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Livro de Textos Completos do XVII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE

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  • Livro de Textos Completos do XVII Simpsio de Filosofia Moderna e

    Contempornea da UNIOESTE

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    XVII Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea da UNIOESTE

    De 29 de outubro a 01 de novembro de 2012 UNIOESTE Campus de Toledo http://www.unioeste.br/filosofia

    ISSN: 2176-2066

    Catalogao na Publicao elaborada pela Biblioteca

    Universitria UNIOESTE/Campus de Toledo

    Bibliotecria: Marilene de Ftima Donadel - CRB 9/924

    Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea (17. : 2012 :

    Toledo PR.)

    S612a Livro de textos completos do XVII Simpsio de Filosofia

    Moderna e Contempornea, UNIOESTE Toledo [recurso

    eletrnico], realizada no perodo de 29 de outubro a 01 de

    novembro de 2012 / Organizao de Angelo Eduardo da Silva

    Hartmann, Michelle Cabral, Luciano Carlos Utteich, e Remi

    Schorn. Toledo : UNIOESTE, 2012.

    World wide web

    http://www.unioeste.br/filosofia/

    ISSN: 2176-2066

    1. Filosofia moderna Congresso 2. Filosofia contempo-

    rnea Congresso I. Hartmann, Angelo Eduardo da Silva, Org. II.

    Cabral, Michelle, Org. III. Utteich, Luciano Carlos, Org. IV.

    Schorn, Remi, Org. V. T.

    CDD 20. ed. 190.06

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    ISSN: 2176-2066

    Sumrio

    A AMEAA DA CATSTROFE PELO XITO EXCESSIVO SEGUNDO H. JONAS Adaiana

    Pinto Orcheski .......................................................................................................................................... 8

    A CONCEPO TICA E POLTICA NA OBRA O PRNCIPE DE MAQUIAVEL Maria Paula

    Fontana de Figueiredo ............................................................................................................................ 17

    A CRTICA DE HEGEL AO FORMALISMO KANTIANO Douglas Joo Orben ........................... 23

    A CRTICA DE NIETZSCHE AOS ELEMENTOS ESTTICOS DO DRAMA WAGNERIANO:

    LEITMOTIV E UNENDLICHE MELODIE Felipe Thiago dos Santos ............................................... 30

    A DOUTRINA DA CAUSALIDADE E O MTODO DE ANLISE EM DESCARTES Csar

    Augusto Battisti ...................................................................................................................................... 39

    A ESCRITA COMO ENSAIO EM UMA FILOSOFIA DE FORMAO: A NARRAO PARA

    ALM DA VIOLNCIA QUE IMAGEM E CONCEITO PRATICAM UM AO OUTRO Leandro

    Nunes...................................................................................................................................................... 46

    A FILOSOFIA PR-SOCRTICA DE KARL R. POPPER Jos Provetti Junior ............................. 53

    A FRONTEIRA DO CONSUMO: ENTRE A ABUNDNCIA E A INCLUSO PRECRIA Luana

    Caroline Knast Polon, Paulo Henrique Heitor Polon ........................................................................... 69

    A INTERPRETAO DO ARGUMENTO DO ARGUMENTO DA ELEGIA DE GRAY

    SEGUNDO PETER HYLTON Denise Borchate ................................................................................ 83

    A JUSTIA NA PERSPECTIVA DA RAZO TICA PR-ORIGINRIA EM ENRIQUE DUSSEL

    Jessica Fernanda Jacinto de Oliveira ................................................................................................... 89

    A LEI MORAL COMO REFUTAO DO SOLIPSISMO PRTICO EM KANT Jos Francisco

    Martins Borges ....................................................................................................................................... 95

    A NOO DE FELICIDADE EM ARISTTELES Jaqueline Maria Leichtweis Ayala ................ 112

    A NOO DE IMAGEM EM DELEUZE E A ABERTURA DE POSSIBILIDADES PARA A

    CRIAO DE ESCRILEITURAS Luana Borges Giacomini .......................................................... 121

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    A NOO DE SUJEITO EM AGOSTINHO E DESCARTES Joo Antnio Ferrer Guimares .... 128

    A POLTICA EM ARISTTELES E SUA RELAO COM A TICA Alfredo Batista .............. 138

    A PSICOLOGIA E O PROCEDIMENTO GENEALGICO EM NIETZSCHE Maurcio Smiderle

    .............................................................................................................................................................. 148

    A RAZO DESTRANSCENDENTALIZADA E O REALISMO LINGUSTICO: UMA PROPOSTA

    HABERMASIANA Ktia R. Salomo ............................................................................................. 155

    A REDESCRIO COMO EXERCCIO DA DEMOCRACIA E DA SOLIDARIEDADE NA

    FILOSOFIA DE RICHARD RORTY Altair Alberto Fvero ........................................................... 182

    A RELAO ENTRE O CONCEITO DELEUZIANO DE FILOSOFIA E A ARTE LIVRE DE

    CLICHS QUE POSSUI POTNCIA PARA CONTRIBUIR COM O ENSINO DE FILOSOFIA

    Luana Aparecida de Oliveira................................................................................................................ 189

    A TEORIA DA MENTE OBJETIVA EM POPPER Junior Antonio Fernandes .............................. 196

    A VONTADE DE POTNCIA COMO NEGAO DO SUJEITO EM FRIEDRICH NIETZSCHE

    Douglas Meneghatti ............................................................................................................................. 202

    ARENDT: LIBERDADE POLTICA Marcelo Barbosa .................................................................. 209

    AS CONCEPES HOBESSIANA ACERCA DO ESPRITO DO HOMEM Luciana Vanuza Gobi

    .............................................................................................................................................................. 215

    AS CRTICAS FREGEANAS AO CONCEITO DE NMERO NOS FUNDAMENTOS DA

    ARITMTICA Joo Vitor Schmidt .................................................................................................... 221

    AS NOES DE AMOR (EROS) EM PLATO E DE AMIZADE (PHILIA) EM ARISTTELES

    Luiz Carlos de Abreu ........................................................................................................................... 228

    AUTENTICIDADE E SUPERAO DA EPISTEMOLOGIA MODERNA EM CHARLES

    TAYLOR Rogerio Foschiera ............................................................................................................ 233

    AVALIAO EDUCACIONAL: PARADIGMAS E CONCEPES Maria Dinora Baccin Castelli

    .............................................................................................................................................................. 249

    CONSCINCIA E EGO: A ORIGINALIDADE NA FILOSOFIA DE SARTRE Helen Aline dos

    Santos Manhes .................................................................................................................................... 256

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    COSMOLOGIA, FILOSOFIA E EDUCAO Remi Schorn ......................................................... 262

    DA ARTE DE DIZER O OUTRO: A ALEGORIA NO DISCURSO LITERRIO Toani Caroline

    Reinehr ................................................................................................................................................. 270

    Desigualdade, Liberdade Civil e Direito Poltico em ROUSSEAU Lus Fernando Jacques ............ 277

    DIZER E MOSTRAR E LIMITES DA LINGUAGEM NO TRACTATUS DE WITTGENSTEIN

    Bruno Senoski do Prado ....................................................................................................................... 283

    EMANCIPAO INTELECTUAL EM O MESTRE IGNORANTE, DE JACQUES RANCIRE:

    NFASE NA PRXIS PEDAGGICA DE DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR Christiano

    Tortato e Valderice Cecilia Limberger Rippel ..................................................................................... 290

    HUME E O RESGATE DO CETICISMO EMPRICO Donizeti Aparecido Pugin Souza .............. 297

    INDIVIDUAO E SOCIALIZAO NO PROCESSO EDUCATIVO DE REDESCRIO Marta

    Marques ................................................................................................................................................ 303

    INTENCIONALIDADE E EPOCH EM EDMUND HUSSERL Devair Gonalves Sanchez ....... 310

    JUSTIA E FELICIDADE DAS PARTES, NA REPBLICA: O MTODO SOCRTICO E A

    OBJEO DE ADIMANTO Thayla Gevehr ................................................................................... 317

    MEDO E OBRIGAO NA FILOSOFIA DE HOBBES Clvis Brondani .................................... 327

    MONTAIGNE, CONSELHEIRO DO PRNCIPE: O TIL E O HONESTO Gilmar Henrique da

    Conceio ............................................................................................................................................. 335

    NIETZSCHE E O NIILISMO: O COLAPSO DOS VALORES COSMOLGICOS E A NO

    VALORAO DO DEVIR Neomar Sandro Mignoni ..................................................................... 343

    O CONCEITO DE EMOO EM SARTRE Flvia Augusta Vetter Ferri ...................................... 351

    O CONCEITO MORTE NO PREFCIO DA FENOMENOLOGIA DO ESPRITO: A MORTE E SEU

    SENTIDO METAFSICO Dennis Donato Piasecki ......................................................................... 358

    O CONFLITO EM MAQUIAVEL E AS RECIPROCIDADES COM O PODER EM FOUCAULT

    Anemar Michaell Wanes Moraes Ansolin ........................................................................................... 370

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    O DESENVOLVIMENTO DE UMA TICA AMBIENTAL SEGUNDO PETER SINGER Victor

    Mateus Gubert Teo ............................................................................................................................... 377

    O DILOGO COMO UM INSTRUMENTO DE APRENDIZADO: POSSIBILIDADES PARA UM

    ENSINO DE FILOSOFIA Cosmo Rafael Gonzatto ......................................................................... 384

    O FUNDAMENTO DA MORALIDADE EM HUME VEM DO SENTIMENTO OU DA RAZO?

