1999; Soares, 2002), sua trajetória faz parte de um processo e possivelmente a vivência com as ferramentas tecnológicas tenha contribuído com o seu percurso de conceituação da língua. No entanto, dado o período da coleta de dados, não foi possível acompanhar o desenvolvimento posterior dele.

O caso do aluno MN, por sua vez, ratifica as conclusões alcançadas na primeira unidade de análise que diz respeito às ‘práticas realizadas a partir da proposta da professora’. Observamos a importância da intervenção do professor em gerar mais proposições para crianças em processo inicial de alfabetização e atividades que contemplem suas possibilidades. Isso significa que é insuficiente oferecer tão somente acesso à tecnologia.. O aluno MN executou as propostas da professora que não envolviam a escrita espontânea e situações em que o seu “não saber” em relação à língua escrita fosse explicitado. Espontaneamente, ele realizou usos da atividade da câmera para criar vídeo e fotos. Entrou no ambiente virtual poucas vezes e pouco interagiu. Ele terminou o ano letivo com uma hipótese inicial de escrita. A falta de significação do ambiente virtual para crianças pré-silábicas suscita a necessidade de

Page 88: Livro Final

116

criação de outras atividades no laptop para esses alunos, bem como outro tipo de ambiente que dependa menos do código escrito, mas que favoreça o contato com ele.

7. Conclusões

Triangulando os dados das unidades discutidas anteriormente, percebe-se a necessidade de alteração da proposição teórica inicial. Isto é, maior ênfase deve ser atribuída às propostas da professora, pois estas serviram de referência para as práticas espontâneas. Do mesmo modo, registramos que a inclusão digital não acontece pelo simples acesso à tecnologia. Na ausência de propostas inovadoras em sala de aula, a tendência é que aconteça uma exploração inicial intensa do laptop, mas posteriormente se suceda um uso superficial da tecnologia.

Como proposta de reformulação da proposição teórica, apresenta-se o seguinte: Na modalidade 1:1, a propriedade do laptop pela criança e propostas inovadoras do uso de tecnologia criam o ambiente simbólico propício para o desenvolvimento cognitivo de crianças em processo de alfabetização à medida que possibilita práticas diferenciadas em relação à conceituação da língua escrita e o desenvolvimento da fluência digital.

As práticas de leitura e escrita são potencializadas no contexto de imersão em um cotidiano digital. A imersão oportuniza a inclusão no mundo virtual letrado, ampliando práticas de construção de sentido para o uso da língua. A ausência de domínio do código é fator limitante das ações dos alunos, entretanto isso não inviabiliza a utilização do computador, porque estratégias de compreensão e expressão são criadas por eles. O uso do laptop oferece oportunidades de interação que contribuem com a compreensão do funcionamento do código escrito e consequentemente a conceituação da língua escrita.

Porém, tais práticas manifestam-se sob determinadas condições. No presente estudo, as condições que as viabilizaram foram: (a) a disponibilidade da professora para experimentar e inventar uma proposta de uso do laptop em sala de aula; (b) a Internet; (c) o uso de um ambiente virtual na web para publicar, registrar e compartilhar as produções, permitindo o encontro entre os sujeitos, favorecendo as trocas e dando significado ao uso da língua escrita; (d) o trabalho por Projetos, que criou o contexto e o sentido para que muitas práticas com o uso do laptop acontecessem; (e) a modalidade 1:1, na qual cada criança possuía o seu laptop durante as aulas e levava-o para casa; (f) a saturação da escola, que propiciou que os alunos do 1° ano pudessem aprender e ensinar seus irmãos, primos ou amigos de outras turmas; (g) a intervenção realizada pelos pesquisadores do Laboratório de Estudos Cognitivos/UFRGS; (h) a formação em serviço que abriu possibilidades para as propostas da professora. Tais condições não se colocam como necessidade para todas as práticas de uso do laptop na sala de aula e, sim, como possibilidade para práticas diferenciadas, principalmente quando se espera um uso da língua escrita com sentido. O laptop na modalidade 1:1 é indispensável para que certas práticas aconteçam, sobretudo no que se refere às práticas espontâneas. No entanto, é importante dimensionar esses outros elementos que constituem as mudanças nas práticas. Entre eles, destacam-se a proposta pedagógica diferenciada, no caso, o trabalho por Projetos, bem como o uso de um ambiente virtual.

Page 89: Livro Final

117

Ao final deste trabalho, a maior lição aprendida é que laptops são instrumentos privilegiados para auxiliar as crianças no processo de aquisição da língua escrita e que para explorar totalmente o potencial dessa ferramenta existem algumas condições necessárias. É preciso olhar para além da simples distribuição dos laptops, encarando a saturação da escola com tecnologia não como objetivo em si, mas como ponto de partida para a construção de novas culturas de aprendizagem, que possibilitem a alunos e professores explorarem essas novas formas de fazer e pensar a língua escrita no mundo conectado.

8. Referências BITTENCOURT, JULIANO ET AL . (2006) “CRIANDO UMA PLATAFORMA PARA PROJETOS

DE APRENDIZAGEM: DESAFIOS E REFLEXÕES NO DESENVOLVIMENTO DO AMADIS”,

EM: RENOTE - REVISTA ELETRÔNICA DE NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO, S.ED., V.4, N.1, JULHO DE 2006, PORTO ALEGRE.

BRASIL, CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). UM COMPUTADOR POR ALUNO: A

EXPERIÊNCIA BRASILEIRA. BRASÍLIA : CÂMARA DOS DEPUTADOS, COORDENAÇÃO

DE PUBLICAÇÕES.

COMMITTEE ON INFORMATION TECHNOLOGY LITERACY, NATIONAL RESEARCH

COUNCIL (1999) BEING FLUENT WITH INFORMATION TECHNOLOGY. <HTTP://WWW.NAP.EDU/CATALOG/6482.HTML> [CONSULTA: AGO. 2008].

FAGUNDES, LEA. ET AL. (1999) APRENDIZES DO FUTURO: AS INOVAÇÕES COMEÇARAM!

MEC, BRASÍLIA . < HTTP://MATHEMATIKOS .PSICO.UFRGS.BR/TEXTOS.HTML>

[CONSULTA: JAN. 2010].

FERREIRO, EMILIA . ET AL. (1999) PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA. ARTMED, PORTO

ALEGRE.

KAY, ALAN . (2005) SQUEAK ETOYS, CHILDREN, AND LEARNING: VPRI RESEARCH

NOTE RN-2005-002. <HTTP://WWW.SQUEAK/ETOYSLAND.ORG/RESOURCES/ARTICLES> [CONSULTA: JAN. 2011].

K IST, SILVIA DE OLIVEIRA . (2008) UM LAPTOP POR CRIANÇA: IMPLICAÇÕES PARA AS

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. DISSERTAÇÃO (MESTRADO EM EDUCAÇÃO). PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, FACULDADE DE EDUCAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, PORTO ALEGRE.

OLPC (2007). 5 PRINCIPLES. < HTTP://WIKI .LAPTOP.ORG/GO/OLPC:FIVE_PRINCIPLES>

[CONSULTA: JAN 2011].

PAPERT, SEYMOUR (1994). A MÁQUINA DAS CRIANÇAS: REPENSANDO A ESCOLA NA

ERA DA INFORMÁTICA. PORTO ALEGRE: ARTMED.

SOARES, MAGDA. (2006) LETRAMENTO: UM TEMA EM TRÊS GÊNEROS. 2.ED. BELO

HORIZONTE: AUTÊNTICA.

Y IN, ROBERT K. (2001) ESTUDO DE CASO: PLANEJAMENTO E MÉTODOS. TRAD. DANIEL

GRASSI – 2. ED. BOOKMAN, PORTO ALEGRE.

Page 90: Livro Final

118

Page 91: Livro Final

119

JÁ PUBLICADOS

Page 92: Livro Final

120

Proposta de metodologia para oficinas de informática e cidadania do Mutirão pela Inclusão digital1

Adriano Canabarro Teixeira

Laís Mezzomo

Adriana Demarqui Rossato

Edemilson Jorge Ramos Brandão

Marco Antônio Sandini Trentin

1Instituto de Ciências Exatas e Geociências e 1Faculdade de Educação – Universidade de Passo Fundo (UPF)

Caixa Postal 611 – 99.052-900 – Passo Fundo – RS – Brasil [email protected], [email protected], [email protected],

[email protected], [email protected]

1. Introdução

Na sociedade contemporânea, o não acesso às tecnologias se estabelece como elemento de exclusão social, uma vez que os recursos tecnológicos contemporâneos estão no centro da dinâmica social nas mais diferentes áreas, dentre as quais se destaca a Educação. Assim, em um momento sócio tecnológico em que o processo de aprendizagem demanda muito mais do que a transmissão de informações, torna-se fundamental estabelecer reflexões acerca das tecnologias disponíveis e da consequente necessidade de novas metodologias para a apropriação destes recursos pelos processos educativos.

Neste cenário em constante transformação coexistem indivíduos que possuem diferentes níveis de apropriação dos recursos tecnológicos. Dentre eles, é possível mencionar aqueles que Prensky denomina de Nativos Digitais:

Nossos estudantes de hoje são todos “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet. Agora fica claro que como resultado deste ambiente onipresente e o grande volume de interação com a tecnologia, os alunos de hoje pensam e processam as informações bem diferente das gerações anteriores. (2001, p.1)

Este nativo digital constitui um novo tipo de aluno, um sujeito em constante relação com os meios tecnológicos e que, por conseguinte, possui características distintas de seus professores com relação ao domínio das tecnologias, processo que

1 Artigo apresentado como resumo no SBIE 2011.

Page 93: Livro Final

121

geralmente acarreta na subversão da lógica hierárquica e verticalizada entre professor e aluno instituída na escola há muito tempo.

Em relação a este cenário, destaca-se a necessidade de mudança na relação “Escola” - “Tecnologia” uma vez que os ambientes escolares são espaços fundamentais na formação de sujeitos atuantes na sociedade conectada e que tem se apresentado como o primeiro espaço de acesso para grande parte da população brasileira. Ao analisar o panorama da Informática Educativa dos últimos anos, pode-se observar três momentos importantes:

O primeiro diz respeito às discussões acerca da necessidade de se disponibilizar acesso às tecnologias, em especial computadores pessoais que deveriam servir de suporte tecnológico para as atividades didáticas e, mas recentemente, acesso à rede mundial de computadores. Demanda que tem sido atendida por iniciativas de vários seguimentos, deste políticas públicas, iniciativa privada, terceiro setor e, inclusive, pelo barateamento dos equipamentos.

O segundo momento, referia-se à necessidade de se desenvolver tecnologias com direcionamento educacional que pudessem ser apropriadas pelos processos de ensino e aprendizagem, destacando-se de forma geral os objetos digitais de aprendizagem e os ambientes virtuais de aprendizagem. Concomitantemente à comoção acadêmica e privada pelo desenvolvimento de tecnologias, começava-se a atentar para um dos principais elementos estratégicos da informática educativa: a formação de professores. Entretanto é importante destacar que este processo tinha um direcionamento muito forte para a tecnologia, deixando de lado as questões didático metodológicas, ponto nevrálgico para a apropriação dos recursos tecnológicos em processos educativos.

Atualmente, quando já temos políticas públicas que tem se preocupado com a questão da disponibilização de recursos tecnológicos e conexão, a tecnologia encontra-se madura e acessível e se reconhece que a formação dos professores com viés tecnológico não traz os resultados esperados, ganha força a discussão da necessidade de criação de metodologias específicas para os ambientes informatizados e conectados.

Pensando nestas demandas da educação com relação às tecnologias, a Universidade de Passo Fundo mantém o projeto de extensão Mutirão pela Inclusão Digital desde 2004. Vinculado ao curso de Ciência da Computação, atende indivíduos e grupos que estejam em situação de vulnerabilidade e risco social e submetidos a processos de exclusão digital decorrentes de situações de seletividade social, econômica ou ideológica.

O grupo de trabalho do Mutirão é interdisciplinar e congrega professores e alunos dos cursos de Ciência da Computação, Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Jornalismo, Mestrado em Educação e Serviço Social. Ainda, conta com o apoio teórico dos pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão Digital e da Linha de pesquisa Processos Educativos e Linguagem do Mestrado em Educação.

O principal objetivo do projeto é criar alternativas metodológicas de apropriação das tecnologias em processos educativos, formais ou não, através da implementação de ações de Inclusão Digital com vistas à apropriação das tecnologias de rede em uma perspectiva de ambiente comunicacional e de exercício da cidadania. Dentre estas ações destacam-se as Oficinas de Informática e Cidadania, realizadas, predominantemente nas

Page 94: Livro Final

122

dependências da Universidade de Passo Fundo. O conteúdo das oficinas é definido e organizado junto aos grupos atendidos a fim de considerar suas especificidades, buscando o fortalecimento cultural do grupo e dos indivíduos, sempre em uma perspectiva de romper com posturas de reprodução e passividade.

Dessa forma, partindo da necessidade de criar e sistematizar uma metodologia para as oficinas de informática e cidadania do projeto que também possa ser adotada em contextos educativos em laboratórios de informática, este artigo relata as descobertas do projeto de pesquisa “Criação de Metodologia para Oficinas de Informática e Cidadania”, inserido no Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão Digital - Gepid2. Com caráter interdisciplinar, o grupo tem por objetivo realizar estudos e reflexões acerca da necessária ampliação teórico-conceitual do termo inclusão digital na sociedade contemporânea, dos diferentes fenômenos sócio-educacionais da cibercultura e das metodologias e tecnologias emergentes na área.

Visando atender à necessidade apontada e aos objetivos do projeto de pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica de teorias e conceitos de aprendizagem que pudessem contribuir para o desenvolvimento do trabalho. Dentre as possibilidades teóricas estudadas, optou-se pelos conceitos de “Conectivismo” (SIEMENS, 2009) e de “Arquiteturas Pedagógicas” - AP. (CARVALHO, NEVADO e MENEZES, 2007).

Para Mota, “o Conectivismo visava responder às novas necessidades dos aprendentes do século XXI e às novas realidades introduzidas pelo desenvolvimento tecnológico e as transformações econômicas, sociais e culturais” (2009, p.5). As arquiteturas pedagógicas, por sua vez, podem ser compreendidas como “estruturas de aprendizagem realizadas a partir da confluência de diferentes componentes: abordagem pedagógica, software, Internet, inteligência artificial, educação à distância, concepção de tempo e espaço.” (CARVALHO, NEVADO e MENEZES, 2007, p.39).

Tais elementos teóricos deram origem ao novo desenho metodológico criado para as oficinas de Informática e Cidadania do Projeto Mutirão pela Inclusão Digital da Universidade de Passo Fundo, a seguir explicitado.

2. Algumas considerações sobre Inclusão Digital

A temática “Inclusão Digital” tem sido pauta frequente de políticas públicas e discussões acadêmicas. Tal destaque deve-se em grande parte ao reconhecimento da importância de processos de inclusão para o cidadão do século XXI e do déficit de conexão apresentado pelo Brasil. Para amenizar esta carência, existem políticas públicas de grande envergadura que tem sido implementadas. Dentre elas, destaca-se o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações - FUST e o Programa Banda Larga nas Escolas - PBLE, programas implementados para atender as necessidades impostas pelo surgimento da demanda emergente de inclusão digital.

2 http://gepid.upf.br

Page 95: Livro Final

123

O FUST, criado pela Lei 9.998 de 17 de agosto de 2000, serve ao cumprimento de obrigações de universalização dos serviços de telecomunicações, com a cobertura de parcela dos custos de ações que vão desde a instalação de telefones públicos à criação de facilidades de comunicação via Internet para escolas e bibliotecas, em favor, sobretudo, de estudantes de todas as idades. (BRASIL, 2011).

O Programa Banda Larga nas Escolas tem como objetivo conectar todas as escolas públicas urbanas à internet, por meio de tecnologias que propiciem qualidade, velocidade e serviços para incrementar o ensino público no País. O PBLE foi lançado no dia 04 de abril de 2008 pelo Governo Federal por meio do Decreto nº 6.424 que altera o Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público – PGMU (Decreto nº 4.769). Com a assinatura do Termo Aditivo ao Termo de Autorização de exploração da Telefonia Fixa, as operadoras autorizadas trocam a obrigação de instalarem postos de serviços telefônicos nos municípios pela instalação de infra-estrutura de rede para suporte a conexão à internet em alta velocidade em todos os municípios brasileiros e conexão de todas as escolas públicas urbanas com manutenção dos serviços sem ônus até o ano de 2025. (BRASIL [1], 2011).

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 2008, 65% dos brasileiros, o que totalizava na época 104,7 milhões de pessoas, não tinham acesso domiciliar à internet. Apesar de ainda estar longe do ideal, o número de incluídos digitais aumentou 75,3% entre 2005 e 2008, segundo a PNAD.

Entretanto, mesmo se considerando o crescimento progressivo, possivelmente em função das políticas públicas de inclusão digital no país, é preciso que se reconheça que, embora seja um percentual de aumento significativo, dados recentes do relatório do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) publicados pela Unesco e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD)3 em 2011, mostram que somente 53% dos estudantes do País tem acesso à internet enquanto a média nos países ricos é maior de 90%.

Segundo o relatório, de um total de 65 países avaliados, apenas dez estão em uma situação pior que a do Brasil. O texto traz estatísticas e informações distribuídas em 395 páginas acerca de conhecimentos e habilidades essenciais para a plena participação nas sociedades modernas de estudantes perto do final da escolaridade obrigatória, em especial no que se refere ao papel das tecnologias digitais neste processo.

Dentre os dados levantados no relatórios e que fornecem uma ideia da situação brasileira no cenário mundial, o país possui um dos níveis mais baixos no que se refere ao número de computadores por aluno. Junto com a Tunísia, Indonésia, Montenegro e Quirguistão, o Brasil apresenta apenas um computador disponível para cada cinco ou mais alunos, média inferior ao que se tinha em 2000 (OECD, 2011, p. 151).

