literatura brasileira – anos 90 e início do século...

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APRESENTAÇÃO Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea- lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que melhor se encaixa à organização curricular de sua escola. A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen- tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci- dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas, histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob- jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade. As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada região brasileira. Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz. Gerente Editorial Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI

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Page 1: Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXIprepapp.positivoon.com.br/assets/Modular/LEITURA... · Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada

APRESENTAÇÃO

Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três

séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea-

lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que

melhor se encaixa à organização curricular de sua escola.

A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen-

tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci-

dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito

crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas,

histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de

dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob-

jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade.

As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante

situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos

privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de

questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada

região brasileira.

Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia

intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o

aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz.

Gerente Editorial

Literatura Brasileira – anos 90

e início do século XXI

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@LIT030Autores e obras da

literatura brasileira

@LIT030

Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)(Maria Teresa A. Gonzati / CRB 9-1584 / Curitiba, PR, Brasil)

D541 Dias, Nathalia Saliba.Ensino médio : modular : literatura : Literatura Brasileira : anos 90 e início do século

XXI / Nathalia Saliba Dias, Sergio Augusto Kalil – Curitiba : Positivo, 2013.: il.

ISBN 978-85-385-7269-5 (livro do aluno)ISBN 978-85-385-7270-1 (livro do professor)

1. Literatura. Ensino médio – Currículos. I. Kalil, Sergio Augusto. II. Título.

CDU 373.33

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SUMÁRIO

Unidade 1: Poesia de hoje

Poesia brasileira contemporânea 7

Unidade 2: Prosa de hoje

Ultrarrealismo ou Realismo feroz 28

A identidade em crise 34

Abordagem histórica 40

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Acredito que exista lugar pra todo mundo. Se o trabalho for bom, fica.

Se não for... O que atrapalha é esse afã de querer se legitimar antes do

tempo. Não existe garantia, o negócio é ir fazendo.

Claudia Roquette-Pinto em entrevista sobre a poesia e os poetas contemporâneos. In:

BAPTISTA, Josely Vianna; FARIA, Francisco. Musa paradisíaca. Paraná: Mirabilia, 2003.

p. 216.

Poesia de hoje 1

4 Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI

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Homenagens

CDANo meio Do caminho a flor Nasceu.

[...]

FONTELA, Orides. Poesia reunida [1969--1996]. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 221.

tinha umcaminhono meioda pedrano meioda pedratinha um

BONVICINO, Régis. Primeiro tempo. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 69.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 237.

Intertextualidade

BricolagemDiálogoColagemMetalinguagemParódiaRecriaçãoReleituraTranscriação

É TUDO PLÁGIO MESMO!FURTO, ROUBO, APROPRIAÇÃO INDÉBITA,ASSALTO À MÃO ARMADA.

MARCONDES, Júlio Paulo Calvo. Faquir loquaz. São Paulo: Ed. do Autor, 2011. p. 67.

O poema “No meio do caminho” é uma das composições mais importantes do poeta Carlos Drummond de Andrade, um dos principais autores da Segunda Geração Modernista.

Ciente disso, e após ler os poemas dos autores contemporâneos Régis Bonvicino, Orides Fontela e Júlio Marcondes, discuta com seus colegas: Como esses poemas se relacionam? O que possuem em comum? Em seguida, elabore um texto expositivo de até dez linhas apontando as relações entre eles.

Ensino Médio | Modular 5

LITERATURA BRASILEIRA

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A eleição disputada entre Tancredo Neves, do PMDB, e Paulo Maluf, do PDS, foi realizada pelo Colégio Eleitoral. Tancredo venceu, mas não assumiu devido a uma doença, vindo a falecer dias depois. Assim, o vice--presidente José Sarney tomou posse, tornando-se o primeiro presidente civil depois do Regime Militar.

Sarney enfrentou uma inflação elevadíssima, a qual tentou conter por meio de planos econômicos, Plano Cruzado I e II, sem resultados satisfa-tórios. Entre os méritos de seu governo, destaca-se a convocação para a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgaria a Constituição de 1988.

Em meio aos episódios históricos vivenciados pela sociedade brasi-leira no fim do século XX, houve o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello e a estabilidade econômica propiciada pelo Plano Real, elaborado e implantado durante o governo de Itamar Franco.

Contudo, esses acontecimentos, ainda que significativos no âmbito da história tradicional, não foram temas determinantes para as composições poéticas. Talvez, se buscar na elevada inflação da década de 1980 o motivo para o empobrecimento de uma parcela da sociedade e o consequente au-mento da violência urbana, é possível encontrar no contexto histórico matéria para algumas composições da poeta Claudia Roquette-Pinto ou de alguns poemas de Paulo Henriques Britto, que insinuam como tema a corrupção.

O trânsito caótico das grandes cidades, o consumismo e os padrões de comportamento coexistem com grandes temas, como o amor e a solidão, nas composições dos poetas contemporâneos.

No plano social, vêm-se constatando, a partir do início do século XXI, mudanças de comportamento. O advento da internet redefiniu alguns costumes na sociedade brasileira. Das compras on-line aos amigos e relacionamentos virtuais, das redes sociais aos bancos de dados que trazem informações sobre as mais diversas áreas do conhecimento, vive-se, atualmente, uma mudança de comportamento jamais vista em outro período histórico.

No fim do século XX, o Brasil viveu no plano político a transição do regime autoritário, iniciado com o Golpe Militar de 1964, para a abertura e consolidação da democracia.

O presidente João Figueiredo, que governou o país entre 1979 e 1985, promoveu a abertura política. Entre as diversas ações realizadas por Figueiredo, as mais significativas foram a Lei da Anistia – Lei 6.683/79 –, que acabou com a perseguição política no Brasil, e a eleição, ainda que indireta, para presidente disputada entre civis.

Manifestação no Vale do Anhangabaú, em 1992, pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello

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Anistia A Lei da Anistia permitiu que muitos exilados políticos retornassem ao Brasil. Confira, a seguir, um

trecho do Artigo 1º.:Art. 1º. É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15

de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

BRASIL. Presidência da República. Lei no. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 13 dez. 2012.

O ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega (à direita) com o presidente José Sarney, em seu gabinete, em 1988

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Informações

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Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI6

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Poesia brasileira contemporânea

Uma das características da poesia contemporânea é dialogar com alguns autores da primeira, segunda e terceira fases do Modernismo, em especial com as obras de Oswald de Andrade, de Manuel Bandeira, de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto. O humor oswaldiano é, por exemplo, percebido na obra de Júlio Paulo Marcondes, assim como se encontra na obra de Paulo Henriques Britto, de Orides Fontela e de Régis Bonvicino muito da poética autorreflexiva e existencial de Manuel Bandeira e de Carlos Drummond de Andrade. Já a poética de João Cabral de Melo Neto é facilmente visualizada na obra de Arnaldo Antunes e de Carlito Azevedo. Uma linguagem objeto, construída como uma poesia concreta, algo sólido.

Observa-se ainda a intensa força e fascínio que o Concretismo imprimiu sobre alguns poetas, como na obra de Arnaldo Antunes. A distribuição espacial do verso e o espaço branco da página ganham sen-tido nas composições contemporâneas por influência direta dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos.

No plano formal, os poetas ora transitam por uma experiência radical com o verso e a linguagem ultraelaborados, segundo o modelo do Concretismo, ora exercitam o verso livre e descontraído determi-nado pela estética da poesia marginal.

Outro ponto a ser destacado entre os poetas do fim do século XX e início do século XXI é a forte valorização dos elementos formais do verso, como a metrificação e a valorização do som por meio de rimas e aliterações. Além disso, o ato de escrever se torna um tema muito recorrente entre os autores, fazendo da metalinguagem uma verdadeira tópica entre os poetas.

Nelson Ascher Nelson Ascher nasceu em São Paulo (SP) no ano de 1958. Cursou Medicina durante um ano, mas desistiu, ingressando no curso de Administração de Empresas no ano seguinte. Filho de judeu-

-húngaros emigrados para Israel e, posteriormente, para o Brasil, Ascher desde pequeno teve forte contato com as narrativas dos contos de fadas que a mãe lhe contava, enquanto o pai se dedicava a lhe relatar os fatos históricos.

Sempre estimulado para a leitura e também para o cinema, ainda adolescente começou a manifestar sua vontade de ser escritor. No fim dos anos 1970, passou a escrever crítica literária e cinematográfica para o jornal Folha de S.Paulo. Em 1983, publicou seu primeiro livro, Ponta

da língua, que apresentava as diretrizes poéticas que seriam adotadas rigorosamente em seus outros livros. Além de poeta, Ascher atua como tradutor de russo e húngaro, entre outros idiomas.

Meu coração

Se tenho um coração maior queo mundo, por que seus ventrículosfecham-se em pontos tão ridículosquando oxigênio algum retorque

às carências da carne? À parteisto, o lipídio, lento, encarde osangue que irriga o miocárdiopor dentro até que o seu enfarte

maciço torne, enfim as váriasfiguras líricas, diletas –letais. Dizei-me, então, poetas:o amor entope as coronárias?

ASCHER, Nelson. Ponta da língua. São Paulo: Ed. do Autor, 1983. p. 7.

Leia o poema a seguir para responder às questões 1 e 2.

Ensino Médio | Modular 7

LITERATURA BRASILEIRA

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1. Um dos versos mais famosos da Literatura Brasileira é do poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga. Em uma das liras à Marília, o pastor Dirceu afirma que “Tem um coração maior que o mundo”. No século XX, Carlos Drummond de Andrade, em um diálogo explícito com a obra de Gonzaga e revelando profunda desilusão para com o mundo, afirma “Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor”. Com base nessas informações, assinale a alter-nativa incorreta.

a) A pergunta que inicia o poema de Nelson Ascher estabelece um diálogo direto com a tradição literária brasileira.

b) O poeta é irônico ao tratar do tema aborda-do no poema.

c) A relação entre coração e amor é tratada pelo poeta nos moldes da tradição românti-ca. Prova disso está no verso “figuras líricas, diletas”.

d) O poema possui um rigoroso sistema de ri-mas e frases longas.

2. A ironia pode ser definida como a figura de linguagem que se caracteriza pelo emprego inteligente de contrastes. Com base nessa pro-posição, aponte a ironia presente no poema de Nelson Ascher.

O poema a seguir refere-se às questões 3 e 4.

Encontros

Há gente que eu encontrona rua e me sorri(o fósforo, dormindoensimesmado dentro

da caixa, sonha incêndios)e eu lhes sorrio; há genteque encontro numa lojae me sorri (a lâmina

da faca que repousanuma gaveta aguardao dedo distraído)e eu lhes sorrio; há gente

que encontro na garageme me sorri (o fiose aquece na paredeacalentando alguma

faísca) e eu lhes sorrio;há gente que eu encontroaté no elevadore me sorri (a carne

que está na geladeirafermenta aos poucos suatoxina), eu lhes sorrioe cada qual de nós,

descendo em seu andar,ligando o carro (salvose acaba de guardá-lo),fazendo (ou não) as compras

e prosseguindo ruaabaixo ou rua acima,medita na segundalei da termodinâmica.

ASCHER, Nelson. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 19-20.

3. Assinale a alternativa incorreta.

a) No que diz respeito à estrutura, o poema apresenta dois planos. O primeiro aborda, exclusivamente, o sorriso das pessoas quan-do se encontram em situações cotidianas e o segundo apresenta imagens de objetos ocul-tados.

b) O poeta não revela qualquer preocupação com o plano formal do poema.

c) A constante repetição da proposição “e eu lhes sorrio” revela que o sorriso do “eu lírico” não é sincero e espontâneo, mas repetitivo e dado por convenções sociais.

d) O sorriso constante expresso pelo “eu lírico” no poema tenta transparecer empatia.

4. O poema retrata diversas situações cotidianas vividas, em geral, nos ambientes urbanos, espe-cificamente o hábito de cumprimentar as pes-

Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI8

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soas por uma questão de civilidade. Encontre no poema trechos que demonstrem que o sor-riso pode ocultar um sentimento contrário ao da empatia que ele aparenta transparecer.

O poema a seguir refere-se às questões 5 e 6.

Os dois urubus

Um urubu que, jururu,avoa com outro urubudiz-lhe: “Compadre, quede um rangomais suculento que calango?”.

O outro urubu diz ao primeiro:“Há poucas horas, companheiro,eu vi um pessoal que, na caatingaperto daqui, morreu à míngua

após comer tudo o que segue:uma asa branca e o próprio jeguealém de um cadela feiaque eles chamavam de Baleia.

