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CLAUDIA STEFANO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE LAUDOS ARBITRAIS ENTRE OS PAÍSES DO MERCOSUL –
UMA PERSPECTIVA PRIVATISTA
UNIMEP 2006
Claudia Stefano
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LIVRE CIRCULAÇÃO DE LAUDOS ARBITRAIS ENTRE OS PAÍSES DO MERCOSUL
Dissertação apresentada como exigência para a obtenção do título de Mestre em Direito Internacional ao programa de Pós-Graduação na área de Direito da Universidade Metodista de Piracicaba.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe
UNIMEP 2007
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BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientador Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe 1º Examinador: Prof. Dr. Hee Moon Jo
2º Examinador: Prof. Dr. Rui Décio Martins
Piracicaba, 15 de fevereiro de 2007.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço
Ao Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe, incentivador, guia e mestre, por sua paciência e amizade. Ao Prof. Dr. Jorge Luiz de Almeida, por sua bondade e constante apoio. Ao Prof. Dr. Rui Décio Martins, por suas preciosas orientações. Ao Dr. Celso Limongi, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela atenção e carinho. Ao Dr. João Batista Amato, meu eterno mestre, pelo exemplo. Aos meus pais, Amílcar e Irene, que, cheios de virtudes, sempre souberam como promover o bem para uma existência comum que, além de virtuosa, eleva-se ao ministério da comunhão no amor. Ao meu marido, João Eduardo, pela incondicional compreensão. Aos meus filhos, Giovanna e André, pela alegria que me proporcionam nas pequenas coisas do dia a dia. Ao meu irmão, Kleber, por sua imensa colaboração. Aos meus estimados alunos da Faculdade Comunitária de Campinas, das Faculdades Integradas de Valinhos e das Faculdades Integradas de Guarulhos, por confiarem em mim. A Sra. Leda Farah, pelo carinho com que realizou a correção ortográfica;
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“ Não temas, porque eu sou contigo, não te assombres, porque eu sou teu Deus. Eu te fortaleço e te ajudo com minha destra fiel.”
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RESUMO
Como conseqüência direta da criação do MERCOSUL, o volume de
negociações realizadas entre os agentes do comércio internacional multiplicou-se; logo,
cresceu também o número de conflitos de interesses entre seus membros. A velocidade
com que as transações comerciais se realizam tornou imprescindível a adoção de
soluções mais céleres, efetivas e menos onerosas do que o mecanismo jurisdicional
clássico. É neste contexto que surge, à margem da jurisdição estatal, a arbitragem que,
em síntese, diz respeito à prerrogativa de que se valem as partes de uma controvérsia,
quando, em gozo de sua liberdade e mediante um acordo de vontades, submetem a um
terceiro imparcial, denominado árbitro, a pacificação de seu conflito.
No âmbito do comércio internacional, a maior parte dos conflitos é dirimida por
intermédio do procedimento arbitral. Caso o decidido pelo árbitro não seja cumprido
espontaneamente, é preciso que se tomem medidas de execução forçada. Em se
tratando de uma decisão arbitral estrangeira, antes de dar início ao processo de
execução, a maioria dos Estados realiza um juízo de admissibilidade por intermédio de
seu Poder Judiciário.
O presente estudo tem por objeto analisar como se realiza o processo de
reconhecimento e execução das decisões arbitrais estrangeiras entre os Estados-Partes
do Mercosul, bem como verificar a possibilidade de uma decisão arbitral proferida em um
Estado-Parte ser válida e eficaz em outro Estado-Parte do referido Bloco Econômico,
sem a necessidade de prévia homologação.
O desenvolvimento da pesquisa foi dividido em cinco capítulos. O primeiro
capítulo versa sobre a evolução histórica do instituto arbitral; no segundo, discorremos
sobre a formação e a constituição do Mercosul; constam do terceiro capítulo os conceitos
e princípios pertinentes ao laudo arbitral; já no capítulo de número quatro, examinamos
as questões ligadas ao reconhecimento e à execução dos laudos arbitrais entre países
do Mercosul; por fim, no quinto capítulo, abordamos os aspectos ligados à denegação do
pedido de reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras.
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RESUMEN
Como consecuencia directa de la creación del MERCOSUR, el volumen de
negociaciones realizadas entre los agentes del comercio internacional se ha multiplicado,
luego, ha crecido también el número de conflictos de intereses entre sus miembros. La
velocidad con que las transacciones comerciales se realizan tornó imprescindible la
adopción de soluciones más rápidas, efectivas y menos onerosas que el mecanismo
jurisdiccional clásico. Es en este contexto que surge, al margen de la jurisdicción estatal,
el arbitraje, que en síntesis, condice con la prerrogativa que se valen las partes en una
controversia, cuando gozando de su libertad y mediante un acuerdo de sus voluntades,
someten a un tercero imparcial, denominado árbitro, la pacificación de su conflicto.
En el ámbito del comercio internacional, la mayor parte de los conflictos son
dirimidos por intermedio del procedimiento arbitral. En el caso en que lo decidido por el
árbitro no sea cumplido espontáneamente, es necesario que se tomen medidas de
ejecución forzada. Tratándose de una decisión arbitral extranjera, antes de iniciar el
proceso de ejecución, la mayoría de los Estados realiza un juicio de admisibilidad por
intermedio de su Poder Judiciario.
El presente estudio tiene por objetivo analizar cómo se realiza el proceso de
reconocimiento y ejecución de las decisiones arbitrarias extranjeras entre los Estados-
Partes del MERCOSUR, así como, verificar la posibilidad de una decisión arbitral
proferida en un Estado-parte ser válida y eficaz en otro Estado-parte del referido Grupo
Económico, sin la necesidad de previa homologación.
La investigación fue desarrollada en cinco capítulos. El primer capítulo habla
sobre la evolución histórica del instituto arbitral; en el segundo, discurrimos sobre la
formación y constitución del MERCOSUR; constan del tercer capítulo los conceptos y
principios pertinentes al laudo arbitral; ya en el capítulo de número cuatro, examinamos
las cuestiones relacionadas al reconocimiento y ejecución de los laudos arbitrarios entre
países del MERCOSUR; por fin, en el quinto capítulo, abordamos los aspectos
relacionados a la denegación del pedido de reconocimiento de las decisiones arbitrarias
extranjeras.
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ABSTRACT
As a direct consequence of the MERCOSUL creation, the number o
negotiations performed among the agents of the international commerce have multiplied,
as well as the number of interest conflicts among its members.
Since the commercial transactions happen so fast, the adoption of swifter
solutions became indispensable, effective and less onerous than the classic jurisdictional
mechanism.
In this context there is an arbitration that rises together with the state
jurisdiction, that correspond to the prerogative when there is a controversy, when
usufructing the freedom and in face to an agreement that leads to a third named Judge,
responsible for pacifying the conflict.
In the international commerce ambit, most part of the conflicts are extinguished
through the arbitral procedure. If the Judges sentence isn’t followed spontaneously by the
record, some other decision has to be taken.
When talking about a foreign arbitral decision before starting the execution
process, great part of the States perform an admissibility judgment through their
jurisdictional power.
This recent study has the purpose to analyze the recognition process and
execution of the foreign arbitral decisions among the states that belong to Mercosul, such
as to verify about the possibility of an arbitral decision taken by a State, to be valid and
useful in another state from the same economic block, without the necessity of previous
homologation.
This research has been divided into five chapters. The first one is about the
historic evolution of the arbitral institute; the second one is about the formation and
constitution of the Mercosul; the third chapter contains the concept and principals
pertinent to the arbitral verdicts; in the fourth chapter we exam the issues related to the
recognition and execution of the arbitral verdicts among the countries that belong to
Mercosul; at last, in the fifth chapter we talk about the aspects related to the denial of the
recognition request and the foreign arbitral decisions.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
ARBITRAGEM
1. Evolução Histórica da Arbitragem 17
1.1 Arbitragem na Antiguidade 17
1.2 Arbitragem na Grécia 18
1.3 Arbitragem no Período Justiniano 21
1.4 Arbitragem na Idade Média 24
1.5. Arbitragem na Idade Moderna 26
2. A Corte Permanente de Arbitragem 31
3. Arbitragens entre Estados no Sistema da Liga das Nações 32
4. Convenção de Nova Iorque de 1958 34
5. Lei Modelo sobre Arbitragem – UNCITRAL 36
6. Histórico dos Tratados e Convenções sobre Arbitragem na América Latina 37
7. Arbitragem – Conceito 40
8. Arbitragem Interna e Internacional 44
CAPÌTULO II
MERCOSUL
1. Formação e Constituição 49
2. A Estrutura Institucional e Fontes Jurídicas 54
3. Solução de Controvérsias no Âmbito do Mercosul 55
3.1. O Anexo III do Tratado de Assunção 1991 -1993 55
3.2. O Protocolo de Brasília 1993-2003 56
3.3. O Protocolo de Ouro Preto 60
3.4. O Protocolo de Olivos – 2004 61
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CAPÍTULO III
LAUDO ARBITRAL
1. Definição de Laudo Arbitral 64
2. Diferenciação e Similitudes Entre laudo Arbitral e Sentença Judicial 66
3. O Caráter Internacional do Laudo Arbitral 70
4. Princípios Jurídicos Informadores do Procedimento Arbitral 73
4.1. Princípio da Imparcialidade do Árbitro 77
4.2. Princípio do Contraditório e Princípio da Igualdade das Partes 78
4.3. Princípio do Livre Convencimento do Árbitro 81
4.4. Principio da Autonomia da Vontade 84
4.4.1. Autonomia das Partes 84
4.4.2. Princípio da Autonomia do Processo Arbitral 86
CAPÍTULO IV
DO RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DOS LAUDOS ARBITRAIS ESTRANGEIROS
1. Regime Jurídico Aplicado ao Reconhecimento das Decisões Estrangeiras 90
1.1. Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais – Distinções 95
1.2. Execução do Laudo Arbitral Estrangeiro 97
2. Sistemas de Controle e Concessão de Exequatur 99
3. Regime Jurídico Aplicado ao Reconhecimento de Laudos Arbitrais Estrangeiros na
América do Sul 103
3.1. Âmbito de produção jurídica interamericano: CIDIP 103
4. Normas Aplicáveis ao Reconhecimento e Execução dos Laudos Arbitrais
Estrangeiros no Ordenamento Interno de Cada um dos Países do Mercosul 110
4.1. Argentina 110
4.2. Paraguai 113
4.3. Uruguai 115
4.4. Brasil 118
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CAPÍTULO V
DA DENEGAÇÃO DO RECONHECIMENTO DAS DECISÕES ARBITRAIS
ESTRANGEIRAS
1. Teoria da Autonomia da Vontade e Suas Implicações no Instituto Arbitral 127
1.1. A Teoria da Vontade 127
1.2. Transcendência do Princípio da Autonomia da Vontade 134
1.3. Autonomia da Vontade e Deliberação da Lei Aplicável ao Litígio 135
1.4. Autonomia da Vontade e Ordem Pública 137
1. 5. Arbitragem e Jurisdição Estatal 140
2. A Convenção de Nova York e a Inexigibilidade de Homologação dos Laudos
Arbitrais 142
2.1. Classificação do Laudo Arbitral 142
2.2. Causas de Denegação do Reconhecimento e Execução do Laudo Arbitral
Estrangeiro e a Convenção de Nova York 144
3. Da Livre Circulação das Decisões Arbitrais Estrangeiras 155
CONCLUSÕES 164
BIBLIOGRAFIA 167
ANEXOS
13
DSC
INTRODUÇÃO
Temos assistido atualmente o fenômeno da Globalização, marcado,
por um lado, pelos progressos tecnológicos e científicos, pela intensificação do
comércio internacional e pela integração social, econômica e cultural e, por outro,
por acentuadas desigualdades sociais entre os países, ocasionando o aumento
da pobreza, da miséria, da deterioração ambiental e a multiplicação dos conflitos
regionalizados.
Uma de suas características marcantes no plano econômico reflete-se
nos processos integracionistas, dos quais se destaca o Mercado Comum do Sul -
MERCOSUL.
É certo que, a partir da criação do Mercosul, como conseqüência
direta da criação deste bloco econômico regional, o volume de negociações
realizadas entre os agentes do comércio internacional multiplicou-se; logo,
cresceu também o número de conflitos de interesses entre seus membros.
14
A velocidade com que as transações comerciais se realizam tornou
imprescindível a adoção de soluções mais rápidas, efetivas e menos onerosas do
que o mecanismo jurisdicional clássico.
É neste contexto que surgem, à margem da jurisdição estatal, os
meios alternativos de solução de controvérsias, que encontram seu ápice no
âmbito das relações de caráter privado, onde se valoriza primordialmente a
“autonomia da vontade”.
Dentre os instrumentos paraestatais de solução de controvérsias
encontra-se a arbitragem que, em síntese, faz referência a prerrogativa de que se
valem as partes de uma controvérsia, quando, em gozo de sua liberdade e
mediante um acordo de vontades, submetem a um terceiro imparcial, denominado
árbitro, a pacificação de seu conflito.
Devido às vantagens peculiares que a arbitragem possui em face da
jurisdição estatal, tem-se que, no âmbito do comércio internacional, a maior parte
dos conflitos é dirimida por intermédio do procedimento arbitral, fato este que dá
ensejo à eleição de medidas capazes de assegurar e garantir a eficácia dos
ditames proferidos pelos árbitros.
Com efeito, é imperioso dizer que a decisão arbitral, mesmo não
sendo prolatada por um ente estatal, tem caráter cogente e mais: que o laudo
proferido por um árbitro produz os mesmos efeitos que a sentença judicial, qual
seja, traduzem-se em coisa julgada.
15
É sabido também que a maior parte das sentenças arbitrais
estrangeiras é cumprida voluntariamente, isso porque a eventual recusa de uma
parte em cumprir o que foi arbitrado provocaria uma repercussão negativa em sua
imagem perante o mercado comercial internacional.
Entretanto, não obstante essa constatação, a inadimplência no tocante
às decisões arbitrais estrangeiras por vezes se reproduz, exigindo, por
conseguinte, medidas para a execução forçada de cumprimento.
Em se tratando de uma decisão arbitral estrangeira, a maioria dos
Estados realiza um juízo de admissibilidade por intermédio de seu Poder
Judiciário, a fim de que seja reconhecida a sua validade e eficácia perante o
ordenamento jurídico interno, lembrando que, somente após esse juízo de
admissibilidade conhecido como procedimento de exequatur, é que a aludida
sentença será executada.
Saliente-se que o procedimento de exequatur pode vir a ter contornos
variados nos mais distintos Estados, vinculando-se a questões como a ordem
pública e a legislação interna.
Todavia, a despeito do procedimento de exequatur ser comum à
maioria dos países, existem reservas. Assim, nos Estados que adotam a
denominada teoria “privatista”, o procedimento de exequatur é compreendido
como entrave para a implementação do instituto arbitral, de modo que as
16
decisões arbitrais deveriam ser executadas eqüitativamente à forma adotada em
contratos internacionais, dispensando, assim, a homologação por órgão estatal.
O cerne de nossa investigação consiste exatamente na tese defendida
pelos privatistas, ou seja, verificar a viabilidade da livre circulação das decisões
arbitrais entre os países membros do Mercosul, o que em última análise significa
meditar quanto à possibilidade de uma decisão arbitral proferida num Estado-
Parte do Mercosul ser válida e eficaz em outro Estado-Parte, dispensando a
homologação prévia.
Assim, com intuito de atingirmos nosso escopo, organizamos nossa
pesquisa em cinco capítulos.
O primeiro capítulo versa sobre a evolução histórica do instituto
arbitral; ali se encontra o alicerce sobre o qual pretendemos calcar nossa
pesquisa.
No segundo capítulo, discorreremos sobre a formação e a constituição
do bloco econômico do Mercado Comum do Sul - Mercosul, delimitando assim, o
âmbito espacial de nossa investigação.
Constam do terceiro capítulo os conceitos pertinentes ao laudo arbitral;
dando seqüência à nossa redação, no capítulo de número quatro, examinaremos
as questões ligadas ao reconhecimento e à execução dos laudos arbitrais.
17
Por fim, o quinto capítulo destina-se a apurar as causas de denegação
da decisão arbitral estrangeira e finaliza a redação do trabalho, traçando uma
análise pontual sobre a efetiva possibilidade de supressão dos requisitos
impostos pelas legislações internas, para que a decisão alienígena venha circular
livremente entre os países membros do bloco econômico do Mercosul.
CAPÍTULO I
ARBITRAGEM
1. Evolução Histórica da Arbitragem
1.1 Arbitragem na Antiguidade
18
Constatamos, e a história nos revela em diversos episódios que as
soluções para os litígios entre grupos humanos encontraram o caminho para a
pacificação de seus conflitos nos procedimentos pacíficos da mediação e da
arbitragem.
Guido Soares anota que
Na base da especulação sobre as possíveis soluções de contendas entre Egito, Kheta Assíria e babilônia supõe-se que a mediação fosse empregada, citando-se, mesmo, um caso de arbitragem entre cidades-Estados da Babilônia, cerca do ano 3000 aC. Ainda no oriente antigo menciona-se o caso dos hebreus, que, na câmara composta de três árbitros, Beth-Din, resolviam todas as pendências de direito privado, pela via arbitral1.
No Antigo Testamento2, Primeiro Livro dos Reis, narra-se um episódio
em que duas mulheres, prostitutas, apresentaram-se perante o rei Salomão
disputando a maternidade de uma criança. Isso porque ambas residiam em uma
mesma morada, haviam parido filhos num mesmo curso de dias e uma das
crianças morrera. Ninguém testemunhara os fatos, e uma das mulheres acusou a
outra de ter roubado seu filho enquanto dormia, o que era inversamente retrucado
pela outra. Reconhecido biblicamente como o mais sábio dos Juízes, Salomão
ordenou então que se partisse a criança ao meio.
1 SOARES, Guido F. S.. Arbitragem internacional - Introdução histórica, Revista dos Tribunais, Ano 78, Março, v.641. 1989. p. 377 2 Não é possível precisar a data de transcrição do texto bíblico em referência, entretanto, a história atribui o fato ocorrido entre o período entre 900 a.C e 1000 a.C.
19
[...] “Trazei-me uma espada”. Trouxeram uma espada diante dele. E disse o rei: “Dividi em duas partes o menino vivo, e daí metade a uma, e metade a outra”. Mas a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho), e disse: “Ah! Meu Senhor, dai-lhe o menino vivo e de modo nenhum o mateis”. A outra, porém, disse: “Não será meu, menino vivo, e de modo nenhum o mateis; ela é sua mãe”. E todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, e temeu ao rei; porque viu que havia nele a sabedoria de eus pra fazer justiça3.
O relato supra descrito remonta a um período em que o Estado ainda
não havia sido institucionalizado, nem tampouco se podia falar em jurisdição
estatal. Entretanto, como se pode observar, já se fazia presente o sistema arbitral
de solução de controvérsias, digno de nota, a justiça nas decisões.
1.2 Arbitragem na Grécia
Na Grécia antiga, a arbitragem teve grande importância, sendo o
instrumento eleito para a solução de litígios entre deuses e heróis.
a sociedade dos deuses é o reflexo da sociedade dos homens, bastaria examinar o comportamento daqueles para se ter uma idéia de que a arbitragem internacional, em especial, nos litígios de fronteiras, teve grande importância na Grécia antiga. Os próprios autores gregos referem ao fato de a arbitragem reporta-se aos tempos míticos, quando os litígios entre deuses e heróis eram resolvidos por um laudo arbitral, proferido por um de seus pares: Zeus é eleito juiz entre Atenê e Posseidon a propósito da Egina, Foronê exerce o mesmo papel entre Hera e Posseidon a propósito de Argólida4.
3 A Bíblia Sagrada – Velho e Novo Testamento. Primeiro Livro de I Reis,Capítulo 3, versículos 16-28. Trad. João Ferreira de Almeida. São Paulo: Ed. Sociedade Bíblica do Brasil. 1993. p. 351 4 SOARES, Guido. A arbitragem comercial internacional no direito brasileiro nos termos da lei n.9.307 de 23/09/1996: alguns aspectos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. v.96. p.475-99. 2001. p.12
20
No mesmo sentido Fustel de Coulanges afirma:
Quando os deuses eram inimigos, havia guerra sem piedade nem regras, mas quando amigos, logo os homens ficavam mutuamente ligados entre si e selavam esse sentimento de amizade com deveres recíprocos5.
Oportuno enfatizar também, que, nas cidades-estados da Grécia dos
séculos V e IV a.C, havia um direito intermunicipal6 que questionava a existência
do instituto da arbitragem, seja de caráter compromissório, seja obrigatório.
Nessas ocasiões, o laudo arbitral era gravado em placas de mármore ou de metal
e, a seguir, afixado nos templos para que todos pudessem tomar conhecimento
de seu teor, isto é, era dotado do quesito publicidade 7.
No Tratado de Nícias, conservado por Tucídides8, narra-se a História
da Guerra do Peloponeso9 (431 a 404 a.C.); nota-se a presença de traços
característicos da arbitragem logo após a edição da primeira batalha naval
5 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, Estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma, Trad. Jonas Camargo Leite; Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975. p.261 6 Interessante saber que, dada a similitude de estatutos municipais, criou-se na Grécia uma isopolitéia, o que significava o reconhecimento, por tratado intermunicipal, da igualdade de direitos civis entre cidadãos das partes contratantes, o que lhes conferia todos os direitos, dos autóctones no domínio do direito de família, de propriedade, de contratos com imunidades alfandegárias etc. SOARES, Guido. Arbitragem internacional - Introdução histórica. 1989. p.374 -402 7 SOARES, Guido. Arbitragem internacional no direito brasileiro nos termos da lei 9307/96, 2001. p 12. 8 Tucídides (Atenas, entre 460 a.C. e 455 a.C.– idem, cerca de 400 a.C., grego Θουκυδίδης, Thoukudídês) foi um antigo historiador grego. Escreveu a História da Guerra do Peloponeso, onde, em oito volumes, conta a guerra entre Esparta e Atenas ocorrida no século V a.C. Preocupado com a imparcialidade, ele relata os fatos com concisão e procura explicar-lhes as causas. Tucídides escreveu essa obra, pois percebeu que a Guerra do Peloponeso teria maior importância na história da Grécia do que qualquer outra guerra anterior. Esta sua obra é vista no mundo inteiro como um clássico e representa a primeira obra de seu estilo. Disponível em <http://www. wikipedia.org/wiki/Tucídides>. Acesso em 03/02/2007 9 A Guerra do Peloponeso foi um conflito armado entre Atenas (centro político e civilizacional por excelência do mundo do século V a.C.) e Esparta (cidade de tradição militarista e costumes austeros), de 431 a 404 a.C. Sua história foi detalhadamente registrada por Tucídides e Xenofonte. De acordo com Tucídides, a razão fundamental da guerra foi o crescimento do poder ateniense e o temor que o mesmo despertava entre os espartanos. A cidade de Corinto foi especialmente atuante, pressionando Esparta a fim de que esta declarasse guerra contra Atenas. <www.wikipedia.org/ >. Acesso em 03/02/2007.
21
travada pelos povos coríntios e corcireus que, receosos em relação a novos
embates, mais penosos e cruéis, elegeram representantes comuns que se
dirigiram simultaneamente à grande potência marítima daquela época, Atenas,
rogando seu apoio para selar o conflito em marcha.
[...] Os atenienses ouviram as duas partes e realizaram duas Assembléias, para debater o assunto; na primeira se inclinaram a favor dos coríntios, mas na segunda mudaram de opinião. Não quiseram concluir com os corcireus uma aliança ofensiva defensiva porque, se a Córcira viesse a pedir a sua cooperação contra os coríntios, o tratado com os peloponésios estaria rompido 10.
Hugo Grotius faz importantes referências a Tucídides em sua obra,
apontando trechos em que o autor grego indicava o mecanismo arbitral como
meio de solucionar contendas havidas entre os povos gregos.
O segundo meio entre aqueles que não têm nenhum juiz comum é o compromisso. Tucídides diz: “É um crime tratar como inimigo aquele que está pronto a aceitar um árbitro.” Assim é que Adrasto e Anfiaraus remetem a julgamento de Erifiles sua controvérisia sobre o reino de Argos, segundo relato de Diodoro. Três juízes lacedemônios foram escolhidos para se pronunciar sobre Salamina, entre os atenienses e os megarenses que reclamavam. [...] No mesmo Tucídides, que acabamos de citar, os corcirenses fazem saber aos coríntios que estão prontos a impetrar sua causa por aquelas cidades do Peloponeso sobre as quais existia um acordo. Aristides elogia Péricles pelo fato de que, para que a guerra fosse evitada, teria querido convocar árbitros para terminar com as controvérsias 11.
10TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. São Paulo: IPRI/UnB/Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 37-38 11GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz, V.II, (Trad.) Ciro Mioranza. Ijui: Unijui, 2004. p. 947
22
Na arbitragem entre particulares, sua base jurídica fundava-se em
um compromisso, contrato especial, ou cláusula compromissória prevista em
contratos ou tratados de comércio, de aliança ou de paz. Os árbitros eram
escolhidos pelas partes, em razão de seu conhecimento e especialização em
relações intermunicipais12.
Saliente-se que, na Grécia clássica, o estagirita Aristóteles13, discípulo
de Platão, posicionou-se favoravelmente à arbitragem, destacando o fato de que
o árbitro assegurava para si o poder de julgar com maior grau de igualdade e
retidão, diferentemente do juiz, que se via limitado por regras processuais rígidas.
É o que se deduz a partir de sua obra Retórica, ao defender que “o árbitro visa à
eqüidade, enquanto o juiz a lei, e é por isso que o árbitro foi instituído, para que a
eqüidade seja aplicada”14.
A arbitragem na Grécia antiga permaneceu, mesmo após a sua
dominação pelos romanos no Século II a.C., objetivando solucionar conflitos de
fronteiras entre as cidades15.
1.3 Arbitragem no Período Justiniano
12 SOARES, 1989, p.377 13 “Aristóteles (384–322 a.C.) também foi um filósofo grego, nascido em Estagira. Platão foi seu mestre e o conjunto de reflexões filosóficas — por um lado originais e por outro reformuladoras da tradição grega, acabaram por configurar um modo de pensar que se estenderia por séculos. Aristóteles prestou inigualáveis contribuições para o pensamento humano, nos campos da ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural e outras áreas de conhecimento humano. É considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental”. Disponível em http://www.wikipédia.org.wiki/Aristóteles.
23
Os registros que se encontram na história grega sobre arbitragem e a
tendência que se desenvolveu, no seio daquele povo, de compor controvérsias
por intermédio de um terceiro eleito, dotado de imparcialidade, por certo foram
absorvidos pela cultura romana16, em que a justiça dos árbitros foi amplamente
disseminada. De fato, naquele tempo, a justiça estatal ainda se encontrava em
fase de construção e implantação 17, como acentua Sálvio Figueiredo Teixeira.
Os Romanos, porém, somente no final do século III d.C., já no período pós-clássico, imperial, quando da chamada cognitio extraordinária (ou extra ordinem), viriam a estabelecer a Justiça oficial, e com ela o Juiz estatal, o que se deu no momento em que o magistrado romano, alto funcionário, mas até então sem poder jurisdicional, houve por bem chamar a si a responsabilidade de solucionar o litígio entre as partes em nome do Estado, missão que até então era exercida por um terceiro particular, árbitro, portanto, escolhido pelos próprios contenedores ou por indicação do magistrado. Concentraram-se, então, na pessoa desse magistrado, já aí, duas etapas (in iure e em iudice), do incipiente processo romano de solução de litígio18.
14 ARISTOTELES. Arte retórica e arte poética, (Trad.) Antônio Pinto de Carvalho, estudo introdutório Goffredo Telles Júnior, Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. p. 50. 15 SOARES, Arbitragem Internacional- Introdução histórica, 1989, p.377 16 “Por razões históricas o Direito Romano se divide em: a) A realeza – período dos reis que se estende de 753 a 510 a.C.; b) A República, em que o rei sucede no poder consular, representado pelos cônsules, detentores do imperium a que encarnam a suprema magistratura, e que vai de 510 a 27 a.C.; c) Alto Império (de 27 a.C a 284 d.C), ou principado, que compartilha o poder com o Senado, período histórico que vai do reinado de Augusto até a morte de Diocleciano; d) Baixo Império (de 284 a 565 d.C), ou dominato, período histórico que vai da morte de Diocleciano até a morte de Justiniano, caracterizado pela concentração de poderes na figura do soberano. Ainda há que se considerar o período bizantino (565 a 1453 d.C.), em que se aplicam as regras justinianéias, modificadas e adaptadas à nova realidade do império”. CRETELLA JUNIOR, Jose. Curso de Direito Romano, Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 8-76 17 “Na Roma antiga a arbitragem precedeu a instituição da denominada justiça estadual. Segundo a tradição romana a justiça comum era privilégio de nobres e sacerdotes, sendo que esta situação permaneceu até a conflagração da República”. TORRES, Silvestre Jasson Ayres. Juízo arbitral – uma forma alternativa na solução dos conflitos. Revista Ajuris. Porto Alegre, v. 30, n. 92, 1974. p. 287. 18TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. Arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade da Corte Comunitária. Revista Jurídica. Porto Alegre. v.45. n.236. p.15-29. jun. 1997. p. 16.
24
Guido Fernandes Soares, quando aborda este tema, aduz que os
romanos muito contribuíram para a arbitragem entre particulares.
Os procedimentos de arbitragens para resolver disputas que hoje seriam internacionais, era totalmente incompatível com o espírito de dominação imperialista. Contudo, sua contribuição para a arbitragem entre particulares é da mais alta importância, pois aperfeiçoou o instituto e legou aos pósteros os grandes princípios de direito, que permitiriam fundarem-se no moderno direito internacional os institutos para soluções pacíficas de litígios entre particulares e entre Estados19.
Para Sidnei Beneti, a arbitragem, instrumentalizando a justiça no Direito
Romano, apresentava-se estruturada sobre duas formas distintas:
1. arbitragem voluntária, (Digesto Liv. IV, Título 8) pactuada contratualmente pelos contenedores e que prescindia da atividade jurisdicional; 2. arbitragem necessária, característica do período da ordom judiciorum privatorum, que na forma da legis actiones (Lei das XII tábuas, 450, a.C, até a Lex aebutia, 149 a.C) e especialmente, as legis Juliae (136 a.C), prevaleceu soberana e intocável, até que se extinguiu o período formulário e consolidou-se na cognitio extraordinária, com a supremacia da Justiça fornecida pelo Estado20.
Prossegue Beneti em seu magistério, aduzindo que, na modalidade da
arbitragem necessária, durante o período ordum judiciorum privatorum, o pretor
19 SOARES, 1989. p.377 20 BENETI, Sidnei Agostinho. A arbitragem: panorama da evolucao. LEX: Jurisprudencia dos Tribunais de Alcada Civil de Sao Paulo. v.27. n.138. p.6-13. mar./abr. 1993. p. 7.
25
concretizava a litisconstestatio e encaminhava os litigantes ao judex ou arbiter,
cidadão privado romano encarregado de decidir o litígio21.
Os tribunais arbitrais ou iudicium privatum eram providos de listas que
continham os nomes dos cidadãos, dentre os quais alguns poderiam ser
escolhidos como árbitros, que por sua vez, eram obrigados a aceitar a função de
dirimir o litígio e resolver questões oriundas de negócios jurídicos22.
Ainda neste período, o instituto arbitral aperfeiçoou-se com a prática,
sendo que Justiniano legislou em face dos costumes criados: o laudo arbitral não
seria mais exeqüível bona fide ou mediante a execução da penalidade, se esta
houvesse, e sim nas condições de terem as partes se obrigado a aceitar a
decisão do árbitro como indivíduo legitimado a cumprir este encargo. Previa-se
concomitantemente o procedimento jurídico para compelir a parte recalcitrante à
execução do laudo arbitral, gravame que mais tarde sofreria modificações, no
sentido de permitir a intervenção do magistrado na execução na hipótese da
existência de pena estipulada (stipulatio poenae) no compromisso ou cláusula
compromissória23.
1.4 Arbitragem na Idade Média
Ainda no dominato, tivemos o Império Bizantino (565 à 1453 d.C) que,
além da aplicação de regras justinianéias, adaptadas à nova realidade do império,
21Ibid., p. 7 22 Segundo assevera Pontes de Miranda, “[...] por onde se vê como se veio do árbitro para o juiz estatal”. MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, V.26, Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1971. p.318. 23 SOARES, 1989. p.379.
26
por força do cristianismo, ensejou a eclosão da jurisdição episcopal, de modo
análogo à arbitragem.
A Igreja, desde os seus primórdios, recomendava a seus seguidores
que expusessem seus conflitos perante os superiores de sua comunidade,
autoridade hierarquicamente organizada e fixada na figura dos bispos (ou nuntii
ou internuntii enviados pelo Papa)24. Vestígios da arbitragem moderna foram
detectados no período bizantino, a partir da previsão da regra do arbitrium boni
viri dos contratos consensuais do direito romano, em que a boa fé era a regra
fundamental, pareando-se com o instituto corpus civiles.
Segundo Taube25, existiam três fatores preponderantes para justificar o
sucesso da arbitragem na Idade Média: primeiro, a reiterada prática arbitral no
seio da Igreja Católica; segundo, a recorrência constante à solução das
arbitragens intermunicipais, como as que ocorriam na Grécia para solucionar
litígios de fronteira; por fim, o terceiro fator residia na concentração de poder nas
mãos do senhores feudais, nomeando-os árbitros para resolver questões
privadas.
A respeito da elevação dos senhores feudais à condição de árbitros,
Gianni Schizzeroto26 apontava quatro causas principais, quais sejam: a falta de
24FOUSTOUCOS, Anghelos C. L'Arbitrage interne et international en droit privé hellénique, Paris: Librairies techniques, 1976. p.7. 25 TAUBE, Michel de, Le origines de l’arbitrage internacional; Antiquité et Moyen Âge, em apud in Recueil des Cours de l’Academié de Droit International de La Haye, 1932, V.4º, T.42. 26 SCHIZZETOTO, Gianni. Dell Arbitrato, em apud, ANDRIGHI, Fátima Nancy. A arbitragem: solução alternativa de conflitos. Revista Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, n. 2, maio a agosto de 1996. p. 149
27
legislação; o excesso de rigor das poucas leis vigentes; a plena ignorância em
relação às garantias jurisdicionais; o poder mitigado dos Estados.
Na sociedade feudal, a arbitragem, bem como a mediação,
encontraram ambiente propício não só de caráter interno, como também externo,
graças, em boa parte, à atuação da Igreja Católica27.
Com a independência das cidades do norte da Itália e a intensificação
do comércio, a arbitragem passou a ser utilizada com maior freqüência, tanto que
contratos mercantis e marítimos previam cláusulas compromissórias para a
solução arbitral.
1.5. Arbitragem na Idade Moderna
Como registra Guido Soares, os italianos, excelentes mercadores,
dependiam de negociadores não apenas treinados, preparados para transportar
grandes quantidades de valores por caminhos desprotegidos, mas também
dotados de capacidade de comunicação em territórios estrangeiros, visando o
fortalecimento de seu comércio. A seleção e a formação de grupos armados
assalariados, a fim de proteger estes negociadores deu ensejo às primeiras raízes
27 NAZO, Georgette Nacarato. Arbitragem: um singelo histórico. Revista do Advogado. São Paulo. n.51. p.25-31. out. 1997. p. 25
28
do Estado moderno e veio a representar, com a instituição de exércitos
permanentes, os fundamentos da política exterior dos Estados modernos28.
Hugo Grotius29, considerado o fundador do direito internacional,
defende a existência, entre unidades políticas que então se formavam — os
Estados —, de um direito de criar suas estruturas, estabelecer seus princípios e
apontar os caminhos pelos quais se deveria prosseguir, objetivando evitar ações
bélicas, o que fica demonstrado por ocasião da assinatura dos Tratados de
Vestfália, retirando do Papa e do Imperador a autoridade de árbitros perpétuos
nas disputas políticas, bem como pontuando que soluções pacíficas de conflitos
se dariam consensualmente30.