    Luana Pagno ......................................................................................................................................... 392

    O IMPASSE ENTRE POPPER E O CRCULO DE VIENA. A LINGUAGEM ENQUANTO

    PROBLEMA FILOSFICO Antnio Carlos Persegueiro ................................................................ 398

    O PENSAMENTO COMPLEXO E A FORMAO CIDAD Darlan Faccin Weide, Waldemar

    Feller .................................................................................................................................................... 407

    O PODER DE MICHEL FOUCAULT Jandrei Jos Maciel ............................................................ 412

    O PONTO DE PARTIDA DA LGICA: O PENSAMENTO Leandro A. Xitiuk Wesan ............... 419

    O PROBLEMA DA LIBERDADE SOB O ASPECTO DA QUARTA MOTIVAO DAS AES

    HUMANAS Felipe Cardoso Martins Lima....................................................................................... 426

    O PROGRESSO DA CINCIA EM POPPER Aristides Moreira Filho ........................................... 442

    O SISTEMA PENAL E O PODER PUNITIVO Daniel Salsio Vandresen ..................................... 449

    OBJETIVAO DO LOUCO EM MICHEL FOUCAULT Anderssieli Irion Boschetti ................ 456

    OS PRINCPIOS DAS MEDITAES CARTESIANAS Cristiane Picinini .................................. 462

    OS SIGNIFICADOS DE EMANCIPAO POLTICA E EMANCIPAO HUMANA EM KARL

    MARX Gerson Lucas Padilha de Lima ............................................................................................. 468

    PARMNIDES E A VIA DA VERDADE: O PRIMEIRO MOMENTO DO SER HEGELIANO NA

    HISTRIA - Maglaine Priscila Zoz ..................................................................................................... 475

    PROBABILIDADE E PROPENSES LUZ DOS TRS MUNDOS DE POPPER Angelo Eduardo

    da Silva Hartmann ................................................................................................................................ 482

    PROBLEMA E MISTRIO EM GABRIEL MARCEL: PARA UM ENSINO DE FILOSOFIA NO

    ENSINO MDIO Nadimir Silveira de Quadros ............................................................................... 492

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    PROJEO E INTERPRETAO: CONSIDERAES SOBRE O COMPREENDER EM SER E

    TEMPO DE MARTIN HEIDEGGER Carine de Oliveira ................................................................ 499

    REPBLICA E EDUCAO: PRINCPIOS DA EDUCAO LAICA Denise de Almeida

    Machado ............................................................................................................................................... 506

    SOBRE UMA POSSVEL APLICAO DA CRTICA DE WITTGENSTEIN A

    IMPOSSIBILIDADE DE UMA LINGUAGEM PRIVADA AO ARGUMENTO DO ESPECTRO

    INVERTIDO Bianca Carraro Duda .................................................................................................. 513

    ADORNO LEITOR DE SCHELLING: CRTICA AO ABSOLUTISMO DA RAZO COMO

    CONDIO DA DIALTICA Rosalvo Schtz ............................................................................... 520

    SOBRE A INTUIO DE SI MESMO COMO BASE DA INTUIO INTELECTUAL DO

    ABSOLUTO EM SCHELLING Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau ................................ 528

    TEORIAS SUBSTANCIALISTAS E DEFLACIONISTAS DA VERDADE Kariel Antonio Giarolo

    .............................................................................................................................................................. 535

    DA METAFSICA FILOSOFIA DA EFETIVIDADE (WIRKLICHKEIT): A

    FISIOPSICOLOGIA DE NIETZSCHE EM ALM DE BEM E MAL Marioni Fischer de Mello .. 545

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    A AMEAA DA CATSTROFE PELO XITO EXCESSIVO SEGUNDO H.

    JONAS Adaiana Pinto Orcheski

    UNIOESTE/PIBID CAPES

    [email protected]

    Resumo: Nos ltimos anos os problemas ambientais tm chamado a nossa ateno. O planeta

    tem mostrado resultados negativos devido crescente populao e o progresso desenfreado. O

    clima est mudando gradativamente, juntamente com a extino de espcies, poluio das

    guas, ar impuro, enfim, o planeta e todas as formas de vida tm passado por significativas

    mudanas. Um grande problema humano sempre um grande problema filosfico, por isso

    tentaremos demonstrar nesse trabalho a abordagem da concepo terica de Hans Jonas

    refletindo a tese de que nosso sucesso nossa ameaa.

    Palavras-chave: tica. Meio ambiente. Tecnologia.

    O homem sempre desejou sua autossuperao, ser mais do que em cada

    instante, poder mais, entretanto, muitas vezes isso se tornou sinnimo de levar vantagens

    em tudo o que fazia, ou seja, em todas as suas aes. Desde os tempos primrdios o

    homem busca se superar, superar suas necessidades, para isso, ele criou ferramentas para

    melhorar o xito das suas tarefas. O homem luta desde a sua origem pelo progresso, para

    tornar sua vida mais cmoda e pratica. A evoluo do homem deu-se em grande mediada

    pelo progresso, e ele luta at os dias atuais pelo seu prprio avano. A reduo da busca

    pelo ser mais ao mero levar vantagem em tudo e com nsia de dominao nos levou

    a uma situao preocupante. Diante do crescimento populacional e o aumento dos bens

    de consumo, o homem constituiu uma situao de insustentabilidade, o perigo de

    esgotamento dos recursos naturais se tornou evidente. Nesse sentido, se levarmos a cabo

    esses recursos devido o nosso consumo, todo o planeta estar ameaado. Essa ameaa que

    Jonas1 chama de apocalptica, esta pairando sobre a humanidade de forma efetiva. O

    resultado do desejo que o homem tem de dominar a natureza pode gerar consequncias

    negativas quer ultrapassam nossa capacidade contempornea de prever e mesmo de

    imaginar. Conforme o autor, a questo relevante no sabermos o alcance da capacidade

    1 Hans Jonas nasceu em 10 de maio de 1993 na cidade de Monchengladbach na Alemanha. Mais informaes em

    Bioethikos, V. 5, N2 Abr/jun 2011.

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    humana no que diz respeito s suas aes, pois, elas podem ser sanguinrias, o

    importante buscarmos saber qual a resistncia da natureza relativamente s aes

    humanas. Em suas palavras: No se trata de saber precisamente o que o homem ainda

    capaz de fazer nesse aspecto se pode ser problemtico e sanguneo , mas o quanto a

    natureza capaz de suportar (JONAS, 2006. p. 301). Segundo Jonas, o homem parece

    no saber lidar com o progresso que ele mesmo construiu, estamos diante de um

    progresso exacerbado e no sabemos o que seus reflexos podem causar. O ser humano

    ainda capaz de fazer muito, disso no temos dvida, mas Jonas questiona, at que

    pondo a natureza viva pode aguentar? Diante de toda essa problemtica Jonas aponta

    algumas limites existentes e diante dos quais nos convida a refletir: a crescente

    populao, bem como os problemas (a) da alimentao e (b) das matrias primas, (c) dos

    recursos energticos, e assim por diante. Vejamos alguns destes aspectos de forma mais

    pormenorizada: a) O problema da alimentao. O que Jonas aponta em primeiro lugar

    a questo da alimentao, porque para ele tudo dependente dela. Devido dimenso

    que se encontra a populao do planeta e seu crescimento inevitvel, os produtores

    necessitaram mais fertilizantes para o solo, e se veem forados adio de mais qumicos

    na crosta terrestre produtiva. O que no nada tranquilizador para Jonas que o que

    esses produtores conseguem fazer apenas garantir a subsistncia atual. As tecnologias

    agrrias de maximizao tm impactos cumulativos sobre a natureza que mal comearam

    a revelar-se em mbito local, por exemplo, na poluio qumica dos recursos hdricos e

    das guas costeiras (para o que contribuem tambm as indstrias), com efeitos nocivos

    transmitidos pela cadeia alimentar. A salinizao dos solos pela irrigao constante, a

    eroso provocada pela aragem de campos, as mudanas climticas decorrentes do

    desmatamento (e eventualmente at a diminuio do oxignio disponvel na atmosfera)

    so outros castigos advindos de uma agricultura cada vez mais intensiva e expansiva.

    (Jonas, 2006. p. 302). Diante de tudo isso tornam-se visveis os limites do meio ambiente

    diante das tecnologias agrrias que tem por objetivo o plantio mais rpido, para suprir a

    demanda de uma populao em acelerado crescimento. Os fertilizantes e defensivos

    agrcolas so usados em larga escala, dessa forma, tornam-se causadores de inmeros

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    impactos. Estes fertilizantes podem vir a destruir, danificar e modificar o ar que

    respiramos, a gua que bebemos, pode chegar a exterminar algumas espcies de animais

    devido s queimadas, o uso se agrotxicos, o desmatamento e a constante agresso ao

    solo. b) O problema das matrias primas. O segundo problema que Jonas aponta

    encontra-se na superfcie da terra e tambm se encontram em camadas mais profundas,

    estas vem sendo exploradas at os dias de hoje. Essa matria prima mais profunda

    necessita de energia para ser retirada, ou seja, exigem um grande consumo de energia ao

    serem exploradas. Dessa forma, a retirada de matrias primas do solo requer uma grande

    quantidade de energia, necessitando um beneficiamento industrial, gerando prejuzos para

    toda a biosfera do planeta. c) O problema energtico. Quando Jonas refere-se ao

    problema energtico distingue entre duas fontes: renovveis e no renovveis. Aos

    renovveis podemos destacar aqueles que so resultados da sedimentao de milhes de

    anos de sntese orgnica e atualmente fonte predominante do consumo energtico do

    planeta (JONAS, 2006. p. 303). Podemos destacar o carvo, o petrleo e o gs natural.