Do que terão morrido (comodiria em seu famoso tomoque também trata de uns sem-tetoo João Cabral de Melo Neto),

quer de emboscada, fome, doença,não faço ideia, não – paciência!O charque ali será polpudose os vermes já não roeram tudo”.

Mas, por incrível que pareça,se os urubus chegam depressa,vivos que estão, os retirantescomem os dois urubus antes.

ASCHER, Nelson. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 23-24.

5. Assinale a alternativa incorreta.

a) O poema faz referência a dois autores da Li-teratura Brasileira: Graciliano Ramos, que é referido indiretamente por meio da família de retirantes e, particularmente, pela cadela Baleia do romance Vidas secas; e o poeta João Cabral de Melo Neto, referido por meio de seu “famoso tomo” Morte e vida Severina.

b) O poema apresenta um rigoroso sistema de rimas repetidas em cada uma das estrofes na estrutura AABB.

c) Há uma ironia no fim do poema, visto que a expectativa dos urubus era a de comer os restos mortais dos retirantes. Essa expectativa se con-solida no verso “O charque ali será polpudo”.

d) O primeiro urubu se equivoca ao considerar que os retirantes estavam mortos. Tanto é verdade que ambos acabam sendo comidos pelos retirantes.

6. A ironia pode ser definida como o contraste entre o resultado real de uma sequência de acontecimentos e o que seria o resultado nor-mal ou, ainda, esperado. Nesse sentido, de que forma se revela a ironia no poema “Os dois urubus”?

Ensino Médio | Modular 9

LITERATURA BRASILEIRA

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1. Leia o poema a seguir e assinale a alternativa incorreta:

O dia inteiro

O dia inteiro perseguindo uma ideia:vagalumes tontos contra a teiadas especulações, e nenhumafloração, nem ao menosum botão incipienteno recorte da janelaempresta foco ao hipotético jardim.Longe daqui, de mim(mais para dentro)desço no poço de silêncioque em gerúndio vara madrugadasora branco (como lábios de espanto)ora negro (como cego, comomedo atado à garganta)segura apenas por um fio, frágil e físsil,ínfimo ao infinito,mínimo onde o superlativo esbarrae é tudo de que disponhoaté dispensar o sonho de um chão provávelaté que meus pés se cravemno rosto desta última flor.

ROQUETTE-PINTO, Claudia. Corola. Cotia: Ateliê Editorial, 2000. p. 17.

a) O poema apresenta diversas analogias com o mundo vegetal. Exemplo disso está na as-sociação entre a ideia que não aparece e a ausência de floração.

b) A ausência de ideias é tão acentuada para o “eu lírico” que nem mesmo um botão in-cipiente de flor, metáfora que representa uma pequena ideia, aparece.

c) No verso “segura apenas por um fio, frágil e físsil, / ínfimo ao infinito”, o som da letra f acentua a fragilidade do fio.

d) A poeta escreveu o poema porque não ti-nha nenhuma ideia na cabeça.

Analise o poema a seguir.

Sítio

O morro está pegando fogo.O ar incômodo, grosso,faz do menor movimento um esforço,como andar sob outra atmosfera,entre panos úmidos, mudos,num caldo sujo de claras em neve.Os carros, no viaduto,engatam sua centopeia:olhos acesos, suor de diesel,ruído motor, desespero surdo.O sol devia estar se pondo, agora– mas como confirmar sua trajetóriadebaixo desta cúpula de pó,este céu invertido?Olhar o mar não traz nenhum consolo(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,vomitando uma espuma de bile,e vem acabar de morrer na nossa porta).Uma penugem antagonistadeitou nas folhas dos crisântemose vai escurecendo, dia a dia,os olhos das margaridas,o coração das rosas.De madrugada,muda na caixa refrigerada,a carga de agulhas cai queimandotímpanos, pálpebras:

Claudia Roquette-Pinto

Claudia Roquette-Pinto nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1963. Formou-se em Letras com foco em tradução pela PUC-Rio. Nessa época, dirigiu, durante cinco anos, o jornal cultural Verve, uma aventura quixotesca, como definiu a própria poeta. Claudia publicou seu primeiro livro, Os dias gagos, em 1991. Desde então, vem apresentando aos seus leitores uma intensa e regular produção poética que consta de cinco livros. Além de poeta, Claudia possui uma intensa atividade como tradutora de livros.

Sua poesia, que possui rigor formal no que diz respeito ao uso de assonâncias e aliterações, aborda temas diversos, como o fazer poético e a violência urbana.

10 Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI

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O menino brincando na varanda.Dizem que ele não percebeu.De que outro modo poderia aindater virado o rosto: – Pai!acho que um bicho me mordeu! assimque a bala varou sua cabeça?

ROQUETTE-PINTO, Claudia. Margem de manobra. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2005. p. 11-12.

2. Assinale a alternativa correta.

a) O poema retrata um ambiente tipicamente urbano. Contudo, em vez de expor os pro-blemas vividos nas grandes cidades, a poeta opta pela evasão da realidade.

b) Não há no poema referência aos congestio-namentos das grandes cidades. Pelo contrá-rio, a poeta aborda esse assunto de forma amena e poética. Exemplo disso está na ex-pressão “centopeia” para designar as infin-dáveis filas de automóveis.

c) O poema tem como tema o espaço urbano e os problemas nele vividos. A questão da violência, por exemplo, aparece de forma ex-plícita no fim do poema.

d) O poema possui metrificação rigorosa e ri-mas predominantemente ricas.

O poema “Sítio” retrata uma imagem caótica do meio urbano: o ar poluído, os engar-rafamentos, a violência, etc. Com base nisso, discuta com o professor e os colegas: Essa é uma imagem real e única dos grandes centros urbanos? Como ela interfere na vida de cada indivíduo, determinando padrões de comportamento, horários, etc.? Por que você acha que o poema se chama “Sítio”?

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ni Carlito AzevedoCarlito de Azevedo nasceu na Ilha do Governador (RJ) e cursou Letras na Universidade Fede-

ral do Rio de Janeiro (UFRJ), dedicando-se muito ao estudo e à tradução da poesia francesa. O poeta publicou seu primeiro livro, Collapsus linguae, em 1991, o qual foi agraciado com o Prêmio Jabuti de Poesia, um dos prêmios mais importantes da língua portuguesa. Dois anos depois, publicou As banhistas (1993), obra que tem como centro uma série de poemas com o

mesmo título e cujos temas orbitam em torno de cenas de banho. A partir daí, sua produção vem se revelando cada vez mais profícua.

Além de poeta, Carlito é editor da revista Inimigo Rumor, principal órgão de divulgação da poesia contemporânea. Em sua obra, percebe-se a busca pela pluralidade textual, claramente

influenciado pela poética de João Cabral de Melo Neto.

1. Leia o poema a seguir e assinale a alternativa incorreta.

EstragadoNo jardim zoológicoum ganso

as patas afundam na lamae ele imperialcomo uma macieira em flor

mas está estragadocomo qualquer um pode verestragado

pensa que foi para issoque o resgataram do dilúvio

mas não

resgataram o signoestragaram o ganso

AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro: 7 Letras, 1998. p. 40.

Ensino Médio | Modular 11

LITERATURA BRASILEIRA

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a) O poema retrata duas percepções de um ganso. A primeira o vê de forma objetiva, como se de-preende do verso “e ele imperial como uma ma-cieira em flor”, e a segunda o vê sob uma pers-pectiva subjetiva, como se infere do verso “mas está estragado como qualquer um pode ver”.

b) Segundo o poema, o ganso pensa que foi res-gatado do dilúvio para ser exibido como uma ave dotada de extrema beleza.

c) O poema afirma que, embora o ganso se apre-sente em um porte “imperial”, ele está estra-gado, ou seja, há uma incompatibilidade en-tre o que ele realmente é com aquilo que ele pensa ser.

d) Ao propor uma reflexão sobre a linguagem, o poema deixa de ter como tema a percepção para ser exclusivamente metalinguístico.

O poema a seguir refere-se às questões de 2 a 4.

RóiRói qualquer possibilidade de sonoEssa minimalíssima músicade cupins esboroandotacos sob a cama

imagino a rede de canaisque a perquirição predatóriapossa ter riscadopelo madeirame apodrecido

se aguço o ouvidocapto súbitoo mundo dos vermes.

AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro: 7 Letras, 1998, p. 21.

2. Assinale a alternativa correta.

a) O poema revela um momento de percepção extremamente aguçada da realidade, pre-dominantemente o aspecto sonoro.

b) O poema tem como tema a percepção da realidade. Dessa forma, o “eu lírico” não permite que a imaginação flua para cons-trução de imagens.

c) O tema predominante no poema é a repro-dução dos cupins, que, na fase larval, assu-mem a forma de vermes.

d) No verso “essa minimalíssima música”, o som produzido pela repetição dos “ss” não possui qualquer significado.

3. Leia o poema “Rói” de Carlito Azevedo em voz alta. Nele, há a predominância de sons que se repetem. Quais são eles?

4. A repetição desses sons tem relação com o conteúdo do poema?

Paulo Henriques BrittoPaulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1951. Durante vários períodos de sua

vida, morou nos Estados Unidos, onde teve contato direto com a língua inglesa. Dessa experiência, aprofundou seu estudo sobre o idioma, o que lhe permitiu se tornar um dos mais importantes tradutores de obras do inglês para o português.

Britto já traduziu mais de 80 livros. Formado em Letras/Português e Inglês pela PUC-Rio, passou a escrever poesia e, no ano de 1982, publicou o livro Liturgia da matéria. A partir daí, o ofício de tradutor, poeta e também professor universitário passaram a caminhar juntos, tornando Britto um dos mais produtivos intelectuais brasileiros.

Em sua obra, percebe-se uma linguagem seca, mecânica, concisa e objetiva, em que se sobressai uma carga negativa no tocante aos temas humanos, como vida e morte.

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12 Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI

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Leia o poema a seguir para responder às ques-tões 1 e 2.

Mínima poética Poesia como forma de dizero que de outras formas é omitido –não de calar o que se vive e vêe sente por vergonha do sentido.Poesia como discurso completo,ao mesmo tempo trama de fonemas,artesanato de éter, e projetosobre a coisa que transborda o poema(se bem que dele próprio projetada).Palavra como lâmina só gumeque pelo que recorta é recortada,cinzel de mármore, obra e tapume:a fala – esquiva, oblíqua, angulosa –do que resiste à retidão da prosa.

BRITTO, Paulo Henriques. Mínima lírica. São Paulo: Duas Cidades, 1989. p. 90.

1. Assinale a alternativa correta.

a) O “eu lírico” afirma que a poesia serve para expressar a experiência de vida das pessoas, como se percebe em “o que se vive e vê”.

b) Segundo o poema, as pessoas devem, por vergonha, ocultar a experiência pessoal e não expressá-la em suas composições.

c) Paulo Henriques Britto é um poeta avesso ao rigor formal em seus poemas. Exemplo disso é o poema “Mínima poética”, que não apre-senta qualquer preocupação com rimas.

d) Para o poeta, a linguagem da prosa é “esqui-va, oblíqua, angulosa” e, portanto, diversa da linguagem poética.

2. Um dos grandes temas da poesia do século XX e início do século XXI é a discussão sobre a poe-sia ser fruto da razão ou da inspiração. Em ou-tros termos, seria a arte de compor versos um ato racional ou o poeta escreve quando está inspirado emotivamente? Com base no poema “Mínima poética”, como Paulo Henriques Britto vê essa questão?

3. Leia o poema a seguir e assinale a alternativa correta.

Sonetilho de verãoTraído pelas palavras.O mundo não tem conserto.Meu coração se agonia.Minha alma se escalavra.Meu corpo não liga não.

A ideia resiste ao verso,o verso recusa a rima,a rima afronta a razãoe a razão desatina.Desejo manda lembranças.

O poema não deu certo.A vida não deu em nada.Não há deus. Não há esperança.Amanhã deve dar praia.

BRITTO, Paulo Henriques. Trovar claro: poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 81.

a) O poema apresenta uma versão bem-humo-rada de como se deve enfrentar os problemas da vida, ou seja, os problemas humanos de-vem ser transformados em poemas.

b) O poema “Sonetilho de verão” é um exem-plo clássico de poesia metalinguística.

c) O poema possui um sistema de rimas que mescla soantes com toantes.

d) O tema principal do poema é a dificuldade de escrever. Essa dificuldade, limitada em princípio à escrita, estende-se a reflexões mais profundas, como a existência de Deus.