Defendia Grotius que a arbitragem funcionava como instrumento hábil
para a consecução da paz. Em sua obra O Direito da Guerra e da Paz31, ele
expõe que existem três meios pelos quais se pode evitar que as controvérsias
não eclodam em guerra: o primeiro, recomenda o pensador, é entrar em contato;
o segundo meio, para aqueles que não têm nenhum juiz comum, é o
compromisso; e o terceiro consistiria na via da sorte. Ressalta ainda o autor uma
28 SOARES, 1989. p.382 29 “Hugo Grotius, holandês, jurista, foi considerado fundador do direito internacional, exerceu grande influência sobre o pensamento racionalista e iluminista do século XVII. Hugo Grotius (Huigh de Groot) nasceu em Delft, Países Baixos, em 10 de abril de 1583. Formou-se aos 15 anos pela Universidade de Leyden e, em 1598, editou a enciclopédia de Marciano Capela. Nomeado em 1599 advogado no Tribunal de Haia, em 1607 tornou-se advogado fiscal da província da Holanda e em 1613 pensionário (espécie de governador) de Rotterdam.Dentre seus trabalhos mais importantes destacam-se, De veritate religionis christianae 1622; (Sobre a verdade da religião cristã); e De jure belli ac pacis (1625; Sobre o direito de guerra e de paz), sua obra mais importante. Em 1634 a rainha Cristina designou-o embaixador da Suécia em Paris, posto que conservou até a morte. Grotius morreu num naufrágio perto de Rostock, Alemanha, em 28 de Agosto de 1645”. Disponível em <http://www.wikipédia.org/wiki/Grocius>. 30 SOARES, Guido. Arbitragem internaciona l-Introdução Histórica, 1989. p.384 e 385. 31 GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da paz, 2004. p.947.
29
gama de situações em que a arbitragem foi responsável por impedir a ocorrência
de guerras32.
Guido Soares menciona a existência de outras obras versando sobre as
soluções pacíficas de controvérsias existentes entre os Estados:
Emérica Crucé (O novo Cynée ou Discurso sobre as ocasiões e meios de estabelecer uma paz geral e a liberdade do comércio em todo o mundo- 1623), Sully (O Grande Desígnio- 1611/38), Willian Penn (Projeto para uma paz presente e futura -1693), do Abbé de Saint Pierre (Memória para tornar a paz perpétua na Europa 1713/16) e Jeremias Betntham (Projeto de paz universal permanente-1789). Outros, como Emmanuel Kant, dando-se conta da irrealizabilidade de uma sociedade de nações ou de formas federativas entre Estados, prognosticam ser um imperativo da razão a que os Estados se acerquem da realidade deste Foedus
32 Isócrates, em seu discurso contra Ctesífon, louva Filipe da Macedônia pelo que estava pronto a se amparar, por causa de todas as controvérsias que tinha com os atenienses, “no julgamento de alguma cidade imparcial entre as duas partes.” [...] Assim é que outrora os ardeatinos e os aricinos e, depois deles, os napolitanos e os nolanos recorreram para suas divergências à arbitragem do povo romano. Os samnitas, numa contestação com romanos, apelam a seus amigos comuns. Ciro toma por árbitro entre ele e o rei da Assíria, o rei das Índias. Os cartagineses, em suas divergências com masinissa, pedem juízes para evitar a guerra. Os próprios romanos, em Tito Lívio, chamam seus aliados comuns na divergência que têm com os samnitas. Filipe da Macedônia, em sua controvérsia com os gregos, diz que empregará a arbitragem dos povos em paz com uma e outra parte. Pompeu deu árbitros para regular suas fronteiras aos partas e nos armênios que os estavam pedindo. Plutarco diz que a principal tarefa dos sacerdotes feciais romanos havia sido de não permitir de chegar a guerra, antes que fosse extinta toda esperança de obter uma arbitragem. Estrabão diz a respeito dos druidas dos gauleses: Outrora eram árbitros, mesmo entre os beligerantes, e muitas vezes separaram os combatentes que avançavam uns contra os outros. O mesmo atesta que os sacerdotes cumpriam a mesma tarefa na Ibéria. [...] Os reis e os Estados são obrigados, sobretudo a entrar nessa via para evitar o emprego das armas. Se, para evitar serem julgados estranhos a verdadeira religião, certos árbitros foram constituídos pelos judeus e pelos cristãos e se isso foi prescrito por Paulo, quanto mais se deve fazer para evitar um mal muito mais considerável, ou seja, a guerra? Assim é que Tertuliano, sustentando que o cristão não deve empunhar armas, argumenta em algum lugar a respeito de que sequer lhe é permitido questionar, o que no entanto, segundo o que dissemos alhures (Livro I, Capítulo II, Parágrafo IX, 4), deve ser entendido com certa reserva. [...]Tanto para essa causa como para outras, seria útil, seria mesmo de algum modo necessário que haja certas assembléias das potências cristãs, onde as divergências de umas seriam eliminadas por aquelas que não teriam interesse no negócio e onde até medidas poderiam ser tomadas para forçar as partes a firmar a paz em condições justas. Diodoro e Estrabão nos ensinam que tal havia sido também outrora o uso dos Druidas entre os Gauleses. Lemos também que os reis francos deixariam aos grandes de seu Estado o julgamento sobre a divisão do reino. O segundo meio, entre aqueles que não têm nenhum juiz comum, é o compromisso. Tucídides diz, “É um crime tratar como inimigo aquele que está pronto a aceitar um árbitro. Assim é que Adrasto e Anfiaraus remetem a julgamento de Erifiles sua controvérsia sobre o reino de Argos, segundo relato de Diodoro. Três juízes lacedemônios foram escolhidos para se pronunciar sobre Salamina, entre os atenienses e os megarenses que reclamavam. [...] No mesmo Tucídides, que acabamos de citar, os corcirenses fazem saber aos coríntios que estão prontos a impetrar sua causa por aquelas cidades do Peloponeso sobre as quais existia um acordo. Aristides elogia Péricles pelo fato de que, para que a guerra fosse evitada, teria querido “convocar árbitros para terminar com as controvérsias”.
30
Amphictyinum, através de uma cooperação permanente e decidida entre si (Sobre a Paz Perpétua- 179533)(sic).
Tratando de Immanuel Kant34, em seu opúsculo A Paz Perpétua,
publicado no ano de 1795, o autor assinala que “é necessário que o direito público
seja fundado em uma federação de Estados livres, e que a organização mundial é
o fundamento da idéia moderna de paz”35. A proposta do filósofo, em síntese,
consistia na formação de uma “liga da paz” (foedus pacificum), que se distinguiria
de um tratado de paz (pactum pacis), por sua natureza permanente e pelo
desígnio de extinguir definitivamente a guerra. No quadro desta “federação de
nações soberanas”, todos os conflitos entre Estados seriam resolvidos pela
negociação e pela arbitragem legal36. Para Kant,
A concepção kantiana de uma paz perpétua graças a uma liga de Estados, que arbitrasse toda disputa e que, como poder reconhecido por cada Estado singular, pusesse fim a toda discórdia e, com isso, tornasse impossível a decisão por meio da guerra, pressupõe um acordo unânime dos Estados, que repousaria sobre razões e considerações morais, religiosas ou sejam quais forem, em suma, sempre sobre a vontade soberana particular e que, por essa razão, permaneceria de contingência37.
33 SOARES, Guido. Arbitragem internacional-Introdução Histórica, 1989. p. 384 34 Immanuel Kant ou Emanuel Kant (Königsberg, 22 de Abril de 1724 — Königsberg, 12 de Fevereiro de 1804) foi um filósofo prussiano, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, um representante do Iluminismo, indiscutivelmente um dos seus pensadores mais influentes. Kant teve um grande impacto no Romantismo alemão e nas filosofias idealistas do século XIX, tendo esta sua faceta idealista sido um ponto de partida para Hegel. 35 KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros opúsculos, (Trad.) Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 2004. p.64 36 Abrimos um parêntese para tecer uma breve consideração sobre a inspiração kantiana, no que se refere à criação da Liga das Nações, em 1919. Primeiro, há que se observar que seus patrocinadores não eram filósofos, porém estadistas; quanto à idéia de um governo mundial, esta foi limada sob o aço do realismo. Desta forma, ao invés de uma federação de nações, o que se obteve foi um diretório de grandes potências, representado pelo Conselho da Liga. A ONU, por sua vez, é resultado desse mesmo modelo. Na ONU, cumpre esclarecer que, como na sua antecessora, o que conta é o poder, e não a arbitragem legal. 37 NOUR, Soraya. A paz perpétua de Kant. Filosofia do Direito Internacional e das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Ed. Martins Fontes, 2003, p.18.
31
No que tange à solução pacífica de controvérsias, não podemos olvidar
da importância da evolução francesa na contextualização histórica do instituto da
arbitragem. Os Decretos de 16 e 24 de agosto de 1791 qualificam a arbitragem
entre particulares como “o meio mais razoável de terminar uma contestação entre
cidadãos”, e acrescentam: “os legisladores não poderão baixar nenhuma
disposição que tenda a diminuir, seja o favor, seja a eficácia do compromisso”. A
constituição de 03 de setembro de 1791 assevera que “o direito dos cidadãos de
terminar definitivamente suas contestações pela via da arbitragem, não pode
sofrer qualquer lesão pelos atos do Poder Legislativo”38.
Em 1794, ao ser firmado o Tratado Jay de amizade, comércio e
navegação entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha é que ressurge
efetivamente o procedimento de solução pacífica de controvérsia internacional,
generalizando a prática da instituição do superárbitro, chefe de Estado, e das
comissões mistas, compostas por árbitros em números ímpares, nacionais de
ambas as partes, dispondo das seguintes atribuições: fixação da identidade do rio
Santa Cruz; pagamento de credores ingleses cuidando das presas marítimas39.
Desarticulado o sistema internacional da paz de Vestfália, o Congresso
de Viena reuniu-se em 1815 para rever as condições de paz na Europa e redefinir
as relações internacionais. Quaisquer decisões que comprometessem o equilíbrio
da Europa deveriam ser creditadas às grandes nações da época — França,
Inglaterra, Rússia, Prússia e Império Austro-Húngaro40.
38 SOARES, 1989. p. 385. 39 NAZO, 1997. p.26 40 SOARES, 1989. p. 386.
32
A diplomacia tornou-se serviço público do Estado e não mais mero
serviço pessoal prestado ao governante e teve suas atribuições normatizadas
durante o Congresso de Viena de 1815, complementadas em 1818 pelo Protocolo
de Aix-la-Chapelle, que preconizava a aliança entre os Estados e o
aperfeiçoamento das técnicas de soluções pacíficas de controvérsias41.
Depois de 1872, situações de beligerância entre Estados, que poderiam
culminar em Guerra, foram resolvidas por intermédio da arbitragem, como o caso
do Alabama:
O caso Alabama, navio sulista armado na Inglaterra, com abstenção complacente desta, e que causara sérios danos aos navios mercantes que mostrassem simpatia pela causa dos nortistas, no curso da Guerra da secessão nos EUA (arbitragem, em 1872, que reconheceu as reclamações dos EUA contra a violação da neutralidade por parte da Inglaterra, e foi resolvida por um Tribunal arbitral reunido em Genebra, com os árbitros indicados pelo Presidente dos EUA, a rainha da Inglaterra, o rei da Itália, o Presidente da Confederação Suíça e o Imperador do Brasil, que nomeou o Visconde de Itajubá, na época enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Império brasileiro em Paris); o litígio entre os mesmos países, a propósito de focas de pele no mar de Bering (1893) e o litígio sobre a fronteira dos Andes entre Argentina e o Chile (1902). Na época, o Brasil funcionou como árbitro, ainda, em casos de reclamações mútuas franco-americanas (1884), reclamações da França, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha etc., contra o Chile (1882/1887)42.
41 ibid., p. 386. 42 SOARES, 1989. p.386 - 387
33
2. A Corte Permanente de Arbitragem
A Conferência de Paz de Haia, em 1899, marcou a história da
arbitragem internacional. O principal objetivo da conferência que reuniu 26
Estados foi discutir soluções pacíficas de controvérsias; aquelas tratavam não
somente da arbitragem, mas também de outros métodos de resolução pacífica,
tais como os bons ofícios e a mediação.
Com respeito à arbitragem, a Convenção de 1899 previa a criação de
um sistema permanente. Esta instituição, conhecida como a Corte Permanente de
Arbitragem, consiste essencialmente num conjunto dos juristas designados por
cada país signatário da Convenção, tendo direito a designar até quatro nomes,
entre os quais poderiam ser incluídos os membros do tribunal arbitral.
A Convenção, além disso, criou um Escritório permanente situado em
Haia, com as funções correspondentes àquelas de um cartório da corte ou de um
secretariado, e estabeleceu um conjunto de regras de procedimento para reger a
conduta das arbitragens.
A Corte Permanente de Arbitragem foi estabelecida em 1900 e
começou a operar em 1902. Alguns anos mais tarde, em 1907, numa segunda
Conferência de Paz de Haia, à qual os Estados da América Central e do Sul
foram também convidados, a Convenção foi revisada e as regras que conduziam
os procedimentos arbitrais aperfeiçoadas.
34
Destaque-se em especial, por ocasião da II Conferencia de paz de Haia
de 1907, o discurso do delegado do Brasil no evento, Dr. Rui Barbosa, trazendo
grande contribuição no que tange à defesa do princípio da igualdade de direito
dos Estados, centrando o objeto de seu trabalho nos comentários sobre a criação
da Nova Corte Permanente de Arbitragem43.
A Corte Permanente de Arbitragem, que em 1913 teve sua sede fixada
no "Palácio da Paz", contribuiu positivamente para o desenvolvimento do Direito
Internacional. Atualmente, dela participam 82 membros. Entre os casos que foram
decididos através dos recursos de sua máquina, pode-se mencionar o caso
"Carthage" e "Manouba" (1913), a respeito da apreensão de embarcações, o caso
da Fronteira do Timor (1914) e o caso da Soberania sobre as Ilhas de Palmas
(1928).
3. Arbitragens entre Estados no Sistema da Liga das Nações
Depois da I Guerra Mundial, a arbitragem entre Estados passou a ser
regulamentada pelo Ato Geral de Arbitragem assinado em Genebra em 192844.
Dentre suas disposições mais relevantes na hipótese de conflito de
interesses entre os Estados está o recurso a uma comissão mista de conciliação
que, se vier a resultar em fracasso, importará na solução do litígio via arbitragem,
caso a matéria de contenda tenha conotação política; se a conotação do litígio for
43 MIALHE, Jorge Luiz; POMPEU, Ângela Vânia. Documento Histórico: O discurso de Rui Barbosa no encerramento da Conferência de Paz de Haia de 1907. in Direito das relações internaiconais – Ensaios históricos e jurídicos, MIALHE, Jorge Luiz (Org.) Campinas: Millennnium, 2006. p. 201-214. 44 O Ato geral de Arbitragem, assinado em Genebra, em 1928, “constitui um verdadeiro código de procedimentos internacionais concernente, malgrado seu nome, não só à arbitragem, mas ainda à conciliação
35
jurídica, a resolução dar-se-á por julgamento pela Corte Permanente de Justiça
Internacional 45.
Segundo consta do artigo 14 do referido Pacto, ficou estabelecida a
criação de um tribunal internacional de âmbito mundial para a solução pacífica de
controvérsias entre os Estados, contudo, sem o reconhecimento, de per se, de
sua jurisdição por alguns Estados. Uma cláusula aditada posteriormente ao Pacto
faculta a adoção da jurisdição automática da Corte, o que evidencia até os dias de
hoje, duas situações: a jurisdição automática da Corte na hipótese de as partes
envolvidas num litígio reconhecerem a competência obrigatória da mesma; e a
jurisdição instituída via compromisso, que reconhece e delimita a jurisdição da
corte, possível entre os Estados signatários da cláusula, de um lado, e, de outro,
Estados não signatários.
Um marco representativo para a história do instituto arbitral na década
de 20 foi a assinatura do Pacto Briand-Kellogg, de 1928, em que os países
signatários se comprometiam em recorrer à arbitragem da Sociedade das
Nações, como forma de solução de suas controvérsias, renunciando, assim, ao
emprego da força.
No que tange à arbitragem, foram estes os documentos internacionais
de maior importância assinados no período de entre-guerras, a saber: O Protocolo
de Genebra, de 24 de setembro se 1923; A Convenção de Genebra, de 26 de
e ao recurso judicial”. COLLIRAD, Claude Albert. Institutions des relations internationales, 6. éd. revue, complétée et mise à jour, Paris: Dalloz, 1974. p. 53 (trad. livre). 45 SOARES, 1989. p. 390.
36
setembro de 1927, que tratava da execução de sentenças arbitrais estrangeiras; e
o Protocolo de Genebra, de 24 de setembro de 1927, relativo à cláusula arbitral.
Em se tratando do Protocolo Relativo às clausulas de arbitragem,
celebrado em 1923, em Genebra, sob a coordenação da Liga das nações,
durante o período de entre-guerras, existiu um grande movimento de unificação
dos ordenamentos jurídicos internos dos Estados46.
4. Convenção de Nova York, de 1958
Em razão do crescimento do Comércio Internacional, após o fim da
Segunda Guerra Mundial, fez-se premente que se realizasse uma revisão na
Convenção de Genebra de 1927, visto que esta, nos dizeres de René David47,
demonstrava-se de processo limitado.
Foi neste contexto que a Câmara do Comércio Internacional (CCI),
sediada em Paris, buscando encontrar um projeto que substituísse o Protocolo e
a Convenção de Genebra, em 1953 apresentou à ONU um projeto de Convenção
para Execução das Sentenças Arbitrais Internacionais48. E foi exatamente esse
projeto que, após aperfeiçoamento, e sob os auspícios das Nações Unidas,
resultou na Convenção de Nova York, de 10 de julho de 1958.
46 Citem-se como exemplos as Convenções de Genebra, de 07 de junho de 1930, referente à lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias; a Convenção de 19 de março de 1931, para adoção de lei uniforme sobre cheques; e as Convenções aprovadas pela Organização Internacional do Trabalho, que editava normas uniformes para as questões trabalhistas. 47 DAVID, René. L'arbitrage dans le commerce international, Paris: Economica. 1982. p. 78 48 LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. Lei - modelo de arbitragem comercial internacional, Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n.60, p.66-82, out./dez. 1985. p.67
37
Constituída por dezesseis artigos, a Convenção de Nova York é
considerada a mais importante das Convenções internacionais multilaterais sobre
o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras.
Aliás, é oportuno que se esclareça sobre a grande influência que os
documentos internacionais exercem sobre o reconhecimento e a execução das
decisões alienígenas em um mundo globalizado. Para tanto, trazemos à baila o
pensamento de Vicenzo Vigoritti:
[...] Essas normas convencionais promoveram, sobretudo, uma tendência à uniformização dos sistemas de homologação e atribuição de eficácia na comunidade internacional, hoje geralmente orientada no sentido de favorecer o inserimento quase que automático dos provimentos estrangeiros nos diversos sistemas jurídicos. Deu-se, portanto, uma verdadeira inversão do que sucedia anteriormente, fazendo da exceção a regra, apresentando-se as normas referidas como o futuro da disciplina em tema de homologação e eficácia dos provimentos estrangeiros.
Teoricamente falando, como bem acentua Adriana Noemi Pucci49,
existem apenas duas maneiras de conseguir superar as dificuldades tão
freqüentes em matéria de arbitragem comercial, a saber:
a. a uniformização ou, no mínimo, harmonização das leis em matéria de comércio
internacional;
b. a solução dos conflitos mediante adoção de Convenções, de âmbito mundial
ou regional, que estabeleçam normas básicas em matéria de arbitragem
comercial internacional. Normas estas que sejam capazes de incorporar-se ao
49 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial internacional, (Coord.) São Paulo: LTr, 1998. p.34.
38
Direito Interno de cada país, por intermédio da ratificação, da aceitação ou da
aprovação.
A convenção de Nova York, em apertada síntese, representa essa
tentativa de harmonização de leis em matéria de execução de sentenças arbitrais
estrangeiras; cumpre dizer que a mesma já foi ratificada por inúmeros países50, e
dentre eles está o Brasil.
Em virtude do teor da Convenção de Nova York de 1958, “[...] Os
Estados Signatários comprometem-se a respeitar o caráter obrigatório das
sentenças arbitrais, nos termos das normas processuais dos respectivos foros”51.
Na data de 10 de junho de 1998 realizou-se, na sede da ONU em Nova
York, um colóquio para comemorar o quadragésimo aniversário da Convenção, ali
foram discutidas propostas para reduzir os fundamentos para recusar
reconhecimento e executoriedade às sentenças arbitrais e, ainda, entregar o ônus
da prova da existência de um ou mais desses fundamentos para a parte contra a
qual a execução fosse dirigida52.
5. Lei Modelo sobre Arbitragem – UNCITRAL
50 No ano de 2000, a Convenção de Nova York já havia sido ratificada por 120 países, dentre eles a Argentina (Lei nº23.619), o Uruguai (Decreto-Lei 15.229 de dezembro de 1981) e pelos Estados Associados do Mercosul, o Chile (Decreto-Lei n. 1.095, de julho de 1995) e Bolívia (Lei n. 588, de agosto de 1994). Conforme expresso por CAIVANO, Roque J.. Reconocimiento y Ejecución de laudos arbitrales estrangeros. In, PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Arbitragem Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1998. p.160. 51 Convenção de Nova York de 1958, Lei Modelo da UNCITRAL. 52 Publicação da United Nations: Enforcing Arbitration Awards under the York Convention – Experience and Prospects, 1999, p.17
39
Foi também em busca de harmonização, que surgiu a UNCITRAL,
sigla da United Nations Commission on International Trade Law, também
conhecida pela sigla francesa CNUDCI (Comission des Nations Unies Pour le
Droit du Commerce International).
Consiste a Uncitral em um órgão da ONU — por esta criado em 1966,
por intermédio dos estudos de grupos de trabalho e com a participação de
especialistas internacionais — que, em 1976, editou a Lei Modelo sobre
Arbitragem (Model-Law), para servir de parâmetro a legislações nacionais53.
O principal escopo da Lei-Modelo encontra-se exposto em seu artigo
8º, assim descrito: “... a comissão desenvolverá a harmonização progressiva, e a
unificação da lei de comércio internacional [...] preparando ou promovendo
adoção de novas convenções internacionais, leis modelo e leis uniformes”54.
6. Histórico dos Tratados e Convenções sobre Arbitragem na América Latina
Desde o Tratado de Lima, de 1877, a arbitragem internacional encontra-
se presente na América do Sul. Contudo, o primeiro documento regional que
disciplina o instituto arbitral internacional é o Tratado de Direito Processual Civil
de 1889, firmado em Montevidéu entre Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru e
Uruguai.
53 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Arbitragem institucional. Doutrina ADCOAS , Rio de Janeiro, v. 5, n.3, p. 75-76, mar. 2002. p. 76 54 PUCCI, Adriana Noemi (coord.). Arbitragem Comercial Internacional. São Paulo: LTr, 1998, p.34.
40
Por ocasião de seu cinqüentenário, no ano de 1940, o Tratado foi
revisto. Porém, quer em 1889, quer em 1940, não foi firmado pelo Brasil, de modo
que a revisão do diploma somente vinculou os países da Bacia do Prata, quais
sejam, Argentina, Uruguai e Paraguai55.
A seguir, realizaram-se os Congressos Bolivarianos, em memória a
Simón Bolivar, que reuniram os Estados do noroeste sul-americano, até que teve
início, em Washington, a Primeira Conferência Panamericana (1889/1890),
seguindo-se-lhe várias reuniões durante a primeira metade do século XX56.
Após um ciclo de encontros, houve a Sexta Conferência, realizada em
Havana, em 1928. Dela resultou a Convenção de Havana, também denominada
Código Bustamante, em homenagem a seu idealizador, o jurista cubano Antonio
Sanchéz de Bustamante y Sirvén. A mesma foi firmada por diversos Estados
americanos57, tendo por escopo a uniformização das regras de Direito
Internacional Privado em matéria civil, comercial, criminal e processual.
O Código de Bustamante, em seus artigos, 210 e 211,58 prevê a
aplicação da lei territorial do país (lex fori), no que diz respeito tanto à
arbitrabilidade da controvérsia como à extensão e aos efeitos do compromisso
55 SILVA, Vera Lúcia Corrêa. Centro Brasileiro de Documentação e Estudos da Bacia do Prata. CEDEP-UFRGS. Disponível em < www.cedep.ifch.ufrgs.br.> Acesso em 03/02/2007. 56 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira, Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 473. 57 Peru, Uruguai, Panamá, Equador, México, Salvador, Guatemala, Nicarágua, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Honduras, Haiti, Costa Rica, Chile, Brasil, Argentina, Paraguai, República Dominicana, Estados Unidos, e Cuba. 58Art. 210. “São territoriais as disposições que proíbem transigir ou sujeitar a compromissos determinadas matérias”. Art. 211. “A extensão e efeitos do compromisso e a autoridade de cousa julgada da transação dependem também da lei territorial”.
41
arbitral. Já em seu artigo 43259, estabelece a execução de sentenças proferidas
por tribunais estrangeiros (dos Estados contratantes) e de decisões proferidas por
árbitros.
O movimento codificador do Direito Internacional Privado na América
Latina, depois do período das grandes codificações acima mencionadas, teve
novo impulso a partir do labor da Organização dos Estados Americanos (OEA),
através das Conferências Interamericanas Especializadas em Direito Internacional
Privado (CIDIPs). Logo na primeira conferência, realizada no Panamá, em 1975,
foi assinada a Convenção sobre Arbitragem Comercial Internacional, como
resposta do continente americano à Convenção de Nova York, de 1958, sua
grande fonte inspiradora. Na segunda conferência, realizada em Montevidéu, em
1979, foi celebrada a Convenção sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e
Laudos Arbitrais Estrangeiros, cujas normas são aplicáveis supletivamente às da
Convenção do Panamá60.
Durante certo período, a Convenção do Panamá representou avanço
em relação ao regramento internacional vigente em alguns países latino-
americanos, pois reconhecia expressamente a validade e a eficácia da cláusula
compromissória, na esteira do artigo II da Convenção de Nova York, quando isso
ainda era um problema real nos direitos internos desses países. Assim, por
exemplo, era o caso de Brasil, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Panamá,
Paraguai, Uruguai e Venezuela, que primeiro se tornaram membros da
59 Art. 432. “O processo e os efeitos regulados nos artigos anteriores serão aplacados nos Estados contratantes ás sentenças proferidas em qualquer deles por árbitros ou compositores amigáveis, sempre que o assunto que as motiva possa ser objeto de compromisso, nos termos da legislação do país em que a execução se solicite”. 60 ARAÚJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira, 2006. p.475
42
Convenção do Panamá e somente muitos anos depois aderiram à de Nova York.
Além disso, em relação à sua fonte inspiradora, a Convenção do Panamá dispôs
de forma mais abrangente sobre o instituto, cuidando da nomeação dos árbitros,
da escolha da lei aplicável e das regras da arbitragem61.
Apesar de hoje possuírem papel secundário, em especial no Brasil,
após a ratificação da Convenção de Nova York em 2002, sua importância não
deve ser negligenciada, quer sob o aspecto histórico, quer sob o ponto de vista
prático, eis que, mesmo prevalecendo, no caso concreto, a utilização desta última,
a Convenção do Panamá poderá servir como regra subsidiária naquelas áreas em
que a Convenção de Nova York não possui disposição específica a respeito.
É possível afirmar que a ratificação dessas duas convenções
interamericanas abriu caminho para a plena aceitação da Convenção de Nova
York no Brasil, que experimentava forte resistência à sua aprovação desde os
anos cinqüenta, como se verifica dos pareceres emitidos sobre a matéria pela
Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores.
Já em referência à Convenção de Nova York, podemos dizer que esta
obteve um êxito sem precedentes perante a comunidade internacional e, levando
em consideração o número de Estados que aderiram, é atualmente o documento
mais importante sobre a matéria.
61 KLORM, Adriana Dreyzin de. El Protocolo sobre Cooperación y Asistencia Jurisdiccional en Materia Civil, Comercial, Laboral y Administrativa con particular referencia al reconocimiento y ejecución de sentencias y laudos arbitrales. Revista de Derecho del MERCOSUR. Ano 4, n. 2, abril, 2000. p. 93.
43
De um modo geral, a arbitragem na América Latina foi muito estimulada
nas últimas duas décadas do século XX, contando com notável influência do
processo de liberalização econômica e de desestatização que, em diferentes
graus de profundidade, tocou os países do continente.
7. Arbitragem – Conceito
Denomina-se arbitragem a via de solução de controvérsias alternativa
ao sistema jurisdicional estatal, na qual se atribui a função de decisão do conflito
a um ou mais árbitros escolhidos pelas partes, que deverão realizar seu trabalho
pautados por regras e procedimentos por estas autorizados.
Tem a arbitragem o mesmo escopo que o processo judicial: dirimir
conflitos e choques de idéias. Contudo, existem muitos pontos de diferença em
seus métodos e na sua dogmática, pois, antes de qualquer coisa, a arbitragem
consiste em ser sistema pacífico de solução de controvérsias, destituído da alta
litigiosidade que vem caracterizando cada vez mais a jurisdição oficial62.
Partindo desta concepção, há que se notar que esta é uma forma de
solução de conflitos de interesses completamente independente do processo
judiciário e da respectiva jurisdição pública 63.
62 ROQUE, Sebastião José. A arbitragem implanta-se enfim no Brasil. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo. v.4. n.11. p.375-80. jan./mar. 2001. p. 191. 63 KERNALEGUEN, Francis. Institutions judiciales, Paris: Ed. Litec, 1994. p. 121
44
Pode-se dizer que a arbitragem é uma “Justiça Privada”, com funções
análogas às da Justiça Pública. Há quem afirme que, na arbitragem, convém às
partes “criar” o seu próprio “juiz” 64.
Conforme será visto a seguir, apesar de existirem vários conceitos
diferentes a respeito da arbitragem, é notório que muitos autores concordam
acerca das principais características que a definem. Assim, é demasiado oportuno
citar aqueles que julgamos elucidativos para nosso estudo.
O jurista peruano Carlos Alberto Matheus Lopez65 assim conceitua a
arbitragem:
Arbitraje es una institución jurídica heterocompositiva, em virtud de la cual una tercera persona, objetiva e imparcial, nombrada por las partes mediante convenio, resuelve en base a una potestad especifica el conflicto ínter subjetivo de intereses jurídicos, en caso e ser la materia susceptible de libre disposición por las personas afectadas por la discrepancia.
Cretella Junior66, por sua vez, ao definir o instituto, preleciona que
Arbitragem é um sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhe a pendência anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.
64 DOMINIQUE, Blanco. Nogocier et rédiger un contrat internacional, Paris: Dunod Entreprise, 1993. p. 47 65 LOPEZ, Carlos Alberto Matheus. Breves alcances sobre el derecho de arbitraje peruano. Revista de Derecho de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad de Concepcion. Concepcion. v.59. n.210. p.71-94. jul./dic. 2001. p. 69. 66 CRETELLA JUNIOR, Jose. Da arbitragem e seu conceito categorial, 1998. p.128.
45
Merece destaque, também, o posicionamento de René David67, para
quem a arbitragem
[...] é a técnica que visa dar solução de questão interessando às relações entre duas ou várias pessoas, por uma ou mais pessoas – o árbitro ou os árbitros – as quais têm poderes resultantes de convenção privada e decidem, com base dessa convenção, sem estar investidos dessa missão pelo Estado.
Por fim, citamos a definição do instituo arbitral nas palavras de Carlos
Alberto Carmona68:
[...] É o meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo, com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial.
Pelas definições acima reproduzidas, podemos perceber a presença
de dois elementos nucleares na arbitragem: o caráter privado do juízo arbitral e a
natureza voluntária do instituto. Ao enfatizar-se o primeiro elemento, pode-se
caracterizar a arbitragem como justiça privada em contraposição à justiça pública,
ao passo que, dando-se premência ao segundo elemento, há que se concluir que
67 DAVID, René. L’arbitrage dans le commerce internacional. Paris: Econômica, 1982. p.9 68 CARMONA, Carlos A. Arbitragem e processo: Um comentário a Lei n. 9.307. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p.47
46
a arbitragem se constitui em um procedimento de autocomposição, contraposto
ao procedimento de autotutela 69.
Urge salientar ainda que, na condição de sistema de solução de
controvérsias, desde que não excluída expressamente pela legislação, presta-se
a arbitragem tanto para dirimir o mais simples dos conflitos pessoais, como
também para solver o mais complexo litígio empresarial ou estatal 70.
Por conseguinte, resta-nos, neste tópico do trabalho, classificar a
arbitragem quanto à sua modalidade. Consta que a mesma se pode apresentar
de forma geral ou detalhada pelas partes. Quando as partes organizam a
arbitragem na medida de suas necessidades e cuidam de todos os detalhes para
a eficácia do laudo, tem-se a arbitragem ad doc. Assim sendo, o regulamento
estabelecido pelas partes diz respeito apenas e unicamente àquele caso
determinado. A segunda modalidade, cognominada arbitragem institucionalizada,
alude ao uso que as partes fazem de uma instituição que possui seu próprio
regulamento e que mantém uma lista de árbitros já designados 71.
69 MAGANO, Octavio Bueno. Arbitragem. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo. v.81. p.31-40. jan./dez. 1986. p 31. 70 STRENGER, Irineu. Noções Básicas, in Arbitragem Comercial Internacional (Coord.) PUCCI, Adriana Noemmi, São Paulo: LTr, 1998. p.34. 71 LOPEZ, Carlos Alberto Matheus. Breves alcances sobre el derecho de arbitraje peruano. Revista de Derecho de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad de Concepcion. Concepcion. v.59. n.210. p.71-94. jul./dic. 2001. p.77. No mesmo sentido, BASSO, Maristela. A revitalização da arbitragem no Brasil sob um enfoque realista e um espírito diferente. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo. v.35. n.103. p.15-24. jul./set. 1996.p.21.
47
Logo, podemos afirmar que a arbitragem institucional individualiza-se
pela presença de uma instituição a qual as partes se responsabilizam por
organizar, administrar e controlar em todos os seus aspectos 72.
8. Arbitragem Interna e Internacional
É certo que estão distribuídos por várias ordens os critérios utilizados
para aferir a nacionalidade da arbitragem, dentre eles: o lugar onde o tribunal
arbitral tem sede, o critério da proximidade, a nacionalidade ou domicílio das
partes envolvidas, etc. Cabe a cada Estado eleger qual dos critérios será adotado
e aplicado por sua legislação.
Neste diapasão, Ricardo Hernan Sandoval Lopez73 pontua que
El carácter nacional de un arbitraje se determina considerando fundamentalmente la concurrencia de dos factores: el lugar donde se ha desarrollado el procedimiento y se ha dictado la sentencia y la legislación estatal aplicable a las cuestiones de procedimiento. El arbitraje tendrá el carácter extranjero cuando no concurran los mencionados factores, es decir, cuando el
72 Complementando o assunto, trazemos à baila o pensamento de José Albuquerque Rocha que, ao distinguir a arbitragem ad hoc da arbitragem institucionalizada, assim disserta: “Mesmo não contendo nenhuma espécie de disposição específica sobre a arbitragem institucional, a lei estabelece uma preferência por ela, como se deduz da interpretação do artigo 13, parágrafo 3º, dentre outros, em que fixa um regime legal diferente quanto a nomeação dos árbitros, conforme estes sejam designados pelas partes ou por uma instituição. No primeiro caso, se as partes não chegaram a um acordo sobre a designação dos árbitros, deverão recorrer ao Judiciário para resolver a pendência. No segundo caso de designação dos árbitros por uma instituição, não haverá necessidade de recurso ao Judiciário na hipótese de desacordo das partes, uma vez que a lei autoriza o regulamento da instituição a prever a solução para todos os possíveis casos de divergências. Ou seja, na arbitragem institucional, em havendo desacordo sobre a designação dos árbitros, a lei implicitamente outorga a instituição o poder de solucioná-lo, o que não acontece na arbitragem ‘ad hoc’ em que as partes têm de pedir a solução ao Judiciário”. ROCHA, José Albuquerque. Instituições Arbitrais. in, Estudos sobre mediação e arbitragem. Coord. Lília Maia de Moraes Sales. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2003. p 97. 73 LOPEZ. Ricardo H. S. Arbitraje comercial internacional. In: Revista de Derecho da Universidad de Concepción. Nº 206. Ano LXVII, Julio-diciembre 1999. p. 103.
