livro estrategias de leitura em lingua portuguesa

Upload: jilbertto

Post on 17-Oct-2015

299 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • ULBRA

    ESTRATGIAS DE LEITURA EM LNGUA PORTUGUESA

    2009

  • SUMRIO

    1 A HISTRIA DA LEITURA 1.1 ORIGENS 1.2 IDADE MDIA 1.3 RENASCENA 1.4 DO ILUMINISMO AO SCULO XIX 1.5 LEITURA NO SCULO XX 1.6 O LEITOR DA ERA DIGITAL 2 A LEITURA LUZ DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS 2.1 PCNS: CONCEITO, OBJETIVOS E ORGANIZAO 2.2 REA DE LNGUA PORTUGUESA: OBJETIVOS E PERSPECTIVAS 2.3 O PROCESSO DE LEITURA

    3 LEITURA: IMPLICAES CONCEITUAIS 3.1 CONCEITOS DE LEITURA: UMA RETOMADA

    3.2 COMPREENSO E INTERPRETAO E SUAS OCORRNCIAS NA LEITURA 3.3 OBJETIVOS DE LEITURA

    4 A ALFABETIZAO DA LEITURA E DA ESCRITA 4.1 O QUE ALFABETIZAR? 5 AQUISIO DA LEITURA E DA ESCRITA 5.1 TEXTO E CONTEXTO: ALGUMAS ABORDAGENS 5.2 AQUISIO DA ESCRITA 5.3 AQUISIO DA LEITURA 6 CONSTRUO DA COMPREENSO LEITORA 6.1 MODELO INTERATIVO DE LEITURA: BREVE CONTEXTUALIZAO 6.2 ESTRATGIAS DE LEITURA EM AO 7 AS ESTRATGIAS DE LEITURA 7.1 ESTRATGIAS DE LEITURA: CONCEITOS E CLASSIFICAES 7.2 ENSINAR OU NO ENSINAR AS ESTRATGIAS DE LEITURA: EIS A QUESTO 7.3 ANTES, DURANTE E DEPOIS DA LEITURA

    8 A LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR 8.1 REFLEXES SOBRE A LEITURA NA ESCOLA 8.2 FATORES DO PLANEJAMENTO DE AULA DE LEITURA

    8.3 ESTRATGIAS DE LEITURA: UMA ABORDAGEM METODOLGICA 9 FORMAO DO LEITOR 9.1 CONTEXTO SOCIAL DOS JOVENS ESTUDANTES 9.2 FATORES QUE PROPICIAM A FORMAO DE LEITORES

  • 10 OFICINA DE LEITURA: UMA PROPOSTA METODOLGICA ENTRE TEORIA E PRTICA 10.1 ORIENTAES GERAIS 10.2 PLANEJAMENTO DAS AULAS DE LEITURA 10.3 RELATRIO Referncias por captulo

    Referncias

  • NOTA SOBRE OS AUTORES

    Antnio Jos Henriques Costa graduado em Letras, especialista em Administrao e Planejamento para Docentes e mestre em Educao com nfase em Estudos Culturais pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Atualmente professor de Lngua Inglesa nos Cursos de Letras e Secretariado Executivo Trilngue da ULBRA.

    Jane Thompson Brodbeck graduada em Letras pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui mestrado e doutorado em Literaturas de Lngua Inglesa pela UFRGS.

    Vanessa Loureiro Correa graduada em Letras e mestre em Lingustica Aplicada pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

  • Apresentao

    O domnio da leitura, por parte dos alunos em currculo escolares,

    tem fomentado inmeras discusses em eventos educacionais, bem como

    tema alvo de muitas pesquisas. Isto porque sua apropriao, para a

    maioria dos docentes, entendida como um dos campos fundamentais de

    desenvolvimento do pensamento humano.

    Estratgias de Leitura em Lngua Portuguesa uma obra que surge

    com o objetivo de fornecer a educadores subsdio histrico metodolgicos

    capazes de contribuir para com a significao do ler para aprender

    (fases subsequentes do aprender a ler), o que significa formao e

    preparo de leitores crticos com capacidade de constatao, reflexo e

    transformao de significados em substituio a encaminhamentos de

    programaes de leituras acrticas e desqualificadas, embasadas no

    casusmo, na no sequenciao, na no integrao de leitura escrita.

    Desse quadro, emanam; o primeiro captulo a histria da leitura

    que apresenta alguns recortes sobre a evoluo da leitura ao longo da

    histria. Nele verifica-se que na antiguidade, se efetivava a prtica da

    leitura atravs da predominncia da palavra oral como veculo das ideias

    isto , que se valiam da oralidade para ditar seus textos, demonstrando

    um tempo em que a questo da autoria estava relacionada com voz.

    A leitura luz dos Parmetros Curriculares Nacionais, segundo

    captulo, que aborda o processo de leitura, assim como ensino desta luz

    dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cuja preocupao

    descrever de forma clara e sinttica quais so os objetivos para o ensino

  • da leitura em lngua portuguesa, o conceito de leitura, os objetivos deste

    ensino e a aplicabilidade desses pressupostos no cotidiano escolar.

    O terceiro captulo leitura; implicaes conceituais que focaliza

    conceitos de leitura, compreenso e interpretao, contexto, assim como

    os objetivos que cada tipo de leitura envolve, deixando claro que ler

    muito mais que decifrar palavras.

    Alfabetizao da leitura e da escrita, quarto captulo, que prope

    uma retomada de conceitos e de histria de alfabetizao, uma reflexo

    acerca do ensino da leitura e da escrita para alunos dos anos iniciais, que

    refletem na vida do falante, numa tentativa de proposta de novos

    mtodos para o ensino e a aprendizagem da leitura.

    O quinto captulo A aquisio da escrita e da leitura que deixa claro

    que o desafio, para o professor de lngua portuguesa, entender como se

    d o ensino da leitura e da escritura para o falante, chamando a ateno,

    em especial, sobre a apropriao de conceitos claros quanto ao texto, ao

    ao contexto, escrita e leitura.

    Construo da compreenso leitura, tema do sexto captulo, que

    retoma o conceito de leitura, inserido em uma perspectiva interativa,

    alertando para a importncia de que o professor em formao tenha

    acesso aos aportes tericos que fundamentam os modelos de leitura,

    assim como seus objetivos e demais implicaes, com vistas construo

    de significados que o leitor deve assimilar durante o processo de leitura.

    Na sequncia, o stimo captulo o ensino das estratgias de leitura

    que traz uma abordagem sobre um dos assuntos bastante esquecidos pela

    maioria dos professores de lngua portuguesa, o ensino das estratgias de

  • leitura, lembrando que o processo de leitura se d atravs da interao do

    leitor com o texto e que as etapas desenvolvidas ao longo deste processo

    contribuem para construo dos significados.

    A reflexo sobre a situao do ensino da leitura no mbito escolar

    que o foco do oitavo captulo o ensino da leitura no contexto escolar,

    desenvolve-se com a intencionalidade alertar que o ensino da leitura

    deve se dar atravs de propostas que promovam uma aprendizagem

    significativa, capazes de contribuir para a formao de leitores, por isso

    prioriza uma breve descrio de como se efetiva o ensino da leitura na

    escola, bem com os aspectos necessrios a construo de projetos de

    leitura.

    O penltimo captulo formao de leitor que faz uma radiografia

    sobre a vivncia de momentos de pouca leitura por parte dos alunos da

    sociedade contempornea, chamando a ateno sobre o fato de que,

    dentre as atividades de entretenimento, certamente, a leitura no ocupa

    o primeiro lugar na preferncia dos jovens, analisando as razes que os

    levam a isto e sugerindo algumas atividades capazes de corroborar para

    formao de futuros leitores.

    Oficina de leitura: uma proposta metodolgica entre teoria e

    prtica, que o estudo do dcimo e ltimo captulo deste livro, surge

    como uma desafiante proposta de aliar os conhecimentos adquiridos por

    meio de uma aprendizagem significativa na prtica. Propondo, com base

    na organizao de natureza terica e prtica, o planejamento e aplicao

    de uma oficina de leitura em instituies de ensino de educao bsica.

  • Atravs da leitura desta obra, percebe-se que, para os autores

    descortinar um desafio pedaggico sobre a formao do hbito da leitura,

    que seja capaz de desenvolver o esprito crtico, atividades que permitam

    a expanso dos conhecimentos, das habilidades intelectuais, da

    criatividade e da tomada de decises por parte do aluno leitor um rduo

    caminho a ser perseguido, sugerindo ainda que se o modelo almejado o

    leitor crtico, isto , um sujeito capaz de discriminar intenes e de

    assumir atividades ante o contexto social , com independncia, no se

    poder deixar de lado outras buscas sistemticas de novas metodologias,

    de novas pesquisas de novos paradigmas.

    Boa leitura.

    Santa Ins Pavinato Caetano

  • 1 A HISTRIA DA LEITURA

    Jane T. Brodbeck

    A leitura antiga leitura de uma forma de livro que no tem nada de semelhante com o livro tal

    como o conhecemos, tal como conhecia Gutenberg e tal como o conheciam os homens da

    Idade Mdia. Roger Chartier (1998, p. 24).

    Neste captulo introdutrio, apresentaremos alguns recortes sobre a evoluo da leitura ao longo da histria.

    Na epgrafe de Roger Chartier, verificamos que, na antiguidade, a leitura era feita atravs de rolos ou pergaminhos. Para tanto, o leitor deveria utilizar as duas mos para poder desenrol-los. Esse meio de divulgao do texto escrito trazia alguns inconvenientes de ordem prtica, que determinaram, por sua vez, uma predominncia da palavra oral como veculo das ideias. Como bem observa Chartier, os filsofos gregos certamente valiam-se da oralidade para ditar os seus textos, o que demonstra um tempo em que a questo da autoria estava relacionada com a voz.

    1.1 ORIGENS

    De acordo com Eric Haveloc (1995), a evoluo do homem biolgica, da a sua capacidade natural como falante e ouvinte, mas no como escritor ou leitor. A escrita, portanto, em termos de estgio de desenvolvimento do homem mera presuno, um exerccio artificial, um produto da cultura, no da natureza... (HAVELOC, 1995, p. 27). A partir dessa afirmao, devemos pensar a linguagem oral como predominante nos primrdios da humanidade. Como bem ressalta o autor, a comunicao nas sociedades pr-histricas se fazia justamente atravs da oralidade, sendo que a mesma no deve ser entendida como uma herana primitiva, selvagem ou inculta (HAVELOC, 1995, p. 27).

    Baseando-se nesses questionamentos sobre a nossa herana primeva, Haveloc (1995, p. 27-28) indaga at que ponto a oralidade foi suplantada pela escrita, pois

    [d]eixando de lado os incontveis milnios em que as sociedades humanas foram exclusivamente orais, pode-se concluir que, dos egpcios e sumrios aos fencios e hebreus (para no mencionar os indianos e os chineses), a escrita nas sociedades onde era praticada restringiu-se s elites clericais ou comerciais, que se davam ao trabalho de aprend-la. As atividades ligadas justia, governo e vida cotidiana ainda eram comandadas pela comunicao oral, como hoje ainda acontece em grande parte no mundo islmico e at mesmo na China.