4. Observe o poema a seguir:

AcalantoNoite após noite, exaustos, lado a lado,digerindo o dia, além das palavrase aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,fartos de voz e verticalidade,contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulhona morte corriqueira e provisóriade uma dormida, nos satisfazemos

Ensino Médio | Modular 13

LITERATURA BRASILEIRA

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em constatar, com uma ponta de orgulho,a cotidiana e mínima vitória:mais uma noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornosao aconchego de um outro corpo morno.

BRITTO, Paulo Henriques. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 77.

Esse poema fala de uma “cotidiana e mínima vitória”. Que vitória seria essa e por que pode-ria ser considerada como tal?

5. Leia o poema “Epílogo”, de Paulo Henriques Britto:

Epílogo

Finda a leitura, o livro está completoem sua solidão mais-que-perfeitade couro falso e íntimo papel.

Lá fora, o mundo segue, arquitetandoas mesmas contingências costumeirasque nunca esbarram numa irrefutável

conclusão que se possa resumirem três letras letais, inalienáveis.Que paz será possível nessa selva

sem índices, prefácios, rodapés?indaga, da estante mais excelsa,o livro. Porém nada disso importa,

se todas as dúvidas se dissipam,com tudo o mais, quando o bibliotecárioapaga as luzes, sai e tranca a porta.

BRITTO, Paulo Henriques. Tarde: poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 89.

No poema, há o confronto entre o universo do livro e o da realidade. Considerando isso, res-ponda.

a) O que se pode entender pela “solidão mais--que-perfeita” em que se coloca o livro de-pois do término de sua leitura?

b) Quais são as três letras que o poema alega jamais serem encontradas pelas “contingên-cias costumeiras” do mundo?

c) Tendo em mente as respostas dadas para as questões a e b, explique como se dá no poe-ma o confronto entre o universo da literatu-ra e o da realidade.

14 Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI

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Alexei BuenoAlexei Bueno nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1963. Poeta, pesquisador, editor de poesia brasileira

e crítico literário, seu primeiro livro, As escadas da torre, foi publicado em 1984 e reúne poemas escritos entre 1979 e 1981, ou seja, quando o poeta tinha apenas 18 anos. Sua produção, a partir

daí, é constante.Seus estudos vêm sistematizando a obra de diversos poetas do Romantismo e do Sim-

bolismo brasileiros, além de revelarem diversos poemas inéditos desses autores. Em entrevista a Rodrigo de Souza Leão, Alexei Bueno falou especificamente sobre

inspiração e sua relação com a escrita, estabelecendo um verdadeiro contraponto com João Cabral de Melo Neto, que se propunha como o poeta racional e avesso à inspiração.

A obra de Alexei Bueno tem como características tanto elementos barrocos quanto românticos, indo inclusive ao encontro do Simbolismo. Em seu trabalho, discutem-se as questões filosóficas do homem

moderno. Bueno desenvolve, por exemplo, uma obra sobre as experiências humanas, caracterizada como “poesia do pensamento”. O material e o espiritual, a vida e a morte são temas recorrentes.

[...]R – Acredita na inspiração?AB – A inspiração é um fenômeno exaustiva e milenarmente conhecido pelo qual se designa o

momento onde todas as reservas emocionais e conceituais, conscientes e inconscientes, entram em ação no artista, daí advindo a obra ser feita em tal época e não em outra, nem sobretudo a qualquer momento. É um fenômeno óbvio de psicologia, que só os perfeitos idiotas podem afetar desconhecer.

R – Como é seu processo de elaboração do poema?AB – Cada vez mais só escrevo quando o poema se impõe. Então ele vem quase pronto, no geral

mexo nele muito pouco posteriormente, só para ajustar certas inadequações.

BUENO, Alexei. Entrevista com Alexei Bueno. Jornal de Poesia. Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão. Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/r2souza04c.html>. Acesso em: 23 ago. 2012.

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No cômodo onde Menelau viveraBateram. Nada. Helena estava morta.A última aia a entrar fechou a porta,Levavam linho, unguento, âmbar e cera.

Noventa e sete anos. Suas pernasEram dois secos galhos recurvados.Seus seios até o umbigo desdobradosCobriam-lhe três hérnias bem externas.

Na boca sem um dente os lábios frouxosMurchavam, ralo pelo lhe cobria

O sexo que de perto pareciaUm pergaminho antigo de tons roxos.

Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,Compuseram seus ossos quebradiços,Deram-lhe à boca uns rubores postiços,Envolveram-na em faixas perfumadas.

Então chamas onívoras tragaramA carne que cindiu tantas vontades.Quando sua sombra idosa entrou no HadesAs sombras dos heróis todas choraram.

Hades: mundo dos mortos na mitologia grega antiga.

BUENO, Alexei. Lucernário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 17.

A Helena a quem o poema se refere é a Helena de Troia, rainha mítica, não dos troianos de fato, mas dos aqueus, um dos povos da civilização grega antiga. Dotada de uma perfeição física incontestável e absoluta, Helena era miti-camente reconhecida como a mais bela mulher de seu tempo, e a fama de sua beleza percorria o mundo conhecido. Conta, então, a lenda que Páris, príncipe troiano, em visita a Menelau, rei grego e marido de Helena, aproveitou para, no retorno à pátria, levar consigo a belíssima rainha aqueia. Uma grande afronta não só ao marido, mas a todo o povo grego. Diante desse fato, uma grande expedição foi organizada para resgatar Helena e, com ela, a honra do povo grego. Já cercando a cidade de Páris, esses bravos guerreiros helênicos deflagraram a mitológica Guerra de Troia.

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LITERATURA BRASILEIRA

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Donizete GalvãoDonizete Galvão nasceu em Borda da Mata (MG), em 1955. Estudou Administração de

Empresas e, posteriormente, Jornalismo em São Paulo, cidade onde reside atualmente.Galvão atuou como editor até que, em 1988, publicou Azul navalha, obra muito elogiada

pela crítica especializada e agraciada com o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. A partir daí, passou a publicar seus livros de poemas com acentuada periodicidade. Galvão

também ministra cursos sobre a arte poética, motivando jovens escritores em suas atividades.

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Diante disso e com base na leitura do poema de Alexei Bueno, responda:

1. Quem são os heróis mortos (sombras) que choram ao ver a decrépita Helena entrando no Hades?

2. O que exatamente lhes provoca dor e lágrimas à chegada de Helena?

3. Com base em tal análise, é possível inferir que o poema trata de um dos temas filosóficos mais marcantes do pensamento ocidental. Que tema é esse?

Almanaque da pedra

Roupa branca no quarador:enxágue-a com pedra anil.

Afta no canto da boca:mate-a com pedra-ume.

Água de bica na talha:jogue-lhe pedra de enxofre.

Faca com corte cego:amole-a com pedra branca.

Dedo de prosa com craca:raspe-o com pedra-pomes.

GALVÃO, Donizete. Do silêncio da pedra: poemas. São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1996. p. 24.

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SilêncioDe pedra ser.Da pedra tero duro desejo de durar.Passem as legiõescom seus ossos expostos.Chorem os velhoscom casacos de naftalina.A nave branca chega ao porto

e tinge de vinho o azul do mar.O maciço de rocha,de costas para a cidadesete vezes destruída,celebra o silêncio.A pedra calao que nela dói.

GALVÃO, Donizete. Do silêncio da pedra: poemas. São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1996. p. 17.

Você se lembra do poeta João Cabral de Melo Neto? Relembre um trecho de um de seus mais marcantes poemas, “A educação pela pedra”:

A educação pela pedraUma educação pela pedra: por lições;para aprender da pedra, frequentá-la;captar sua voz inenfática, impessoal(pela de dicção ela começa as aulas).A lição de moral, sua resistência friaao que flui e a fluir, a ser maleada;

a de poética, sua carnadura concreta;a de economia, seu adensar-se compacta:lições da pedra (de fora para dentro,cartilha muda), para quem soletrá-la.[...]

MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 338.

1. Na sua opinião, Donizete Galvão dialoga com o poema

de João Cabral ao escrever o “Almanaque da pedra”?

Justifique sua resposta?

2. Com base nos três poemas, discuta com o professor e os colegas se a intertextualidade, a interdiscursivi-dade e o diálogo entre obras poéticas são comuns no ambiente literário contemporâneo, analisando com o grupo o que isso revela sobre a poesia contemporânea.

A razão de HeráclitoDepois que todo desejose esgota,a ânsia arrefece.O homem se sente como um boique pastou capim verdena grota.

GALVÃO, Donizete.

Heráclito foi um filósofo grego pré-socrático cujo principal enunciado filosófico defende que não se entra duas vezes no mesmo rio. Isso por-que, assim como as águas correm e, no momento da segunda entrada, já serão outras, o homem

A também muda a cada momento. Ou seja, a men-sagem central de Heráclito se concentra no fato de o tempo passar e mudar tudo.

Com base nessas informações, como é possível re-lacionar o título do poema com seu conteúdo?

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LITERATURA BRASILEIRA

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Arnaldo Antunes

Arnaldo Antunes nasceu em São Paulo (SP) no ano de 1960. Aos 15 anos, conheceu Nando Reis e Paulo Miklos com quem, futuramente, formaria a banda Titãs, um dos grupos de rock

nacional mais importantes dos anos 1980 e 1990. Em 1978, ingressou no curso de Letras da USP, transferindo para a PUC-Rio no ano seguinte. Em meados dos anos 80, o Titãs fez sucesso no Brasil com discos como Televisão e Cabeça dinossauro.

Ao mesmo tempo que atuava como músico, Arnaldo desenvolvia uma sólida carreira como poeta. Em 1983, publicou seu primeiro livro, Ou/E, uma espécie de álbum de poemas visuais, editado artesanalmente. A carreira de poeta se consolidou com o lançamento de Psia, em 1986. A partir daí, diversos outros livros foram editados ao mesmo tempo que o poeta fazia shows e lançava seus discos.

A trajetória poética de Arnaldo foi moldada, inicialmente, pela influência do Concretismo e dos poetas por ele admirados, como Mallarmé. Contudo, o poeta transita entre a radical

experiência da poesia visual e o verso mais tradicional.

ANTUNES, Arnaldo. Cromossomos. Disponível em: <http://www.arnaldoantunes.com.br/upload/artes_1/173_g.gif>. Acesso em: 27 maio 2013.

Com base na leitura do poema, é possível di-zer que a poética de Arnaldo Antunes envolve aspectos verbais e gráficos ao mesmo tempo? A disposição gráfica das palavras no poema possui algum significado? Justifique sua res-posta.

No cenário nacional, Arnaldo Antunes também obteve destaque como músico e letrista. Observe a letra de uma das can-ções escritas por ele, Marcelo Fromer e Tony Bellotto. Trata-se de um dos sucessos da banda Titãs, expoente no cenário artís-tico nacional da década de 1980.

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Televisão

A televisão me deixou burro, muito burro demaisAgora todas coisas que eu penso me parecem iguaisO sorvete me deixou gripado pelo resto da vidaE agora toda noite quando deito é boa noite, querida.

Ô cride, fala pra mãeQue eu nunca li num livro que um espirro fosse

um vírus sem curaVê se me entende pelo menos uma vez, criatura!Ô cride, fala pra mãe!

ANTUNES, Arnaldo; FROMER, Marcelo; BELLOTTO, Tony. Televisão. In: TITÃS. Televisão. Brasil: WEA, 1985. 1 CD, digital, estéreo. Faixa 1 (3min43).

A letra da música “Televisão” faz uma crítica ao uso exagerado desse meio de comunicação, falando sobre os efeitos nocivos dessa atitude. O refrão “Ô, Cride, fala pra mãe” é o bordão de um personagem humorístico da TV protagonizado por Ronald Golias na década de 1950. Repetida na letra da canção, essa fala faz lembrar as expressões que, criadas nos programas de TV, espalham-se pelo uso linguístico popular.

1. Além disso, é possível localizar na letra da música menções a outros efeitos alienantes da TV sobre os indivíduos? Quais?

2. Na sua opinião, a televisão continua tendo esse tipo de influência sobre as pessoas?

3. Atualmente, outros meios de comunicação também seriam capazes de ditar comportamentos ou, até mesmo, de alienar as pessoas da existência prática? Justifique sua resposta.

A mãe diz pra eu fazer alguma coisa mas eu não faço nada

A luz do sol me incomoda, então deixa a cortina fechada

É que a televisão me deixou burro, muito burro demais

E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais.