48
lugar donde se ha desarrollado el procedimiento y dictado la sentencia es diferente del Estado de que se trata, como asimismo cuando la legislación que se ha aplicado al procedimiento es distinta de la de ese Estado.
Para Sálvio de Figueiredo Teixeira74, o que convém chamar arbitragem
internacional hodiernamente é aquela destinada a produzir efeitos no exterior, na
medida em que as partes protagonistas pertencem a Estados diversos, ou o litígio
havido entre elas ocorre em território de países diversos.
Guido Fernando da Silva Soares, por seu turno, assevera que:
a arbitragem nacional possui as seguintes características: há incidência, sobre todo fenômeno, tomado como unanimidade, das leis de um único sistema jurídico e a inexistência de conflito de jurisdição internacional e se houver necessidade de se buscar socorro do Poder Judiciário, na fase da execução compulsória da sentença arbitral (homologação do laudo arbitral, para torná- lo título executório) ou na fase de eventuais medidas coercitivas, antes ou durante o procedimento arbitral. Na arbitragem internacional, embora uma unidade, suas partes são reguladas por leis diversas, de diferentes sistemas jurídicos. Ocorre, aí, um fenômeno interessante: são despedaçados, para os efeitos de cada pedaço ser regido por uma lei definida (é o déspeçage ou morcellement do direito francês, ou splitting up da Common law) 75.
74 TEIXEIRA, Sálvio de. Arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade da Corte Comunitária. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 45, n. 236, p. 15-29, jun. 1997. 75 Outra questão relevante levantada por Guido Soares a respeito da nacionalidade da arbitragem reside nas seguintes afirmações: “a arbitragem interna é regida pelas leis de um único sistema jurídico, ao passo que a arbitragem internacional envolve o um fenômeno interessante: seu despedaçamento. Embora uma unidade, suas partes são reguladas por leis diversas, de diferentes sistemas jurídicos. Tal fenômeno é comum nos contratos internacionais, em que são despedaçados. (é o dépeçage ou morcellement do Direito francês, ou splitting up da Common Law), para os efeitos de cada pedaço ser regido por uma lei definida”. SOARES, Guido Fernando Silva. Arbitragens comerciais internacionais no Brasil: vicissitudes. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.78. n.641. p.29-57. mar. 1989. p. 34.
49
Contudo, a maioria das legislações dos países integrantes do Mercosul
não trata da diferenciação entre arbitragem doméstica e internacional.
Assim ocorreu com o legislador brasileiro, ao conceber a Lei 9.307, de
23 de setembro de 1996, que, no artigo 34, configura laudo arbitral estrangeiro o
laudo produzido fora do território nacional, ou seja, é o local onde foi proferido o
laudo que lhe caracteriza a nacionalidade. Desta feita, deixou assim a lei
brasileira de distinguir a arbitragem internacional da estrangeira, distinção esta
que se faz relevante quando se leva em consideração que a ordem pública
nacional e a internacional regem-se por princípios, não raras vezes,
significativamente destoantes.
Inegável é que nem sempre distingui-las é uma tarefa fácil; no entanto,
é possível afirmar que a arbitragem estrangeira soluciona uma controvérsia
subordinada integralmente a uma norma jurídica nacional determinada, onde
todos os elementos constitutivos da controvérsia estão adstritos a essa mesma
ordem. Logo, se um contrato regido pela lei argentina, que tem por objeto um bem
situado na Argentina, bem como possui partes ali também domiciliadas, estamos
diante de um contrato nacional, e a arbitragem que solucionar o conflito será, por
conseqüência, nacional. Contudo, será estrangeira para os outros países. No que
concerne à arbitragem internacional, sua serventia é a de dirimir conflitos de
caráter internacional, seja em função do domicílio distinto das partes, seja em
virtude do objeto do contrato situar-se em outra ordem jurídica, neste caso a
50
relação jurídica controvertida, embora possa ser orientada por uma lei nacional,
envolve mais do que uma ordem jurídica nacional 76.
Observe-se que a arbitragem estrangeira e a internacional interligam-se
com ordens públicas caracteristicamente distintas.
Esta é uma circunstancia que merece críticas, pois adverte-se que,
caso as partes não tenham escolhido a lei aplicável, não se sabe ao certo a quais
normas jurídicas ou ordenamento jurídico os árbitros deverão recorrer 77.
Enfatizando a relevância da distinção entre arbitragem doméstica e
internacional, destacamos o pensamento de Irineu Strenger 78 que, ao elogiar a lei
modelo da UNCITRAL, dispõe:
Deve admitir-se, outrossim, que um dos aspectos dignos de nota é a divisão que se faz entre arbitragem internacional e a doméstica. Esse desenvolvimento é concretamente fundamental. Se não se admitisse a validade dessa divisão, seria muito difícil lograr-se a tão almejada harmonização das normas e costumes do comércio internacional, como também superar os conflitos de leis oriundas de diferentes sistemas jurídicos. Normalmente a regulamentação internacional tende a ser mais liberal que a doméstica [...]. É essencial que se tenha duas condutas autônomas: uma para a arbitragem doméstica e outra para arbitragem internacional 79.
76 MAGALHAES, Jose Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.86. n.740. p.116-27. jun. 1997. p.120 77 TIBURCIO, Carmem. A lei aplicável às arbitragens internacionais, in Reflexos Sobre Arbitragem. in memória do Desembargador Claudia Vianna de Lima, (Coord.) Pedro A. Batista Martins e José Maria Rossani Garcez. São Paulo: Ed. LTr, 2002. p. 94 78 STRENGER, Irineu. Noções Básicas, in Arbitragem Comercial Internacional, (Coord.) PUCCI, Adriana Noemmi, São Paulo: LTr, 1998. 79 SOARES, Guido. Arbitragens comerciais internacionais no Brasil – Vicissitudes, 1984, p. 33.
51
Aliás, é exatamente na Lei Modelo da UNCITRAL (United Nations
Commission for International Trade Law80), datada de 21 de junho de 1985, que
encontramos importantes diretrizes para nos pautarmos quando tratamos o tema
da nacionalidade da arbitragem.
Uma arbitragem é internacional se:
a). as partes numa convenção de arbitragem tiverem, no momento da
conclusão desta Convenção, o seu estabelecimento em Estados
diferentes;
b). um dos lugares a seguir referidos estiver situado fora do Estado no
qual as partes têm o seu estabelecimento:
i) o lugar da arbitragem, se este estiver fixado na Convenção de
arbitragem ou se for determinável de acordo com esta;
ii) qualquer lugar onde deve ser executada uma parte substancial das
obrigações resultantes da relação comercial ou o lugar com o qual o
objeto do litígio se ache mais estreitamente conexo; ou
c) se as partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da
Convenção de arbitragem tem conexão com mais de um país.
Dentro desta perspectiva, mais uma vez invocamos Irineu Strenger para
concluirmos que “a arbitragem será considerada internacional quando as partes,
em acordo arbitral, estipularam que certa lei se aplica em lugar da lei nacional
sobre a arbitragem doméstica, estabelecido que sua relação envolve interesses
do comércio internacional”81.
80 Site UNCITRAL 81 STRENGER, Irineu. Noções Básicas, in Arbitragem Comercial Internacional, (Coord.) PUCCI, Adriana Noemi, São Paulo: LTr, 1998. p. 22.
52
CAPÍTULO II
MERCOSUL
1. Formação e Constituição
Antes de adentrarmos o objeto central de nossa investigação, faz-se
imperioso, preliminarmente, tecer algumas considerações, ainda que sucintas,
sobre a formação e a constituição do Mercosul.
53
Da breve pesquisa que realizamos sobre o tema, pudemos verificar que
o sonho de integração da América Latina já se fazia presente muito antes da
constituição do Mercosul, tal como se conhece hoje.
Vários foram aqueles que se engajaram na idealização e na formatação
de um projeto de integração regional para a América Latina, dentre eles, Simón
Bolívar (1783-1830) que, na primeira metade do século XIX, em virtude dos vários
fatores comuns, como a origem, a língua, os costumes e a religião, ambicionava
constituir, segundo suas palavras, a “maior nação do mundo” 82.
Em virtude da pouca tradição no intercâmbio econômico, comercial e
turístico, países vizinhos começaram a enxergar na integração uma boa
alternativa para a criação de mercados mais abrangentes e dinâmicos. Mercados
que fossem capazes, principalmente, de promover com mais facilidade o
processo de substituição das importações 83.
Dentro desta perspectiva e pautados por um projeto elaborado pela
Comissión Economica para América Latina y el Caribe – Cepal 84, na data de 18
82 FLORENCIO, Sergio Abreu e Lima; ARAUJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul hoje. São Paulo: Alfa Omega, 1996, p. 25-27. 83 AMARAL JUNIOR. As instituições do Mercosul, In: Revista dos advogados de São Paulo. Nova Série, Ano 4, nº7, janeiro-junho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2001, p. 131. 84 CEPAL- Comissión Economica para América Latina y el Caribe. Segundo consta neste site oficial: “La Comisión Económica para América Latina (CEPAL) fue establecida por la resolución 106(VI) del Consejo Económico y Social, del 25 de febrero de 1948, y comenzó a funcionar ese mismo año. En su resolución 1984/67, del 27 de julio de 1984, el Consejo decidió que la Comisión pasara a llamarse Comisión Económica para América Latina y el Caribe. La CEPAL es una de las cinco comisiones regionales de las Naciones Unidas y su sede está en Santiago de Chile. Se fundó para contribuir al desarrollo económico de América Latina, coordinar las acciones encaminadas a su promoción y reforzar las relaciones económicas de los países entre sí y con las demás naciones del mundo. Posteriormente, su labor se amplió a los países del Caribe y se incorporó el objetivo de promover el desarrollo social. La CEPAL tiene dos sedes subregionales, una para la subregión de América Central, ubicada en México, D.F. y la otra para la subregión del Caribe, situada en Puerto España, que se establecieron en junio de 1951 y en diciembre de 1966, respectivamente. Además, tiene oficinas nacionales
54
de fevereiro de 1960, foi firmado no Uruguai o Tratado de Montevidéu, que criou,
motivado por movimentos similares ao da concepção da comunidade européia, na
época, já em franca evolução, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio
(ALALC) 85.
A princípio, o objetivo traçado era estabelecer uma zona de livre
comércio entre os Estados independentes, como meio de conseguir maior
desenvolvimento regional, mediante políticas de mútua cooperação, com
eliminação de barreiras alfandegárias e de restrições quantitativas das
importações86.
A ALALC não logrou êxito em cumprir com todos os seus escopos;
entretanto, devemos admitir que teve seu mérito em iniciar um esforço comum
para alcançar tal desiderato, pois foi por seu intermédio que se adquiriu uma
maior conscientização a respeito da necessidade de integração regional. A
abalizar tal afirmação, tem-se que, no ano de 1977, o volume do comércio
regional do bloco dobrou em relação à taxa registrada em 1962, atingindo a cifra
de 14,1%87.
O fim da ALALC, porém, não representou o fim da idéia integracionista;
de maneira que, com o mesmo espírito, em 1988, sob a égide dos governos
Sarney e Alfonsín, o processo de integração entre o Brasil e Argentina ganhou um
en Buenos Aires, Brasilia, Montevideo y Bogotá y una oficina de enlace en Washington, D.C”. Disponível em http://www.eclac.cl/cgi-bin/. 85 BETIOL, Laércio Francesco. Integração econômica e união política internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 21. 86 MAGALHAES, Jose Carlos de. O Protocolo de Lãs Lenas e a eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais proferidos nos paises do Mercosul. Revista de Informação Legislativa. Brasília. v.36. n.144. p.281-91. out./dez. 1999. p.282
55
novo contorno, ao firmarem estes dois países um Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento88.
O supra aludido tratado previa, dentre outras coisas, a eliminação dos
obstáculos tarifários e não tarifários, a gradual liberalização do comércio com
tarifa externa comum e a harmonização das políticas macroeconômicas89.
Segundo preleciona Hee Moon Jô90, “durante este período foram
acumulados 24 protocolos sobre as diversas áreas econômicas para integração”.
Em 1990, com a adoção do Acordo de Complementação Econômica
nº14 entre Brasil e Argentina, todos os acordos anteriores foram absorvidos, e o
prazo para constituição do mercado comum foi antecipado para 31 de dezembro
de 199491.
Fruto dessas experiências, em 26 de março de 1991, Argentina, o
Brasil, o Paraguai e o Uruguai celebraram o Tratado de Assunção, dando ensejo
à constituição do Mercado Comum do Sul - Mercosul92.
Sobre o Mercosul, assim registra Hildebrando Accioly93.
87 BARRIA, Fernando Morales. Aladi, Comentários preliminares al tratado de Montevidéo de 198. Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1981. p.16. 88 JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000, p.280. 89 Ibid., p.280. 90 Ibid., p.280 91 Ibid., p.280 92 CARDOSO, Cesar. As atribuições do Banco Central em face do quadro jurídico do Mercosul. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo. v.3. n.10. p.68-90. out./dez. 2000. p.73 93 SILVA, G. E. do Nascimento e ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. (atual.) por Paulo Borba Casella. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241
56
[...] diferentemente das duas tentativas anteriores, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e a ALADI, o Mercosul não se configura como um acordo regional, porém sub-regional, assim como o Pacto Andino e o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978.
Consiste o Tratado de Assunção em ser o marco inicial do Mercosul:
nele estão delineadas as regras basilares para a criação do Mercado Comum, de
modo que foi aditado por inúmeros protocolos, dentre oa quais merecem relevo o
Protocolo de Brasília para a solução de Controvérsias no Mercosul, de
17.12.1991, e o Protocolo de Ouro Preto sobre Aspectos Institucionais, de
17.12.1994 94.
Em 1995, o Mercado Comum do Sul transformou-se em uma união
aduaneira95.
A Bolívia e o Chile se associaram-se ao Bloco em 1996. O Chile, por
sua vez, encontra-se em processo de aquisição do status de membro. Outros
Estados latino-americanos, como a Venezuela, sinalizaram o interesse em fazer
parte do grupo, o que, no caso dos venezuelanos, ocorreu em 9 de dezembro de
2005, com a formalização de sua integração ao bloco econômico efetivada em
Caracas, em 7 de julho de 2006 96.
Atualmente, no que diz respeito à sua formação, o Mercosul tem como
países membros: a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela e,
94 JO, Hee Moon, 2000. p.281 95 Ibid., p. 281 96 http://pt.wikipedia.org/wiki/Venezuela. Acesso em 02/11/2006.
57
como associados, a Bolívia (Tratado assinado em 28/02/1997), o Chile (Tratado
assinado em 25/06/1996), o Peru (2003), a Colômbia (2004) e o Equador
(2004)97.
Oportuno acrescentar que o Mercosul é uma organização internacional
com personalidade jurídica de Direito Internacional, expressamente declarada no
artigo 34 do Protocolo de Ouro Preto 98.
Por fim, à guisa de conclusão deste tópico de nosso estudo, trazemos à
baila breves notas de Celso Lafer a respeito do Mercosul, definindo-o como um
marco de referência democrática dos países que o integram, inseridos no mundo das polaridades indefinidas do Pós-Guerra Fria, especialmente agora que o Tratado de Assunção, através
97 Ibid., 02/11/2006 98 Artigo 34 - O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional. Artigo 35 - O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências. (Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção Sobre a Estrutura Institucional do Mercosul, Ouro Preto, 17/12/1994).
58
do Protocolo de Ouro Preto, constitui-se no tratado definitivo que regula a integração99.
2. A Estrutura Institucional e Fontes Jurídicas
O Mercosul possui, como órgãos principais, O conselho do Mercado
Comum (órgão político superior); Grupo Mercado Comum (órgão executivo);
Comissão de Comércio (órgão de acompanhamento da implementação da União
Aduaneira); Comissão Parlamentar Conjunta (órgão de representação dos
Parlamentos Nacionais no processo de integração); Foro Consultivo Econômico
Social (órgão de representação dos setores econômicos e sociais dos países que
integram o Mercosul); Secretaria Administrativa (funções de apoio
administrativo)100.
Para Hee Moon Jô101, fontes jurídicas o Mercosul possui:
Segundo o art. 41, I.Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais ou complementares; II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.
99 LAFER, Celso. Sentido estratégico do Mercosul. in Mercosul: desafios a vencer. São Paulo: Conselho Brasileiro de Relações Internacionais, 1994. p. 9.
59
3. Solução de Controvérsias no Âmbito do Mercosul
Estruturalmente não possui o mercosul um órgão permanente com
atribuição exclusiva de solução de controvérsias, variando conforme a
necessidade da organização integracionista102.
Desde a constituição do Mercosul, o mecanismo de solução de
controvérsias e o seu funcionamento passaram por quatro fases distintas: a) o
anexo III do Tratado de Assunção; b) o Protocolo de Brasília; c) o Protocolo de
Ouro Preto; e d) o Protocolo de Olivos.
3. 1. O Anexo III do Tratado de Assunção 1991 -1993
O primeiro ponto a ser destacado em relação às características do órgão
jurisdicional do Mercosul é o fato de ele não ser institucional, tal como ocorre na
União Européia, mas sim ad hoc, ou seja, constituído apenas para julgar
determinada causa.
Na primeira fase, designada pelo Anexo III do Tratado de Assunção,
previa-se que qualquer controvérsia que surgisse entre os Estados-membros,
como conseqüência da aplicação de suas normas, seria resolvida através de
negociações diretas. Caso os Estados envolvidos não encontrassem alguma
solução para o litígio, a controvérsia seria encaminhada ao Grupo Mercado
Comum (GMC), que deveria apresentar uma solução no prazo de sessenta dias.
100 JO, Hee Moon, 2000. p. 281 e 282 101 Ibid., p. 287 102 JO, Hee Moon, 2000. p. 288
60
E, se o GMC não encontrasse solução, o Conselho do Mercado Comum (CMC)
manifestar-se-ia103.
Essa fase foi provisória, uma vez que o próprio anexo previa a vigência
desta durante o período de transição do Mercosul: “Dentro de cento e vinte dias a
partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum levará aos
Governos dos Estados-Membros uma proposta de Sistema de Solução de
Controvérsias que vigerá durante o período de transição”104.
3.2. O Protocolo de Brasília 1993-2003
A segunda fase do mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul
foi marcada pelo Protocolo de Brasília. Essa fase, que em tese deveria ser
apenas transitória, acabou por efetivar-se, sofrendo em seguida algumas
modificações.
O artigo primeiro do Protocolo de Brasília105 ressalta que:
As controvérsias que surgirem entre os Estados-Membros sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das resoluções do Grupo Mercado Comum serão submetidas aos procedimentos de soluções estabelecidos no presente protocolo.
103 MERCOSUL. Tratado de Assunção – Anexo III. Disponível em http://www.sice.oas.org. Acesso em 02/02/2007. 104 Artigo 2 do Anexo III do Tratado de Assunção. Disponível em http://www.sice.oas.org. Acesso em 02/02/2007 105 MERCOSUL. Protocolo de Brasília. Disponível em http://www.sice.oas.org. Acesso em 02/02/2007
61
Diante do exposto, podemos perceber que o Órgão de Solução de
Controvérsias é competente para os litígios referentes à interpretação, à aplicação
ou ao não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, nos
acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho
Mercado Comum e das Resoluções do Grupo Mercado Comum.
O referido mecanismo de solução de controvérsias foi elaborado para
dirimir as controvérsias que viessem a existir entre os Estados componentes do
bloco. Contudo, os particulares também podem iniciar o procedimento, conforme
dispõe o Capítulo V do Protocolo de Brasília106:
Capítulo V, Art. 25. O procedimento estabelecido no presente capítulo aplicar-se-á às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum.
São de três ordens os procedimentos de solução de controvérsias
estabelecidos no Protocolo de Brasília, quais sejam: as negociações diretas, a
intervenção do Grupo Mercado Comum e o Procedimento Arbitral.
106 Mercosul- Protocolo de Brasília. Disponível em http://www.sice.oas.org. Acesso em 02/02/2007
62
As negociações diretas, previstas nos artigos 2 e 3 do Protocolo de
Brasília, dirigem-se a resolver o conflito de maneira mais célere, bem como
podem ser tidas como mais econômicas e promotoras da solução mais
interessante possível aos Estados em litígio. Não resultando em acordo, o litígio
será levado ao procedimento de intervenção do Grupo Mercado Comum. Assim
estabelece o artigo 4, § 1107:
Se mediante negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum.
Ao tratar da questão, José Roberto Franco da Fonseca108 aduz que
as negociações diretas possuem um caráter político e devem acontecer num
prazo de quinze dias, salvo acordo em contrário.
Sendo a controvérsia submetida ao Grupo Mercado Comum, este
deverá necessariamente atuar como mediador entre os Estados. Sua função
consiste em apresentar propostas ou recomendações com o objetivo de finalizar o
litígio. E se as partes não chegarem a um acordo, qualquer dos Estados pode
recorrer ao procedimento arbitral, também estabelecido no Protocolo de Brasília,
conforme o artigo 7, § 1:
Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos capítulos II e III, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá comunicar à Secretaria
107 ibid., 2007. 108 FONSECA, José Roberto Franco da. Sistema de Solução de Controvérsias no Mercosul. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: das negociações à implantação. 2.ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 169.
63
Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo.
Este momento processual tem natureza diplomática e ocorre num
prazo não superior a trinta dias, terminando o procedimento com a formulação de
recomendações aos Estados-Partes, visando à solução do litígio109.
Desta feita, uma vez que se recorra ao procedimento arbitral, de
caráter jurídico110, considera-se instaurado o Tribunal ad hoc, constituído por três
árbitros que deliberarão a respeito da controvérsia segundo o estabelecido pelo
artigo 19 do Protocolo de Brasília,
Art.19 O Tribunal Arbitral decidirá a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas decisões do Conselho do Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como nos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis na matéria.
Caberá a cada Estado a designação de dez árbitros que comporão
uma lista que ficará registrada na Secretaria Administrativa do Mercosul,
conforme o disposto no artigo 10 do Protocolo de Brasília. A escolha dos árbitros
acontece da seguinte forma:
109 FONSECA, José Roberto Franco da, 1998. p.170. 110 ibid., p. 170
64
i) cada Estado parte na controvérsia designará um (1) árbitro. O terceiro árbitro, que não poderá ser nacional dos Estados partes na controvérsia, será designado de comum acordo por eles e presidirá o Tribunal Arbitral. Os árbitros deverão ser nomeados no período de quinze (15) dias, a partir da data em que a Secretaria Administrativa tiver comunicado aos demais Estados partes na controvérsia a intenção de um deles de recorrer à arbitragem;
ii) cada Estado parte na controvérsia nomeará, ainda, um árbitro suplente, que reúna os mesmos requisitos, para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste para formar o Tribunal Arbitral, seja no momento de sua instalação ou no curso do procedimento.
O Tribunal pronunciar-se-á por escrito num prazo de sessenta dias, que
pode ser prorrogado por mais trinta, a pedido do Presidente, conforme o artigo 20.
O Laudo será adotado por maioria, é inapelável e deve, obrigatoriamente, ser
fundamentado.
A sentença ou laudo arbitral obriga juridicamente os Estados que
recorreram à arbitragem. Assim preleciona Hildebrando Accioly e Nascimento e
Silva111: “essa força obrigatória não deve ser confundida com a força executória,
que, na verdade, não existe, devido à ausência de uma autoridade internacional à
qual incumba assegurar a execução das decisões arbitrais.”.
Ainda dentro do entendimento de Accyoli112, existem casos em que a
sentença arbitral pode ser considerada sem eficácia e não obrigatória; são eles:
65
a) o árbitro ou o tribunal arbitral exceder, evidentemente, os seus poderes; b) a sentença for o resultado da fraude ou da deslealdade do árbitro ou árbitros; c) a sentença tiver sido pronunciada por árbitro em situação de incapacidade, de fato ou de direito; d) uma das partes não tiver sido ouvida, ou tiver sido violado algum outro princípio fundamental do processo. E a estes casos poderá talvez ser acrescentado o da ausência de motivação da sentença.
É importante ainda frisar ainda que o Estado vencedor da controvérsia
poderá adotar medidas compensatórias temporárias, caso o Estado sucumbente
não cumpra o estabelecido pelo laudo arbitral. Entretanto, não existe a
possibilidade de execução forçada do laudo, tendo em vista o compromisso dos
Estados em adotar de forma espontânea as decisões do Tribunal Arbitral.
3.3 O Protocolo de Ouro Preto
Em se tratando do Protocolo de Ouro Preto, este criou o
procedimento geral para reclamações perante a Comissão de Comércio do
Mercosul. Assim estabelece o artigo 2113:
O Estado parte reclamante apresentará sua reclamação perante a Presidência pro tempore da Comissão do Mercosul, a qual tomará as providências necessárias para a incorporação do tema na agenda da primeira reunião subseqüente da Comissão de Comércio do Mercosul, respeitando o prazo mínimo de uma semana de antecedência. Se não for adotada decisão na referida reunião, a Comissão de Comércio do Mercosul remeterá os antecedentes, sem outro procedimento, a um comitê técnico.
111 ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2000. p.420. 112 Ibid., p.420 e 421 113 Mercosul. Protocolo de Ouro Preto. Disponível em <http://www.sice.oas.org.> Acesso em 02/02/2007.
66
Esse comitê deve dar um parecer sobre o objeto da controvérsia e
encaminhá-lo à Comissão de Comércio, que decidirá sobre a questão. Caso não
seja alcançada uma solução, a Comissão encaminhará ao Grupo Mercado
Comum as propostas, assim como o parecer conjunto ou as conclusões do
Comitê. No caso de consenso quanto à decisão tomada, o Estado reclamado
deverá adotar as medidas aprovadas. Se isso não ocorrer, o Estado reclamante
poderá acionar o mecanismo de solução de controvérsias previsto no Protocolo
de Brasília114.
Por fim, cumpre esclarecer que essa inovação não impede que se
utilize o Protocolo de Brasília. A reclamação feita perante a Comissão de
Comércio está limitada às questões de competência deste Órgão. Por fim, o
procedimento do Protocolo de Ouro Preto pode ser usado pelos Estados e por
particulares.
3.4 O Protocolo de Olivos - 2004
Quanto ao Protocolo de Olivos, foi celebrado em 18 de fevereiro de 2002,
pelos presidentes dos Estados Partes do Mercosul; seu maior escopo reside em
complementar o mecanismo de solução de controvérsias existente no Mercosul.
Segundo o entendimento de Welber Barral115, algumas características
básicas foram mantidas:
114 Mercosul. Protocolo de Ouro Preto. Disponível em <http://www.sice.oas.org.>Acesso em 02/02/2007 115 BARRAL, Welber Oliveira. O novo sistema de solução de controvérsias do Mercosul, in Caderno de Temas Jurídicos - Revista da OAB/SC nº 107, Dezembro/2002. p. 4.
67
a) a resolução das controvérsias continuará a se operar por negociação e arbitragem, inexistindo uma instância judicial supranacional; b) os particulares continuarão dependendo dos governos nacionais para apresentarem suas demandas; c) o sistema continua sendo provisório, e deverá ser novamente modificado quando ocorrer o processo de convergência da tarifa externa comum. [...] O Protocolo de Olivos estabeleceu as seguintes fases para a solução de controvérsias: a) negociações diretas entre os Estados Partes; b) intervenção do Grupo Mercado Comum, não obrigatória e dependente da solicitação de um Estado Parte; c) arbitragem ad hoc, por três árbitros; d) recurso, não obrigatório, perante um Tribunal Permanente de Revisão; e) recurso de esclarecimento, visando a elucidar eventual ponto obscuro do laudo; f) cumprimento do laudo pelo Estado obrigado; g) revisão do cumprimento, a pedido do Estado beneficiado; h) adoção de medidas compensatórias pelo Estado beneficiado, em caso de não-cumprimento do laudo; i) recurso, pelo Estado obrigado, das medidas compensatórias aplicadas.
Este Protocolo estabeleceu que o Tribunal ad hoc será composto por
três membros, sendo dois nacionais, dos Estados envolvidos na controvérsia,
escolhidos numa lista de quarenta e oito nomes, sendo doze indicados por cada
Estado Parte. A lista de terceiros árbitros é preenchida por nomes de Estados que
não sejam partes do Mercosul.
Em se tratando do Tribunal Permanente de Revisão, temos que este é
tido como a grande inovação do Protocolo de Olivos. Assim, ele deverá será
constituído por cinco árbitros, incluindo um nacional de cada Estado Parte, com
mandato de dois anos. Nesse procedimento, os árbitros atuam em grupos de três,
para revisar os laudos dos tribunais ad hoc. O recurso é limitado às questões de
direito e examinadas pelo Tribunal ad hoc.
Quanto à escolha do sistema de solução de controvérsias, é certo que
o Protocolo de Olivos também inovou, estabelecendo que os Estados Partes da
controvérsia podem escolher entre o sistema de solução de controvérsias do
Mercosul e outro sistema competente para decidir o litígio. “A regra é que o
68
Estado demandante possa escolher o foro, mas – uma vez iniciado o
procedimento – não se poderá recorrer a outro foro”116. Esta regra de prevenção
do foro serve para evitar que ocorram decisões internacionais convergentes sobre
a mesma matéria.
Existem ainda duas outras inovações no Protocolo de Olivos.
Primeiramente, no que diz respeito à criação, pelo Conselho Mercado Comum, de
outros mecanismos para solucionar controvérsias sobre aspectos técnicos
regulados em instrumentos de políticas comerciais comuns, dando
discricionariedade a este Conselho no tocante às regras de funcionamento
desses mecanismos. A outra novidade consiste na possibilidade de que o
Tribunal Permanente de Revisão emita opiniões consultivas sobre o direito da
integração117.
Por fim, apesar das opiniões que asseveram a adoção de um sistema
judicial de solução de controvérsias, consubstanciada em uma ordem
supranacional, as significativas inovações trazidas pelo Protocolo de Olivos
mantiveram a utilização do modelo arbitral.
116 BARRAL, 2002. p. 4. 117 BARRAL, 2002. p.5.
69
CAPÍTULO III
LAUDO ARBITRAL
1. Definição de Laudo Arbitral
Terminada a arbitragem, ao proferir o laudo arbitral, o árbitro põe fim à
sua função jurisdicional. Assim é o entendimento de Dante Barrios de Angelis,
quando aduz que “culmina a arbitragem com o ditame do laudo arbitral”118.
A corroborar esta afirmação está a definição exposta por Carlos
Alberto Matheus Lopez119 que, ao definir laudo arbitral, assim preleciona:
...La actividad de los árbitros, así como el procedimiento arbitral culmina normalmente al dictarse la correspondiente resolución, denominada – por contraposición a la sentencia, reservada a los órganos jurisdiccionales – laudo arbitral.
Como se pode abstrair dos conceitos supracitados, a decisão do
árbitro traduz-se na síntese de todos os passos previamente executados pelas
118 BARRIOS DE ANGELIS, Dante. Sobre el así ilamado proceso de ejecución. Revista Uruguaya de Derecho Procesal. Montevideo. n.2. p.149-58. 2001. 119 LOPEZ, Carlos Alberto Matheus. Breves alcances sobre derecho de arbitraje peruano, 2001. p. 89
70
partes e pelos funcionários que participaram do procedimento, orientados a obter
a pacificação do conflito120.
Marco Rufino, discutindo a amplitude do conceito, defende que
[…] la sentencia arbitral emana de un tribunal que tiene en mira, más que crear una nueva jurisdicción, establecer un procedimiento de avenimiento entre las partes en divergencia, donde el asunto a decidir no hace a la interpretación de leyes, sino a cuestiones técnica y de hecho que, hasta cierto punto, escapan a la competencia de los tribunales de justicia por la complejidad y dificultades que presentan. […] El fallo de los árbitros, técnicamente denominado laudo, gramatical y teleologicamente quiere significar adjudicar, dividir en justicia, dirimir, para distinguirlo de la sentencia que dictan los jueces de derecho, que también dirime, pero constreñidos a un ritual que puede resultar rígido, a un sistema probatorio circunspecto, y que – ahogando la subjetividad del magistrado – pueden causar a veces injuria levísima o no la equidad – del fallo del Tribunal Arbitral121.
Assim como na jurisdição estatal, é através do laudo arbitral que as
partes alcançam a satisfação de seus direitos e vêem resolvidas as pendências
que os levaram à busca do procedimento arbitral122.
Por fim, como demonstra o estudo de Jorge Fábrega, o laudo arbitral
estrangeiro possui como características fundamentais123:
a). Produz efeitos de coisa julgada;
120 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul: analise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da argentina, brasil, paraguai e uruguai relativas a arbitragem, São Paulo: Ltr, 1997. p.169 121 RUFINO, Marco A. El proceso arbitral, Buenos Aires, Argentina : AD-HOC, 1992.
71
b). Mérito executivo, isto significa dizer que o laudo arbitral, uma vez pronunciado,
tem caráter de título executivo.
c). Dépeçage124, ou o despedaçamento, segundo o qual cada elemento da
arbitragem (capacidade das partes, competência dos árbitros, arbitralidade do
litígio, procedimento arbitral, lei material aplicável à solução do litígio) é regido por
leis diferentes.
2. Diferenciação e Similitudes entre Laudo Arbitral e Sentença Judicial
Antes de qualquer coisa, convém que se esclareça sobre o que se
entende por “sentença”. Juan Carlos Hitters125, discutindo a amplitude do
conceito, elucida que
... entiende por sentencia cualquier pronunciamiento, (sea cual fuere su naturaza, declarativa, constitutiva, de condena, u otra similar en doctrina), que contenga una decisión típicamente judicial, según el derecho local. Se deben inscribir en esta conceptualización: las providencias cautelares; las que ordenan embargos; las penales con efectos civiles; las de jurisdicción voluntaria; y en algunos casos, las decisiones de cuerpos extrajudiciales (administrativos) que de conformidad con el
122 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul: analise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da argentina, brasil, paraguai e uruguai relativas a arbitragem, 1997. p. 169 123 FABREGA P., Jorge. Arbitraje en el area Iberoamericana. Revista de la Facultad de Derecho de México. México, v.41. n.175-7. p.33-106. ene./jun. 1991. p. 66 124 FURTADO, Paulo, Globalização, direito comunitário e arbitragem. Revista do CEPEJ. Salvador. n.5. p.85-100. jan/jun. 1999. p. 97 125 HITTERS, Juan Carlos. Efectos de las sentencias y de los laudos arbitrales extranjeros. Revista del Colegio de Abogados de La Plata. La Plata. v.35. n.56. p.243-83. ene./dic. 1995. p. 264
72
ordenamiento jurídico del país de origen, tengan competencia para cumplir funciones jurisdiccionales.
A princípio, a decisão arbitral tem a mesma aplicabilidade que uma
sentença judicial126 e, no que se refere à similitude existente entre ambas, o laudo
arbitral é tido por alguns doutrinadores como equivalente da sentença à qual
chega o juiz togado, no final de um processo judicial 127.