    Pode-se perceber que devido ao descontrole do seu uso estamos caminhando a passos

    largos para seu esgotamento e re-introduzindo gazes na atmosfera que podem inviabilizar

    muitas formas de vida:

    O que o Sol armazenou no curso de milhes de anos no mundo vegetal terrestre os

    homens esto consumindo em alguns sculos. Desses combustveis fsseis

    dependem tambm os fertilizantes qumicos [...] A queima de combustveis fsseis,

    alm do problema da poluio local do ar, traz o problema do aquecimento global,

    que poderia entrar em uma curiosa competio mundial com a questo do

    esgotamento das reservas. (JONAS, 2006. p. 304)

    Deste modo, Jonas (2006, p. 304) aponta para as consequncias indesejveis para

    a vida e o clima, como o derretimento das calotas polares, da elevao dos nveis do

    oceano, das inundaes de enormes extenses de plancies. Assim a frvola e alegre

    festa humana de alguns sculos industriais seria paga talvez com a alterao por milnios

    da feio do planeta (JONAS, 2006. p. 304). Quanto s energias renovveis, o filsofo

    aponta a energia solar. Que se destaca por ser uma fonte de energia limpa, pois no

    contribui para o superaquecimento do planeta, sendo que a utilizao desta energia

    pouparia a utilizao das demais e no afetaria a ordem das coisas. Poderamos citar

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    ainda como energia limpa, a energia elica, das ondas, das mars e da biomassa, e assim

    por diante. O importante nos parece, que Jonas indica para uma nova postura diante da

    natureza e seus recursos. curioso pensar que as atividades de pouco mais de 7 bilhes

    de pessoas esto mudando a composio da nossa morada, o planeta terra. Segundo o que

    relata Jonas, o crescimento populacional gera o aumento do consumo, que por sua vez

    gera o aumento de fertilizantes no solo, a queima dos combustveis fsseis e a extrao

    das matrias primas. Mas o que tudo isso pode causar no clima da terra? Segundo Paulo

    Artaxo (2007) o nosso planeta corre grandes riscos, o que Jonas chama de ameaa

    apocalptica. Sabe-se que a terra composta por inmeros gases, dentre eles o oxignio

    que respiramos. Mas sabido que existem outros que ajudam os seres humanos, as

    plantas, os animais enfim, ajudam na manuteno do planeta, na conservao do nosso

    clima.

    Alguns deles como o gs carbnico, o metano e o xido nitroso so chamados de

    efeito estufa. Recebem este nome porque, assim como uma estufa, eles mantm a

    temperatura de nosso planeta em nveis adequados para a vida. Sem os gases de

    efeito estufa naturais, a temperatura terrestre seria cerca de 17 graus Celsius abaixo

    de zero. (Artaxo, 2007. p. 03)

    Recordemos quando Jonas fala da queima de combustveis fsseis e o uso de

    fertilizantes e agrotxicos, certamente estes so causadores do efeito estufa. curioso

    pensar que Jonas enumerou os principais fatores responsveis pelo aumento natural do

    efeito estufa, o gs carbnico ocasionado devido a queima de combustveis fsseis e o

    xido nitroso decorrente do uso dos fertilizantes no plantio de alimentos. O ser humano

    desde que se descobriu como possuidor da tcnica e com a ajuda de mquinas, se colocou

    a servio dela. Para que estas mquinas funcionassem comeou a extrao do petrleo e

    do carvo das profundezas da crosta terrestre, para transform-los em combustveis. Mas

    a queima desses combustveis provoca a emisso de gases poluentes em excesso

    (Artaxo, 2007. p. 04). Quando os nossos automveis queimam a gasolina o gs carbnico

    que sai do escapamento aumenta o efeito estufa natural do nosso planeta. Outras fontes

    de gs carbnico so as indstrias, as quais queimam combustveis fsseis e estes so

    jogados no ar pelas chamins, tambm a criao de animais, queimadas e fertilizantes

    aumentam o efeito estufa. Os impactos climticos so em sua grande maioria advindas do

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    aumento do efeito estufa ocasionadas pelo gs carbnico. A crescente temperatura pode

    vir aumentar a temperatura do planeta. Esse aumento de temperatura pode acabar com as

    calotas polares, inundando plancies, cidades e praias inteiras, pode vir a intensificar as

    secas, levando a uma dificuldade maior de produzir alimentos. A tudo isso se soma a

    escassez de gua, a extino dos animais, doenas, ar impuro, enfim a produo desses

    gases afetar a sobrevivncia da vida no planeta. Alguns diagnsticos do acelerado

    desenvolvimento tecnolgico tem ocasionando preocupao no s para os cientistas,

    mas para todos aqueles que de alguma forma contribuem para o bem estar do planeta. O

    consumo acelerado dos recursos naturais est gerando seu esgotamento. O ecossistema

    est sendo levado a um colapso, o aumento progressivo da populao mundial e ameaas

    ambientais, esto cada vez mais em foco nas discusses. Jonas no exagerou ao afirmar

    que um espectro ronda o sculo XXI, a saber, o espectro do seu prprio extermnio.

    (SANTOS, 2011. p. 23). A histria das coisas (The Story of Stuff) documentrio da

    americana Annie Leonard bastante esclarecedor a este respeito , pois se preocupa em

    demonstrar como nossos produtos chegam at ns, como so fabricados, vendidos e

    porque so vendidos. De modo geral a autora quer demonstrar segundo suas pesquisas de

    onde as coisas vm e para onde vo e o que causam neste processo. Essa histria de

    grande importncia para que percebamos o descontrole do homem diante do seu poder,

    diante da tcnica. Ou, em outras palavras, a servio de quem e do qu est produo e o

    consumo na atualidade. A autora diante de sua inquietao com a problemtica atual do

    meio ambiente percorre o mundo durante dez anos atrs de alguns vestgios referentes a

    estas coisas. Jonas nosso filsofo em questo preocupou-se meio sculo antes com os

    mesmos problemas e decorrente destas reflexes surge o Princpio Responsabilidade. O

    objetivo de Jonas era demonstrar que a tica vigente no conseguia acompanhar os

    avanos da tecnologia, os quais vem se intensificando ao longo dos anos. Estamos

    vivendo em um planeta finito. O planeta est sempre em funcionamento parece que ele

    nunca para, h sempre algo para retirarmos dele, algo para destruir na natureza, recursos

    naturais para serem sugados e produtos para serem fabricados, afinal o homem no se

    contenta em s suprir necessidades bsicas, ele cria necessidades. Annie com seu

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    documentrio faz com que percebamos um planeta prestes a explodir, no resistindo a

    tanta presso. Levando-nos a concluir que devemos nos preocupar com nossas aes, o

    que fazemos e deixamos de fazer para melhorar o ambiente que vivemos. sabido que

    um produto at chegar ao seu acabamento passa por muitos processos e cada etapa

    prejudicial natureza e as pessoas. Tudo esta de alguma forma relacionado. Histria das

    coisas quer transmitir a preocupao com o bem estar do todo, demonstrando assim cada

    processo que certo produto percorre para ser produzido e depois do seu uso o que

    acontece com eles. Quando extramos a matria prima da natureza, que a autora chama de

    palavra pomposa para a destruio do planeta, acabamos destruindo os recursos

    naturais, pois devido explorao desses, cortamos e queimamos as rvores, sugamos a

    gua, matamos e extinguimos os animais e as montanhas so arrebentadas devido a

    extrao dos metais. O planeta esta passando por gravssimos problemas no que se refere

    a sua estrutura natural e no modo de agir do ser humano. Segundo Jonas estas

    dificuldades demonstram que estamos vivendo a beira de uma situao apocalptica, e se

    deixarmos como est colocamo-nos as vsperas de uma catstrofe. Todo o perigo

    corrente causado devido era tecnolgica (JONAS, 2006. p. 235). Para que um

    produto seja fabricado ele passa pela produo, lugar onde essa matria prima

    misturada com txicos. Estes txicos so muito prejudiciais sade, muitos deles saem

    das fbricas em forma de poluio, afetando nosso ar, causando doenas e a natureza fica

    mergulhada em um caos profundo. J no mercado estes produtos so dispensados o mais

    rpido possvel. O corao do sistema, nos EUA, pas em que Annie vive, chamado por

    ela de seta dourada, ou seja, a nsia pelo dinheiro, que move o sistema e faz com que o

    homem sempre esteja comprando. Para a autora os EUA se tornou uma nao de

    consumidores, os quais so medidos pela quantidade que compram. Certamente esta

    concluso no se restringe aos EUA podendo, em certa medida, ser aplicada todas as

    populaes que se orientam por este modo de produo e consumo. A questo que a

    autora se coloca : como tudo isso aconteceu? Segundo Annie, tudo foi planejado. Depois

    da segunda guerra mundial o governo e as corporaes analisavam a melhor forma de

    estimular a economia. Vitor Lebout, nos EUA, achou a soluo baseada no consumo, ele

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    disse: - a nossa enorme economia produtiva exige que faamos do consumo a nossa

    forma de vida. Que tornemos a compra e uso de bens em rituais, que procuremos a nossa

    satisfao espiritual, a satisfao do nosso ego no consumo. Precisamos que as coisas

    sejam consumidas, destrudas, substitudas e descartadas a um ritmo cada vez maior.

    Quase tudo que produzido vai para o lixo muito rpido. Segundo Annie porque somos

    levados a comprar, jogar fora e voltarmos a comprar novamente. Para a autora o que

    muda a aparncia. Por exemplo, se na casa do Jorge tem uma TV grande e gorda e na

    casa do vizinho uma brilhante e fininha, demonstra que Jorge no esta contribuindo para

    o consumo, para a seta dourada. As propagandas tem fundamental importncia nesse

    processo, segundo Annie, afinal elas nos falam o tempo todo como estamos errados,

    como nosso carro, nosso cabelo, nossa pele, nossa roupa, como ns estamos errados. Mas

    as propagandas trazem a soluo, assim irmos s compras.

    Temos mais coisas, mas menos tempo para as coisas que nos fazem felizes, amigos,

    famlia e tempo livre. Mas sabe o que fazemos quando temos o pouco tempo livre?

    Fazemos compras e vemos TV. Trabalhamos bastante, chegamos em casa exaustos e

    sentamos no sof novo para ver televiso, os anncios dizem que no prestamos

    ento vamos as compras para nos sentirmos melhor. Depois trabalhamos mais,

    vemos mais televiso e compramos mais. Apesar do tamanho das casas terem

    aumentado de tamanho nos ltimos anos a maioria das coisas vo para o lixo. Todo

    esse lixo ou jogado em um aterro ou incinerado e depois jogado nos aterros. As

    duas formas poluem o ar, o solo a gua sem esquecer que alteram o clima. A

    incinerao realmente ruim. Recordemos daqueles txicos da faze de produo.