Ô cride, fala pra mãeQue tudo que a antena captar meu coração capturaVê se me entende pelo menos uma vez, criatura!Ô cride, fala pra mãe!

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LITERATURA BRASILEIRA

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Orides FontelaOrides Fontela nasceu em São João da Boa Vista (SP), em 1940. Aprendeu as primeiras

letras em casa, com sua mãe. Com 16 anos, publicou seus primeiros poemas em um jornal municipal. Em 1967, mudou-se para São Paulo, onde ingressou no curso de Filosofia da USP. Sua estreia como autora se deu com a publicação do livro de poemas Transposição, em 1969. Em 1983, foi publicado seu terceiro livro de poemas, Alba, com o qual recebeu o Prêmio Jabuti e ganhou reconhecimento nacional.

Orides Fontela foi professora do ensino primário e bibliotecária na rede estadual de ensino de São Paulo. Poeta de personalidade difícil, isolou-se dos amigos, morrendo na Fundação Sanatório São Paulo, em Campos do Jordão (SP), em 1998.

Sua obra foi compilada em 2006 pela editora Cosac Naify no livro Poesia reunida. Entre as características poéticas em seu trabalho, destacam-se a brevidade da vida e as problema-

tizações dos relacionamentos humanos. Pássaros, flor, tempo, espelho, são palavras corriqueiras na obra de Orides Fontela. Elas remetem quase sempre à efemeridade de todas as coisas.

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Leia os poemas a seguir e responda às questões propostas.

Esfinge Não há perguntas. Selvagemo silêncio cresce, difícil.

FONTELA, Orides. Poesia reunida [1969-1996]. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 247.

Axiomas Sempre é melhorsaberque não saber.

Sempre é melhorsofrerque não sofrer.

Sempre é melhordesfazerque tecer.

FONTELA, Orides. Teia: poemas. São Paulo: Geração Editorial, 1996. p. 26.

Viagem

Viajarmas nãopara

viajarmas semonde

sem rota sem ciclo sem círculosem finalidade possível.

Viajare nem sequer sonhar-seesta viagem.

FONTELA, Orides. Poesia reunida [1969-1996]. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 213.

1. Sabe-se que a esfinge é uma figura mitológica e que, na tradição grega, ela aparece princi-palmente na peça Édipo Rei, do dramaturgo Sófocles. No texto da Grécia Clássica, o perso-nagem Édipo encontra-se com a Esfinge, que lhe propõe um enigma e depois lhe diz: “Deci-fra-me ou devoro-te”. Édipo desvenda o enig-ma e, segundo a lenda, a Esfinge devora-se a si mesma.

Ciente dessas informações, assinale a assertiva correta com relação ao poema “Esfinge”, de Orides Fontela.

a) O silêncio da esfinge parece ser mais assus-tador que o enigma que ela poderia proferir.

b) A ausência de um enigma enunciado pela es-finge põe o “eu lírico” em estado de lamúria.

c ) Por ser um poema contemporâneo, não há em sua estrutura elementos sonoros típicos da poesia.

d) O silêncio não possui qualquer significado, sendo apenas uma ausência.

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2. “Axiomas” pode ser conceituado como a ver-dade evidente que é aceita por todos, mas que não pode ser provada. No poema, o “eu lírico” faz diversas proposições. Você concorda com elas? Justifique sua resposta.

3. Assinale a alternativa correta a respeito do poe-ma “Viagem”, de Orides Fontela. a ) O poema reflete a experiência de uma via-

gem realizada pela autora.b) A ausência de uma rota demonstra quanto

o “eu lírico” está perdido em relação ao des-tino a ser seguido em sua vida.

c ) O poema demonstra, de maneira indubitá-vel, a impossibilidade de se realizar uma via-gem sem um destino físico.

d) A viagem buscada no poema não é especifi-camente uma viagem que implique desloca-mento geográfico.

Régis BonvicinoRégis Bonvicino nasceu em São Paulo (SP) no ano de 1955. Formou-se em Direito

pela USP, em 1978. Seu primeiro livro de poesia, Bicho de papel, foi publicado em 1975 e, a partir daí, uma intensa atividade poética passou a ser conciliada com a carreira de magistrado e articulista dos principais jornais do país.

A poesia de Régis vem sendo traduzida para as mais diversas línguas. Entre as quais, destacam-se o inglês, o francês, o chinês, o catalão e o finlandês.

Sua obra possui ecos do Tropicalismo e do Concretismo, mas sem se envolver com qualquer movimento artístico, como em Bicho de papel (1975), Sósia da cópia (1975) e

Más companhias (1987).

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Leia o poema a seguir:

Me transformo

Me transformo,outra janela –outroque se afasta e não se reaproxima

nas desobjetivações e reativações,nas linhas e realinhamentosoutrosme atravessam

morto de sercoisas perdem sentidoexpressões figuradas comoossos de borboleta

me transformona observaçãode uma pétala

Me destransformoa mesma janela –outroque não se afasta

Nas objetivações,alinhamentose linhas inexistentesiguais me repassam

Retrato desativado,taxidermista de mim mesmo

BONVICINO, Régis. Ossos de borboleta. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 13-14.

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LITERATURA BRASILEIRA

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O poema a seguir refere-se às questões 1 e 2.

O tempoO tempo foi de encontroao galho da quaresmeirapodre, no chão,depois da chuva

Folhas murchasde outra árvoreencurvadas pelo calorcomo mãos fechadas

Menos vivas,agora, as cores da estrelítzia

O portão da casa,não lembra seu primeiro dia

Um buracoexauriuum pedaço de asfalto

O vermelho,do automóvel na esquina

Os azuis em tons,na fachada do edifício,quase invisíveis

Grafites coloridos nos muros,tampoucopoupados pelo tempo,tornaram-se ilegíveis

BONVICINO, Régis. Outros poemas. São Paulo: Iluminuras, 1993. p. 32-33.

1. Nesse poema, Régis Bonvicino faz uso de ima-gens para representar a passagem do tempo, algumas comuns à ideia de passagem do tem-po na poesia dos séculos XVI e XVII, outras so-mente possíveis na sociedade contemporânea. Aponte três imagens contemporâneas presen-tes no poema.

Nele, o “eu lírico” faz um movimento de transformação pessoal que se inicia como processo de “desobjeti-vização” ao observar uma pétala de flor e, posteriormente, há uma “objetivização”. É possível nos transfor-marmos ao contemplarmos um objeto? Você já viveu uma experiência assim? Confronte sua vivência com a do professor e dos colegas.

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2. Assinale a alternativa correta.

a) Ao dizer que “O tempo foi de encontro / ao galho da quaresmeira / podre, no chão, / depois da chuva”, o poeta afirma que o tempo, com sua força destrutiva, entra em conflito com os elementos da natureza.

b) Para o poeta, os elementos de intervenção urbana, como o grafite, sobrevivem à pas-sagem do tempo.

c ) O poeta usa somente imagens típicas da poesia clássica para falar da passagem do tempo.

d) Não há no poema qualquer expectativa de sobreviver à passagem do tempo. Isso ex-plica o desespero do poeta em enumerar diversas imagens de destruição provocadas, exclusivamente, por fenômenos meteoroló-gicos, como a tempestade no primeiro verso do poema.

3. Leia o poema a seguir e assinale a alternativa correta.

Não escritos

em vez de mamíferosinsetosbaratas, cupinsno lugar de florestastetos,armários,de mares, lagos, rios,ratos,

aves congeladasvisons, sapatosaranhas e não ariranhaspelos inanimadosteletigres,leolivros,teias e não répteisbisonhos bisontes,voz-zebras,cisnes esquisitose outros bichos não escritos

BONVICINO, Régis. 33 poemas. São Paulo: Iluminuras, 1990. p. 19.

a) O poeta faz uma crítica ferrenha ao texto bí-blico por este ter incluído somente mamífe-ros no catálogo dos animais nomeados por Adão.

b) O poeta faz um contraste entre o passado narrado no texto bíblico e a realidade con-temporânea. Prova disso está nos versos “no lugar de florestas / tetos, / armários, / de ma-res, lagos, rios, / ratos, / aves congeladas, / visons, sapatos”.

c) Não há no poema qualquer referência à pas-sagem do tempo ou distinções entre o tempo pretérito e a realidade contemporânea vivida nos grandes centros urbanos.

d) O poeta demonstra clara preferência pelo grotesco ao valorizar insetos em detrimento de animais mamíferos.

LITERATURA BRASILEIRA

23Ensino Médio | Modular

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1. Leia o poema a seguir e assinale a alternativa incorreta.

Lecionar

Plágio do poema “Guardar” de Antonio CíceroDar aulanão é escondê-laou trancá-la.Em sala não se lecionacoisa alguma.Em lousa perde-sea vista.Lecionar um assunto éiluminá-lo e seriluminado por ele.Lecionar é dizer uma coisa (Que já foi dita)por muitos e muitos (Professor é o que somos

antes)Mesmo que para ninguém.É acordar cedo, chegar primeiroe sair por último.Isto é, estar por ela ou serpor ela – a aula.Por isso melhor se lecionaem giz, pedra e voz.Por isso se escreve, porisso se diz, por issose estuda,por isso se declara

e se declama (Aula não é qualquer coisa).Para ser um tempo exato:Entre dois sinais.Conduzir o tempopara que ele,por sua vez,ensine o que não se aprendesó escutando:Lecione o que querum poema, uma equação, um princípio.Por isso o professor só aprendecom o tempo.

MARCONDES, Júlio Paulo Calvo. Faquir loquaz. São Paulo: Ed. do Autor, 2011. p. 71.

a) Ao afirmar que “Lecionar um assunto é / iluminá-lo e ser / iluminado por ele”, o poe-ta enfatiza a necessidade de clareza didáti-ca do emissor para que o receptor compre-enda o enunciado a ser transmitido.

b) No verso “Lecionar é dizer uma coisa (Que já foi dita) / por muitos e muitos”, o poeta salienta o caráter dialógico do conhecimen-to. Ou seja, o conhecimento não nasce do nada, ele decorre de um processo de trans-missão e reflexão a respeito do que já foi dito sobre determinado assunto.

Júlio Paulo Marcondes

Júlio Paulo Marcondes nasceu em São José do Rio Preto (SP), em 1969. Desde pequeno, foi afeito às letras. Leitor do sacro e do profano, aos 15 anos, conciliava a leitura de textos bíbli-cos com ficção. Iniciou o curso de Direito na PUC-Campinas, mas optou por Letras na Unicamp. Bibliófilo voraz, reuniu uma das melhores coleções de primeiras edições e autógrafos da Litera-tura Brasileira. Foi professor do Ensino Médio nos estados de São Paulo, do Paraná e de Santa Catarina. Boêmio inveterado, morreu aos 38 anos, deixando um vasto conjunto de poemas que vêm sendo publicados pelos amigos.

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c) O poeta afirma que determinadas profissões só podem ser exercidas depois de muito tempo de prática.

d) No verso “Por isso melhor se leciona / em giz, pedra e voz. / Por isso se escreve, por / isso se diz, por isso / se estuda, / por isso se declara / e se declama”, o poeta faz uso da anáfora, repetição de palavras ou grupos de palavras, para enfatizar o constante trabalho realizado pelo professor.

2. Leia o poema “Ágio camoniano”, de Júlio Marcondes, e o poema de Luis de Camões, escrito no século XVI, na sequência.

Ágio camonianoO amor é, tipo assim, como uma coisa,Uma coisa, tipo igual um negócio,Negócio tipo um lance descontente,Uma parada tipo assim que dói,

E a gente, tá ligado? Já nem sente.Um esquema louco dói sem se ver,Tipo assim mesmo, sem querer querendo!Mesmo desse jeito a gente está afins.

E no fim a parada pode nemRolar, mesmo que a gente curta um monte!Tipo a gente meio que desencana,

Mas nem sempre rola desencanar.Daí a gente fica só deprê:O amor é fogo que arde sem se vê.

MARCONDES, Júlio Paulo Calvo. Faquir loquaz. São Paulo: Ed. do Autor, 2011. p. 79.

Amor é fogo que arde sem se ver;É ferida que dói e não se sente;É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;É um andar solitário entre a gente;É nunca contentar-se de contente;É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontadeÉ servir a quem vence o vencedor,É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favorNos corações humanos amizade;Se tão contrário a si é o mesmo amor?

CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1973. p. 110.