Com efeito, assim se posiciona Enrique Vescovi128:
[...] La sentencia arbitral, bajo el nombre de laudo, pone fin al proceso que venimos estudiando, sin deferencias con el judicial. Las reglas son las mismas, por remisión, por lo que, en este caso, corresponde sólo señalar las especialidades, remitiéndonos, en los demás, al capítulo de Sentencias.
126 Vide artigo 31 da Lei 9.307/96, “A sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória constitui título executivo.” 127BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 417. É digno de nota ainda, lembrar que no que tange a equiparação do laudo arbitral com a sentença judicial, existem ordenamentos jurídicos que atribuem a estes os mesmos efeitos, dentre eles Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Por outro lado, existem outros ordenamentos em que para que o laudo adquira os mesmos efeitos que a sentença judicial, o mesmo necessita da outorga do Poder Judiciário Local. PUCCI, Adriana Noemi, Arbitragem Comercial nos países do Mercosul: análise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai relativas à arbitragem, 1997, p.169. A propósito, Candido Rangel Dinamarco, em prefácio, trata sobre a distinção entre arbitragem e justiça arbitral, esclarece que, “... Justificava-se a rígida distinção entre arbitragem e jurisdição estatal, quando da jurisdição e do próprio sistema processual como um todo dizia-se que apenas tinham o mero e pobre escopo de atuação da vontade do direito ou de estabelecer a norma do caso concreto. Superada essa visão puramente jurídica do processo, todavia, e reconhecidos os escopos sociais e políticos muito mais nobres, cai por terra a premissa em que se legitimava a rígida distinção. Se o poder estatal é exercido, sub spécie jurisdictionis, com objetivo de pacificar pessoas e eliminar conflitos com justiça, e se afinal a arbitragem também visa esse objetivo, boa parte do caminho está vencido, nessa caminhada em direção ao reconhecimento do caráter jurisdicional da arbitragem (ou pelo menos, da grande aproximação dos institutos, em perspectiva teleológica)”. DINAMARCO in prefácio, CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1993. 128 VESCOVI, Enrique A. Teoría general del proceso, Bogotá: Temis, 1984. p. 231
73
Em se tratando dos efeitos, podemos afirmar que ambas se
equiparam. A fundamentação para esta afirmação encontra-se na própria lei que,
prestigiando a vontade das partes, permite-lhes fazer opção pela via arbitral,
concedendo a este sistema de solução de controvérsias a mesma força que
possui a sentença judicial129. Senão, vejamos o que aduzem sobre o assunto os
autores Pedro A. Batista Martins e Carlos Alberto Carmona130:
[...] Decisão arbitral é sentença de conteúdo prático idêntico à decisão judicial e que produz os mesmos efeitos que esta. (Pedro A. Batista Martins131).
[...] À semelhança da sentença proferida pelo juiz togado, o laudo deve conter sob pena de nulidade, o relatório, a motivação132 e o dispositivo, acrescentando-se ainda aos requisitos mencionados a data e o lugar onde foi assinado. (Carlos Alberto Carmona133).
Ocorre que, apesar de tanta similitude, quando falamos sobre o
caráter jurisdicional da arbitragem, não podemos olvidar que doutrinariamente
esta questão não encontra total concordância por parte de todos os autores.
129 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem Comercial nos Países do Mercosul. Analise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai relativas à arbitragem, 1997. p.169 130 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem internacional. Revista Forense. Rio de Janeiro. v.91. n.329. p.25-39. jan./fev. 1995. p.36 e 37 131 MARTINS, Pedro Antonio Batista. Questões que envolvem a homologação de sentença arbitral estrangeira. Revista Forense. Rio de Janeiro. v.94. n.344. p.225-32. out./dez. 1998. 132 Cumpre esclarecer que existem países onde a motivação da sentença, em especial nas hipóteses de julgamento por equidade - não é obrigatória ou pode ser dispensada pelas partes, porém no Brasil inexiste laudo imotivado. 133 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem Internacional, 1995. p. 36 e 37
74
Assim, para Leon Frejda Szklarowsky134, o árbitro é juiz de fato e de
direito. Estas são suas considerações
[...] o árbitro é juiz de fato e de direito, vale dizer: a sentença proferida equipara-se à sentença judicial e não fica sujeita a recurso ou à homologação do Judiciário. De acordo com o disposto no inciso III do artigo 584 do Código de Processo Civil, a sentença arbitral, a sentença homologatória de transação e de conciliação constituem título judicial. Esse inciso tem como fonte o artigo 31 da Lei de Arbitragem.
Por outro lado, há aqueles que discordam de tal posicionamento,
alegando que o árbitro não pode ser considerado juiz de fato e de direito135.
Alegam estes que tal entendimento traduz uma ofensa ao princípio do juiz natural,
expresso na legislação brasileira pelo art. 5º, inc, XXXVII da Constituição Federal.
Sálvio de Figueiredo Teixeira136, em sua meditação sobre o tema,
preleciona que
Com a garantia do jurisdicionado que sua causa seja processada perante o juiz cuja competência decorra das leis processuais. Como, em nosso sistema normativo, a própria Constituição distribui entre os diversos órgãos judiciários as atribuições jurisdicionais, delineando em primeiro plano as diferentes competências, diz-se que o princípio em questão tem fonte constitucional.
134 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Arbitragem: uma nova visão da arbitragem (primeira parte). Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo. v.12. n.58. p.226-57. set./out. 2004. 135 Importante lembrar que, independentemente da decisão ter emanado de árbitro ou de um juiz togado, importa saber que, em ambos os casos, em face da resistência do vencido, há necessidade de instauração de processo judicial135. MAGALHÂES, José Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros, 1997. p.117 136 TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.86. n.735. p.39-48. jan. 1997. p. 46
75
Poder-se-ia alegar, com base na observação do enxerto supra aludido,
que a lei ordinária não poderia, por si só, modificar a jurisdição conferida a juízes
e Tribunais.
Como é cediço por todos, esse realmente não é o poder conferido à lei
ordinária, mas o que a Constituição faz é distribuir a competência entre os vários
órgãos jurisdicionais. Ela reparte a competência derivada da jurisdição estatal,
cuja distribuição fica a cargo desses órgãos, dependendo da natureza de cada
demanda. O princípio do juiz natural, assim, tem a ver com a jurisdição estatal137.
Desse modo, optando por requerer a tutela jurisdicional conferida pelo
Estado, o poder de julgar é exercido em nome dele, como expressão de sua
soberania. No desenvolvimento da atividade estatal, a ninguém é dada a
faculdade de exercer funções cometidas com exclusividade ao órgão competente
segundo as normas de ordem pública.
No momento em que as partes decidem solucionar a controvérsia
em um tribunal arbitral, a solução não exige a atuação do ente estatal. A
jurisdição estatal não é provocada para dar uma solução ao caso resolvendo seus
interesses, sem se falar em ajustamento ao princípio do juiz natural. A solvência,
ao contrário, resulta da livre autonomia das partes, por meio da eleição de um
terceiro que resolve a contenda.
Pois bem, não nos cabe, na presente pesquisa, julgar quanto a uma
questão tão polêmica; apenas nos preocupamos em trazer à baila tais
76
entendimentos, a fim de demonstrar que, em última análise, o laudo arbitral, muito
embora se equipare à sentença judicial, guarda em seu bojo caráter
eminentemente privado. Importa ainda frisar que, quando as partes, envolvidas
em um conflito de interesses, elegem um árbitro para julgar sua controvérsia,
agem segundo a expressão da autonomia da vontade.
Mais adiante voltaremos a tratar mais especificamente sobre este
tema.
3. O Caráter Internacional do Laudo Arbitral
Em se tratando do caráter internacional do laudo arbitral, algumas
considerações se impõem. É preciso que se questione sobre o que se entende
por “laudo estrangeiro”138.
Escrevendo sobre o tema ora em apreço, José Carlos de Magalhães
questiona que
[...] A sentença internacional não se confunde com a sentença estrangeira, que é proferida por um juiz estrangeiro, no âmbito interno de um Estado estrangeiro para ser executado em outro Estado. A sentença estrangeira provém de uma autoridade
137 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro, p. 47 138 Sobre o caráter estrangeiro de um laudo arbitral ver, CAIVANO, Roque J.. Reconocimiento y Ejecución de laudos arbitrales estrangeros, 1998. p. 162
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judiciária estatal que, para ser executada em outro Estado deve ser por este aceita, por meio de sentença homologatória. E o que se executa é a sentença homologatória nacional da sentença estrangeira. E não esta que provém de autoridade judiciária estrangeira, despida de qualquer poder e autoridade no território do outro Estado. É a sentença homologatória que tem essa autoridade. Não a estrangeira. [...] O mesmo não ocorre com a sentença internacional, que provém de uma autoridade judiciária, ou arbitral, internacional reconhecida pelo país que se obrigou a acatá-la. Possui autoridade própria e, por essa razão, executável no âmbito interno dos Estados que participaram do processo onde foi proferida. [...] Sentença internacional proferida em processo do qual o país é parte não requer homologação, pois aplica-se contra o Estado-Parte no processo. E o judiciário integra esse mesmo Estado, cabendo-lhe, se provocado, simplesmente dar cumprimento à decisão internacional, não possuindo, dessa forma, a prerrogativa de aceitá-la ou não. No Brasil a Constituição confere competência ao Supremo Tribunal Federal apenas para homologar sentenças estrangeiras (art. 102, I, h) nada dispondo sobre sentenças internacionais.
Conforme já dissemos, a determinação da nacionalidade da
arbitragem realiza-se a partir da utilização de alguns critérios, dentre eles, o
domicílio das partes, o local da arbitragem, o local do cumprimento da obrigação.
No que tange à determinação da internacionalidade do laudo arbitral,
em geral são utilizados dois critérios: o local onde o mesmo é proferido e a lei
processual aplicável à arbitragem. Em função do primeiro critério, será
estrangeiro o laudo quando este for prolatado fora do território do país onde
pretende ser reconhecido ou executado. Por aplicação do segundo, uma sentença
será nacional ou estrangeira unicamente em função das normas processuais
aplicáveis, independentemente do local onde esta foi proferida139.
139 CHILLÓN Medina, José Maria; Merino Merchán, José Fernando. Tratado de arbitraje privado interno e internacional, Madrid : Civitas, 1978. p. 915
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Nos países do Mercosul, as legislações da Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai coincidem ao definir o que significa um laudo arbitral estrangeiro.
Entretanto, no que tange ao caráter nacional do laudo arbitral, encontramos várias
distinções; senão, vejamos:
De acordo com a lei argentina, será estrangeiro o laudo cujas
arbitragens são realizadas no exterior. Assim está disposto no Código Procesal
Civil Comercial de la Nácion140:
artigo 1º. La competencia atribuía a los tribunales nacionales es improrrogable. Sin perjuicio de lo dispuesto por los tratados internacionales y por el artículo 12 inciso 4, de la ley 48, exceptúase la competencia territorial en asuntos exclusivamente patrimoniales que podrá ser prorrogada de conformidad de partes, Si estos asuntos son de índole internacional, la prórroga admitirse aun a favor de jueces extranjeros o de árbitros que actúen fuera de la República, salvo en los que los tribunales argentinos tienen jurisdicción exclusiva o cuando la prorroga está prohibida por ley.
O Uruguai também atribui o caráter de estrangeiro ao laudo arbitral
proferido fora do território nacional. O fundamento legal encontra-se no artigo 543
do Código General Del Proceso Del Uruguay141: “Laudos arbitrales extranjeros. Lo
dispuesto en este Capítulo será aplicable a los laudos dictados por tribunales
Arbitrales extranjeros, en todo lo que fuere pertinente”.
A legislação paraguaia dispõe que os laudos arbitrais proferidos por
tribunais estrangeiros poderão ser executados no país segundo o que estiver
estabelecido nos tratados e nas convenções assinados com o país do qual
140 http://www.portaldeabogados.com.ar/codigos/index.htm. Acesso realizado em 31/10/2006 141 http://www.galeon.com/ivanrosales/CODIGO.htm. Acesso em 02/11/2006
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advêm. Assim se encontra disciplinado o assunto no Código Procesal Civil Del
Paraguay:
Laudos arbitrales. Los laudos arbitrales pronunciados por tribunales extranjeros tendrán fuerza ejecutoria y eficacia en la República, en los términos de los tratados celebrados con el Estado de que provengan. A falta de tratados, las tendrán si en el Estado de que provienen tiene la misma autoridad que las sentencias de tribunales judiciales, en cuyo caso serán aplicables las disposiciones de este capítulo.
Logo, na falta de um tratado, realizar-se-á uma análise, para
verificar se o laudo arbitral possui em seu país de origem força igual à das
sentenças prolatadas pelo Poder Judiciário. Caso possua tal força, aplicar-se-á
a legislação processual atinente à execução das sentenças proferidas por
tribunais estrangeiros142.
No Brasil, com relação aos efeitos, o laudo arbitral equipara-se à
sentença judicial; assim é o teor da Lei 9.307/96: “Art. 31. A sentença arbitral
produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença
proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui
título executivo”.
Quanto ao caráter internacional do laudo arbitral, como já
mencionamos, considera-se estrangeiro aquele que for prolatado fora território
nacional. É na mesma lei que encontramos o amparo legal para tal afirmação:
142 PUCCI, Adriana Noemi. A arbitragem nos países do Mercosul. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.86. n.738. p.41-55. abr. 1997.
80
“Lei 9.307 Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que
tenha sido proferida fora do território nacional”.
4. Princípios Jurídicos Informadores do Procedimento Arbitral
Antes de adentrarmos o assunto “princípios”, é importante esclarecer
que os estudaremos sobre o prisma da ciência processual, pois, segundo nosso
entendimento, a arbitragem possui natureza jurisdicional.
Ao afirmarmos a natureza jurisdicional da arbitragem, tomamos por
base as argumentações de Candido Rangel Dinamarco143, quando aduz que
[...] Se o poder estatal é exercido, sub specie jurisdictionis, com o objetivo de pacificar pessoas e eliminar conflitos de com justiça, e se afinal a arbitragem também visa a este objetivo, boa parte do caminho está vencida em direção ao reconhecimento do caráter jurisdicional da arbitragem.
Assim, acreditamos que esta flagrante aproximação existente entre o
processo arbitral e o estatal seja suficiente para abrigar o primeiro deles sob o
manto do direito processual constitucional, o que nos permite considerar seus
institutos em face dos princípios e garantias esculpidos na Constituição
Federal144.
143 DINAMARCO, Candido Rangel. in prefácio, CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. O referido autor argumenta ainda que, o árbitro não exerça a função de atuar a lei ao caso concreto, exerce a função em torno do escopo social pacificador. 144DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo, São Paulo: Malheiros Ed., 2002. p. 79-80
81
Partindo desta premissa, é possível ainda incluir o processo arbitral no
âmbito da teoria geral do processo, pois, como já sublinhado, o árbitro, ao
conhecer o conflito que lhe é apresentado, exerce função própria e específica do
poder judiciário145.
Cumpre ainda ressaltar que essa aproximação da arbitragem ao
sistema de regras dirigidas ao direito processual civil traduz-se em uma preciosa
alternativa metodológica imprescindível ao seu bom entendimento e em um
excelente recurso para a solução de questões que lhe são intrínsecas146.
É exatamente neste sentido que se encontra o precioso estudo de
Vicenzo Vigoriti147, no qual, a despeito do juízo arbitral, destaca a premente “...
necessidade do respeito às regras fundamentais dos juízos cíveis,
tradicionalmente resumidas na formula do procedural due process”.
Enfim, feitos tais esclarecimentos, passemos a tratar dos princípios do
direito processual.
145 Segundo o desenvolvimento desse raciocínio, Candido Rangel Dinamarco afirma que “... Essa expressiva aproximação entre o processo arbitral e o estatal é suficiente para abrigá-lo sob o manto do direito processual constitucional, o que importa considerar seus institutos à luz dos superiores princípios e garantias endereçados pela Constituição da República aos institutos processuais. Isso implica também, conseqüentemente, incluir o processo arbitral no circulo da teoria geral do processo, entendida esta muito amplamente como legítima condensação metodológica dos princípios e normas regentes do exercício do poder.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da Sentença Arbitral e de seu Controle Jurisdicional. in, Revista do advogado, São Paulo, v. 21, n. 65, 2001. p. 40 a 49 146 DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da Sentença Arbitral e de seu Controle Jurisdicional, 2001. p. 40 a 49 147 VIGORITI, Vincenzo; Mauro Cappelletti e altri: davvero impossibile la class action in Italia? Revista de Processo. São Paulo. v.31. n.131. p.83-95. jan. 2006. p. 89
82
O direito Processual, como qualquer outra ciência, possui princípios
informadores de todo desenvolvimento da disciplina148. Segundo entende
Alexandre Freitas Câmara149, “tais princípios servem como orientação segura
para a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação da ciência”.
Discutindo a amplitude do conceito, Celso Antonio Bandeira de
Mello150 acentua que
[...] Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.
A título de complementação, trazemos ainda para nosso estudo os
importantes ensinamentos de Geraldo Ataliba151 que, conceituando os princípios
jurídicos, assim preleciona:
[...] os princípios são a chave e essência de todo direito. Não há direito sem princípios. As simples regras jurídicas de nada valem se não estiverem apoiadas em princípios sólidos. Os convencionais da Filadélfia, trabalharam sobre princípios de tal validade, de tal sabedoria, de tal universalidade, e de tal capacidade de absorver a esta essência com as necessidades de criação de um poder de Estado que fosse ao mesmo tempo forte para assegurar o direito, e suave para respeitar as liberdades. Daí a importância básica que têm os princípios na consideração de qualquer matéria jurídica, mas especialmente nas considerações de Direito Constitucional [...]
148 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, V.I, Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. 2004. p. 31 149 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 2004. p. 31 150 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social, Revista de Direito Público, nº 57-58, 1983. p. 235 151 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, São Paulo: Ed. Malheiros, 2001.
83
Com se pode ver, é expressiva a influência que os princípios exercem
sobre todo e qualquer instituto jurídico. Cumpre-nos então, no momento, destacar
quais são aqueles que instruem o procedimento arbitral, de maneira que
possamos, através desta análise, melhor compreender do tema ora em voga.
Com efeito, este entendimento que coloca o procedimento arbitral
inserto na teoria denominada garantista152, deixa bastante claro que o mesmo
também é instruído pelos princípios da tutela jurisdicional e do devido processo
legal.
Por conseguinte, são seus princípios fundamentais: o princípio da
imparcialidade, o princípio do contraditório e igualdade das partes e o princípio da
livre convicção do juiz.
Sobre este tema, é muito pertinente que se traga à baila o
entendimento de René David153:
[...] Un premier principe est le principe “Audi alteram partem”: l’arbitre doit Donner à l’une et l’autre dês parties la possibilité de faire valoir leurs arguments. Um second príncipe este le “principe du contradictoire”: lês preuves offertes par une dês parties, et sur lesquelles l’arbitre va fonder as décision, doinet
152 Sobre a teoria garantista do processo arbitral, importa dizer que não basta a simples afirmação de que através do processo arbitral se garantirá a resolução da questão litigiosa, seja por eqüidade ou por direito, senão que é preciso ademais, conectar a atividade de garantia que se leva a cabo mediante a atividade do árbitro como sistema de “garantias processuais”. LORCA NAVARRETE, Antonio Maria. Comentarios a la Ley de Arbitraje, con formulários y jurisprudência, Madrid, Dykinson, 1991. Importante destacar no momento o pensamento do prof. Edoardo Flavio Ricci, que ao falar sobre a sentença arbitral e sua nulidade (objeto central do nosso estudo, afirma a “... necessidade de resolver os problemas á luz dos princípios e dos conceitos que dominam a disciplina dos vícios e da nulidade da sentença judicia.”. RICCI, Edoardo F. Il progetto rognoni di riforma urgente del processo civile. Rivista di Diritto Processuale. Padova. v.42. n.3. p.626-35. lugl./set. 1987. p. 67 153 DAVID, Rene, L’arbitraje Dans Le Comerce International, Econômica. Paris: 1982. p. 405
84
avoir été communiquées à l’autre partie, pour que celleci ait possibilite de lês réfuter. Un troisième príncipe est que l’arbitre doit fonder as décision sur l’opinion qu’il s’est formée, et non sur celle d’un autre.
Também sobre o tema, referindo-se à doutrina francesa, assim coloca
Selma Ferreira Lemes154:
[...] parte simbólica de onde se originam os princípios que se aplicam a todas as ordens de jurisdição, dos quais grande parte ressoa na instancia da arbitragem, tais como o princípio dispositivo, o princípio do contraditório, liberdade de defesa, direito de ser ouvido, conciliação etc. [...].
Posto isto, é oportuno que façamos no momento uma breve
explanação sobre o que se entende por princípio da imparcialidade do árbitro,
princípio do contraditório e da igualdade das partes e princípio da livre convicção
do árbitro.
4.1. Princípio da Imparcialidade do Árbitro
A imparcialidade do árbitro é pressuposto indispensável para que o
procedimento arbitral se instaure validamente, pois, assim como no procedimento
judicial, o árbitro deve colocar-se entre as partes e acima delas.
154 LEMES, Selma M. Ferreira. Os princípios jurídicos da lei de arbitragem, in Aspectos fundamentais da lei de arbitragem, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999. p. 89
85
Note-se que somente diante da instauração válida do procedimento
arbitral é que se pode obter uma sentença justa. Será justamente a imparcialidade
do árbitro que irá ofertar às partes a garantia de que o procedimento arbitral será
um instrumento ético, e não somente uma técnica de solução de controvérsias.
No âmbito do direito internacional, a preocupação com a
imparcialidade do árbitro tem gerado várias diretivas a serem por eles
observadas. Um exemplo disto é O Novo Código Ético para Árbitros
Internacionais, editado pelo Conselho Diretivo da International Bar Association em
1987.
De modo geral, os preceitos estabelecidos pelo referido Código
relacionam-se com a necessidade de os árbitros serem imparciais,
independentes, diligentes e discretos155, o que denota a exigência de uma
conduta ética para o desenvolvimento das funções arbitrais.
4.2. Princípio do Contraditório e Princípio da Igualdade das Partes
O princípio em que ora passamos a meditar pode ser tido como um
dos mais importantes entre os corolários do devido processo legal, pois não se
pode falar em processo justo que não se realize em contraditório156. A mais
155 CREMADES, Bernardo Maria; CAIRNS, David J.A. El arbitraje en la encrucijada entre la globalización y sus detractores. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo. v.5. n.16. p.333-79. abr./jun. 2002. 156 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 2004, p.50
86
abalizada doutrina sobre o processo afirma que este não existe sem
contraditório157.
Assim é o entendimento de Para Edouard Couture158: "O processo é
um diálogo. Nunca haverá justiça se, havendo duas partes, apenas se ouvir a voz
de uma".
Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior159, “O princípio do
contraditório reclama, outrossim, que se dê oportunidade à parte não só de falar
sobre alegações do outro litigante, como também de fazer a prova contrária”.
Ainda, Moacyr Amaral dos Santos 160 ensina que o contraditório é
garantia de exercício de direitos, revelando a igualdade das partes, ao
proporcionar-lhes mesmo tratamento.
Do ponto de vista jurídico, podemos definir o princípio do contraditório
como garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a
conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos. Isto significa dizer,
em apertada síntese, que o processo deve, sob pena de não ser considerado
processo, realizar-se em contraditório161.
157 FAZZALARI, Élio. Processo Ordinario Di Cognizione E La Novella Del 1990: Appendice Di Aggiornamento, Torino: Utet, 1991. p. 178 158 COUTURE, Edouard, Introdução ao Estudo do Processo Civil, apud, PARIZATTO, João Roberto. Arbitragem, Comentários à Lei 9.307/96, de 23-9-96. São Paulo: LED - Editora de Direito. 1997. p. 68 159 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de direito processual civil, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.28 160 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, (atual.) Aricê Moacyr Amaral Santos, São Paulo: Saraiva, 2000. p. 62 161 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 2004. p.50
87
Portanto, as oportunidades devem ser garantidas às partes sempre em
número compatível, facultando seu exercício. O contraditório é princípio
garantidor de respeito às partes e às suas manifestações, sempre que houver
interesse e necessidade.
Considerando o exposto anteriormente, verifica-se que a aplicação dos
princípios ao juízo arbitral confere aos litigantes uma maior segurança na solução
de seus conflitos.
Quanto ao princípio da isonomia, ou princípio da igualdade das
partes162, podemos afirmar que este também se encontra intimamente
relacionado com a idéia de processo justo, ou seja, do “devido processo legal”,
visto que a consecução deste determina um tratamento equilibrado entre os seus
sujeitos.
Por esta razão é que o mesmo se encontra expresso no Código de
Processo Civil brasileiro em seu artigo 125, I: “compete ao juiz assegurar às
partes a igualdade de tratamento”.
Sobre este assunto, é muito importante que se diga que o princípio da
isonomia somente estará sendo efetivamente respeitado quando se garantir aos
sujeitos do processo que eles ingressarão neste em igualdade de armas e que
162 Insta consignar que o princípio da isonomia está presente também na Lei Modelo da UNCITRAL, que em seu artigo 18, assim determina, “...Igualdade de Tratamento das Partes: As partes devem ser tratadas em pé de igualdade e devem ser dadas a cada uma delas as possibilidades de fazerem valer os seus direitos.”
88
essa igualdade dar-se-á em seu sentido substancial, e não meramente formal, ou
seja, em condições verdadeiramente equilibradas163.
Isto é o que verdadeiramente se entende por par conditio, condições
paritárias164.
Muito embora sejam conceitualmente distintos os princípios do
contraditório e da isonomia, é imprescindível que ambos se encontrem no
processo, para que se possa alcançar o que se reconhece por “contraditório
efetivo equilibrado”165.
Segundo preconiza Moacir Amaral Santos166, o princípio da igualdade
das partes é corolário do principio do contraditório,
[...] O processo civil se desenvolve em atos de ataque e defesa, mas também de ataques e contra-ataques, donde resultará imperioso o tratamento paritário das partes, a fim de que possam em igualdade de condições exercer seus direitos e cumprir seus deveres.
Trazendo este preceito para a seara do procedimento arbitral,
podemos afirmar que os procedimentos do árbitro, no que diz respeito ao
tratamento ofertado às partes, deve ser igual àquele praticado pelo juiz estatal
enquanto na direção do processo judicial.
163 Quando falamos em igualdade em sentido substancial, e não meramente formal, estamos aderindo à corrente doutrinária que entende que, para atingirmos a igualdade no âmbito material, devemos tratar os iguais de forma igual e aos desiguais de forma desigual. Sobre este tema, vide CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, 2004. p.40 164 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil,2004. p.40
89
4.3. Princípio do Livre Convencimento do Árbitro
O princípio do livre convencimento do árbitro consiste em ofertar ao
árbitro a liberdade de poder formar sua própria convicção quanto à verdade
apurada no procedimento arbitral. Isto inclui, por exemplo, a possibilidade que
possui o árbitro de efetuar livre apreciação das provas produzidas e dos
argumentos trazidos ao tribunal pelas partes, bem como de solicitar outras que
entender necessárias para que possa firmar sua convicção a respeito da
demanda167.
Este é o entendimento de Carlos Alberto Carmona168:
[...] o juízo arbitral tem poderes instrutórios amplos, podendo determinar a produção de provas, designando audiências quando necessário, inquirindo partes, testemunhas e peritos, fazendo inspeções, exames e vistorias. O próprio tribunal arbitral providenciará a intimação das testemunhas, das partes e dos peritos, na forma estabelecida no procedimento arbitral adotado.
No que tange ao processo judicial, o direito brasileiro dispõe sobre o
assunto quando, no artigo 131 do Código de Processo Civil, estabelece que:
Art.131- O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá, indicar na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
165 DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, 1986. p. 95 166 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, 2000. p.77 167 LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na concessão de serviço público. – Perspectivas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem , São Paulo, v. 5, n. 17, p. 342-354, jul./set. 2002. p. 85 168CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem internacional. Revista Forense. Rio de Janeiro. v.91. n.329. p.25-39. jan./fev. 1995. p. 35
90
Desse modo, tanto o juiz como o árbitro externarão seu
convencimento em sua decisão, ou seja, por intermédio da sentença, seja ela
judicial ou arbitral. Entretanto, não se pode olvidar que, em se tratando do árbitro,
este, diferentemente do juiz togado, goza da prerrogativa de decidir por
eqüidade169. Nestes casos existem legislações que dispensam a motivação da
decisão, como na lei pátria.
O princípio da livre convicção do árbitro também pode ser encontrado
nas disposições da Lei Modelo da UNCITRAL, que contém os regulamentos de
instituições arbitrais; estes ofertam a possibilidade de o árbitro determinar a
produção de provas complementares necessárias para elucidar questões e com
isso formar seu próprio convencimento170.
Outra questão interessante reside no disposto pelo artigo 21 do
Regulamento da CCI171, que predispõe o exame prévio do laudo pela Corte de
Arbitragem, podendo determinar modificações de forma, “mas sempre
respeitando a liberdade de decisão do árbitro”.
169 Sobre o que significa julgar por eqüidade, é importante esclarecer que esta deve ser considerada numa acepção forte, porém, não sendo “uma decisão arbitrária ou à margem das concepções jurídicas gerais”, permite ao árbitro “apreciar com considerável margem de liberdade todos os argumentos jurídicos ou extra-jurídicos que tenham um mínimo de relevância social objectiva”. PINHEIRO, Luiz Pedro Rocha de Lima, Arbitragem transnaciona-, A determinação do estatuto da arbitragem, Coimbra: Almedina, 2005. p. 160 Na anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 31.03.1993 (R.O.A., 1995, p. 87-122). Diz-se nesse Acórdão: “[…] a Convenção de Arbitragem cometeu ao Tribunal o encargo de julgar este litígio segundo a equidade. Julgar conforme a equidade não significa, para o Tribunal, rejeitar o Direito positivo, muito menos decidir arbitrariamente: quer tão-somente dizer que ele deve ultrapassar os critérios abstractos e formais fornecidos pela norma positiva e encontrar a solução mais justa, mais razoável, mais proporcional e mais equilibrada para os interesses em disputa, extraindo todas as potencialidades do juízo ex aequo et bono […]”, p. 100. 170 Lei Modelo da UNCITRAL 171 CCI (Câmara de Comércio Internacional de Paris)
91
No que diz respeito às Convenções de Nova York de 1958 e do
Panamá de 1975, ambas cotejam o princípio, apenas ressalvando a questão do
respeito à ordem pública.
Por fim, a Convenção de Washington, de 1965, de maneira expressa
alberga o princípio da livre convicção do árbitro em seu artigo 48.4, estabelecendo
que os árbitros podem formular voto particular, estejam ou não de acordo com a
maioria, ou manifestar voto dissidente.
4.4. Principio da Autonomia da Vontade
Feita a análise dos princípios jurídicos fundamentais ao procedimento
arbitral, passemos agora a analisar aquele que consideramos o princípio basilar
do instituto arbitral: o princípio da autonomia da vontade.
Para melhor compreensão, dividiremos a explanação deste princípio
em duas partes: primeiramente discorreremos sobre a autonomia da vontade das
partes e, a seguir, trataremos da autonomia do tribunal arbitral.
4.4.1. Autonomia das Partes
92
O princípio ora em estudo estabelece que o processo arbitral se
encontra na disponibilidade das partes. Tal disponibilidade de certos direitos
garante às partes envolvidas numa controvérsia a prerrogativa de eleger o
caminho mais adequado para a sua solução. Podem elas, se assim quiserem,
abrir mão de seus próprios direitos, lembrando que são duas as opções que tem o
particular diante da perturbação de um interesse privado: defender-se ou
consentir172.
Manifestando-se a respeito do princípio da autonomia da vontade das
partes, Francisco dos Santos Amaral173 conceitua-o como:
[...] A esfera da liberdade de que o agente dispõe no âmbito do direito privado chama-se autonomia, direito de reger-se por suas próprias leis. Autonomia da vontade é, portanto, o princípio de direito privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e efeitos. Seu campo de aplicação é, por excelência, o direito obrigacional, aquele em que o agente pode dispor como lhe aprouver, salvo disposição cogente ao contrário. E quando nos referimos especificamente ao poder que o particular tem de estabelecer regras jurídicas de seu próprio comportamento, dizemos em vez de autonomia da vontade, autonomia privada. Autonomia da vontade como manifestação da liberdade individual no campo do direito.
A escolha do procedimento arbitral como meio de solução de
controvérsias implica a livre manifestação de vontade das partes, por intermédio
da instituição da convenção de arbitragem, aqui entendida como a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral. Tal convenção age como
172 GIRALDEZ, Ana Maria Chocrón. Los principios procesales en el arbitraje. Barcelona: José María Bosch Editor, 2000. p. 19-20.
93
demonstração do consenso das partes, assim como também serve de fonte para
a determinação da competência do tribunal arbitral; isso porque não se pode
olvidar que o referido tribunal somente poderá operar dentro dos limites que lhe
foram autorizados174. Logo, a autonomia das partes, como se pode notar, é
requisito indispensável para a existência do processo arbitral e ao mesmo tempo
disciplina os seus mais diversos aspectos.
No que tange ao processo arbitral internacional, podemos afirmar que
o seu próprio desenvolvimento repousa na vontade das partes, diante da ampla
liberdade decisória que detêm, dentre outros fatores, ao se iniciar a instauração
do processo arbitral; ao delimitar sobre o objeto do processo; ao deliberarem
sobre o número árbitros que atuarão no processo; ao escolherem as regras
procedimentais a serem usadas no curso do procedimento; ao estabelecerem o
local em que se dará a arbitragem; ao indicarem a língua a ser usada nos
procedimentos; e ao determinarem qual será a lei cabível ao mérito da causa.
Diante do exposto, são várias de várias ordens as formas com que o
princípio da autonomia da vontade das partes se manifesta no processo arbitral.
Entretanto, é imperioso que se diga que, apesar de amplo, tal princípio não é
ilimitado, pois o pressuposto de que as partes devem ser tratadas com igualdade
funciona como ressalva à sua própria autonomia.
173AMARAL NETO, Francisco dos Santos.A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Informação Legislativa. Brasília. v.26. n.102. p.207-30. abr./jun. 1989. 174 REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Law and practice of international commercial arbitration, London: Sweet & Maxwell, 1993. p. 5
94
A noção de ordem pública, por seu turno, também se coloca como
uma limitação ao princípio da autonomia da vontade; sobre este assunto
discorreremos mais adiante, no momento em que estivermos tratando sobre as
causas de denegação de reconhecimento da decisão arbitral.
4.4.2. Princípio da Autonomia do Processo Arbitral
O princípio da autonomia do processo arbitral tem por objetivo garantir
que o tribunal arbitral realize suas atividades de forma adequada, evitar o
prolongamento desmotivado do procedimento em virtude de sucessivos
incidentes judiciais e conservar de modo eficiente a vontade das partes,
assegurando que as leis ou tribunais nacionais não acabem por alterar ou
invalidar o que o Estado deu ensejo que fosse deduzido de sua jurisdição.
Com efeito, o princípio ora em pauta existe principalmente em razão
da observância dos ordenamentos legais e da ingerência dos órgãos jurisdicionais
estatais. Isto porque a arbitragem internacional é um processo exclusivamente
privado, possuindo um alto grau de independência e auto-suficiência.
Entretanto, assim como se dá em relação às partes, esta
independência também não é ilimitada, pois existem inúmeras disposições legais
que demonstram as circunstâncias em que o procedimento arbitral está adstrito
às intervenções externas.
Isto posto, existe uma corrente doutrinária denominada “teoria da
deslocação”, que defende a tese de que o procedimento arbitral, ressalvada a
95
fase de execução, é um meio de solução de controvérsias inteiramente
independente de qualquer forma de controle estatal. Ocorre que esta teoria não é
amplamente aceita, pois aduzem aqueles que contrários são à completa e integral
independência do processo arbitral em relação aos órgãos estatais que a
arbitragem não se pode situar em um “vazio legal”, onde a mesma deve sujeitar-
se à autoridade estatal em determinadas circunstâncias. Isto sem infringir os
limites previstos em lei, pois não se pode esquecer que a autonomia do processo
não é senão uma caução para a sobrevivência do instituto175.