3 http://www.oecd.org/

Page 96: Livro Final

124

Mesmo com o reconhecimento das políticas públicas implementadas, o relatório aponta que, de 2000 para 2009, no que se refere ao acesso domiciliar à internet, no México, Chile, Hungria, Rússia, Albânia, Tailândia, Peru, Roménia, Letónia, Indonésia, Argentina e Brasil, o aumento foi visto principalmente entre estudantes favorecidos. Ou seja, mesmo com o esforço público em torno da disponibilização de acesso, o fosso sócio-econômico continua a aumentar e as políticas públicas, a partir destes dados, não tem dado conta da demanda por inclusão digital.

Apesar dos dados apresentados mostrarem a urgência de se ampliar o acesso, é imprescindível atentar para o fato de que somente o acesso não garante um processo de inclusão digital significativo. Ainda, torna-se importante reconhecer que a maioria das políticas públicas trata do acesso, deixando à margem da discussão a necessidade de se criar metodologias que possam potencializar a aprendizagem dos alunos, o que é prioridade no atual contexto da informática educativa.

Sendo assim, a inclusão digital consiste na criação de situações em que é necessária e possível a participação ativa na rede, fazendo dela um espaço para a comunicação e exercício da cidadania. Para Autor 1 e Autor 2 “incluir digitalmente é um processo, sobretudo, de autoria e colaboração, de emissão de significados e sentidos, fazendo da rede um ambiente natural de comunicação, de troca de informações e de construção do conhecimento” (2009, p.23).

Entretanto, para que isto seja possível, é fundamental que superemos a ideia de que somente o acesso é suficiente, embora reconheça-se que é fundamental, e de que é possível implementar a mesma dinâmica metodológica de sala de aula em espaços informatizados e conectados. Para tanto, apresenta-se elementos conceituais básicos das Arquiteturas Pedagógicas e do Conectivismo que serviram à definição da Metodologia.

3. Arquiteturas Pedagógicas

Partindo da concepção elaborada por Carvalho, Nevado e Menezes, Arquiteturas Pedagógicas podem ser entendidas como a elaboração de estratégias pedagógicas que levam em consideração determinadas teorias com intuito de auxiliar a aprendizagem e mediar a construção do conhecimento utilizando como suporte os recursos tecnológicos e o apoio de ambientes virtuais, tendo por base práticas pedagógicas abertas e maleáveis. Ainda, segundo os autores “as arquiteturas pressupõem aprendizagens protagonistas. Com orientação do professor, requerem-se do estudante ação e reflexão sobre experiências que contemplam na sua organização pesquisa, registro e sistematização do pensamento” (2007) .

As AP utilizam o conceito de estratégias pedagógicas a partir das contribuições da Pedagogia da Autonomia4 de Paulo Freire e do Construtivismo5, de Jean Piaget, pois

4 Freire, P. (1998) Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de

Janeiro: Paz e Terra. 5 Piaget, J. (1985) O possível e o necessário: evolução dos possíveis na criança. Porto Alegre:

Artes Médicas, v.1.

Page 97: Livro Final

125

ambos defendem a ideia de uma “Pedagogia da Incerteza”, lembrando que a validade da prática pedagógica reside em grande parte em seu suporte teórico.

Partimos do pressuposto que o conhecimento não está assentado nas certezas, como propõe a ciência mecanicista, mas sim nasce do movimento, da dúvida, da incerteza, da necessidade da busca de novas alternativas, do debate, da troca. A ‘aprendizagem em rede’, não poderá prescindir de ações que possam traduzir as ideias (teorias) em práticas. (CARVALHO, NEVADO e MENEZES, 2007, p.38).

Tomando por base a Pedagogia da Incerteza, Carvalho, Nevado e Menezes, destacam que ela pressupõe educar para a busca de soluções de problemas reais; para transformar informações em conhecimento; para a autoria, a expressão, a interlocução; para a investigação e para a criação de novidades; e, educar para autonomia e a cooperação.

Nas AP, perde-se o controle do tempo e do espaço de aprendizagem uma vez que se adaptam de acordo com o ritmo de cada sujeito ou grupo, em uma perspectiva de desterritorialização da aprendizagem, tem sua busca em diferentes fontes virtuais, exigindo dos sujeitos processos de inteligência coletiva6 e a compreensão do potencial educativo do hipertexto7. É possível apontar que as AP possuem funcionamento diferenciado em relação à dinâmica de sala da aula.

As arquiteturas funcionam metaforicamente como mapas ao mostrar diferentes direções para se realizar algo, entretanto cabe ao sujeito escolher e determinar o lugar para ir e quais caminhos percorrer. Pode-se percorrê-los individualmente ou coletivamente, ambas as formas são necessárias. (CARVALHO, NEVADO e MENEZES, 2007, p.40).

Dentre as possíveis arquiteturas pedagógicas propostas pelos autores, a saber: Arquiteturas de Projetos de Aprendizagem; Arquitetura de Estudo de Caso ou Resolução de Problema; Arquitetura de Aprendizagem Incidente e Arquitetura de Ação Simulada, a primeira foi eleita como modelo principal para a proposta da metodologia.

Nas Arquiteturas de Projetos de Aprendizagem a problematização é formulada a partir de “Certezas Provisórias” e de “Dúvidas Temporárias”. Segundo os autores “as certezas para as quais não se conheça os fundamentos que a sustentem são denominadas de provisórias. As dúvidas são sempre temporárias. O processo de investigação consiste no esclarecimento das dúvidas e na validação das certezas.”(CARVALHO, NEVADO e MENEZES,2007, p.41).

6 Entendida como “Inteligência distribuída por toda a parte incessantemente valorizada,

coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva de competências. [...] a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas.” (LÉVY, 2003, p. 30)

7 Conforme Lévy “ o hipertexto não dá conta somente da comunicação, mas dos processos sociotécnicos que, assim como vários outros fenômenos, têm uma forma hipertextual”. (1993, p. 25)

Page 98: Livro Final

126

A proposta tem semelhança com o “Projeto de Aprendizagem”, pois parte de um “tema problema” que tenha significado e que interesse aos sujeitos participantes do processo. Por fim, torna-se fundamental a criação de um suporte onde os sujeitos, individualmente ou em grupo, possam publicar os conhecimentos construídos, tendo em vista as dúvidas e incertezas, momento em que as tecnologias digitais são fundamentais e estratégicas.

Dentro da dinâmica das AP, é possível perceber que seu funcionamento demanda novas habilidades e competências dos sujeitos do processo de aprendizagem, até então baseado na transmissão da informação, na lógica verticalizada professor aluno e na limitação espaço temporal dos limites físicos da escola. Tais habilidades e competências são elementos fundantes da teoria conectivista.

4. O Conectivismo

Uma vez que a tecnologia determina os rumos da sociedade e transforma vários aspectos de sua estrutura, a forma como nos comunicamos e aprendemos também são, em alguma medida, transformados. Assim, é fundamental que se busquem novas propostas metodológicas e teóricas que tratem do processo de aprendizagem em um mundo digital, que pensem o conhecimento imbricado ao uso de tecnologias, levando em consideração os novos ambientes sociais de aprendizagem. Ponderando estes aspectos, George Siemens propôs uma teoria de aprendizagem denominada Conectivismo. Segundo o autor:

Conectivismo é a integração de princípios explorados pelo caos, rede, e teorias da complexidade e auto-organização. […] A aprendizagem (definida como conhecimento acionável) pode residir fora de nós mesmos (dentro de uma organização ou base de dados), é focada em conectar conjuntos de informações especializados, e as conexões que nos capacitam a aprender mais são mais importantes que nosso estado atual de conhecimento. (2004, p. 4).

Dentro desta perspectiva, considera-se que algumas das principais teorias de aprendizagem, como por exemplo, o Construtivismo, o Behaviorismo e o Cognitivismo, foram desenvolvidas em um tempo distante da influência da tecnologia, portanto insuficientes para que, sozinhas, sirvam de modelo para toda a complexidade que envolve a aprendizagem na atualidade.

Assim, existem alguns conceitos-chave que norteiam o Conectivismo e que são fundamentais para compreendermos o processo de aprendizagem a partir desta teoria. Segundo Siemens (2004, p.7), estas premissas são: Aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade de opiniões; Aprendizagem é um processo de conectar nós especializados ou fontes de informação; Aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos; A capacidade de saber mais é mais crítica do que aquilo que é conhecido atualmente; É necessário cultivar e manter conexões para facilitar a aprendizagem contínua; A habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos é uma habilidade fundamental; Atualização (“currency” – conhecimento acurado e em dia) é a intenção de todas as atividades de aprendizagem conectivistas; A tomada de decisão é, por si só, um processo de aprendizagem.

Page 99: Livro Final

127

Diariamente muitas informações nos cercam e já não podemos internalizar tudo aquilo que recebemos e que poderia servir a processos de aprendizagem. Por isso a capacidade de “valorar a informação”, bem como de “estabelecer conexões entre elas” são fundamentais para a aprendizagem na era digital. Assim, uma experiência em rede torna-se o foco principal da aprendizagem, pois na interação com outras pessoas, e partindo da sua própria experiência, pode-se aprender mais e gerar conhecimentos. Nesta linha Mota acrescenta:

A nossa capacidade de aprender o que precisamos para amanhã é mais importante do que aquilo que sabemos hoje e é por isso o verdadeiro desafio para qualquer teoria da aprendizagem, é ativar o conhecimento do ponto de aplicação (2009, p.7).

O conectivismo, enquanto teoria em construção, apresenta muitos pontos de convergência com as questões levantadas no Mutirão, com a dinâmica das arquiteturas pedagógicas e com as demandas existentes aos processos educativos na contemporaneidade.

5. Os elementos constituintes da metodologia proposta

Considerando os aspectos relacionados à presença e à importância da tecnologia no mundo contemporâneo, em especial na Educação, se evidencia a importância da existência de metodologias que contemplem as premissas da inclusão digital. Já é conhecido que a dinâmica instituída em sala de aula não dá conta da multiplicidade de possibilidades dos ambientes informatizados e que, quando imposta uma sobre a outra, invariavelmente leva à frustração de professores e alunos. Neste sentido, apresenta-se como referência a metodologia criada para as oficinas de Informática e Cidadania do projeto Mutirão pela Inclusão Digital da Universidade de Passo Fundo.

No projeto, todo ano é definido um tema gerador construído a partir do planejamento da escola e do grupo de trabalho do Mutirão para, posteriormente, incorporar os interesses e o contexto onde os alunos estão inseridos, detectado a partir da discussão entre os alunos. A proposta metodológica propõe inicialmente aspectos presentes na Pedagogia da Pergunta, na qual os alunos são incentivados a descobrirem o tema gerador através do diálogo, tão enfatizado por Freire e como forma de expressão, autonomia e protagonismo, pressupostos das AP. O tema gerador considera elementos presentes na Arquitetura de Projetos de Aprendizagem, porém há também a possibilidade de adequar-se com a Arquitetura de Estudo de Caso ou Resolução de Problema, pois ambas partem de um tema de interesse do grupo.

Dentro do tema gerador, são definidos subtemas a partir do que os alunos tem curiosidade em saber. Uma vez que quatro turmas participam das oficinas concomitantemente, cada oficina deve trabalhar uma temática diferenciada dentro do tema gerador para que, ao término das atividades, cada grupo apresente sua produção aos demais. A ideia inicial é que os alunos, em suas respectivas salas, socializem suas produções com as demais turmas através de uma videoconferência ou outra forma de comunicação mediada pela tecnologia. Como que cada turma é formada por grupos de habilidade, estes deverão discutir e entrar em um acordo sobre o que é importante fazer parte da apresentação aos demais colegas.

Page 100: Livro Final

128

Nestas premissas gerais, foram consideradas as concepções de “Arquitetura Pedagógicas”, presente na dinâmica de projetos, sendo que as questões do “Conectivismo” são tratadas mais diretamente dentro das turmas e no decorrer do desenvolvimento das atividades. Em cada turma, são formados grupos de habilidade que deverão trabalhar, dentro do sub-tema, com um formato de mídia e ferramentas diferenciadas, como, por exemplo, vídeo, áudio, imagem e (hiper)texto.

É importante salientar que mesmo com o direcionamento inicial dos alunos aos grupos pelo professor, são os alunos quem decidirão, no interior dos grupos, o caminho a ser percorrido para o desenvolvimento dos desafios e atividades propostas. Ao trabalhar em grupos haverá a existência de diferentes atividades e níveis de desenvolvimento e complexidade em um mesmo espaço.

A metodologia adotada pelo Projeto de Inclusão Digital propõe cinco oficinas para adaptação dos alunos, ou práticas iniciais, que antecedem as práticas mensais e tem por objetivo ambientar os participantes ao projeto, ao funcionamento das oficinas e às ferramentas e ambientes digitais essenciais para o desenvolvimento das atividades do ano. Os professores das instituições que acompanham os alunos são incumbidos de fazerem postagens no blog do professor8 partindo de suas percepções das oficinas e do projeto como um todo. Tal estratégia busca o envolvimento do professor no processo de construção de competência tecnológica e de refinamento da metodologia.

Buscando implementar uma dinâmica baseada na Pedagogia de Projetos constituinte da AP, as práticas mensais serão constituídas por uma sequencia de três modalidades de oficinas que se repetem no decorrer do ano e de acordo com a evolução das turmas, a saber: Conhecendo, Construindo/Compreendendo e Socializando.

Na modalidade Conhecendo, a metodologia propõe uma sondagem dos conhecimentos prévios do sub-tema, partindo de discussões com o grande grupo, através da proposta de perguntas que desafiam os participantes a oferecer respostas de acordo com os grupos de interesse. Ao final se prevê a postagem de uma síntese da oficina que será construída através da participação dos grupos no Blog dos alunos9.

A proposta evidencia a Pedagogia da Pergunta, onde os participantes partem de uma investigação para a identificação de novidades sobre o tema, sendo a discussão do grupo fundamental, pois possibilita a socialização e a cooperação entre os sujeitos para o esclarecimento de uma questão. A pesquisa, sugerida na metodologia, tem foco nas certezas provisórias e dúvidas temporárias, como também na captação de informações a serem, posteriormente validadas pelo grupo. Já a Síntese prevê a publicação e o registro, a partir da utilização do suporte telemático, das aprendizagens, dúvidas e da diversidade de opiniões, evidenciando a capacidade dos alunos de transformar informações em conhecimento.

8 Disponível em http://mutiraodigital2011professores.blogspot.com/.

9 Disponível em http://mutiraodigitalalunos2011.blogspot.com/.

Page 101: Livro Final

129

No que se refere ao aporte do Conectivismo, é possível apontar que esta modalidade busca desenvolver a “capacidade de saber mais” que, segundo a teoria “é mais importante do que aquilo que se soube em determinado momento”. Aqui, as respostas dadas pelos alunos deverão ser validadas, discutidas e aprimoradas, o que possibilita a pesquisa, a troca de saberes, e, por conseguinte, a construção de novas hipóteses em conjunto com os colegas que pertencem ao mesmo grupo, fazendo uso das “diferentes opiniões”, o que os levará a “conectar nós e fontes de informação especializadas”, no caso os colegas, os professores e sites específicos. Neste processo, é fundamental a “manutenção destas conexões”, pois a todo momento terão que revisitar os contatos estabelecidos.

As oficinas da modalidade Construindo / compreendendo terão a duração de dois ou mais encontros, uma vez que envolve autoria utilizando as tecnologias digitais. A metodologia tem por base o trabalho de grupos de habilidade e interesse, sendo que, preliminarmente, se propõe a organização das crianças por grupos envolvendo vídeo, áudio, texto e imagem. Estes grupos trabalharão com foco no sub-item definido, utilizando ferramentas presentes no computador e na internet. É importante destacar que no decorrer do ano os alunos participarão de um rodízio entre os grupos a fim de que todas as diferentes possibilidades sejam experimentadas por todos.

Neste momento o trabalho se concentra na interação e cooperação entre os sujeitos pertencentes ao mesmo grupo. No entanto, a autoria se sobressai, pois será um grupo composto de construções individuais, evidenciando e fomentando o protagonismo, objetivando a composição de um trabalho coletivo, tendo presente a diversidade de opiniões e o desenvolvimento de habilidades que se evidenciarão ao decorrer das oficinas. Este processo apresenta aspectos presentes em uma Arquitetura de Ação Simulada, “aprender a fazer fazendo”, onde a experiência é fundamental.

Nestes momentos, em virtude de que as atividades ocorrerão em grupo, a diversidade de opiniões é fundamental para a execução e desenvolvimento da atividade proposta. Além disso, toda a experiência adquirida por parte dos alunos será fundamental para esta etapa, em que precisarão “ver conexões entre áreas, ideias e conceitos”. Uma vez que muitos dos conhecimentos construídos em oficinas anteriores deverão ser constantemente revisitados, a capacidade apontada pelo Conectivismo de “atualizar estas informações” também é fundamental, pois as informações antigas podem não ser suficientes para o desenvolvimento da atividade e a construção do conhecimento.

Os encontros da modalidade Socializando são orientados à apresentação da produção do grupo aos demais grupos através de ferramentas de comunicação síncrona. Aqui a tomada de decisão será essencial, pois não poderão socializar tudo aquilo que fizeram tendo que fazer opções e negociações internas, levando em consideração as condições e as transformações que floresceram no decorrer da oficina. Assim, o princípio conectivista de valorar as informações até agora adquiridas é fundamental para que sejam criadas e desenvolvidas possibilidades de apresentação e socialização do conhecimento gerado.

Aqui se tornarão evidentes as características e habilidades desenvolvidas no decorrer do processo, bem como suas capacidades de interação, socialização, transformação de informação em conhecimento, suas produções em termos de

Page 102: Livro Final

130

protagonismo, cooperação entre o grupo, expressão, interlocução e investigação. Estes são aspectos fundantes das Arquiteturas Pedagógicas e que exigem as capacidades e habilidades propostas pelo Conectivismo e exercitadas no decorrer do processo.

