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ENGENHARIA I I ENGENHARIA ENGENHARIA 615 / 2013 ENGENHARIA 615 / 2013 38 39 WWW.BRASILENGENHARIA.COM WWW.BRASILENGENHARIA.COM LINHA DE FRENTE ENGENHARIA I “O custo social de algumas obras já ultrapassa o da construção em si” Embora critique a qualidade técnica de certas obras de infraestrutura construídas no Brasil, o superintendente do DAEE, engº Alceu Sega- marchi Júnior, destaca que é insubstituível o papel do engenheiro para o desenvolvimento do país. “Depois que ‘o engenheiro virou suco’ na década de 1980, felizmente a carreira está sendo revalorizada nos últimos anos, havendo, portanto, luz forte no fim do túnel”, diz. Ele aborda outro tema candente: o custo social das grandes obras de engenharia no Brasil. Para ele o projeto Parque Várzeas do Tietê (PVT) – uma das jóias da coroa do governo paulista – serve como boa ilustração dos casos em que a obra de engenharia propriamente dita acaba custando bem menos do que a soma dos valores gastos com desapropriações e realocação de famílias removidas. O PVT visa restabelecer a função das várzeas do Rio Tietê para o amortecimento de cheias, por meio FOTOS: DIVULGAÇÃO de ações voltadas à proteção e à recuperação do ambiente natural. “Suas obras físicas estão orçadas em 400 milhões de reais, enquanto os custos das desapropriações vão beirar os 500 milhões de reais e a realocação das famílias não sairá por menos que 700 milhões de reais”, diz, acrescentando que hoje é uma constante que a parte social seja mais cara que a construção em quase todas as grandes obras. Ele conta que o PVT está sendo implementado em três etapas. A primeira, de 25 quilômetros, vai da Barragem da Penha até a divisa com Itaquaquecetuba. Na segunda, com 11,3 quilômetros, serão abarca- dos os municípios de Itaquaquecetuba, Poá e Suzano. Já a terceira, de 38,7 quilômetros abran- gerá outros três municípios nas cabeceiras do Rio Tietê. Nos 75 quilômetros de extensão e 107 quilômetros quadrados de área serão plantadas 63 000 árvores e funcionarão 33 centros de lazer, esporte e cultura. A lceu S egamarchi J unior Superintendente do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) ENGENHARIA 615 / 2013 ENGENHARIA 615 / 2013 38 39 WWW.BRASILENGENHARIA.COM WWW.BRASILENGENHARIA.COM FOTOS: DIVULGAÇÃO / LEONARDO MOREIRA

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Page 1: Linha de Frente - Alceu Segamarchi Junior - DAEE

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engenharia 615 / 2013engenharia 615 / 201338 39www.brasilengenharia.comwww.brasilengenharia.com

LINHA DE FRENTEengenHaria I

“O custo social de algumasobras já ultrapassa

o da construção em si”Embora critique a qualidade técnica de certas obras de infraestrutura construídas no Brasil, o superintendente do DAEE, engº Alceu Sega-marchi Júnior, destaca que é insubstituível o papel do engenheiro para o desenvolvimento do país. “Depois que ‘o engenheiro virou suco’ na década de 1980, felizmente a carreira está sendo revalorizada nos últimos anos, havendo, portanto, luz forte no fim do túnel”, diz. Ele aborda outro tema candente: o custo social das grandes obras de engenharia no Brasil. Para ele o projeto Parque Várzeas do Tietê (PVT) – uma das jóias da coroa do governo paulista – serve como boa ilustração dos casos em que a obra de engenharia propriamente dita acaba custando bem menos do que a soma dos valores gastos com desapropriações e realocação de famílias removidas. O PVT visa restabelecer a função das várzeas do Rio Tietê para o amortecimento de cheias, por meio

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de ações voltadas à proteção e à recuperação do ambiente natural. “Suas obras físicas estão orçadas em 400 milhões de reais, enquanto os custos das desapropriações vão beirar os 500 milhões de reais e a realocação das famílias não sairá por menos que 700 milhões de reais”, diz, acrescentando que hoje é uma constante que a parte social seja mais cara que a construção em quase todas as grandes obras. Ele conta que o PVT está sendo implementado em três etapas. A primeira, de 25 quilômetros, vai da Barragem da Penha até a divisa com Itaquaquecetuba. Na segunda, com 11,3 quilômetros, serão abarca-dos os municípios de Itaquaquecetuba, Poá e Suzano. Já a terceira, de 38,7 quilômetros abran-gerá outros três municípios nas cabeceiras do Rio Tietê. Nos 75 quilômetros de extensão e 107 quilômetros quadrados de área serão plantadas 63 000 árvores e funcionarão 33 centros de lazer, esporte e cultura.