Agora, assinale a alternativa correta.

a) Os dois poemas são sonetos. Contudo, en-quanto o soneto de Camões é rigoroso na metrificação, com versos decassílabos, o poema de Júlio Marcondes foi escrito em versos brancos.

b) Os poemas de Camões e Júlio Marcondes têm como tema o amor. Porém, enquanto o pri-meiro utiliza antíteses, o segundo explora ao extremo a linguagem coloquial.

c) Embora os dois poemas tenham como tema o amor, não há pontos de intersecção entre eles.

d) Os poemas de Camões e Júlio Marcondes não procuram definir o amor, mas, sim, de-monstrar como aqueles que amam sempre sofrem pelo sentimento não correspondido.

LITERATURA BRASILEIRA

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Prosa de hoje 2

“O que foi feito dos dois corpos?”Estávamos no escritório da holding que controlava a Pleasure, a Fun e a Fastfood.“Que corpos?”“Hermes e Amândio.”“Nem me lembrava mais disso. Já se

passou tanto tempo”, disse Nariz de Ferro. “Bem, naquele dia, quando vi que os dois estavam mortos, peguei o telefone e liguei para uma pessoa dar sumiço nos corpos. Nenhum problema.”

“Nenhum problema?” Quis ser irônico, mas não consegui.

“Aquele Hermes era bom, mas deu azar com o Fuentes. Ele veio para uma luta de esgrima, coisa de artista. Pegou aquele boliviano grosso e se [deu mal].”

“Não saiu nada nos jornais”, eu disse. “Foram enterrados como indigentes.

Ninguém faz perguntas, um mendigo morto é melhor do que um vivo, e um mendigo enterrado melhor ainda.”“Mas Amândio era seu amigo, você deixou...”“Estava morto. Não era mais amigo de ninguém. Não sofria mais, não sabia de nada mais. Um morto

está por fora de tudo.” “E Fuentes?”, perguntei. “Acho que casou. Sumiu. O Brasil é grande.”[...]

FONSECA, Rubem. A grande arte. 12. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 295.

Cena do filme Tropa de Elite, com Fernanda Machado

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1. Qual a cena retratada no texto de Rubem Fonseca?

2. Analisando o diálogo dos personagens, como eles são e de que maneira se comportam diante da morte? Por que você acha que eles reagem dessa forma?

3. Analisando as escolhas linguísticas (tipo de discurso, vocabulário e tamanho das orações), qual é a relação entre o tema tratado e a forma escolhida?

4. Você conhece outros livros e/ou filmes em que a violência no Brasil aparece como centro temático? Quais e sobre o que eles falam?

Atualmente, a literatura percorre caminhos diversos. Por se tratar de um período em que os autores ainda estão produzindo, e os livros sendo publicados, é difícil definir com exatidão quais características vão se destacar na história literária.

O que se observa, porém, é uma grande quantidade de autores se dedicando cada vez mais à prosa, em detrimento da poesia, e se preocupando com as questões da própria modernidade, como a violência, as diferenças sociais, a situação do homem no mundo, suas crises pessoais, etc.

Analisando a produção nacional, em linhas gerais, é possível notar algumas tendências – temas recorrentes e formas de tratamento –, que se resumem em:

Ultrarrealismo ou Realismo feroz – trabalha com o tema “violência” e traz para a literatura as questões de classes e a intrincada relação que organiza a sociedade brasileira, demonstrando o seu lado mais bruto.

Sondagem psicológica – faz uma intensa pesquisa do indivíduo na pós-modernidade, abordando sua crise de identidade e dificuldade de expressão.

Ensino Médio | Modular 27

LITERATURA BRASILEIRA

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Abordagem histórica – realiza uma espécie de revisão histórica, escrevendo textos ficcionais que se detêm sobre um fato real, misturando diversos repertórios, desde textos científicos, jorna-lísticos, históricos e ficcionais.

Do ponto de vista formal, observa-se cada vez mais o desenvolvimento de formas mais curtas de escrita e que se aproximam da linguagem cotidiana e oral. Isso explica o surgimento de uma literatura específica para a internet, como os minicontos e os textos publicados em blogs e microblogs – Twitter, por exemplo.

É importante ter em vista que muitos autores transitam por mais de uma vertente literária, o que torna sua classificação em uma ou outra tendência uma questão meramente didática, feita com base nas características mais marcantes da escrita de cada um deles.

Ultrarrealismo ou Realismo feroz

Essa tendência, como o próprio nome sugere, dedica-se ao tratamento de temas reais comuns aos grandes centros urbanos; em especial, a violência e a desarmonia da sociedade aniquilada pelo sistema capitalista, o que explica a alcunha “feroz”.

Os temas das obras que se encaixam nessa tendência são, normalmente, os “espaços de exclusão” – a periferia, as prisões, o submundo – ou, por outro viés, o homem comum alienado, desumanizado, que reage com violência diante dessa linha de força complexa entre aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais.

Depois da década de 1960 e da tomada do poder pelo Regime Militar, a violência passou a ter um papel central em uma sociedade cindida, em constante conflito. Além disso, o desenvolvimento industrial, que fez com que o Brasil participasse das formas mais avançadas de capitalismo, criou um ambiente polarizado entre as classes baixas e o alto poder.

Nesse contexto, as propostas do Realismo e do Naturalismo desenvolveram-se espontaneamente. É possível entrever uma forte influência de Machado de Assis, não apenas pela apresentação rea-lista – no sentido de que é produzida uma narrativa objetiva, sem a idealização e os floreios típicos do Romantismo –, mas porque há uma busca comum de ultrapassar a aparência e aprofundar-se nas complexidades sociais, analisando o que há de mais disforme, feroz e brutal.

Do ponto de vista formal, os textos do Ultrarrealismo transmitem na linguagem a violência dos temas. Isso justifica o uso da linguagem oral, próxima da coloquial, que “dá vida” à realidade do excluído, à sua cultura e formas de expressão. Além disso, o ritmo dos textos é sempre rápido, a sintaxe é quebrada, as frases são curtas, a composição é descontínua e fragmentada e há simplicidade e rapidez nas ideias.

Não há preocupação com simetria e harmonia, ou outros parâmetros predefinidos, mas assimilação de novos recursos, muitas vezes importados do cinema, da propaganda, do Concretismo, do teatro e da novela.

Entre os autores desse estilo, destacam-se Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, que funcionam como “pais” dessa estética. Há outros escritores mais novos que seguem essa tendência, muitas vezes, influenciados pelos precursores, entre eles Paulo Lins e Ferréz.

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Rubem Fonseca José Rubem Fonseca (1925-) nasceu em Juiz de Fora (MG), mas mudou-se para o Rio de Janeiro com 8 anos. Formou-se em Direito na atual Universidade Federal do Rio de

Janeiro e, em 1952, iniciou sua carreira na polícia como comissário do 16º. Distrito Policial. Trabalhou durante seis anos em diversos casos, dos quais retirou material para muitos de seus livros.

Começou sua carreira literária escrevendo contos, reunidos no livro O prisioneiro. Desde então, tem publicado diversos contos e romances.

A grande força da narrativa de Rubem Fonseca está no uso da primeira pessoa, pois, ao colocar toda a frieza do personagem em uma perspectiva pessoal, ele dá vida a um tipo brutal e sem compaixão, o que antes era transmitido pelo ponto de vista de um terceiro.

O desvelamento desse personagem ocorre sem qualquer preconceito. A linguagem coloquial, o uso de palavras obscenas, as cenas de sexo e a narrativa veloz e multifacetada

são constantes em sua obra, assim como a presença de ladrões, prostitutas e do submundo de um modo geral.

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Dalton Trevisan

Dalton Jérson Trevisan (1925-) nasceu e vive em Curitiba (PR). Ficou reconhecido pelos seus livros de contos, em especial O vampiro de Curitiba. Possui uma natureza altamente

reclusa, não gosta de dar entrevistas ou tirar fotos para jornais e revistas. As poucas imagens disponíveis do escritor foram tiradas sem o seu consentimento.

Os livros de contos publicados pelo autor se ambientam em Curitiba, trazendo as figuras da cidade como mote central. No entanto, seus temas são universais, geralmente colhidos em conversas do dia a dia, como em filas de bancos, parques, padarias, etc.

Dalton é mestre em criar histórias curtas, com uma linguagem extremamente concisa, que buscam captar o submundo da cidade, como brigas de casais, prostitutas,

malandros e outras figuras comuns que ganham lugar em sua literatura. O Realismo feroz aparece no tratamento seco e brusco dos episódios. Assim como

Rubem Fonseca, Dalton Trevisan apresenta o ser humano como alguém incapaz de se relacionar efetivamente com outras pessoas, realçando seu aspecto desumano e a perversidade de seus desejos. São as fraquezas, a imoralidade e as ruínas que, de fato, interessam ao autor e que podem ser encontradas todos os dias na rotina de uma grande cidade.

Rubem Fonseca e Dalton Trevisan são altamente prolíficos, produzindo diversas obras desde a década de 1960 até a atualidade. Por isso, é possível dizer que a estética do Realismo feroz foi e continua sendo altamente influenciada por eles.

29Ensino Médio | Modular

LITERATURA BRASILEIRA

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Paulo Lins Paulo Lins (1958-) é um escritor carioca que ficou famoso pelo livro Cidade de Deus, publicado em 1997 e transposto para o cinema, por Fernando Meirelles, em 2002. O filme foi tão aclamado

pelo público que chegou a concorrer a quatro categorias do Oscar: melhor direção, roteiro adaptado, fotografia e edição, conferindo notoriedade internacional ao escritor e ao diretor.

Porém, o início de sua vida literária foi na década de 1980, quando participava da Coo-perativa de Poetas. Em 1986, lançou seu primeiro livro de poemas, Sobre o sol, pela UFRJ.

Enquanto cursava Letras, em 1995, ganhou a Bolsa Vitae para desenvolver uma pesquisa de caráter antropológico sobre a comunidade Cidade de Deus, onde morava. Lins levantou informações a repeito da criminalidade do local, dos problemas sociais e das questões de

classes. O resultado desse trabalho é o livro homônimo, sua grande obra-prima.

Cidade de Deus é, atualmente, uma região administrativa da cidade do Rio de Janeiro, mas surgiu na dé-cada de 1960 como um conjunto ha-bitacional formado por moradores que foram removidos de 23 comunidades carentes. Em pouco tempo, tornou-se uma das maiores comunidades do Rio, com uma área de, aproximadamente, 120 mil hectares e 36 mil moradores. Durante muito tempo, sofreu com os problemas do narcotráfico, tiroteios, envolvimento de crianças com drogas, além de registrar as menores taxas de escolaridade e desenvolvimento humano da cidade do Rio de Janeiro.

Com o lançamento do filme, em 2002, as atenções se voltaram para essa região, que acabou recebendo vários programas sociais. Em 2009, a comunidade passou a ser atendida pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e, em 2011, o presidente estadunidense Barack Obama fez uma visita ao local, o que atraiu a atenção da mídia internacional.

O livro Cidade de Deus conta a história da comunidade homônima do ponto de vista de um de seus moradores, fazendo um panorama desde a década de 1960, em seu surgimento, até a década de 1990, quando os problemas de violência ge-neralizada e o tráfico de drogas redefiniram a forma de vida dos moradores.

O narrador da história pode ser confundido, muitas vezes, com o próprio Paulo Lins, fazendo com que o livro adquira um tom autobiográfico, ainda que não se possa classificá-lo dessa forma. O que fica claro é a experiência de quem vive em comunidades carentes, pois o livro aborda desde os problemas com as crian-ças, que acabam se envolvendo com o tráfico, até as relações políticas e as brigas entre gangues internas para tomar o poder.

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Capa do filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Filmado em 2002, foi indicado a 4 Oscars

Vista de um conjunto de casas da comunidade Gardênia, junto à Cidade de Deus, com prédios da Barra da Tijuca ao fundo, zona oeste do Rio

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O livro inicia-se com a história de Busca-Pé e Barbantinho, duas crianças que acabaram de se mudar para o novo conjunto habitacional chamado Cidade de Deus. Nas primeiras páginas do livro, o autor retrata a cena em que os dois meninos se drogam e falam sobre o complexo de edifícios, as mobílias das pessoas que estão chegando e os novos moradores.

Entre vários casos, há na sequência a história de Cabeleira, Bené e Zé Pequeno, grupo de adoles-centes que vive de saques e roubos em busca de uma vida melhor e de algum tipo de ascensão social. Mais adolescentes aparecem formando também pequenos grupos de contraventores e, assim, o crime vai ganhando vida e aumentando gradativamente.