Convém ainda ressaltar que, na arbitragem internacional, como
expusemos, as partes possuem ampla liberdade para compor seu processo,
sendo raras as oportunidades em que ela se desenvolve conforme uma lei
processual atrelada a um país. A contrário sensu, de modo geral, impera a
autonomia do processo arbitral, em relação à elaboração e à aplicação de regras
procedimentais cada vez mais distintas dos ordenamentos estatais176.
Assim, como não é freqüente que os tribunais arbitrais se remetam a
uma lei adjetiva nacional, unicamente a título subsidiário pode intervir esta
última177.
175DURRANT, Lovell White. International commercial arbitration: a handbook. 2ª ed. Londres: LLP, 1999. p. 17. 176 Reconhecendo a autonomia do processo arbitral em relação às legislações nacionais, Pieter Sanders sustenta que "Os regulamentos de arbitragem se esforçam graças à liberdade que lhes concedem, geralmente, as legislações e jurisprudência, de regular de maneira apropriada e completa, o procedimento arbitral. Isto contribuía para criar posição bastante independente dos árbitros. No plano internacional, onde a arbitragem desempenha papel cada vez mais importante, pode-se distinguir uma tendência no sentido da desnacionalização da arbitragem". STRENGER, Irineu. STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: Ltr, 1996. p. 274 177 CHILLÓN Medina, José Maria; Merino Merchán, José Fernando. Tratado de arbitraje privado interno e internacional, Madrid : Civitas, 1978. p. 456.
96
Na Lei-Modelo da UNCITRAL, encontramos fundamento para a
afirmação da autonomia do processo arbitral em relação aos órgãos judiciais
nacionais, ao dispor que nenhuma corte estatal tem autoridade para interferir nas
matérias por ela reguladas, encontrando exceção apenas nas hipóteses
expressamente previstas no próprio diploma legal.
Note-se que, quando se fala em controle judicial sobre o procedimento
arbitral, é importante saber que o poder estatal atua apenas como uma forma de
garantir que o processo arbitral se realize dentro de um padrão mínimo de
objetividade e justiça.
Quando se fala em arbitragem internacional, de modo geral não se
admite que nenhum órgão estatal, seja ele de primeira ou segunda instância,
conheça do mérito da causa arbitral. Assim sendo, quando se fala em controle do
Estado sobre a arbitragem, este somente se perfaz em face da anulação do
laudo, e nunca para sua reformulação.
Cumpre-nos ainda assinalar que a anulação de um laudo arbitral tem
efeito legal em todos os Estados signatários da Convenção de Nova York, bem
como no Estado em que foi prolatada, já que, segundo a Lei Modelo, uma vez
inválida a decisão arbitral em seu país de origem, dá ensejo à recusa ao seu
reconhecimento e execução178.
178 REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Law and practice of international commercial arbitration. Londres: Sweet and Maxwell, 1986, p. 322.
97
Complementando nosso estudo pontual sobre o princípio da
autonomia da vontade, Pierre Lalive179, escrevendo sobre sua amplitude defende
que
[...] este princípio de reconhecimento de tal forma que é amplo em todos os sistemas nacionais e de direito internacional, ao ponto de poder ser considerado como um costume internacional ou como um princípio geral de direito reconhecido pelas nações civilizadas.
179 LALIVE, Pierre, Ordem publica transnacional e arbitragem internacional, Revista do Direito do Comércio e das Relaçoes Internacionais, Vol. 1, 1989. p. 25-69
98
CAPÍTULO IV
DO RECONHECIMENTO E DA EXECUÇÃO DOS LAUDOS ARBITRAIS
ESTRANGEIROS
1. Regime Jurídico Aplicado ao Reconhecimento das Decisões Estrangeiras
Ante uma sociedade complexa, estratificada, especializada, amorfa e
composta por inúmeros Estados como esta em que vivemos, é impossível impedir
que exista, dentre outros aspectos, um intercâmbio de pessoas, de serviços, de
mercadorias. Desta feita, é de suma importância que exista uma cooperação
entre os diversos Estados180.
É certo que essa cooperação jurídica internacional181 se desenvolve a
partir do estabelecimento de normas capazes de disciplinar as relações jurídicas
advindas desse intercâmbio. De modo geral, tais normas são obtidas por
intermédio de tratados multilaterais que, em última análise, podem ser vistos
como uma tentativa de criação de um direito internacional harmonizado ou
uniformizado.
180 E ainda, dentro do que entende Alcalá Zamora "…El progreso incesante y vertiginoso de los medios de comunicación; las cada día mayores relaciones mercantiles, políticas e intelectuales entre las naciones del mundo; la expansión internacional de ciertos idiomas e inclusive el alarmante perfeccionamiento del poderío bélico, con la invención de armas que ponen en peligro la existencia misma de la humanidad, son factores que contribuyen a fomentar y aún a exigir la cooperación entre los distintos Estados de la tierra". ALCALÁ, Zamora, Bases para unificar la cooperación procesal internacional, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, año VII, Número 22-23, enero-agosto de 1975. p.133 181 O auxílio e cooperação jurídica internacional podem ser entendidos como atividade de natureza processual desenvolvida por um Estado a serviço de um processo regido por outra jurisdição. A assistência, auxílio ou
99
Entretanto, não se pode olvidar que cada Estado soberano goza do
poder exclusivo no que diz respeito à elaboração, à execução e à aplicação das
leis182 e, ainda, em função da tripartição de poderes, essa soberania em geral é
exercida por intermédio de representação183.
Isto significa dizer que, quando o Poder Legislativo, ao exercer sua
parcela de soberania, edita uma lei, esta poderá ser distinta das leis dos outros
Estados. Destarte, cada Estado possui suas próprias normas, e em meio a estas
normas encontram-se aquelas destinadas a disciplinar os “conflitos de leis184”, ou
seja, leis que tratam da aplicação e da interpretação de outras leis185.
cooperação podem ocorrer em vários níveis, que variam desde atos de mero trâmite probatório, como as medidas cautelares, até chegar ao reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais. 182 Jellinek em sua obra Teoria Geral do Estado, entende a soberania como o poder incontestável do Estado de auto-regulamentação por meio da exclusividade na elaboração, execução e aplicação das leis. JELLINEK. Georg. Teoria general del estado, (Trad.) Fernando de Los Rios, Buenos Aires: Albatros, 1954. p. 356-379 183 A convenção Interamericana sobre eficácia das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros- Um paralelo com o direito interno brasileiro e como projeto de lei de aplicação de normas jurídicas. FIORATI, Jete Jane. A Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros: um paralelo com o direito interno brasileiro e como projeto de lei de aplicação de normas jurídicas. Revista de Informação Legislativa. v.33. n.130. p.19-33. 1996. p. 21 184 Sobre esta questão, ainda que indo um pouco além do nosso tema, é interessante verificar o pensamento de Vicente Marotta Rangel, que quando se pronuncia a respeito dos conflitos internacionais, chega às seguintes conclusões (em síntese): (1) O conflito dos tratados internacionais com a ordem estatal, é aspecto essencial para validade do Direito; (2) Soluções dadas pela doutrina valem na medida da validade social e da política interna a que a doutrina está relacionada; (3) O problema das relações dos tratados internacionais com a ordem jurídica interna deve ser considerado na dupla perspectiva: emanada do Direito das Gentes e do Direito Interno; (4) Cabe a cada Estado decidir se considera o Tratado parte integrante do seu ordenamento jurídico; (5) As Constituições de cada Estado assumem importância fundamental na relação com as convenções; (6) As normas estatais devem dispor sobre a validade e condições sobre o cumprimento dos tratados; (7) O conflito entre tratado e norma interna pressupõe suas conclusões; (8) A solução ideal e desejada é a harmonização da ordem jurídica interna com a ordem jurídica internacional; (9) Concorre para a harmonia, a jurisprudência que considera o tratado com superioridade hierárquica à ordem interna; (10) É comum no Direito Internacional privilegiar a hierarquia e o compromisso assumido, daí a preeminência do tratado; (11) É irregular a conclusão de tratados que transgridam a ordem interna; (12) Não são nulas as normas internas conflitantes com os tratados. (fonte) 185 FIORATI, Jete Jane. A convenção Interamericana sobre eficácia das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros- Um paralelo com o direito interno brasileiro e como projeto de lei de aplicação de normas jurídicas, 1996. p. 21
100
Com efeito, sobre o conflito de leis, assim salienta Eugênia Galvão
Teles186:
[...]As situações jurídicas plurilocalizadas ou internacionais levantam dois grandes problemas: a determinação da lei aplicável a essas relações e a determinação do tribunal competente para julgar e decidir os litígios que decorram dessas situações. Para resolver estes problemas, vários ordenamentos jurídicos estabelecem regras de conflitos de leis e conflitos de jurisdições. As primeiras têm a função de determinar a lei aplicável às situações jurídicas em contacto com mais do que uma ordem jurídica; as segundas visam estabelecer em que circunstancia um tribunal tem competência pra julgar e decidir um litígio com elementos internacionais.
Pois bem, associadas às regras que regulamentam a resolução do
conflito de leis no espaço ou no direito internacional privado estão as regras que
se dirigem ao reconhecimento de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros, para
efeitos de sua execução em território nacional187.
Não obstante, o Poder Judiciário, ao realizar sua primordial função que
é o julgamento de lides, o faz dentro de um determinado limite. Como se sabe,
186 TELES, Eugenia Galvão. O reconhecimento de sentenças estrangeiras: o controle da competência do Tribunal de origem pelo Tribunal requerido na Convenção de Bruxelas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. v.37. n.1. p.119-69. 1996. 187 FIORATI, Jete Jane. A convenção Interamericana sobre eficácia das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros- Um paralelo com o direito interno brasileiro e como projeto de lei de aplicação de normas jurídicas, 1996. p. 21
101
suas decisões estão adstritas tanto aos limites de determinado território, como às
normas ali vigentes naquele momento188.
Ocorre que, por força da comitas gentium189, o respeito à soberania
dos Estados190 cede espaço à prática de determinados atos oriundos do
estrangeiro e, dentre estes atos, está o reconhecimento de sentenças judiciais e
laudos arbitrais advindos de outros Estados, para efeitos de execução no território
nacional.
Atualmente verifica-se uma tendência generalizada para o
reconhecimento de sentenças ou laudos estrangeiros, pois permitir tal
reconhecimento é sentido como necessário ao bom funcionamento da vida
jurídica internacional. É possível afirmar ainda que, após realizar-se uma análise
de Direito comparado de várias legislações internas de Direito Convencional,
verifica-se um movimento no sentido de facilitar o reconhecimento de sentenças
estrangeiras191.
188 No campo do Direito Internacional Privado, quando se aborda a questão da jurisdição internacional, é imperioso que se analise alguns dos seus aspectos. O primeiro aspecto é com relação à competência do Estado para conhecer uma controvérsia que lhe é submetida; a seguir deve se verificar sobre a competência do tribunal estrangeiro em produzir uma decisão em com condições de ser reconhecida e executada por outro tribunal, e o terceiro e último aspecto, compreende a análise da denominada prorrogação da competência. CÁRDENAS, Lídia Feldstein de, Panorama Del sistema de derecho internacional privado argentino en materia de reconocimiento y ejecución de sentencias y laudos arbitrales extranjeros, www camsantiago.com. acesso em 19/11/2006. 189 Comitas gentium, Locução latina que designa a cortesia internacional entre Estados. 190 Quando se fala em permitir a prática de determinados atos oriundos do estrangeiro, nos vêm a mente as idéias transcritas por Jorge Luiz Mialhe, (nosso orientador) quando este traz a baila o pensamento do Frei dominicano espanhol Francisco de Vitória (1492-1546), aludindo que, “... o defensor da idéia de a sociedade internacional ser “orgânica e solidária”, o que conduz a concepção de que os Estados têm uma soberania limitada. MIALHE, Jorge Luiz. Desafios no Ensino do Direito Internacional Público e do Direito da Integração em tempos de globalização. in, Revista Impulso, V. I4, nº 33, janeiro-abril, Piracicaba: Editora Unimep, 2003. p. 85 191 CORREIA, Ferreira. “La Reconnaissance et l’Execution dês Julgements etrangers em Matiére Civile et Commerciale (Droit Compare). Estudos varios de Direito, Coimbra, 1982. p. 103-104.
102
Contudo, é imperioso salientar que as sentenças estrangeiras não são
tratadas como sentenças nacionais. Isto implica admitir-se que, enquanto se
reconhecem automaticamente efeitos às sentenças nacionais, no que tange às
sentenças e aos laudos arbitrais estrangeiros, seu reconhecimento e sua
execução ocorrem somente após serem submetidos à apreciação do Poder
Judiciário local192.
Tanto no Direito dos vários Estados, como no Direito interno, como
também nas Convenções internacionais que tratam do reconhecimento de
sentenças estrangeiras, podemos verificar uma série de requisitos que devem ser
preenchidos antes de adquirirem eficácia, donde se abstrai que somente aqueles
laudos que estiverem em conformidade com tais requisitos poderão pretender o
reconhecimento193.
Sem embargo, sobre a questão do reconhecimento e da execução das
decisões arbitrais estrangeiras, aponta Sara Lídia Feldstein de Cárdenas:
[…] Esta temática implica básicamente dar respuesta a las siguientes alternativas [...] una se refiere a la elección entre la aceptación o el rechazo de la eficacia de las decisiones judiciales dictadas por órganos jurisdiccionales o arbitrales extranjeros y la otra, quizás la más relevante, en caso de aceptar la eficacia, consiste en resolver si el reconocimiento precisa o no de un control previo de la resolución respectiva.
192 TELES, Eugenia Galvao. O reconhecimento de sentenças estrangeiras: o controle da competência do Tribunal de origem pelo Tribunal requerido na Convenção de Bruxelas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. v.37. n.1. p.119-69. 1996. 193 TELES, Eugência Galvão. O Reconhecimento de sentenças estrangeiras: Controle da competência do Tribunal de origem pelo Tribunal requerido na Convenção de Bruxelas de 27 de setembro de 1968, p.119-69. 1996.
103
Estamos en presencia de los denominados sistemas de reconocimiento de "autorización previa" o "sistemas de reconocimiento automático", respectivamente. Por cierto y como ya hemos señalado en un trabajo anterior, que aún en el último de los sistemas los Estados convienen en imponer una serie de condiciones mínimas que se justifican por la especial naturaleza de las relaciones jurídicas internacionales regladas.
Nesta perspectiva, são de duas ordens os critérios utilizados para a
concessão de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras. De acordo
com o critério da autorização prévia, para fins de reconhecimento, é forçoso que
se obtenha uma prévia declaração de autorização por parte dos tribunais estatais
requeridos; porém, em se falando do critério de reconhecimento automático da
decisão estrangeira, esta prescinde de autorização prévia, pois ela adquire
validade e eficácia dentro do território dos outros Estados de maneira
automática194.
A título de complementação, sobre o reconhecimento das decisões
estrangeiras é oportuno saber que um dos princípios norteadores que permeiam
alguns marcos normativos é o da não-interferência ou controle mínimo por parte
do estado requerido. Neste sentido está o teor da Convenção de Bruxelas de
1968195. Pautada neste princípio, a referida Convenção consagra presunção de
194 É importante frisar que, independentemente do sistema adotado, nenhum Estado oferta eficácia e validade a uma decisão estrangeira, sem estabelecer algum tipo de condição. CÁRDENAS, Panorama Del Sistema de Derecho Internacional Privado Argentino en Materia de Reconocimeiento y Ejecution de Sentencias y Laudos Arbitrales Extranjeros, 2005. 195 Importante consignar que, ao se mencionar um controle mínimo, não se está a firmar sobre a um reconhecimento “cego”. Senão vejamos o que determinam os artigos 27, 28 e 29 da Convenção de Bruxelas, Artigo 27.º As decisões não serão reconhecidas: 1. Se o reconhecimento for contrário à ordem pública do Estado requerido; 2. Se o ato que determinou o início da instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir lhe a defesa; 3. Se a decisão for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido; 4. Se o tribunal do Estado de origem, ao proferir a sua decisão, tiver desrespeitado regras de direito internacional privado do Estado requerido na apreciação de questão relativa ao estado ou à capacidade das pessoas singulares, aos regimes matrimoniais, aos testamentos e às sucessões, a não ser que
104
validade da resolução judicial emanada de um órgão jurisdicional de um Estado
contratante e a nítida adoção por parte do legislador de um sistema de
reconhecimento automático. Isto se explica em face da confiança que se deposita
nos tribunais dos outros Estados contratantes.
1.1. Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais – Distinções
Ainda dentro desta temática, importa dizer que, tanto no âmbito
nacional como no internacional, a doutrina se preocupa em distinguir o que se
entende por reconhecimento e execução de sentenças e laudos estrangeiros.
Logo, podemos afirmar que toda sentença declarativa, constitutiva e
condenatória é suscetível de reconhecimento em um Estado distinto daquele do
qual procede; entretanto, somente as sentenças condenatórias é que são
passíveis de execução. É imperioso expor, ainda, que não é possível ocorrer a
execução de uma decisão sem que a mesma tenha sido previamente
reconhecida; entretanto, no que tange ao reconhecimento, podemos afirmar que
a sua decisão conduza ao mesmo resultado a que se chegaria se tivessem sido aplicadas as regras de direito internacional privado do Estado requerido; 5. Se a decisão for inconciliável com outra anteriormente proferida num Estado não contratante entre as mesmas partes, em ação com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado requerido. Artigo 28.º As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 5 do título II ou no caso previsto no artigo 59.° Na apreciação das competências referidas no parágrafo anterior, a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado de origem tiver fundamentado a sua competência. Sem prejuízo do disposto nos primeiros e segundo parágrafos, não pode procederse ao controlo da competência dos tribunais do Estado de origem; as regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 27.° Artigo 29.º As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.
105
uma decisão pode ser reconhecida e não necessariamente ser executada, pois
execução e reconhecimento são noções absolutamente distintas196.
Por reconhecimento entende-se o exame de admissibilidade jurídica
de um pronunciamento ditado no estrangeiro, compreendido como o conjunto de
atos processuais através dos quais se verifica a existência ou não dos requisitos
de admissibilidade da sentença estrangeira, ao passo que, por execução,
entende-se a pretensão de imputar força executiva a um pronunciamento
prolatado no estrangeiro.
Em outras palavras, o “reconhecimento” implica o ato através do qual
a sentença — ou laudo — estrangeira é considerada definitiva e vinculante entre
as partes, e a “execução” pode ser tida como o procedimento em que o titular de
uma sentença estrangeira a seu favor obtém a via processual efetiva para
recobrar seu crédito.
Ocorre que, coincidentemente, tanto para o reconhecimento como
para a execução de uma sentença ou laudo proferido no estrangeiro, é preciso
que se cumpram determinados requisitos de ordem formal, material e processual.
De modo geral, no que diz respeito ao controle dos referidos institutos,
temos que este tende em maior ou menor medida de acordo com as respectivas
características. No reconhecimento, verifica-se se os ditames estrangeiros
possuem as formalidades externas necessárias para serem considerados
autênticos no Estado de onde precedem; no que diz respeito à execução, o
196 CÁRDENAS, Lídia Feldstein de, Panorama Del sistema de derecho internacional privado argentino en
106
objetivo é assegurar-se da regularidade do processo levado a cabo no estrangeiro
e do cumprimento do devido processo por parte do juiz que ostente a
competência internacional. Por ultimo, é importante aludir que, em ambos os
casos, existe a verificação quanto à ofensa da ordem pública do Estado
Requerido.
Ou, ainda, quando se fala em reconhecimento, este constitui
providência defensiva, dirigida no sentido de fazer valer, no ordenamento interno
do Estado requerido, a autoridade da coisa julgada que provém da decisão, não
permitindo, assim, que se realize nova discussão sobre o mérito da causa em
sede judicial ou arbitral. Já a execução possui claro caráter coercitivo, vez que,
além de possibilitar o reconhecimento da sentença estrangeira, permite que a
parte interessada pleiteie ao tribunal judicial a utilização dos meios coativos
necessários à satisfação do julgado197.
1. 2. Execução do Laudo Arbitral Estrangeiro
Normalmente, após o ditame efetuado pelo árbitro, as partes cumprem
espontaneamente o que nele ficou estabelecido. Esta costuma ser a regra na
seara do comércio internacional.
Não é muito comum, para um comerciante que atua no âmbito
internacional, o inadimplemento de uma decisão arbitral, visto que tal ato pode
ocasionar maiores prejuízos para seus negócios.
materia de reconocimiento y ejecución de sentencias y laudos arbitrales extranjeros,2006. 197 REDFERN, Alan e HUNTER, Martin. 1994, p. 364, 365
107
Em estudo realizado com objetivo de analisar esta questão, Hermes
Marcelo Huck198 apontou que
[...] Perante uma jurisdição classista, fica mais difícil para a parte vencida fugir à obrigação imposta pela condenação. A repercussão desse inadimplemento junto à classe (ao mercado) pode trazer, muitas vezes, prejuízos maiores do que o valor da condenação imposta pelos árbitros.
Quem também expôs pensamento sobre o tema foi Guido Soares,199
quando afirma que:
[...] O que se verifica na prática do comércio internacional, é que as sentenças arbitrais, em particular aquelas que contêm uma condenação, são executadas de boa fé (mesmo contra a vontade do perdedor), com base no respeito à própria palavra (de ter submetido um direito próprio, por uma decisão racional, á decisão de um terceiro de confiança) e no temor das sanções de ordem corporativa (o descrédito perante a comunidade internacional de seus pares, a perda de confiança dos atuais parceiros ou de futuros parceiros etc).
Contudo, existem casos em que as partes não cumprem
voluntariamente o estabelecido pelo árbitro no laudo arbitral; neste caso, para que
se obtenha o almejado adimplemento, necessário se faz buscar o Poder Judiciário
que, por intermédio da execução compulsória, irá garantir o cumprimento da
referida decisão.
198 HUCK, Marcelo Hermes, 1994. p.70 199 SOARES, Guido F.S.. O Supremo Tribunal Federal e as arbitragens comerciais internacionais: “de lege ferenda”, Revista dos Tribunais. São Paulo. v.78. n.642. p.38-71. abr. 1989. p. 46
108
É através do processo de execução que a parte obterá a eficácia do
laudo arbitral, no caso de inadimplemento do mesmo.
Como bem alinhava Adriana Noemi Pucci200,
[...] os procedimentos de execução dos laudos arbitrais, operam “a instância de parte”, segundo a expressão conhecida na língua castelhana, ou quando provocada pela parte que considera ter sido lesada em seus direitos, segundo expressão da língua portuguesa.
Logo, uma vez proferido o laudo, caso a parte condenada não cumpra
o estabelecido, os ordenamentos jurídicos outorgam os caminhos legais para que
o mesmo seja executado201.
2. Sistemas de Controle e Concessão de Exequátur
O trâmite de execução de uma sentença arbitral estrangeira, em
sentido amplo, compreende dois passos, quais sejam: o reconhecimento da
aludida sentença e a sua posterior execução.
A primeiro passo para o reconhecimento de sentença arbitral
estrangeira é também denominado procedimento de exequátur.
Em síntese, consiste o exequátur na condição de que o Estado ao qual
se submete a execução arbitral estrangeira emita uma declaração de que o
200 PUCCI, Adriana Noemi. A arbitragem nos países do Mercosul. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.86. n.738. p.41-55. abr. 1997. p. 49
109
ditame proferido por um ordenamento jurídico estrangeiro tem a mesma validade
e eficácia de uma decisão prolatada por um órgão nacional.
Tal reconhecimento, que se perfaz por intermédio do exequátur —
normalmente uma apreciação conduzida por um órgão judiciário do país onde se
pretende executar forçosamente uma sentença arbitral estrangeira — tem o intuito
de aferir se a referida decisão, dentre outras coisas, é contrária à ordem pública
interna.
Assim, pode-se afirmar que, o exequátur é o trâmite processual
através do qual a justiça estatal exerce o controle sobre alguns dos elementos e
dos aspectos da sentença arbitral estrangeira e seu objetivo é obter uma
declaração judicial garantindo que tal sentença possui as condições exigidas pela
lei interna ou o tratado aplicável para ser executada.
Desta feita, como limítrofes da autonomia da vontade, estão, além da
ordem pública, as leis imperativas internas do território no qual a decisão arbitral
estrangeira deve ser executada. Isto significa dizer que a infração a um desses
dois elementos conduzirá impreterivelmente ao não-reconhecimento da decisão,
ou de parte dela.
201 PUCCI, 1997. p.49
110
Nada obstante a atual tendência em se buscar uma harmonização das
normas jurídicas pertinentes à arbitragem comercial, o referido instituto ainda
possui um tratamento distinto em cada Estado Soberano202.
São de três ordens os sistemas utilizados para a concessão do
exequátur. Senão, vejamos:
a). Sistema actio judicati: este é caracterizado pela ausência de valoração da
sentença estrangeira ou laudo estrangeiro pela legislação local. A sentença
estrangeira neste sistema é tida apenas como um fato notório, por isso é preciso
que se promova uma nova ação, em que a sentença estrangeira será utilizada
apenas como prova dos fatos e direitos alegados203.
b). Sistema de revisão de mérito: aqui, a jurisdição local aceita a sentença ou
laudo estrangeiro se, após reexaminar o mérito da decisão, esta se encontrar em
consonância com o direito do Estado de origem e o direito local204.
c). Sistema de delibação: este prescreve, para efeitos de exequátur da sentença
ou laudo arbitral estrangeiro, que, após o cumprimento de determinados requisitos
202 Em decorrência deste fato, pode ocorrer que uma matéria que, em certo Estado seja arbitrável, em outro, possa não o ser. Caso a sentença arbitral estrangeira proferida em determinado Estado verse sobre matéria que não possa ser objeto de arbitragem, a conseqüência direta é a possibilidade de recusa, pela autoridade competente do Estado onde a sentença será executada, do seu pedido de reconhecimento, desde que tal questão seja suscitada pela parte interessada. 203 BARROS LEÃES, Luiz Gastão, Juízo Arbitral, p.254 204 Importante destacar que este sistema é comum aos Estados latino-americanos, como o Brasil e a Argentina, e aos Estados que sofreram em sua legislação influência da doutrina alemã. BARROS LEÃES, Luiz Gastão. Juízo Arbitral, p. 254
111
de cunho formal, não havendo contrariedade entre estes atos e a ordem pública
local, os mesmos sejam aceitos205.
Da análise crítica dos sistemas de concessão de exequátur, as
observações que fazemos aos dois primeiros sistemas são as seguintes:
Primeiro, no sistema actio judicati, ao obrigar que as partes busquem
um novo título judicial, verificamos uma latente ofensa às regras de solidariedade
internacional, bem como uma flagrante infração ao princípio da economia
processual, pois dificilmente se obterá uma decisão contrária a um fato notório.
Quanto ao sistema de revisão de mérito, entendemos que, ao realizar
um novo julgamento da decisão, estamos a impingir ao órgão que emitiu esta
sentença ou laudo arbitral o caráter de mera instancia inferior.
Outro ponto que merece ser sublinhado é que, tanto o sistema actio
judicati como o sistema de revisão de mérito possuem natureza de jurisdição
contenciosa, vez que sugerem a ocorrência de um novo julgamento ou
rejulgamento da mesma questão, objeto da sentença estrangeira206.
Destarte, assim como a norma de direito estrangeiro é aplicável por
força das regras de conflitos de leis, na medida em que a sentença estrangeira é
homologada, torna-se nacional207.
205 BARROS LEÃES, Luiz Gastão, Juízo Arbitral. Homologação de decisão estrangeira. In: Revista dos Tribunais, nº 547, São Paulo, p. 254. 206 FIORATI, 1996. p. 21 207 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, V.26, Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1971. p. 530 e 602
112
Insta acrescentar ainda que é inteiramente plausível a rescisão de uma
sentença homologatória de decisão estrangeira, pois, como foi dito, é por
intermédio da homologação que passa a ter eficácia. Entretanto,
independentemente do sistema de concessão do exequátur, não é lícita a rescisão
de sentença estrangeira pela jurisdição local208.
Em todos ordenamentos, de modo geral, para a concessão do
exequátur, são exigidos os seguintes requisitos209:
a). Questões formais: autenticação por autoridade competente, idioma nacional ou
tradução do laudo para o idioma nacional.
b). Questões de fundo: que o laudo não se oponha à ordem pública nacional, que
a demanda tenha sido notificada ao demandado e o processo se tenha realizado
em contraditório.
c). Que o objeto litigioso não seja de competência exclusiva dos juízes nacionais.
d). Que exista um tratado sobre a matéria com o país de origem e que em seu
efeito se reconheça a reciprocidade; análise de mérito, mas apenas numa
avaliação de requisitos meramente formais.
208 CÁRDENAS, 2006. 209 FÀBREGA, 1991. p.33-106
113
3. Regime Jurídico Aplicado ao Reconhecimento de Laudos Arbitrais
Estrangeiros na América do Sul
3.1. Âmbito de produção jurídica interamericano: CIDIP
Ao aceitarmos a doutrina sobre a natureza jurídica do direito
internacional privado, entendendo que este é um ramo do direito público e interno
de cada Estado210, estamos a dizer, por conseguinte, que cada Estado possui
suas normas específicas sobre o conflito de leis e, ainda, que tais normas podem
ser distintas de um Estado para os outros. Isso nos faz intuir que qualquer
tentativa de conciliação das regras relacionadas à disciplina do conflito de leis,
somente poder advir por intermédio de tratados internacionais211.
Faremos então um breve apanhado sobre os tratados referentes à
tentativa de unificação e harmonização dos conflitos de leis na América do Sul.
No anseio de criar normas que fossem capazes de sistematizar o
conflito de leis na América Latina, a princípio foram realizados dois Congressos
em Montevidéu. O primeiro, em que foram assinados os denominados Tratados
de Montevidéu212, ocorreu em 1839 e estiveram presentes o Brasil, a Argentina, o
Uruguai, o Paraguai, o Chile e a Bolívia. Quanto ao segundo Congresso, realizou-
210 Muitos doutrinadores buscaram extrair princípios gerais do direito internacional público para reger o direito internacional privado; para tanto, utilizaram as mais distintas argumentações jurídicas, com o intuito de demonstrar esse relacionamento mútuo entre ambas. Essa tarefa culminou na afirmação de que o direito internacional privado se originaria ou resultaria do público. Juristas de grande renome, como, p. ex., Ulricus Huber (1636-1694), Etienne Bartin (1860-1948), Ernst Zitelmann (1852-1925), Pasquale Stanislao Mancini (1817-1888), Ernst Frankenstein (1881-1959), Antoine Pillet (1857-1926) e Josephus Jitta (1854-1925), entre outros, seguiram esse raciocínio. 211 FIORATI, 1996. p. 21 212 Observe-se que os nove tratados foram ratificados por todos os Estados presentes no Congresso menos pelo Brasil.
114
se no ano de 1989; entretanto, é importante que se diga que o Brasil não esteve
presente213.
Paralelamente a esses tratados, em 1885 realizou-se a Primeira
Conferencia Internacional Americana, da qual em 1890 derivou a Oficina
Internacional Americana que, após algumas alterações em 1910, veio a
transformar-se na Organização dos Estados Americanos, de 1948.
Segundo afirmações apontadas por Jete Jane Fiorati, as resoluções
contidas na Primeira Conferência Internacional Americana de 1885 e a Oficina
Internacional Americana de 1890 possuíam uma relação muito próxima com
temas de direito internacional público. Porém, as conferências seguintes, de 1906,
1912 e 1913, por sua vez, voltaram-se para os estudos sobre temas específicos
de direito internacional privado; orientados os seus participantes pela Junta
Internacional de Jurisconsultos, vieram a transformar-se na Comissão de
Jurisconsultos de 1923214.
Foi justamente nesse contexto histórico que, em 1928, na Sexta
Conferencia Internacional Americana, realizada em Havana, surgiu o primeiro
código completo organizado acerca das regras relativas aos conflitos de leis no
mundo, o Código de Bustamante215.
213 FIORATI, 1996. p. 22 214 FIORATI, 1996. p. 22 215 Código de Bustamante - Fruto da Convenção de Havana, Formado em 1928, em Santiago de Cuba, Consiste na codificação do direito internacional privado elaborada pelo jurista cubano Antonio S. de Bustamante y Sirvén.
115
Em 1965, o Conselho advertiu o Comitê sobre a necessidade de
estudar os aspectos jurídicos da integração econômica da América Latina.
A Assembléia Geral da OEA216, em 1971, resolveu convocar uma
Conferência especializada sobre Direito Internacional Privado, que foi pautada
nos modelos técnicos empregados pela Conferência da Haia sobre Direito
Internacional Privado. Dessa forma, ao contrário de buscar rever os tratados de
Montevidéu ou o Código de Bustamante, foi feita a opção pela aprovação de
convenções relativas a assuntos diversos, contendo normas materiais e normas
conflituais.
Com as conferências especializadas interamericanas de direito
internacional privado, buscava-se disciplinar os temas técnicos especializados
nos conflitos de leis, a partir de uma codificação gradual e progressiva do direito
internacional privado.
Até o dia de hoje, foram realizadas cinco Conferências
Interamericanas de Direito Internacional Privado, denominadas “Cedips” números
I, II, III, IV, V e VI que, por metodologia utilizam-se de reuniões técnicas
setorizadas, com aprovação de várias convenções, desviando-se da antiga
tendência de codificações amplas. Isso porque a revisão do Código de
Bustamante ou a elaboração de um grande código de Direito Internacional
216 A Carta da OEA foi aprovada pela Nona Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá no início de 1948. Ela foi reformada em 1967 pela Terceira Conferência Interamericana Extraordinária, realizada em Buenos Aires e em 1985, mediante o “Protocolo de Cartagena das Índias”, assinado no Décimo Quarto Período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral. O Protocolo de Washington (1992) introduziu modificações adicionais, que dispõem que um dos propósitos fundamentais da OEA é promover, mediante a ação cooperativa, o desenvolvimento econômico, social e cultural dos Estados membros e ajudar a erradicar a pobreza extrema no Hemisfério. Além disso, mediante o Protocolo de Manágua (1993), que
116
Privado acabou por se mostrar um assunto extremamente complexo e não
suscitou interesse217.
Em 1975, realizou-se no Panamá a Primeira Conferência
Interamericana especializada de Direito Internacional Privado. Dela resultaram
outras seis convenções218, quais sejam:
CIDIP I - Panamá, 1975219: A importância desta Convenção deve-se
principalmente ao fato de ter sido o primeiro passo concreto para a renovação do
movimento uniformizador da América Latina. Tinha-se em mente ofertar uma nova
estrutura jurídica adequada em matéria comercial, para estimular o
desenvolvimento dos processos de integração regional. A partir desta, obtêm-se
as seguintes convenções:
(i) - Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matérias de Letra de
Cambio e Duplicatas.
(ii) - Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matérias de Cheques.
(iii) - Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias.
(iv) - Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional.
(v) - Convenção Interamericana sobre Recepção de Provas no Estrangeiro.
entrou em vigor em janeiro de 1996, com a ratificação de dois terços dos Estados membros, foi estabelecido o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral. 217 http://www.dip.com.br. Acesso em 07/12/2006.
117
(vi) - Convenção Interamericana sobre Regime Legal das Procurações para
Serem Utilizadas no Exterior.
CIDIP II - Montevidéu, 1979220: Em virtude da não-discussão de todos os temas
da Primeira Conferência Especializada de Direito Internacional Privado, uma nova
conferência foi realizada; desta, resultaram as seguintes convenções221:
(i) -Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional
Privado e Protocolo Adicional Sobre Cartas Rogatórias.
