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LITERATURA DE FOLHETOS e LITERATURA DE CORDEL
1
Maria Helena do Rosário de Pontes
Resumo: O presente artigo trata de um dos mais antigos instrumentos de mídia impressa no
Brasil – OS FOHETOS, também conhecidos como “Literatura de Cordel”. Esta literatura
possui como características, dentre outras, uma linguagem simples, uma fácil assimilação,
temáticas diversificadas e um baixo valor aquisitivo. Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Rio
Grande do Norte e Ceará são os estados do Brasil onde houve a maior divulgação dos Folhetos.
Os poetas Leandro Gomes de Barros, João Melchíades Ferreira da Silva, José Camelo de Melo
Resende são os cordelistas mais antigos. Ao longo do nosso trabalho vamos focar na obra do
cordelista Manoel Monteiro, pernambucano, nascido na Cidade de Bezerros e que teve os seus
cordéis e livros utilizados como material paradidático nas Escolas do Estado da Paraíba, região
nordeste do Brasil. Seus cordéis possuem uma linguagem clara e objetiva e versam sobre temas
atuais como: ecologia, saúde, gramática, literatura e comportamento.
Palavras-chave: Folhetos. Cultura. Comunicação.
Abstract: This work addresses one of the earliest Brazilian written media, the booklets,
also known as ‘Cordel’ Literature. ‘Cordel’ booklets spread in the Northeast Region of
Brazil, mainly in the States of Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte and
Ceará. ‘Cordel’ literature is characterized by simple language, diverse subjects and low
price. Some of the earliest ‘Cordel’ authors are Leandro Gomes de Barros, João
Melchíades Ferreira da Silva and José Camelo de Melo Resende. This work focuses on
Manuel Monteiro’s works. Manuel Monteiro was born in the City of Bezerros, State of
Pernambuco, and some of his booklets were used as educational material in State of
Paraíba’s schools. Monteiro’s booklets have a straightforward language and discuss
relevant topics including, but not limited to, ecology, health, literature, and behaviour.
Keywords: Booklets, Culture, Communication
1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Católica de Pernambuco -
UNICAP
1. INTRODUÇÃO
Inspirada nas palavras do educador e filosofo brasileiro Paulo Feire, de que “a
palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.
Precisamente por isso, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para
os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais. (FREIRE,
1987, p. 78)” construímos este trabalho com o pensamento voltado para as pessoas mais
humildes, com menos recursos financeiros, que sequer possuem um aparelho de
televisão em sua casa, quando muito um radinho. Ou seja, estaremos enfatizando a
publicação de folhetos como fonte de informação.
Dessa forma, teoricamente adentramos no campo da História Cultural,
enfatizando as culturas populares e os indivíduos menos prestigiados da Sociedade,
abordando, sobretudo, à sua visão de mundo. A virada cultural dos anos 70 trouxe
“abordagens que focam desde os saberes eruditos ao popular em sua produção (ídem,
p.15)”. Todas essas possibilidades trazidas pela História Cultural a nós, Historiadores,
se deveu a polissemia com que o termo “cultura” passou a ser enxergado na
historiografia. Essa visão foi fruto de uma aproximação que houve da História para
com a Antropologia, mudando o entendimento de que cultura era algo pertencente a
grupos mais favorecidos, uma vez que “a preocupação Antropológica com o cotidiano e
com sociedades...enconrajou o termo do emprego “cultura” em um sentido amplo. Com
isso, os Historiadores Culturais se aproximam dessa noção antropológicas. A era da
antropologia histórica e da Nova História Cultural”(BURKE, 2008; p 45)”. Logo, esse
“interesse pela Cultura Popular tornou a antropologia ainda mais relevante para os
historiadores. (BURKE, 2008 pg.56)”.
A propagação e valorização deste meio de comunicação, os folhetos, são um
instrumento pouco usado e até lembrado ao abordar variados e atuais temas, com
veremos adiante, o seu modo de comunicação é simples, possuindo uma linguagem de
fácil entendimento e por vezes até engraçado, o que resulta numa paixão por quem os
conhece. Este artigo se propõe a divulgar a literatura de folhetos e seus poetas. A
linguagem simples, os conteúdos, o “novo cordel” e principalmente o uso do folheto
como veículo de conhecimento e propagação de informação: uma mídia social
expressiva.