    Queimar o lixo libera esses txicos no ar, pior ainda, produz super txicos novos,

    como a dioxina. A dioxina a substancia mais toxica feita pelo homem. E os

    incineradores so as principais fontes de dioxina. (THE STORY of stuff, 2010).

    certo que a reciclagem ajuda, mas ela no suficiente, porque afinal de contas

    no reciclamos nem a metade do lixo que foi gasto para produzir nossos produtos em

    todos os processos de fabricao que essa mercadoria passou. Mas Annie diz que existe

    algo bom a ser destacado diante de todos esses monstros. Muitas pessoas j esto fazendo

    acontecer, salvando florestas, lutando por uma produo limpa e um consumo consciente.

    Poderamos dizer com Jonas que a questo urgente a mudana da postura tica. O que

    de mais importante para Annie que devemos jogar fora a mentalidade do consumismo,

    grande causador de conflitos, o que o mundo necessita de um novo pensamento, que

    vise o bem estar do todo. Baseando-se na ideia de sustentabilidade, equidade, qumica

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    verde, energia renovvel tudo pode vir a acontecer e ingnuo aquele que pensa que

    deve continuar pelo velho caminho. Annie diz que a velha forma no aconteceu por

    acaso, no como a gravidade que temos de conviver, as pessoas a criaram e ns tambm

    somos pessoas por isso vamos criar algo novo(The Story of Stuff, 2010). Parece-me que

    Annie relatou bem o que Jonas quer chamar a ateno na sua obra. Quando se refere a

    criar algo novo preocupando-se com o todo. Jonas criou essa novidade diante de uma

    tica que no esta conseguindo resolver as doenas da era tecnolgica, pois a tica

    tradicional tem uma centralidade antropocntrica, ou seja, visa apenas o homem e seu

    bem estar. Para Jonas o futuro aquele que possibilita a condio da continuidade da

    humanidade e das outras formas de vida. diante dessas limitaes encontradas hoje que

    o autor valida a necessidade de uma nova tica, a saber,

    Essa deve ter como horizonte de sua projeo o futuro desconhecido, incluindo nele

    o direito dos que ainda no existem e ter como centro de referncia no apenas o

    homem, mas a vida do cosmos, isto , a totalidade daquilo que vive (Santos, 2011. p.

    27).

    Jonas (2006. p. 229) preocupar-se com o futuro da humanidade admite que o dever

    deve vir em primeiro lugar no nosso comportamento, ao passo que a civilizao tecnolgica

    est se tornando cada vez mais poderosa quando nos referimos ao seu potencial de

    destruio. O futuro da humanidade obviamente coloca em cheque o futuro da natureza e

    vice-versa. Deve ser levado em considerao que o homem est se tornando cada dia mais

    perigoso e ameaador no s perante ele mesmo, mas para toda a biosfera. O interesse do

    homem coincide com o dever diante de toda forma de vida, afinal a terra sua ptria, no

    se deve reduzir nossa concepo ao antropocentrismo. Para Jonas esse dever est estritamente

    ligado biosfera total do planeta, um dever diante do humano e do extra-humano. Deve-se

    deixar a vida prevalecer, preservar e proteger o direito de existir das futuras geraes.

    Referncias:

    JONAS, Hans. Princpio Responsabilidade: ensaio de uma tica para a civilizao

    tecnolgica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

    ARTAXO, Paulo. Mudanas no Clima da Terra o que pode acontecer? Cincia Hoje, n.183,

    02 05, setembro, 2007.

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    SANTOS, Robinson dos. O problema da tcnica e a crtica a tradio na tica de Hnas Jonas.

    In: SANTOS, Robinson dos. tica para a civilizao tecnolgica: em dilogos com Hans

    Honas. 1. ed. So Paulo: Centro Universitrio So Camilo, 2011. 21-40.

    THE STORY of stuff, Fbio Gavi, So Paulo, Estdios Gavi New Track SP, Adaptao do

    texto Denise Zepter, 2010, Parte 1. Disponvel em:

    Parte 2. Disponvel em

    Acesso em: 20, junho,

    2012.

    http://www.youtube.com/watch?v=7q_QhB3HQ70http://www.youtube.com/watch?v=jNpMRHgfqI8&feature=relmfu
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    A CONCEPO TICA E POLTICA NA OBRA O PRNCIPE DE

    MAQUIAVEL Maria Paula Fontana de Figueiredo

    UNIOESTE/PET Filosofia

    [email protected]

    Resumo: O texto aqui apresentado se prope a investigar a relao entre tica e poltica no

    pensamento de Maquiavel, especificamente na obra O Prncipe. Para isso abordaremos alguns

    conceitos principais da obra como o de virt e o de fortuna. Discorreremos sobre de que

    maneira o autor relaciona ambas as questes, e como isso vem sido interpretado ao longo dos

    tempos. Por fim, tentaremos defender a posio de que, para Maquiavel, tica e poltica so

    consonantes, e que em sua obra h um conceito de tica que prprio da poltica, e que em

    nada se aproxima das concepes tradicionalistas religiosas.

    Palavras-chave: tica. Poltica. Maquiavel.

    So incontveis os problemas filosficos a que se dedicam estudiosos e

    pensadores nos dias de hoje e provavelmente seja a poltica o campo que atrai mais

    olhares. Poltica em si j geradora de alguns desarranjos, mas quando relacionada s

    questes ticas surgem os maiores questionamentos. tica e poltica so reas

    convergentes ou divergentes? Os interesses polticos devem ultrapassar os valores morais

    e de justia?

    Discutiremos esta temtica sob a tica de Maquiavel, considerado por muitos o

    patrono das cincias polticas, em sua principal obra O Prncipe. O florentino

    constantemente alvo de polmicas, na medida em que seus escritos e seu pensamento se

    distanciam, conforme interpretaes, de qualquer ordem moral. Termos como

    maquiavelismo e maquiavlico so constantemente atribudos iniqidade e a

    maldade. Pretenderemos aqui refutar este senso buscando como se d a dinmica de

    elementos como moral, justia, tica e poder, comprovando assim a importncia do tema

    no mbito da filosofia.

    Sendo a sociedade uma instituio cujo crescimento no se d de forma natural,

    se fez necessrio desde os tempos da renascena a interveno do governante. Neste

    sentido, O Prncipe um claro retrato da vontade que tinha Maquiavel: viver em uma

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    Itlia imponente e una, como percebemos em suas prprias palavras a Loureno de

    Mdici.

    Receba, portanto, Vossa Magnificncia este pequeno presente com aquele animo que eu

    vos mando. Obra, se diligentemente considerada e lida, lhe far conhecer um grande desejo

    que est no meu interior: que o Senhor alcance aquela grandeza que a fortuna e as outras

    qualidades suas lhe prometem. E se Vossa Magnificncia, do pice de sua grandeza,

    alguma vez voltares os olhos para estes lugares baixos, entender como eu suporto

    indignamente uma grande e continua maldade da fortuna (O Prncipe). 1

    no apenas sobre a ascenso ao poder, mas principalmente sobre a manuteno

    e a perpetuidade do governo que versam as palavras do florentino. sobre a prtica dos

    assuntos pblicos aos quais esteve constantemente vinculado, que se formaram pouco a

    pouco os princpios que deviam dirigir sua obra terica. (LEFORT, 1972, p.6). Neste

    sentido abordaremos, para fins contextuais, algumas caractersticas tidas por Maquiavel

    como essenciais para que o prncipe obtenha xito em bem governar e em manter-se no

    poder.

    Podemos dizer que h ao longo da obra um retrato pessimista do homem. Para

    Maquiavel, dos homens se pode dizer isto: que geralmente so ingratos, volveis,

    simuladores e dissimuladores, esquivos aos perigos, cobiosos de ganho (O Prncipe

    cap. XVII). No que diz respeito ao prncipe, deve haver um equilbrio entre as qualidades

    ditas boas e ms. No simples assim conseguir uma concordncia, e neste sentido que

    as caractersticas devem ser aplicadas conforme a convenincia, de maneira operativa ao

    governo.

    A percepo da maldade humana fundamental para os legisladores e no necessariamente

    para todos os homens em todas as situaes. Maquiavel no diz que todos os homens

    devem levar em considerao a maldade de nossa natureza para conduzir suas vidas, mas

    sim que os legisladores no podem se descurar desse lado. Abordando diretamente a

    questo antropolgica, devemos observar que nosso autor no diz que os homens so maus,

    mas sim que o legislador deve supor que eles o sejam (BIGNOTTO, 2008, p.92).

    Outro aspecto que podemos identificar nos escritos a liberdade, porm, uma

    liberdade marcada dentro dos limites da parcimnia. Ora, um prncipe deve ser

    benevolente, mas no muito.

    1 Deve-se expor que Maquiavel encontrava-se em exlio, sob tormenta emocional e tentando retomar sua posio

    social. Nestas condies surgiram as primeiras palavras de O Prncipe.

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    Se um prncipe no puder usar desta virt de liberal sem dano para si, para que ela lhe seja

    reconhecida, deve, se prudente, no se importar com a fama de miservel; porque com o

    tempo ser considerado cada vez mais liberal, ao verem que, com a sua parcimnia, suas

    receitas lhe bastam, podendo defender-se daqueles que lhe fazem guerra, podendo fazer

    obras sem tributar o povo. De modo tal que se torna liberal para todos aqueles dos quais

    no subtrai, que so infinitos, e miservel para todos aqueles a quem no d, que so

    poucos (O Prncipe cap. VXI).

    Entre a bondade, a maldade, a benevolncia, a parcimnia h mais uma srie de

    qualidades antagnicas s quais deve se atentar o prncipe, tendo sempre destreza e

    usando-as na dose certa, a seu favor, a favor do bem governar e de manter-se insigne.

    Desta maneira, fundamental que o prncipe seja pr-ativo e multifacetado.