  • Ao trazer para o debate a importncia da comunicao oral, o autor adverte da necessidade de o ensino formal levar em considerao a importncia do legado oral na educao das crianas da escola fundamental, ou seja, o ensino da cultura escrita deveria ser precedido por um currculo que inclua canes, danas e recitao [...] (HAVELOC, 1995, p. 28).

    A propsito da recitao, se atentarmos para as primeiras formas de manifestao literria do mundo ocidental, verificamos que a escrita foi uma forma de eternizar as criaes dos artistas gregos, mas se analisarmos o contexto social da poca em que os grandes poemas picos foram produzidos, constatamos a importncia da oralidade como fundamento da criao literria. Para que se tenha uma melhor compreenso deste fenmeno, faz-se necessria uma investigao a respeito deste assunto, e para isso, apresentamos a seguir algumas observaes de estudiosos sobre o assunto em pauta. De acordo com o renomado professor de estudos clssicos, da Universidade de Missouri, John Miles Foley (2007),

    Ler Homero hoje em dia, quase trs milnios mais tarde, nos oferece algumas possibilidades muito instigantes bem como desafios contnuos. Tambm se pode elencar como uma das mais recentes descobertas o fato de que sob os manuscritos oculta-se uma tradio oral de longa durao. Ou seja, antes da Ilada ou da Odissia assumir a forma escrita [...] existia uma antiga tradio grega de contar estrias, uma forma oral de contar a guerra de Tria [...]*

    O que Foley ressalta a questo do modo como a narrativa era contada, ou seja, a leitura dos picos assumia a forma de performances ao invs da leitura silenciosa a que estamos acostumados desde alguns sculos, sendo que a prpria compreenso das obras referidas est imbricada com o contexto social e histrico da sociedade grega.

    A respeito da maneira como os antigos liam, o professor de estudos clssicos da Universidade de Cincinnati, William A. Johnson (2000), nos informa que os textos literrios eram encenados para um grupo pequeno de ouvintes por um leitor que utilizava o rolo (formato do livro) e a performance.

    [...] era atribuio do leitor dar vida ao texto, inserir os aspectos prosdicos e a fora ilocucionria que se perdem no sistema escrito. O rolo era encenado pelo leitor da mesma forma que ns assistimos a um vdeo ou a uma performance de teatro. [...] O leitor desempenhava o papel do performtico, e a pausa e tom de voz fornecidos pelas marcas paralinguisticas nos textos atuais (vrgulas, citaes, itlico, novo pargrafo, etc.) eram atribuio do leitor atravs da sua interpretao. A pontuao, se houvesse, no tinha fora autoral e podia ser e era mudada de acordo com a vontade do leitor.[...] Alm disso, a idia de leitor era complexa: no simplesmente o leitor-

    * Traduo livre da autora deste trabalho do original em ingls: Reading Homer today, nearly three millennia after the

    fact, presents us with some fresh and exciting opportunities alongside some persistent challenges. Not least among the newer developments is the relatively recent discovery that behind our surviving manuscripts lurks a longstanding, textless oral tradition. In other words, before the Iliad or Odyssey assumed any kind of written formnever mind our convenient modern editions and translationsthere existed an ancient Greek oral storytelling tradition, an unwritten vehicle for the tales that surround the Trojan War.

  • ouvinte, mas o leitor-performtico que atua como um intermedirio, assim como o ator de uma pea de teatro*.

    1.2 IDADE MDIA

    Na Idade Mdia no houve, pelo menos nos primeiros sculos, uma alterao muito grande quanto aos modos de leitura, tendo em vista que o controle total da Igreja catlica sobre a sociedade impedia que houvesse um desenvolvimento da educao, consequentemente, da leitura entre as camadas mais baixas da populao. A leitura tornou-se privilgio dos monges, que exerciam a funo de copistas de novos livros e tambm de guardies da herana cultural greco-romana. O conhecimento de certa forma ficava restrito s bibliotecas e s salas de leitura dos monastrios e crculos adstritos a certos extratos da sociedade medieval.

    Observamos nas pesquisas de Alberto Manguel (1997, p. 63-64) que poucas pessoas sabiam ler, as leituras pblicas eram comuns e os textos medievais repetidamente apelavam audincia para que prestasse ouvidos histria. Um dos exemplos mais conhecidos da literatura medieval justamente a obra Cantos da Canturia, do ingls Geoffrey Chaucer, que certamente foi registrada pelos copistas, mas, como observa Barry Sanders (1995, p. 127) a difuso dos contos foi feita de forma oral, o que significa que os espectadores de Chaucer estavam habituados a ouvir seus poetas, algo frequente e que devia constituir um dos grandes prazeres cerimoniais da vida medieval.

    Quanto aos Cantos da Canturia, Sanders aponta para o fato de que a estrutura dos versos, incluindo oraes subordinadas dificultava a memorizao do contedo por um pblico que no tinha familiaridade com as tcnicas escritas, o que mostra as transformaes que Chaucer produz com a sua obra, rompendo com os limites da oralidade, fazendo a audincia medieval ouvir os versos do Canterbury Tales como grammatica, como obra literria (SANDERS, 1995, p. 129). perceptvel como a forma da apresentao oral a qual a audincia medieval estava familiarizada sofre a influncia do texto escrito, em que se torna impossvel para a plateia apreender e memorizar o contedo dos versos, devido complexidade da palavra escrita em relao palavra falada.

    * [] it was the readers job to bring the text alive, to insert the prosodic features and illocutionary force lacking in

    the writing system. The continuous roll was played by the reader much in the way that we play a videotape or witness a stage performance [] The reader played the role of performer, in effect, and the sort of direction for pause and tone given by the authors paralinguistic markup in our texts (commas, quotes, italics, indentation, etc.) was left to the readers interpretation of the lines. Punctuation, if it existed, had no authorial force, and could bewaschanged at will.[] Moreover, the idea of the reader is complex: not simply the readerlistener, but a readerperformer who acts as an intermediary, much like an actor rendering a play.

  • A incapacidade de lembrar constitui, assim, uma estratgia crucial para Chaucer. Antes de mais nada, emprega-a de maneira agressiva e autoritria para colocar os ouvintes em seu lugar de transio. Pedindo-lhes que faam o impossvel visualizar a pgina medida que ouvem transformando-os em vtimas, roubando-lhes a oportunidade de realmente apreenderem o poema. Neste ponto, o poema os apreende. Mas seu truque ainda mais amplo. Ao revelar sua prpria incapacidade de lembrar, aponta para uma transio igualmente importante referente a ele mesmo de poeta e orador para autor e autoridade. (SANDERS, 1995, p. 128).

    1.3 RENASCENA

    Se a Idade Mdia apresentou mudanas substanciais em relao leitura, na Renascena europeia, a inveno da imprensa, na dcada de 1440, por Johannes Gutenberg, produziu efeitos to extraordinrios que alteraram para sempre os hbitos e modos de leitura, alm de oportunizar a criao de um pblico leitor de outros extratos sociais, pois a produo rpida e barata levou a um mercado maior, composto por gente que podia comprar exemplares para ler em particular e que, portanto, no precisava de livros com tipos e formatos grandes [...] (MANGUEL, 1996, p. 160).

    A praticidade que a imprensa acarretou ao leitor imensurvel, visto que, a partir do momento em que o discurso oral transposto para o papel atravs dos tipos, a manipulao do livro se torna infinitamente maior, alm da produo em grande escala diferente da maneira artesanal da qual o livro era produzido no comeo da Idade Mdia em que alguns dos livros de culto eram to imensos que tinham de ser postos em rodinhas para que pudessem ser movidos. [...] eram livros para serem lidos comunalmente e distncia, desautorizando qualquer leitura ntima ou sentimento de posse individual. (MANGUEL, 1996, p. 155).

    Conforme Lucia Santaella (2004, p. 23), a partir do sculo XVI, a prtica predominante foi a leitura individual, o leitor se tornou laico no mais sujeito ao domnio absoluto da igreja catlica e da bblia e outros documentos religiosos. Houve uma diversidade maior de textos a ser lida, uma maior emancipao das celebraes religiosas, eclesisticas ou familiares. Este tipo de leitor a autora denomina de contemplativo, pois no acossado pela urgncia do tempo. [...] Embora a leitura da escrita de um livro seja sequencial, a solidez do objeto livro permite idas e vindas, retornos, re-significaes (SANTAELLA, 2004, p. 24).

    1.4 DO ILUMINISMO AO SCULO XIX

    De acordo com a professora Jane V. Curran (2005), coordenadora do Departamento de Alemo da Universidade Dalhousie, a alfabetizao na poca iluminista ultrapassa os estudos dos eruditos, sendo que a leitura se torna um passatempo pblico devido circulao crescente dos livros. Curran tambm aponta para o fato de que as pessoas deixavam de lado os textos

  • devocionais procurando outros tipos de leitura. Conforme a autora, as fontes de leitura se dividiam em quatro categorias, a saber:

    Pessoal que inclua correspondncia, dirios, relato de conversas; Terica: que inclua prefcios, manuais de natureza mais prtica, especulaes

    acadmicas; Estrutural: caractersticas construdas pelo autor no texto que reconhecem prticas

    de leitura e promovem a leitura oral; Temtica: referncias e exemplos de personagens num contexto narrativo

    (CURRAN, 2005, p. 697). Quanto aos tipos de leituras que fazem parte do final do sculo XVIII, Reinhard

    Wittmann (1999) as classifica em selvagem, erudita e til. Leitura selvagem que representava a nica forma de leitura da populao

    campesina e de grande parte das camadas citadinas inferiores. (CURRAN, 2005, p. 141).

    Leitura erudita em que o erudito pedante, sisudo e caseiro foi substitudo pelo verstil petit matre, que se exercitava nas cincias apenas superficialmente. (CURRAN, 2005, p. 142-143).

    Leitura til - a leitura que promovia uma moral til sociedade e, ao mesmo tempo, individual, era, tanto para o abastado comerciante como para o estudante esforado, para a mulher culta como para o funcionrio sisudo, no uma diverso ociosa, mas um dever moral. (CURRAN, 2005, p. 143).

    No sculo XIX, a leitura se estendeu a todas as classes sociais europeias, fazendo com que a publicao de textos ficcionais nos jornais se tornasse um meio de tornar os autores conhecidos do grande pblico. Alm dos jornais, houve uma preocupao em baratear o custo do livro como podemos observar no caso do romancista ingls Charles Dickens, cujos editores optaram por publicar alguns de seus romances mais importantes atravs de captulos semanais ou mensais, tendo em vista que o alto custo de um romance inviabilizaria que um trabalhador mediano pudesse adquiri-lo. Dessa forma, a leitura que era, nos primeiros sculos, uma atividade restrita a determinados grupos sociais, democratiza-se, impulsionando o mercado editorial e fazendo com que um nmero cada vez maior de pessoas se torne leitores efetivos.