(ii)- Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças e
Laudos Arbitrais Estrangeiros.
(iii) - Convenção Interamericana sobre Prova e Informação de Direito Estrangeiro;
(iv) - Convenção Interamericana sobre Cumprimento de Medidas Cautelares.
(v) Convenção Interamericana de Conflito de Leis em Matéria de Sociedades
Mercantis.
(vi) - Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas em Direito
Internacional Privado.
218 ibid 219 ibid 220 ibid 221 ibid
118
(vii) - Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional
Privado e Protocolo Adicional Sobre Cartas Rogatórias.
CIDIP III - La Paz, 1984222: Aqui tudo ocorreu como nas outras conferências, de
maneira que se extraem daqui as seguintes convenções:
(i) Convenção Interamericana sobre Competência na Esfera Internacional para
Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras.
(ii) Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade Jurídicas de
pessoas jurídicas no Direito Internacional Privado.
(iii) Convenção Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de
Menores; e
(iv) Protocolo Adicional à Convenção Interamericana Sobre Obtenção de Provas
no Exterior.
CIDIP IV - Montevidéu, 1989223: Em se tratando desta Convenção, em função do
pouco tempo que durou, pouco de discutiu. Em suas conclusões, recomendou-se
a convocação da CEdip V, para continuação dos trabalhos, especialmente na
área dos contratos internacionais, assunto sobre o qual foram aprovados apenas
os princípios gerais.
(i) Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar.
119
(ii) Convenção Interamericana Sobre Restituição Internacional de Menores.
(iii) Convenção Interamericana Sobre Contrato de Transporte Internacional de
Mercadorias por Estrada de Rodagem.
CIDIP V - Cidade do México, 1994224: Dentre os assuntos abordados nesta
convenção, sobressai a lei aplicável aos contratos internacionais e aspectos civis
e penais relativos ao tráfico de menores.
(i) Convenção Interamericana Sobre Direito Aplicável aos Contratos
Internacionais.
(ii) Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
(iii) Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher.
(iv) Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores.
Por fim, sobre as Conferências Especializadas, é importante dizer que,
com as atividades desenvolvidas, tem-se buscado criar Convenções com normas
não só conflituais, como também substantivas, de maneira que possam
uniformizar o direito material dos países latino-americanos.
222 ibid 223 ibid 224 Disponível em www. http://www.dip.com.br. Acesso em 02/12/2006
120
Outros pontos das CIDIPs que merecem relevo dizem respeito à sua
concepção universal, à autorização para reservas somente de caráter especial e à
inclusão de cláusulas de interpretação para a sua futura aplicação pelo juiz
nacional.
Após esta breve abordagem de caráter geral no âmbito das
Convenções Especiais – CIDIPs — passemos agora a analisar de forma
direcionada aquelas que dizem respeito ao objeto central de nosso estudo.
O exame ora empreendido nos permite ver que os países principais do
Mercosul aderiram à Convenção de Nova York de 1958. Em face desta
circunstância, trazemos à baila um breve apanhado sobre este tratado tão
significativo para o objeto central de nosso estudo.
4. Normas Aplicáveis ao Reconhecimento e Execução dos Laudos Arbitrais
Estrangeiros no Ordenamento Interno de Cada um dos Países do Mercosul
Estudando a eficácia dos laudos arbitrais estrangeiros nos países do
Mercosul, Noemi Pucci conclui que, "En los cuatro países en análisis, es
necesario que los laudos arbitrales oriundos del extranjero obtengan en primer
lugar el exequátur para que luego puedan ser ejecutados por el juez de primera
instancia competente a tal efecto."
4.1. Argentina
121
Na Argentina, em decorrência da Lei 24.573, antes do ingresso de
qualquer ação em sede civil ou comercial, há o estabelecimento da exigência de
Mediação, em caráter obrigatório. No Código Processual Civil e Comercial da
Argentina, nos artigos 736 a 773 está prevista a arbitragem.
Quanto ao sistema de concessão de exequatur utilizado na Argentina,
cabe assinalar que, o direito positivo argentino, tanto em relação à fonte interna
como à fonte convencional, se alinha dentro da concepção bilaterista.
De acordo com Lídia Feldstein Cárdenas, assim caracteriza-se a
concepção bilaterista,
“… La jurisdicción internacional del juez extranjero son juzgadas desde
los criterios atributivos de jurisdicción del foro, ya que las disposiciones
sobre jurisdicción son bilateralizadas a fin de controlar la jurisdicción del
juez extranjero. Ello implica, como destaca la doctrina más prestigiosa
que, para considerarse que el juez extranjero es competente en la
esfera internacional además de no haber invadido la jurisdicción
exclusiva del Estado requerido, ha detentado jurisdicción internacional
en base a criterios semejantes o análogos a los del juez del foro.”
São nos estudos da mesma autora que buscamos substratos para
abordar sobre o sistema adotado pela Argentina em relação ao
reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras.
Para Lidia Feldstein Cárdenas, o reconhecimento e execução das
decisões arbitrais estrangeiras na Argentina, realiza-se a partir da análise dos
artigos 517, 518 e 519 bis, Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, que
122
se encontram dentro do Capítulo II, intitulado "Sentencias de tribunales
extranjeros. Laudos de tribunales arbitrales extranjeros”
Assim dispõe o artigo 517, 518 e 519 do referido texto legal225,
Artículo 517 - Conversión en título ejecutorio.- Las sentencias de
tribunales extranjeros tendrán fuerza ejecutoria en los términos de
los tratados celebrados con el país de que provengan.
Cuando no hubiese tratados, serán ejecutables si concurriesen
los siguientes requisitos:
1) que la sentencia, con autoridad de cosa juzgada en el estado
en que se ha pronunciado, emane de tribunal competente según
las normas argentinas de jurisdicción internacional y sea
consecuencia del ejercicio de una acción personal o de una
acción real sobre un bien mueble, si éste ha sido trasladado a la
República durante o después del juicio tramitado en el extranjero;
2) que la parte demandada contra la que se pretende ejecutar la
sentencia hubiese sido personalmente citada y se haya
garantizado su defensa;
3) que la sentencia reúna los requisitos necesarios para ser
considerada como tal en el lugar en que hubiere sido dictada y las
condiciones de autenticidad exigidas por la ley nacional;
4) que la sentencia no afecte los principios de orden público 5)
que la sentencia no sea incompatible con otra pronunciada, con
anterioridad o simultáneamente, por un tribunal argentino.
Artículo 518 - Competencia. Recaudos. Sustanciación.- La
ejecución de la sentencia dictada por un tribunal extranjero se
pedirá ante el juez de primera instancia que corresponda,
acompañando su testimonio legalizado y traducido y de las
actuaciones que acrediten que ha quedado ejecutoriada y que se
han cumplido los demás requisitos, si no resultaren de la
sentencia misma.
Para el trámite del exequatur se aplicaran las normas de los
incidentes.
225 Disponível em http://www.caq.org.ar, acesso em 03/12/2006.
123
Si se dispusiere la ejecución, se procederá en la forma
establecida para las sentencias pronunciadas por tribunales
argentinos.
Artículo 519 - Eficacia de sentencia extranjera.- Cuando en juicio
se invocare la autoridad de una sentencia extranjera, esta sólo
tendrá eficacia si reúne los requisitos del Artículo 517.
Artículo 519 bis - Laudos de tribunales arbitrales extranjeros. Los
laudos pronunciados por tribunales arbitrales extranjeros podrán
ser ejecutados por el procedimiento establecido en los artículos
anteriores, siempre que:
1) se cumplieren los recaudos del artículo 517, en lo pertinente y,
en su caso, la prórroga de jurisdicción hubiese sido admisible en
los términos del Artículo 1;
2) las cuestiones que hayan constituido el objeto del compromiso
no se encuentren excluidas del arbitraje conforme a lo establecido
por el Artículo 737226.
Desta feita, cabe observar que, para efeitos de execução no território
argentino, os laudos arbitrais prolatados no estrangeiro equiparam-se às
sentenças.
4.2. Paraguai
No Paraguai, em relação aos Acordos Internacionais, os principais
documentos a que é signatários dos seguintes:
- Convención sobre el Reconocimiento y Ejecución de las Sentencias
Arbitrales Extranjeras, celebrada en Nueva York el 10 de junio de
1958 (Convención de Nueva York);
- Convenio sobre Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones entre
Estados y Nacionales de Otros Estados, celebrado en Washington el
18 de marzo de 1965 (Convenio de CIADI)
226 Disponível em, http://secretjurid.com. Acesso em 03/02/2007
124
- Convención Interamericana sobre Arbitraje Comercial Internacional,
firmada en Panamá el 30 de enero de 1975 (Convención de Panamá).
- Acuerdo Multilateral de Garantía de Inversiones (MIGA).
- Convención Americana sobre eficacia extraterritorial de las
sentencias y laudos extranjero227,.
No que diz respeito às fontes internas responsáveis por disciplinar à
arbitragem internacional,
1.A Constituição Nacional;
2. Os tratados aprovados e devidamente ratificados;
3. E as leis internas, donde citamos: Lei 1879/02 “De Arbitrage e Mediacion”; Lei
117/92 “De Inversiones”; Lei 879/81 “Código de Organización Judicial”; e as Leis
orgânicas das distintas entidades públicas.
Internamente existem limitações a respeito do tipo de controvérsia que
podem ser submetidas a arbitragem. Segundo consta da Lei 1879/02, em seu
artigo 2, determina que
“Art.2.- Objeto del arbitraje. Toda cuestión transigible y de
contenido patrimonial podrá ser sometida a arbitraje siempre que
sobre la cuestión no hubiese recaído sentencia definitiva firme y
ejecutoriada. No podrán ser objeto de arbitraje aquellas en las
cuales se requiera la intervención del Ministerio Público.
Os Estados e entidades descentralizadas, assim como as autarquias
municipais, podem submeter a arbitragem seus conflitos com os particulares,
sejam nacionais ou estrangeiros, sempre que surjam atos jurídicos de contratos
regidos pelo direito privado.
227 Disponível em www.ftaa-alca.org. Acesso em 19/11/2006.
125
O procedimento para o reconhecimento e execução do laudo arbitral
estrangeiro encontra-se previsto no Art. 45 do Código de Organización Judicial:
Un laudo arbitral, cualquiera sea el Estado en el cual se haya
dictado, será reconocido como vinculante y, tras la presentación
de una petición por escrito al órgano judicial competente, será
ejecutado de conformidad a las disposiciones del presente
capítulo. Será competente, a opción de la parte que pide el
reconocimiento y ejecución del laudo, el Juez de Primera
Instancia en lo civil y comercial de turno del domicilio de la
persona contra quien se intente ejecutar el laudo, o, en su defecto
el de la ubicación de los bienes228.
Por fim, em se perquirindo sobre as questões formais, para requerer a
execução da decisão arbitral estrangeira, temos que, a parte interessada deve
apresentar o laudo original, uma cópia do mesmo autenticada e o compromisso
arbitral, devidamente traduzido por tradutor oficial, caso o mesmo não se encontre
em espanhol.
4.3. Uruguai
No que tange aos principais Tratados e Convenções firmados pelo Uruguai,
o mesmo é signatário dos seguintes documentos:
- Convención sobre el Reconocimiento y Ejecución de las Sentencias Arbitrales
Extranjeras, celebrada en Nueva York el 10 de junio de 1958 (Convención de
Nueva York);
228 Disponível em www.camparaguay.com. Acesso em 04/02/2007
126
- Convenio sobre Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones entre Estados y
Nacionales de Otros Estados, celebrado en Washington el 18 de marzo de 1965
(Convenio de CIADI);
- Convenio sobre Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones entre Estados y
Nacionales de Otros Estados (Washington, 1965);
- Convención Interamericana sobre Arbitraje Comercial Internacional, firmada en
Panamá el 30 de enero de 1975;
- Convención Interamericana sobre Eficacia Extraterritorial de las Sentencias y
Laudos Arbitrales Extranjeros de 1979;
-“Acuerdo sobre arbitraje comercial internacional del MERCOSUR” y el “Acuerdo
de Arbitraje Comercial Internacional entre el Mercosur, la República de Bolivia y la
República de Chile”.
- “Protocolo para la Promoción y Protección Recíproca de Inversiones en el
Mercosur” (Colonia, 17 de enero de 1994) y “Protocolo sobre Promoción y
Protección de Inversiones provenientes de Estados no Partes del Mercosur”
(Buenos Aires, 5 de agosto de 1994
Em relação às fontes internas relativas a matéria de arbitragem comercial internacional, tem-se:
1. Os artigos 502 e 543 do Código General del Proceso (ley Nº 15.982 de
18.10.1988) que prevê:
127
Artículo 502. Ejecución del arbitraje extranjero.- Los laudos
expedidos por los tribunales arbitrales extranjeros se podrán
ejecutar en el Uruguay, conforme con lo que dispusieren los
tratados o leyes respecto de la ejecución de las sentencias
extranjeras, en cuanto fuere aplicable.
Artículo 543. Laudos arbitrales extranjeros.- Lo dispuesto en este
Capítulo [Del reconocimiento y ejecución de las sentencias
extranjeras] será aplicable a los laudos dictados por Tribunales
Arbitrales extranjeros, en todo lo que fuere pertinente229.
2. A Lei 16.906, responsável por ditar as regras referentes a declaração de
interesse nacional, promovendo a proteção dos investimentos nacionais e
estrangeiros em território nacional, que em seu artigo 25 dispõe que
Toda controversia relativa a la interpretación o aplicación de la
presente ley que se suscite entre el Estado y un inversor que
hubiere obtenido del Poder Ejecutivo la Declaración Promocional,
podrá ser sometida, a elección de cualquiera de los mismos, a
alguno de los siguientes procedimientos230:
Não existem significativas diferenças na lei que regulamenta a
arbitragem interna e a internacional. Assim, as disposições estabelecidas nos
artigos 472 e 507 do CGP se referem a arbitragem interna, sem prejuízo podem
as mesmas ser aplicadas na arbitragem internacional. A distinção mais relevante
em relação a arbitragem interna e internacional, consiste na fase da execução do
laudo arbitral, que sendo o mesmo estrangeiro, deve seguir o estabelecido pelo
artigo 543 do CGP, onde encontram-se determinado que antes de ser executado,
necessita ser submetido ao procedimento de exequatur.
229 Disponível em http://www.ftaa-alca.org, Acesso em 08/02/2007
128
No caso dos laudos arbitrais estrangeiros procedentes de Estados
com quem o Uruguai não está vinculado por Convenção ou Tratado, aplica-se o
artigo 539 do CGP, em que se consagram os requisitos formais, processuais e
substanciais de que deve se revestir a sentença arbitral.
Assim, como requisitos formais estão: devem reunir as formalidades
externas necessárias para ser autentico em seu Estado de origem ; tanto o laudo
como a documentação anexa devem estar devidamente traduzidos
Em se tratando dos requisitos processuais, é necessário que o tribunal
sentenciante tenha jurisdição na esfera internacional para conhecer do assunto,
de acordo com seu direito, a matéria julgada deve estar fora da jurisdição
exclusiva dos tribunais pátrios; que tenha sido respeitado o princípio do
contraditório e da ampla defesa; e que a decisão seja válida em seu páis de
origem.
Já no que diz respeito aos requisitos substanciais, que o laudo não
contrarie manifestamente os princípios essenciais de ordem pública internacional
e da república oriental do Uruguai.
230 Disponível em http://www.ftaa-alca.org, Acesso em 08/02/2007
129
Quanto ao procedimento para a execução do laudo arbitral, tem-se que,
para os nacionais, o mesmo encontra-se regulamentado pelo artigo 498.1 do
CGP. Já no que tange ao laudo arbitral estrangeiro, havendo Tratado ou
Convenção (artigos 503 e 543 CGP), serão aplicados a execução de laudos
arbitrais dos artigos 537 a 541 do CGP
541.1 Unicamente serán susceptibles de ejecución las sentencias
extranjeras de condena.
541.2 La ejecución se pedirá ante la Suprema Corte de Justicia.
Formulada la petición, se dispondrá el emplazamiento de la parte
contra quien se pida según lo dispuesto en la Sección II, Capítulo
II, Título VI del Libro I, a la que se conferirá traslado por veinte
días.
Se oirá seguidamente al Fiscal de Corte y se adoptará resolución,
contra la que no cabrá recurso alguno.
541.3 Si se hiciere lugar a la ejecución, se remitirá la sentencia al
tribunal competente para ello, a efectos de que proceda conforme
con los trámites que correspondan a la naturaleza de la sentencia
(Título V del Libro II).
Artículo543. Laudos arbitrales extranjeros. Lo dispuesto en este
Capítulo será aplicable a los laudos dictados por tribunales
Arbitrales extranjeros, en todo lo que fuere pertinente231.
4.4. Brasil
No que se refere ao reconhecimento e à execução dos laudos
arbitrais estrangeiros, a primeira coisa que gostaríamos de esclarecer é que o
Brasil é signatário dos principais acordos multilaterais já firmados sobre a matéria:
(a) Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de
231 Disponível em http://www.ftaa-alca.org, Acesso em 08/02/2007
130
Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10 de junho de 1958232; (b) Convenção
Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do Panamá, de 30 de
janeiro de 1975 233; e (c) Convenção Interamericana sobre a Eficácia
Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de Montevidéu, de
8 de maio de 1979234.
Ademais, como Estado-Parte do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o
país também é signatário do Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa,
de 27 de junho de 1992235. Sua relevância prática para a homologação e a
execução de sentenças arbitrais estrangeiras, no entanto, é pequena em relação
aos Estados-membros do bloco, já que todos eles ratificaram as convenções
multilaterais acima citadas.
Existem, ainda, outros tratados bilaterais latino-americanos anteriores
que versam sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais
estrangeiras, celebrados pelo Brasil. Cumpre enfatizar, particularmente, a
232 BRASIL. Decreto Legislativo n. 52, de 24 de abril de 2002. Aprova o texto da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque), concluída em Nova Iorque, em 10 de junho de 1958. DOU - Seção 1 - 26/4/2002, p. 2; Decreto n. 4.311, de 23 de Julho de 2002. Promulga a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. DOU - Seção 1 - 24/7/2002, p. 3. 233 BRASIL. Decreto Legislativo n. 90, de 6 de junho de 1995. Aprova o texto da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, concluída em 30 de janeiro de 1975, na cidade do Panamá. DOU – Seção 1 – 12/06/1995, p. 8.482; Decreto n. 1.902, de 9 de Maio de 1996. Promulga a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 30 de janeiro de 1975. DOU - Seção 1 – 10/5/1996, p. 8.012. 234 BRASIL.Decreto Legislativo n. 93, de 20 de junho de 1995. Aprova o texto da Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, concluída em Montevidéu, em 8 de maio de 1979. DOU – Seção 1 – 23/06/1995, p. 9.197; Decreto n. 2.411, de 2 de dezembro de 1997. Promulga a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, concluída em Montevidéu em 8 de maio de 1979. DOU – Seção 1 – 3/12/1997, p. 28.436. 235 BRASIL. Decreto Legislativo n. 88, de 1º de dezembro de 1992. Aprova o texto do Protocolo para a Solução de Controvérsias, celebrado entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, em Brasília, em 17 de dezembro de 1991. DOU – Seção 1 – 2/12/1992, p. 16.613; Decreto n. 922, de 10 de setembro de 1993. Promulga o Protocolo para a Solução de Controvérsias, firmado em Brasília em 17 de dezembro de 1991, no âmbito do Mercado Comum do Sul. DOU – Seção 1 – 13/9/1993, p. 13.552.
131
Convenção de Cooperação Judiciária, em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa, celebrada com a França em 30 de janeiro de 1981236. A
convenção é aplicável expressamente a sentenças arbitrais, sendo este aspecto
de relevância prática com relação aos laudos proferidos no âmbito da Câmara
Internacional do Comercio de Paris – CCI/ICC, quando a sede do tribunal arbitral
tem sua localização dentro do território francês237.
Internamente, o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais
encontram-se disciplinados pela Lei 9.307/96 do artigo 34 ao 40:
Do Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei. Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal. Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil.
236 BRASIL. Decreto Legislativo n. 38, de 2 de setembro de 1984. Aprova o texto da Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Civil Comercial, Trabalhista e Administrativa, assinada em Paris, a 30 de janeiro de 1981, pelos Governos da República Federativa do Brasil e da República Francesa. DOU – Seção 1 – 3/9/1984, p. 12.833; Decreto n. 91.207, de 29 de Abril de 1985. Promulga a Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. DOU – Seção 1 – 30/4/1985, p. 6.593; Decreto Legislativo n. 163, de 3 de agosto de 2000. Aprova o texto do Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, em Paris, em 28 de maio de 1996. DOU – Seção 1 – 4/8/2000, p. 1; Decreto n. 3.598, de 12 de setembro de 2000. Promulga o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28 de maio 1996. DOU – Seção 1 – 13/9/2000, p. 6. 237 O Brasil também tem acordo similar com o Uruguai. Todavia, sua aplicação foi prejudicada pelo Protocolo de Las Leñas de 1992, acordo multilateral que regula a arbitragem no Mercosul. BRASIL. Decreto Legislativo n. 77, de 9 de maio de 1995. Aprova o texto de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai, em Montevidéu, em 28 de dezembro de 1992. DOU - Seção 1 - 15/05/1995, p. 6.865; Decreto n. 1.850, de 10 de abril de 1996. Promulga o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai, de 28 de dezembro de 1992. DOU – Seção 1 – 11/04/1996, p. 5.939
132
Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com: I - o original da sentença arbitral ou uma cópia
devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial; II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.
Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;
III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública nacional.
Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à
133
parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.
Art. 40. A denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira por vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, uma vez sanados os vícios apresentados.
Assim dispõe o Código de Processo Civil, Art. 483 - A sentença
proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de
homologada pelo Supremo Tribunal Federal, Parágrafo único - A homologação
obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal;
Art. 484 - A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da
homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença
nacional da mesma natureza. Ocorre que, após a Reforma do Judiciário
aprovadas pelo Congresso Nacional com a Emenda Constitucional nº 45 de
0.12.2004 ("Emenda 45/2004") No que se refere à arbitragem internacional, a
competência para homologação de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros do
Superior Tribunal Federal ("STF” )foi transferida para o Superior Tribunal de
Justiça ("STJ"), conforme atual redação do artigo 105, I, "i", da Constituição
Federal. Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I, i) a homologação
de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;
A Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, em seu art. 1º, incluiu a
criação das classes processuais de homologação de sentença estrangeira e de
cartas rogatórias no rol dos feitos submetidos ao STJ.
134
No parágrafo único deste mesmo artigo, foi sobrestado o pagamento
de custas processuais nos casos de homologação que deram entrada no Tribunal
após a publicação da EC n. 45/2004, até deliberação posterior. Essa medida
busca de antemão acolher a disposição contida no art. 112, caput, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça – RISTJ —, que dispensa o pagamento de
taxas nos processos de sua competência originária 238.
Contrariamente à disposição anterior do Ato n. 15/2005, que delegou
a atribuição para homologar sentenças estrangeiras ao Vice-Presidente, a
competência retorna, segundo o art. 2º da Resolução n. 9/2005, ao Presidente do
STJ.
Pelo art. 3º, a homologação de sentença estrangeira será requerida
pela parte interessada ou remetida por carta rogatória, faculdade atribuída pelo
art. 19 do Protocolo de Las Leñas. A petição inicial deverá conter as indicações
constantes do art. 282 do CPC e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica
do texto integral da sentença estrangeira, além de outros documentos
indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados239.
O art. 4º da Resolução n. 9/2005 indica que a decisão estrangeira
não será eficaz no Brasil sem previamente ser homologada pelo STJ ou por seu
238 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 2 out. 2006. Art. 112, caput: No Tribunal, não serão devidas custas nos processos de sua competência originária ou recursal. 239 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 2 out. 2005. Art. 112, caput: No Tribunal, não serão devidas custas nos processos de sua competência originária ou recursal. Art. 282: A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu.
135
Presidente240. Seu §1º abre espaço para que provimentos não judiciais que, pela
lei brasileira, tenham natureza de sentença, logo, também sejam homologados. Já
o §2º abre a possibilidade para que sentença alienígena possa ser homologada
parcialmente. Por fim, mas não menos importante, o §3º admite tutela de urgência
nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira.
São também condições imprescindíveis à homologação de sentença
estrangeira, segundo o art. 5º da Resolução n. 9/2005: I – haver sido proferida por
autoridade competente; II – terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente
verificado a revelia; III – ter transitado em julgado; e IV – estar autenticada pelo
cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado
no Brasil.
Acentua o art. 6º: não será homologada sentença estrangeira que
ofenda a soberania ou a ordem pública.
No que se refere ao art. 8º, consta que a parte interessada será
invariavelmente citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido de
homologação de sentença alienígena. A defesa, pelo art. 9º, somente poderá
versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância
dos requisitos da Resolução n. 9/2005. No caso de contestação à homologação
de sentença estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte
Especial, cabendo ao relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução
240 O Brasil adotou, para a homologação das sentenças estrangeiras, o sistema que os italianos denominam de “giudizio di delibazione”. Em nossa sistemática, a competência para a admissão da decisão judicial arbitral alienígena foi atribuída ao STF de há muito; colegialmente de início, desde a Emenda nº 7/1977, tão só do seu presidente. MAGALHAES, Jose Carlos de. Sentença arbitral estrangeira: incompetência da justiça brasileira para anulação: competência exclusiva do STF para apreciação da validade em homologação. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo. v.1. n.1. p.135-48. jan./abr. 2004.
136
do processo. Na hipótese de revel ou incapaz o requerido, será nomeado curador
especial pessoalmente notificado dos atos procedimentais.
Segundo consta no artigo o art.10, O Ministério Público terá vista dos
autos pelo prazo de 10 (dez) dias, podendo impugná-los.
Das decisões do Presidente na homologação de sentença estrangeira, é
garantido, pelo art. 11, o cabimento de agravo regimental contra decisões do
Vice-Presidente do STJ ou do relator do processo, além dos embargos de
declaração, destinados ao esclarecimento de obscuridade ou contradição, ou,
ainda, ao suprimento de lacuna na decisão.
Com a transferência de competência para reconhecer sentenças arbitrais
estrangeiras para o STJ, advém a possibilidade de reapreciação da matéria pelo
STF, em sede de recurso extraordinário, sempre que houver violação de norma
constitucional ou declaração de inconstitucionalidade de um tratado ou lei federal,
como frisa o art. 102, III, da Constituição Federal. Porém, a EC n. 45/2004
introduziu restrição ao cabimento de tal recurso, que deverá desestimular a sua
utilização desarrazoada nos processos, inclusive de homologação241.
Outro aspecto ligado ao reconhecimento das sentenças alienígenas
que deve ser levado em consideração consiste na circunstância de que, no Brasil,
o órgão jurisdicional avalia apenas questões ligadas ao aspecto formal do feito,
isto é, sem tocar em questões ligadas ao mérito da ação.
241 Nesse sentido: ARAÚJO, Nadia de; GAMA JÚNIOR, Lauro. ARAUJO, Nadia de; ALMEIDA, Ricardo Jose de. Espaço público e Mercosul: analise do sistema de solução de controvérsias. Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro. n.11. p.135-49. ago./dez. 1997; ARAÚJO, Nadia de. SALLES, Carlos Alberto de; ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Medidas de cooperação interjurisdicional no mercosul. Revista de Processo. São Paulo. v.30. n.123. p.77-113. maio. 2005.
137
Neste mesmo sentido encontra-se Haroldo Valladão242 que, estudando
sobre procedimentos, reações, sistemáticas e evolução do reconhecimento das
sentenças arbitrais no Brasil, acrescenta que o mesmo se realiza
[...] sem qualquer revisão de fundo [...] vendo apenas se a sentença reúne as condições de autenticidade, inteligibilidade, competência do tribunal, citação regular do réu, força de coisa julgada, não ofensa da ordem pública. Verifica-se, portanto, que em apertada síntese a eficácia do laudo está adstrita a sua homologação por um órgão jurisdicional que por sua vez, somente poderá examinar o feito em seu aspecto formal, não podendo adentrar as questões de mérito da decisão.
Consoante com este pensamento está também o posicionamento de
Alcides de Mendonça Lima243, que conceitua a homologação das sentenças
arbitrais estrangeiras como
[...] o ato judicial pelo qual o juiz não julga, não manifesta sua opinião, sua idéia sobre o conflito de interesses, limitando-se a dar eficácia a deliberação ou acordo das partes, desde que respeitadas as prescrições legais, sobretudo se não houver infringência às normas de ordem pública.
Por fim, cumpre esclarecer que, segundo a legislação brasileira, da
sentença que homologar o laudo arbitral cabe o recurso de apelação que, se
recebido, terá ambos os efeitos: suspensivo e devolutivo.
242VALADÂO, Haroldo Teixeira. Direito internacional privado. Rio De Janeiro : Freitas Bastos, 1984. p. 180 243 LIMA, Alciades Mendonça. Dicionário do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986. p. 310
138
CAPÍTULO V
DA DENEGAÇÃO DO RECONHECIMENTO DAS DECISÕES ARBITRAIS
ESTRANGEIRAS
1. Teoria da Autonomia da Vontade e Suas Implicações no Instituto Arbitral
1.1. A Teoria da Vontade
Em se analisando o significado da teoria da vontade, para que
possamos obter uma boa compreensão do tema, a princípio faz-se mister
139
voltarmos nossos olhos para fora da seara do direito e nos socorrermos da
filosofia para entendermos o que o significa o vocábulo “vontade”.
Mediante o pensamento de Walter Brugger244, abstraímos que
[...] conhecer e querer são dois modos fundamentais da atividade espiritual. Assim como a ação não é necessariamente mutação, nem o conhecimento intelectual é necessariamente pensamento discursivo, assim a vontade não denota necessariamente tendência a um bem que se deva adquirir ou realizar. Seu ato fundamental é a afirmação de um valor, ou seja, o amor. Por isso, é também vontade a efetuação espiritual, não tendencial, do valor infinito. A vontade em geral tem como objeto característico o valor em geral ou o bem como tal. A vontade aparece como apetite só onde o bem não se identifica com a vontade ou onde não está originariamente ligado a ela.
Immanuel Kant, por sua vez, ao tratar sobre o assunto, emprega o
termo “vontade” para esclarecer que a razão humana é livre no que diz respeito à
moral e que as leis impostas por esta são universais e absolutas. Para o filósofo,
a autonomia da vontade seria constituição da própria vontade, pela qual é para si
mesma uma lei, independentemente de como forem constituídos os objetos do
querer245.
244 BRUGGER, Walter. Dicionário de filosofia. São Paulo: EPU, 1977. p. 163 245 KANT, Imanuel. Fundamentos de una metafísica de los costumbres, (Trad.) Lourival de Queiroz Henkel, Rio de Janeiro: Ediouro, 1975. p. 109.
140
Pois bem, voltando para o direito, e já nos referindo ao princípio da
teoria da vontade, fazemos uso do pensamento de Vicente Rao246, quando este
aduz que
[...] a vontade, manifestada ou declarada, possui no universo jurídico poderosa força criadora: é a vontade que através de fatos disciplinados pela norma, determina a atividade jurídica das pessoas e, em particular, o nascimento, a aquisição, o exercício, a modificação ou a extinção de direitos e correspondentes obrigações, acompanhando todos os momentos e todas as vicissitudes destas e daquela.
Com base na teoria da vontade, é possível ainda afirmar que, a partir
da liberdade de escolha inerente ao homem, este somente irá se obrigar em face
do seu próprio querer. Tal afirmação nos faz intuir que a vontade corresponde à
decisão intencional de uma pessoa em realizar algo, consciente de que suas
atitudes na prática criam ou geram obrigações, ou seja, o ato jurídico, como
manifestação da vontade, tanto cria como extingue direitos.
É justamente deste pensamento que entendemos advir a liberdade
de contratar, de modo que, respeitados os limites da ordem pública e os bons
costumes, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver, segundo
consta o brocardo tudo o que não é proibido é permitido.
Assim, é lícito afirmar que o princípio da autonomia da vontade é
responsável por ofertar a disponibilidade das partes contida no procedimento
246 RAO, Vicente, Ato Jurídico, (rev. e atual.) Ovídio Rocha Barros Sandoval, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.
141
arbitral, isto porque os interesses envolvidos no procedimento arbitral fazem parte
da categoria de interesses privados, relativos a direitos disponíveis.
Em virtude de tal disponibilidade, as partes envolvidas em um conflito
de interesses possuem duas opções: uma delas consiste em renunciar a seus
direitos; a outra reside na possibilidade de escolha do meio que considera mais
adequado para a solução da controvérsia247.
Ao eleger a arbitragem como meio de solução, as partes manifestam
sua vontade por intermédio do compromisso ou da cláusula arbitral; tal convenção
tanto atua no sentido de verificar o consenso entre as partes, como também é
instrumento de verificação quanto à competência da jurisdição ou do tribunal
arbitral248.
Sem nenhuma sombra de dúvida, o procedimento arbitral internacional
comporta uma maior autonomia das partes em relação ao procedimento arbitral
interno. Há que aceitar como verdade que o desenvolvimento do procedimento
arbitral internacional repousa na vontade das partes. Isto porque estas possuem
ampla liberdade tanto no tocante ao início do procedimento arbitral, como no
andamento do feito.
247 GIRALDEZ, Ana Maria Chocrón. Los principios procesales en el arbitraje. Barcelona: José María Bosch Editor, 2000. p. 19-20 248 REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Law and practice of international commercial arbitration. Londres: Sweet and Maxwell, 1986, p. 5.
142
Aliás, o princípio da autonomia da vontade no procedimento arbitral
internaciona, está presente em vários momentos processuais249; senão, vejamos:
as partes manifestam autonomia quando definem o objeto do processo, isto é, a
matéria da causa a decidir pelo tribunal arbitral; ao determinarem a quantidade de
árbitros que atuarão no processo e decidirão sobre a questão; ao elegerem as
regras procedimentais a serem utilizadas no decurso do processo; ao estimularem
continuamente o normal desenvolvimento do processo; ao designarem o lugar
onde se realizará a arbitragem; ao apontarem a língua que será utilizada nos
procedimentos; e ao escolherem a lei aplicável ao mérito da causa250.
Com relação à origem, temos que a teoria da autonomia da vontade
provém dos ideários liberalistas, em que seu objetivo se perfazia em uma
desburocratização às contratações. É possível afirmar que aquela se encontra
eminentemente associada à realidade do mercado, de maneira que, no que se
refere aos seus objetivos, foi constituída em benefício deste251.
Sobre a sociedade liberal, assim preleciona Christina Miranda Ribas:
249 É raro que, salvo convenção expressa das partes, a arbitragem internacional se desenvolva conforme uma lei processual vinculada a um país determinado. Muito pelo contrário, geralmente prevalece a autonomia do processo arbitral, com a elaboração e aplicação de regras procedimentais cada vez mais distanciadas dos ordenamentos estatais. Tampouco é freqüente que as instituições de arbitragem façam remissão a uma lei adjetiva nacional; unicamente a título subsidiário pode intervir esta última. CHILLÓN MEDINA, José Maria; Merino Merchán, José Fernando. Tratado de arbitraje privado interno e internacional, Madrid : Civitas, 1978. p. 456 250 Uma observação que ainda se faz deveras pertinente, refere-se à Lei-Modelo da Uncitral, que a mesma acabou por reconhecer de forma incontestável a autonomia do processo arbitral em relação aos órgãos judiciais nacionais, ao deixar claro que, salvo quando expressamente previstas no próprio diploma, nenhuma corte estatal possui autoridade para intervir nas matérias por ela reguladas. Veja-se que a mesma, ocupa-se aqui de um preceito limitador, relativo à problemática da interação da arbitragem com as jurisdições nacionais, tendo em consideração toda a intervenção dessas cortes neste âmbito, seja a título de controle ou de assistência. CHILLÓN MEDINA, 1978, p. 273 251 RIBAS, Christina Miranda. Em torno da autonomia privada. Revista Jurídica da UEPG. Ponta Grossa. v.1. n.1. p.201-13. 1997. RIBAS, Christina Miranda, Apontamentos em torno da idéia de liberdade em Hanna Arendt. in, O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: EDUSP,1999. 395-404
143
“Indivíduos livres e independentes, senhores absolutos de suas atividades e de seus bens, unidos entre si por relações contratuais": eis a sociedade liberal, cujos eixos fundamentais são a propriedade e contrato. A liberdade aparece, aí, como liberdade econômica. Há uma modificação fundamental em relação à idéia antiga de liberdade, ligada à esfera pública pensada como esfera política. Como salienta Hannah Arendt, a esfera pública do homo faber não é mais um espaço político, mas o mercado de trocas, no qual as pessoas se encontram não como pessoas, mas como donos de mercadorias e valores de troca. A troca de mercadorias acaba sendo, aí, a principal atividade política. [...] É a idéia do Estado liberal puro, cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressar-se com base numa lei universal racional. Assim, a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos cidadãos tanta liberdade que lhes permita buscar, cada um deles a seu modo, a sua própria felicidade.252.