2. A QUESTÃO DAS MÍDIAS REPRESENTAÇÕES.
No entanto, muitas vezes as propagações da mídia social representam discursos
prontos e criados por um grupo elitista e dominante,
observações similares podem ser feitas com todas as propriedades e níveis de
reportagens jornalísticas. O conteúdo e estrutura sintática da manchete
sistematicamente “nos” favorecem e problematizam “eles”, como também é o
caso do estilo lexical (por exemplo, “motins” em vez de “distúrbios”), da
retórica, das negações ou outros movimentos semânticos estratégicos (“Não
temos nada contra turcos, mas...”; “Somos uma sociedade tolerante, mas...”),
assim como outras propriedades discursivas. Assim, de um modo geral, as
ações negativas “deles” são tornadas mais proeminentes (por exemplo, por
meio de topicalização, cobertura da primeira página, construção da manchete,
ênfase retórica), enquanto as “nossas” ações negativas são amenizadas por
meio de negação, eufemismo, atenuação ou outras estratégias que evitam a
autorepresentação negativa (van Dijk, 1991, 1992a). Por conta da falta de
fontes alternativas de informação sobre relações étnicas, os efeitos dessas
reportagens diárias dos modelos e atitudes de muitos leitores brancos são
previsíveis: a difusão do preconceito e da xenofobia. Assim, as minorias e
seus representantes têm pouco acesso ao público em geral, a não ser por
protestos e comportamentos perturbadores que irão certamente ser definidos
como uma confirmação de estereótipos e preconceitos dominantes. (VAN
DIJK, 2015, p. 100)
Sobre este conteúdo, podemos chamar de representações. Sobre tais
representações, de acordo com Sandra Pesavento,
no domínio da representação, as coisas ditas, pensadas e expressas têm outro
sentido além daquele manifesto. Enquanto representação do real, o
imaginário é sempre referência a um ‘outro’ ausente. O imaginário enuncia,
se reporta e evoca outra coisa não explícita e não presente. Este processo,
portanto, envolve a relação que se estabelece entre significantes (imagens,
palavras) com os seus significados (representações, significações
(Castoriadis), processo este que envolve uma dimensão simbólica
(PESAVENTO, 1995, p.15).
Tais representações dizem respeito ao modo com que os indivíduos podem ser
retratados, remetendo a discursos intencionais com este propósito. Conforme o
historiador Roger Chatier:
As percepções do social não são de forma alguma, discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar
um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas
escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações
supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de
competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação.
As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas
para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta
impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu
domínio (CHARTIER, 2002, p 17).
Ou seja, os discursos proferidos não são neutros, pelo contrário, mostram a
posição de um sujeito que faz usos de seu privilégio para criar a imagem de um
determinado objeto. Como consequência dos Folhetos, também chamados de “literatura
de Cordel” nos fez refletir sobre a importância e de como podemos usar essa
comunicação para informação de toda uma sociedade diferente dessa mídia tradicional,
pois o indivíduo não produz cultura somente no processo em que ele escreve, mas
também à forma de como ele lê também representa cultura( CHARTIER, 2002). Com
isso, nossa produção pensou os indivíduos menos favorecidos e assim com tal conteúdo
dar ênfase à voz desses indivíduos.
a diferença ou a semelhança entre a produção da imagem e a produção
secundária que se esconde nos processos de sua utilização”, Certeau (1994, p.
40)
A Profª Drª Maria do Rosário da Silva em sua Dissertação “Histórias ambulantes:
cultura e cotidiano em folhetos de cordel”, pg. 55, apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do
Piauí, faz uma citação sobre uma pesquisa da Professora Márcia Abreu, publicada no seu livro
Histórias de Cordéis e Folhetos:
A
LITERATURA CORDEL
LITERATURA DE FOLHETOS
U
T
O
R
E
S
adaptadores de textos
de sucesso
textos dirigiam-se ao
conjunto da sociedade
cultura escrita
Narram vidas de nobres
e cavaleiros
obras de domínio
público
viviam de compor e
vender versos
parcela significativa do
público pertenciam as
camadas com menor
poder aquisitivo
folhetos guardavam
fortes vínculos com a
tradição oral
O cotidiano
proprietários de sua obra
Os nossos folhetos possuem como características, entre outras, uma linguagem
simples, de fácil manuseio, por vezes divertidos com temáticas bastantes diversificadas,
e de interesse de toda a sociedade, além do baixo custo em sua aquisição. Os folhetos
seguem regras de métrica e rima sem as quais não se faz um cordel.
3. Os Folhetos
A estrutura do Folheto é dividida em estrofes variando em sextilha, setilhas,
quadra e décimas, explicando melhor: a sextilha possuem seis estrofes, a setilhas
possuem sete estrofes, a quadra, quatro estrofes e finalmente as décimas que é uma rima
que pode ter entre 1, 2, 4, 6 e 10 versos. Os versos obedecem a regras de métrica e rima.
O "Dia do Cordelista" é comemorado em dezenove de novembro, data do nascimento
do poeta Leandro Gomes de Barros, nascido na cidade de Pombal no estado da Paraíba,
o que defini a sua importância para o cordel. Seus folhetos “O dinheiro” e o “O cavalo
que defecava dinheiro” inspiraram o escritor Ariano Suassuna2 em sua obra: O auto da
Compadecida.
(...)”Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação.
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão.
Foi ao vigário e lhe disse:
Morreu cachorra de mim
E urubu no Brasil
Não poderá dar-lhe fim...
- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou o vigário assim.
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes do inglês findar
O vigário suspirou.
- Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre(...).
"O testamento do Cachorro", fragmentos do folheto "O dinheiro", autoria de Leandro Gomes de Barros .