    1.5 LEITURA NO SCULO XX

    O leitor do sculo XX se defrontou com um cenrio em que as certezas slidas construdas pelo iluminismo e o racionalismo dos sculos XVIII e XIX se desmancham no ar, como dizia Marx. s mudanas que j vinham em ritmo acelerado desde o sculo XIX, como o

  • crescimento desenfreado dos grandes centros urbanos, acrescentou-se a inveno do automvel, do avio, da televiso e do cinema, que revolucionaram a questo do tempo e do espao. A ideia de permanncia dos valores morais e ticos tambm se esvaiu com a deflagrao das duas grandes guerras mundiais, em que os seres humanos puderam vivenciar a fragilidade da vida humana, da dignidade, da descrena em um Deus. Todos esses acontecimentos transformaram a maneira de entender o mundo, fazendo com que as artes e a literatura apresentassem novas formas de apreenso da realidade circundante, gerando um leitor que Lucia Santaella (2004) chama de movente, fragmentado. Conforme a autora, este tipo de leitor aquele

    [q]ue foi se ajustando a novos ritmos da ateno, ritmos que passam com igual velocidade de um estado fixo para um mvel. o leitor treinado nas distraes fugazes e sensaes evanescentes cuja percepo se tornou uma atividade instvel, de intensidades desiguais. , enfim, o leitor apressado de linguagens efmeras, hbridas, misturadas. Mistura que est no cerne do jornal, primeiro grande rival do livro. A impresso mecnica aliada ao telegrafo e fotografia gerou essa linguagem hbrida, a do jornal, testemunha do cotidiano, fadada a durar o tempo exato daquilo que noticia. Aparece assim, com o jornal, o leitor fugaz, novidadeiro, de memria curta, mas gil. Um leitor que precisa esquecer, pelo excesso de estmulos, e na falta do tempo para ret-los. Um leitor de fragmentos, leitor de tiras de jornal e fatias de realidade. (SANTAELLA, 2004, p. 29)

    De acordo com a autora, esse leitor convive em um mundo no qual ele esbarra a todo o momento em signos, em diferentes linguagens, pois diferentemente dos leitores meditativos, o leitor fragmentado experimenta rupturas de tempo e espao, sendo que o seu nomadismo tambm influi nos seus gostos de leitura, pois os grandes romances, aqueles de mais de 500 pginas, tornam-se praticamente impossveis de serem transportados nas viagens rpidas seja nos metrs, nos carros, ou nos avies. As imagens, por sua vez, alimentam o imaginrio dos habitantes do sculo XX atravs da televiso e das telas de cinema, criando novas maneiras de representar a vida rotineira. O fato de os filmes terem uma mdia de uma hora de projeo faz com que os roteiristas e diretores utilizem recursos de cores, som, cortes para transpor obras literrias para a tela, tendo em vista que o cinema no conta com o auxilio dos narradores de obras ficcionais, valendo-se da sutileza muitas vezes, para representar o discurso literrio.

    1.6 O LEITOR DA ERA DIGITAL

    Seguindo a classificao de Lucia Santaella (2004) em relao aos leitores das diferentes pocas, o leitor da era digital classificado de imersivo, virtual

    cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de infinitos textos num grande caleidoscpio tridimensional onde cada novo n e nexo pode conter uma outra grande rede numa outra dimenso. Enfim, o que se tem a um universo novo que parece realizar o sonho ou alucinao borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca

  • virtual, mas que funciona como promessa eterna de se tornar real a cada clique do mouse (SANTAELLA, 2004, p. 33).

    As geraes que nasceram na poca do computador desenvolvem uma forma de ler que ultrapassa a todas as outras mudanas que ocorreram ao longo dos sculos, pois a era digital acarretou transformaes sensrias, perceptivas e cognitivas que trazem conseqncias tambm para a formao de um novo tipo de sensibilidade corporal, fsica e mental (SANTAELLA, 2004, p. 34).

    Fazendo um breve retrospecto do que estudamos at aqui, observamos que a leitura procede da oralidade, pois antes que a escrita surgisse, histrias vinham sendo contadas h milnios, encantando as plateias; por outro lado, a maior contribuio que a escrita nos legou foi a possibilidade de registrar as memrias de povos dos sculos anteriores, bem como as suas narrativas, que tornam a leitura fascinante em todas as pocas da humanidade, para todas as faixas etrias, no importando a forma como ela se manifesta: em rolos como nos tempos antigos, ou nos gigantescos livros artesanais da Idade Mdia, na circulao dos livros populares, ou, ainda, nos livros digitais. O que importa, como bem ressalta Jorge Luis Borges, maior escritor argentino contemporneo, citado por Fonseca (1987, p. 104), que [a] gente tem vontade de perder-se em As Mil e uma Noites, pois sabe que, se entrar nesse livro, capaz de esquecer nosso pobre destino humano.

    ATIVIDADES

    1) Assinale a alternativa correta. a) Na antiguidade Greco- clssica havia somente narrativas orais. b) A oralidade era a nica forma de comunicao nas sociedades antigas. c) O homem tem capacidade intrnseca de falante e leitor. d) A recitao uma forma ainda utilizada hoje em dia.

    2) Assinale a alternativa incorreta. a) Os copistas tinham a incumbncia de preservar a memria da cultura antiga atravs da sua atividade. b) Os copistas eram homens dedicados em perodo integral a reproduzir as obras. c) As bibliotecas eram um local frequentado por diferentes grupos sociais na idade mdia. d) Os copistas eram monges.

    3) Assinale a alternativa incorreta. a) Leitor contemplativo significa um leitor que passava muitas horas lendo livros de religio. b) Os leitores contemplativos exercem uma leitura silenciosa.

  • c) Os leitores contemplativos surgem no Renascimento. d) Os leitores contemplativos no eram monges.

    4) Assinale a alternativa correta. a) No tempo de Chaucer havia livre acesso de sua obra entre os espectadores. b) No mundo da primeira revoluo industrial surge o leitor fragmentado. c) A multimdia e a hipermdia so parte do dia-a-dia do leitor imersivo. d) Com a apario do livro digital, o livro impresso tende a desaparecer.

    4) Assinale a afirmao que completa a frase abaixo. A formao de bons leitores inicia a partir da:

    a) Escola secundria; b) Prtica oral; c) Escrita; d) Leitura de revistas em quadrinhos.

    GABARITO 1 D 2 C 3 A 4 C 5 B

    REFERNCIAS

    CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. So Paulo: Ed. UNESP, 1998.

    CURRAN, Jane V. Oral Reading, Print Culture, and the German Enlightenment. The Modern Language Review, Vol. 100, No. 3 (Jul., 2005), p. 695-708. Modern Humanities Research Association. Disponvel em: . Acesso em: 06 jan. 2009.

    FOLEY, John Miles. Reading Homer through Oral Tradition. College Literature 34.2 [Spring 2007]. Disponvel em: < http://muse.jhu.edu.www.libproxy.wvu.edu/journals/college_literature/v034/34.2foley.pdf >. Acesso em: 08 jan. 2009.

    FONSECA, Cristina. (org.) O pensamento vivo de Jorge Luis Borges. So Paulo: Martin Claret, 1987. Coleo O Pensamento Vivo.

    HAVELOC, Eric. A equao oralidade- cultura escrita: uma frmula para a mente moderna. In: OLSON, David R; TORRANCE, Nancy. Cultura escrita e oralidade. So Paulo: tica, 1995.

    JOHNSON, William A. Toward a sociology of reading in classical antiquity. American Journal of Philology 121 (2000) 593627 _ 2001 by The Johns Hopkins University Press. Disponvel

  • em: < http://muse.jhu.edu.www.libproxy.wvu.edu/journals/american_journal_of_philology/v121/121.4johnson.pdf > . Acesso em: 08/01/2009.

    MANGUEL, Alberto. Uma histria da leitura. 2 reimpresso. So Paulo: Companhia das Letras, 1996.

    MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista. Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2009.

    SANDERS, Barry. A mentira em ao: Chaucer se torna autor. In: OLSON, David R; TORRANCE, Nancy. Cultura escrita e oralidade. So Paulo: tica, 1995.

    SANTAELLA, Lucia. Navegar no espao: o perfil cognitivo do leitor imersivo. So Paulo: Paulus, 2004.

    WITTMANN, Reinhard. Existe uma revoluo da leitura no final do sculo XVIII? In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger (orgs.). Histria da leitura no mundo ocidental. Vol. 2. So Paulo: tica, 1999.

  • 2 A LEITURA LUZ DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS Antnio Jos Henriques Costa

    A leitura do mundo precede a leitura da palavra...

    Paulo Freire (2003)

    Neste captulo, o enfoque abordar o processo de leitura, assim como o seu ensino, luz dos PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN), ou seja, pretendemos descrever de forma bastante clara e sinttica quais so os objetivos para o ensino da leitura em lngua portuguesa estabelecidos por este documento de referncia curricular. Portanto, para tal exerccio acadmico, estabelecemos como ponto de partida o conhecimento a respeito do conceito de leitura e os objetivos desse ensino expressos no referido documento e a aplicabilidade desses pressupostos no cotidiano escolar.

    Abordaremos uma das temticas mais significativas na trajetria escolar de um estudante, seja ele brasileiro ou estrangeiro: a leitura. A grande responsabilidade da escola - ensinar a ler e, consequentemente, estimular a leitura em todos os seus estudantes - tem sido uma tnica em muitos congressos, simpsios, assim como prprio objeto de investigao para acadmicos e pesquisadores de diversas reas do conhecimento humano. Atualmente, as discusses sobre o ensino da leitura na escola so potencializadas principalmente pelas agncias formadoras dos futuros professores de lngua portuguesa, pois estes naturalmente sero os principais multiplicadores de propostas didticas que possam elevar os nveis de leitura em nosso contexto educacional.

    medida que especialistas e professores buscam apresentar as caractersticas da linguagem expressas atravs dos diferentes gneros literrios, a diversificao nas estratgias de ensino alcana um status de relevante importncia no processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, ressaltamos no somente o conhecimento e reconhecimento desta ao escolar, mas a constante reflexo terico-prtica a fim de efetivamente qualificar o ensino da Leitura.

    Ao abordarmos o ensino da leitura na escola, no podemos deixar de mencionar outra temtica de extrema relevncia no contexto socioeducacional, apesar de estar na contramo do processo de qualificao da aprendizagem da leitura, aqui tem o propsito de justificar e contextualizar a importncia deste processo: o analfabetismo. Historicamente, a erradicao desta problemtica social em nosso pas tem sido utilizada como meta dos sucessivos governos. Atualmente, temos um contingente de 16 milhes de analfabetos e, se considerarmos a

  • classificao de analfabeto funcional*, dada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em 200, esse nmero eleva para 30 milhes. Cabe salientar que o nmero de pessoas escolarizadas em um pas contribui para estabelecer o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), estabelecido pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no qual o Brasil ocupa a 73 posio no ranking mundial.