A lceuS egamarchiJ uniorSuperintendente do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE)

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“A propalada qualidade da engenharia de infraestrutura nacional não está sendo aplicada nas obras aqui dentro do país”

superintendente do Depar-tamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), Alceu Se-gamarchi Júnior, tem muita coisa em comum com o se-

cretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, Edson de Oliveira Giriboni: além dos dois serem engenheiros civis, ambos começaram suas carreiras na antiga Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), onde permaneceram por mais de duas déca-das. Dadas essas circunstâncias, eles já se acostumaram a ouvir a inevitável “piada pronta” dos amigos e colaboradores mais próximos: “Esses dois vieram para colocar o saneamento nos trilhos”. Escolhido como personagem da série de reportagens “Linha de Frente da Engenharia” nesta edição, Se-gamarchi, 55 anos, paulista de Sorocaba, é filho e sobrinho de ferroviários. Grande parte de sua família sempre morou em Itu (SP). “Depois meus pais e tios se mudaram para a vizinha Sorocaba por conta da fer-rovia e só por isso não nasci ituano”, conta. Ele é engenheiro civil pela Pontifícia Uni-versidade Católica de Campinas e fez exten-são universitária em administração pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).

Na entrevista exclusiva que concedeu à REVISTA ENGENHARIA, a primeira per-gunta a Segamarchi foi a mesma que é feita a todos os focalizados da série. Qual o papel reservado para a engenharia brasileira (e para a categoria dos engenheiros) no trabalho de reverter insuficiências que afetam nossa in-fraestrutura em geral numa fase em que o Brasil luta para contornar os efeitos da crise global, mas continua se esforçando para des-lanchar do ponto de vista econômico?

“Bom, depois que ‘o engenheiro virou suco’ nos anos 1980, felizmente a carreira de engenharia está sendo revalorizada no Brasil nos últimos anos”, começa respon-dendo Segamarchi. “Naquela década, a ca-tegoria enfrentou uma crise sem preceden-tes. Houve uma debandada geral, o pessoal recém-formado e até quem já estava em-pregado foi para banco, para financeira.

LINHA DE FRENTE

OFoi por essa época que eu me formei. Entrei na faculdade em 1976 e concluí o curso em 1980. Na ocasião acabei fazendo um con-curso na Fepasa. Eu já tinha feito estágio na Fepasa nos dois últimos anos de meu curso universitário – até por influência fa-miliar. Bem, prestei o concurso da Fepasa e quase ao mesmo tempo tinha prestado concurso para fiscal da Receita Federal e fui aprovado. Era um tempo de emprego difícil na iniciativa privada, então a gente tinha que tentar a carreira pública, nem que fosse como ‘plano B’. Chamado pela Recei-ta, eu estava naquela fase de escolher se ia atuar em São Paulo ou Brasília – naquela época a gente podia escolher. Claro que es-colhi São Paulo por questões logísticas. Só que na mesma semana que fiz a escolha, fui chamado pela Fepasa. Só para ter ideia de como era o sistema ferroviário naquela época, o fiscal iniciante da Receita ganhava 75 000 dinheiros – vamos denominar as-sim porque não me lembro da moeda de então. Mas o salário inicial da Fepasa era 111 000, e três meses depois do ingresso vinha um acréscimo de 10%. Optei pela carreira de engenheiro na ferrovia e não me arrependo, claro. Afinal foi engenharia que eu tinha escolhido para seguir carreira.”

— O senhor ia dizendo que hoje a pro-fissão de engenheiro foi revalorizada. Pode prosseguir? — pedimos.

“Claro. Sem dúvida, o papel do enge-nheiro é fundamental nesta situação em que o Brasil se encontra. Talvez você estra-nhe, mas eu sou um crítico da qualidade de determinadas obras de infraestrutura aqui no Brasil. Basta dar uma volta pela cidade de São Paulo, ou por muitas estradas da maior parte do território brasileiro, para se perce-ber que nós ainda temos um caminho longo a percorrer no quesito qualidade da obra. E não é preciso fazer comparações com paí-ses como a Suíça, Estados Unidos ou Suécia – é só confrontar com países parecidos com o nosso. Coteje com a África do Sul, com a Argentina, com o Chile. Com o Chile en-tão nem se fala. Olha só a má qualidade de

nosso pavimento. É uma coisa absurda. A gente paga uma das maiores cargas de im-postos do mundo. E veja que nós brasileiros sempre primamos pela qualidade de nossas escolas e pela excelência de nossa formação em engenharia. Além disso, as nossas em-presas de engenharia são das melhores do planeta. As construtoras brasileiras fizeram grandes obras no mundo inteiro. Lembro--me agora de um fato interessante: quando eu estava para me formar engenheiro, nos anos 1980, a Construtora Mendes Júnior me convidou para trabalhar no Iraque. Isso foi bem antes da primeira Guerra do Golfo, na primeira leva que a Mendes Júnior levou ao Iraque para fazer ferrovias e estradas. Eu quase fui, porque naquele tempo era solteiro, não tinha compromisso com nada. Mas, por algum motivo que nem me lem-bro, resolvi ficar aqui. Estou falando isso mais para ilustrar que já naquela época a qualidade das empresas brasileiras de en-genharia era bastante reconhecida lá fora. No entanto, essa propalada qualidade não está sendo aplicada nas obras aqui dentro. Nós nos tornamos líderes em engenharia civil mundo afora, talvez até premidos pela crise interna na época, que obrigou as em-presas a irem para o exterior. Mas o que a gente observa pelo Brasil afora, em termos de qualidade das obras, compõe um gráfi-co irregular. Não só as grandes empresas brasileiras de engenharia estão deixando a desejar aqui dentro, mas também as médias e pequenas.”