    Na construo de todo o texto, ou manual2, como chamado muitas vezes sem

    critrio, Maquiavel cria uma teia argumentativa extremamente firme e, pela primeira vez,

    estabelece uma poltica autnoma, separada do poder religioso. Estamos historicamente

    localizados na Alta Renascena, onde grandes rupturas com a Idade Mdia j haviam sido

    idealizadas e concretizadas, exceto a devida secesso entre as regras estatais e as

    tradies crists de controle. Vale lembrar que no perodo medieval dois eram os

    sinnimos de poder: a posse de feudos e o cristianismo. Sendo na Itlia a Igreja a

    detentora da maior parte das terras, logo restringimos nosso conceito apenas ao

    cristianismo, especificamente ao Catolicismo, instituio que determinava toda e

    qualquer norma e padro de conduta do agir individual e coletivo. imensurvel o feito

    maquiavlico, pois proporcionou ao Estado a plena autonomia de suas decises, fazendo

    com que a Poltica deixasse de ser uma conjuno de regras impostas pela igreja e

    passasse a ser um elemento constitutivo da sociedade e dos homens.

    Se o objetivo claro de Maquiavel , como pensamos, estabelecer as regras da ao poltica,

    ele no o persegue, contudo, pelo modo tradicional da instruo moral dos prncipes e

    fortalecimento de suas disposies ticas. Ao invs disso, ele desvincula o mbito do agir

    poltico das determinaes formais da moral tradicional, no subordinando a poltica nem

    aos seus pressupostos, nem aos da religio (AMES, 2002, p.53).

    2 Algumas editoras at mesmo publicam O Prncipe estampado por manual de poder, ou guia de dominao, o

    que, apenas contribui para com esta imagem antitica. A leitura negligente de seus escritos pode, de fato, gerar

    ms interpretaes, considerando principalmente o salto temporal.

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    Lemos isso hoje como grande avano, mas as consequncias para Maquiavel

    certamente foram mais controversas. J identificamos aqui o primeiro grande

    deslocamento conceitual de tica poltica. O que antes significava obedecer e seguir aos

    dogmas, j representa agora pr-atividade para o bem comum, sem as barreiras da

    salvao e da piedade catlica, que na verdade buscavam tambm a dominao e apenas

    velavam o interesse financeiro institucional. Mas no o discutiremos neste momento.

    Entramos agora no cerne de nossa discusso. Com tudo que vimos anteriormente,

    no de se admirar a posio dogmtica de alguns estudiosos, que afirmam que a obra

    maquiavlica se afasta da moral. No entanto, arrisco afirmar que em grande parte, tais

    concluses se devem a ms interpretaes, principalmente na medida em que Maquiavel

    prope solues deveras realistas para se enfrentar problemas referentes ao Estado,

    baseadas em observaes histricas e com pesada argumentao sobre o sucesso das

    aes propostas.

    Ainda sob a tica de algumas interpretaes, estudiosos refutam completamente

    a existncia de qualquer sentido tico e de justia nos escritos maquiavelianos. Ou que

    Maquiavel simplesmente no respeita qualquer condio moral. Os que afirmam isso

    talvez estejam com as lentes embaadas. De fato as ideias maquiavelistas no visam

    tratar da tica no principado, a ligao desta com a poltica se d na medida em que a

    tica desempenha uma funo. Seja ela ser mantida a fins de aparncia, seja para ser

    transgredida por convenincia ao poder.

    Atar-se a princpios ticos que se sobreponham aos interesses do Estado no

    anula o sentido de moral e justia, apenas o transpem. Estamos defendendo aqui uma

    tica prpria poltica. O prncipe que desempenha, assim, a funo do bem governar

    deve para isso, conforme j tratamos, dispor de uma srie de qualidades. Entretanto, nem

    tudo depende apenas das virtudes principescas. com o mesmo senso de realidade que

    Maquiavel observou a histria para apontar os caminhos mais eficazes na poltica, que

    ele projeta uma viso futura de governo. Ora, a sociedade constante movimento e tanto

    os homens governados, quanto o prprio prncipe, esto sujeitos a acontecimentos

    inesperados. A isso chamou fortuna, e a disse sob a forma de muitas metforas. Sobre a

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    fortuna no se tem controle, como a sorte, mas cabe ao prncipe ser sagaz e hbil ao

    empregar a estes acontecimentos as devidas atitudes de acordo com o interesse. Segundo

    Ames (2002, p. 128) a inteligncia desmitifica a fortuna descobrindo-a como causa

    terico-prtica responsvel pelas condies exteriores, as que independem da vontade

    humana e s quais a ao se encontra vinculada.

    No desconheo como muitos tiveram e tm opinies de que as coisas do mundo so, de

    certo modo, governadas pela fortuna e por Deus; que os homens com a sua prudncia no

    podem corrigi-las no havendo, ento, remdio algum; e por isso poderiam julgar que no

    seria necessrio cansar-se muito nessas coisas, mas deixar-se governar pela sorte. Essa

    opinio tem muito crdito em nossos tempos por causa da grande mudana nas situaes

    que foram vistas e se veem todos os dias, que esto alm de toda a conjectura humana.

    Diante do que, pensando eu algumas vezes, inclinei-me de certo modo pela opinio deles.

    Todavia, para que nosso livre arbtrio no seja extinto, julgo ser verdadeiro que a fortuna

    seja arbitrria de metade das nossas aes, mas que ela ainda nos deixa governar a outra

    metade, ou quase (O Prncipe cap. XXV).

    como se uma ao tivesse dois lados, s vezes dependentes, o de dentro e do

    de fora. Do lado de fora est o incontrolvel (porm previsvel), a fortuna. Do lado de

    dentro, a mais poderosa ferramenta, com a qual se pode trabalhar, medir, raciocinar,

    aquela que depende estritamente do prncipe, qual se ligam as caractersticas de bom,

    mau, justo, liberal, entre outras: falamos da virt.

    Mais que medir e comedir as devidas qualidades, virt a capacidade de impor-

    se, de ser enrgico, de lidar com as circunstncias de forma astuta e destemida. Sabendo

    se adaptar s situaes polticas no intuito, sempre, de manter-se no poder. tambm

    saber trazer para si, com o poder e a fora, a simpatia dos governados, sabendo gui-los

    conforme o interesse do Estado.

    La virt que campea por la doble escena del poder, as como por las diversas situaciones

    que en ambas tienen lugar, obtendr el efecto deseado de preservar para su titular su

    reino. El efecto supremo de su actividad habr sido ganar para el prncipe la adhesin del

    pueblo, sin la cual, no hay, a la postre, virt que valga. (ANDJAR, 2009 , p.17).

    A virt seria, portanto, extremamente necessria ao prncipe para vencer as

    indeterminaes da fortuna e alcanar a glria. Assim, na busca por resultados efetivos, o

    conceito de virt se distancia do de virtude para os cristos. A virt h de ser qualquer

    qualidade que deva ser empregada para se atingir um fim visando o Estado, seja aparente

    ou efetivamente. Para BIGNOTTO (1992, p.10), Maquiavel aponta os limites da tica

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    crist mostrando que ela incapaz de guiar os homens na construo de uma repblica

    virtuosa. A tirania aponta para os limites da tica antiga, deveramos dizer de toda tica,

    que incapaz de evitar a corrupo e, assim, a ruptura com a poltica.

    Conclumos que, para Maquiavel, poltica agir constantemente buscando

    resultados, individualmente e atravs dos governados. Tais atitudes devem sempre visar

    manuteno do poder e arte de bem governar. responsabilidade do prncipe inclinar a

    aplicao de sua virt ao controle do agir comum e conteno das adversidades ligadas

    fortuna, sem medir esforos e no atendo suas escolhas j tratada moral

    tradicionalista, sendo os meios a serem empregados para atingir seus objetivos,

    independentes. Os objetivos so o que incitam o poder do governante e que exigem dele a

    virt em sua plenitude. nos fins buscados pela ao poltica que os meios empregados

    pelo prncipe se justificam, em um campo moral singular a ela.

    Referncias:

    AMES, Jos Luiz. Maquiavel: A lgica da Ao Poltica. Cascavel: EDUNIOESTE, 2002.

    ANDJAR, Antonio Hermosa. El poder de la virt en El Prncipe de Maquiavelo. Dianoia.

    Annali di storia della filosofia. Bologna, n. 14, 2009.

    BIGNOTTO, Newton. As fronteiras da tica: Maquiavel. In: NOVAES, Adauto (org.) tica.

    So Paulo: Companhia de Letras, 1992, p. 113-125.

    BIGNOTTO, Newton. A antropologia negativa de Maquiavel. Analytica, Rio de Janeiro, v.

    12, p. 77-100, 2008.

    LEFORT, Claude. Le travail de loeuvre Machiavel. Traduo para uso didtico de Jos

    Luiz Ames. Paris: Gallimard, 1972.

    MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe (edio bilngue). Traduo de Jos Antnio Martins.

    So Paulo: Hedra, 2011.

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    A CRTICA DE HEGEL AO FORMALISMO KANTIANO Douglas Joo

    Orben

    PUCRS/CAPES UDELAR - Montevidu

    [email protected]

    Resumo: O presente artigo analisa a crtica hegeliana ao formalismo moral de Kant. Com o

    intuito de situar o contexto terico da crtica hegeliana, analisa-se, inicialmente, alguns

    aspectos da fundamentao filosfica da moral em Kant. Ao embasar a moral em princpios

    puros, vlido incondicionalmente, Kant estabelece um sistema prtico essencialmente formal.

    Para Hegel, a moral kantiana no passa de um formalismo abstrato. Por prescrever uma

    simples frmula, vlida universalmente, a moral kantiana pode justificar qualquer coisa, pois

    o seu princpio de validao to somente a no-contraditoriedade subjetiva. Segundo Hegel,

    s possvel definir o valor moral de uma ao quando a mesma considerada dentro de um

    contexto determinado, pois o princpio do dever, ao contrrio do que pensava Kant, modifica-

    se de acordo com o contexto histrico.

    Palavras-chave: Kant. Hegel. Moral.