    Com o intuito de reverter os efeitos desta realidade de excluso social, muitas aes e projetos foram implementados nas ltimas dcadas e liderados pelos governos federais, estaduais, municipais, instituies privadas e at mesmos pelas organizaes no governamentais (ONGs), objetivando contribuir para a formao de uma sociedade menos desigual. Destacamos, entre tantos projetos de importante natureza, o programa de Educao de Jovens e Adultos (EJA) para a concluso da educao bsica, destinado a pessoas com faixa etria superior a 15 anos e que no tiveram acesso escola ou que evadiram dela precocemente. O programa ofertado pelo governo federal em parceria com os governos estaduais e municipais. Citamos o referido programa por configurar-se como um possvel espao de atuao dos acadmicos do curso de Letras em suas prticas pedaggicas ao longo do curso e, posteriormente, um contexto escolar de insero profissional.

    2.1 PCNS: CONCEITO, OBJETIVOS E ORGANIZAO

    Iniciamos pela prpria definio: os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) so constitudos por um conjunto de proposies educacionais que visam auxiliar professores e autoridades governamentais no implemento da qualificao dos processos educacionais respeitando as caractersticas locais e regionais. Essas proposies foram elaboradas, discutidas e socializadas por especialistas em educao, professores universitrios, tcnicos educacionais de esfera estadual e municipal e de educadores de diversas regies do pas. Aps anlise da primeira verso, os participantes emitiram pareceres sobre a proposta e que serviram de referencial para a elaborao da verso final.

    Os parmetros propostos possuem uma natureza flexvel e conforme estabelecido pela Lei Federal n 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB), a organizao da educao bsica de autonomia do poder publico, ou seja, os governos estaduais e municipais tm a liberdade em propor projetos educacionais em suas

    *Analfabeto funcional, segundo classificao do IBGE, toda a pessoa com menos de quatro sries de estudos concludos. Pessoa alfabetizada pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece. (INEP, 2003, p..6)

  • redes escolares visando qualificao do ensino fundamental e mdio. Nesta perspectiva, os PCNs devem ser analisados e adequados s necessidades regionais e locais, conforme recomenda o prprio documento.

    Sua funo orientar e garantir a coerncia dos investimentos no sistema educacional, socializando discusses, pesquisas e recomendaes, subsidiando a participao de tcnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produo pedaggica atual. No configuram, portanto, um modelo curricular homogneo e impositivo, que se sobreporia competncia poltico-executiva dos Estados e Municpios, diversidade sociocultural das diferentes regies do Pas ou autonomia de professores e equipes pedaggicas. (PCNs - http://portal.mec.gov.br/seb/)

    Nesse sentido, com a premissa de respeitar as diversidades culturais, regionais, tnicas, religiosas e polticas que constituem uma sociedade de natureza mltipla fundamental o estabelecimento de diretrizes mnimas que assegurem a qualificao do sistema educacional e que possuam estreita ligao com o processo de construo da cidadania de forma igualitria a todos os cidados. Os debates realizados na Conferncia Mundial de Educao para Todos*, ocorrida no ano de 1990 em Jomtien, na Tainlndia, elegeram a universalizao da educao bsica como tnica central e o estabelecimento das necessidades bsicas de aprendizagem, tendo como base um cenrio educacional mundial nada positivo. Dessa forma, a implementao dos PCNs representa uma das aes de um programa de qualificao do sistema educacional, compromisso assumido internacionalmente por diversos pases e que tem como referncia a Declarao de Nova Delhi1*.

    Os PCN atendem, ento, aos dispositivos legais da LDB que atribuem ao poder pblico a responsabilidade de garantir uma formao bsica comum para todos e as diretrizes que possam nortear um currculo e contedos mnimos. Para assegurar tal desafio, eles foram elaborados e organizados tendo como referncia os seguintes objetivos, com base na LDB, em seu artigo 32:

    O ensino proposta pela LDB est em funo do objetivo maior do ensino fundamental, que o de propiciar a todos formao bsica para a cidadania, a partir da criao na escola de condies de aprendizagem para:

    A Declarao de Nova Delhi refere-se a um documento oficial assumido pelos representantes de nove pases em desenvolvimento para o cumprimento das metas estabelecidas Conferncia Mundial sobre Educao para Todos e pela Cpula Mundial da Criana, realizadas em 1990. Disponvel em * http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Educacao/texto/delhi.html

    Para saber mais sobre Conferncia Mundial de Educao para Todos acesse o site HTTP://www.acaoeducativa.org.br/dowunloads/DeclaracaoJomtien.pdf.

  • I o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo;

    II a compreenso do ambiente natural e social, do sistema poltico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

    III o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de atitudes e valores;

    IV o fortalecimento dos vnculos de famlia, dos laos de solidariedade humana e de tolerncia recproca em que se assenta a vida scia. (grifo nosso). (LDB, art. 32).

    Como podemos observar, os desafios que so traados para a escola e toda a sua comunidade no so to elementares, ou seja, a escola atravs de seu projeto pedaggico precisa oferecer uma formao integral para todos os seus educandos. Destacamos, conforme LDB, o pleno domnio da leitura como meio para o aprendizado dos diferentes saberes. A leitura entendida como instrumento para acessar os conhecimentos de todos os componentes curriculares. Portanto, os professores de lngua portuguesa precisam estar em constante atualizao pedaggica, discutindo, planejando, avaliando, aplicando diferentes estratgias didticas para qualificar o ensino de leitura.

    Inseridos em uma proposta interdisciplinar atravs de uma perspectiva democrtica e participativa, os Parmetros abordam temticas de ordem didtica divididos por rea de conhecimento e por ciclo. Vejamos o esquema abaixo:

    Os ciclos correspondem respectivamente s seguintes sries do ensino fundamental:

    1 ciclo: 1 e 2 sries; 2 ciclo: 3 e 4 sries; 3 ciclo: 5 e 6 sries; 4 ciclo: 7 e 8 sries.

    reas de Conhecimento

    Lngua Portuguesa Matemtica Cincias Naturais

    Geografia Arte

    Histria

    Educao Fsica

    Temas Transversais

    Lngua estrangeira

  • Em carter de recomendao, os PCNs apontam que as questes sociais sejam trabalhadas por uma abordagem transversal, ou seja, as temticas so integradas ao planejamento do diferentes componentes curriculares. Os temas transversais so: tica, pluralidade cultural e orientao sexual, meio ambiente e sade. Para o ensino fundamental, os PCNs seguem a organizao escolar por ciclos. Para os estados e municpios que no possuem uma estruturao escolar por ciclos, sugere-se que as equipes pedaggicas, juntamente com os professores, faam as devidas adequaes das proposies didticas que constituem os parmetros.

    Para o ensino mdio, os PCNs, tambm, seguem a mesma linha de organizao, por reas de conhecimento, vejamos o esquema a seguir:

    Os PCN representam uma estrutura curricular completa, ou seja, o documento envolve um conjunto de etapas da ao educativa, tais como caracterizao das reas do conhecimento, objetivos, organizao dos contedos mnimos, critrios de avaliao e orientaes didticas. Apesar da amplitude e flexibilidade das propostas que constituem os PCN, importante que as equipes pedaggicas e corpo docente estabeleam critrios de avaliao e atualizao e reviso das propostas a fim de proporcionar uma constante atualizao dos conhecimentos, os quais devero estar sempre em consonncia com a realidade social.

  • 2.2 REA DE LNGUA PORTUGUESA: OBJETIVOS E PERSPECTIVAS

    O domnio da leitura e da escrita considerado como referencial para atestar o nvel de qualidade do ensino na rede escolar. Por este motivo, nas ltimas dcadas o ensino da lngua portuguesa tem sido objeto de constantes discusses e reflexes para professores e especialistas da rea. Inicialmente, por volta da dcada de 1970, as propostas de reformulao focalizaram os mtodos de ensino, ou seja, como a lngua era ensinada. As questes scio-polticas vividas na poca pela sociedade brasileira tornaram a escola um espao de convivncia de todas as camadas sociais, contrariando a natureza de um local de predominncia das camadas sociais mais privilegiadas economicamente. No entanto, o universo da diversidade cultural e o respeito pela variedade lingustica no eram considerados e por esta razo o respeito lngua padro, gramatical, sempre foi muito valorizada.

    Entre as crticas mais frequentes que se faziam ao ensino tradicional destacavam-se:

    a desconsiderao da realidade e dos interesses dos alunos; a excessiva escolarizao das atividades de leitura e produo de texto;

    o uso do texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o

    tratamento de aspectos gramaticais;

    a excessiva valorizao da gramtica normativa e a insistncia nas regras de exceo, como conseqente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades no-padro;

    o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a exerccios

    mecnicos de identificao de fragmentos lingusticos em frases soltas;

    a apresentao de uma teoria gramatical inconsistente, uma espcie de gramtica tradicional mitigada e facilitada.

    Com os avanos dos estudos da rea da lingustica, principalmente no que tange a psicolingustica e a sociolingustica, outros aspectos referentes linguagem despertam o interesse de especialistas e professores. O prprio conceito de erro, passa a ser revisto e as influncias do estigma social representadas principalmente pelas variedades lingusticas ocupam espaos nas discusses acadmicas. Com isto, este novo olhar e tratamento das questes que cercam o uso da linguagem comeam a integrar a aula de lngua portuguesa. Salientamos que apesar dos inmeros avanos em direo a uma metodologia que valorize os saberes lingusticos em suas diferentes esferas sociais, ainda possvel nos depararmos com aulas extremamente tradicionais que valorizam o estudo das regras gramaticais dissociadas de qualquer relao com a viso de mundo dos alunos envolvidos. Destacamos alguns dos objetivos gerais para o ensino da lngua portuguesa no ensino fundamental, conforme recomendao dos PCNs:

  • utilizar a linguagem na escuta e produo de textos orais e na leitura e produo de textos escritos de modo a atender a mltiplas demandas sociais, responder a diferentes propsitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condies de produo do discurso;

    utilizar a linguagem para estruturar a experincia e explicar a realidade, operando sobre as representaes construdas em vrias reas do conhecimento;

    conhecer e valorizar as diferentes variedades do Portugus, procurando combater o preconceito lingstico;

    reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social como instrumento adequado e eficiente na comunicao cotidiana, na elaborao artstica e mesmo nas interaes com pessoas de outros grupos sociais que se expressem por meio de outras variedades.

