literatura popular

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L eonardo Gomes é jor- nalista e escritor. Todo dia ele levanta cedo, toma café, pega a bolsa com alguns exemplares do livro "O homem que contraiu crônica", de sua autoria, lançado em 2008, e sai. Quase sempre o seu destino é o terminal rodo- viário de Coronel Fabriciano. "Geralmente ando de bicicle- ta. Aqui isso é possível, pois as avenidas dão fácil acesso dos bairros ao centro da cida- de e têm poucos morros. Já em Ipatinga, isto não funcio- naria tão bem", brinca Leo- nardo. INCLUSÃO LITERAL Ao chegar ao seu destino, Leonardo começa o que nomeou de "Inclusão Literal". Sem apoio de leis de incentivo a cultura ou empresários, ele vende seu livro em locais de grande circulação de pessoas, a preços populares, reduzindo seu lucro a uma tentativa de despertar nos outros o prazer pela leitura. "Já que eu fiz o livro de forma independente, e atuo também como distribui- dor e vendedor, eu posso ven- der meu livro a um preço baixo. Quando eu abordo a pessoa e explico o projeto, elas enten- dem, compram e lêem. Costu- mo dizer que é algo bonito e barato", afirma o escritor. Quando despertou para sua vontade de escrever, Léo sabia da realidade da região em rela- ção à leitura. "No Vale do Aço, poucos tem o hábito de ir a uma livraria e comprar livros, pouquíssimos. As pes- soas até visitam, olham, mas sair com um exemplar na mão não é tão comum. Muitos têm outras obrigações para cum- prir com o seu dinheiro e, por isto, não podem gastar, ou investir em livros. Mas a cinco reais, eles compram e lêem", afirma Leonardo. SONHO E CRÔNICA Leonardo começou a "con- cretizar" seu sonho literário durante os anos de 2003 e 2005, enquanto cursava a faculdade de jornalismo no Centro Uni- versitário do Leste de Minas Gerais (UnilesteMG). Foi lá também que conseguiu enten- der sobre o que ele escrevia. "Escrever sempre foi uma rea- lidade na minha vida. Eu sem- pre escrevi crônica, mas não sabia dar um nome àquele for- mato. Só fui entender isto quan- do entrei na faculdade. No ensino médio e fundamental eu já escrevia sobre o cotidiano, sempre buscando uma forma bem-humorada de mostrar os fatos, intercalando com ficção, recheando com metáforas e ironias. Isto é a crônica", conta. "O homem que contraiu crônica", primeiro livro de Leonardo, foi lançado em 2008, com uma tiragem de mil cópias. Ele fez o padrão, distribuiu pelas livrarias da região, divulgou para alguns amigos, mas não conseguiu uma boa vendagem. Foi ai que ele decidiu colocar seu projeto de popularização da leitura em prática. "Eu enten- di que tinha que levar o livro até o leitor. As pessoas não têm o hábito de ler, então precisam de um incentivo a mais. Vou às escolas e bar- zinhos, além de todo dia estar aqui no Terminal Rodoviá- rio. Este é um ótimo lugar, são muitas pessoas, de diver- sos lugares, e muitas vezes entediadas por ter que espe- rar um ônibus. Neste momen- to eu tento oferecer para ela uma nova opção: em vez de ficar olhando pro tempo, ela pode ler um livro, e tem dado certo", revela o escritor. PROJETO MAIS AMPLO No seu projeto, Leonardo pensa ainda em agregar outras ações a esta que ele faz, tor- nando mais abrangente a "Inclusão Literal". "Preten- do chamar escritores da região para que eles ensinem o que sabem. Oficinas ao ar livre, para quem quiser, sobre poe- sia, contos e crônicas, indo também às escolas, levando esta arte às crianças. Mas, tem sido difícil conseguir reunir