    1. A fundamentao da moral kantiana

    A filosofia crtica kantiana nasce da pretenso investigativa de encontrar

    fundamentos inabalveis, de certeza apodtica, para os diversos problemas filosficos

    levantados, principalmente, pelo ceticismo moderno. Neste sentido, o empreendimento

    kantiano ganhou destaque, sobretudo, na fundamentao transcendental do conhecimento

    possvel, bem como na sistematizao dos princpios puros da moral. No que concerne ao

    conhecimento, Kant estabelece um sistema de condies a priori que asseguram as

    possibilidades e os limites do entendimento humano. A legitimidade crtica destas

    categorias transcendentais garantida por meio de dedues: uma deduo metafsica

    que estabelece o inventrio completo das categorias como condies a priori,

    encontradas na prpria natureza transcendental do entendimento humano; e uma deduo

    transcendental que assegura, por sua vez, a aplicabilidade destas condies

    transcendentais s condies puras (espao e tempo) da sensibilidade. No que tange

    moral, e este o problema fundamental a ser abordado neste ensaio, o objetivo kantiano

    encontrar um fundamento puro, totalmente depurado de tudo o que possa ser somente

    emprico (KANT, 1992, p.15), para a filosofia moral. Sistematicamente articulada com a

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    filosofia terica apresentada na Crtica da Razo Pura, a filosofia prtica pergunta-se

    sobre o princpio supremo da moralidade1. Na obra Fundamentao da Metafsica dos

    Costumes torna-se evidente, pela primeira vez na filosofia crtica, o embasamento

    apriorstico da moral kantiana. Os princpios fundamentadores do agir moral no podem

    ter origem emprica, pois o mbito da experincia somente expressa o que , no o que

    deve ser. O dever moral s pode apoiar-se em princpios totalmente puros, as leis morais

    com seus princpios, em todo conhecimento prtico, distinguem-se portanto de tudo o

    mais em que exista qualquer coisa de emprico, e no s se distinguem essencialmente,

    como tambm toda a filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura (KANT,

    1992, p. 16). Num sistema em que a moralidade pretende ser essencialmente pura, a

    questo a ser colocada por Kant a seguinte: em que consiste o valor moral de uma ao?

    Em outras palavras, como definir uma vontade moralmente boa2? A resposta kantiana a

    esta questo traz nfase a noo de lei moral como fundamento puro da ao

    moralmente boa. Neste sentido, a mxima subjetiva da ao deve ter como nico

    interesse a lei moral, pela qual o simples querer subjetivo torna-se objetivamente

    vlido, ou seja, universalmente aceito.

    Uma aco praticada por dever tem o seu valor moral, no no propsito que com ela

    se quer atingir, mas na mxima que a determina; no depende portanto da realidade

    do objecto da aco, mas somente do princpio do querer segundo o qual a aco,

    abstraindo de todos os objectos da faculdade de desejar, foi praticada (KANT, 1992,

    p. 30).

    O dever, que Kant define como sendo a necessidade de uma ao por respeito

    lei (KANT, 1992, p. 31), faz da ao moral um princpio puramente formal, no

    dependendo, portanto, da realidade do objeto da ao, nem muito menos dos efeitos

    produzidos. O princpio do agir moral prescreve o simples dever pelo dever, eliminando

    1 No prefcio da Fundamentao da Metafsica dos Costumes, Kant, ao reportar-se aos objetivos da obra, assim

    expressa: A presente Fundamentao nada mais , porm, do que a busca e fixao do princpio supremo da

    moralidade, o que constitui s por si no seu propsito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra

    investigao moral. (KANT, 1992, p. 19). 2 Neste mundo, e at tambm fora dele, nada possvel pensar que possa ser considerado como bom sem

    limitao a no ser uma s coisa: uma boa vontade (KANT, 1992, p. 21).

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    totalmente qualquer influncia ou inclinao externa lei moral. A moral configura -se,

    deste modo, como sendo o respeito lei moral pelo simples dever.

    O valor moral da aco no reside, portanto, no efeito que dela se espera; tambm

    no reside em qualquer princpio da aco que precise pedir o seu mbil a este efeito

    esperado. Pois todos estes efeitos (a amenidade da nossa situao, e mesmo o

    fomento da felicidade alheia) podiam tambm ser alcanados por outras causas, e

    no se precisava portanto para tal da vontade de um ser racional, na qual vontade

    e s nela se pode encontrar o bem supremo e incondicionado (KANT, 1992, p.

    31).

    No trecho supracitado, evidente que a ao moral no pode ser definida pelos

    efeitos externos (mas somente pela mxima subjetiva da ao), como tambm no deve

    ter qualquer interesse externo, pois as circunstncias so sempre contingentes, no

    podendo assim determinar necessidade alguma. A ao moral deve, portanto, seguir a

    frmula de um imperativo categrico que ordena incondicionalmente, a saber: age

    apenas segundo uma mxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei

    universal (KANT, 1992, p. 59). A mxima subjetiva, na ao moral, pode ser tomada

    como universalmente vlida, pelo que a determinao subjetiva segue, como nico

    interesse, a simples forma da lei racional. A lei moral, por sua vez, encontra-se

    relacionada com a liberdade transcendental. Segundo Kant, a liberdade uma capacidade

    pura da razo que, como tal, possibilita iniciar uma ao de modo totalmente

    incondicionada. Esta capacidade da razo pura o fundamento do conceito de autonomia:

    uma ao autnoma na medida em que determinada livremente, sem influncia de

    fatores empricos. A liberdade, assim entendida, s pode ser transcendentalmente

    concebida, pois sua caracterstica essencial a capacidade de iniciar uma ao de modo

    incondicionada, sem a influncia de qualquer outro fator. De modo bastante simplificado,

    pode-se perfeitamente dizer que a liberdade transcendental, relacionada lei moral, o

    fundamento do sistema moral kantiano. Evidentemente, trata-se de uma concepo moral

    essencialmente formal, a priori, na qual o valor moral relaciona-se imediatamente (e to

    somente) com a mxima do agente. Este assento estritamente formal e subjetivo, que

    assegura a necessidade e a universalidade da moral kantiana, na anlise de Hegel, pode e

    deve ser duramente criticado.

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    2. A Crtica de Hegel ao formalismo kantiano

    Segundo Hegel, o sistema moral kantiano tem seus mritos por ter fundamentado

    o dever na autodeterminao da vontade. Neste ponto, a teoria kantiana deve ser louvada

    por ter sido a primeira a estabelecer a autonomia da vontade como critrio de moralidade.

    Porm, os louros de Kant terminam por ai. A insuficincia kantiana em superar os limites

    entre conhecer e pensar, a posteriori e a priori, matria e forma, que nada mais do que

    um reflexo da separao entre fenmenos e noumenon, converte todo o bnus da

    autonomia moral em mero formalismo. Nas palavras de Hegel:

    de ressaltar que a autodeterminao da vontade a raiz do dever. Por seu

    intermdio o conhecimento da vontade alcanou na filosofia kantiana, pela primeira

    vez, um fundamento e um ponto de partida firme com o pensamento de sua

    autonomia infinita. Mas na mesma medida, o permanecer no mero ponto de vista

    moral, sem passar ao conceito da eticidade, converte aquele mrito em um vazio

    formalismo e a cincia moral em uma retrica acerca do dever pelo dever mesmo

    (HEGEL, 1975, p. 166).

    A insuficincia kantiana, em superar o limite entre matria e forma, faz da

    autonomia moral um dever pelo dever, uma simples frmula analtica que no define a

    matria dos deveres particulares. Para Hegel, a investigao kantiana, acerca da

    autonomia moral, limitou-se a uma mera anlise transcendental (to somente formal) das

    condies subjetivas do agente. O que Kant faz, em sua teoria prtica, apenas

    fundamentar filosoficamente (formalmente) princpios particulares, j existentes na moral

    comum. O dever kantiano nada mais do que uma simples concordncia subjetiva. O

    princpio da autonomia moral regido pela pura no-contraditoriedade formal do agente,

    no sendo assim um princpio sinttico a priori, como imaginava Kant3 (Cf. KANT,

    1992, p. 85), mas to somente analtico. Uma das crticas mais severas que Hegel tece ao

    imperativo categrico, a qual pode ser enquadrada como uma das consequncias nocivas

    do formalismo kantiano, diz respeito incondicionalidade do agir moral. Segundo Hegel,

    3 Na Fundamentao da Metafsica dos Costumes, Kant defende que o Imperativo moral deve ser sinttico a

    priori: que esta regra prtica seja um imperativo, quer dizer que a vontade de todo o ser racional esteja

    necessariamente ligada a ela como condio, coisa que no pode demonstrar-se pela simples anlise dos

    conceitos nela contidos, pois se trata de uma proposio sinttica; teria que passar-se alm do conhecimento dos

    objectos e entrar numa crtica do sujeito, isto da razo prtica pura; pois esta proposio sinttica, que ordena

    apodicticamente, tem que poder reconhecer-se inteiramente a priori (KANT, 1992, p. 85).