    Em sntese, o aprender e o ensinar a lngua portuguesa na escola propem vrios desafios para ambos os envolvidos, alunos e professores. Cabe ao professor o conhecimento da realidade escolar para ento planejar, executar e orientar situaes de aprendizado que promovam e contribuam para formao lingustica de seus alunos. Do aluno, espera-se o seu envolvimento com o objeto de estudo, tornando-se capaz de interagir com o outro atravs das diferentes formas e nos mais variados contextos comunicativos.

    2.3 O PROCESSO DE LEITURA

    Dentre as diferentes atividades didticas que so propostas pela escola, chamamos ateno para o conjunto de proposies que visam formao dos leitores crticos e reflexivos. Portanto, as atividades precisam ser consequncia de um planejamento significativo que possibilite o conhecimento das etapas do processo de leitura, resultando no domnio pleno da leitura. Salientamos que a leitura e seus benefcios no so de uso e compromisso exclusivo da rea de lngua portuguesa. Como j mencionamos anteriormente, a leitura representa um canal pelo qual os alunos utilizaro para acessar os conhecimentos das demais reas. Portanto, destacamos a presena de propostas de leitura no planejamento de todos os componentes curriculares, possibilitando um dilogo permanente entre os diferentes saberes e contribuindo para a competncia leitora dos alunos. Conforme Paulo Guedes e Jane de Souza (2001, p. 15), o ensino da leitura e da escrita um compromisso de todos os professores, pois

    Ler e escrever so tarefas da escola, questes para todas as reas, uma vez que so habilidades indispensveis para a formao de um estudante, que responsabilidade da escola. Ensinar dar condies ao aluno para que ele se aproprie do conhecimento historicamente construdo e se insira nessa construo como produtor de conhecimento. Ensinar ensinar a ler para que o aluno se torne capaz dessa apropriao, pois o conhecimento acumulado est escrito em livros, revistas, jornais, relatrios e arquivos.

  • Dessa forma, no que tange ao processo de leitura, os PCN recomendam o desenvolvimento das seguintes habilidades, primando para que o aluno

    o saiba selecionar textos segundo seu interesse e necessidade;

    o leia, de maneira autnoma, textos de gneros e temas com os quais tenha construdo

    o familiaridade: o selecionando procedimentos de leitura adequados a

    o diferentes objetivos e interesses, e a caractersticas do gnero e suporte; o desenvolvendo sua capacidade de construir um conjunto de expectativas (pressuposies antecipadoras dos sentidos, da forma e da funo do texto), apoiando-se em seus

    o conhecimentos prvios sobre gnero, suporte e universo

    o temtico, bem como sobre salincias textuais . recursos

    o grficos, imagens, dados da prpria obra (ndice, prefcio etc.); o confirmando antecipaes e inferncias realizadas antes e durante a leitura;

    o articulando o maior nmero possvel de ndices textuais e

    o contextuais na construo do sentido do texto, de modo a: a) utilizar inferncias pragmticas para dar sentido a expresses que no pertenam a seu repertrio lingstico ou estejam empregadas de forma no usual em sua linguagem;

    b) extrair informaes no explicitadas, apoiando-se em dedues; c) estabelecer a progresso temtica; d) integrar e sintetizar informaes, expressando-as em linguagem prpria, oralmente ou por escrito;

    e) interpretar recursos figurativos tais como: metforas, metonmias, eufemismos, hiprboles etc.;

    o - seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua condio atual, apoiando-se em marcas formais do prprio texto ou em orientaes oferecidas pelo professor;

    o troque impresses com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se

    diante da crtica, tanto a partir do prprio texto como de sua prtica enquanto leitor;

    Texto reduzido PCNs Ensino Fundamental Lngua Portuguesa 3 e 4 ciclos

    (http://portal.mec.gov.br/seb/)

    Como podemos perceber, conforme recomendaes dos PCNs, as habilidades a serem desenvolvidas com a leitura de textos escritos seguem uma sequncia de etapas que envolvem

  • desde a seleo de textos de diferentes temticas e tipologias at propostas didticas que possibilitem a socializao das ideias compreendidas pelos alunos. Na verdade, cabe equipe de professores da escola desenvolver um planejamento de leitura, em uma atitude interdisciplinar, com vistas formao de leitores crticos e autnomos. Salientamos que este planejamento explicite uma progresso textual gradual, isto , a seleo de textos dever contemplar no somente as variedades de gneros e ou assuntos, mas o prprio nvel de linguagem. A valorizao da leitura na escola um desafio de todos os professores, no somente dos professores de lngua portuguesa, e isto passa por um processo de conscientizao cultural acerca dos benefcios que uma poltica de leitura pode trazer para toda a comunidade escolar.

    Conforme os PCN, o professor poder contar com vrias alternativas didticas que contribuem para a formao de leitores. Destacamos algumas delas:

    a) Leitura autnoma: realizada, preferencialmente, de forma silenciosa, onde o aluno ter oportunidade de colocar em prtica os procedimentos que envolvem o processo de leitura e tornando-se capaz de tomar decises com relao compreenso sem uma mediao direta do professor.

    b) Leitura colaborativa: trata-se de uma estratgia didtica, na qual o professor realiza a leitura juntamente com os seus alunos, e durante o processo propem questionamentos que envolvem os procedimentos de leitura utilizados pelos alunos que atribuem sentido ao texto. uma forma de estimular o nvel de criticidade dos alunos. c) Leitura em voz alta pelo professor: apesar de representar uma estratgia didtica significativa para a formao de leitores, ela no muito comum nas aulas de lngua portuguesa, principalmente nas sries mais avanadas do ensino fundamental e ensino mdio. O professor geralmente opta por esta alternativa quando os textos so longos e com maior complexidade lingustica.

    d) Leitura programada: uma proposio didtica que fragmenta captulos da obra e divide entre grupos de alunos para posterior discusso em sala de aula com a mediao do professor. Durante a socializao, geralmente, o professor adiciona informaes quanto ao perodo literrio em que a obra representa ou at mesmo do autor. e) Leitura de escolha pessoal: o foco desta proposio didtica principalmente o contato com a prtica de leitura, ou seja, oportunizar momentos para que o aluno utilize critrios de para a seleo do gnero a ser lido. A recomendao de um tema de interesse ou autor poder contribuir para o estabelecimento de suas preferncias com relao leitura.

    Com as possibilidades didticas acima mencionadas nos PCN, conclumos que h uma preocupao do documento em orientar os professores no sentido de estimular a diversificao das propostas a serem aplicadas em sala de aula, adotando assim uma postura dinmica e

  • desafiadora frente ao processo de formao de leitores. Por meio de um planejamento de progresso lingustica, ou seja, primeiramente com uma seleo de textos mais simples, diversificao dos gneros textuais e temticas multidisciplinares, o professor implementar e aplicar atividades didticas que garantam uma aprendizagem efetiva. Inseridos nesta perspectiva, percebemos que os alunos sero capazes no somente de identificar as caractersticas dos gneros textuais, mas de aplicar as estratgias de leitura e elevar o nvel de compreenso leitora.

    ATIVIDADES

    1) Com base na leitura do captulo, podemos definir os PCN como:

    a) Orientaes didticas para o ensino da leitura. b) Parmetros didticos que orientam o ensino da leitura em todo territrio nacional. c) Conjunto de orientaes terico-metodolgicas para a educao bsica a ser seguido em todo o territrio nacional. d) Orientaes terico-metodolgicas que assumem o papel de referencial mnimo para a educao bsica em todo o territrio nacional.

    2) Classifique as frases abaixo em (V) verdadeira ou (F) falsa, segundo a leitura do captulo.

    ( ) O domnio da leitura apontado como um dos principais objetivos do ensino fundamental o que torna a escola responsvel pela formao de leitores capazes de compreender as questes sociais do mundo contemporneo. ( ) O conhecimento prvio dos alunos e o interesse por determinadas temticas e gneros textuais devem ser priorizados no planejamento do professor de lngua portuguesa, possibilitando assim a leitura somente da preferncia dos alunos e automaticamente despertando o seu interesse leitura. ( ) O acesso aos diferentes gneros textuais tem como principal objetivo levar o aluno a conhecer as variedades da lngua e refletir sobre as questes que suscitam o preconceito lingustico afim de evit-lo. ( ) A principal funo dos PCN orientar professores e equipes pedaggicas com relao a um referencial mnimo para a qualificao do sistema educacional nacional.

    Est correta a sequncia

    a) F, V, V, V.

  • b) V, F, V, V. c) V, F, V, F. d) V, V, F, F.

    3) Marque a alternativa que apresenta as caractersticas dos PCN.

    a) Diretrizes especficas / flexibilidade / autonomia. b) Cidadania / flexibilidade / proposies pedaggicas. c) Orientaes didticas / uniformidade / garantia de qualidade. d) Conhecimento prtico / disciplinar / autonomia.

    4) Como a leitura entendida luz dos PCN?

    a) Canal de acesso aos diferentes saberes do conhecimento humano. b) Uma responsabilidade da escola. c) Codificao da linguagem escrita. d) Capacidade adquirida atravs da leitura dos diferentes gneros textuais.

    5) Segundo recomendaes dos PCN, marque a alternativa que melhor sintetiza as etapas do ensino da leitura na escola. Para isso, o professor dever

    a) planejar atividades de leitura tendo como base os aspectos gramaticais que pretende ensinar. b) conhecer as preferncias de leitura dos alunos, para ento propor as leituras. c) selecionar textos de diferentes gneros e temticas, apresentando-os atravs de diversas propostas didticas. d) propor leituras seguidas de atividades de produo textual, a fim de qualificar o processo de escrita.

    Gabarito 1) D 2) B 3) B 4) A 5) C

    REFERNCIAS

  • http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo / Acesso em: 10 nov. 2008

    http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Educacao/texto/delhi.html Acesso em: 10 nov 2008 - Declarao Nova Delhi

    FREIRE, Paulo. A importncia do ato de ler: em trs artigos que se completam. 45ed. So Paulo:Cortez, 2003

    MEC - Ministrio da Educao e Cultura. LDB n 5.692/71. Disponvel em: . Acesso em: 30 out. 2008.

    ______. LDB n. 9.394/96. Disponvel em: . Acesso em: 30 out. 2008.

    ______. Parmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Disponvel em:

  • 3 LEITURA: IMPLICAES CONCEITUAIS Vanessa Loureiro Correa

    Leitura um processo de interao entre o leitor e o texto.

    Isabel Sol (1998, p. 22)

    Tarefas que estimulem o aluno a ler fazem parte da vida escolar. No entanto, o que temos visto uma total falta de compreenso sobre o que leitura, quais so os objetivos da mesma e as estratgias que podemos aplicar. No h como fazer um bom trabalho com os alunos, quando o prprio profissional tem um entendimento baseado no senso comum. Ler muito mais do que decifrar palavras, por isso exige um conhecimento sobre tudo que cerca esse hbito.

    Neste captulo, sero trabalhados os conceitos de leitura, compreenso e interpretao, contexto, alm de conhecermos os objetivos que cada tipo de leitura envolve.