estas pessoas, a vida é muito corrida e complica- da. Enquanto isto, eu per- maneço com o meu esforço, tocando o projeto", declara o jornalista. Segundo Leonardo, o nome "Inclusão Literal" vem da necessidade de proporcionar às pessoas o prazer de ler, não só ser alfabetizado, mas de entender a leitura. "Temos projetos de inclusão social, Inclusão Digital, ensinamos as pessoas a usarem um com- putador, mas a escola é defa- sada e as crianças não têm aprendido a ler direito. Não digo ser alfabetizado, isso a maioria já é, mas falo sobre aprender a fazer conexões e interpretações de texto, fator muito importante, sendo cobrado em qualquer prova que você faça, seja para nota na escola, seja um concurso público ou um teste para um emprego. Aquele que lê desen- volve melhor características importantíssimas, como o raciocínio, o vocabulário, a gramática, oratória, enfim, a comunicação como um todo. E isto é essencial para a vida em sociedade", afirma Leo- nardo. APOIO E RESULTADOS Sem ter nenhum apoio financeiro, seja de empresa, organização, prefeitura ou lei de incentivo, Leonardo pretende continuar com o projeto, independente das dificuldades. Tem uma coisa que para ele é melhor do que a tranqüilidade financeira. "As pessoas lêem e depois voltam onde eu estou e comen- tam o que acharam, falando se gostaram do livro ou não e me apoiando a continuar. Um dia desses, uma faxinei- ra do terminal, chamada Rosa, comprou meu livro. Dias depois ela voltou para me dizer que seu filho havia gos- tado muito de uma das histó- rias e aquilo o havia motiva- do a estudar novamente. Isto me deixou muito feliz, e isto vale o esforço. Eu conto tam- bém com o apoio da gráfica Saramandaia, que me ajuda, com prazos e preços mais acessíveis, além do Uniles- teMG, que tem me dado espa- ço de divulgação deste tra- balho", diz. Leonardo já conseguiu, por meio do projeto, vender mais de 1500 livros, sendo que a segunda edição de "O homem que contraiu crôni- ca" saiu em março do ano passado, com mais mil exem- plares. "Um amigo uma vez me disse que o artista não pode ter a pretensão de mudar uma pessoa com a sua arte. Entretanto, eu me considero um escritor pretensioso, pois espero repassar e se possí- vel mudar o meu leitor, acho que fazê-lo ser um leitor já é uma mudança", conclui Leonardo. VITRINE VALE DO A ÇO SÁBADO, 27/FEVEREIRO/2010 E-mail: [email protected] Telefone: (31) 2109.3550 C U L T U R A & V A R I E D A D E S 1-A PROJETO INDEPENDENTE INCENTIVA PESSOAS A NÃO ABANDONAREM O HÁBITO DA LEITURA COM O PROJETO "INCLUSÃO LITERAL", Leonardo pretende fazer as pessoas lerem mais. "Espero, se possível, mudar o meu leitor, acho que fazê-lo ser um leitor já é uma mudança" DIVULGAÇÃO Literatura Popular Vinícius Ferreira ESTAGIÁRIO Uma pesquisa divulgada esta semana pela Federação do Comércio, de Bens e Turismo (Fecomercio) do Rio de Janeiro exemplifica a realidade nacional: brasileiros lêem cada vez menos livros de papel. Diariamente, as pessoas são bombardeadas por informações, mas muito poucas são advindas de livros. Dos entrevistados, 22% foram diretos, sinceros e responderam que não gostam de ler e pronto. Já um pouco mais da metade dos entrevistados, 60%, disse que não conseguem ter este hábito, e conseqüentemente, a prática da leitura. Mas ainda existe uma esperança, enquanto ações de popula - rização da literatura, mesmo que individuais e aparentemente pequenas, continuem a modificar as pessoas, como é o caso da "Inclusão Literal".