Outro ponto que merece relevo na teoria da autonomia da vontade é
justamente em relação a seu alcance. É importante que se reconheça que na
regulamentação dos contratos existem dois pólos opostos: um seria o respeito à
liberdade de contratar; o outro, o controle estatal decidindo se deve ou não
contribuir para a manutenção do acordado pelas partes. Desse modo, enquanto
por um lado temos o contratante tencionando fazer valer seu contrato, por outro
está o Estado buscando que a negociação seja equilibrada253.
Dentro da seara processual, podemos dizer que o princípio é o mesmo:
o Estado tomando para si a função jurisdicional, com a intenção de tornar
igualitária a distribuição da justiça. Ocorre que, mesmo em face de um Estado que
tenha por escopo a pacificação social, por intermédio da aplicação do direito ao
caso concreto, a realidade típica do capitalismo pode dar vazão para que a
252 RIBAS, 1999. 395-404 253 ibid
144
distribuição da justiça pelo próprio Estado também seja movida por fatores
econômicos. Isto porque é indubitável que as concepções econômicas no capbid
italismo sempre prevalecem sobre as filosóficas e jurídicas. Com efeito, o acesso
à justiça por óbices de conotação econômica tornou-se novamente dificultoso254.
O que se tem hoje é uma jurisdição estatal não efetiva, tanto no que diz respeito a
seu alto custo, quanto pela morosidade em que ela se desenvolve. Temos, então,
outra vez a solução privada de conflitos como alternativa à jurisdição estatal.
Dentro deste enfoque encontra-se o pensamento de Pedro Batista
Martins:
[...] No olho desse furacão globalizante, a arbitragem, como vedete dos meios de solução de controvérsias, exerce papel de suprema importância como instituto capaz de assegurar aos investidores, regra geral, conforto jurídico para concluir seus negócios em jurisdição estrangeira255.
Essa concepção de solução de controvérsias retoma a preponderância
da teoria da autonomia da vontade que, muito embora estivesse presente no
âmbito econômico desde o mercantilismo, foi amplamente mitigada no âmbito
jurídico.
Basta lembrar que no Brasil, em especial, a regra geral é a jurisdição
estatal, de modo que os outros meios de solução de controvérsias são
desvalorizados, ou por vezes até mesmo desmerecidos por parte de nossa
254 RIBAS, 999. 395-404 255 MARTINS, Pedro Antonio Batista. Questões que envolvem a homologação de sentença arbitral estrangeira. Revista Forense. Rio de Janeiro. v.94. n.344. p.225-32. out./dez. 1998.
145
comunidade jurídica, com a alegação de que o instituto arbitral seria uma nova
roupagem para o neoliberalismo256.
Entre aqueles que dificultam o adimplemento da instituição arbitral está
Marco Antônio César Villatore, asseverando que
[...] Ao passo que os opositores da arbitragem buscam afastar esse meio de resolução extrajudicial de conflitos sob os mais diversos argumentos, nomeadamente trata-se de uma verdadeira privatização da justiça com a institucionalização da hegemonia do poder econômico em detrimento da cidadania e das garantias da magistratura, numa posição nitidamente preconceituosa, avessa à modernidade, resistente às mudanças inevitáveis que despontam de uma sociedade em processo de globalização.257
Entretanto, se por um lado temos os detratores da arbitragem, por outro
estão aqueles que vislumbram o instituto de forma absolutamente contrária.
Assim é o teor do texto do Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição
Internacional em Matéria Contratual, 1/94 do Conselho do Mercado Comum, de 5
de agosto de 1994, com efeito, dispõe:
[…] En los conflictos que surjan en los contratos internacionales en materia civil o comercial serán competentes los tribunales del Estado Parte a cuya jurisdicción los contratantes hayan acordado someterse por escrito, siempre que tal acuerdo no haya sido obtenido en forma abusiva. Asimismo, puede acordarse la prórroga a favor de tribunales arbitrales.
256 ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A nova lei de arbitragem e os contratos de adesão. Algumas considerações. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo. n.21. p.51-60. jan./mar. 1997. 257 VILLATORE, Marco Antônio César, Aspectos gerais da solução extrajudicial de conflitos em países do Mercosul, in Revista do Tribunal do Trabalho, órgão Oficial do TRT 15ª região, nº 18, 2002. p.72
146
Como se pode notar, a norma supracitada confere às partes a
possibilidade de, no exercício da “autonomia da vontade”, sujeitarem suas
controvérsias a tribunais estatais ou arbitrais.
Isso nos faz crer que o Protocolo de Buenos Aires acabou por se
transformar em peça essencial, não só no que se refere à uniformização do direito
internacional privado entre os Estados membros do Mercosul, mas também para
a valorização da teoria da autonomia da vontade.
1. 2. Transcendência do Princípio da Autonomia da Vontade
Ao conceituarmos o instituto da arbitragem, dissemos que arbitragem é
a via de solução de controvérsias alternativa ao sistema jurisdicional estatal, na
qual se atribui a função de decisão do conflito a um ou mais árbitros escolhidos
pelas partes, que deverão realizar seu trabalho pautados por regras e
procedimentos por elas autorizados. Mencionamos ainda que a decisão arbitral
possui eficácia de sentença judicial258.
Segundo STRENGER,
a autonomia da vontade como princípio deve ser sustentada não só como um elemento da liberdade em geral, mas
258 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no Brasil: utopia? IOB- Repertorio de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial. São Paulo. n.14. p.274-273. jul. 1993. p. 59
147
como suporte também da liberdade jurídica, que é esse poder insuprimível no homem de criar por um ato de vontade uma situação jurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito259.
É justamente dentro desta perspectiva de liberdade que se insere o
princípio da autonomia da vontade. As partes de uma relação jurídica possuem
livre alvedrio para regular seus direitos e suas obrigações recíprocas. Para tanto,
basta que a vontade manifesta das partes prevaleça validamente sobre qualquer
disposição em contrário, tendo apenas a ordem pública como limite260.
Apesar de ser amplamente aceito no comércio internacional, no
Mercosul e no direito brasileiro o princípio da autonomia da vontade não recebeu
o mesmo tratamento: tanto as legislações como a jurisprudência têm-se
demonstrado contrários à aceitação do princípio, para a escolha do direito
material aplicável aos contratos internacionais.
O que surge como uma luz no fim do túnel para a mudança deste
paradigma pretoriano e legislativo é a lei de arbitragem brasileira, que admite
expressamente no plano arbitral o princípio da autonomia da vontade para a
escolha do direito material aplicável.
1. 3. Autonomia da Vontade e Deliberação da Lei Aplicável ao Litígio
259 STRENGER, Irineu. Da autonomia da vontade: direito interno e internacional, São Paulo: LTr, 2000. p.66 260 ROSAS, Pablo Enrique de. Arbitraje comercial internacional comparado: análisis de las reglas procesales arbitrales de la cámara de comercio internacional, London Court of International Arbitration y American Arbitration Association. Revista Juridica de la Universidad de Puerto Rico. Rio Piedras. v.72. n.1. p.1-30. 2003. p. 9
148
Sobre esta questão, importa frisar que, se é o princípio da autonomia da
vontade o responsável por outorgar validade ao instituto arbitral, por conseguinte,
este também deve prevalecer quanto à deliberação da lei aplicável261.
Como bem acentua Ricardo Herman Sandoval Lopes,
[...] Un importante principio de la ley modelo cosiste en reconocer a lãs partes la libertad para “acordar la forma” en que debe tramitarse el arbitraje. Las partes tienen amplia libertad para acordar los procedimientos asbitrales e incluso pueden formular hallas mismas las reglas de procedimiento, aunque esto último no es frecuente en la práctica262.
Ao questionarmos os limites ao princípio da autonomia da vontade das
partes, há que se perquirir duas circunstâncias: primeiro, quando a lei não tem
ligações geográficas, mas tem ligações objetivas; e, a seguir, quando não existir
nenhuma razão para que se leve ao desígnio daquela determinada lei263.
Conforme já foi dito, a arbitragem decorre exclusivamente da vontade
das partes; partindo desta premissa, é importante que os árbitros considerem
essa mesma vontade como soberana também no que diz respeito à lei a ser
261 No Brasil, mesmo quando a arbitragem for interna, envolvendo apenas partes brasileiras, aqui domiciliadas, e relativamente a contrato celebrado e com execução no país, podem as partes optarem por uma lei estrangeira (art. 2º, § 1º da Lei nº 9.307/96) “ Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e á ordem pública”. 262LOPEZ. Ricardo H. S. Arbitraje comercial internacional. In: Revista de Derecho da Universidad de Concepción. Nº 206. Ano LXVII, Julio-diciembre, 1999. p. 111 263 TIBURCIO, Carmem. A lei aplicável às arbitragens internacionais, in Reflexos Sobre Arbitragem. in memória do Desembargador Claudia Vianna de Lima, (Coord.) Pedro A. Batista Martins e José Maria Rossani Garcez. São Paulo: Ed. LTr, 2002. p. 100
149
aplicada ao mérito do conflito. Assim, na via arbitral, a autonomia da vontade das
partes não pode sofrer qualquer limitação264.
Nesta perspectiva é importante salientar que, quando as partes elegem
a lei de um determinado Estado para tutelar suas relações, tal escolha se dirige à
lei material daquele Estado, e não às suas normas de conexão. Este é o
entendimento que se abstrai das Convenções internacionais sobre a
determinação da lei aplicável265.
Observemos, como exemplos, a Convenção Interamericana sobre
Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, Art. 17: “Para os fins desta
Convenção, entender-se-á por ‘direito’ o vigente num Estado, com exclusão das
suas normas relativas ao conflito de leis’.
Nesse mesmo sentido dispõem a Convenção de Haia sobre Lei
Aplicável às vendas de Caráter Internacional de Objetos Moveis Corpóreos de
1955, Art. 2º: “ La venta se rige por la ley interna Del pais designado por las partes
contratantes […]”.
Insta consignar também, no que se refere ao princípio da autonomia da
vontade, que a escolha da lei a ser aplicada ao mérito do litígio pode-se realizar a
qualquer tempo, desde o momento da celebração do contrato, como cláusula
264 ibid; 265 ibid;
150
autônoma; após o surgimento do conflito, quando da celebração do compromisso;
ou mesmo após o início do procedimento arbitral266.
Todavia, tal como ocorre com as partes, o processo arbitral não detém
uma autonomia ilimitada. Como será demonstrado adiante, existem, nos diversos
instrumentos normativos de arbitragem, disposições expressas que prevêem as
situações específicas em que o processo arbitral está sujeito às intervenções
externas267. Isto importa dizer que o exercício das liberdades ofertadas às partes,
apesar de amplo, é limitado por certos pressupostos essenciais, como a
igualdade, ordem pública268. Qualquer disposição das partes ou determinação do
tribunal arbitral que seja contrária a pelo menos um desses pressupostos será
anulável de pleno direito.
1.4. Autonomia da Vontade e Ordem Pública
Por mais prestígio que possua o princípio da autonomia da vontade e
o caráter transnacional da lex mercatoria, a arbitragem comercial internacional,
ainda sim, encontrará obstáculos no que tange às restrições impostas pelos
ordenamentos jurídicos internos que se traduzem pela expressão reservas de
ordem pública.
266 TIBURCIO, 2002. p. 100 267 Recentemente em alguns países europeus, tem surgido uma corrente doutrinária que sustenta que a arbitragem é um meio de resolução de controvérsias completamente independente de qualquer forma de controle estatal, ressalvada a fase de execução do laudo arbitral. Essa doutrina tem sido mais conhecida como "teoria da deslocação" e consagra a autonomia do processo em sua máxima amplitude. Entretanto, a doutrina majoritária e mais largamente aceita é a de que a arbitragem não pode ser conduzida num "vácuo legal", estando sujeita ao controle estatal em ocasiões específicas, mas que não podem ultrapassar o estritamente previsto em lei, pois manter a autonomia do processo é uma garantia essencial para a sobrevivência da própria arbitragem. DURRANT, Lovell White. International commercial arbitration: a handbook. 2ª ed. Londres: LLP, 1999. p. 17 268 REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. 1986. p. 226.
151
O conceito de ordem pública269 traduz-se, em síntese, por um reflexo
dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas, representando,
assim, os valores que a moral vigente em nossa cultura jurídica avalia como
fundamentais. Desta feita, tudo aquilo que se demonstrar diverso dessa
conformação moral básica, será considerado contrário à ordem pública e não
deverá receber a chancela do Órgão competente de cada país270;
São de ordem pública aqueles preceitos que definem de uma
maneira específica e concreta alguns desses valores. Tais preceitos não podem
sofrer nenhuma diminuição no processo de aplicação de todo o conjunto
normativo, sob pena de desvirtuar o autêntico caráter ordenador da instituição271.
Logo, entre os elementos restritivos limitadores da vontade, estão a
legislação interna do território no qual a sentença arbitral pretende ser executada
269 Paralelamente ao que trouxemos à baila sobre o conceito de ordem pública, cumpre-nos dizer que, no que tange à conceituação de ordem pública, a doutrina não se perfaz muito precisa quando conceitua ordem pública como sendo o bem público, ou o interesse social. Sobre este comentário assim preleciona Carlos Maximiliano, "... Toda disposição, ainda que ampare um direito individual, atende também, embora indiretamente, ao interesse público; hoje até se entende que se protege aquele por amor a este: por exemplo, há conveniência nacional em ser a propriedade garantida em toda a sua plenitude. A distinção entre prescrições de ordem pública e de ordem privada consiste no seguinte: entre as primeiras o interesse da sociedade coletivamente considerada sobreleva a tudo, a tutela do mesmo constitui o fim principal do preceito obrigatório; é evidente que apenas de modo indireto a norma aproveita aos cidadãos isolados, porque se inspira antes no bem da comunidade do que no do indivíduo; e quando o preceito é de ordem privada sucede o contrário: só indiretamente serve o interesse público, à sociedade considerada em seu conjunto; a proteção do direito do indivíduo constitui o objetivo primordial. Os limites de uma e de outra espécie têm algo de impreciso; os juristas guiam-se, em toda parte, menos pelas definições do que pela enumeração paulatinamente oferecida pela jurisprudência. Quando, apesar de todo esforço de pesquisa e de lógica, ainda persiste razoável, séria dúvida sobre ser uma disposição de ordem pública ou de ordem privada, opta-se pela última; porque esta é a regra, aquela, a limitadora do direito sobre as coisas, etc., a exceção. " MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1957. p. 269 270 ARAUJO, Nadia de; ALMEIDA, Ricardo Jose de. Espaço público e Mercosul: analise do sistema de solução de controvérsias. Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro. n.11. p.135-49. ago./dez. 1997. 271 A autonomia da vontade nos contratos internacionais – Situação atual no Brasil e no Mercosul, disponível em http://www.femperj.org.br/, acesso em 03/12/2006.
152
e as regras de ordem pública. A transgressão de um destes elementos acarreta o
não adimplemento da execução de uma decisão proferida por um tribunal arbitral.
Em se perquirindo quanto ao conjunto de leis internas, tem-se que,
apesar da atual tendência em de harmonização das normas jurídicas pertinentes
ao instituto arbitral, o resultado consiste ainda em um tratamento muito desigual
por parte dos Estados.
Tal circunstância faz com que uma matéria que, em determinado
país é arbitrável, em outro possa não o ser. Caso ocorra que uma decisão arbitral
estrangeira proferida em determinado país verse sobre matéria que não possa ser
objeto de arbitragem, a implicação direta consistirá na probabilidade de
indeferimento por parte do órgão responsável pela homologação ou
reconhecimento da citada decisão.
Já em referência especificamente à ordem pública, é importante
aludir que esta pode ser classificada em ordem pública interna e ordem pública
internacional. A ordem pública interna pode ser definida como “um conjunto de
normas e princípios que, em um momento histórico determinado, refletem o
esquema de valores essenciais, cuja tutela atende de maneira especial cada
ordenamento jurídico concreto.”272 Pode ser também entendida como uma forma
de limite à liberdade individual, quando a atividade do indivíduo consistir em algo
que venha ferir os princípios fundamentais de um Estado.
272 CREMADES, Bernardo Maria, Orden público transnacional en el arbitraje internacional (cohecho, blanqueo de capitales y fraude contable). Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo. v.6. n.20. p.283-308. abr./jun. 2003.
153
Quanto à ordem pública internacional ou ordem pública de direito
internacional privado, podemos afirmar que ela guarda relação direta com o
aparecimento de um espaço transnacional com suas exigências; pode ser
entendida também como o limite que uma nação impõe à validade extraterritorial
de leis estrangeiras, atos e sentenças de outro Estado.
Há quem entenda, a exemplo de Haroldo Valladão e Clóvis
Beviláqua273, que essa ordem pública internacional pode ser interpretada no
sentido de uma ordem jurídica internacional que condena o racismo, a poligamia,
a escravidão, o confisco de bens de pessoas inocentes ou outras infrações aos
princípios morais da comunidade internacional, embora sem negar os efeitos
patrimoniais desses fatos.
Enfim, importa saber que, muito embora se perceba um relativo
abrandamento em seus efeitos, a ordem pública ainda é um forte elemento
limitador à homologação e à execução de sentenças arbitrais alienígenas.
1. 5. Arbitragem e Jurisdição Estatal
O primeiro senão normalmente apontado no meio judicial de solução de
controvérsias decorrentes dos contratos internacionais está ligado ao fato de não
273 Além da ordem pública nacional e da internacional, há a supranacional, também chamada geral, universal, convencional. É a que foi estabelecida por vários países em convenção de Direito Público internacional, com efeitos sobre o direito internacional privado de cada país signatário ou aderente.Nesse sentido: VALADÂO, Haroldo Teixeira. Direito internacional privado. Rio De Janeiro: Freitas Bastos, 1984; BEVILAQUA, Clóvis. Princípios elementares de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1944.
154
existir uma corte internacional com essa competência, o que indubitavelmente
obriga a sujeição das partes à decisão de um tribunal estrangeiro, com os
problemas de segurança e confiabilidade que daí advêm.
Dificilmente uma parte consegue se desvencilhar dos naturais
preconceitos a respeito da existência de neutralidade dos órgãos judiciários de
um país estrangeiro para dirimir conflitos envolvendo interesses nacionais.
Ademais, como as cortes judiciais em regra decidem através de um
processo extremamente formal e de modo geral encontram-se congestionadas
pelo grande número de questões no aguardo de sua apreciação, gera-se uma
verdadeira incompatibilidade com a apreciação de questões comerciais, uma vez
que a rapidez é de fundamental importância nesse âmbito de negócios.
Some-se a estas questões o fato de que os processos judiciais, via de
regra, estão sujeitos ao princípio da publicidade, impossibilitando, assim, o sigilo,
que na maioria das vezes é de crucial importância para ambas as partes.
Por outro lado, a falta de especialização dos órgãos jurisdicionais para
resolver litígios com peculiaridades normalmente apresentadas nos contratos
internacionais é outro ponto que acentua a desvantagem frente à arbitragem.
Sem embargo, quanto à autonomia da vontade das partes, cumpre
notar que a prática da arbitragem internacional, nas últimas décadas, tem ofertado
cada vez mais valor normativo a este princípio; o que se abstrai desta afirmação é
155
um reconhecimento ao valor da liberdade econômica, em particular a liberdade de
contratar.
Entretanto, para que a autonomia das partes resulte em uma doutrina
mais efetiva, entendemos que deve receber apoio não somente dos árbitros das
instituições arbitrais, mas também dos juízes estatais.
Escrevendo sobre o tema ora em apreço, Horácio Grigera Naón274
considera que
[...] En otras palabras, para que se desarrolle una cultura del arbitraje comercial internacional habrá que desarrollar una cultura paralela, que favorezca la autonomía y proporcione apoyo al proceso de arbitraje internacional, a nivel de las jurisdicciones nacionales. La evolución de una cultura del arbitraje comercial internacional se encuentra entonces íntimamente asociada al desarrollo de una cultura paralela, compartida por jurisdicciones nacionales a lo largo de todo el mundo, lo que minimiza la interferencia y maximiza el apoyo de los poderes judiciales nacionales respecto de los arbitrajes comerciales internacionales… […] Esto significa la creación de unos antecedentes legislativos y de políticas adelantadas por el poder judicial conducentes a facilitar el ejercicio de la autonomía de las partes en la formación de sus procedimientos arbitrales. Dichos antecedentes deberán por una parte proteger la esfera de la realización de pedidos privados de la interferencia de cortes y autoridades, mientras que por otra parte deberán poner a disposición el apoyo de aquellas cortes locales para permitir que las actuaciones arbitrales continúen al enfrentarse con obstinación de una parte descontenta […]
2. A Convenção de Nova York e a Inexigibilidade de Homologação dos
Laudos Arbitrais
274 NAÓN, Horacio A. Grigera. Party-appointed arbitrators: a latin american perspective? Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo. v.1. n.3. p.75-9. set./dez. 2004.
156
2.1. Classificação do Laudo Arbitral
Para que possamos adentrar o tema central deste tópico do
trabalho, faz-se mister que façamos algumas prévias considerações de cunho
orientador.
Primeiramente, cumpre dizer que, assim como ocorre com as
sentenças cíveis em geral, as sentenças arbitrais, em razão de seu objeto,
classificam-se em: declaratórias, constitutivas e condenatórias. Seguindo o
disposto pelo Código de Processo Civil brasileiro em seu art. 584, VI 275, o art. 31,
in fine, da Lei n. 9.307/96 276, abstrai-se que constitui título executivo somente o
laudo arbitral condenatório, o que se explica pelo fato de que apenas ele pode
fixar uma prestação positiva ou negativa à parte, de forma a prescindir da
intervenção do Estado, no caso de seu descumprimento. Por outro lado, os
laudos com objeto declaratório e constitutivo não prescindem do processo de
execução.
Desta feita, é importante esclarecer que, de acordo com o
estabelecido pela Convenção de Nova York de 1958, os laudos alienígenas,
independentemente de prévia homologação por um tribunal estatal, operarão os
mesmos efeitos dos laudos internos, ou seja, quando condenatórios, ensejarão o
275 Código de Processo Civil, Lei 5.869 de 11/01/1973, art.584, São Títulos Executivos judiciais: VI - a sentença arbitral. 276 Lei 9.307/96 art. Art. 31 - "A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo".
157
pronto socorro ao processo executivo; quando declaratórios ou constitutivos,
serão o quantum satis 277à percepção de seus efeitos em território nacional278.
Já em se referindo ao laudo arbitral estrangeiro de cunho condenatório,
este sim sofrerá um exame jurisdicional, em razão única de ser o título que
compreende a respectiva execução, porém não em detrimento de sua qualidade
alienígena. Aqueles de conteúdo constitutivo ou declaratório estarão dispensados
de qualquer exame por parte do Estado-Juiz. Comporta salientar que a idéia de
reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras se estende sobre todas elas,
enquanto a noção de execução se reserva àquelas condenatórias.
Num primeiro momento, a idéia de dispensa da homologação poderia
parecer um contra-senso para os ordenamentos internos de cada país, ou até
quem sabe poderia ser tido como uma subversão do sistema atribuir maior
prestígio interno a um laudo arbitral privado do que a uma sentença emanada de
autoridade judiciária estrangeira. Contudo, entendemos que tal raciocínio não
procede, uma vez que o processo de homologação de sentenças estrangeiras
deve ser observado em nível de relacionamento entre Estados soberanos.
Pois bem, quando se busca, dentro de uma ordem jurídica, o
reconhecimento ou a execução de um pronunciamento judicial de outro Estado,
em verdade, isso implica na admissão da autoridade pública de outrem; é uma
espécie de aceitação do decisório estrangeiro, em nome das boas relações
internacionais.
277 KALICHSZTEIN, Juliana. A homologação de laudos arbitrais estrangeiros no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes , Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 123-140, 2003. 278 Ibid;
158
No entanto, não se pode olvidar que, em se tratando do laudo arbitral,
este possui inerente caráter eminentemente privado, não sendo ato de autoridade
estatal, o que, na maioria dos casos, faz com que não ocorra a dispensa da
homologação exigida pelos regimes internos.
Em se tratando especificamente do ordenamento jurídico brasileiro, o
laudo arbitral, resultado de um contrato de natureza privada, ao nosso ver,
deveria resultar em validade independente do território onde foi prolatado.
2.2. Causas de Denegação do Reconhecimento e Execução do Laudo
Arbitral Estrangeiro e a Convenção de Nova York
Prima facie, sobre a Convenção de Nova York cumpre dizer que esta
se baseia na premissa de que somente se pode denegar a execução das
sentenças arbitrais quando estas não preencherem os requisitos elencados na
redação do artigo V :
1 - O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova:
Conforme disposto pelo artigo V., o pedido de reconhecimento e
execução das sentenças arbitrais somente poderá ser negado caso venha ocorrer
uma das situações que estejam aqui elencadas.
159
Maria Teresa Pacheco Fernandez Martinez, ao referir-se a este
assunto, assim predispõe:
[...] Las causas de denegación de ejecución enumeradas em el artículo V son numerus clausus, por lo que la parte que se opone a la ejecución solo puede basas su solicitud en estas causas y no en otras que puedan ser vpalidas con arrego a la legislación nacional279.
Desta feita, é por intermédio de tais requisitos a Convenção exige que o
requerente do exequátur apresente tão-somente documentos que provem a
autenticidade da sentença e convenção de arbitragem, deixando que a parte
contra a qual a sentença é invocada sustente a existência de possível causa de
denegação de seu reconhecimento e execução.
Trata-se de uma evolução, se compararmos a redação deste artigo com
a Convenção de Genebra de 1927 que inversamente determinava que tais
providências relativas ao cumprimento dos requisitos fossem tomadas pelo
requerente; assim, a este cabia provar que a sentença cumpria com todos os
requisitos para seu reconhecimento e execução280.
Cumpre ainda esclarecer que os requisitos previstos no artigo V
dirigem-se a perquirir sobre a capacidade das partes, validade da convenção
arbitragem, ao contraditório, bem como ao status jurídico da própria sentença
279 MARTINEZ, Mª Teresa Fernández Pacheco, La ejecución de laudos arbitrales con arreglo a la Convencion de Nueva Cork. Analisis de la jurisprudencia estadunidense (yII), Revista de Derecho Privado, Madrid: julio-agosto, 1998.p. 665 280FOUCHARD, Philippe, GOLDMAN, Berthold; GAILLARD, Emmanuel. Traité de l'arbitrage commercial international. Paris : Litec, 1996. p. 983
160
arbitral. Desta feita, vêem-se limitadas as possibilidades a serem apresentadas
pela parte interessada.
O primeiro requisito elencado no rol do artigo V versa sobre a
capacidade das partes:
a) Da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as Partes a sujeitaram ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, ao abrigo da lei do país em que for proferida a sentença; ou
Quanto à capacidade das partes, uma questão que se apresenta de
modo um tanto complexo, pois a Convenção não nos esclarece, reside em
determinar sob a égide de qual ordenamento jurídico será analisada a questão da
capacidade das partes.
Seguindo o entendimento de Irineu Streger, esta se perfaz em uma
questão complexa:
[...] A matéria não é de simples solução, pois, segundo a disciplina do direito internacional privado, pode se dar a ocorrência do chamado “interesse nacional lesado” pelo qual deve prevalecer, mesmo no caso de incapacidade segundo a lei estrangeira, o nacional, como também em sentido contrário a capacidade, consoante o direito alienígena, não ser reconhecida na sede do exequatur281.
281 STREGER, Irineu, Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem, São Paulo: ed. Ltr, 1998. p. 193.
161
São duas as correntes doutrinárias que nos orientam sobre esta
polêmica questão: por um lado estão aqueles que defendem que a escolha, pelas
partes, de certo direito implica necessariamente a escolha das regras de conflito
de tal direito; por outro lado, estão aqueles que valorizam a autonomia da vontade
das partes, de forma a utilizar, para a análise da capacidade das partes, as regras
substantivas do direito material por elas eleito. Na ausência de indicação de tal
direito pelas partes, caberá então aos árbitros resolverem sobre qual será a regra
de conflito aplicável ao caso282.
Com efeito, será então por ocasião do processo de homologação que o
Superior Tribunal de Justiça deverá apreciar a questão ligada à capacidade das
partes, o que deverá fazer de acordo com a norma eleita pelos árbitros,
independentemente de sua convicção sobre ser ou não esta lei a que mais se
ajustava ao caso.
Outro ponto tratado pelo artigo V, 1, a). refere-se à validade da
convenção arbitral, estabelecendo que esta deverá ser apreciada sob o prisma da
lei à qual as partes submeteram a demanda ou, na falta de sua indicação, sob a
égide da lei do local onde foi prolatada a sentença arbitral.
Neste ponto, a Convenção demonstrou valorizar o princípio da
autonomia da vontade; sobre esta questão, acrescenta Maria Tereza Martinez:
282 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no Brasil: utopia? IOB- Repertorio de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial. São Paulo. n.14. p.274-273. jul. 1993.
162
[...] Una de las innovaciones de la Convención de Nueva York em relación con el Convenio de Ginebra ha sido la introducción de una mayor autonomía de las partes para determinar distintos aspectos del procedimiento arbitral.283
Com isso, podemos afirmar que a Convenção valorizou o princípio da
autonomia da vontade, elegendo, de forma subsidiária, a lei do local de prolação
do ditame. Um problema que detectamos em função desta escolha pelo critério
subsidiário é que as partes podem vir a sofrer conseqüências indesejáveis.
Imaginemos, por exemplo, que não se tenha escolhido ordenamento jurídico
nacional para resolver o litígio, antes tenha sido a mesma realizada em face de
um julgamento por eqüidade, ou que a arbitragem tenha sido realizada a partir do
uso e dos costumes comerciais de um determinado setor do comércio284.
Segundo estabelecido no artigo V, 1, b), percebe-se que a Convenção
tratou de cuidar das questões de cunho processual; assim está redigida: “ b) De
que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada
quer da designação do árbitro quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi
impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação;”.
Neste artigo, fica clara a intenção da Convenção em regulamentar os
feitos com base em consagrados princípios processuais, demonstrando que
existe um certo temor por parte da doutrina em dar cumprimento às garantias,
principalmente no que se refere à ampla defesa e ao contraditório. O que, em
termos práticos, significa, por exemplo, que se deve garantir às partes o
283 MARTINEZ, 1998. p. 669 284 FOUCHARD, 996. p. 1000
163
recebimento da notificação acerca da designação do árbitro, para que estas
tenham oportunidade de oferecer sua defesa285.
Sobre esta circunstância, uma observação que se faz ainda pertinente é
que, no momento da apreciação a respeito de tais princípios, esta deve ocorrer
em face do ordenamento jurídico aplicável ao caso, e não em relação ao
ordenamento jurídico do Estado em que se pleiteia o reconhecimento ou a
execução da decisão arbitral286.
Entretanto, de acordo com a gravidade com que se feriram os princípios
do contraditório e ampla defesa, tal infração pode ser entendida como uma
violação à ordem pública; logo, passível de ser analisada de ofício pelo órgão
examinador287.
Da análise do artigo V, I, c), abstrai-se que ao árbitro cabe julgar
somente dentro dos limites do que lhe foi apresentado; estamos a nos referir à
regra processual que impõe limites à apreciação do julgador.
b) De que a sentença diz respeito a um litígio que não foi objecto nem da convenção escrita nem da cláusula compromissória, ou que contém decisões que extravasam os termos da convenção escrita ou da cláusula compromissória; no entanto, se o conteúdo da sentença referente a questões submetidas à arbitragem puder ser destacado do referente a questões não
285 STETNER, Eleonora Pitombo. A Convenção de Nova Iorque: Ratificação pelo Brasil. in Novos Rumos da Arbitragem no Brasil, Coord. Luiz Fernando Almeida Guilherme, São Paulo: Ed. Fiúza, 2004. 11 286 STETNER, Eleonora Pitombo. A Convenção de Nova Iorque: Ratificação pelo Brasil. in Novos Rumos da Arbitragem no Brasil, Coord. Luiz Fernando Almeida Guilherme, São Paulo: Ed. Fiúza, 2004. p. 11 287 SOUZA JUNIOR, Lauro da Gama, Reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras. in Arbitragem, lei brasileira e praxe internacional. São Paulo: Ed. LTr, 1999. p.419
164
submetidas à arbitragem, o primeiro poderá ser reconhecido e executado;
Este artigo trata das circunstâncias em o árbitro extrapola o limite de
competência do que poderia julgar dentro de determinado processo, julgando
além ou aquém do que lhe era permitido pela convenção arbitral.
Nestes casos, caberá ao órgão julgador do reconhecimento da decisão
arbitral estrangeira apreciar a questão e, em sendo possível, apartar da sentença
aquilo que extrapolou o litígio, homologando, assim, somente a parte que
efetivamente cabia ao árbitro decidir. Estamos a nos referir à regra da
dépéçage288, por meio da qual se pode separar da sentença o que extrapole a
competência do tribunal arbitral, reconhecendo-se e ou executando-se
parcialmente o ditame.
Já apreciação a respeito das regras de instauração do procedimento
arbitral, estas se encontram estabelecidas pelo artigo V, I. d): “d) De que a
constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em
conformidade com a convenção das Partes ou, na falta de tal convenção, de que
não estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem;”
Deste abstrai-se que o procedimento será conforme consta da
convenção arbitral e, na falta de disposições sobre o assunto, deve pautar-se pelo
que determina a lei do país em que se deu a arbitragem, lembrando que a lei se
288 O dépeçage pode ocorrer em dois níveis: no primeiro pelo próprio sistema de direito internacional privado, onde a substância do contrato pode ser regulada por uma lei, enquanto, a capacidade das partes ou a forma e execução poderá ser regida por outra lei; no segundo, decorre da própria autonomia da vontade das partes, que têm a faculdade de determinar mais de uma lei aplicável ao contrato. ARAÚJO, Nádia de A autonomia da vontade nos contratos internacionais – Situação atual no Brasil e no Mercosul, disponível em http://www.femperj.org.br/, acesso em 03/12/2006.
165
relaciona apenas à correta instituição do procedimento arbitral no que tange a sua
forma, número e qualificação dos árbitros 289.
Partindo para o que determina o artigo V, 1, e), temos que esta alínea
da Convenção se refere aos casos em que a sentença arbitral não seja
obrigatória para as partes, por estar sendo submetida a recurso com efeito
suspensivo ou por haver sido anulada no país onde foi proferida; assim sendo,
não poderá a mesma ser reconhecida e ou executada nos termos da Convenção
de Nova York.
Assim encontra-se a redação do referido artigo: “e) De que a sentença
ainda não se tornou obrigatória para as Partes, foi anulada ou suspensa por uma
autoridade competente do país em que, ou segundo a lei do qual, a sentença foi
proferida”.