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    por ser uma simples frmula, o imperativo categrico pode justificar toda e qualquer

    ao: no h nesse princpio nenhum critrio que permita decidir se um contedo

    particular que se apresenta ao agente ou no um dever. Pelo contrrio, todo modo de

    proceder injusto e imoral pode ser justificado dessa maneira (HEGEL, 1975, p. 166). O

    problema levantado por Hegel questiona a incapacidade efetiva da moral kantiana. A

    moral do dever pelo dever no considera, segundo Hegel, as circunstncias4 nem, to

    pouco, os efeitos ou consequncias da ao. Este vazio formalismo converte a moral em

    pura abstrao, no possuindo assim nenhuma efetividade prtica que possa determinar

    aes particulares. Kant no se pronuncia quanto ao ser efetivo da ao moral, sua teoria

    permanece ao nvel do dever puro e incondicionado. Analisando sistematicamente o

    projeto crtico kantiano, notvel que esta insuficincia, que se manifesta no mbito

    moral, na medida em que um simples efeito da separao entre fenmenos e noumenon,

    sustenta a estabilidade do empreendimento filosfico kantiano. importante ressalta

    isso, pois a acusao de formalismo moral, apresentada por Hegel, tem como pano de

    fundo a insuficincia kantiana em superar os limites entre ser e pensar, mantendo-se num

    sistema essencialmente dualista. Para Hegel, s pode-se definir o contedo moral de uma

    ao se for considerado, alm da autonomia subjetiva, o seu contedo efetivo. Neste

    caso, as circunstncias e as consequncias da ao, que em Kant eram contrrias

    necessidade e universalidade do agir, agora se tornam determinantes. A moralidade se

    define em contextos concretos, pois s nestes casos que a contingncia torna possvel

    uma contradio. Tento em vista os exemplos kantianos da aplicabilidade do imperativo

    categrico, Hegel afirma:

    Que no haja nenhuma propriedade no contem por si nenhuma contradio, nem

    to pouco o fato de que este povo singular ou esta famlia no exista, ou que em

    geral no viva nenhum homem. E por outro lado se admite e supe que a

    propriedade e a vida humana devem existir e serem respeitadas, ento cometer um

    roubo ou um assassinato uma contradio. Uma contradio s pode surgir com

    algo que ; com um contedo que subjaz previamente como princpio firme (1975,

    p. 167).

    4 Para Kant, o valor moral da aco no reside, portanto, no efeito que dela se espera; tambm no reside em

    qualquer princpio da aco que precise de pedir o seu mbil a este efeito esperado (KANT, 1992, p. 31).

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    No havendo determinao, ento impossvel que haja contradio. Ao no

    permitir a contradio, a moral kantiana assume uma postura analtica, insuficiente para

    determinar o valor objetivo de uma ao. Para que uma ao possa ser apreciada como

    moral, necessrio considera-la num contexto concreto, pois somente inserida em

    determinadas circunstncias, com contedo e consequncias objetivas, possvel avaliar

    o valor moral de uma ao. Para Hegel, o dever s pode ser determinado de acordo com o

    contexto, ele um conceito histrico e circunstancial: momentos e locais diferentes

    podem apresentar diferentes concepes de dever. Deste modo, Hegel pretende superar a

    subjetividade abstrata da moral deontolgiaca e assim estabelecer uma moral objetiva.

    Esta deve contemplar, alm da determinao subjetiva, a inevitvel eticidade

    intersubjetiva. Neste sentido, a moralidade possibilita a determinao da ideia de

    liberdade. Segundo Hegel, a concepo kantiana de liberdade, como uma simples ideia

    transcendental, incondicionada e subjetiva, precisa ser superada. Mas, para super-la,

    antes necessrio neg-la: ao determinar a liberdade em instituies (famlia, sociedade

    civil, estado) a simples ideia transcendental kantiana negada, porm esta negao (que

    tambm uma conservao) condio para a superao, pois, nesta dialtica, a simples

    ideia de liberdade subjetiva transforma-se em liberdade (intersubjetiva) efetiva. A crtica

    hegeliana filosofia prtica de Kant, ao denunciar um formalismo moral que se

    fundamenta num dualismo terico, pressupem uma nova concepo de verdade. Hegel

    supera os limites sensveis (espao e tempo) da verdade kantiana, tornando assim o todo

    verdadeiro. Esta superao de limites possibilita a articulao de um sistema no qual o

    universal e o particular no esto separados, em domnios distintos, como em Kant. A

    moralidade, portanto, supera o formalismo abstrato e efetiva-se na objetividade sem,

    contudo, eliminar a subjetividade.

    Referncias:

    ALLISON, Henry E. El idealismo trascendental de Kant: una interpretacin y defensa.

    Prlogo e traduo de Dulce Mara Granja Castro. Barcelona: Anthropos; Mxico:

    Universidad Autnoma Metropolitana Iztapalapa, 1992.

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    ______. Kants theory of freedom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

    ALMEIDA, G. A. de. Liberdade e moralidade segundo Kant. Analytica, v. 2, n. 1, p. 175-202,

    1997.

    HEGEL, G. W. F. Principios de la filosofia del derecho o derecho natural y ciencias

    polticas. Trad. Juan Luis Vermal. Buenos Aires: Sudamericana, 1975.

    ______. Fenomenologia do Esprito. Trad. Paulo Meneses. 2. ed. Petrpolis: Vozes, 1992. 2

    v.

    ______. Sobre las maneras de tratar cintficamente el derecho natural. Trad. Dalmacio Negro

    Pavon. Madrid: Aguilar, 1979.

    KANT, I. Crtica da razo pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique

    Morujo. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.

    ______. Crtica da Razo prtica. 3. ed. So Paulo: Publicaes Brasil, 1959.

    ______. Fundamentao da metafsica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edies

    70, 1992.

    MLLER, Rudinei. O Formalismo kantiano. In: Filosofazer. Passo Fundo, n. 31, jul./dez.

    2007, p. 115-125.

    WEBER, Thadeu. Hegel: liberdade, Estado e histria. Petrpolis: Vozes, 1993.

    ______. tica e filosofia poltica: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: Edipucrs,

    1999. (Col. Filosofia, 87).

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    A CRTICA DE NIETZSCHE AOS ELEMENTOS ESTTICOS DO DRAMA

    WAGNERIANO: LEITMOTIV E UNENDLICHE MELODIE Felipe Thiago dos Santos

    UNESP/FAPESP

    [email protected]

    Resumo: Nosso objetivo nessa exposio entender as crticas de Friedrich Nietzsche ao

    compositor Richard Wagner a partir das obras musicais do compositor alemo. Assim, nossa

    inteno realizar uma leitura das partes internas constituintes dos dramas wagnerianos, a

    saber, os motivos condutores e a melodia infinita (leitmotiv e unendliche Melodie).

    Tentaremos compreender o que so as ideias musicais do compositor alemo, de modo que

    essa leitura nos habilite entender qual a similaridade existente entre Wagner e a dcadence, no

    contexto do pensamento nietzscheano. Para o cumprimento de nossos objetivos nos

    utilizaremos de fragmentos da partitura de O Anel do Nibelungo (Der Ring des Nibelungen),

    de Wagner e, tambm, de O Caso Wagner (Der Fall Wagner) de Nietzsche.

    Palavras-chave: Nietzsche. Wagner. Leitmotiv. Unendliche Melodie.

    Introduo: O Caso Wagner

    Escrito nos ltimos anos da produo filosfica de Nietzsche (1888), O Caso

    Wagner soa-nos, primeira vista, quase como uma obra panfletria. Estilisticamente

    divergente dos outros escritos do filsofo, esse manifesto tem um objetivo em toda sua

    argumentao: atacar Wagner e tudo aquilo que se expandira na Europa na segunda

    metade do sculo XIX como wagnerianismo. Porm, numa anlise mais depurada do

    texto, mostraremos que Wagner apenas um bode expiatrio, ou seja, um fio condutor

    que permite Nietzsche denunciar outro personagem: a modernidade. Assim,

    evidenciaremos aqui algumas similitudes que possam unir num nico eixo problemtico a

    modernidade e a msica de Wagner. A tarefa de reconhecer na msica wagneriana um

    sintoma de degenerescncia esttica que fosse anlogo quele embotamento moral que

    Nietzsche salientara no decorrer de suas obras - acerca da modernidade, foi possvel,

    pois um novo elemento conceitual permitira que Nietzsche unisse o ncleo de ambas as

    crticas. Esse conceito unificador o de dcadence. Influenciado pelas leituras do crtico

    literrio Paul Bourget, Nietzsche faz uso do termo em questo para apontar um processo

    por meio do qual uma dada organicidade da hierarquia vital posta em um movimento de

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    dissoluo anrquica, ou seja: a dcadence promove a degenerescncia formal ao minar

    toda base de coeso, como uma doena que toma o enfermo. A dcadence pode ser

    entendida tanto como um sintoma artstico como fisiolgico. Tais possibilidades no se

    anulam, mas se complementam. A dcadence artstica, que nos interessa agora,

    entendida por Nietzsche em termos anlogos fisiolgica, mas aqui ela se concentra na

    prpria obra de arte, em outras palavras, na composio de cada elemento que permeia o

    todo na criao. Portanto a acusao que perpassa todo O Caso Wagner refere-se ao

    principio fragmentrio que a msica de Wagner toma para si, um princpio, portanto, de

    dcadence artstica. Assim, o fato de Wagner travestir em um princpio a sua

    incapacidade de criar formas orgnicas (NIETZSCHE. F. 1999, p, 23) encobre sua

    verdadeira finalidade: ele Wagner quer o efeito. (IBID. p, 26). Uma arte

    fragmentada como esta nos impossibilita compor auditivamente um fluxo continuo e

    consistente de seu interior, pois Wagner cria apenas pequenas preciosidades (IBID. p,

    27), sendo por isso chamado por Nietzsche de mestre miniaturista. Cada som deixa de

    relacionar-se organicamente dentro de uma dada estrutura, na medida em que eles no

    mais se organizam hierarquicamente, mas sim arbitrria e desordenadamente. Desse

    modo, a gramtica sonora da melodia wagneriana abandona a subsuno regra,

    tornando-se, por isso, simples jogo anrquico de tomos. So inmeros os elementos

    inovadores que Wagner utilizou em seus dramas, e, sem exceo, todos so vistos por

    Nietzsche como sintomas da dcadence. So eles: os motivos condutores (leitmotive),

    isto , motivos musicais que agregam a si um sentido associativo dentro de uma

    composio dramtica ou cnica. A melodia sem fim (unendliche Melodie),

    caracterizada por uma inconstncia meldica, de forma que ela iguala ao carter

    aparentemente no-melodioso e amorfo de suas linhas vocais e instrumentais e com as

    propores interminveis de suas peras (MILLINGTON. 1995, p, 262).