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Publicada em 27 de fevereiro de 2010, no Jornal Vale do Aço

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Page 1: Literatura Popular

L eonardo Gomes é jor-nalista e escritor. Tododia ele levanta cedo,

toma café, pega a bolsa comalguns exemplares do livro "Ohomem que contraiu crônica",de sua autoria, lançado em2008, e sai. Quase sempre oseu destino é o terminal rodo-viário de Coronel Fabriciano."Geralmente ando de bicicle-ta. Aqui isso é possível, poisas avenidas dão fácil acesso

dos bairros ao centro da cida-de e têm poucos morros. Jáem Ipatinga, isto não funcio-naria tão bem", brinca Leo-nardo.

INCLUSÃO LITERALAo chegar ao seu destino,

Leonardo começa o que nomeoude "Inclusão Literal". Semapoio de leis de incentivo acultura ou empresários, elevende seu livro em locais de

grande circulação de pessoas,a preços populares, reduzindoseu lucro a uma tentativa dedespertar nos outros o prazerpela leitura. "Já que eu fiz olivro de forma independente,e atuo também como distribui-dor e vendedor, eu posso ven-der meu livro a um preço baixo.Quando eu abordo a pessoa eexplico o projeto, elas enten-dem, compram e lêem. Costu-mo dizer que é algo bonito e

barato", afirma o escritor. Quando despertou para sua

vontade de escrever, Léo sabiada realidade da região em rela-ção à leitura. "No Vale doAço, poucos tem o hábito deir a uma livraria e comprarlivros, pouquíssimos. As pes-soas até visitam, olham, massair com um exemplar na mãonão é tão comum. Muitos têmoutras obrigações para cum-prir com o seu dinheiro e, poristo, não podem gastar, ouinvestir em livros. Mas a cincoreais, eles compram e lêem",afirma Leonardo.

SONHO E CRÔNICALeonardo começou a "con-

cretizar" seu sonho literáriodurante os anos de 2003 e 2005,enquanto cursava a faculdadede jornalismo no Centro Uni-versitário do Leste de MinasGerais (UnilesteMG). Foi látambém que conseguiu enten-der sobre o que ele escrevia."Escrever sempre foi uma rea-lidade na minha vida. Eu sem-pre escrevi crônica, mas nãosabia dar um nome àquele for-

mato. Só fui entender isto quan-do entrei na faculdade. Noensino médio e fundamental eujá escrevia sobre o cotidiano,sempre buscando uma formabem-humorada de mostrar osfatos, intercalando com ficção,recheando com metáforas eironias. Isto é a crônica", conta.

"O homem que contraiucrônica", primeiro livro deLeonardo, foi lançado em2008, com uma tiragem demil cópias. Ele fez o padrão,distribuiu pelas livrarias daregião, divulgou para algunsamigos, mas não conseguiuuma boa vendagem. Foi aique ele decidiu colocar seuprojeto de popularização daleitura em prática. "Eu enten-di que tinha que levar o livroaté o leitor. As pessoas nãotêm o hábito de ler, entãoprecisam de um incentivo amais. Vou às escolas e bar-zinhos, além de todo dia estaraqui no Terminal Rodoviá-rio. Este é um ótimo lugar,são muitas pessoas, de diver-sos lugares, e muitas vezesentediadas por ter que espe-rar um ônibus. Neste momen-to eu tento oferecer para elauma nova opção: em vez deficar olhando pro tempo, elapode ler um livro, e tem dadocerto", revela o escritor.

PROJETO MAIS AMPLONo seu projeto, Leonardo

pensa ainda em agregar outrasações a esta que ele faz, tor-nando mais abrangente a"Inclusão Literal". "Preten-do chamar escritores da regiãopara que eles ensinem o quesabem. Oficinas ao ar livre,para quem quiser, sobre poe-sia, contos e crônicas, indotambém às escolas, levandoesta arte às crianças. Mas,tem sido difícil conseguirreunir estas pessoas, a vidaé muito corrida e complica-da. Enquanto isto, eu per-maneço com o meu esforço,tocando o projeto", declarao jornalista.

Segundo Leonardo, o nome"Inclusão Literal" vem danecessidade de proporcionaràs pessoas o prazer de ler,não só ser alfabetizado, masde entender a leitura. "Temosprojetos de inclusão social,Inclusão Digital, ensinamosas pessoas a usarem um com-putador, mas a escola é defa-sada e as crianças não têm

aprendido a ler direito. Nãodigo ser alfabetizado, isso amaioria já é, mas falo sobreaprender a fazer conexões einterpretações de texto, fatormuito importante, sendocobrado em qualquer provaque você faça, seja para notana escola, seja um concursopúblico ou um teste para umemprego. Aquele que lê desen-volve melhor característicasimportantíssimas, como oraciocínio, o vocabulário, agramática, oratória, enfim, acomunicação como um todo.E isto é essencial para a vidaem sociedade", afirma Leo-nardo.