Importa frisar que, quando o texto fala o termo “obrigatória”, deve-se
entender vinculante, o que significa não estar adstrita a recursos ou a impugnação
no âmbito do procedimento arbitral.
De acordo com o ensinamento de Maria Tereza Martinez, este
consiste em ser um dos artigos mais complexos sobre o assunto; assim se coloca
a autora:
289 STETNER, Eleonora Pitombo. A Convenção de Nova Iorque: Ratificação pelo Brasil. in Novos Rumos da Arbitragem no Brasil, Coord. Luiz Fernando Almeida Guilherme, São Paulo: Ed. Fiúza, 2004. p.12
166
El artículo V,1.e), é uno de los más problemáticos de la Convención de Nueva Iork.. debido a dificultad de interpretar el término “laudo obligatorio”. […] El Convenio de Ginebra utiliza la expresión “laudo Firme”.[…] la exigencia de que el laudo fuera firme derivado, en la platica, en el sistema del doble exequatur, conforme al cual el interesado en la ejecución del laudo debía presentar en exequatur, resultaba gravoso para el interesado; mas aún, teniendo en cuenta que conforme al Convenio de Ginebra, era la parte que solicitaba le ejecución quién debía probar la firmeza del laudo. Durante la Conferencia de Nueva Cork la mayoría de los delegados deseaban encontrar una nueva redacción que mantuviera la idea de que el laudo debía ser vinculante para las partes, pero que evitara el sistema del doble exequatur. Se consideró que la solución más acertada era utilizar el término “sentencia arbitral obligatoria”. De este modo las sentencias arbitrales que no sean obligatorias conforme a la ley que les sea aplicable no serán ejecutables. La expresión “obligatoria” ha sido criticada por su vaguedad. Otros autores, si embrago, la consideran un gran acierto290.
Segundo entendimento de Carlos Alberto Carmona291, essa questão
seria melhor interpretada no sentido de haver impedimento de reconhecimento e
execução de decisões liminares proferidas em sede de medidas cautelares.
Sobre esta questão, José Maria Rossani Garcez aduz que
A sugestão dos autores, neste sentido, é a de que a Convenção de Nova York, após mais de quarenta antos, possa ser aditada através de uma Convenção Suplementar, para passar a permitir entre os países signatários, com maior efetividade e simplificação o reconhecimento e execução das medidas cautelares, ampliando-se o critério limitativo atualmente contido no art. V, 1, (e) da referida Convenção, no sentido de que o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras dependa de terem as mesmas transitado em julgado e delas não mais pender
290 MARTINEZ, 1998. p.682 291 CARMONA, Carlos Alberto, Reforma da constituição e processo: promessa e perspectivas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo. n.61/62. p.1-12. jan./dez. 2005.
167
qualquer recurso, ou seja, de serem sentenças de meritis, definitivas.292
Ao nos reportarmos para o artigo V, 2 a). da Convenção de Nova York,
veremos que este se refere às questões que envolvem a arbitrabilidade do conflito
e a infração da ordem pública, questões que, diga-se de antemão, podem ser
suscitadas de ofício STJ no decurso do processo de homologação.
Assim encontra-se consubstanciado o supra citado artigo:
2 - Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos constatar:
a) Que, de acordo com a lei desse país, o objeto de litígio não é susceptível de ser resolvido por via arbitral;
Assim, não serão reconhecidas ou executadas as decisões arbitrais que
versem sobre questões não passíveis de serem resolvidas por intermédio da
arbitragem no país em que se pleiteia seu reconhecimento e execução; ou, ainda,
sentenças que venham ferir a ordem pública daquele país.
Esta é uma das maneiras que a doutrina tem encontrado para
restringir o alcance do controle de arbitralidade a ser realizado pelo país onde se
pleiteia o reconhecimento ou a execução do ditame arbitral estrangeiro: criar
292 GARCEZ, José Maria Rossani. Reflexões sobre arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio
168
conceitos de arbitralidade diferentes para os conflitos internos e os
internacionais293.
Por fim, o artigo V, 2, b, estabelece que “o reconhecimento ou a
execução da sentença são contrários à ordem pública desse país’.
Dirige-se aqui a Convenção à questão da infração da ordem pública do
país no qual se pretenda reconhecer o laudo arbitral estrangeiro.
Resta saber, neste momento, qual seria a intenção da Convenção com
este inciso. Tenciona a mesma denegar a homologação a sentenças arbitrais
estrangeiras que não estejam de acordo com a ordem pública interna do país no
qual se pleiteia o reconhecimento e ou execução, ou a sentenças arbitrais
estrangeiras que violem a ordem pública internacional294?
No entender de Philippe Fouchard,
[...] não obstante tal artigo não ser explícito, a intenção foi a de negar efeitos a sentenças arbitrais estrangeiras que contrariem a ordem pública internacional e não a ordem pública interna. Corroborando tal opinião é a jurisprudência majoritária formada com base nos inúmeros casos nos quais se aplicou a Convenção de Nova Iorque, desde sua celebração. Nesse sentido, afirma que “somente a desconsideração pela sentença dos princípios considerados no Estado de recepção como integrantes de suas convicções fundamentais e dotados de um valor universal absolutos são capazes de justificar uma tal denegação295.
Vianna de Lima, coord. Pedro A. Batista Martins, São Paulo : LTr, 2002. . p. 474 293 FOUCHARD, 1996. p. 1011 294 STETNER, 2004. p.13 295 FOUCHARD, 1996. p 1011
169
Ainda com relação ao pensamento de Fouchard, o mesmo aventa que
as exigências relacionadas à ordem pública internacional, tanto de natureza
procedimental como substancial, são muito mais maleáveis do que aquelas
referentes à ordem pública interna296.
Logo, preferimos entender que a Convenção, neste artigo, refere-se à
ordem pública internacional, segundo lhe concebe o Estado onde será a sentença
arbitral reconhecida e ou executada, e não da ordem pública realmente
internacional297..
Por fim, encerramos nosso capítulo concordando com Eleonora
Pitombo STETNER, quando esta aduz que
[...] a Convenção de Nova Iorque é o mais importante tratado sobre reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras do mundo e foi o responsável pela proliferação do uso da arbitragem nos negócios internacionais – sendo hoje utilizada na esmagadora maioria dos conflitos internacionais - ao assegurar que as decisões delas emanadas fossem regular, rápida e efetivamente reconhecidas e ou executadas em qualquer país signatário. Desse modo, a Convenção acabou garantindo mais segurança jurídica aos negócios internacionais.298
3. Da Livre Circulação das Decisões Arbitrais Estrangeiras
Primeiramente, insta consignar que existem duas correntes
doutrinárias que defendem teses opostas a respeito do assunto: por um lado,
estão aqueles que entendem ser imprescindível que ocorra a homologação da
296 FOUCHARD, 1996. p 1012 297 ibid;
170
decisão arbitral estrangeira por um órgão jurisdicional — estes são os
denominados publicistas; por outro, estão os privatistas que, por sua vez,
acreditam que tal homologação seja absolutamente desnecessária e constitui um
entrave para a efetividade do procedimento arbitral.
O principal argumento que utilizam os publicistas consiste no fato de
reconhecerem na decisão arbitral o caráter jurisdicional; aduzem os mesmos que,
muito embora a arbitragem possua natureza contratual, uma vez estabelecida em
decorrência de um acordo de vontade das partes, os árbitros, ao decidirem o
conflito, desempenham função própria do agente jurisdicional. Essa corrente
jurisdicionalista entende que, fortalecendo a autoridade dos árbitros, a eles se
está outorgando maior poder e, conseqüentemente, assegurando o interesse do
Estado na pacificação de controvérsias por meios alternativos; assim, estaria a
salvaguardar a ordem jurídica e o equilíbrio das relações privadas.
Pautam-se os publicistas no pensamento de que, apesar da
investidura de um indivíduo no cargo de árbitro ter um caráter privado, a ascensão
a essa função e o seu exercício são de interesse estatal, e, portanto, de caráter
público299.
Acreditam ainda os publicistas que o árbitro possui o que
tecnicamente em direito processual denominamos de substitutividade, ou seja, o
árbitro, ao ser eleito pelas partes, não atua em nome delas, mas, sim, em nome
do Estado. Logo, é possível entender a razão pela qual conferem à sentença
arbitral a natureza de título executivo judicial. Tal argumento faz com que, na
298 STETNER, 2004. p.15 299 ibid;
171
visão dessa corrente doutrinária, assim como a sentença judicial estrangeira, a
decisão arbitral também prescinde de homologação prévia.
No Brasil, o principal argumento utilizado pelos publicistas consiste
na observação do artigo 35 da Lei da Arbitragem, que confere ao STF300
competência para homologar sentença arbitral estrangeira. Para os publicistas, tal
inciso é interpretado de forma a ofertar à decisão arbitral o caráter jurisdicional,
isto é, equiparam a decisão arbitral à sentença judicial, o que, por conseguinte,
implicaria aceitar que a mesma estaria incluída na regra do artigo 102, alínea “h”,
da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe:...h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur as cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regime interno a seu Presidente;
De outro lado estão aqueles que, contrariamente, entendem ser
desnecessária a homologação de sentença arbitral estrangeira pelo Órgão
Jurisdicional.
Em primeiro lugar, ainda em referência à legislação brasileira, os
privatistas entendem que a regra inserida na alínea "i", do Inciso I do art. 105301,
da Constituição Federal, não autoriza a homologação de sentença arbitral
estrangeira pelo STF, posto que se refere apenas a "sentença estrangeira".
Ademais, a Lei de Arbitragem não estaria autorizada a ampliar a competência do
300 Cumpre lembrar que, atualmente, a competência para homologar sentenças arbitrais estrangeiras pertence ao STJ, em virtude da Emenda Constitucional 45, responsável pela reforma do judiciário. 301 Redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004 ( SEC 5778)
172
ST estabelecida na Constituição, o que só seria possível mediante emenda
constitucional302.
Carlos Alberto Carmona também entende que o artigo 35 da Lei de
Arbitragem é flagrantemente inconstitucional. Carmona espelha uma opinião que
é dominante, sobretudo entre os processualistas, na qual o art. 35, apesar da
jurisprudência ter decidido por sua constitucionalidade, guarda imprecisões que
podem levar a interpretações diversas e, com isto, a um conflito exegético 303.
De acordo com Carmona, de cuja opinião compartilha também
Alexandre Câmara, o artigo 35 da Lei é inquestionavelmente inconstitucional,
pois, segundo seu entendimento, a enumeração da regra constitucional possui
caráter taxativo, de forma que fica abolida, em sede de hermenêutica
constitucional, a interpretação extensiva. Concorda com Câmara no que tange
aos efeitos da não-aplicação do art. 35 da Lei de Arbitragem, ou seja, da dispensa
do procedimento homologatório pelo STF para reconhecimento de laudos arbitrais
estrangeiros (22).
A seguir, os privatistas entendem ainda que, tendo o laudo arbitral
estrangeiro caráter privado, deveria ser executado da mesma forma que um
contrato internacional, o que significa a dispensa de homologação, bem como a
sua execução extrajudicial, nos termos do art. 585, VII, do Código de Processo
Civil 304.
302 Segundo Alexandre Câmara Freitas, o art. 35 da Lei de Arbitragem é inconstitucional, pois confere ao STF a competência para a homologação da decisão de laudos arbitrais, chocando-se com a inteligência o art. 102, I, h da CRFB, que atribui competência exclusiva ao STF para homologar sentenças estrangeiras, não mencionando laudos arbitrais estrangeiros . Alexandre Câmara propõe uma nova discussão, ou seja: seriam os laudos arbitrais estrangeiros isentos do procedimento homologatório, esculpido no art. 35 da Lei? E nos deixa a pensar sobre tal questionamento .CÂMARA, 1996. p.43. 303 CARMONA, Carlos Alberto. O processo arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo. v.1. n.1. p.21-31. jan./abr. 2004. "A Arbitragem, Ano III", in Revista Forense. Rio de Janeiro, ano 96, vol. 350, abr./maio/jun., 2000, p. 21-29 304MAGALHAES, Jose Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.86. n.740. p.116-27. jun. 1997.
173
Seguindo essa linha de inteligência, defendem que, se o laudo
arbitral estrangeiro é ato privado, decorrente da vontade das partes, destinado a
dirimir controvérsias sobre direito patrimonial disponível, não há intervenção de
autoridade pública estrangeira que justifique sua prévia aceitação pelo Órgão
Judiciário.
Os privatistas acreditam ser contraditória a norma constante no art.
35 da Lei de Arbitragem, a qual declara ser a "sentença" arbitral título executivo
judicial. Disso resultou a alteração introduzida no art. 584, inciso III, do CPC, feita
pelo art. 41, da mesma Lei. Conforme alegam, o laudo arbitral não é título
executivo judicial, mas extrajudicial, visto que proferido por árbitro, pessoa privada
não integrante do Poder Judiciário, nem a ele equiparado ou equiparável.
Desta feita, mais lógico seria executar um laudo arbitral estrangeiro
de forma idêntica a de um contrato internacional, o qual não está adstrito à prévia
homologação pelo STJ. Nesse caso, o juiz competente, ao executar o laudo,
verificaria apenas se este não contraria os bons costumes, a ordem pública e a
soberania nacional.
José Carlos de Magalhães, ao tratar da questão, critica o Legislador
pátrio quando este subordina o reconhecimento do laudo arbitral proferido no
exterior à prévia homologação do STF. Entende Magalhães que o laudo arbitral
tem natureza de ato privado e que à Suprema Corte a Constituição brasileira
atribui competência exclusiva para decidir apenas sobre a homologação de
sentenças estrangeiras, e não sobre laudos arbitrais proferidos no exterior.
174
Propõe que o art. 35 da Lei de Arbitragem seja interpretado restritivamente.
Entende o autor que o art. 35 refere-se apenas às arbitragens forçadas305.
Outro ponto destacado pelos privatistas reside fundamentalmente no
fato de que a necessidade de homologação de sentença judicial estrangeira se
justificaria em face de ter sido emanada de autoridade pública estrangeira e que
se pretende seja executada e cumprida em outro território. Ou seja, a decisão
judicial estrangeira é ato oficial emanado do Poder Judiciário de outro Estado que
a autoridade pública do país onde deva ser cumprido pode ou não admitir. Já no
que diz respeito ao laudo arbitral, este consiste em ser um ato privado, prolatado
por indivíduos despidos de qualquer autoridade pública, razão pela qual não se
explica esta prévia apreciação do Poder Judiciário.
Ademais, a circunstância de a decisão arbitral causar os mesmos
efeitos que a decisão prolatada pelos órgãos do Poder Judiciário não a torna
judicial, uma vez que não advém do Poder Judiciário.
Os privatistas apóiam-se ainda na tese de que, ao exigir a
homologação de sentença arbitral estrangeira pelo STJ para que esta seja
reconhecida e executada, está-se a impingir a idéia de que, até mesmo quando
vencido, se quiser se submeter voluntariamente a tal sentença, será necessária a
prévia homologação306.
305 MAGALHÃES, 1997, p. 118 -119 306 Assim é que, para remeter recursos ao exterior, para fins de cumprimento de uma decisão arbitral estrangeira, o vencido estará impedido de fazê-la, pois o Banco Central do Brasil poderá exigir a sua homologação como condição para autorizar a remessa. De igual modo, as autoridades do imposto de renda poderão não aceitar a contabilização de uma despesa dedutível, para o cálculo do imposto de renda, se a decisão, em cumprimento da qual o pagamento foi feito, não estiver homologada. Com isso, o próprio cumprimento espontâneo de sentença arbitral estrangeira pelo vencido domiciliado ou sediado no Brasil fica prejudicado.
175
Outro ponto ressaltado refere-se à falta de paridade de tratamento
que por vezes as legislações conferem aos laudos arbitrais proferidos
internamente e aqueles proferidos no estrangeiro: entendem os privatistas que tal
atitude é descabida, vez que ambos possuem caráter eminentemente privado.
Senão, vejamos como exemplo a Lei brasileira307, que dispensou a
homologação de laudos arbitrais prolatados internamente.
Por fim, trazemos ao texto o argumento utilizado por esta corrente
doutrinária que consideramos de maior relevância e pertinência: situa-se na
questão do tempo que se perde à espera de tal homologação, tendo em vista a
quantidade de processos a serem julgados. Tal morosidade representa
considerável entrave à utilização do instituto arbitral, sem dizer que é totalmente
contrária à natureza informal do mesmo.
Ao nosso modo de entender, obrigação de prévia homologação dos
laudos arbitrais estrangeiros consiste, em última análise, numa forma de
constranger e limitar a utilização do instituto arbitral.
De certo modo, é louvável a atitude daqueles que indagam que o
procedimento de exequátur para os laudos arbitrais é imprescindível para
salvaguardar a soberania nacional. Entretanto, concordamos com aqueles que,
diversamente, acreditam na possibilidade de sentenças arbitrais estrangeiras
serem automaticamente reconhecidas como executórias nos diferentes Estados-
Partes do Mercosul, atinando-se apenas para a conformidade das mesmas com
as regras de ordem pública e as leis internas, de forma a serem verificadas pelos
juízes no momento de sua execução.
176
É certo que, ao analisarmos a questão sob o prisma do direito
comparado, concluiremos que a maioria dos doutrinadores avalia a arbitragem
sob o prisma de sua função, ou seja, possui natureza jurídica jurisdicional. Tal
pensamento consolida-se ainda mais, no momento em que se averigua tanto a
legislação nacional quanto a estrangeira308, uma vez que, em ambas, a sentença
arbitral, inclusive a estrangeira, equipara-se àquela proferida por órgão do Poder
Judiciário competente, tornando um tanto utópico, ainda, pensar na probabilidade
de, em algum momento, as decisões arbitrais estrangeiras circularem livremente,
sem a obrigatoriedade de serem previamente submetidas a um juízo de
admissibilidade por parte do Poder Judiciário do Estado onde serão executadas.
Para tanto, imperioso seria que se realizasse uma reavaliação de
conceitos e pré-conceitos, ou seja, uma reformulação no que tange à maneira de
pensar o instituto arbitral que, cumpre salientar no momento, erroneamente é
visto por alguns como uma nova roupagem do neoliberalismo.
307 Lei 9.307/96 308 A Exemplo disto está a França, onde a matéria de arbitragem vem regulada pelo Código de Processo Civil. A legislação processual francesa impôs maiores formalidades para a arbitragem interna do que para a internacional. Mas, ainda assim, proferida uma sentença arbitral internacional ou estrangeira, para que ambas sejam executadas, é necessário que um Tribunal de Instância Superior competente profira decisão concedendo o exequátur, tornando possível a sua execução. Tal exequátur não será concedido se a sentença arbitral estrangeira for contrária à ordem pública internacional. Vejamos o que dispões o art. 1477 do Código de Processo Civil francês: " A sentença arbitral não é susceptível de execução forçada a não ser que em virtude de uma decisão de exequatur emanada do Tribunal de Instância Superior à competência do qual a sentença foi trazida.". FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução : análise crítica da Lei 9.307, de 23.09.1996. 2. ed.rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p.176. E ainda, a título de exemplificação, tem-se a Itália, o art. 839, do Código de Processo Civil italiano, assim estabelece: "Art. 839. Reconhecimento e execução dos laudos estrangeiros. Quem quiser fazer valer na República um laudo estrangeiro deve propor recurso ao presidente da corte de apelo em cuja circunscrição reside a outra parte; se tal parte não residir na Itália é competente a corte de apelo de Roma [...]" FIGUEIRA JÚNIOR, 1999. p. 186 Nesse sentido, o art. 1477 do Código de Processo Civil francês: "Art. 1477. A sentença arbitral não é susceptível de execução forçada a não ser que em virtude de uma decisão de exequatur emanada do Tribunal de Instância Superior à competência do qual a sentença foi trazida." FIGUEIRA JÚNIOR, 1999. p. 173 (tradução da autora).
177
Ao nosso singelo modo de entender, nada obsta que um Estado
estabeleça que, no interior de seu território, somente se aplicará a lei que
promulgou e executar-se-ão as sentenças proferidas por seus tribunais.
Aliás, isto nos remete ao clássico aforismo lex non valet extra
territorium. Entretanto, é certo que, hodiernamente, os Estados compreendem a
importância da necessidade de que, em determinados casos, devem reconhecer,
em seu território, a eficácia da lei estrangeira e de sentenças proferidas no
exterior.
É neste contexto que se insere o espírito de nossa investigação;
entendemos que deve ser creditada a evolução das relações sociais,
principalmente a partir da década de 1980, à abertura dos mercados de Estados
que até então eram quase que indiferentes ao intercâmbio mercantil; senão,
vejamos o Brasil, que promoveu uma revolução no comércio internacional,
apenas mitigando uma pequena parcela da clássica noção de soberania.
Acreditamos que, assim como afirmam Nádia de Araújo e Lauro
Gama:309
para um país que se afirma como líder regional, busca maior credibilidade no contexto internacional e o incremento de suas transações comerciais com parceiros estrangeiros, é salutar que a cooperação judiciária internacional permaneça na ordem do dia, sofrendo as críticas que induzem ao aperfeiçoamento.
309ARAÚJO, Nádia de. Contratos internacionais: autonomia da vontade, Mercosul e convenções internacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. .
179
CONCLUSÕES
Ante o exposto ao longo do texto, permitimo-nos aduzir as seguintes
conclusões:
Ao contrário do que muitos acreditam, a arbitragem antecede a própria
jurisdição estatal. Quanto à sua real acuidade, temos que esta foi claramente
demonstrada quando estudamos a história do instituto ao longo do tempo e
percebemos que a arbitragem fora utilizada nas mais variadas épocas e
circunstâncias. Constituindo-se, em síntese, parafraseando Grotius, “um
instrumento hábil para a consecução da paz”.
Sobre a questão que levantamos a respeito da circulação de decisões
arbitrais entre os países do Mercosul, temos que:
Primeiramente, diante de uma sociedade inconstestavelmente
globalizada, em que os países se agrupam em blocos para sobreviver aos
desafios que lhes são impostos pela sociedade internacional moderna, a
soberania dos Estados nos moldes que conhecemos foi colocada em cheque, de
modo se que torna imprescindível um reavaliar deste dogma, adequando-o à nova
realidade.
180
É neste sentido que se insere a possibilidade de uma decisão arbitral
que circule entre os países-membros do Mercosul, onde prima facie é necessário
perceber que as decisões justas não necessariamente advêm de um organismo
estatal. E, ainda, que, especialmente no comércio internacional, os interesses
econômicos se encontram consubstanciados em contratos caracteristicamente
redigidos em linguagem própria, estabelecidos por regras que indicam a
desnacionalização do direito através de uma nova lex mercatória, onde, via de
regra, elegem os juízos arbitrais completamente desvinculados do direito estatal
para dirimirem suas controvérsias.
Logo, a nosso modo de pensar, representa um contra-senso obrigar
que tais entes comerciais após o deslinde de sua controvérsias pela via arbitral,
venham recorrer ao judiciário local em busca de uma “autorização”, para fazer
valer um direito que substancialmente diz respeito ao próprio indivíduo, vez que
se trata de um elemento que a princípio é inerente a todos os homens, qual seja,
a liberdade, traduzida pela linguagem do direito, por autonomia da vontade.
Após toda pesquisa que realizamos, percebemos que, se o Estado
viesse a suprimir a necessidade de homologação, aderindo ao sistema
automático de exequátur, estaria a ofertar às relações comerciais maior
segurança jurídica para efetivarem seus negócios e conseqüentemente estariam
incentivando o desenvolvimento econômico tanto no âmbito interno do Mercosul,
como externamente, na medida em que os agentes do comércio exterior se
sentissem mais confiantes em investir seu capital em um território que lhes
garantisse o adimplemento de seus direitos.
181
Não podemos olvidar que o Brasil é um país doutrinariamente
incipiente, pela falta de cultura e prática na utilização da arbitragem; esta
circunstância a princípio pode se constituir em uma barreira para a efetivação da
sugestão que acima apresentamos; entretanto, acreditamos que toda mudança
advém de um pensamento que, na visão de alguns, pode ser considerada uma
“utopia” .
Por fim, sobre a necessidade que o jurista tem de ter sua utopia,
concluiremos nossa investigação fazendo nossas as palavras de Ariano
Suassuna310 que, ao ser perquerido sobre a existência de uma utopia universal no
final do século XX, assim aduz:
[...] Se não existisse, deveria existir. Teria que ser criada, porque o homem não pode viver sem um sonho de melhoria, e este sonho para mim existe, de uma sociedade justa fraterna, como até hoje não foi feita. Veja você que os regimes ditos liberais, burgueses, privilegiaram a liberdade em detrimento da justiça. O socialismo marxista, que no meu entender é uma deturpação do socialismo, privilegiou a justiça e a igualdade em detrimento da liberdade. Mas, infelizmente, em ambos os casos foi sempre à liberdade para uma minoria e justiça a minoria. Até hoje não se conseguiu fazer organizar uma sociedade na qual a liberdade e a justiça tivessem o mesmo valor para a esmagadora maioria. Esse sonho é tão velho quanto o homem e será ele quem tem de nos guiar nessa abertura do Terceiro Milênio.”
310 Entrevista realizada por Wellington Faria, de um jornal paraibano.
182
BIBLIOGRAFIA
A Bíblia Sagrada – Velho e Novo Testamento. Primeiro Livro de I Reis,Capítulo 3,
versículos 16-28. (Trad.) João Ferreira de Almeida. São Paulo: Ed. Sociedade
Bíblica do Brasil. 1993.
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204
ANEXOS
Convenção sobre o Reconhecimento e as Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque aos 10 de Junho de 1958
Artigo I
1 - A presente Convenção aplica-se ao reconhecimento e à execução das sentenças
arbitrais proferidas no território de um Estado que não aquele em que são pedidos o
reconhecimento e a execução das sentenças e resultantes de litígios entre pessoas
singulares ou coletivas. Aplica--se também às sentenças arbitrais que não forem
consideradas sentenças nacionais no Estado em que são pedidos o seu reconhecimento
e execução.
2 - Entende-se por «sentenças arbitrais» não apenas as sentenças proferidas por árbitros
nomeados para determinados casos, mas também as que forem proferidas por órgãos de
arbitragem permanentes aos quais as Partes se submeteram.
3 - No momento da assinatura ou da ratificação da presente Convenção, da adesão a
esta ou da notificação de extensão prevista no artigo X, qualquer Estado poderá, com
base na reciprocidade, declarar que aplicará a Convenção ao reconhecimento e à
execução apenas das sentenças proferidas no território de um outro Estado Contratante.
Poderá também declarar que aplicará apenas a Convenção aos litígios resultantes de
relações de direito, contratuais ou não contratuais, que forem consideradas comerciais
pela respectiva lei nacional.
(Nota *) Nos termos do seu artigo XII, a Convenção entrou em vigor em 7 de Junho de
1959, no 90.º dia a seguir à data de depósito do terceiro instrumento de ratificação ou de
205
adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. Os Estados a
seguir indicados depositaram nos respectivos instrumentos de ratificação ou de adesão
(a) nas seguintes datas:
Israel - 5 de Janeiro de 1959;
Marrocos - 12 de Fevereiro de 1959 (a);
República Árabe Unida - 9 de Março de 1959 (a).
Artigo II
1 - Cada Estado Contratante reconhece a convenção escrita pela qual as Partes se
comprometem a submeter a uma arbitragem todos os litígios ou alguns deles que surjam
ou possam surgir entre elas relativamente a uma determinada relação de direito,
contratual ou não contratual, respeitante a uma questão susceptível de ser resolvida por
via arbitral.
2 - Entende-se por «convenção escrita» uma cláusula compromissória inserida num
contrato, ou num compromisso, assinado pelas Partes ou inserido numa troca de cartas
ou telegramas.
3 - O tribunal de um Estado Contratante solicitado a resolver um litígio sobre uma
questão relativamente à qual as Partes celebraram uma convenção ao abrigo do
presente artigo remeterá as Partes para a arbitragem, a pedido de uma delas, salvo se
206
constatar a caducidade da referida convenção, a sua inexequibilidade ou
insusceptibilidade de aplicação.
Artigo III
Cada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e
concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adotadas no
território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos
seguintes. Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica
a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais
rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas
para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais.
Artigo IV
1 - Para obter o reconhecimento e a execução referidos no artigo anterior, a Parte que
requerer o reconhecimento e a execução deverá juntar ao seu pedido:
a) O original devidamente autenticado da sentença, ou uma cópia do mesmo, verificadas
as condições exigidas para a sua autenticidade;
b) O original da convenção referida no artigo II, ou uma cópia da mesma, verificadas as
condições exigidas para a sua autenticidade.
2- No caso de a referida sentença ou convenção não estar redigida numa língua oficial do
país em que for invocada a sentença, a Parte que requerer o reconhecimento e a
execução da mesma terá de apresentar uma tradução dos referidos documentos nesta
língua. A tradução deverá estar autenticada por um tradutor oficial ou por um agente
diplomático ou consular.
207
Artigo V
1- O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte
contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em
que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova:
a) Da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos
da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que
as Partes a sujeitaram ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, ao abrigo da lei do
país em que for proferida a sentença; ou
b) De que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada
quer da designação do árbitro quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi
impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação; ou
c) De que a sentença diz respeito a um litígio que não foi objecto nem da convenção
escrita nem da cláusula compromissória, ou que contém decisões que extravasam os
termos da convenção escrita ou da cláusula compromissória; no entanto, se o conteúdo
da sentença referente a questões submetidas à arbitragem puder ser destacado do
referente a questões não submetidas à arbitragem, o primeiro poderá ser reconhecido e
executado; ou
d) De que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em
conformidade com a convenção das Partes ou, na falta de tal convenção, de que não
estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem; ou
e) De que a sentença ainda não se tornou obrigatória para as Partes, foi anulada ou
suspensa por uma autoridade competente do país em que, ou segundo a lei do qual, a
sentença foi proferida.
208
2- Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença
arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução
foram pedidos constatar:
a) Que, de acordo com a lei desse país, o objecto de litígio não é susceptível de ser
resolvido por via arbitral; ou
b) Que o reconhecimento ou a execução da sentença são contrários à ordem pública
desse país.
Artigo VI
Se a anulação ou a suspensão da sentença for requerida à autoridade competente
prevista no artigo V, n.º 1, alínea e), a autoridade perante a qual a sentença for invocada
poderá, se o considerar adequado, diferir o momento da sua decisão relativa à execução
da sentença; poderá igualmente, a requerimento da parte que solicitar a execução da
sentença, exigir da outra Parte a prestação das garantias adequadas.
Artigo VII
1- As disposições da presente Convenção não prejudicam a validade dos acordos
multilaterais ou bilaterais celebrados pelos Estados Contratantes em matéria de
reconhecimento e de execução de sentenças arbitrais, nem prejudicam o direito de
invocar a sentença arbitral que qualquer das Partes interessadas possa ter nos termos da
lei ou dos tratados do país em que for invocada.
2 - O Protocolo de Genebra de 1923 Relativo às Cláusulas de Arbitragem e a Convenção
de Genebra de 1927 Relativa à Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras deixarão
de produzir efeitos entre os Estados Contratantes a partir do momento, e na medida, em
que aqueles se encontrem obrigados pela presente Convenção.
209
Artigo VIII
1- A presente Convenção pode ser assinada até 31 de Dezembro de 1958 por qualquer
Estado membro das Nações Unidas, ou por qualquer outro Estado que seja, ou venha a
ser posteriormente, membro de uma ou várias agências especializadas das Nações
Unidas ou parte do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, ou que seja convidado
pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
2- A presente Convenção deve ser ratificada e os instrumentos de ratificação depositados
junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
]Artigo IX
1 - Todos os Estados referidos no artigo VIII podem aderir à presente Convenção.
2 - A adesão efetuar-se-á através do depósito de um instrumento de adesão junto do
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
Artigo X
1 - Qualquer Estado poderá, no ato da assinatura, da ratificação ou da adesão, declarar
que a presente Convenção será extensível ao conjunto, ou apenas a um ou vários, dos
territórios que representa a nível internacional. Esta declaração produzirá os seus efeitos
a partir do momento da entrada em vigor da presente Convenção naquele Estado.
2 - Posteriormente, qualquer extensão desta natureza far-se-á através de notificação
dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas e produzirá os seus
210
efeitos a partir do 90.º dia seguinte à data do recebimento da notificação pelo Secretário-
Geral da Organização das Nações Unidas, ou na data de entrada em vigor da Convenção
naquele Estado, se esta for posterior.
3 - No que respeita aos territórios aos quais não se aplica a presente Convenção na data
da assinatura, da ratificação ou da adesão, cada Estado interessado examinará a
possibilidade de tomar as medidas que desejar para estender a Convenção a esses
territórios, sob reserva, se for caso disso, do acordo dos governos desses territórios
quando exigido por razões constitucionais.
Artigo XI
As disposições seguintes aplicar-se-ão aos Estados federativos ou não unitários:
a) No que respeita aos artigos da presente Convenção que relevem da competência
legislativa do poder federal, as obrigações do governo federal serão as mesmas que as
dos Estados Contratantes que não sejam Estados federativos;
b) No que respeita aos artigos da presente Convenção que relevem da competência
legislativa de cada um dos Estados ou províncias constituintes, que não sejam, em
virtude do sistema constitucional da federação, obrigados a tomar medidas legislativas, o
governo federal levará, o mais cedo possível, e com parecer favorável, os referidos
artigos ao conhecimento das autoridades competentes dos Estados ou províncias
constituintes;
c) Um Estado federativo Parte na presente Convenção comunicará, a pedido de qualquer
outro Estado contratante, transmitido por intermédio do Secretário-Geral da Organização
das Nações Unidas, uma exposição da legislação e das práticas em vigor na federação e
nas suas unidades constituintes, no que respeita a qualquer disposição da Convenção,
211
indicando qual o efeito dado a essa disposição através de uma acção legislativa ou outra.
Artigo XII
1 - A presente Convenção entrará em vigor no 90.º dia seguinte à data do depósito do
terceiro instrumento de ratificação ou de adesão.
2 - Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do
terceiro instrumento de ratificação ou de adesão, a Convenção entrará em vigor a partir
do 90.º dia seguinte à data do depósito por esse Estado do seu instrumento de ratificação
ou de adesão.
Artigo XIII
1 - Qualquer Estado contratante poderá denunciar a presente Convenção através de
notificação escrita dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. A
denúncia produzirá efeitos um ano após a data do recebimento da notificação pelo
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
2 - Qualquer Estado que tenha feito uma declaração ou uma notificação, nos termos do
artigo X, poderá notificar posteriormente o Secretário-Geral da Organização das Nações
Unidas de que a Convenção cessará a sua aplicação no território em questão um ano
após a data do recebimento desta notificação pelo Secretário-Geral.
3 - A presente Convenção continuará a ser aplicável às sentenças arbitrais relativamente
às quais tiver sido iniciado um processo de reconhecimento ou de execução antes da
entrada em vigor da denúncia.
Artigo XIV
212
Um Estado Contratante só se poderá prevalecer das disposições da presente Convenção
contra outros Estados Contratantes na medida em que ele próprio esteja obrigado a
aplicá-la.
Artigo XV
O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas notificará a todos os Estados
referidos no artigo VIII:
a) As assinaturas e ratificações referidas no artigo VIII;
b) As adesões referidas no artigo IX;
c) As declarações e notificações referidas nos artigos I, X e XI;
d) A data de entrada em vigor da presente Convenção, nos termos do artigo XII;
e) As denúncias e notificações referidas no artigo XIII.
Artigo XVI
1 - A presente Convenção, cujas versões em inglês, chinês, espanhol, francês e russo são
igualmente autênticas, será depositada nos arquivos da Organização das Nações Unidas.
2 - O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas enviará uma cópia autenticada
da presente Convenção aos Estados referidos no artigo VIII.