As histórias não funcionam somente como pano de fundo e, sim, como mais uma teia da vida na co-munidade. O crime segue em paralelo aos costumes dos moradores até chegar ao ápice da violência, com brigas entre as gangues, corrupção da polícia e a difícil vida das pessoas da comunidade, que precisam aprender a conviver com essa realidade.

Leia este trecho do livro Cidade de Deus e, em seguida, responda às questões propostas.

[...]Num domingo, [Branquinho] saiu cedo para ir à casa

da ex-namorada, iria tentar a reconciliação. Chegou em frente ao prédio dela, levou as mãos em cone à boca e gritou seu nome várias vezes. Ninguém atendia. Resolveu entrar no prédio. Bateu na porta três vezes e só na quarta a namorada o atendeu, ainda sonolenta. Deixou-o na sala e entrou no banheiro. Depois de alguns minutos voltou:

– Olha, se você veio aqui numa de tentar voltar, pode tirar o cavalinho da chuva, sabe qualé? Eu tô cansada de ser enganada... Você não toma uma atitude, não junta dinheiro, não fala em casamento, já fez o que queria comigo. Sabe... Eu não tô mais querendo ser enganada.

– Eu te prometo que, a partir desse mês, eu vou começar a juntar um dinheiro todo mês.

– Você sempre fala isso, depois fala que não deu... Tá sempre comprando roupa, gastando dinheiro [à toa].

– Fala baixo, garota... – Minha mãe não tá aí, não. E vou te falar uma coisa,

eu já até arrumei um namorado, entendeu? Não fica no meu pé, não, que ele é ciumento e é polícia... É melhor você ficar longe de mim – finalizou enquanto abria a porta.

LINS, Paulo. Cidade de Deus. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 383-384.

1. Esse trecho aborda uma cena típica da vida de dois jovens. Qual é a cena em questão?

2. O que torna essa passagem forte, típica da ver-tente do Realismo feroz?

Branquinho saiu cabisbaixo, não acreditava que um dia ela lhe dissesse que tinha outro, foi burro, pois se pensasse mais nela isso não aconteceria. Chegou ao final da escada com os olhos cheios de lágrimas, ficou com vergonha de alguém vê-lo daquele jeito, deu meia-volta.

A namorada o atendeu também chorando, abraçaram-se, beijaram-se [...]. Porém, logo depois, ela voltou a dizer que estava mesmo de caso com o soldado Morais e que não o largaria, porque o policial em menos de um mês a levara para conhecer seus pais e lhe prometera alugar uma casa para os dois morarem juntos.

– Tu não acha que isso tá rápido demais não, Cidinha?

– Melhor do que você que tá comigo há três anos e não toma uma atitude.

[...] Minutos depois, a namorada recebeu o recado de

que o soldado Morais a esperava no largo da Freguesia, arrumou-se rapidamente e foi ao seu encontro. [...]

Ensino Médio | Modular 31

LITERATURA BRASILEIRA

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3. Quais são os anseios da menina e qual é a rea-lidade apresentada pelo menino?

4. Analisando a linguagem utilizada, o que se pode dizer sobre os personagens? Cite um exemplo que justifique sua resposta.

5. Que características podem ser encontradas tan-to no trecho do livro Cidade de Deus quanto nas obras de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan? ( ) Sentimentalismo exacerbado.( ) Uso coloquial da linguagem. ( ) Temas da vida cotidiana.( ) Abordagem direta da realidade.( ) Indivíduo em crise. ( ) Fragmentação da narrativa. ( ) Criminalidade como tema.

Agora, observe este outro fragmento do livro Cidade de Deus:

Sandro Cenoura mandou todo mundo se entocar, só iria voltar a combater quando Bonito voltasse, estava com medo, não tinha pulso para comandar a quadrilha. A polícia estava dando em cima, os jornais todos os dias faziam matéria sobre Cidade de Deus, seu nome sempre vinha estampado na primeira página.

Entocou-se na casa de um amigo, a mulher deste estava sumida havia mais de uma semana, poderia abrigar Cenoura sem ter de ouvir falação [...] por ter colocado bandido dentro de casa. Cenoura, com as mãos trêmulas, coração acelerado. O companheiro dormia no quarto completamente embriagado, rangia

os dentes, soltava gases, remexia-se na cama. Que vida desgraçada era a sua, na verdade não queria estar nessa [...] guerra, sempre gostara de dinheiro, dinheiro era o que queria, e esse babaca querendo tomar sua boca. Olho-grande, safado; nunca gostou do Miúdo. Lembrou-se do tempo em que trabalhava de faxineiro na PUC, única vez que se fantasiara de otário, pois sabia que não ficaria rico limpando sujeiras [...]. Por isso largara tudo, nunca mais levou aquela desgraceira de vida. [...]

Pensou nos filhos, queria que eles estudassem na PUC, sempre ouviu dizer que escola de padre é que era a boa. Dois filhos. O que poderia deixar para eles? A herança mais visível era a guerra. Bonito bem que poderia voltar logo, para partir com ele para cima de Miúdo com todo o ódio que sentia naquele momento. Matá-lo, tomar a boca da Treze e trabalhar duro um ano; compraria um sítio no interior para criar galinha, faria uma piscina, construiria um banheiro com sauna. Tentou se lembrar de como se fazia coquetel Molotov e nada. Somente a angústia dominava-lhe o espírito. A gastrite voltou a castigá-lo. Leite. Na geladeira somente batatas passadas, um bife preto em cima dum óleo branco encardido. Na prateleira uma garrafa de conhaque, não hesitou. Bebeu tudo para uma noite bem-dormida, se algum inimigo chegasse não teria problema, morreria dormindo. Há certas horas em que a própria morte parece ser extremamente necessária.

LINS, Paulo. Cidade de Deus. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 358-359.

6. Esse trecho, diferentemente do primeiro, tem um tom mais introspectivo. Ele aborda os con-flitos internos vividos por Cenoura, um grande criminoso que vive na comunidade. Qual o nar-rador utilizado pelo autor e por quê?

7. O autor faz uso de uma técnica muito utilizada pe-los autores da Segunda Geração Modernista, como Graciliano Ramos. Trata-se do discurso indireto.

No discurso indireto, não há presença de diálo-go, o narrador faz-se intérprete dos personagens, transmitindo ao leitor o que dizem ou pensam.

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a) Cite um trecho em que isso ocorre e explique qual é o efeito de sentido provocado.

b) Por que você acha que Paulo Lins e Graciliano Ramos se valeram dessa forma discursiva?

8. Do ponto de vista temático, quais são os proble-mas abordados no trecho?

9. O que o narrador quis dizer com a frase: “Há certas horas em que a própria morte parece ser extremamente necessária”?

Ferréz é o nome artístico de Reginaldo Ferreira da Silva, escritor que retrata a peri-feria de grandes cidades, em especial de São Paulo. Fazendo uso de uma linguagem

peculiar, ele desvela o universo de pessoas comuns e seus dilemas, em um ambiente cercado de grande violência. Entre seus livros estão Fortaleza da desilusão (1997), Capão pecado (2005), Amanhecer esmeralda (2005) e Ninguém é inocente em São

Paulo (2006).

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Chico BuarqueFrancisco Buarque de Hollanda (1944-) é músico e escritor, considerado um dos maio-res compositores da MPB brasileira. Filho de Sérgio Buarque de Holanda, famoso

historiador e jornalista brasileiro, teve desde pequeno o exemplo em casa, pois sua mãe, Maria Amélia Cesário Alvim, era pianista e pintora.

Nascido no Rio de Janeiro (RJ), ficou famoso ainda na década de 1960 por suas músicas de protestos e pela beleza das letras e dos arranjos que compunha. Iniciou sua carreira como escritor em 1962, com a escrita de contos.

Em 1965, ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi-dade de São Paulo, cidade para a qual havia se mudado com o pai e a família

alguns anos antes, porém cursou somente dois anos e abandonou o curso para se dedicar à música.

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Tal tendência literária surge colada às experiências já desenvolvidas pelos autores da Terceira Geração Modernista, em especial os de cunho intimista. Essa investigação do sujeito sobre si mesmo já era feita por autores como Clarice Lispector, que se voltava para o “eu” e para o processo de escrita – como é possível observar, por exemplo, em A hora da estrela –, e Lúcio Cardoso, na Crônica da casa assassinada.

A identidade em crise

No mundo pós-moderno, a identidade do homem entra em crise. Aquilo que, antes, servia como base para sua definição enquanto sujeito entra em colapso, a ideia de família muda radicalmente e a noção de trabalho, aparência visual, pátria ou gênero é estilhaçada na contemporaneidade. Não há mais parâmetros estáveis. O mundo globalizado relativiza a noção de fronteira e pátria, nossos conceitos são alterados diariamente devido ao contato com outras culturas e realidades. O sujeito torna-se um ser fragmentado, em constante transformação, podendo ser visto de diversas formas dependendo da perspectiva.

A literatura internaliza essa questão e a crise identitária vira tema de muitos romances e contos. A maneira como os autores abordam essa questão pode variar muito, mas o que se observa com frequência é o uso de uma narrativa fragmentada, que traz para a tessitura do texto a situação do homem. A falta de ordem e sequência cronológica, o abuso de estratégias do cinema e da propaganda e a presença de informações cortadas, não explicadas ou de origem dúbia revelam uma fronteira difusa entre ficção e realidade. O leitor já não sabe mais em quem confiar ou o que é criado e o que é apropriado do mundo, o que é sonho e o que é fato. A dúvida do indivíduo sobre si mesmo

aparece na dúvida sobre os acontecimentos da própria narrativa.O indivíduo é o centro da narrativa. Sua visão do mundo, ainda que fragmentada, é que apresenta

os fatos para o leitor, no extremo do intimismo. Isso explica a presença massiva de textos em primeira pessoa, em que o personagem traça uma investigação psicológica de si mesmo.

Esse movimento de voltar-se para si mesmo também aparece na construção da narrativa, quando o autor faz da escrita um tema e se volta para o próprio processo de criação. A metalinguagem é um recurso muito comum nos textos dessa tendência literária.

A reprodução interdita, de 1937, do pintor belga René Magritte. Essa obra representa a incapacidade e impossibilidade da representação do outro

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MAGRITTE, René. A reprodução interdita. 1937. 1 óleo sobre tela, color., 81,3 cm × 65 cm. Museum Boijmans van Beuningen, Roterdã.

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Literatura Brasileira – anos 90 e início do século XXI34

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O Prêmio Jabuti foi criado em 1958 e é considerado o mais importante prêmio da literatura brasileira. Nas últimas duas décadas, ganhou maior relevância com a direção de Luiz Goldfarb e a remuneração dos jurados e premiados.

Na edição de 2009, uma polêmi-ca fez com que os diretores modifi-cassem o processo de escolha dos ganhadores, pois Chico Buarque, que ficou em segundo lugar na ca-tegoria Romance, recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano, desbancando o primeiro lugar da mesma categoria, Edney Silvestre.

Várias casas editoriais contestaram o sistema de premiação por causa dessa discordância, questionando como um livro que ficou em segundo lugar em sua categoria específica poderia ficar em primeiro lugar como livro do ano. Depois de algumas alterações, ficou decidido que somente os vencedores de cada categoria disputariam os prêmios principais.

Além de sua reconhecida carreira na prosa, Chico Buarque também escreveu peças de teatro, en-tre elas Roda viva, Calabar, Ópera do malandro e O grande circo místico. Atualmente, Chico Buarque mora no Rio de Janeiro e divide seu tempo entre a música e a escrita, sendo altamente aclamado em ambas as atividades.

Nos anos seguintes, ganhou muitos prêmios e festivais de música com suas composições. Além disso, compôs várias trilhas sonoras para filmes e peças teatrais. Seu primeiro livro publicado é de 1966 e traz o manuscrito das primeiras composições, o conto “Ulisses” e outras crônicas.

Em 1974, escreveu a novela Fazenda modelo inspirada no clássico livro de George Orwell A Revolução dos bichos. A intenção ao escrever essa obra era denunciar os abusos praticados por fazendeiros e mostrar a situação sob o ponto de vista dos animais, que se revoltaram com a situação em que viviam. Esse livro serve como uma metáfora para o Regime Militar e a repressão.

Chico Buarque também produziu alguns livros infantis, mas foi com o romance Estorvo, ganhador do Prêmio Jabuti, que ele retomou seu viés literário. Quatro anos depois, publicou Benjamim, que foi adaptado para o cinema e um grande sucesso de público. Budapeste foi publicado em 2004 e também venceu o Prêmio Jabuti, assim como Leite derramado, publicado em 2009.