    3.1 CONCEITOS DE LEITURA: UMA RETOMADA

    O conceito de leitura passa pela compreenso do mundo que nos cerca. Entender o que leitura e para o que ela serve, certamente, nos far melhores professores. Muitos entendem que ler somente decifrar as palavras, dando sentido as mesmas. claro que ler isso, mas no somente uma decifrao, uma vez que exigem uma interao entre leitor e texto. Vamos abordar essas duas formas de entender a leitura,a cognitiva e a interativa, entendendo que as duas no se excluem, mas sim se complementam.

    Kleiman (2004, p. 10) conceitua leitura da seguinte forma:

    Isto no quer dizer que compreender um texto escrito seja apenas consider-lo um ato cognitivo, pois a leitura um ato social, entre dois sujeitos leitor e autor que interagem entre si, obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados. Essa dimenso interacional, que para ns a mais importante do ato de ler, est pressuposta neste trabalho; no o foco da discusso, mas explicitada toda vez que a base textual sobre a qual o leitor se apia precisa ser elaborada, pois essa base textual entendida como a materializao de significados e intenes de um dos integrantes distncia via texto escrito.

    Kleiman d um sentido mais amplo ao conceito de leitura quando coloca a interao entre as partes do texto como sendo parte desse ato. Ler , de fato, compreender a mensagem que o autor quis passar. Essa mensagem pode estar na forma escrita, que a forma que abordaremos aqui, ou nas mais diversas formas de comunicao. A leitura do mundo passa por isso, uma vez que temos de compreender as diferentes mensagens para vivermos de forma

  • adequada na sociedade atual. Isso, no entanto, no exclui o fato de que temos de reconhecer letras, palavras e sentidos, porm, precisamos ir alm disso para que haja uma leitura de fato.

    Assim como Kleiman, vrios so os autores que confirmam essa forma de ver a leitura. Como depende de um entendimento entre leitor e autor, cada texto pode dar diferentes leituras. Bella Josef (1986, p. 35) diz que [c]ada leitura nova escrita de um texto. O ato de criao no estaria, assim, na escrita, mas na leitura, o verdadeiro produtor no seria o autor, mas o leitor. Nesse sentido, a leitura vai alm do que est escrito, uma vez que busca no leitor e no seu conhecimento prvio.

    Kleiman diz que alguns dos conhecimentos prvios so os lingusticos, os textuais e os de conhecimento de mundo. O leitor usa tudo isso para dar sentido ao texto que est lendo. Sobre o conhecimento lingustico, ela afirma (2004, p. 14-15):

    O conhecimento lingstico desempenha um papel central no processamento do texto. Entende-se por processamento aquela atividade pela qual as palavras, unidades discretas, distintas, so agrupadas um unidades ou fatias maiores, tambm significativas, chamadas constituintes da frase. medida que as palavras so percebidas, a nossa mente est ativa, ocupada em construir significados, e um dos primeiros passos nessa atividade o agrupamento em frases (da essa parte do processamento chamar-se segmentao ou fatiamento) com base no conhecimento gramatical de constituintes: o tipo de conhecimento que determina o artigo precede nome e este se combina com o adjetivo (Art N Adj o homem alto), assim como o verbo com nome (V N comeu ovos) e assim sucessivamente. Este conhecimento permitir a identificao de categorias (como, por exemplo, sintagma nominal), e das funes desses segmentos ou frases (como sujeito e objeto) identificao esta que permitir que esse processamento continue, at se chegar, eventualmente, compreenso.

    Alm do conhecimento lingustico, ela ainda cita o conhecimento textual, que deve ser entendido aqui como todas as noes e conceitos que se tem de texto. As diferentes estruturas textuais possibilitam, ao leitor, diferentes leituras. No podemos ler da mesma forma um texto narrativo, descritivo ou argumentativo. Cada um desses tipos pede estratgias diferentes, a fim de que se chegue na compreenso e interpretao deles. Logo, importante que saibamos o que texto, quais so os tipos e as caractersticas desses, bem como todos os elementos que fazem de uma sequncia de palavras um texto.

    Por fim. Kleiman fala do conhecimento de mundo. Todos os seres humanos, a partir do nascimento, comeam a formular o seu entendimento de mundo a partir de suas vivncias. Por isso, no podemos padronizar as pessoas por faixa etria, classe social, sexo e tantos outros meios de agrupamento porque dentro de cada grupo teremos realidades diferentes e, para cada uma dessas realidades, experimentaes diferentes. A autora assim conceitua conhecimento de mundo:

  • [...] O chamado conhecimento de mundo abrange desde o domnio que um fsico tem sobre sua especialidade at o conhecimento de fatos como o gato um mamfero, Angola est na frica, no se deve guardar fruta verde na geladeira, ou na consulta mdica h uma entrevista antes do exame mdico. Para haver compreenso, durante a leitura, aquela parte do nosso conhecimento de mundo que relevante para a leitura do texto deve estar ativada, isto , deve estar num nvel ciente, e no perdida no fundo de nossa memria. (KLEIMAN, 2004, 20-21)

    A fim de que possamos entender a questo interativa, no podemos esquecer que existe um processo cognitivo que possibilita essa interao. Bamberger conceitua a leitura com base nos aspectos cognitivos. Segundo ele, ler um processo mental que exige muito do nosso crebro, como segue:

    A leitura foi outrora simplesmente um meio de receber uma importante. Hoje em dia, porm, a pesquisa nesse campo definiu o ato de ler, em si mesmo, como um processo mental de vrios nveis, que muito contribui para o desenvolvimento do intelecto. O processo de transformar smbolos grficos em processos intelectuais exige grande atividade do crebro; durante o processo de armazenagem da leitura coloca-se em funcionamento um nmero infinito de clulas cerebrais. A combinao de unidades do pensamento em sentenas e estruturas mais amplas de linguagem constitui, ao mesmo tempo, um processo cognitivo e um processo de linguagem. A contnua repetio desse processo resulta num treinamento cognitivo de qualidade especial. Esse treinamento cognitivo consiste em trazer mente alguma coisa anteriormente percebida, e em antecipar, tendo por base a compreenso do texto precedente; a repetio aumenta e assegura o esforo intelectual. (BAMBERGER, 2004, p. 10)

    Bamberger, ao ver a leitura dessa forma, faz com ela se torne uma forma nica de aprendizagem. Vrias so as habilidades desenvolvidas, bem como so diversas as funes neuroniais trabalhadas no ato de ler. Tudo isso para que a interao entre as duas partes constitutivas do texto leitor e autor ocorra tranquilamente. Decodificar letras, palavras e significados faz com que a construo da compreenso se d formalmente no crebro.

    3.2 COMPREENSO E INTERPRETAO E SUAS OCORRNCIAS NA LEITURA

    Compreender um texto entender o que nele est escrito verbalmente (pela palavra escrita). Muitos professores tendem a misturar perguntas de compreenso e interpretao, dizendo que elas so iguais. No entanto, quando algum compreende um texto, ela entende os mecanismos lingusticos que dele fazem parte e contribuem para a construo de um texto coerente e coesivo. Segundo Marchusci (2004, p. 51), existem condies que contribuem para a compreenso do texto. So elas:

    (1) Condio de base textual

  • A primeira condio bsica para a organizao de texto e transmisso de sentidos

    compreensveis a existncia de um sistema lingstico de domnio comum e suficiente aos propsitos dos interactantes.

    (2) Condio de conhecimentos relevantes partilhados

    Para que a base textual seja eficaz em atividades interacionais, exige-se mais do que o simples domnio de regras lingsticas. Isso supe a necessidade de conhecimentos relevantes

    partilhados.

    (3) Condio de coerncia

    As condies (1) e (2) s sero significativamente produtivas se o texto for coerente. Como um dos fatores condicionantes necessrios compreenso, a coerncia temtica (que no deve ser confundida com a coeso superficial) construda tanto na produo quanto na recepo do texto.

    (4) Condio de cooperao

    A compreenso se d como uma atividade interacional em situaes concretas e reais de

    recepo e produo, exigindo contratos e negociaes bilaterais que se evidenciam na colaborao mtua que, mesmo quando violada, deve preservar vias de acesso relevantes.

    (5) Condio de abertura textual

    Na medida em que a compreenso se submete condio (4), o texto transforma-se numa proposta de sentido com caracterstica de abertura estratgica, ou seja, com n possibilidades interativas dentro de alternativas mutuamente aceitveis.

    (6) Condio de base contextual

    A condio (5) cria uma indeterminao que as condies (2) e (4) resolvem apenas parcialmente. Por isso, necessria outra condio que requer a presena de contextos

    suficientes situados num tempo e espao, definidos tanto para a produo como para a recepo.

    (7) Condio de determinao tipolgica

    Se a condio (6) exige contextualizao, ainda no determina a qualidade contextual, que s ocorre em se considerando o tipo de texto, pois cada tipo carrega em si condies restritivas

  • especficas, tanto de contextualizao como de indeterminao, agindo conjuntamente com as condies (5) e (6).

    Essas condies para que haja compreenso passam por algumas das condies estabelecidas por Kleiman para que haja a leitura. O que Marcuschi faz dividir os trs conhecimentos prvios em sete condies. Podemos, no conhecimento textual, ter as condies (3) e (7); no conhecimento lingustico, a condio (1) e no conhecimento de mundo, as condies (2), (4), (5) e (6).

    No entanto, para que possamos entender o texto, precisamos de seu contexto, ou seja, que o texto esteja situado no tempo e no espao. No podemos exigir que nossos alunos de hoje entendam as msicas feitas na ditadura, se eles no tiveram aulas sobre o tema. Uma letra como a composta por Chico Buarque, Apesar de voc, fica totalmente vazia de sentido quando eles no sabem que o VOC. O contexto ajuda na interpretao, uma vez que no conseguimos entender os implcitos pressupostos no texto sem que a mensagem esteja dentro de uma realidade temporal e factual conhecidas do leitor.

    Interpretar um texto ir alm do que nele est verbalmente escrito. entender o que a mensagem quis transmitir nas entrelinhas. A mensagem escrita pode ser totalmente inofensiva para um leitor desatento. Entretanto, basta que se leia nas entrelinhas para que possamos ver a inteno do autor. Vejamos as frases abaixo:

    (1) Como tu ests linda hoje! (2) Que rosto lindo que tu tens! (3) Fizeste uma boa concluso. Andas estudando, hein? (4) Obrigada pelo favor! Ests de bom humor hoje?