APOIO E RESULTADOSSem ter nenhum apoio

financeiro, seja de empresa,organização, prefeitura oulei de incentivo, Leonardopretende continuar com oprojeto, independente dasdificuldades. Tem uma coisaque para ele é melhor do quea tranqüilidade financeira."As pessoas lêem e depoisvoltam onde eu estou e comen-tam o que acharam, falandose gostaram do livro ou nãoe me apoiando a continuar.Um dia desses, uma faxinei-ra do terminal, chamada Rosa,comprou meu livro. Diasdepois ela voltou para medizer que seu filho havia gos-tado muito de uma das histó-rias e aquilo o havia motiva-do a estudar novamente. Istome deixou muito feliz, e istovale o esforço. Eu conto tam-bém com o apoio da gráficaSaramandaia, que me ajuda,com prazos e preços maisacessíveis, além do Uniles-teMG, que tem me dado espa-ço de divulgação deste tra-balho", diz.

Leonardo já conseguiu,por meio do projeto, vendermais de 1500 livros, sendoque a segunda edição de "Ohomem que contraiu crôni-ca" saiu em março do anopassado, com mais mil exem-plares. "Um amigo uma vezme disse que o artista nãopode ter a pretensão de mudaruma pessoa com a sua arte.Entretanto, eu me consideroum escritor pretensioso, poisespero repassar e se possí-vel mudar o meu leitor, achoque fazê-lo ser um leitor jáé uma mudança", concluiLeonardo.

VITR INE1-A

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C U L T U R A & V A R I E D A D E S 1-A

PROJETO INDEPENDENTE INCENTIVA PESSOAS A NÃO ABANDONAREM O HÁBITO DA LEITURA

COM O PROJETO "INCLUSÃO LITERAL", Leonardo pretende fazeras pessoas lerem mais. "Espero, se possível, mudar o meu leitor, acho que fazê-lo ser um leitor já é uma mudança"

DIVULGAÇÃO

Literatura PopularVinícius Ferreira

ESTAGIÁRIO

UUmmaa ppeessqquuiissaa ddiivvuullggaaddaa eessttaa sseemmaannaa ppeellaa FFeeddeerraaççããoo ddoo CCoomméérrcciioo,, ddee BBeennss ee TTuurriissmmoo ((FFeeccoommeerrcciioo))

ddoo RRiioo ddee JJaanneeiirroo eexxeemmpplliiffiiccaa aa rreeaalliiddaaddee nnaacciioonnaall:: bbrraassiilleeiirrooss llêêeemm ccaaddaa vveezz mmeennooss lliivvrrooss ddee ppaappeell..

DDiiaarriiaammeennttee,, aass ppeessssooaass ssããoo bboommbbaarrddeeaaddaass ppoorr iinnffoorrmmaaççõõeess,, mmaass mmuuiittoo ppoouuccaass ssããoo aaddvviinnddaass ddee

lliivvrrooss.. DDooss eennttrreevviissttaaddooss,, 2222%% ffoorraamm ddiirreettooss,, ssiinncceerrooss ee rreessppoonnddeerraamm qquuee nnããoo ggoossttaamm ddee lleerr ee pprroonnttoo..

JJáá uumm ppoouuccoo mmaaiiss ddaa mmeettaaddee ddooss eennttrreevviissttaaddooss,, 6600%%,, ddiissssee qquuee nnããoo ccoonnsseegguueemm tteerr eessttee hháábbiittoo,, ee

ccoonnsseeqqüüeenntteemmeennttee,, aa pprrááttiiccaa ddaa lleeiittuurraa.. MMaass aaiinnddaa eexxiissttee uummaa eessppeerraannççaa,, eennqquuaannttoo aaççõõeess ddee ppooppuullaa-

rriizzaaççããoo ddaa lliitteerraattuurraa,, mmeessmmoo qquuee iinnddiivviidduuaaiiss ee aappaarreenntteemmeennttee ppeeqquueennaass,, ccoonnttiinnuueemm aa mmooddiiffiiccaarr aass

ppeessssooaass,, ccoommoo éé oo ccaassoo ddaa ""IInncclluussããoo LLiitteerraall""..