Cerimônia de entrega do 52º. Prêmio Jabuti em 2010: Chico Buarque de Hollanda recebe o Prêmio Jabuti na categoria Livro do Ano de Ficção pela obra Leite derramado

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Prosa A primeira fase da prosa de Chico Buarque, da década de 1960 a 1980,

aproxima-se mais das canções de protesto e do papel do músico como opo-sitor ao Regime Militar. A novela Fazenda modelo, alguns contos e crônicas esparsos, bem como as peças e musicais que escreveu, voltam-se para o universo do Rio de Janeiro, denunciando a situação dos moradores e fazendo uma crítica severa ao regime.

A partir da década de 1990, é possível notar uma inclinação voltada mais para o ser humano e para a investigação da identidade dos sujeitos. Em Es-torvo, por exemplo, o personagem-narrador conta a história de sua vida, uma trajetória comum de um homem na cidade grande. Porém, ele se vê impedido de se realizar concretamente, uma vez que, para cada acontecimento vivido, é capaz de criar várias outras hipóteses, imaginando o que teria acontecido se tivesse optado por outro caminho ou solução. Torna-se, assim, um estorvo de si mesmo, um empecilho para seu próprio desenvolvimento, pois vive no limite entre o real e o imaginário, sem conseguir se mover, sem conseguir se definir como pessoa e se integrar à sociedade.

Em Benjamim, o escritor volta-se novamente para a consciência de um personagem, o ex-modelo Benjamim Zambraia. O livro é narrado em terceira pessoa e conta a história do protagonista Benjamim, que reencontra seu gran-

de amor, já morto, reencarnado na jovem Ariela Masé. Esse encontro faz com que ele reviva as alegrias e os problemas de um grande amor, além de fazer um acerto de contas com sua própria consciência. Chico Buarque novamente mergulha em um homem atordoado, investigando seu passado e presente, numa história em que sonho e realidade se misturam.

Em Budapeste, a crise de identidade produz duplos. José Costa é um ghost-writer, indivíduo que escreve discursos, textos, artigos e palestras para outras pessoas. Ele vive no Rio de Janeiro e é casado com Vanda. Em uma viagem para um congresso, é obrigado a parar em Budapeste, onde se encanta com a cidade e a língua e passa a viver uma segunda vida. Envolve-se com Krista e começa a escrever versos, o que não fazia até então. A crise de identidade ganha uma dimensão física entre o Rio e Budapeste, descortinam-se duas figuras diferentes, mas semelhantes entre si. O processo de escrita, que aparece metalinguisticamente no texto do ghost-writer, e a busca dos personagens por si mesmos são alguns dos temas do livro.

Por fim, no último livro de Chico Buarque, Leite derramado, um ancião, em seu leito de morte, conta a trajetória de sua tradicional família, tendo como pano de fundo os últimos 200 anos de história do Brasil. Nesse monólogo, o personagem remonta a derrocada da família e deixa o leitor entrever os preconceitos, corrupções e falcatruas. A fala desarticulada e confusa do ancião embaralha a noção de memória e reali-dade. As repetições e a falta de lógica e cronologia deixam o leitor confuso, ao mesmo tempo que confe- re verossimilhança. Pode-se entrever o que aconteceu, mas há um embaralhamento de fatos. A identidade dessa família só existe como lembrança, mas uma lembrança fugidia, que coloca em xeque o próprio personagem, a sua história e a de sua família.

O uso de duplos na literatura é um

tema bastante comum como

meio de expressar as ambiguidades

e as contradições humanas. Os

registros mais antigos são

da literatura germânica, em

que haviam os chamados

Doppelgänger (do alemão

doppel, duplo; gänger, andante, aquele que vaga),

figuras fantásticas que tinham o dom de se transmutar

em uma cópia idêntica à de

outra pessoa, que passam a acompanhar,

representando-a até em suas

características mais internas.

Filme inspirado no romance Benjamim, de Chico Buarque

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Capa do livro Leite derramado

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Leia o seguinte trecho do livro Leite derramado para responder às questões propostas.

Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina. Você vai dispor dos rendados, dos cristais, da baixela, das joias e do nome da minha família. Vai dar ordens aos criados, vai montar no cavalo da minha antiga mulher. E se na fazenda ainda não houver luz elétrica, providenciarei um gerador para você ver televisão. Vai ter também ar-condicionado em todos os aposentos da sede, porque na baixada hoje em dia faz muito calor. Não sei se foi sempre assim, se meus antepassados suavam debaixo de tanta roupa. Minha mulher, sim, suava bastante, mas ela já era de uma nova geração e não tinha a austeridade da minha mãe. Minha mulher gostava de sol, voltava sempre afogueada das tardes no areal de Copacabana. Mas nosso chalé em Copacabana já veio abaixo, e de qualquer forma eu não moraria com você na casa de outro casamento, moraremos na fazenda da raiz da serra. Vamos nos casar na capela que foi consagrada pelo cardeal arcebispo do Rio de Janeiro em mil oitocentos e lá vai fumaça. Na fazenda você tratará de mim e de mais ninguém, de maneira que ficarei completamente bom. E plantaremos árvores, e escreveremos livros, e se Deus quiser ainda criaremos filhos nas terras de meu avô. Mas se você não gostar da raiz da serra por causa das pererecas e dos insetos, ou da lonjura ou de outra coisa, poderíamos morar em Botafogo, no casarão construído por meu pai. Ali há quartos enormes, banheiros de mármore com bidês, vários salões com espelhos venezianos, estátuas, pé-direito monumental e telhas de ardósia importadas da França. Há palmeiras, abacateiros e amendoeiras no jardim, que virou estacionamento depois que a embaixada da Dinamarca mudou para Brasília. Os dinamarqueses me compraram o casarão a preço de banana, por causa das trapalhadas do meu genro. Mas se amanhã eu vender a fazenda, que tem duzentos alqueires de lavoura e pastos, cortados por um ribeirão de água potável, talvez possa reaver o casarão de Botafogo e restaurar os móveis de mogno, mandar afinar o piano Pleyel da minha mãe. Terei bricolagens para me ocupar anos a fio, e caso você deseje prosseguir na profissão, irá para o trabalho a pé, visto que o bairro é farto em hospitais e consultórios. Aliás, bem em cima do nosso próprio terreno levantaram um centro médico de dezoito andares, e com isso acabo de me lembrar que o casarão não existe mais. E mesmo a fazenda na raiz da serra, acho que desapropriaram em 1947 para passar a rodovia. Estou pensando alto para que você me escute. E falo devagar, como quem escreve, para que você me transcreva sem precisar ser taquígrafa, você está aí? Acabou a novela, o jornal, o filme, não sei por que deixam a televisão ligada, fora do ar. Deve ser para que esse chuvisco me encubra a voz, e eu não moleste os outros pacientes com meu palavrório. Mas aqui só há homens adultos, quase todos meio surdos, se houvesse senhoras de idade no recinto eu seria mais discreto. Por exemplo, jamais falaria das putinhas que se acocoravam aos faniquitos, quando meu pai arremessava moedas de cinco francos na sua suíte do Ritz. Meu pai ali muito compenetrado, e as cocotes nuinhas em postura de sapo, empenhadas em pinçar as moedas no tapete, sem se valer dos dedos. A campeã ele mandava descer comigo ao meu quarto, e de volta ao Brasil confirmava à minha mãe que eu vinha me aperfeiçoando no idioma. Lá em casa como em todas as boas casas, na presença de empregados os assuntos de família se tratavam em francês, se bem que, para mamãe, até me pedir o saleiro era assunto de família. E além do mais ela falava por metáforas, porque naquele tempo qualquer enfermeirinha tinha rudimentos de francês. Mas hoje a moça não está para conversas, voltou amuada, vai me aplicar a injeção. O sonífero não tem mais efeito imediato, e já sei que o caminho do sono é como um corredor cheio de pensamentos. Ouço ruídos de gente, de vísceras, um sujeito entubado emite sons rascantes, talvez queira me dizer alguma coisa. O médico plantonista vai entrar apressado, tomar meu pulso, talvez me diga alguma coisa. Um padre chegará para a visita aos enfermos, falará baixinho palavras em latim, mas não deve ser comigo. Sirene na rua, telefone, passos, há sempre uma expectativa que me impede de cair no sono. É a mão que me sustém pelos raros cabelos. Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto e branco.

BUARQUE, Chico. Leite derramado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 5-8.

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1. Qual é o foco narrativo e de que maneira ele contribui para a visão subjetiva do texto?

2. Como aparece a tendência contemporânea da crise identitária? Encontre no texto um trecho que justifique sua resposta.

3. Há pelo menos dois tempos distintos bem mar-cados nesse trecho. Quais são e o que cada um deles retrata?

4. Em alguns momentos, é possível perceber como a fala do ancião não é de confiança, o que coloca em xeque sua narrativa. Quais momentos são esses?

Bernardo CarvalhoBernardo Carvalho (1960-) nasceu no Rio de Janeiro (RJ), onde estudou Jornalismo na PUC-Rio.

Porém, mudou-se para São Paulo e trabalha na Folha de S.Paulo como diretor do suplemento conhecido como Folhetim. Nas décadas de 1980 e 1990, morou em Paris e Nova Iorque como

correspondente estrangeiro do jornal, no qual mantém uma coluna semanal em que faz críticas literárias. Em 1989, fez mestrado em Cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.

Estreou na literatura em 1993 com o livro de contos Aberração. O seu primeiro romance, Onze, uma história, só foi publicado em 1995. Consolidou-se como escritor no Brasil em 1996 com a obra Os bêbados e os sonâmbulos.

Em 1999, com o livro As iniciais, foi considerado uma das melhores vozes literárias da contemporaneidade. Essa consagração foi coroada em 2002 com o prêmio Brasil Telecom

para o romance Nove noites. Mongólia e O sol se põe em São Paulo são os últimos títulos do escritor, ganhadores de prêmios nacionais. Recentemente, o autor passou uma temporada em Berlim, de onde mantinha um blog, vinculado

ao Instituto Moreira Sales, em que contava sobre as suas experiências na Alemanha.

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Prosa A prosa de Bernardo Carvalho trabalha sempre com a fronteira difusa entre ficção e rea-

lidade. Assim como os demais autores dessa tendência, ele faz uma investigação do sujeito fragmentado, dividido, em crise. As frases curtas, o ritmo acelerado e a linguagem simples, quase coloquial, também o aproximam dos autores da contemporaneidade. Sua maior quali-dade está nos desdobramentos do enredo, nas identidades trocadas e na narrativa engenhosa. E seus personagens estão sempre em busca de algo e, em última instância, de si mesmos.

Em Nove noites, o narrador investiga a morte de um antropólogo estadunidense que se suicida logo após voltar de uma aldeia indígena, no interior do Brasil. O fato é pesquisado pelo narrador, que acaba sendo confundido em alguns momentos com o próprio antropólogo. Em paralelo, Bernardo apresenta dados históricos e notícias de jornais sobre o acontecido.

Em O sol se põe em São Paulo, ele conta a história de um homem que deseja ser escritor, mas que nunca publicou um livro. O personagem trabalha como publicitário e, certo dia, é abordado por uma senhora, imigrante japonesa, que pede para ele escrever sua história. Então, ele viaja para o Japão a fim de investigar a história e descobre um triângulo amoroso e a troca de identidades, trazendo para o centro da discussão a crise do homem moderno, o deslocamento cultural e a metalinguagem.

Leia este trecho do livro O sol se põe em São Paulo:

Conforme avançava e se empolgava com o relato que me fazia, Setsuko também rebuscava as imagens. Esquecia a hesitação inicial. Eu podia não saber até que ponto ela inventava a história (não me preocupava, por exemplo, com a imagem improvável de um círculo de ciprestes ainda de pé depois da guerra, como um castelo de areia prestes a desmoronar, quando tudo em volta já se convertera em cinzas), mas não gostava do estilo “respingado” e agradecia em silêncio por ela nunca ter escrito nada (aparentemente, tinha consciência dos próprios limites; talvez fosse só ao mau gosto que se referisse quando repetia: “O melhor escritor é sempre o que nunca escreveu nada”). Por alguma razão incompreensível, tinha guardado a história para mim. Era a minha sorte. Ou o meu azar. Ela podia inventar o que quisesse; eu tentava ignorar as metáforas e as ponderações proféticas, e me restringir ao relato.

CARVALHO, Bernardo. O sol se põe em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 38.

1. Assinale os elementos que são trabalhados pe-los autores que se debruçam sobre a crise de identidade do sujeito pós-moderno que apare-cem no texto.