6. Considerações finais

A partir do processo de construção da metodologia para as oficinas de Informática e Cidadania do Projeto Mutirão pela Inclusão Digital da Universidade de Passo Fundo, é possível apontar a pertinência das Arquiteturas Pedagógicas e da teoria Conectivista no atendimento das demandas sócio-educacionais contemporâneas.

As AP, enquanto alternativa metodológica, possuem um grande potencial de resignificação da informática educativa, bem como pode dar resposta às dificuldades encontradas por professores no processo de apropriação dos recursos tecnológicos em suas propostas didáticas, decorrentes, em grande parte, do recorrente engessamento das tecnologias à lógica de sala de aula e à forma periférica com que as tecnologias são estudadas no processo de formação das licenciaturas. É importante destacar que o papel das tecnologias nas AP é de meio, não de fim, servindo à comunicação, reflexão e socialização do conhecimento.

Com relação ao Conetivismo, embora seja uma teoria em construção em função de sua recente formulação, traz importantes contribuições acerca de aspectos relacionados à dinâmica da construção do conhecimento em rede. A teoria conectivista leva em consideração os novos espaços de aprendizagem, o novo aluno e suas demandas, o que não deve ser desconsiderado em propostas didático-pedagógicas em ambientes informatizados. É preciso pensar na Teoria do Conectivismo não como a resposta definitiva aos problemas didático-pedagógicos dentro dos laboratórios de informática, mas sim como uma alternativa teórica válida para práticas de inclusão digital e, possivelmente, de informática educativa.

Ao construir a metodologia para as oficinas de informática e cidadania com base nos elementos apresentados neste artigo, foi possível verificar a estreita ligação existente entre o conceito de inclusão digital do Mutirão pela Inclusão Digital, a potencial dinâmica das Arquiteturas Pedagógicas e as premissas do Conectivismo, relação que deve ser avaliada e validada em pesquisas e reflexões posteriores.

Referências

BRASIL 1. Programa Banda Larga nas Escolas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=823&id=15808&option=com_content&view=article>. Acesso: 19 mai. 2011.

BRASIL. Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9998.htm>. Acesso: 19 mai. 2011.

CARVALHO; Marie Jane Soares,NEVADO; Rosane Aragón e MENEZES; Crediné Silva de. Aprendizagem em rede na educação à distância: estudos e recursos para formação de professores. Porto Alegre : Ricardo Lenz, 2007.

LÉVY, Pierre, A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo :Edições Loyola, 2003.

Page 103: Livro Final

131

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

MOTA, José (6-2009). Da Web 2.0 ao e-Learning 2.0: Aprender na Rede. Dissertação de Mestrado, Versão Online, Universidade Aberta. Disponível em: <http://orfeu.org/weblearning20>. Acesso em: 19 mai. 2011.

OECD. PISA 2009 Results: Students on Line: Digital Technologies and Performance (Volume VI), 2010. Disponível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264112995-en. Acesso em 01 jul. 2011.

PRENSKY, Marc. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. NCB University Press, Vol. 9 No. 5. Out. 2001. Tradução de Roberta M. Souza. Disponível em: <depiraju.edunet.sp.gov.br/.../Texto_1_Nativos_Digitais_Imigrantes_Digitais.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2011.

SIEMENS, George. Conectivismo: Uma Teoría de Aprendizaje Para la era Digital. Tradução de Diego E. Leal Fonseca, 2007. Disponível em: <www.diegoleal.org/docs/2007/Siemens(2004)-Conectivismo.doc>. Acesso: 19 mai. 2011.

Page 104: Livro Final

132

Inclusão digital como base metodológica na formação de professores: um estudo de caso10

Karina Marcon 11

Adriano Canabarro Teixeira12

1. Localizando o estudo

Esta pesquisa surgiu em função das discussões existentes no “Grupo de Estudos e Pesquisa e Inclusão Digital”, do Curso de Ciências da Computação da Universidade de Passo Fundo. Após um projeto realizado pelo grupo em parceria com a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, chamado Formação Docente como exercício inclusivo de autoria colaborativa – que teve por objetivo propor, desenvolver e verificar a potencialidade de uma metodologia de formação docente baseada no conceito de inclusão digital – sentiu-se a necessidade de acompanhar quais foram as mudanças ocorridas na prática dessas escolas cujos docentes eram participantes.

Esse foi um projeto piloto desenvolvido com professores de escolas da rede de ensino municipal de Passo Fundo, implementado em novembro de 2006, através de um curso de 180 horas composto por cinco módulos. Com vistas a fomentar uma apropriação criativa das tecnologias, os módulos previam, além da utilização do Kelix13, das ferramentas da internet e do Pacote BrOffice, a Construção de Projetos de Aprendizagem que pudessem explorar as possibilidades que um laboratório de informática pode propiciar na escola.

Esse estudo de caso visou contribuir com a totalidade desse projeto maior através de uma pesquisa de natureza exploratória, realizada por meio de observações simples, questionário qualitativo e entrevistas estruturadas. Lüdke e André consideram que dentro da concepção de estudo de caso que pretende “não partir de uma visão predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos ricos e imprevistos que envolvem uma determinada situação” [1986 p.22], a fase exploratória é fundamental

10 Este artigo é o resumo da dissertação de Mestrado realizada pela aluna Karina Marcon, com a orientação do professor. Dr. Adriano Canabarro Teixeira, publicado XXI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (SBIE). MARCON, Karina ; TEIXEIRA, Adriano Canabarro . Inclusão digital como base metodológica na formação de professores: um estudo de caso. In: XXI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (SBIE), 2010.

11 Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

12 Doutor em Informática na Educação; Professor do Curso de Ciência da Computação e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF); Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação da Universidade Fedeal do Rio Grande do Sul (UFRG). E-mail: [email protected] 13 http://www.kelix.upf.br

Page 105: Livro Final

133

para uma definição mais precisa do objeto que está sendo estudado. Por isso, a pesquisa teve o objetivo de demonstrar o panorama da inclusão digital nas escolas participantes, sem, entretanto, se deter na análise de elementos específicos, visto que a necessidade de entender o contexto geral era maior do que a compreensão de elementos isolados.

Quando se fala em pesquisa de caráter exploratório, é imprescindível compreender que estas “são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” [Gil 1999 p.43]. Além disso, a fase exploratória é considerada como uma “visão de abertura para a realidade, tentando captá-la como ela é realmente, e não como se quereria que fosse [...]” [Lüdke and André 1986 p. 22].

O estudo foi realizado tendo como referência a escolha de uma turma do Ensino Fundamental – séries iniciais de cada Escola, que recebeu uma visita da pesquisadora com o objetivo de aproximar-se da realidade do processo de apropriação das TR. As turmas que foram observadas variam entre 3ª e 4ª série. Optou-se por fazer uma observação simples das atividades que foram realizadas no laboratório, sendo que, por observação simples, “entende-se aquela em que o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem” [Gil 1999 p. 111]. As observações tiveram por objetivo reconhecer as formas como o professor responsável conduzia a aula e de que forma as atividades pressupunham a participação e o protagonismo da criança frente às TR.

Em relação às entrevistas estruturadas, aplicadas aos diretores, professores, monitores e alunos, destaca-se que, embora se tenha conhecimento de que a entrevista estruturada comumente não é um recurso próprio de pesquisas exploratórias, optou-se pela sua utilização uma vez que “desenvolve-se a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanece invariável para todos os entrevistados, que geralmente são em grande número” [Gil 1999 p.121].

O questionário aplicado à Diretora (ou à Vice-Diretora) objetivava perceber a visão da gestão de cada escola, buscando identificar a concepção de informática educativa adotada na instituição. Já para o professor responsável, a entrevista foi realizada buscando saber a dinâmica do laboratório e as concepções dos mesmos sobre informática na educação. Para o monitor responsável pela parte técnica foi realizada uma entrevista com vistas a perceber sua visão sobre aulas. Um aluno de cada escola também foi entrevistado com a intenção de averiguar sua concepção sobre as tecnologias, de que forma estava acontecendo a apropriação das mesmas e qual estava sendo a postura dos educandos frente as TR.

Por fim, é possível apontar que este estudo, na medida em que busca conhecer os desdobramentos do processo de formação de professores da rede municipal de ensino de Passo Fundo, objetiva contribuir diretamente com as discussões referentes à formação de recursos humanos para a informática na educação, tema sempre recorrente nesses mais de 20 anos de informática educativa, mas que em função da popularização destas tecnologias nas escolas e do dinamismo com que tais aparatos se desenvolvem, deveria figurar como uma das prioridades nesta estratégica área para a educação brasileira.

Page 106: Livro Final

134

2. A Lógica Broadcast e a Dinâmica das Redes na Sociedade Contemporânea

Por entender que a sociedade contemporânea tem profundas relações com as tecnologias digitais torna-se imprescindível pensar em processos de apropriação crítica dessas tecnologias, explorando, assim, o conceito de inclusão digital que permeia esse estudo. Entende-se que na dinâmica da globalização estrutura-se uma sociedade regida pelas leis do mercado, que possui o aporte das mídias, induzindo as pessoas ao consumo, à passividade e à reprodução. Ao referir-se a essa dinâmica, Lemos afirma que

A divulgação cultural massiva précibercultura, com raras exceções, fica nas mãos daqueles que controlam os meios de comunicação, fonte de poder político, de prestígio e de influência sobre o que é ou não dito às massas. Controlar os mass media é controlar a opinião das massas, barrar a diversidade cultural e forjar uma identidade essencialista, purista e imutável [2004].

Sendo assim, acredita-se que as TR não podem ser consideradas uma evolução de suas antecessoras, uma vez que as anteriores são baseadas na massificação e na linearidade do fluxo de informações. A internet é compreendida como uma tecnologia de rede e uma vez que incorpora características da lógica reticular [Castells 2005], assume o caráter de revolução e não uma evolução dos suportes comunicacionais. Surge, então, uma nova relação da sociedade com as TR, a cibercultura, caracterizada como “a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais” [Lemos 2003]. Potencialmente, possibilita a interação com processos comunicacionais que superam os meios convencionais, pois potencializam a abertura dos pólos de emissão de mensagem. Assim, é importante ressaltar que não basta ter o acesso às TR, é necessário haver um acesso criativo e qualificado. Com a lógica das redes, o indivíduo é chamado a superar a postura de consumidor, assumindo um papel de agente ativo na construção do conhecimento, partindo de uma dinâmica de autoria e participação.

Portanto, processos de inclusão digital devem ser entendidos como a apropriação crítica e criativa das TR em uma dinâmica de colaboração e comunicação. A inclusão digital assume papel fundamental para o exercício da cidadania na cibercultura, direcionando a uma dinâmica de imbricamento das TR com processos educativos, visando, também, em uma dimensão macro, processos de inclusão social. Nesse sentido, inclusão digital pode ser entendida como

um processo horizontal que deve acontecer a partir do interior dos grupos com vistas ao desenvolvimento de cultura de rede. Numa perspectiva que considere processos de interação, de construção de identidade, de ampliação da cultura e de valorização da diversidade, para, a partir de uma postura de criação de conteúdos próprios e de exercício da cidadania, possibilitar a quebra do ciclo de produção, consumo e dependência tecnocultural [Teixeira 2005 p.30].

Page 107: Livro Final

135

Faz-se necessário, assim, compreender que essa situação de proximidade instituída pelas TR pode levar à potencialização de processos de aprendizagem, entendidos como vivências baseadas na interação, na comunicação e na reflexão.

3. Inclusão Digital e Processos Educativos

Por entender que “a função fundamental da aprendizagem humana é interiorizar ou incorporar a cultura, para assim fazer parte dela” [Pozo 2002 p.25], ao perceber a dinâmica social contemporânea, o sujeito depara-se, também, com a cultura atravessada pelas tecnologias digitais. Essa situação potencializa o estabelecimento e a vivência do diálogo, estimulando processos comunicacionais recíprocos, como aponta Freire:

A comunicação [...] implica numa reciprocidade que não pode ser rompida. [...] Dessa forma, na comunicação, não há sujeitos passivos. Os sujeitos co-intencionados ao objeto do seu pensar, se comunicam seu conteúdo. O que caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se, é que ela é diálogo, assim como o diálogo é comunicativo [1988 p.67].

A reciprocidade, dessa forma, é indispensável para o estabelecimento da educação como um processo comunicativo e dialógico, bem como para a concretização dos processos comunicativos capazes de estabelecer esse diálogo idealizado por Freire. Diante disso, as práticas educacionais precisam ser pensadas como formas por meio das quais o sujeito seja estimulado a participar ativa e significativamente de processos de construção do conhecimento. Tais práticas também devem servir para que o indivíduo compreenda as demandas de aprendizagens existentes na atualidade.

Frente a isso, por acreditar que aconteceram significativas mudanças culturais na aprendizagem como conseqüência da evolução das tecnologias da informação e da própria organização social do conhecimento, Pozo ainda menciona que

As novas tecnologias da informação, em vez de nos escravizar e nos submeter a suas ocas rotinas, como supunham alguns negros presságios e ainda acredita muita gente, multiplicam nossas possibilidades cognitivas e nos permitem o acesso a uma nova cultura da aprendizagem. Essas novas tecnologias não poderiam ser usadas e menos ainda planejadas se a mente humana não tivesse sido dotada com a inestimável ajuda da seleção natural, de alguns processos de aprendizagem que permitem mobilizar, ativar nossos sistemas de memória com uma eficácia realmente extraordinária [2002 p.111].

É possível verificar uma significativa relação entre as tecnologias digitais e essa mudança nos processos de aprendizagem. Os processos educativos imbricados a essa nova situação social estabelecem o saber como um resultado de construção individual ou coletiva, que é mediado a partir dessa interação existente no ciberespaço. Sobre uma pedagogia intrínseca às novas tecnologias, Serpa ressalta alguns indicadores:

Page 108: Livro Final

136

[...] dessa lógica e dessa pedagogia: não há centro – os processos, conforme as condições, têm uma centralidade instável. Ora o professor é o centro, ora o aluno, ora outro ator diferente de professor e aluno. [...] Participação necessária – todo sujeito, para vivenciar o processo pedagógico, tem de participar na rede, sendo impraticável um mero assistir. Processos coletivos necessários – sendo uma dinâmica de rede e necessitando da participação de todos, a produção é necessariamente coletiva. Cooperação como traço fundamental – para o sistema de rede funcionar, os participantes necessariamente têm que colaborar [2004 p.173].

A mobilidade dos centros possibilitada pelas TR pode vir a contribuir significativamente no processo ensino-aprendizagem, pois estabelece uma condição de troca, cooperação e interação, que devem ser idealizadas na apropriação das tecnologias.

As constatações realizadas teoricamente demonstram claramente que as tecnologias digitais de rede possuem características que podem potencializar significativamente o processo de aprendizagem. Entretanto, é preciso que se reconheça que o papel do professor neste contexto é estratégico e fundamental e que é urgente que este profissional possa compreender o potencial intrínseco aos aparatos tecnológicos contemporâneos, elemento motivador e constante no processo de formação realizado junto aos professores das escolas municipais de Passo Fundo.

Desta forma, após o período de formação, consolidou-se a demanda por reconhecer os desdobramentos de tal proposta, relato realizado na sequencia.

4. A realidade da Inclusão Digital em dez escolas de Passo Fundo

Primeiramente é preciso ressaltar que em três escolas a visita não pôde ser realizada. Na primeira, o servidor de acesso à internet estava com problemas. Na segunda estava em teste uma versão atualizada do Kelix e, por isso, as máquinas não ligavam. Na terceira a professora que participou do curso de Formação Docente teria saído da escola, por isso as séries do Ensino Fundamental não estavam até então utilizando o laboratório por falta de uma pessoa capacitada para conduzir o trabalho.

No total foram entrevistados quatro sujeitos de cada escola visitada, totalizando vinte e oito participantes da pesquisa. Os resultados obtidos nessas outras sete escolas, foram divididos em sete categorias. A primeira categoria diz respeito a formação dos participantes vinculados diretamente ao laboratório de informática. Percebeu-se que não existe uma formação específica: os professores eram graduados em Pedagogia, Ciências Biológicas, Química, Geografia, o que demonstra que informática educativa é uma área multidisciplinar e que está sendo assumida por todos. Nas sete escolas visitadas, apenas um professor não tinha participado do curso de Formação Docente.

A segunda categoria diz respeito à dinâmica de uso do laboratório. Percebeu-se que em quatro escolas existe certa ociosidade na utilização do laboratório de informática, decorrente de falta de monitores para atender toda a demanda da escola. Das sete escolas visitadas, em cinco os horários de cada turma no laboratório são fixos, sendo que as crianças vão ao laboratório semanalmente. Nas outras duas, os horários funcionam por agendamento. Acredita-se que o planejamento do uso através de horário

Page 109: Livro Final

137

fixo aos laboratórios, adotado por cinco escolas, é mais adequado aos objetivos da informática educativa tendo em vista que, para muitas crianças, o uso de computadores só acontece na escola, ao ser estabelecida uma visita semanal ao laboratório, a essas crianças é garantido ao menos esse contato. Em relação ao uso facultativo, através de agendamento, acredita-se que os mais prejudicados são os alunos, pois dependem da iniciativa dos professores, o que muitas vezes não ocorre, seja pelo receio em utilizar a máquina ou pela inabilidade em relação ao manuseio.

A terceira categoria traz uma estimativa quantitativa da freqüência dos alunos no laboratório. O total de alunos das 07 escolas é de 3.080. Apenas em uma escola todas as turmas utilizavam o laboratório semanalmente, totalizando o número de, aproximadamente, 160 alunos. De outras 05 escolas, que tinham mais de 2070 alunos, cerca de 960 utilizavam o laboratório, sendo que os demais estavam privados deste espaço da escola por falta de monitor. Na sétima escola, com mais de 800 alunos, cerca de 200 crianças utilizavam o laboratório por semana, pois funcionava por agendamento. Após as visitas às escolas, é possível apontar que apenas 50% das crianças estão utilizando os laboratórios.