    Para um ouvinte mais desatento, essas frases poderiam ser vistas como elogios, estando elas na forma escrita ou oral. Basta que olhemos algumas expresses inofensivas para que

    vejamos que a coisa no funciona bem assim. Na frase (1), o advrbio hoje d ao entender que nos demais dias a pessoa est feia. O prprio verbo empregado estar mostra que um estado e no um fato a beleza naquela pessoa. Na frase (2), a ressalva de elogiar somente o rosto d ao entender que o corpo daquela pessoa feio. A observao andas estudando, na frase (3) mostra que a pessoa no inteligente, pois, para fazer uma boa concluso, preciso que ela estude. O verbo andar sugere que o estudo no fazia parte das atividades dirias daquela pessoa. Tambm a observao ests de bom humor hoje aponta para mau humor da pessoa que prestou o favor. Na frase, observamos que no comum a mesma fazer favores s pessoas que a cerca. O advrbio hoje mostra que o bom humor no uma qualidade diria.

  • Para que se alcance a interpretao, contudo, preciso que a compreenso tenha se dado por completo. No podemos entender os implcitos de no entendemos o que est explcito no texto.

    3.3 OBJETIVOS DE LEITURA

    Quando lemos o texto, temos diferentes objetivos. Para melhor explicar isso, vamos a alguns trechos de textos, a fim de que possamos visualizar os possveis objetivos.

    PO DOCE

    1 copo de gua morna 2 colheres de ch de sal 6 colheres de sopa de acar 1 colher de sopa de margarina 4 colheres de sopa de leite em p 3 copos de farinha de trigo 2 colheres de ch de fermento seco biolgico

    Misturam-se os ingredientes na ordem em que aparecem na receita, exceto o fermento seco biolgico. Amassa-se a mistura at que a massa fique consistente, acrescenta-se o fermento e deixa a massa descansar por at duas horas. Depois, coloca-se a massa no forno por 40 minutos e o po est pronto.

    Uma receita faz com que tenhamos o objetivo de ler para execuo de uma tarefa. Os passos precisam ser seguidos corretamente, pois somente assim a receita dar certo. Est provado que quando lemos com um objetivo especfico, temos mais chances de apreender o que nele est escrito, conforme relata Kleiman (2004). Nosso crebro decodifica melhor as partes do texto que nos levam quele objetivo, facilitando, assim, os processos de compreenso e interpretao.

    Encontrar objetivos para os mais diferentes textos natural para leitores experientes. Por exemplo, se ele deseja se entreter, busca livros literrios; se deseja se informar, textos com a funo referencial; se precisa conceituar termos, textos com a funo metalingustica, e assim

    sucessivamente. Sobre isso, diz Kleiman (2004, p. 33):

    De fato, a forma do texto determina, at certo ponto, os objetivos da leitura: h um grande nmero de tipo de textos, como romances, contos, fbulas, biografias, notcias ou artigos de jornal, artigos cientficos, ensaios, editoriais, manuais didticos, receitas, cartas; parece claro que o objetivo geral ao ler o jornal diferente daquele quando lemos um artigo cientfico. Por exemplo, na leitura de um jornal, j na primeira pgina o leitor faz uso de mecanismos para a apreenso rpida de informao visual dando uma mera passada de olhos, (processo este chamado de scanning ou avistada) geralmente a fim de depreender o tema dos diversos itens a partir das manchetes. Uma vez localizada a notcia de interesse, provvel que o artigo seja lido procurando detalhes sobre o assunto, comparando com o que j se sabe sobre o assunto. Por outro lado, se estamos em dvida sobre o possvel interesse

  • de um artigo, provvel que utilizemos uma pr-leitura seletiva um processo chamado de skimming, literalmente, desnatamento que consiste em ler por exemplo, seletivamente os primeiros ou ltimos perodos de pargrafos, as tabelas, ou quaisquer outros itens selecionados pelo leitor, a fim de obter uma idia geral sobre o tema e subtemas.

    Temos a tendncia de procurar as informaes que nos interessam da forma descrita acima. Sempre nossos olhos passam ligeiramente pelo texto, para que possamos ver se h ali o que precisamos. Somente quando encontramos o que precisamos, vamos l-lo atentamente.

    Todos os assuntos aqui tratados so para aprofundar o conhecimento do professor acerca de um tema to importante: a leitura. Tudo isso ser invlido se ele no for um leitor, pois ensinamos atravs do exemplo.

    ATIVIDADES

    Marque, com um x, a nica alternativa correta.

    1) As formas de se ver a leitura, neste captulo, so a) socialistas e informalistas; b) vises somente interativas; c) vises somente cognitivas; d) cognitiva e interativa.

    2) Na viso cognitiva, leitura a) somente uma decifrao de letras; b) somente uma decifrao de palavras; c) um processo que estimula o funcionamento de vrios nveis mentais; d) um processo social.

    3) Na viso interativa, leitura a) um processo que estimula os vrios nveis cerebrais; b) um processo que precisa da interao entre as partes do texto leitor e autor; c) um processo que independe do leitor; d) um processo que independe da mensagem do autor.

    4) Compreender um texto a) entender o que est escrito nele verbalmente; b) entender as entrelinhas ;

  • c) somente decodificar as letras; d) somente decodificar as palavras.

    5) Interpretar um texto a) entender o que nele est escrito verbalmente; b) somente decodificar as palavras; c) somente decodificar os sentidos; d) entender os pressupostos e implcitos.

    GABARITO 1. d 2. c

    3. b 4. a

    5. d

    REFERNCIAS

    BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hbito de leitura. So Paulo, tica/UNESCO: 2004.

    JOSEF, Bella. A mscara e o enigma. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.

    KLEIMAN, ngela. Texto e leitor: Aspectos cognitivos da leitura. So Paulo: Pontes, 2004.

    MARCUSCHI, Luiz Antnio. Leitura e compreenso de texto falado e escrito como ato individual de uma prtica social. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. (orgs.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5 ed. So Paulo: tica, 2004.

    SOL, Isabel. Estratgias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

  • 4 ALFABETIZAO DA LEITURA E DA ESCRITA

    Vanessa Loureiro Correa

    O domnio da leitura e da escrita pressupe o aumento do domnio da linguagem oral, da

    conscincia metalingstica. Isabel Sol (1998, p. 50)

    Cabe ao professor de lngua portuguesa dos ensinos fundamental e mdio a mais rdua das tarefas: entender as inadequaes de portugus cometidas pelo falante nativo. E essa afirmao totalmente verdadeira se pararmos para pensar que uma criana mal alfabetizada a mesma que no futuro no conseguir ler e escrever com fluncia, acarretando, dessa forma, prejuzos para o resto de sua vida.

    Neste captulo, vamos retomar os conceitos de alfabetizao, assim como faremos uma breve retomada histrica da alfabetizao. Alm disso, vamos propor uma reflexo acerca do ensino da leitura e da escrita para alunos dos anos iniciais, que refletem na vida do falante Todo esse trabalho ser baseado em grandes estudiosos que, percebendo o caos do ensino brasileiro nas sries iniciais, esto por meio de pesquisa propondo novos mtodos.

    4.1 O QUE ALFABETIZAR?

    Geralmente, quando nos perguntamos o que alfabetizar, ou o que ser alfabetizado, temos a tendncia de responder que ensinar a ler e a escrever ou saber ler e escrever. No entanto, esse conceito muito mais amplo e complexo do que realmente temos no senso comum.

    O ato de alfabetizar surgiu com a escrita, pois era preciso passar esse sistema para outras geraes, caso contrrio a escrita desse povo acabaria. Ler e escrever so capacidades que propiciam s lnguas permanecerem vivas, bem como a cultura de um povo. S podemos usar o portugus porque sabemos escrever e ler. Muitas lnguas de tribos indgenas, por no terem registro escrito, morrem junto com seus falantes, pois no h um estudo de seu sistema lingustico e, consequentemente, como ensinar a futuras geraes.

    Os governos de todos os pases tm uma preocupao muito grande em ensinar a lngua materna em instituies formais de ensino. No existe um pas que no tenha, em sua grade, aulas acerca da lngua materna. Essa preocupao se d porque a lngua, devido a vrios fatores, varia principalmente no tempo e no espao , tornando difcil a comunicao entre os prprios membros da comunidade lingustica. Sendo assim, aparece uma necessidade de padronizar a lngua e de ensinar esse padro a todos os falantes. Os governantes esto cientes de que a lngua

  • serve como identidade cultural e representante de um pas. com ela que se faz negcios e se exprime valores e sentimentos.

    Vamos imaginar que, no Brasil, no tivssemos aulas de lngua portuguesa. Como seria a comunicao de um gacho com um baiano, por exemplo? Como leramos livros, negociaramos, falaramos entre ns? Tendo em vista o tamanho de nosso territrio, sem um sistema formal, cada regio teria a sua prpria lngua, com grandes diferenas. Sendo assim, alfabetizar os falantes de suma importncia para a comunidade lingustica e para a unidade nacional. O que temos que refletir como alfabetizar alunos que j possuem, desde os quatro meses de gestao, contato com a lngua materna.

    Voltando um pouco para a histria da alfabetizao, Cagliari (1998, p. 15) conta:

    Na Antiguidade, os alunos alfabetizava-se aprendendo a ler algo j escrito e depois copiando. Comeavam com palavras e depois passavam para textos famosos, que eram estudados exaustivamente. Finalmente, passavam a escrever seus prprios textos. O trabalho de leitura e de cpia era o segredo da alfabetizao. Note que essa atividade est diretamente ligada ao trabalho futuro que esses alunos iro desempenhar, escrevendo para a sociedade e a cultura da poca. Muitas pessoas aprendiam a ler sem ir para a escola, j que no pretendiam tornar-se escribas. A curiosidade, certamente, levava muita gente a aprender a ler para lidar com negcios, comrcio e at mesmo para ler obras religiosas ou obter informaes culturais da poca. A alfabetizao, nesses casos, dava-se com a transmisso de conhecimentos relativos escrita de quem os possua para quem queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler, relacionando os caracteres s palavras da linguagem oral, devia ser procedimento comum. Aqui no era preciso fazer cpias nem escrever: bastava saber ler. Para quem sabe ler, escrever algo que vem como consequncia.

    Pela histria da prpria alfabetizao, saber ler que faz o aluno saber escrever. No entanto, na Renascena, devido ao grande nmero de publicaes (foi neste perodo que surgiu a imprensa) e na busca de mais leitores, essa ordem se inverteu, pois foram criadas as cartilhas. At 1950, as cartilhas davam nfase para a leitura e usavam bons autores para a cpia e, por bvio, a aquisio da escrita. Apenas crianas de classes abastadas, que tinham um nvel coloquial quase culto de linguagem, que frequentavam a escola. Precisavam mais da leitura do que da escrita, uma vez que a lngua que usavam j era a lngua padro. No entanto, a partir dos anos 1950, no mundo inteiro, ocorreu o ingresso de alunos pobres nas salas de aula, fazendo com que a cartilha tivesse de ser mudada radicalmente. A leitura foi deixada em segundo plano, enquanto a escrita passou a ser o foco. O ensino da escrita passa por nveis que vo de um grau menor de dificuldade at o grau maior, o nome das letras ensinado, depois pequenas combinaes silbicas do portugus. Em seguida, passa-se formao de palavras para, finalmente, textos. Essa metodologia perdura nos dias de hoje.