( ) Linguagem oral.

Capa do livro O sol se põe em São Paulo

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( ) Metalinguagem.

( ) Violência.

( ) Mistura entre ficção e realidade.

( ) Uso da primeira pessoa.

( ) Uso da terceira pessoa.

2. A metalinguagem está presente de que forma no trecho lido? Cite um exemplo que justifique sua resposta.

3. Comparando esse trecho do livro de Bernardo Carvalho com o do Leite Derramado, de Chico Buarque, é possível encontrar muitos elemen-tos em comum. Quais são eles?

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Abordagem histórica

No século XX, a literatura começou a questionar os limites de sua própria escrita e os da escrita de outras áreas, como História e Jornalismo. Observou-se que, em todas as áreas, os textos contam uma história para o leitor, com ação, personagem, tempo e espaço.

A diferença é que a literatura conta uma história imaginada, enquanto o Jornalismo e a História contam algo que já aconteceu. Porém, sempre há a presença de um escritor, uma pessoa responsável pela apresentação dos fatos, ou seja, independentemente da área, as histórias são filtradas por essa figura, que, às vezes, é um narrador, às vezes um historiador, um jornalista, uma testemunha ocular, etc.

A literatura contemporânea quebrou, então, todos os limites entre uma área e outra. Misturou ficção com realidade, questionou a veracidade de narrativas históricas, apresentou novos pontos de vista, novos personagens e novos eventos e, muitas vezes, reconstruiu a mentalidade de personagens famosos, atribuindo-lhes sentimentos e pensamentos.

A literatura se estabelece com novas bases e, agora, trabalha com os recursos que garantem a objetividade e a isenção do escritor, como acontece com os textos científicos, ou, por vezes, cria textos literários com dados e informações típicos de textos informativos. Com o intuito de lançar um olhar mais crítico sobre a realidade brasileira e o próprio processo de escrita, sempre trata de acontecimentos do Brasil e de personalidades locais.

Os autores dessa tendência que mais se destacam são Luiz Antonio de Assis Brasil, Ana Miranda e José Roberto Torrero.

Se Chico Buarque representa o Rio de Janeiro, e Bernardo Carvalho, São Paulo, é possível citar ainda outros dois escritores: Cristovão Tezza, representando o Paraná, e João Gilberto Noll, representando o Rio Grande do Sul.

Cristovão já era reconhecido pelo trabalho como escritor e por sua pesquisa intimista, mas foi com o romance O filho eterno que ganhou notoriedade nacional e internacional. Nesse livro, ele conta sua experiência como pai de uma criança com síndrome de Down de forma precisa e muito impactante.

João Gilberto Noll ficou famoso por sua escrita fragmentada e hermética, em que retrata os labirintos do pensamento humano e da psique de seus personagens.

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Luiz Antonio de Assis Brasil

Luiz Antonio de Assis Brasil (1945-) é escritor e professor. Nascido em Porto Alegre, mudou-se com a família para Estrela (RS), mas logo em seguida retornou à capital. Em

1965, ingressou no curso de Direito e passou a fazer parte da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, para tocar violoncelo. Formou-se em 1970, exercendo a profissão de advogado por pouco tempo. Em 1975, ingressou como professor da PUCRS, onde trabalha atualmente.

No ano seguinte, publicou seu primeiro romance, Um quarto de légua em quadro, que já se enquadrava como uma pesquisa histórica da colonização açoriana no Sul do país. Entretanto, não se restringiu somente à produção histórica, envolvendo-se também na pesquisa do sujeito e na investigação do “eu” em livros como O homem amoroso.

Suas obras mais conhecidas são Cães da província – em que ele toma José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo-Santo, e reconstrói os crimes da Rua do Arvoredo – e Breviário

das terras do Brasil. Nesta última, o autor compõe um panorama do Brasil Colonial no século XVIII ao acompanhar o protagonista ficcional Francisco Abiaru – um indígena guarani

educado na religião católica e escultor, capturado e acusado de heresia por fazer uma escultura de Cristo com olhos amendoados. Daí em diante, o livro conta as dificuldades desse personagem para se salvar. Como pano de fundo, Assis Brasil apresenta a formação religiosa e cultural do país.

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Leia o trecho do livro Breviário das terras do Brasil: uma aventura nos tempos da Inquisição e responda às questões propostas.

Um índio é interrogadoAbafado no compartimento escuro, mas sentindo a presença amorável do Cristo a seu lado, Francisco Abiaru ouve

as vozes no convés superior, ordens trocadas de lado a lado, o mar batendo no costado da galera...E a esse dia sucedem-se outros, além de noites, sempre quente, sempre o fedor, sempre as ordens e a esperança

de que seja o último dia que o deixam preso, e a cada vez que a portinhola se abre inaugura-se um novo alento, mas sempre é para largarem duas ou três bolachas e meio peixe salgado e um cabaz com água e logo a portinhola se fecha, encerrando lá fora o dia e o sol luzidio. Depois que isso acontece, ele se concentra, dobra os joelhos, persigna-se e reza não pela odiosa comida que mal consegue tragar, mas para pedir àquele Deus jesuíta e espanhol que o tire dessa tristeza sem fim, não quer morrer à míngua nesta prisão, companheiro dos ratos e baratas. Depois, com amor e medo,

Como já foi mencionado, os autores transitam muito de uma tendência para outra. Rubem Fonseca, por exemplo, que se destaca como um dos mais importantes escritores do Realismo feroz, escreveu romances que fazem uma revisão histórica, misturando ficção e realidade, como o livro Agosto, transposto para a TV em 1993.

Chico Buarque, típico representante da sondagem psicológica, também escreveu peças de teatro que se aproximam da tendência histórica, como Calabar, na qual relativiza o papel do senhor de engenho Domingues Fernandes Calabar ao tomar partido dos holandeses contra a Coroa portuguesa.

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apalpa as feições do Cristo, a única lembrança das remotas Missões e por vezes a face dolorosa nada lhe diz; mas em outras o Salvador como que lhe sorri em meio à escuridão e Francisco Abiaru quase pode ver o Rosto em que tanto se demorara – a boca entreaberta de quem expira dores, o nariz pontudo bem diferente dos narizes índios e os olhos, estes sim rasgados e insolentes da raça guarani, agora olhando o vazio, perplexos como Francisco Abiaru, metido nesta nau de inimigos que nas Missões só sabiam espalhar a destruição e o roubo, e o rumo ao Rio de Janeiro, terra bárbara onde ninguém nada vale. Lá a nova Babilônia de que falavam os padres nas Missões.

Um dia o abafado dissipou-se, a porta abre-se e uma cara de soldado ocupa a réstia do azul: – Avia-te, índio, o frade quer falar-te. Os membros amolentados por tanto tempo quase sem mexer-se, Francisco Abiaru deixa-se arrastar à cabina do

capitão, onde o frade o espera sentado atrás da mesa, lentes acavaladas no nariz, aumentando os olhos ao tamanho de ovos. E ele sorri com as duas lâminas dos lábios, e indicando com a mão ossuda, manda que Francisco Abiaru se assente, quer fazer-lhe umas perguntas.

– Crês em Deus?– Sí – responde Francisco Abiaru, mentalmente figurando aquele Deus das Missões, não este de que o frade se

apossa igual como os portugueses roubam o gado dos guaranis. – Crês em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor e Salvador? – Sí – igualmente Francisco Abiaru responde, tendo na ideia que o Cristo que o espera no compartimento, já se

confortando de que não precisará mentir, esse vício e feio pecado, e no entanto estará satisfazendo à raiva represada na contenção impaciente dos gestos do frade.

– Sabes dizer o Credo? – e, depois de uma pausa: – Inteiro?Francisco Abiaru enche os pulmões e para escandalizar o frade, recita-o em guarani, ao que o outro bate com

o punho na mesa e manda que fale língua de gente. [...]

BRASIL, Luiz Antonio de Assis. Breviário das terras do Brasil: uma aventura nos tempos da Inquisição. Porto Alegre: L&PM, 1997. p. 21-23.

1. A passagem anterior descreve a situação do indígena Francisco Abiaru. Onde ele se encon-tra e como vive?

2. O que há de incomum com Francisco Abiaru segundo a visão tradicional da cultura indíge-na?

3. Quais são as duas visões religiosas que se cho-cam? Como cada uma delas pensa?

4. O trecho reproduz um interrogatório da época da Inquisição no Brasil. Quais fatos são recons-truções históricas e quais são nitidamente fic-cionais?

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5. O texto que você acabou de ler é considerado literário. Explique, com base em seus conhecimentos, o que torna um texto literário.

Literatura e outros meiosA literatura contemporânea é fortemente influenciada por outros meios. O número de adaptações

de livros para o cinema aumentou muito, bem como os romances passaram a se valer de técnicas do cinema em suas narrativas. Pode-se dizer que o uso do estilo rápido, com cortes bruscos de cenas e informações sem explicações, característico das telas, foi incorporado pela literatura.

O mesmo pode ser dito em relação à propaganda e ao jornal. As técnicas de escrita jornalística, muitas vezes, são apropriadas pelos escritores para gerar um efeito maior de verossimilhança.

Um escritor que soube trabalhar muito bem essa relação entre a literatura e os outros meios foi o paulista Valêncio Xavier (1933-2008). Seus livros são compostos de trechos coletados das mais diferentes origens: jornais, propagandas, outros romances, folhetos de rua, fotografias, etc.

Valêncio Xavier junta esse apanhado de elementos e monta uma nova narrativa, com um novo significado, mas se apropriando do repertório trazido pelo texto. Observe:

XAVIER, Valêncio. O mez da grippe e outros livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 11-14.

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1. (UCS – RS)

Associado ao fim da Segunda Guerra Mundial, o surgimento do Pós-Modernismo parece ter sido desencadeado pela crise de valores que vigoraram a partir do início do século XX. Os conceitos de classe social, de ideologia, de arte e de Estado começam a ruir, afetados pelas duas guerras mundiais. O Pós-Modernismo nasce da ruptura com algumas certezas e definições que sustentavam conceitos do campo social, político, econômico e estético.

ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela. Literatura Brasileira: tempo, leitores e leituras. São Paulo: Moderna, 2005. p. 595. Adaptado.

Quanto ao Pós-Modernismo, assinale a alterna-tiva incorreta.

a) A exploração da linguagem favorece novas experiências, que rompem com a estrutura tradicional da narrativa, ao mesmo tempo em que permitem um mergulho na mais funda in-timidade do ser humano.

b) As fronteiras entre ideologias de direita e de esquerda, bem e mal, certo e errado, beleza e feiura tornaram-se pouco nítidas; entretanto, insensíveis a esse tipo de contexto, os artistas permaneceram presos aos modelos moder-nos.

c) Produziu-se uma arte marcada pela diversida-de, multiplicando-se os modos de expressão da realidade, ao se explorar diferentes temas e linhas de experimentação.

d) Os temas desenvolvidos pela ficção em prosa incorporaram elementos do cotidiano urbano contemporâneo, como a violência, objeto de muitos textos de Rubem Fonseca.

e) A consciência crítica da realidade política e social do país pode ser identificada nas obras de poetas como João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar.

2. (UFPR) Considerando a produção literária de José de Alencar e a de Machado de Assis (especial-mente Dom Casmurro), analise o texto seguinte:

Se a filha do Pádua não traiu, Machadinho se chamou José de Alencar.

Ministória 45. In: Ah, é?, de Dalton Trevisan.

1) Esse miniconto de Dalton Trevisan revela uma posição acusativa em relação à suposta trai-ção da personagem Capitu, desconsiderando as ambiguidades criadas pelo narrador de Dom Casmurro.

2) O narrador de Dom Casmurro constrói seu relato a partir de uma série de dubiedades e variações de ponto de vista que colocam em questão a sua própria identidade.

3) O texto de Dalton Trevisan põe em questão as diferenças entre as estéticas realista e român-tica.

4) Capitu, a filha do Pádua, é construída sobre ambiguidades e segredos não revelados que ajudam a criar os mistérios do romance.

5) José de Alencar criou personagens femininas cercadas de uma aura de pureza e correção moral, uma das características marcantes da estética romântica.

Assinale a alternativa correta.

a) Apenas as afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras.

b) Apenas as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.

c) Apenas as afirmativas 1, 3, 4 e 5 são verdadei-ras.

d) Apenas as afirmativas 3, 4 e 5 são verdadeiras.

e) Apenas as afirmativas 1, 2, 4 e 5 são verdadei-ras.

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Anotações

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