A quarta categoria aborda a importância da informática educativa para os educadores. Percebeu-se que todos acreditam na informática educativa como um elemento que pode contribuir significativamente nos processos de aprendizagem:

“Eu sempre penso da seguinte forma: que a nossa educação em relação a tecnologia ainda está mal e mal engatinhando, se compararmos aos outros setores. Eu acredito que se a educação, principalmente a brasileira, está tendo os resultados que ela deveria ter, é por esse atraso também. Não apenas pelo fato da sociedade não contribuir, essas coisas [...]. Porque se você for ver em outros setores, por exemplo, o industrial, há quantos anos que a tecnologia já está? E as escolas, quando é que começaram a ter essa tecnologia? Praticamente agora, nos 2 ou 3 últimos anos...” [P01].

Em todas as falas dos docentes, notou-se a existência de um fio condutor, que é, também, harmônico ao que o grupo de pesquisa propôs quando do processo de formação. Essa categoria ainda abriu duas outras subcategorias: uma relativa aos desafios para o trabalho com os computadores, na qual concluiu-se que questões técnicas são as mais preocupantes e outra relacionada a possíveis formas de qualificação da ação docente nos laboratórios. As respostas basicamente dizem respeito à necessidade de ruptura do paradigma tradicional de educação para a criação de um novo modelo baseado numa estrutura horizontal, à necessidade de melhoria da estrutura física e à questão da ampliação do número de máquinas.

A quinta categoria traz as percepções sobre as TR por professores e alunos. As falas dos professores apontam questões relativas à situação de imersão tecnológica em que está se vivendo, a inovação e o avanço da escola ao participar dessa nova dinâmica e a necessidade de familiarização com a linguagem digital:

“Todas as pessoas deveriam entrar em contato com as novas tecnologias; porque a informática, hoje, tá em tudo. Ela nos cerca de uma maneira que tu fica pensando... De repente tu vai ao mercado ela ta lá, tu vai ao posto de gasolina ela ta lá,

Page 110: Livro Final

138

então não tem onde a informática não está inserida no contexto contemporâneo... tudo é informática e quem não souber navegar numa internet, digitar um texto, trabalhar com uma planilha eletrônica, trabalhar com arquivos, renomear, trabalhar de forma prática, não só o nosso aluno, mas todos, será considerado um analfabeto, como era antigamente, só que hoje esse analfabeto seria um analfabeto digital” [P02].

Em relação à percepção das TR por alunos, a maioria deles relaciona os conhecimentos em informática com seu futuro profissional. Somente uma aluna possuía internet em casa, por isso seu pensamento foi além dos colegas:

“Quando a gente mexe no computador a gente descobre um monte de coisa nova, a gente pode fazer o que a gente bem querer né, a gente pode jogar, pode fazer texto, a gente pode descobrir um monte de coisa. Pra mim é tudo!” [A07].

A sexta categoria traz a relação das TR com os processos educativos. Percebeu-se pouca relação do laboratório com os projetos desenvolvidos pelas escolas, uma vez que somente três escolas realizavam esta vinculação. Essa categoria ainda foi subdividida em outras duas: uma com relação aos aspectos positivos das TR em uma visão da gestão, que basicamente entendem o laboratório como um elemento pedagógico auxiliador, que proporciona envolvimento e participação do aluno e da comunidade na dinâmica escolar, que desperta o desejo de pesquisa, proporciona o desenvolvimento da linguagem e fornece um sentimento de pertencimento da escola nessa inclusão. A outra subcategoria aponta aspectos negativos das TR, também na visão da gestão, especialmente no que diz respeito a questões de ordem técnica, à infra-estrutura, à facilidade de copiar e colar trabalhos, o acesso à pornografia, a falta dos monitores e o descaso de alguns professores.

Por fim, a sétima e última categoria diz respeito à apropriação dos computadores pelos alunos. Também foi subdividida, sendo que a primeira subdivisão traz observações de como está sendo o contato dos alunos com os computadores. Das sete escolas, percebeu-se que em apenas uma o contato das crianças estava sendo tímido, porque era a terceira vez que freqüentavam o laboratório. Nas outras seis, percebeu-se que as crianças tinham liberdade em utilizar o computador, já conheciam a máquina e manuseavam sem medo, elemento importante para que se apropriem criativamente das mesmas. A outra subcategoria traz observações sobre as formas como os professores propunham e conduziam as atividades e de que forma promoviam a participação e o protagonismo do aluno. Das sete escolas visitadas, em quatro os alunos utilizavam somente jogos, sem acesso à internet. Em outras duas os alunos utilizavam a internet, mas restritos aos sites autorizados pelos professores, um portal para jogos e sites para pesquisa, respectivamente. Somente em uma escola se pôde perceber que a internet era utilizada como um meio de comunicação. Neste processo, detectou-se que somente uma turma estava participando efetivamente de um processo com contornos de inclusão digital, enquanto as outras, de certa forma, estavam condicionadas à passividade diante das TR, limitadas à atividades pré-determinadas, não explorando as capacidades da rede.

Page 111: Livro Final

139

5. Considerações sobre a pesquisa

A verificação da prática escolar após o processo de informatização e do Projeto de Formação Docente, realizados sob um âmbito de inclusão digital, contribuiu eficazmente para a identificação de como estão ocorrendo os movimentos de apropriação das tecnologias, elemento de extrema importância quando se fala em inclusão digital.

Percebeu-se que houve algumas discrepâncias entre o uso do laboratório planejado pela escola com o uso efetivamente observado, pois ocorreram desajustes nas narrativas dos sujeitos com a prática de utilização observada. Destaca-se, dentre o que foi observado, a necessidade de criação de estratégias para que o conhecimento gerado no processo de formação seja disseminado nas escolas; a importância de políticas públicas de informática educativa com o intuito de ampliar o número de computadores e a conexão nas escolas; a urgência de se oferecer constantes processos de formação docente e, por fim, a necessidade de medidas que oportunizem o contato das licenciaturas, professores em formação, com essas tecnologias.

Por fim, acredita-se que esta pesquisa pôde fornecer um indicativo significativo da concepção de informática educativa de dez escolas da rede pública municipal e, igualmente, fornecer um panorama do potencial e da pertinência do conceito de inclusão digital que sustentou o processo de formação docente realizado.

6. Referências

Castells, M. (2005). A internet e Sociedade em Rede. In: Moraes, D. (org). “Por uma outra comunicação – Mídia, mundialização cultural e poder”. 3 ed. Rio de Janeiro, Record, p.225-231.

Freire, P. (1988) “Comunicação ou Extensão?” 10 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Gil, A. C. (1999) “Métodos e Técnicas de pesquisa social”. 5ª ed. São Paulo, Atlas.

Lemos, A. (2003) “Cibercultura. Alguns Pontos para compreender a nossa época”. Lemos, André; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003. http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/ cibercultura.pdf. Maio de 2007.

Lemos, A. (2004) “Cibercultura e Identidade Cultural. Em direção a uma cultura copyleft?”. Ensaio apresentado do Fórum Cultural Mundial e no Simpósio Emoção Art. oficial. (Itaú Cultural) São Paulo, julho 2004. http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/copyleft.pdf>. Maio 2007.

Lüdke, M.; André, M. (1986) “Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas”. São Paulo, EPU.

Pozo, J. I. (2002) “Aprendizes e Mestres: A nova cultura da aprendizagem”. Porto Alegre, Artmed Editora.

Serpa, F. (2004) “Rascunho Digital – Diálogos com Felippe Serpa”. Salvador, Edufba.

Teixeira, A. C. (2005) “Formação Docente e Inclusão Digital: a análise do processo de emersão tecnológica de professores”. Tese (Doutorado em Informática na Educação)

Page 112: Livro Final

140

– Programa de Pós Graduação em Informática na Educação da Universidade de Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul.

Page 113: Livro Final

141

Aspectos Sociais da Experiência do Mutirão pela Inclusão Digital: Resgatando 5 anos de atividade1

Tamiris Tomasi Malacarne2

Cristina Fioreze3

Adriano Canabarro Teixeira4

Eliana Cristina Dalagasperina5

Marco Antônio Sandini Trentin 6

1. Introdução

Este estudo visa discutir a exclusão digital enquanto expressão da questão social valendo-se de reflexões teóricas e pesquisa empírica. Destaca-se que corriqueiramente muito se tem utilizado o conceito exclusão social para nomear as inúmeras expressões da questão social, provocando uma minimização deste conceito. Ao mesmo passo, desconsideram-se os diferentes nós que envolvem a rede da exclusão social, que apresenta desafios teóricos para sua compreensão. Trata-se de um produto do modelo econômico que, na sua discussão, deve compreender a realidade em suas particularidades, considerando aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais, entre outros.

Cabe elucidar que a exclusão social tem relação direta com a inclusão social, ou seja, pensar a condição de excluído diretamente remete a pensar em inclusão, porque entre ambas existe uma relação dialeticamente estabelecida. Nessa perspectiva, é possível refletir com denso aprofundamento teórico sobre a exclusão social e as possibilidades e limites da inclusão social realizada no capitalismo, modelo econômico vigente. Posto isto, a questão norteadora da pesquisa se consolidou da seguinte forma: Em que medida a inclusão digital influencia na amenização da exclusão social?

1 Artigo publicado no International Council for Educational Media, 2011, Aveiro. Old Meets new media in education - Joint Conference. Aveiro: University of Aveiro, 2011. v.01. 2 Faculdade de Educação – Universidade de Passo Fundo (UPF) [email protected]. 3 Faculdade de Educação – Universidade de Passo Fundo (UPF). [email protected]. 4 Faculdade de Educação – Universidade de Passo Fundo (UPF). [email protected]. 5 Curso de Ciência da Computação – Universidade de Passo Fundo (UPF). [email protected]. 6 Curso de Ciência da Computação – Universidade de Passo Fundo (UPF). [email protected].

Page 114: Livro Final

142

Neste sentido, uma vez que o projeto Mutirão pela Inclusão Digital se consolida na ação educativa calcada na apropriação das tecnologias em processos didático-pedagógicos, este artigo encontra profunda aderência ao tema “Aspectos Sociais da Informática na Educação”, tópico de interesse do evento e ao qual se destina.

2. A exclusão digital como faceta contemporânea da exclusão social

Vive-se atualmente num contexto social marcado pelas inovações tecnológicas, por alterações das relações sociais, permeado pela desigualdade social crescente, pela má distribuição de renda, pelas novas expressões da questão social7, pela retração do Estado dito mínimo, pelo aumento do desemprego, pela desregulamentação das políticas sociais e dos direitos constitucionalmente garantidos. Nesse contexto a exclusão social se apresenta como um fenômeno social comum.

A discussão acerca da exclusão social é complexa e contraditória por ser produto do modelo econômico e ter relação direta com a inclusão social. A exclusão social é multifacetada, ou seja, apresenta-se com as mais variadas facetas e expressões, podendo ser decorrente de fatores culturais, econômicos, políticos, sociais, ambientais, entre outros. “São várias questões interligadas, pois o excluído no período atual, não é somente aquele que vive em condições de pobreza”. (REIS, 2002, p. 2).

Ainda se pode destacar que existem então formas visíveis e invisíveis de exclusão social que, de diferentes maneiras, atingem uma grande parcela da população, pois “[...] o desenvolvimento econômico que gera um desenvolvimento social muito aquém de suas possibilidades [...], como ocorre no Brasil, nega-se na perversidade das exclusões sociais que dissemina”. (MARTINS apud MALACARNE; SOUZA, 2002, p.9)

A faceta da exclusão social que nos propomos analisar é denominada “exclusão digital”. Apesar do desenvolvimento tecnológico contemporâneo e do franco processo de informatização, de ambientes de ensino em especial, o acesso às tecnologias ainda é desigual e, sabe-se, não garante a inclusão.

2.1. A exclusão digital como forma de exclusão social

O contexto social é marcado e transformado pelas tecnologias de rede e, independentemente do acesso a seus aparatos tecnológicos, consolida-se um processo de imersão individual e coletiva numa configuração social repleta de tecnologias, que modifica continuamente a dinâmica cotidiana dos indivíduos ao mesmo tempo em que também são modificadas nessa interação, porém em intensidades e formas diversas. (TEIXEIRA, 2010, p.25)

7 A questão social, segundo Iamamoto (2004, p.27), é “apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades sociais da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.”

Page 115: Livro Final

143

Assim, todos são influenciados pelas tecnologias em maior ou menor intensidade e de diferentes maneiras. Cabe assinalar que o acesso a tais tecnologias ainda se dá num nível extremamente desigual. Nessa perspectiva Castells aponta que

a centralidade da internet em muitas áreas da atividade social, econômica e política equivale a marginalidade para aqueles que não têm acesso a ela, ou têm apenas um acesso limitado, bem como para os que são incapazes de usá-la eficazmente. Assim não surpreende que a proclamação do potencial da Internet [...] venha de par com a denúncia da divisão digital gerada pela desigualdade a ela associada. (2003, p.203)

A discussão em torno da exclusão digital como uma nova categoria da exclusão social requer cuidado, sensibilidade e cautela, pois, como apresentado acima, é demasiadamente complexa em razão da fragilidade conceitual em torno do conceito “exclusão social”. Importa situar a exclusão digital, portanto, como resultado dos avanços tecnológicos, apresentando as suas particularidades e problematizando tal discussão teoricamente. A situação de exclusão referida, decorre da dualidade das tecnologias propostas por Teixeira:

Se por um lado as TRs potencializam processos colaborativos de aprendizagem, por outro possibilitam que se ampliem processos de dominação e exploração, baseados na construção de uma massa de consumidores permanentemente disponíveis à ação do mercado global e imersos numa cultura tecnológica que reforça posturas passivas; que ignora as diferenças, desconsidera as culturas locais e impõe tendências, consolidando um processo que leva à incapacidade de reconhecer as TRs como elementos essencialmente sociais e potencialmente libertadores. (2010, p.20).

Apesar de toda complexidade da discussão que envolve a exclusão social, e considerando cuidadosamente a discussão dos autores referidos, parte-se da premissa de que existem possibilidades de promoção da inclusão social a partir da inclusão digital.

3. A pesquisa desenvolvida

A presente pesquisa foi realizada junto ao projeto Mutirão pela Inclusão Digital8, tendo como objetivo “desenvolver um estudo sobre o projeto Mutirão pela Inclusão Digital visando perceber quais as possíveis contribuições deste aos usuários da política de assistência social e ao seu processo de inclusão social.”9.

8 Mais informações sobre o projeto podem ser encontradas em TEIXEIRA, A. C. ; CAMPOS, A. de . A indissociabilidade entre inclusão digital e software livre na sociedade contemporânea: a experiência do Mutirão pela Inclusão Digital. In: Adriano Canabarro Teixeira; Karina Marcon. (Org.). Inclusão Digital: experiências, desafios e perspectivas. Passo Fundo: UPF Editora, 2009, v. , p. 15-32 9 A pesquisa foi realizada pelas acadêmicas Tamiris Tomasi Malacarne e Suelen Oliveira de Souza, ambas do curso de Serviço Social da Universidade de Passo Fundo

Page 116: Livro Final

144

A metodologia foi construída por meio do método dialético, visando considerar a realidade enquanto histórica e permeada por contradições sociais, pensada segundo o viés de classes sociais antagônicas, no qual tudo está em constante processo de transformação/movimento. O homem é visto como sujeito, em sua totalidade, desconsiderando a objetificação do mesmo, porque é um ser social e histórico. (RICHARDSON, 1999, p.48-54)

No que concerne à amostra, considerando que na construção do projeto de pesquisa um dos objetivos específicos era “identificar quais contribuições do projeto Mutirão pela Inclusão Digital aos usuários que frequentaram e/ou frequentam as oficinas oferecidas pelo projeto” (Projeto de Pesquisa, 2009, p.4), a amostra que se tem é a totalidade de participantes do projeto.

Cabe elucidar que os participantes do projeto ao longo dos seus cinco anos de implementação representam cerca de setecentos usuários. No entanto, muitas informações se perderam, o que acabou impossibilitando o acesso a todos os sujeitos da pesquisa. Assim, os questionários foram enviados via correio eletrônico para 258 usuários que constavam no sistema informatizado do projeto.

Desse número, apenas 38 usuários deram retorno aos e-mails respondidos, e dos 38 respondentes, 31 se dispuseram a continuar no estudo. Com estes, foi utilizada a técnica da entrevista e coleta. No item seguinte é feita a apresentação e a análise dos dados obtidos com a realização de tal pesquisa.

3.1. A análise dos dados

A pesquisa foi realizada junto aos usuários que frequentaram e/ou frequentavam as oficinas de informática do Projeto Mutirão pela Inclusão Digital da universidade de Passo Fundo, criado no ano de 2005, sendo que os dados analisados abrangem desde o ano de seu surgimento até o ano de 2009, quando ocorreu o desenvolvimento desta pesquisa. Importa destacar que, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo, sendo que, o mesmo ainda fora institucionalizado enquanto linha de pesquisa do Serviço Social.

O público alvo do projeto apresenta uma característica relevante, são também caracterizado como público da Política de Assistência Social. Nos termos da legislação da Instituição, fazem parte deste grupo:

Indivíduos e grupos que estejam em situação de vulnerabilidade e risco social e submetidos a processos de exclusão digital decorrentes de situações de seletividade social, econômica ou ideológica. Dentre o público a ser atendido pode-se citar: crianças e adolescentes com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; pessoas da terceira idade; pessoas com desvantagem pessoal em função de deficiências físicas; crianças e adolescentes em situação de exclusão e/ou no acesso as demais políticas públicas. (UNIVERSIDADE, 2009, p. 3)

É importante explicitar que do número total de 38 de respondentes, 36 participaram do projeto no ano de 2009 e os outros dois entre 2005 e 2006. Um primeiro aspecto a ser destacado refere-se à idade dos participantes, primeira questão da entrevista realizada junto aos usuários. A respeito, 39% incluem-se na faixa etária dos

Page 117: Livro Final

145

seis anos aos nove anos; 24%, na faixa etária de 10 a 14 anos; 13% não informaram a idade; 3% correspondem à faixa dos 25 a 40 anos; 8%, à faixa dos 40 aos 60 anos e 13% representam a faixa mais de 60 anos.