    No h dvidas que as cartilhas possuam mtodos estreis, porque no levavam em conta a realidade do aluno ou seu desenvolvimento. E, se pararmos para refletirmos melhor, nossos livros didticos so cartilhas com contedos mais avanados. No h unidade temtica,

  • os textos so inadequados para a faixa etria, sem contar que os exerccios e ensino de contedos so descontextualizados dos textos usados na unidade ou no captulo, alm de serem extremamente tradicionais.

    preciso que o professor ensine para a vida, para a aplicao efetiva da lngua na comunicao diria. muito comum encontrarmos alunos, falantes de lngua portuguesa, que acreditam ser impossvel de aprender a lngua materna, outros chegam a odi-la e alguns falantes preferem estudar uma lngua estrangeira no lugar da prpria lngua. Essa postura, sem dvida, vem da escola.

    Com essa situao, o professor tende a mostrar que sabe mais do que o aluno, que ele no sabe a lngua, que tem de ficar quieto para aprender e passar de ano e, somado a tudo isso, temos ainda a busca pela melhora do ensino, principalmente depois de avaliaes nacionais ou depois de levantamentos a respeito da aprovao e reprovao escolar. Com isso, novas tendncias entram nas escolas de forma arbitrria e sem uma preparao do professor. Ora ele tem que ser a fonte da informao, ora ele tem que ser o intermedirio no processo de ensino e aprendizagem. O ideal, segundo Cagliari (1998, p. 40), o meio termo para as duas abordagens:

    A educao no pode viver s de ensino, caso em que o professor vem para a sala de aula e despeja em seus alunos um longo discurso a respeito de um determinado ponto, como tambm no pode viver s da aprendizagem, deixando os alunos descobrirem tudo por si mesmos e livres para fazer o que bem entenderem. Deve haver um equilbrio entre os dois tipos de atividade: o professor deve ensinar, caso contrrio, as escolas no precisariam existir, pois cada uma aprenderia por iniciativa prpria. Por outro lado, o professor no pode ser o dono da educao, aquele que tem tudo sob o seu comando. preciso tambm que haja uma grande participao do aprendiz, porque afinal de contas ele quem precisa aprender e mostrar que aprendeu e, sobretudo, saber que aprendeu. O aluno s pode ter certeza de que de fato aprendeu algo, quando, por iniciativa prpria, conseguir utilizar adequadamente os conhecimentos que so objeto de seu processo de aprendizagem.

    Toda essa preocupao com a metodologia se d porque na mais tenra idade que o ser humano est disposto a aprender. A escolha de um mtodo inadequado pode resultar em sequelas definitivas criana. Tambm temos de repensar o foco nos anos iniciais, pois est centrado na escrita e no na leitura. Se pararmos para olhar as nossas escolas, toda e qualquer forma que fuja da escrita no vale nota, isto , no avaliada. H alguns anos, o aluno fazia prova escrita e oral sobre o contedo. Analisando por esse prisma, a fala, assim como a leitura, est completamente abandonada na sala de aula. No entanto, o falante de uma lngua precisa falar, ler e escrever bem para poder comunicar-se com os outros falantes. Todos os estudiosos sobre alfabetizao, que levam em conta a aquisio da escrita e leitura, afirmam que ler precede a escrita, como expe Kato (1999, p. 7-8):

    A prtica e grande nmero de nossas escolas de privilegiar as atividades de escrita parece fazer supor que produo segue-se automaticamente a recepo. Em outras

  • palavras, se o professor ensinar o aluno a escrever, o aluno aprender automaticamente a ler. Contudo, o exemplo dado por Ferreiro e outros tantos de que temos conhecimento mostram que a leitura pode se adquirida independentemente da escrita. Temos ainda o caso de proficientes leitores de uma lngua estrangeira que nada escrevem nessa lngua, quando o inverso parece impossvel. No quero dizer com isso que a prtica de produo no possa intervir favoravelmente na capacidade de recepo, principalmente levando-se em conta que o ato de escrever exige menos automatizao e mais reflexo metalingstica. Na verdade, uma vez iniciado o processo de aquisio da leitura e da escrita, parece haver uma interferncia recproca, de forma que quanto mais se l melhor se escreve, e quanto mais se escreve melhor se l.

    impressionante como h sempre uma luta entre as habilidades na escola. O falante ganharia em conhecimento se todas fossem valorizadas de forma igual e trabalhadas concomitantemente, somente assim teramos uma verdadeira reflexo metalingustica dos aspectos da lngua portuguesa. O professor poderia partir de uma alfabetizao cidad, que preparasse o aluno a atuar, linguisticamente, na sociedade onde vive. Uma boa opo mostrar aos alunos que nossa mensagem sempre tem uma funo, pois sempre desejamos atingir a um objetivo em relao aos elementos da comunicao. Abaixo seguem as funes da linguagem:

    QUADRO 4.1 FUNO CONCEITO Referencial Tem o objetivo de informar, apontando para o sentido real das

    palavras, evitando o sentido figurativo. encontrada em revistas, jornais, artigos e livros tericos. Ex.: A mudana climtica tem causado desastres em todas as partes do planeta.

    Conativa Tem como objetivo convencer o receptor a fazer algo. Usa linguagem figurada e tem a presena do verbo no imperativo. encontrada na propaganda, em textos que sejam ordens, sugestes, conselhos. Ex.: V para casa, agora!

    Ftica Tem como objetivo testar o canal comunicativo. Serve para iniciar, continuar ou terminar uma conversa. Ex.: Ol, vamos conversar?

    Potica Tem como objetivo transmitir uma mensagem de forma clara e harmnica. Faz uso de rima e mtrica para que a mesma fique bonita. encontrada em poesias e letras de msicas. Ex.:

    Se se morre de amor! No, no se morre, Quando fascinao que nos surpreende De rudo sarau entre os festejos; Quando luzes, calor, orquestra e flores Assomos de prazer nos raiam nalma, Que embelezada e solta em tal ambiente No que ouve e no que v prazer alcana.

    Gonalves Dias

    Emotiva Tem como objetivo transmitir as emoes do emissor. Tem a marca da primeira pessoa. Ex.: Eu gosto de voc!

  • Metalingustica a funo que tem a lngua falando da prpria lngua, ou seja, palavras conhecidas da lngua portuguesa so usadas para explicar palavras desconhecidas. encontrada em conceito e definies. Ex.: casa uma construo que serve para seres humanos morarem.

    Adaptado de Jakobson (1970). Essas funes esto presentes tanto na escrita quanto na fala e na leitura. Sempre que

    desejamos trabalhar com uma delas, temos de partir de um texto que tenha a funo desejada de forma predominante. Por exemplo, para trabalhar a funo conativa, as leituras precisam ser de textos publicitrios, isto , propagandas, para que o aluno perceba a inteno do emissor de influenciar o receptor. Somente depois da leitura e anlise de um bom nmero de propagandas e que ele poder produzir uma.

    Nossas leituras, seja qual for o nvel, devem sempre conciliar informaes novas com informaes velhas, para que o aluno possa adquirir novos signos lingusticos. sempre importante que novas palavras e ideias sejam inseridas no conhecimento do falante. Isso s pode ser feito por meio do texto (oral ou escrito) em sala de aula ou no ambiente em que vivem. Porm, se passarmos a fornecer somente signos novos sem a base de um signo velho, a criana logo perde o interesse e desiste de construir novos conceitos. O mesmo acontece com qualquer falante, de qualquer idade. Um adulto, quando ingressa em um curso universitrio, no consegue ler livros tericos complexos porque no tem todos os signos lingusticos tcnicos de sua rea. por isso que as primeiras disciplinas so de cunho terico, uma vez que a prtica de qualquer rea pressupe o conhecimento de teorias e termos tcnicos.

    Muitos estudos comprovam que a criana s poder ser alfabetizada quando ela tiver uma representao psicolgica para cada som da lngua, em outras palavras, quando associar representao grfica com o som. Muitos alunos, devido ao ambiente em que vivem, j chegam escola com essa conscincia. Em casa, enquanto os pais leem para as crianas ou a deixam em contato com o material escrito, elas j conseguem distinguir e relacionar sons e letras. Contudo, temos crianas que no possuem essa capacidade, passando a ser tarefa do professor ajud-la nessa construo.

    Temos ainda questes sociolingusticas que devem ser levadas em conta no processo de alfabetizao. Sobre isso, fala Kato (1999, p. 14):

    Reflexes de ordem sociolingstica fazem-se necessrias nesse ponto. As diferenas dialetais passam a construir um srio problema enquanto a criana no descobrir que a relao entre fala e escrita no direta*, isto , que a escrita no uma transcrio fontica da fala e que o registro escrito exige um planejamento mais cuidadoso a nvel de unidades maiores do discurso. Crianas que tm o privilgio de ter o contato com a lngua escrita antes de irem para a escola, atravs da leitura que lhes feita pelo adulto, j tm conscincia pelo menos dos aspectos discursivos que diferenciam

    * Vide discusso mais detalhada desse aspecto em Abaurre (1983) e Lemle (1978).

  • a fala da escrita. Duas crianas podem estar na mesma fase cognitiva, mas uma poder enfrentar mais dificuldades que a outra se no tiver tido a estimulao ambiental de que falamos ou se entre o seu dialeto e a forma ortogrfica e o dialeto prestigiado pela escola houver uma maior distncia.

    Na citao acima, temos a questo do dialeto da criana e o dialeto prestigiado. No Brasil, como em qualquer outro pas do mundo, temos classes dominantes econmica e culturalmente. O nvel de linguagem dessas classes , na maioria das vezes, considerado o correto e, por isso, ensinado em sala de aula. Sem dominar esse nvel prestigiado, o falante ter dificuldades de ascenso profissional e social. Logo, as escolas entram em um processo de ensinar somente esse nvel, sem levar em conta o conhecimento que a criana traz de casa. Vamos retomar os nveis de linguagem que temos em portugus:

    QUADRO 4.2 Nveis de linguagem NVEL CONCEITO Culto a linguagem que respeita todas as normas gramaticais.

    usado na escrita e em momentos formais. Ex.: O assunto entre mim e ti.

    Coloquial a linguagem que possui pequenos erros gramaticais, aceitveis no uso dirio. Ex.: O assunto entre eu e tu.

    Inculto a linguagem que tem graves inadequaes gramaticais. Ex.: Andemu muito, mais nis no desisti.

    Regional a linguagem prpria das regies. Ex.: Todos os finais de semana, ns fazemos rancho** e adoramos comer, depois disso, cacetinho*** com mistura de goiaba****.

    Grupal a linguagem prpria dos grupos. Divide-se em: Gria: prpria de tribos e grupos sociais.

    Ex.: E a, manu, o alemo ta fora da casinha. Tcn