Com vasta relação de poetas e poetizadas, foi difícil eleger um para o nosso
trabalho, porém após um conhecimento maior de sua obra optamos por Manoel
Monteiro, autor de cerca de 200 folhetos e com diversos livros impressos. Sua
importância se dá pela sua preocupação com a utilização dos folhetos como instrumento
divulgador de conhecimento na educação, tendo como características em seus folhetos
uma linguagem clara e objetiva, preocupação com a escrita (fazia parte do movimento
denominado “Novo Cordel”3), e abordava temas atuais como ecologia, saúde,
3 Ariano Suassuna foi um poeta, professor, dramaturgo e um dos fundadores do Movimento Armorial, movimento de cunho artístico
com objetivos de criar uma arte erudita a partir da cultura popular do nordeste Brasileiro.
3 “Isso é o que chamo de o NOVO CORDEL. Esse cordel novo não destoa na poesia, nem nas regras, nem na forma; prima,
contudo, pela correção da língua, pela riqueza e pela atualidade das informações”. Manoel Monteiro
gramática, literatura e comportamento. Participou de Oficina de Cordéis realizado pela
Universidade Federal da Paraíba, campus Campina Grande. Manoel Monteiro ocupou a
cadeira de nº 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Participou do
movimento denominado Novo Cordel e assim o definiu “Isso é o que chamo de o
NOVO CORDEL. Esse cordel novo não destoa na poesia, nem nas regras, nem na
forma; prima, contudo, pela correção da língua, pela riqueza e pela atualidade das
informações”.
Do seu acervo selecionamos algumas obras e escolhemos fragmentos de alguns
folhetos.
A ESPANHOLA INGLESA
(Baseada na obra de Miguel de Cervantes)
Nesta hora imploro à Musa
Descer dos céus, por instantes,
Para ajudar-me a contar
Um dos dramas mais tocantes
Que ocorreu além-mares
Nas novelas exemplares
Do grande escritor Cervantes” (...)
Este folheto A Espanhola Inglesa representa um marco na vida do poeta, pois participou
da Bienal do Livro, edição 2008, em São Paulo.
CARTILHA DO DIABÉTICO
“O poeta cordelista
É sempre um artista eclético
Por isto é que nestes versos
De modo didático e ético
No intuito de ajudar
Vamos desmistificar
O que é ser diabético ” (...)
No ano de 1997 recebeu homenagem dada pela Associação Protectora dos Diabéticos de
Portugal pela produção de seu folheto “Cartilha do Diabético”.
A MORTE DO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS
(...) Tudo ele fez pela paz
lutou porém foi perdido
Viu o pendão auriverde
Sem tremular já rompido
Notou o mel da justiça
Em fel ruim convertido
Revolução e afrontas
Por comum falar se ouvia
e a demissão do cargo
lhe pediam todo dia
Porém a sua palavra
Sustentar ele queria
Pois ele disse eu só saio
do palácio preso ou morto
preso fico deshonrado
deshonra não é conforto
Portanto a morte é refugio
P”ra”quele que não tem porto” (...)
A maior reprodução literária alcançada pelo poeta foi com o folheto “A morte do
Presidente Getúlio Vargas”, A respeito desse folheto assim Manoel Monteiro falou: “Eu fiquei
rico uns dias. Eu bebia cachaça e passei a beber cerveja só fumava pé-de-burro, passei a fumar
charuto”, relembra jocosamente”.
O HOLOCAUSTO DOS HOMENS NUS
O índio tem Deus do mar
Deus do lago, Deus do rio,
Deus do calor, Deus do frio,
Tem Deus que ajuda a caçar,
Deus do sol, Deus do luar,
Deus da terra, Deus alado
Mas nunca foi encontrado
O Deus que o índio deseja
Que é um que lhe proteja
Do homem civilizado.
Com este folheto encerramos a nossa pequena exposição das obras de Manoel Monteiro,
por consideramos que esta obra carrega uma narrativa muito especial, diferenciada e formidável
da chegada dos Portugueses no Brasil e seu encontro com os nativos.
4. CONCLUSÃO
Ao término desta pesquisa ratificamos a importância e a urgente necessidade da
valorização e divulgação dos FOLHETOS como veículo de comunicação. Ressaltando
que nesta literatura encontramos referências bastante atuais, além de, em cordel, títulos
inacessíveis a população como no trabalho: “Educação em Cordel: Projeto 10 estrofes
para conhecer”, da Professora Claudia Maria Azevedo de Vasconcellos, da rede
estadual SEEDUC/RJ, colocando a disposição (inclusive em PDF), títulos como:
Rousseau – Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens; Santo Agostinho
– biografia e ideias; Voltaire – biografia e ideias; Filosofia da Educação – Anísio
Teixeira; O fascismo cotidiano – Nelson Werneck Sodré e outros.
Os Folhetos são acessíveis, possuem leitura simples, por vezes divertidas, com
temas atuais, sendo, também, por seu baixo custo, possível a aquisição para todas as
pessoas. A valorização e divulgação dessa comunicação é necessária tendo em mente
que, algumas vezes, as propagações da mídia social representam discursos prontos e
criados por um grupo elitista e dominante.
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MONTENEGRO, Maria do Socorro Moura. Manoel Monteiro ((RE) Inventando o
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