No que concerne ao sexo dos participantes 62% são do gênero feminino e 38%, são do gênero masculino. Outra questão referia-se à escolaridade, constatando-se que 75% dos respondentes afirmaram ter frequentado o ensino fundamental incompleto; 11%, ensino médio completo; os demais estão divididos entre ensino fundamental completo, ensino médio completo, ensino superior completo, ensino superior incompleto.

Quando questionados sobre se possuíam computador em casa, mais de 50% responderam não possuir. Esse aspecto nos remete a observar que ter computador em casa é relevante, mas não é fator determinante para o acesso à internet. Observa-se que a maioria dos entrevistados, apesar de não ter acesso a este recurso em casa, faz uso dele em outros locais. Como exemplo podemos apontar as escolas, universidades, locais de trabalho, lan houses, telecentros, dentre outros.

Teixeira aponta que

formas alternativas de utilização da Internet foram criadas e estão em constante aprimoramento, dentre as quais se destacam: os provedores de acesso gratuitos, os mecanismos de acesso pelo aparelho de TV e os locais de acesso público. ( 2001, p.67)

Importa destacar que como pano de fundo do acelerado desenvolvimento tecnológico tem-se a concorrência entre as empresas prestadoras de tais serviços, o que acaba resultando em preços menores para o consumidor. Esse aspecto positivo é na medida em que facilita a aquisição de tais serviços.

Outra questão constante no questionário buscava identificar em que espaço ocorrera o primeiro contato com o computador e/ou com a internet. Dos respondentes, 71% teve o primeiro contato junto ao projeto Mutirão pela Inclusão Digital; 16% tiveram tal contato em casa e 13% em outros espaços.

Nota-se, portanto, a relevância do projeto ao possibilitar aos usuários o primeiro contato com o computador e até mesmo a internet. Porém, de acordo com a própria metodologia do projeto, sabemos que o simples acesso não é suficiente, sendo necessário “propiciar a grupos em situação de vulnerabilidade e risco social, assumir papel ativo na sociedade em rede através de oficinas de informática e cidadania” (UNIVERSIDADE..., 2009, p.1).

A perspectiva trabalhada no projeto visa ir muito além da simples promoção do acesso, pois seu objetivo geral é “implementar ações de Inclusão Digital com vistas à apropriação das tecnologias de rede por parte dos envolvidos em uma perspectiva de ambiente comunicacional e de exercício da cidadania”. (UNIVERSIDADE..., 2009, p.4)

Assim, trabalhar no sentido da promoção da inclusão social desses sujeitos requer que estratégias amplas sejam pensadas em comum acordo com os sujeitos participantes. Como aponta Teixeira, a inclusão digital é entendida como “processo horizontal que deve acontecer a partir do interior dos grupos com vistas ao

Page 118: Livro Final

146

desenvolvimento de cultura de rede” (2010), ou seja, a perspectiva de trabalho deve considerar e prezar por “processos de interação, de construção de identidade, de ampliação da cultura e de valorização da diversidade” visando a que os usuários participantes adotem “uma postura de criação de conteúdos próprios e de exercício da cidadania, possibilitar a quebra do ciclo de produção, consumo e dependência tecnocultural.” (p. 39).

Quando perguntados sobre como avaliam as atividades do projeto, 60% dos entrevistados o consideraram ótimo, 29%, bom; 5% não souberam responder e 3% responderam considerá-lo ruim ou foram casos especiais que representam os que apontaram duas respostas.

Embora se considere positivo o fato de que a maioria dos entrevistados tenha avaliado bem o projeto, não se pode desconsiderar que há uma cultura que perpassa o discurso dos usuários da política de assistência social, que é a cultura da benesse, do assistencialismo.

Posteriormente, quando questionados em questão aberta sobre o que mudou na sua vida a partir da participação no projeto, os respondentes trouxeram falas que apontaram para análises que podem ser agrupadas nas seguintes categorias: espaço de comunicação, espaço de conhecimento e auxílio no processo de envelhecimento.

3.1.1. Espaço de comunicação

A comunicação “é a essência da vida e inerente ao ser humano” (FONTES; UTYAMA; RODRIGUES, 2006, p.1), pois é por meio dela que trocamos mensagens com outras pessoas. Ainda segundo Guareschi, “não seria exagero dizer que a comunicação constrói a realidade” (2004, p.14), pois o mundo está permeado em todos os sentidos pela comunicação e em torno dela, visto que vivemos “num mundo teleinformatizado”. (p. 14). Além disso,

a comunicação é processo pelo qual uma pessoa transmite pensamentos, sentimentos e idéias aos outros. É um instrumento que permite a uma pessoa, entender a outra, que aceite, ou seja, aceita, receba ou envie informações, dê ou receba ordens, ensine e aprenda. (FONTES; UTYAMA; RODRIGUES; 2002, p.1)

Há que se destacar que a comunicação envolve um processo de troca, ninguém vive sem se comunicar, como nos diz Freire; “O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação”. (1983, p.44). Teixeira aponta que

comunicar-se é uma necessidade básica do ser humano. Ao longo de toda a sua existência, a humanidade sempre desenvolveu mecanismos que possibilitam o acesso e a troca de informações. A cada novo mecanismo criado, abrem-se novas perspectivas, novas possibilidades e desafios para a sociedade e para o desenvolvimento das tecnologias de informação. (2001, p 52).

Na fala do entrevistado 2, participante de uma oficina para terceira idade, aparece a importância da utilização dos meios de comunicação, aqui situando a internet,

Page 119: Livro Final

147

ao afirmar: “Me sinto mais comunicativa, tenho contato com meus parentes de longe dos EUA e outras cidades do Brasil, por telefone é muito caro”. Cabe elucidar que na mesma resposta duas questões são agregadas: a importância de saber utilizar-se das novas tecnologias, bem como as possibilidades desta tecnologia de aproximar distâncias. Na mesma perspectiva aparece a fala do entrevistado 3, também da terceira idade: “Consegui agora me comunicar com meus netos que moram em Brusque, entrar em contato, estar falando, vendo.” .

O entrevistado 4 expressa que após a participação no projeto Mutirão pela Inclusão digital, no qual aprendeu a utilizar a internet como um meio de comunicação, sua vida

mudou muito, pois agora com um clic de um botão o mundo lá fora entra na nossa casa,tambem a comunicação com os filhos e amigos ficou instantanea,minha alegria em estar no mutirão,aprendendo é muito grande,jámais pensei que pudesse aprender e usar um computador.Agradeço pela oportunidade do curso.Gostaria de continuar o ano que vem pois na nossa idade teriamos que memorisar novamente. Obrigado.

Na fala apresentada ficam nitidamente claras a necessidade e a importância que expressa o ato de comunicar-se para os seres humanos, pois “nós vivenciamos a comunicação como uma atividade” (DIMBLEBY; BURTON, 1990, p.19); segundo os autores, “a comunicação somos nós que fazemos, nós que produzimos” e, ainda, “algo que trabalhamos quando recebemos ou transmitimos uma mensagem” (p.19), ou seja, é um exercício cotidianamente desenvolvido.

A fala da entrevistada 5 reflete o que os autores apontam sobre a importância da comunicação para afirmação da identidade de cada um, “eu até me sinto mais jovem, porque eu sei me comunicar, enquanto eu puder vou continuar.”.

O nível econômico, social, da participação e, por fim, da informação (DIMBLEBY; BURTON, 1990, p.26) perpassam a importância da comunicação. No que concerne à informação, cabe destacar que “necessitamos informações para nos manter a par do que se passa no mundo” (p.26), ou seja, precisamos estar bem informados para acompanhar as transformações sociais.

A respeito, a fala da entrevistada 6 destaca benefícios advindos da utilização da internet:

Primeiramente, fiquei mais esperta, mais atualizada pois vivo lendo e digitando na internet: mais econômica tbém, visto que converso com minhas amigas pelo msn e outras atividades, diversões, jogos, fotos, blog , etc. Estou amando, estudando após uma certa idade e espero que continue no ano que vem, pois na nossa idade temos que rever os conteúdos sempre.

Por sua vez, o entrevistado 7 aponta que passou a ter “maior conhecimentos,sempre a par das noticias, e bém informado.”. Outro aspecto a ser destacado se refere à relação dos meios de comunicação com a cultura. Segundo

Page 120: Livro Final

148

Guareschi, “os Meios de Comunicação estão sempre presentes e são fator indispensável tanto na criação como na transmissão, mudança, legitimação e reprodução de determinada cultura”. (2004, p.16)

Nesse processo, a perspectiva trabalhada pelo projeto Mutirão pela Inclusão visando à autonomia dos sujeitos, apresenta nitidamente a possibilidade de que seus usuários possam utilizar-se dos potenciais da tecnologia como aliados no processo de inclusão social.

3.1.2. Espaço de conhecimento

“A vida é um processo de conhecimento”. (MATURANA, 2001, p.07). Com base, nessa colocação podemos perceber que a discussão acerca de conhecimento deve ser pensada enquanto processo. Importa destacar que fazemos parte do mundo e cada pessoa em um processo particular possui uma história de vida, e nossa “trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo – mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito”. (p.10).

Mesmo que não nos demos conta, muitas vezes sofremos influências diretas do contexto em que vivemos, além de sermos “modificados pelo que vemos e sentimos.” (p.10). Essa breve introdução tem o intuito de demonstrar que o mundo em que vivemos não está pronto ou acabado, muito menos podemos somente utilizar as informações que temos de forma passiva; ao contrário, aponta a possibilidade de que possamos participar ativamente do processo de construção do mundo. Outro aspecto a ser destacado, segundo Maturana, é que se “a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo”. (2001, p.12).

O processo de conhecimento, portanto não é estanque; ao contrário, todos temos condições objetivas de buscar aprofundá-lo. Cabe situar aqui o conhecimento adquirido pelos usuários de projeto Mutirão pela Inclusão Digital em interação direta com e através da tecnologia. O entrevistado 8 aponta que nesse processo mudou “o conhecimento do computador, fazer os trabalhos normal, como qualquer outra pessoa, digitação.”

Na fala do entrevistado fica claro que o processo de conhecimento não é fechado, mas devemos atentar para que as informações recebidas sejam não aceitas como verdade absoluta. Como por exemplo, no caso das milhares informações que permeiam a internet, devemos ser críticos, autônomos e seletivos em relação a essas. Nesse sentido, é essa a premissa do projeto que seus usuários assumam “papel ativo na sociedade em rede”. (UNIVERSIDADE..., 2009).

O conhecimento é reconhecido como “elemento fundamental na sociedade contemporânea.” (TEIXEIRA, 2009, p.36). Considerando que existe grande quantidade de informação disponível, como jamais visto, há “uma crescente necessidade de aprimoramento constante dos indivíduos.” (p.36). Cabe referenciar que informação, “por si só, não constitui conhecimento, sendo urgente que os indivíduos vivenciem processos de aprendizagem”. (p.36).

Page 121: Livro Final

149

Demo refere que “a relevância do conhecimento no mundo moderno está em sua capacidade de intervenção formalmente coerente. Não prepara, instiga, condiciona a inovação, mas é, ele mesmo, a inovação em marcha”. (1997, p. 64).

O processo vivenciado na utilização das tecnologias de rede apresenta-se como um processo de construção do conhecimento, como percebemos o entrevistado 9 “ Eu gosto, sempre aprendo um pouco mais”. Ocorre, então, além do processo de construção de conhecimento, o processo de desconstrução, relação necessária para desenvolvimento autônomo.

Uma sociedade melhor é uma sociedade mais humana, menos individualista, preocupada com o todo social, com nossas crianças, e que, entre outras coisas, perceba o valor que está agregado em um idoso. Por conseguinte, analisa-se a categoria processo de envelhecimento, buscando demonstrar o importante papel das tecnologias na vida dos idosos.

3.1.3. Auxílio no processo de envelhecimento

A discussão acerca do processo de envelhecimento aponta para que se considere que muitas vezes nesse período de vida os idosos passam por situações de exclusão e acabam desconsiderados como sujeitos, negando-se a esses seus direitos. Pasqualotti destaca que “a miséria e a exclusão que acompanham vastos segmentos da população brasileira tornam-se mais amargas na velhice”. (2003, p.39).

É como se sua vida útil tivesse acabado, concepção que perpassa muitas vezes o idoso bem como sua família: “Os próprios idosos considerando-se indesejados foram descartando-se e sendo descartados do meio do trabalho, social e familiar”. (NUNES, 2006, p.5).

Com a disseminação das tecnologias de rede, todos somos bombardeados por inúmeras informações cotidianamente, e os idosos cada vez mais se aproximam destas tecnologias. O computador e a internet são aliados, que favorecem para um envelhecer mais saudável.

A informática apresenta um grande potencial e nesse contexto o idoso aproxima-se de outras gerações. Porém, a introdução do idoso nesse novo mundo deve ser realizada de forma e com condições adequadas, pois este “(novo instrumento) gera novas maneiras de relações sociais, familiares e desenvolve formas de aprendizagem [...]. Como também, rompe a idéia de que o idoso não aprende ou que não é produtivo. ”(NUNES, 2006, p.7)

Importa destacar a fala do entrevistado 10, que vem ao encontro do que a autora destacou, ao relatar que com a participação nas oficinas do projeto mudou o aprendizado: “Eu jamais imaginava, a informática me deu outra visão do mundo exterior eu nunca tive a pretensão de usar computador.” Por sua vez, o entrevistado 11 em sua fala expressa: “Mudou que agora to sabendo alguma coisa pois tenho mais confiança em mim de poder mexer no computador na idade de gente nos esquecemos muito fácil.”

Há que se destacar que ambas as falas revelam o potencial da informática e têm como pano de fundo um sentimento de capacidade, de alegria pelo aprendizado adquirido e as mudanças provocadas. Segundo Machado, “não podemos descartar que,

Page 122: Livro Final

150

atualmente o mundo da comunicação está criando espaços mais acessíveis para os idosos” (2007, p.59)

O entrevistado 12 em sua fala aponta:

Mudou muita coisa porque eu não sabia chegar na frente do computador e que ele podia existi na minha vida, foi isso ai ( comecei em 2005, mas desisti era muito difícil, pois tinha muitas coisas para fazer). É um direito de cada cidadão estar aqui, cada um tem que buscar o melhor para si.

Em relação às respostas em termos gerais, o que os idosos mais se utilizam na internet são o MSN, leituras de jornais, receitas de culinária, entre outras. Porém, não são somente esses aspectos de interesse, pois a partir da realidade vivenciada na pesquisa, cada um, em sua singularidade e num movimento autônomo, procurava o que mais gostava, sempre realizando o ato de mostrar e até mesmo ensinar aos colegas que necessitavam, num processo colaborativo.

Por fim, a partir das falas dos respondentes fica explícita a contribuição do projeto no que se refere ao processo de inclusão digital, entendido como um elemento da inclusão social. Teixeira destaca que “numa sociedade marcada pela presença das tecnologias, o acesso a internet torna-se elemento fundamental de inclusão social.” (2009, p. 34).

4. Conclusões

A discussão em torno de possíveis estratégias de promoção de inclusão devem ser realizadas primeiramente visando compreender com base num denso aprofundamento teórico acerca da temática da exclusão social.

Nesse sentido, as tecnologias de rede se apresentam como espaço colaborativo, com possibilidades reais de promover a inclusão de cidadãos na sociedade, tornando-os conscientes de sua importância e da possibilidade de participação ativa na sociedade. (MALACARNE; SOUZA, 2009, p.11). Como aponta Foresti, “o objetivo da inclusão digital não deve ser formar técnicos” (2009, p.187), mas, sim, buscar que os sujeitos envolvidos nesses processos “ reconheçam suas potencialidades e responsabilidades” (2009, p.187), buscando o desenvolvimento da criatividade e o rompimento da cultura da passividade.

A inclusão digital não pode ser reduzida ao acesso às tecnologias simplesmente, mas vai além. Segundo Barbosa Filho e Castro,

[...] a inclusão passa pela capacitação dos atores sociais para o exercício ativo da cidadania, através do aprendizado tecnológico, do uso dos equipamentos, assim como pela produção de conteúdo e de conhecimentos gerados dentro da realidade de cada grupo envolvido para ser disponibilizado na rede. (2005, p.276)

Assim, o processo de inclusão digital, como já referido e identificado nos dados da pesquisa, não se refere somente ao acesso do computador, mas aponta para um

Page 123: Livro Final

151

processo que privilegie a maneira como se dá o acesso. Assim, as propostas devem ser pensadas considerando “os recursos das novas tecnologias como fomentadoras de autonomia e protagonismo’’. ( TEIXEIRA, 2009, p. 40) .

Por fim, pode-se afirmar que, buscando respostas ao problema da pesquisa, o projeto Mutirão pela Inclusão Digital contribui para o processo de inclusão social dos sujeitos no que concerne a um dos seus elementos, a inclusão digital, a qual é promovida através dos aspectos que se referem à comunicação, ao processo de envelhecimento saudável e ao conhecimento proporcionado aos sujeitos usuários do projeto, amenizando, assim, a exclusão social dos envolvidos.

Referências

BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette; TOME, Takashi. Mídias digitais: convergência tecnológica e inclusão digital. São Paulo: Paulinas, 2005

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

DEMO, Pedro. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1997.

DIMBLEBY, Richard; BURTON, Graeme. Mais do que palavras: uma introdução á teoria da comunicação. São Paulo: Summus, 1990.

GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicação & poder: a presença e o papel dos meios de comunicação de massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1982.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 2. ed. Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes, 2002

MALACARNE, Tamiris Tomasi; SOUZA, Suelen Oliveira de. Projeto de Pesquisa. 2009.