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    I. Leitmotiv

    O primeiro recurso cnico-musical que iremos tratar aqui o motivo condutor

    (Leitmotiv). Sobre esse recurso esttico musical, usaremos uma definio ao menos

    provisoriamente de Thomas S. Grey:

    A verdadeira inovao de Wagner, tendo inicio com O Ouro do Reno, foi a criao

    de um tecido musical contnuo, urdido de forma mais ou menos consistente a

    partir de ideias musicais em forma de motivos, introduzidas seja na orquestra ou

    na parte vocal de forma a estabelecer certas associaes dramticas, emocionais,

    visuais ou conceituais. (In: MILLINGTON. B, (org.) 1995, p. 92)

    Portanto, os motivos condutores so como eixos que permitem um

    reconhecimento da forma musical wagneriana. Sua importncia consiste, assim, em

    conceder a esse tecido musical certa coerncia. Todavia, no falamos aqui de uma

    coerncia apenas musical, mas antes de tudo, dramtica. Os motivos aparecem, pois

    filiados a personagens, cenas, expresso de um sentimento, um objeto, um

    acontecimento, entre outros. Wagner compe, todavia, motivos que se fecham em sua

    forma ordenadora dramtica (no so fixos). Pode-se ouvir um motivo em O Ouro do

    Reno (por exemplo, o motivo da Espada) se repetir fortuitamente no segundo drama da

    tetralogia wagneriana, As Valqurias. Alm disso, um motivo sofre, s vezes, uma

    pequena variao meldica e adquire outra significao, assim, o tema de Siegfried

    como heri, por exemplo, seria uma variante do Toque da Trompa. (DAHLHAUS. 1900,

    p, 98). A variao motvica em Wagner est sempre agregada a um contedo semelhante,

    de modo que uma ideia instrumental equivale ao seu significado dramtico. Para efeito de

    explicao: o tema da Necessidade dos Deuses1, composto na tonalidade de mi menor

    (Em) e metrificado em compasso quaternrio (figura 2), se identifica com o tema de

    Erda2 (figura 3), que por sua vez mantm a estrutura de compassos em 4/4, tal como a

    melodia em escala menor; mas sua tonalidade varia para o d sustenido menor (C#m).

    1 As Valqurias. Ato II. Cena II.

    2 O Ouro do Reno. Cena III.

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    Figura 1: Tema da Necessidade dos Deuses

    Figura 2: Tema de Erda

    Assim, Wagner parece manter elementos musicais anlogos para representar

    Erda, deusa da terra3, pois tal seria uma personagem chave para o desalento de Wo tan.

    Tambm um motivo pode ter sua ligao cnica modificada s vezes um motivo que

    num drama se filia a um estado emocional de alegria, vitria ou esplendor, adquire em

    outro drama a expresso da raiva, fria ou desalento. Portanto:

    (...) a ideia de um Leitmotiv como uma forma musical fixa, recorrente, semelhante

    s frmulas peridicas em Homero, simplista a ponto de ser falsa [...] os motivos

    so variados incessantemente, isolados e fundidos entre si ou transformados um nos

    outros, e se aproximam ou se afastam gradualmente na medida que se modificam.

    (DAHLHAUS. C, 1988, p. 96).

    A essa variao na qual os motivos so imersos, Yara Caznk d o nome

    constelao de motivos. (CAZNK. Y. 2000, p, 30). Assim, os motivos no sendo

    como mostramos aqui formas fixas, tampouco estruturas cnico-musicais imutveis,

    tem sua funo organizadora fragmentada. Wagner utilizava esse recurso no intento de

    possibilitar que o espectador formasse uma unidade auditiva enraizada nessas ideias

    motvicas. Contudo, a recolocao dos leitmotive em momentos, situaes, emoes e

    personagens diferentes, elimina essa possibilidade, pois, o fato desses motivos (...) no

    se darem de forma previsvel e direcional obriga-nos a quebrar, internamente, com a

    3 Erde no alemo significa Terra.

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    linearidade da audio concreta. (IBID. p, 33) Voltemos, momentaneamente para

    Nietzsche. Dentre os diversos caminhos argumentativos que poderamos tomar aqui,

    vamos retomar O Caso Wagner tendo em vista duas caractersticas acerca dos Leitmotive

    que do vazo para Nietzsche chamar a arte wagneriana de dcadent e hipntica: a

    primeira seria a funo dramtica dos motivos condutores de Wagner e a segunda

    caracterstica se refere fragmentao auditiva. Wagner se tornou para Nietzsche

    mais um orador, um homem do teatro do que um msico. Buscar a semitica de sons

    para os gestos significa, justamente, transferir a legitimao do discurso musical para a

    cena, ou seja, tir-la da msica. O leitmotiv, ou nas palavras de Nietzsche, as pequenas

    unidades, so, inicialmente, substratos sonoros e musicais, mas, posteriormente elas

    perdem essa caracterstica. Enquanto matria (o som instrumental propriamente dito) o

    leitmotiv reconhecido dentro da partitura musical como parte fundamental da estrutura

    composicional wagneriana, mas seu fundamento modifica-se quando ele o som do

    motivo se filia cena. O sentido sonoro se legitima, aqui, num objeto cnico, assim, os

    motivos se tornam visveis. Mas os sons no se agregam semanticamente apenas aos

    gestos, mas tambm ao enredo. A forma como cada clula musical construda tem uma

    relao diretamente vinculada ao sentido da estria mesma. Sabemos que os motivos

    wagnerianos no so figuras de reconhecimento dramtico pois no so fixos e que,

    em verdade, existe uma determinada expansividade, progressividade e flexibilidade na

    utilizao quase arquetpica dos Leitmotive. Para Nietzsche, aquilo que faz da msica

    wagneriana um corpus coeso, precisamente aquilo que elimina, isto , ou compromete

    sua coeso. Entendamos da seguinte forma: o sentido musical de um drama de Wagner

    articulado pelos motivos e atinge, assim, certo tlos. Isso porque os motivos se

    desenvolvem orientados por metas no intuito da correlacionar cenas, perodos e at

    mesmo atos inteiros (talvez um drama todo). Esse mtodo de Wagner possibilita a coeso

    dramtica. Mas ao mesmo tempo, segundo Nietzsche, essa coeso transferida da msica

    para cena. Enquanto homem do teatro Wagner um gnio, mas enquanto homem da

    msica ele um anarquista musical. Tornar a cena, o ato e o drama coesos, significa

    tornar a msica apenas

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    XVII Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea da UNIOESTE

    De 29 de outubro a 01 de novembro de 2012 UNIOESTE Campus de Toledo http://www.unioeste.br/filosofia

    ISSN: 2176-2066

    II. A melodia wagneriana: a melodia sem fim

    Para tratar da fragmentao da audio na msica de Wagner, utilizemos o

    compositor Bach (figura 4) como contraponto da msica wagneriana. Tentemos juntar,

    pois, argumentativamente, as trs citaes. No Minueto em Sol maior (G) de J. S. Bach

    do Pequeno livro de Anna Magdalena Bach - encontramos um mtodo composicional

    to tpico do compositor como do perodo em que est inserido: o Barroco. Aqui vemos

    uma composio relativamente simples. Expe-se um tema (tema A: do compasso 1 ao

    16), que sai de sua tnica, o sol (G: compasso 1), e termina num primeiro momento em

    sua dominante, num r (D: compasso 8). A dominante aqui, tem o papel de criar uma

    tenso dissonncia - para que o tema seja reexposto, terminando, num segundo

    momento, na tnica, resolvendo, assim, uma tenso que foi criada. Depois o Minueto

    apresenta outro tema (tema B) fazendo o mesmo processo. Essa forma simples que

    contm 16 compassos, subdivididos em 8 compassos em cada parte (forma AB), expressa

    uma forma estrutural em que cada elemento e parte se relacionam diretamente com o

    todo. Sua consequente apreciao, por sua vez, se estabelece na audio da hierarquia

    formal existente entre esses elementos.

    Figura 3: Minueto em Sol Maior (G) de J. S. Bach

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    De modo geral, essa anlise musical do Minueto bachiano pode nos ser til para

    entender como a audio da msica de Bach nos leva a uma sensao de delineamento

    temporal, que se desenvolve a partir de um som hierarquicamente mais fundamental (a

    tnica), se abre num momento para a expectativa de resoluo (dominante) e, por fim, se

    contrai em sua resoluo (volta para a tnica). Com ouvidos nietzscheanos: aqui no

    minueto - o todo vive absolutamente, a estruturao de um arco meldico guiado por

    um estado de audio que se pauta em expectativa e satisfao nos fornece a

    possibilidade de percepo de uma organizao sonora. Uma msica assim no nos soa

    como uma anarquia sonora, do contrrio, a harmonia da qual ela se utiliza um corpus

    terico extremamente coerente e sistematizado e encerra em si uma viso de mundo

    hierarquizada. (CAZNK. 2000, p, 21). Ou seja, o Minueto de Bach, seguindo a linha

    de interpretao de Nietzsche, no dcadent, pois concentra em si uma unidade que nos

    possibilita apreciar toda sua manifestao.

    Figura 4: Entrada de As Valquirias (partitura para o Violino II)

    A to conhecida abertura de As Valqurias nos leva para outro estado de audio:

    o fragmentado. Se l em Bach acompanhamos temporalmente um fluxo de ideias

    musicais estabelecidos pelo jogo hierrquico de notas, aqui experimentamos a dvida,

    o desconforto, o sobressalto. Se l a dissonncia tem momentos de aparecimento e

    funes bem estabelecidos, aqui as dissonncias se reafirmam, adiam a resoluo, evitam

    a previsibilidade, so pela pulsao de sua metragem rasgadas. O resultado,

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    musicalmente falando, de uma audio que se imersa paradoxalmente numa in-

    concluso. Incapacidade de criar formas orgnicas o mesmo de tomar a

    decomposio como um princpio de composio. Aqui reside, segundo Nietzsche, o

    instrumento para que Wagner possa dar seu passe hipntico. Entende-se hipnose como

    um processo por meio do qual o ouvinte no pode mais visualizar o todo e, por isso,

    fica preso ao instante, processo esse em que as notas no se deixam vincular mais a frase,

    que a frase no se sujeita mais ao tema e que o tema no mais se atrela