REIS, Carlos Nelson dos. Exclusão Social: a multidensionalidade de uma definição. Textos & Contextos. n 1,ano I, nov. 2002 Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/viewFile/931/711 >acesso em: 31 mar de 2010.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed.São Paulo: Atlas,1999.

Smith, A. and Jones, B. (1999). On the complexity of computing. In Advances in Computer Science, pages 555–566. Publishing Press.

TEIXEIRA, Adriano Canabarro. Internet e democratização do conhecimento: repensando o processo de exclusão social. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) –Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2002.

TEIXEIRA, Adriano Canabarro; MARCON, Karina. Inclusão digital: experiências, desafios e perspectivas.Passo Fundo:UPF,2009.

Page 124: Livro Final

152

________. Inclusão Digital: novas perspectivas para a informática educativa. Ijuí: Ed. Unijuí: 2010

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO. Projeto Mutirão pela Inclusão Digital. Universidade de Passo Fundo, 2009.

Page 125: Livro Final

153

Uma Experiência Metodológica para a Utilização da Informática Educativa nas Aulas de Geografia1

Ana Maria de O. Pereira Adriano Canabarro Teixeira

1. Introdução

Na sociedade contemporânea, conhecida como a sociedade da informação, é necessária uma aprendizagem constante e diversificada, devido ao imenso fluxo de informações a qual ela – a sociedade – é submetida. Essas mudanças estão relacionadas ao desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação, que, em função de suas características e potencialidades, podem ser grandes colaboradoras no processo de aprendizagem.

Um dos grandes desafios da educação na atualidade é gerenciar esse grande fluxo de informações e torná-las significativas, utilizando-se de mecanismo para seleção das informações mais adequadas, interagindo com as mesmas e com outros sujeitos, a fim de construir o conhecimento. Nessa perspectiva, entende-se que a escola deve acompanhar as mudanças que acontecem na sociedade na qual está inserida, apropriando-se das ferramentas disponíveis para mediar processos de aprendizagem. Para Delors,

“a educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados a civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem o espaço público e privados e as levem a orientar-se para objetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele” (1998, p. 89).

Em função da rapidez com que as informações circulam, torna-se ainda mais relevante o papel do professor no processo de construção do conhecimento, entendido como a sistematização das informações, juntamente com o aluno, pois as mudanças acontecem e sua contextualização é necessária para que se possa entendê-las.

Na disciplina de geografia, as mudanças também são constantes. Por conta da minha experiência como professora do ensino fundamental, pude constatar as dificuldades encontradas pelos alunos em se inserirem na dinâmica do processo

1 Publicação: International Council for Educational Media, 2011, Aveiro. Old Meets new media in education - Joint Conference. Aveiro: University of Aveiro, 2011. v.01. p.780 - 789

Page 126: Livro Final

154

que ocorre no espaço geográfico, percebendo suas implicações para a vida em sociedade.

A geografia é uma disciplina que envolve muitos conteúdos. Por isso, é necessário que o aluno possa relacionar o que está estudando com o seu cotidiano. Segundo o geógrafo Milton Santos, é difícil considerar o objeto de estudo da geografia, pois a objetividade se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida (2002, p. 73). Assim, é possível afirmar que a geografia “estuda as relações entre o processo histórico que regula a formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza, por meio da leitura do espaço geográfico e da paisagem.” (BRASIL, MEC, 1998, p. 74) Nesse processo de globalização, os estudos relativos à geografia têm condições de esclarecer sobre mudanças sociais, físicas e econômicas que estão ocorrendo, apontando o porquê estão ocorrendo e suas implicações para a sociedade.

Com o advento das Tecnologias de Rede (TRs) apresentam-se novas oportunidades de mediação do conhecimento geográfico a partir de uma lógica rizomática. Segundo Teixeira,

“As TRs trazem em si características que as diferenciam radicalmente das demais tecnologias, permitindo apropriação crítica, protagonista e contrária à lógica verticalizada das mídias de massa, possibilitando a valorização cultural e o estabelecimento de processos de aprendizagem baseados numa cultura de rede. Tal cultura pressupõe processos de autoria horizontais e colaborativos, baseados na comunicação multidirecional e no autorreconhecimento como nó de uma rede, como tal, deve, necessariamente, romper com a lógica da distribuição imposta” ( 2010, p. 19)

Acreditando nas características das TRs, norteou-se este estudo com o propósito de saber de que forma as (TRs) podem potencializar o processo de construção do conhecimento geográfico. O trabalho foi realizado com crianças do sétimo ano do ensino fundamental no qual se utilizou principalmente a imagem para a interpretação e a construção do conhecimento geográfico. O sistema de interpretação que serviu como método de pesquisa foi formulado por Robert William Ott no livro Ensinando crítica nos museus e adaptado as aulas de geografia mediadas pelas tecnologias de rede - TRs, denominado Imagem Watching. Os alunos basearam suas atividades na leitura e interpretação das imagens em diversos ângulos e de diferentes locais a partir de pesquisas no Google Earth.

2. Aulas de geografia mediadas pelas Tecnologias de Rede ( TRs)

2. 1 O método Imagem Watching

Esta técnica objetiva incentivar o pensamento crítico a respeito das obras de arte e transformar os conceitos apreendidos dessa forma crítica voltada à produção criativa na aula de artes (OTT, 1997, p. 128). O sistema é composto por cinco categorias: descrevendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando, a seguir apresentadas:

Page 127: Livro Final

155

1ª - na categoria descrevendo, o aluno faz uma observação profunda e detalhada sobre a obra. O instrutor questiona, com o objetivo de fazer com que os alunos exteriorizem suas percepções e as partilhem com os outros componentes do grupo, ampliando suas percepções e também realizando a construção colaborativa do conhecimento;

2ª - a segunda categoria é o analisando, que proporciona o conhecimento mais profundo da obra, de detalhes, do design, de formas que levarão à ideia que o artista quer transmitir com a imagem;

3ª - a categoria interpretando é considerada pelo autor como uma das mais criativas, pois proporciona ao participante expressar suas emoções por meio da observação. Nesta concepção de observação, a interpretação deve ser precedida de subsídios que sirvam como base à compreensão dos sentimentos pessoais elaborados nas categorias descrevendo e analisando;

4ª – a categoria fundamentando diz respeito à parte histórica da obra, através de pesquisas a sob obra, ser a obra em questão, conversas com o artista, leituras em livros, catálogos e também vídeos;

5ª - a última categoria é a revelando, na qual o aluno mostrará o que conheceu da obra, por meio de uma expressão artística. Ele criará uma nova obra a partir do que assimilou nas etapas anteriores.

Cada categoria compreende uma preparação, conhecida como Thought Watching oportunidade em que o observador é orientado pelo instrutor do museu, através de um livro de exercícios elaborado pelo próprio estabelecimento, à interpretação visual e verbal das imagens observadas. Na adaptação para as aulas de geografia, o trabalho foi desenvolvido no laboratório de informática da escola, utilizando-se das TRs, sendo que a preparação para a observação foi orientada pela pesquisadora.

Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, trabalha-se no Brasil, nas séries iniciais do ensino fundamental, o espaço geográfico e as categorias paisagem, território e lugar. Quanto a isso, entende-se que a representação, a comunicação, a investigação, a compreensão e a contextualização sociocultural das paisagens são importantes, visto que a paisagem é visual, e não experimental (BRASIL, MEC, 1998, p. 102). Portanto, recursos como imagens, fotos de satélites e mapas são importantes na elaboração do conhecimento geográfico.

Para a leitura de imagens nas aulas de geografia em um espaço hipermidiático o uso das categorias acima citadas, pode proporcionar uma maior interatividade entre aluno/professor, aluno/aluno, aluno/outros e aluno/conteúdo, visto que o grande objetivo dos estudos é documentar o processo de construção colaborativa do conhecimento. Os questionamentos, as dúvidas, as conclusões são estimulados a serem socializados entre as pessoas que fazem parte do grupo de estudos e até simpatizantes do assunto, mas que estão em outros locais, geograficamente distantes, mas territorializados em um espaço comum a eles, que é o ciberespaço.

Neste ambiente de leitura não linear, rizomática e com várias opções de interligação foram provocadas nas aulas de geografia, algumas aptidões desenvolvidas na proposta Image Watching adaptado a este estudo, como citado antes. Para isso foram

Page 128: Livro Final

156

utilizados os programas Google Earth, Google Maps, YouTube, Google Docs e outros ambientes que os próprios alunos encontraram. Nestes ambientes, que proporcionam a visualização do assunto proposto, a leitura do mesmo é realizada a partir da descrição feita por cada aluno, como a análise das formas, a interpretação, que tem a ver com o que o aluno sente no momento e o que ele já conheceu anteriormente sobre o assunto, por fim, as revelações que o mesmo fará a respeito do que foi visto.

Para a elaboração das sequências didáticas da pesquisa, baseamo-nos nos princípios auxiliares da aprendizagem propostos por Pozo (2002):

1º - Adequar as tarefas, conforme a capacidade de aprendizagem de cada aluno, reduzindo as possibilidades de fracasso e dando sentido real para o que ele está aprendendo.

2º - Explicitar ao aluno os objetivos das tarefas e como alcançá-los, orientando-o para que possa utilizar os conhecimentos já adquiridos.

3º - Avaliar o alcance dos objetivos propostos, com o intuito de corrigir as dificuldades dos alunos e o sucesso da estratégia adotada pelo professor.

4º - Conectar tarefas de aprendizagens com os interesses e motivos prévios dos alunos.

5º - Incentivar a autonomia do aluno, criando contextos de aprendizagens adequados e promovendo ambientes cooperativos de aprendizagem.

6º - Valorizar os progressos na aprendizagem, pois as expectativas externas ao processo (professores e colegas) motivam o sucesso do aluno.

Neste sentindo, ainda segundo Pozo (2002) a possibilidade que o professor tem de mover seus alunos para a aprendizagem depende, em grande parte, de como ele mesmo enfrenta sua tarefa de ensinar e aprender ensinando. Entende-se que neste processo de aprendizagem todos são sujeitos ativos, tanto professor quanto aprendiz e ele só se efetivará se essas informações provocarem mudanças no que já se obteve em outras oportunidades. O conhecimento é reflexo da estrutura oferecida pelo ambiente e a escola como sistematizadora deste, deve acompanhar as mudanças que ocorrem com o passar do tempo, do contrário é alto o risco de não ser um local tão atrativo, pois está correndo contra o grande fluxo de inovações tecnológicas que permeia a vida em sociedade.

2.2 Proposta metodológica da pesquisa

Partindo da análise das cinco categorias de interpretação de Ott, foram utilizadas as tecnologias disponíveis na internet para o desenvolvimento das sequencias didáticas da pesquisa voltadas à exploração dos aspectos relativos ao relevo. Durante o trabalho, desejava-se observar como a utilização dessa ferramenta contribui na construção do conhecimento geográfico dos alunos pesquisados. Tal análise também foi amparada nos processo auxiliares de aprendizagem proposto por Pozo.

Os encontros aconteceram durante cinco semanas, com duas horas de duração, tendo como espaço o laboratório de informática da escola, onde foi desenvolvida uma sequência didática para cada aula, contemplando objetivos, conteúdo e metodologia.

Page 129: Livro Final

157

Cada sequência didática foi organizada visando contemplar uma das categorias propostas por Ott (1997) e também os seis princípios auxiliares da aprendizagem propostos por Pozo (2002). Como forma de explicitação desta relação, optou-se por usar o número do princípio no corpo do texto: (1) adequação de tarefas, (2) explicitação dos objetivos, (3) conexão de tarefas com os interesses dos alunos, (4) incentivo à autonomia (5) valorização do progresso e (6) avaliação do alcance dos objetivos.

Em cada uma das aulas buscou-se contemplar uma das premissas de Ott e todos os princípios auxiliares da aprendizagem de Pozo. Na adaptação do sistema de interpretação Imagem Watching para a geografia, as categorias ficaram organizadas do seguinte modo:

1ª - categoria descrevendo: o aluno se expressa acerca de tudo o que ele vê nos recursos que está consultando.

2ª - categoria analisando: analisa-se com mais atenção detalhes, formas, tipo de vegetação, existência ou não de ocupação humana e três elementos que não haviam sido observados na etapa anterior (descrevendo).

3ª - categoria interpretando: implica verificar o que os alunos conseguem expressar sobre as formas de relevo vistas. O pesquisador questiona sobre qual a relação entre o que o aluno observou e o conhecimento adquirido empiricamente, a partir das categorias anteriores (descrevendo e analisando).

4ª – categoria fundamentando: se organiza a partir das pesquisas que os alunos farão na web sobre o relevo, com vistas a entender o porquê das diferenças existentes.

5ª - categoria revelando: o aluno expressa suas conclusões sobre os tipos de relevo vistos, utilizando-se de tecnologias como o Google docs para construir um texto colaborativo e também elabora uma apresentação em PowerPoint acerca do conteúdo visto e seu entendimento sobre o mesmo.

Com base nos princípios auxiliares da aprendizagem de Pozo, foram definidos alguns critérios para a elaboração das sequencias didáticas realizadas no trabalho de campo junto aos sujeitos da pesquisa:

Nível de adequação das tarefas propostas ao conhecimento e vivência prévios dos alunos.

Utilização dos conhecimentos prévios na resolução das tarefas.

Nível de aderência das tarefas ao conhecimento prévio dos alunos.

Manifestação de autonomia dos alunos em relação ao desenvolvimento das tarefas.

Motivação dos alunos em realizar as tarefas propostas.

Indicativos de alcance dos objetivos propostos.

2.3. Sequência didática

A partir dos elementos propostos por Ott e Pozo, as sequências didáticas ficaram organizadas da seguinte maneira:

Page 130: Livro Final

158

Sequência 01 Objetivo:

• Verbalizar o conceito empírico que tem sobre relevo. • Visualizar os diversos tipos de relevos existentes. • Expressar-se, através de um texto, sobre o que viu.

Conteúdo: • Relevo brasileiro

Metodologia:

A aula inicia com uma conversa com os alunos a partir da pergunta “O que é relevo?” (2) Anota-se no quadro tudo o que cada um deles falar sobre seu conceito de relevo. (5) Após, os alunos serão orientados pelo professor/pesquisador a navegar na internet e a procurar informações sobre relevo. (2) Para a análise do material encontrado, utilizarão o sistema de interpretação denominado Imagem Watching, categoria descrevendo. Tais informações foram sistematizadas em anotações realizadas em um documento que os alunos registraram em seus computadores (4), o qual foi utilizado nas outras aulas também. Feitas as anotações, cada aluno falará sobre o que conseguiu ver e como relaciona isso com o que ele já conhecia sobre o assunto. (6)

Avaliação:

Foi realizada em um documento compartilhado no Google Docs onde os alunos fizeram suas anotações referentes à aula e também sua avaliação sobre a forma como foi desenvolvida a aula e se a dinâmica o ajudou a entender melhor o tema proposto.

Sequência didática 02 Objetivo:

• Verificar o que os alunos apreenderam na aula anterior sobre o relevo. • Observar como aconteceu a análise do material disponível na web. • Verificar o grau de entendimento a respeito do assunto trabalhado, através da

apresentação dos alunos. Conteúdo:

• Tipo de relevo

Metodologia:

Foi realizada uma revisão do que foi discutido na aula anterior, para os alunos retomarem o tema. (1 e 4) Após, os alunos procuram, na web, material relacionado ao tema da aula (2). Inicialmente, foram figuras, fotos, filmes. Em seguida, procuraram textos. (3) Para a análise do material encontrado, utilizaram o sistema de interpretação denominado Imagem Watching, categoria analisando, sendo que o professor/pesquisador orientou os alunos a elencar 3 elementos que não haviam observado na categoria anterior (descrevendo). (6)

Todos os passos foram registrados pelos alunos no documento aberto na aula anterior, para anotações. Na sequência foi feita a apresentação de suas análises através das ferramentas disponíveis nas tecnologias de rede. (5).

Avaliação:

Page 131: Livro Final

159

No documento aberto na aula anterior, no Google Docs, os alunos farão sua avaliação sobre a maneira como foi desenvolvida a aula e se a dinâmica ajudou a entender melhor o tema proposto.

Sequência didática 03 Objetivo:

• Conhecer a classificação do relevo. • Perceber a relação que os alunos estabeleceram entre o conteúdo pesquisado e o

conhecimento já adquirido por eles. Conteúdo:

• Tipo de relevo. Metodologia:

Realizou-se uma revisão do que foi visto na aula anterior para os alunos retomarem o tema. (1 e 5) Após, eles procuraram, na web, material relacionado ao tema da aula.(2) Inicialmente, foram figuras, fotos, filmes e depois, textos. Para a análise do material encontrado, utilizaram o sistema de interpretação Imagem Watching, categoria interpretando, sendo que o professor/pesquisador os orientou a fazerem a relação entre o que eles observaram e o seu conhecimento empírico (6 e 3).

Todos os passos foram anotados pelos alunos no documento aberto na primeira aula, para anotações. Após, foi realizada a apresentação de suas análises através das ferramentas disponíveis nas tecnologias de rede (4º). Avaliação:

No documento aberto no Google Docs, os alunos fizeram a avaliação por escrito da aula, na qual também registraram as diferenças que eles constataram entre os tipos de relevo estudados. Por fim, apresentaram as conclusões.

Sequência didática 04 Objetivo:

• Conhecer a classificação do relevo. • Observar as relações que os alunos fazem entre os tipos de relevo e as

diferentes formas de ocupação dos espaços geográficos Conteúdo:

• Tipos de relevo. Metodologia:

Foi realizada uma revisão do que foi discutido na aula anterior, para os alunos retomarem o tema. (1 e 5) Após, eles procuraram, na web, material relacionado ao tema da aula. (2) Inicialmente, foram figuras, fotos, filmes, e depois, textos. Para a análise do material encontrado, utilizou-se o sistema de interpretação Imagem Watching, categoria fundamentando, sendo que o professor/pesquisador orientou os alunos a exporem o seu entendimento acerca das diferenças encontradas. (6 e 3)

Todos os passos foram anotados pelo aluno no documento aberto na primeira aula, para anotações. Por fim, realizaram a apresentação de suas análises, através das ferramentas disponíveis nas tecnologias de rede. (4). Avaliação:

Page 132: Livro Final

160

No documento aberto no Google Docs, os alunos realizaram a avaliação por escrito da aula, registrando também as diferenças que eles constataram entre os tipos de relevos estudados.

Sequência didática 05 Objetivo:

• Observar como ocorreu a construção do conhecimento geográfico referente ao relevo, com a mediação das TRs.

• Verificar a opinião dos alunos sobre o uso das TRs nas aulas de geografia. • Analisar se o uso das TRs auxiliou ou não os alunos a construir e a

externalizar o conhecimento. Conteúdo:

• Relevo brasileiro. Metodologia:

No primeiro momento, foi realizada uma conversa com os alunos sobre a mesma pergunta da primeira aula: O que é relevo? (1 e 5). As respostas foram anotadas no quadro. Após, foi discutido com os alunos acerca das conclusões a que os mesmos chegaram sobre o tema, através dos estudos com o auxílio da web. (2) Cada aluno elaborou um quadro conceitual sobre o assunto, utilizando o documento aberto para as anotações (4). Ao final, cada um apresentou suas conclusões sobre o tema desenvolvido (6). Contemplando assim a categoria revelando, do sistema de interpretação Imagem Whatching. Avaliação:

Foi feita em grupo uma avaliação geral da dinâmica das aulas, do método e da importância percebida pelos alunos do uso da web nas aulas de geografia. Após, eles fizeram a sua avaliação individual sobre a metodologia das aulas, discutindo se a utilização das TRs lhe proporcionou ou não maior conhecimento sobre o tema proposto para as aulas. Isso foi feito por meio de um questionário que a pesquisadora compartilhou com cada aluno no Google Docs.

Com base nos critérios de observação já citados, elaborou-se um relatório de observação, preenchido no decorrer de cada aula. Esse relatório, serviu de base para o pesquisador conhecer quais as dificuldades encontradas pelos alunos, as facilidades e a partir desta constatação, elaborar a próxima aula.

Através deste relatório pode-se observar que os alunos possuíam uma grande motivação e também interesse pelas aulas de geografia mediadas pelas TRs. As dificuldades encontradas na utilização da internet eram logo solucionadas com o auxílio do colega ou do pesquisador. Ao final de cada aula os alunos anotavam suas conclusões em um documento compartilhado e na ultima sequência foi realizada a apresentação das conclusões de cada um.

3. Considerações finais

A partir da análise dos seis critérios de avaliação, levados em conta na realização das sequências didáticas, das respostas do questionário aplicado aos alunos quando da

Page 133: Livro Final

161

realização da última sequência e também das conversas com eles, para que expusessem suas impressões sobre o assunto desenvolvido e a metodologia utilizada, percebe-se que a utilização das TRs na construção do conhecimento geográfico possibilita ao aluno uma maior interação com o conteúdo estudado, como pode ser observado na declaração de um dos alunos participantes da pesquisa: “Achei que foi uma aula com aprendizados novos, com coisas que eu não consegui e não soube esclarecer em aula normal. Gostei e quero continuar fazendo e praticando, porque além de me divertir, aprendi coisas novas. Assim também não fico só em casa no computador, fuçando em orkut e msn, mas sim em coisa que interessa”. Dessa maneira, a ferramenta que até então servia somente para o seu lazer lhe proporciona a aquisição de novos conhecimentos em geografia e desperta a curiosidade por novas pesquisas. A integração das novas informações com as adquiridas anteriormente é facilitada quando mediada pelas TRs, devido à destreza com que os alunos as manipulam. Utilizam-se do seu conhecimento em informática para auxiliá-los na construção do conhecimento em geografia.

Pode-se observar, quanto a isso, que os alunos tinham bastante facilidade em procurar na web o assunto que estava sendo estudado, uma vez que o ambiente é conhecido por eles. À medida que surgiam dificuldades, os alunos solicitavam a ajuda do colega ou do professor. Quando o assunto girava em torno da utilização da web, normalmente conversavam entre si por chat. Já quando as dúvidas eram sobre o tema da aula, solicitavam a presença do professor. Assim constatou-se também a fundamental presença do professor neste processo de construção do conhecimento geográfico mediado pelas TRs, pois é ele quem detectará possíveis dificuldades de interpretação e terá condições de auxiliar no entendimento e na adequação das atividades.

A partir do que os alunos já conheciam sobre relevo, elaboravam seus relatórios no documento compartilhado, ao mesmo tempo em que tiravam as dúvidas que surgiam, sempre utilizando-se dos recursos da web.

Apesar de os alunos estarem acostumados a seguir as orientações do professor nas aulas, a autonomia e a interatividade que a utilização das TRs de rede proporcionam, lhes transmitem muita confiança na realização das atividades propostas, motivando-os a procurarem mais informações sobre determinado assunto e a exporem suas conclusões.

Neste estudo, observou-se, no decorrer das aulas, que os alunos ficavam um pouco perdidos no momento em que lhes é proporcionado mais autonomia para construir o conhecimento, pois não estão habituados a isso, devido à maneira como são desenvolvidas as aulas normalmente, com um só pólo de emissão e muitos de recepção. Nas primeiras aulas, os alunos perguntavam em que site eles podiam entrar, se podiam ver filmes, se deveriam procurar textos, mas aos poucos foram se dando conta de que eram eles mesmos que estavam na direção das suas construções. Então, os questionamentos mudaram, voltando-se às dúvidas referentes ao conteúdo que estavam pesquisando.

Constatou-se, nesse sentido, uma grande motivação por parte dos alunos, desde o momento em que foi apresentado o assunto que seria desenvolvido e sobre a maneira como seria trabalhado. É fato que existem muitos alunos que não gostam da disciplina de geografia, principalmente em função da forma como ela é desenvolvida nas escolas. Mas nas aulas desenvolvidas com o auxilio das TRs os alunos sentiam-se motivados para realizarem suas tarefas, pois utilizavam ambientes que conheciam. Uns dominavam

Page 134: Livro Final

162

bem a ferramenta, outros nem tanto, mas isso não foi empecilho para a realização do trabalho, pois quando não conseguiam executar alguma atividade sozinhos, comunicavam-se com os colegas ou solicitavam a presença do pesquisador. A motivação era grande também para elaborarem suas atividades de conclusão e apresentação final, que aconteceu no ultimo dia de aula, onde buscou-se de maneira reticular chegar a algumas conclusões no grupo acerca do conteúdo estudado. Neste dia, os alunos expuseram o que entenderam, suas dúvidas, as associações que conseguiram fazer e também as curiosidades que a atividade despertou.

Com a análise deste estudo, conclui-se que a utilização das TRs como espaço de construção do conhecimento geográfico proporciona ao aluno uma maior integração entre os conceitos científicos e o seu dia a dia. Com a possibilidade de visualização, são ampliadas as chances de interpretação e associação dos conceitos à vivência diária do aluno. Já com a interatividade - uma das características das TRs-, a construção do conhecimento se torna muito mais colaborativa, proporcionando aos alunos mais autonomia e ao mesmo tempo maior socialização do conhecimento e das ferramentas que tornam esse processo possível.

Referências

BRASIL. M INISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.( 1998) SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

FUNDAMENTAL . PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: 3º E 4º CICLOS

DO ENSINO FUNDAMENTAL – GEOGRAFIA. BRASÍLIA : MEC/SEF.

DELORS, J. ( 1998). EDUCAÇÃO: UM TESOURO A DESCOBRIR. SÃO PAULO: CORTEZ; BRASÍLIA , DF: MEC: UNESCO.

OTT, R. W. (2002). ENSINANDO CRÍTICAS NOS MUSEUS. IN: BARBOSA, A. M. (ORG.). ARTE-EDUCAÇÃO: LEITURA NO SUBSOLO. SÃO PAULO: CORTEZ, 1997.

POZO, J. I.( 2002). APRENDIZES E MESTRES: A NOVA CULTURA DA

APRENDIZAGEM. PORTO ALEGRE, RS: ARTMED.

SANTOS, M ILTON.( 2002). A NATUREZA DO ESPAÇO. SÃO PAULO: EDUSP.

TEIXEIRA, A. C.( 2010). INCLUSÃO DIGITAL : NOVAS PERSPECTIVAS PARA A

INFORMÁTICA EDUCATIVA . IJUÍ: UNIJUI.

WIKIPEDIA, A ENCICLOPÉDIA LIVRE. GOOGLE EARTH. DISPONÍVEL EM: <HTTP://PT.WIKIPEDIA .ORG/WIKI /GOOGLE_EARTH>. ACESSO EM: 15DE

OUTUBRO DE 2010.

Page 135: Livro Final

163

Projeto Guri: software de autoria colaborativa de materiais educacionais hipermídia para a TV Digital1

1 Introdução

Por meio da imbricação dos artefatos técnicos de comunicação interativa com as questões culturais emergentes na sociedade contemporânea, configura-se o fenômeno da cibercultura. Tal contexto sociocultural é caracterizado pela inédita liberação dos polos de emissão, onde os diferentes atores sociais, anteriormente repreendidos pela unidirecionalidade dos mass media, encontram na convergência da informática com as telecomunicações as linguagens comunicacionais necessárias para a configuração de processos culturais baseados no protagonismo criativo (LEMOS, 2003).

Neste contexto, julga-se que a TV Digital em sua convergência com as Tecnologias Digitais de Rede (TDR's) pode representar o desencadeamento de novas possibilidades de inclusão social/digital e educativa dos cidadãos. A televisão é uma mídia cuja ampla maioria dos brasileiros tem acesso, totalizando 95.7%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2009 (IBGE, 2010, p. 79). Ainda, o Decreto nº. 5.820 de 2006, que define a instituição do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD−T), pontua o período de transição do sistema televisivo analógico para o sistema de televisão digital em dez anos, contados a partir da data de publicação do decreto (BRASIL, 2006).

Portanto, supondo-se que após 2016 a totalidade dos brasileiros que têm acesso atualmente ao sinal televisivo o manterá através da aquisição de um Set-Top Box (STB)2 externo ou já integrado a aparelhos de televisão, haverá um grande potencial para processos de inclusão social/digital via acesso a Aplicações Interativas na TV Digital. Mas, para que esta inclusão ocorra, julga-se que a escola possui um papel central nos movimentos de apropriação deste novo meio de comunicação. Porém, é importante frisar que tal fato somente se concretizará na medida em que este artefato tecnológico operar, por meio das suas características interativas, uma (re)configuração nos delineadores pedagógicos que regem os processos educativos tradicionais, ainda arraigados a uma perspectiva marcada pela transmissão linear de informações.

Desta forma, o presente artigo visa descrever o desenvolvimento de um software de autoria colaborativa de materiais educativos hipermídia voltados para a TV Digital, denominado Guri. Através deste software, pretende-se possibilitar aos sujeitos

1 Artigo publicado na revista Espaço Acadêmico – No. 129 – Fevereiro 2012 – Ano XI – ISSN 1519-6186.

2 Equipamento responsável pela conversão do sinal digital para a exibição dos conteúdos audiovisuais interativos em um aparelho de televisão. O conversor pode ser vendido separadamente ou estar incorporado (integrado) a TV.

Page 136: Livro Final

164

envolvidos no processo educativo um ambiente digital que potencialize o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas que considerem a co-participação no ato de conhecimento como elemento fundamental do ensino-aprendizagem.

2 TV Digital: apropriação da interatividade no contexto educacional

O processo de digitalização da televisão no Brasil, através da implantação do SBTVD−T3, configura-se como um aspecto das transformações tecno-culturais que subjazem a sociedade contemporânea. Assim, a TV Digital pode ser um elemento estratégico para a sociedade brasileira, quanto à apropriação da linguagem digital interativa e suas possibilidades em larga escala, nas mais diversas situações cultural-educativas, atuando como fomentadora da inclusão digital/social (BRASIL, 2003).

Ao imbricar-se com as TDR's, as quais podem ser compreendidas “[...] como os ambientes hipermidiais4 de comunicação interativa [...] que surgem com o advento do ciberespaço e que permitem o estabelecimento de processos de autoria colaborativa e protagonismo de cada nó pertencente a uma determinada rede [...]” (MALAGGI, 2009, p. 111), as características e possibilidades da televisão alteram-se substancialmente. De uma mídia que possibilitava processos comunicativos entre emissores e receptores baseados no paradigma de distribuição massiva e unidirecional de informações, tem-se agora um meio de comunicação que potencialmente contém o patamar da interatividade.

A questão da interatividade na TV Digital é um quesito importante a ser analisado, na medida em que permite, entre outros, a apropriação do potencial teórico e prático deste conceito como fomentador de novas práticas educativas. Fundamentando-se na idéia de um processo de ensino-aprendizagem intrinsecamente dialógico entre professores, alunos e demais seres sociais potencialmente presentes na rede (FREIRE, 1983), o "fator interatividade" na TV Digital torna-se uma característica técnica-comunicativa potencializadora da instauração de uma práxis pedagógica voltada para a autoria colaborativa, tendo a cooperação e a co-participação na construção de coletividades inteligentes de apropriação/construção de conhecimentos no ciberespaço como conceitos norteadores (LÉVY, 2003, p. 28).

Assim, além das questões inerentemente tecnológicas envolvidas na implantação do SBTVD-T, uma questão fundamental para que os sujeitos se apropriem de maneira

3 Os subsistemas que compõe o padrão brasileiro de TV Digital terrestre são: Transmissão e Recepção, Codificação de Sinais Fonte, Camada de Transporte, Middleware, Canal de Interatividade, Terminal de Acesso (CPQD, 2006). Para maiores discussões sobre as questões técnicas do SBTVD-T, verificar o subitem 3 do presente trabalho.

4 O conceito de hipermídia pode ser compreendido nos seguintes termos: “[...] uma forma ‘tridimensional’ combinatória, permutacional e interativa de multimídia, onde textos, sons e imagens (estáticas ou em movimento) estão ligados entre si por elos probabilísticos e móveis, que podem ser configurados pelos receptores de diferentes maneiras, de modo a compor obras instáveis em quantidades infinitas.” (MACHADO apud SILVA, 2002, p. 149).

Page 137: Livro Final

165

interativa e autoral dos conteúdos da TV Digital refere-se à inclusão social/digital por intermédio de processos educativos. Para que isso ocorra, é necessário que a ação educativa mediada por esta tecnologia seja ressignificada de acordo com as características contidas na gênese da TV Digital enquanto meio de comunicação.

Em virtude disso, ressalta-se que somente o fato de disponibilizar a TV Digital no ambiente educacional não significará um processo “automático” de inclusão digital, tampouco de potencialização da práxis pedagógica. Enquanto a utilização das TDR’s ocorrer exclusivamente em uma perspectiva de recepção de informações, de passividade perante as redes sociotécnicas que se instauram, tanto os movimentos de inclusão digital quanto de ressignificação dos processos de ensino-aprendizagem estarão sob a égide de uma lógica oposta a da interatividade, elemento central dos processos comunicativos no ciberespaço (TEIXEIRA, 2005, p. 29-31).

Assim, as aplicações educativas produzidas para a TV Digital não devem constituir-se enquanto artefatos tecnológicos imbuídos do padrão de ensino bancário, mecânico e verbalista, tal como caracterizado por Freire (1987, p. 57). É neste sentido que a interatividade torna-se um conceito fundamental para a investigação das potencialidades da TV Digital na Educação. Em síntese, pode-se afirmar que a interatividade é responsável por exprimir a superação dos paradigmas tradicionais da comunicação de massa que moldaram a lógica de produção televisiva, através da

[...] disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressivamente complexo, e, ao mesmo tempo, atentando para as interações existentes e promovendo mais e melhores interações – seja entre usuário e tecnologias comunicacionais (hipertextuais ou não), seja nas relações (presenciais ou virtuais) entre seres humanos. (SILVA, 1999, p. 155)

Esta predisposição para “mais comunicacional”, “mais interação”, ou para uma “hiper-interação”, é pormenorizadamente descrita através dos “binômios da interatividade”, tal como propostos por Silva (2002, p. 100-155). Assim, o binômio da participação-intervenção diz respeito às mudanças efetuadas no que se refere ao papel atribuído aos componentes de um processo de comunicação: o leitor possui a capacidade de participar e de intervir no modo como o processo comunicativo está sendo conduzido; já o escritor não emite tão somente uma mensagem fechada, mas propõe um conjunto de possíveis caminhos por onde o leitor poderá construir seus sentidos; por fim, a própria mensagem muda de natureza, tornando-se aberta à mudança a partir da participação-intervenção do leitor na sua composição/modificação.

Por meio do binômio da bidirecionalidade-hibridação afirma-se que só existe comunicação interativa “[...] a partir do momento em que não há mais nem emissor nem receptor e, a partir do momento que todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor.” (SILVA, 2002, p. 112). Pode-se dizer que neste contexto ocorre uma hibridização entre os papéis existentes no ato comunicativo, fundindo em um mesmo personagem as funções, sempre móveis e dinâmicas, de emissor e receptor. Por fim, o binômio potencialidade-permutabilidade expressa a capacidade de acessar de forma não-linear as informações de um conteúdo interativo através de uma rede de nós e hiperlinks, a partir da ação/intenção do sujeito-autor. Assim, acaba-se por permitir não “[...] só o armazenamento de grande quantidade de

Page 138: Livro Final

166

informação, mas também ampla liberdade para combiná-las (permutabilidade) e produzir narrativas possíveis (potencialidade).” (SILVA, 2002, p. 131).

Deste modo, enquanto meio de comunicação, a TV Digital, uma vez presente no processo educativo, pode promover através da sua característica interativa a autoria colaborativa de conteúdos hipermídia. Constitui, assim, uma ferramenta tecnológica que potencializa processos de ensino-aprendizagem baseados na comunicação/diálogo. Ou seja, situações de apropriação/construção co-participada dos objetos de conhecimento pelos sujeitos interlocutores hibridizados (educadores-educandos e educandos-educadores), através da (re)significação dos significados destes objetos, representados através de uma malha hipermídia (FREIRE, 1983, p. 69; 1987, p. 62-68).

Com base nestas reflexões, é possível relatar que as questões sobre conteúdos interativos educacionais para TV Digital tornam-se centrais para a apropriação pedagógica deste meio de comunicação. Estes conteúdos específicos à educação são necessários para estimular a apropriação da TV Digital na escola através de processos interativo-dialógicos de ensino-aprendizagem. Mas, por ser um meio de comunicação novo, pesquisas sobre conteúdos educativos para a TV Digital devem ser fomentadas, sob o risco de subutilização da tecnologia.

Portanto, o desenvolvimento de aplicativo para a TV Digital que permitam a autoria colaborativa, torna-se uma possibilidade para a potencialização de processos educativos dialógicos e, consequentemente, de inclusão digital. A partir desta discussão sobre os potenciais pedagógicos envolvidos na apropriação educacional da TV Digital, será relatado no capítulo subseqüente o desenvolvimento de um software de autoria colaborativa para a produção de materiais educacionais hipermídia, denominado Guri.

3 Descrição técnica do software de autoria colaborativa Guri

O software de autoria colaborativa de materiais educacionais hipermídia para a TV Digital, denominado “Guri”5, está sendo desenvolvido por meio de uma parceria público-privada entre a Universidade de Passo Fundo (UPF), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a micro-empresa Infoeduca6.

Compreende-se por “software de autoria colaborativa” uma classe de programas computacionais para autoria de hipermídia, isto é, aplicações que permitem ao usuário não apenas ser o "leitor" de um documento, mas também ser um "escritor", criando seus próprios trabalhos para publicação ou aplicação em ambientes hipermidiais (BARANAUSKAS et. al, 1999, p. 57). Ainda, os “materiais educacionais hipermídia”

5 Mais informações no site do projeto: http://guri.upf.br/ 6 Os estudos derivados do presente artigo estão conectados ao projeto de pesquisa “Guri – Software de Autoria Colaborativa de materiais educacionais hipermídia para a TV Digital”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do Edital MCT/SETEC/CNPq N.º 67/2008 – RHAE - Pesquisador na Empresa.

Page 139: Livro Final

167

podem ser entendidos enquanto entidades digitais com diversos formatos midiáticos dispostos em arquitetura hipertextual, e que possam ser (re)utilizadas ou referenciadas durante o processo de ensino-aprendizagem suportado por tecnologias, possuindo características baseadas nos binômios da interatividade (SILVA, 2002, p. 100-101).

Em um nível mais baixo de abstração, a malha hipermídia a ser construída por meio do software Guri estará disposta em um contexto voltado para um público escolar específico, o do Ensino Fundamental. Nestes termos, o objetivo principal é que os alunos possam desenvolver uma malha hipermídia tendo como mote a criação de um “micro-mundo” temático conectado a uma idéia-conceito específica: ao do programa infanto-juvenil televisivo “Mundo da Leitura”7, criado e produzido na Universidade de Passo Fundo e que, atualmente, é transmitido nacionalmente pelo Canal Futura8.

Ou seja, a partir deste micro-mundo inicial “em branco” conectado ao conceito do Mundo da Leitura, os alunos em processos de autoria colaborativa com seus pares, professores e demais seres sociais, poderão conectar a malha hipermidial diversos itens de mídia (personagens, objetos, textos, vídeos, sons), formas de comunicação on-line (chat), TDR’s (RSS, Twitter, Wikipédia) e formas de gerenciamento das decisões do grupo (votações, fóruns de discussão). Estes itens, portanto, visam formar uma malha hipermídia que representa e potencializa processos de ensino-aprendizagem dialógicos e interativos de alunos e professores do Ensino Fundamental.

Atualmente, a tecnologia que possibilita o desenvolvimento de tal classe de sistema computacional educativo para a TV Digital, segundo os padrões do SBTVD-T, é o middleware Ginga. O middleware Ginga constitui-se como uma camada de software que abstrai o hardware do STB, e sob a qual são estruturadas as Aplicações Interativas (CPQD, 2006, p. 28). Vale destacar que o middleware Ginga é composto por dois subsistemas principais interligados, denominados de Ginga-J (para aplicações procedurais Java) e Ginga-NCL (para aplicações declarativas NCL – Nested Context Language, em conjunto com a linguagem de programação imperativa Lua)9.

No que se refere às questões de engenharia de software, a aplicação interativa Guri foi desenvolvida através do processo de prototipação incremental. Um protótipo inicial do software foi desenvolvido com base em um subconjunto mínimo de requisitos (funcionalidades) e, então, a cada iteração do processo de desenvolvimento, foram adicionadas novas funcionalidades a esse subconjunto. O protótipo é, assim,

7 No que se refere ao programa Mundo da Leitura, frisa-se que o mesmo tem por objetivo servir “[...] de incentivo para o desenvolvimento da criatividade, do raciocínio lógico e, principalmente, para a criação do hábito da leitura entre as crianças”, utilizando-se para alcançar tais requisitos uma apresentação conectada a formas lúdicas e dinâmicas, bem como “[...] as diversas linguagens [...] - manipulação de bonecos, leitura e encenação de textos infantis, artes gráficas, música, entre outros [...]”. Mais informações em: http://mundodaleitura.upf.br/programa/mundodaleitura/index.html 8 Acesso em: http://www.futura.org.br/ 9 Mais informações em: http://www.ginga.org.br/index.html

Page 140: Livro Final

168

incrementado para abarcar essas adições10. A seguir, são descritas as funcionalidades do protótipo da iteração atual, ainda em desenvolvimento, na qual o software Guri permite que um conjunto de usuários devidamente cadastrados efetive a criação e exibição de apresentações de slides multimídia na TV Digital.

O software Guri é dividido em dois módulos principais: o cliente, uma aplicação interativa desenvolvida em Ginga-NCLua que executa sobre a TV Digital, e o servidor, um WebService e interface web, desenvolvido em Java, que executa em um servidor. O módulo cliente tem como objetivo oferecer ao usuário uma interface que possibilite a exibição, edição e gerenciamento das suas apresentações de slides. Isso permitirá aos alunos que disponham de um STB e uma conexão com a internet desenvolver apresentações multimídias fora do laboratório de informática da escola, sem a necessidade de um computador. A tela de edição (Figura 1) é a tela principal do módulo cliente do software Guri. Ela permite a edição de uma apresentação de slides e a sua exibição. Os três primeiros itens, quando selecionados, alteram as operações no sub-menu (item 2), e deslocam o foco para seleção de um dos seus desdobramentos.

Figura 1. Tela de edição do software de autoria col aborativa Guri, com o item Galerias de Mídia selecionado

10

O desenvolvimento do software Guri seguiu os princípios propostos pelo Manifesto Ágil (disponível em: http://agilemanifesto.org) e, de forma mais específica, a metodologia XP (eXtreme Programming). (BECK, 2004).

Page 141: Livro Final

169

A opção “Composição de Slides” (subitem 1a) agrega as ações executadas sobre a sequência de slides em si (e não os elementos de mídia contidos nos slides), sendo elas: adição de um novo slide em branco após o atual, exclusão do slide atualmente em foco, e a troca da posição na sequência entre dois slides distintos. A opção “Galerias de mídia” (subitem 1b) oferece no sub-menu a seleção entre as galerias de textos, imagens, vídeos e a áudios. Ao se selecionar uma das galerias, a tela de edição é substituída pela tela da galeria específica, onde um conjunto de mídias é apresentado para seleção na forma de ícones. Quando uma mídia é selecionada, ela é adicionada ao slide que estava em foco e a galeria é substituída, de volta, pela tela principal.

O item “Tecnologias Digitais de Rede” (subitem 1c) possui, no momento, um único desdobramento no sub-menu, que é o de “ativar/desativar RSS” (item 4). A fonte dos feeds do RSS não possui interface para alteração no cliente. Atualmente, o leitor de RSS usado é o luarss11, com algumas adaptações para integrá-lo ao software Guri. O botão “Iniciar apresentação” inicia a apresentação a partir do primeiro slide, fazendo com que o quadro branco (área de preview do slide) seja redimensionado, a fim de ocupar toda a tela da TV, e as demais mídias também serão proporcionalmente redimensionadas. As mídias são iniciadas, de forma que as imagens e textos tornam-se visíveis, e os vídeos e áudios iniciam a sua execução. O botão vermelho do controle-remoto termina a apresentação e os botões direcionais alternam entre os slides. Por fim, o último ícone no menu principal é “Salvar apresentação”, o qual salva a apresentação alterada no módulo servidor do software, permitindo a sua persistência e, portanto, que a mesma seja recuperada após a troca de canal ou o desligamento da televisão na qual se editou a apresentação por meio do cliente.

A área de preview (item 3) contém a representação do slide selecionado para edição. Imagens e textos são representados diretamente. O foco pode ser passado para área de preview selecionando-se a tecla direcional para baixo enquanto o foco pertencer a algum item do menu principal. Uma vez que a área de preview esteja em foco, é possível alternar o slide em edição, usando-se as teclas direcionais do controle remoto para os lados.

A composição do slide (arranjo do conjunto de mídias que o compõe) é feita passando-se o fluxo de controle para área de preview. Para isso, seleciona-se a área de controle quando ela está em foco (o fluxo de controle também é transferido para a área quando uma mídia é adicionada). Feito isso, uma das representações das mídias receberá o foco e poderão ser usados os botões do controle para edição: a) o botão verde para voltar o fluxo de controle para tela de edição, com o foco na área de preview; b) o botão vermelho para excluir a mídia em foco; c) e o botão amarelo para se alternar entre as funções das teclas direcionais, as quais são: mover o foco através das mídias, alterar a posição da mídia em foco e redimensionar a mídia em foco (estas últimas duas somente para mídias não-áudio).

11

Desenvolvido por Manoel Campos, disponível em http://manoelcampos.com/tvd/leitor-de-rss-para-tv-digital/

Page 142: Livro Final

170

No que se refere ao módulo servidor, o mesmo é composto de um WebService e uma interface web, ambas desenvolvidas em Java. Os protótipos da iteração atual de ambos os sub-módulos do servidor (WebService e interface web) tem como principais responsabilidades, respectivamente, a persistência das apresentações e o gerenciamento dos usuários. O WebService garante a persistência respondendo as requisições do cliente para criar novas apresentações, além de alterar, recuperar e listar as apresentações armazenadas, sempre verificando a autenticidade e permissão do usuário a cada requisição. A interface web tem como principal objetivo oferecer ao professor um ambiente de gerenciamento dos alunos, onde é possível adicionar e excluir o cadastro dos mesmos, permitindo assim a utilização de uma determinada apresentação de slides multimídia no módulo cliente.

A conexão entre os módulos cliente e servidor do software Guri deve ser feita através do Canal de Interatividade, que é um subsistema da arquitetura de referência do SBTVD-T “[...] através do qual cada usuário [...] pode interagir encaminhando ou recebendo informações e solicitações das emissoras/programadoras.” (CPQD, 2006, p. 31). Existem diversas tecnologias de redes de acesso passíveis de serem utilizadas para a comunicação de dados entre as Aplicações Interativas (como o módulo cliente) e os Provedores de Conteúdos (como o WebService do módulo servidor) no contexto do SBTVD-T, tais como a xDSL, PLC, MMDS, WiFi, WiMax, entre outras. Assim, o Canal de Interatividade no SBTVD-T torna-se o subsistema responsável por efetuar a interconexão entre os sistemas de Televisão e Telecomunicação, sustentando as características e potencialidades da TV Digital ligadas à convergência digital e a comunicação bidirecional (CPQD, 2006, p. 31).

Em síntese, tomando como infra-estrutura este novo meio de comunicação, a TV Digital, visa-se através do software Guri oferecer um lócus tecno-educacional para que professores, alunos e demais seres sociais constituam verdadeiras redes de ensino-aprendizagem no ciberespaço (MALAGGI, 2009, p. 120), ressignificando assim tanto as suas práticas educativas presenciais quanto virtuais. Tal tecnologia torna-se, portanto, um meio efetivo para que os processos educativos sejam repensados visando atender esta lógica comunicacional contemporânea instaurada pelo fenômeno da cibercultura, ou seja, a da comunicação interativa. Aspira-se, por fim, que os próprios processos de ensino-aprendizagem atinjam tal patamar de comunicação/diálogo/interatividade.

4 Considerações Finais

Através do presente artigo objetivou-se a descrição de um trabalho em desenvolvimento, a implementação de um software de autoria colaborativa denominado “Guri”, o qual visa proporcionar aos professores, alunos e demais entes sociais envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem escolares a produção de materiais educativos hipermídia através da TV Digital.

Ao término da implementação do protótipo em sua iteração atual, possuir-se-á um software que permite aos usuários editarem e exibirem na TV Digital apresentações de slides multimidiais, além de serem capazes de salvá-las e recuperá-las em um suporte externo a sua infraestrutura televisiva, porém ainda sem a possibilidade de as compartilharem entre si. Pretende-se, no entanto, que o software “Guri” venha a agregar

Page 143: Livro Final

171

progressivamente as funcionalidades que possibilitem a autoria colaborativa de malhas hipermidiais (ao invés de apresentações multimídia) entre os usuários do sistema.

Para isso, planeja-se uma série de trabalhos futuros que visam efetuar essas melhorias, sendo as mais prementes: a) a alteração do módulo servidor para permitir que uma apresentação seja compartilhada entre dois ou mais usuários (ainda que a edição síncrona não seja permitida); b) a adição do suporte a um número maior de TDR's (como o Twitter, Wikipédia, YouTube, etc.); c) a modificação do módulo cliente, para que o mesmo permita a edição e visualização de uma malha hipermídia.

Referências

BARANAUSKAS, MARIA C. CALANI ; ROCHA, HELOÍSA VIEIRA DA; MARTINS, MARIA C.; D’ABREU, JOÃO VILHETE. UMA TAXONOMIA PARA AMBIENTES DE

APRENDIZADO BASEADOS NO COMPUTADOR. IN: VALENTE, JOSÉ ARMANDO

(ORG.). O COMPUTADOR NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO. COLEÇÃO

INFORMÁTICA PARA A MUDANÇA NA EDUCAÇÃO. BRASÍLIA : MEC/SEED/PROINFO, 1999. P. 45-69.

BECK, KENT. PROGRAMAÇÃO EXTREMA (XP) EXPLICADA: ACOLHA AS MUDANÇAS. SÃO

PAULO: BOOKMAN, 2004.

BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. DECRETO N. 5.820, DE 29 DE JUNHO DE 2006. DISPÕE SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO SBTVD-T. BRASÍLIA : MINICOM, 2006. DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.MC.GOV.BR/TV_DIGITAL_DECRETO4901_27112003.HTM> ACESSO

EM: 18 JUN. 2010.

CPQD. ARQUITETURA DE REFERÊNCIA: SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO DIGITAL

TERRESTRE. 2006. DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.TECHNOSPICE.COM/FILES/71_141_ANEXO1_ARQUITETURA_REFERE

NCIA_SBTV.PD>. ACESSO EM: 10 JAN. 2010.

FREIRE, PAULO. EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO?. 7. ED. RIO DE JANEIRO: PAZ E TERRA, 1983.

______. PEDAGOGIA DO OPRIMIDO. 17. ED. RIO DE JANEIRO: PAZ E TERRA, 1987.

IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PESQUISA NACIONAL POR

AMOSTRA DE DOMICÍLIO : SÍNTESE DE INDICADORES. RIO DE JANEIRO: IBGE, 2010. DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.IBGE.GOV.BR/HOME/ESTATISTICA/POPULACAO/TRABALHOERENDIMEN

TO/PNAD2009/PNAD_SINTESE_2009.PDF>. ACESSO EM: 16 ABR. 2010.

LEMOS, ANDRÉ. CIBERCULTURA: ALGUNS PONTOS PARA COMPREENDER A NOSSA ÉPOCA. IN: LEMOS, ANDRÉ; CUNHA, PAULO (ORG.). OLHARES SOBRE A CIBERCULTURA. PORTO ALEGRE: SULINA , 2003. P. 11-23.

MALAGGI, VITOR. IMBRICANDO PROJETOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM E TECNOLOGIAS

DIGITAIS DE REDE: BUSCA DE RE-SIGNIFICAÇÕES E POTENCIALIDADES. 2009. DISSERTAÇÃO (MESTRADO EM EDUCAÇÃO) – UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO, PASSO FUNDO, 2009.

SILVA, MARCO. SALA DE AULA INTERATIVA . 3. ED. RIO DE JANEIRO: QUARTET, 2002.

Page 144: Livro Final

172

______. UM CONVITE À INTERATIVIDADE E À COMPLEXIDADE: NOVAS PERSPECTIVAS

COMUNICACIONAIS PARA A SALA DE AULA. IN: GONÇALVES, MARIA ALICE

REZENDE (ORG.). EDUCAÇÃO E CULTURA: PENSANDO EM CIDADANIA. RIO DE

JANEIRO: QUARTET, 1999. P. 135-167.

TEIXEIRA, ADRIANO CANABARRO. FORMAÇÃO DOCENTE E INCLUSÃO DIGITAL: A

ANÁLISE DO PROCESSO DE EMERSÃO TECNOLÓGICA DE PROFESSORES. 2005. TESE

(DOUTORADO EM INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO

GRANDE DO SUL, PORTO ALEGRE, 2005.

Agradecimentos

Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo fornecimento das bolsas de pesquisa necessárias à realização dos estudos descritos neste artigo. A presente pesquisa foi realizada sob orientação dos professores doutores Adriano Canabarro Teixeira e Marco Antônio Sandini Trentin e com a colaboração do aluno Cássio Feldhircher.