— Dentro desse quadro, como vê as escolas de engenharia hoje no país? — perguntamos.

“Antes gostaria de lembrar que a res-ponsabilidade dos engenheiros não se li-mita às empresas de engenharia. Eles estão em todos os cargos, nos órgãos dos gover-nos estaduais, das prefeituras, enfim, em todos os lugares. No caso das escolas de engenharia, eu acho que elas estão pre-cisando investir mais na questão da qua-lidade, algo que a gente não tem visto. Elas deveriam se preocupar em atualizar

os currículos para que eles se coadunem com as reais necessidades do país. Porque a gente está ficando para trás, mesmo em relação a parceiros da America do Sul. Pode ser uma coisa aparentemente não tão im-portante, mas quando se pensa sob a ótica da infraestrutura, a qualidade tem muita importância. Afinal, a qualidade de vida – não só da infraestrutura – de um lugar é determinante, inclusive, para a escolha das multinacionais que querem se instalar na América Latina.”

— Antes de entrar no assunto parce-rias público-privadas, as PPPs, qual sua opinião sobre da Lei de Licitações? — so-licitamos.

“Eu vinha dizendo que não só as gran-des empreiteiras deixam a desejar em rela-ção à qualidade das obras internas. Outra vertente dessa precariedade são as subem-preitadas de obras. As grandes empresas de engenharia estão fugindo como o diabo da cruz da Lei 8.666/93, das licitações. Hoje elas estão interessadas em concessão, PPP, parcerias de todo gênero. Alguns repre-sentantes de grandes empresas de enge-nharia, que me procuraram recentemente, me afirmaram categoricamente que em curto espaço, até 2014 ou 2015, elas não vão mais participar de licitações no Bra-sil, por conta da 8.666. Porque elas estão achando impossível manter a estrutura que elas são obrigadas a sustentar, tendo, ao mesmo tempo, que rebaixar o preço. Ali-ás, a lei já está sendo revista. A Lei 8.666 parte do principio de que todo mundo é desonesto. A legislação anterior, o Decreto 2.300, de 1986, partia do princípio de que todo mundo era honesto. Quer dizer, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Tem que haver um meio termo que permita ao po-der público optar pela qualidade. Porque o menor preço, na maioria dos casos, não é a melhor solução e acaba saindo mais caro para o contribuinte. Há muitos exemplos que podem ilustrar isso.”

— O senhor pode falar sobre as PPPs dos piscinões? Qual a meta de constru-ção de reservatórios? Quantos estão com obras contratadas? Quantos estão em processo de licitação? E quantos es-tão com recursos garantidos? — ques-tionamos.

“Bom, a PPP, como se sabe, é um con-trato de prestação de serviços ou obras pelo qual as empresas são pagas diretamente pelo governo para realizar uma tarefa e podem ainda obter parte de seu retorno financeiro explorando o serviço. Nós já pu-blicamos o edital de licitação internacional para selecionar as empresas participantes da PPP que será responsável pela constru-ção de sete piscinões na Região Metropo-litana de São Paulo, além da manutenção

e operação de 38 reservatórios pelos pró-ximos 20 anos. O edital prevê que todo o conjunto de piscinões deverá ser dotado de comportas e equipamentos para operação remota a partir de uma central de controle. A PPP fará a implantação de reservatórios na Bacia do Tamanduateí – em São Paulo e em Santo André –, na Bacia do Juqueri – em Franco da Rocha –, e na Bacia do Pirajuçara, esta na região do Morumbi. O consórcio que vencer a licitação terá que fa-zer a manutenção de 30 reservatórios já existen-tes e assumir oito que estão em obras quando eles tiverem prontos. Ou seja, quem vencer a PPP irá fazer a manu-tenção dos 45 piscinões, 24 horas por dia, de segunda a segunda. Agora está sendo transcorrido o prazo para apresentação das propostas. Já tivemos as visitas técnicas. Foi uma espécie de recorde: tivemos 54 visitas. Então isso indica que vai haver uma disputa interessante. Recapitulando: o número total dos piscinões que vai ser atingido pela PPP é de 45. Sendo que 30 deles já existem, sete deverão ser construídos pela iniciativa pri-vada com características tecnológicas mo-dernas, e oito reservatórios de contenção o DAEE já está construindo. Com obras con-tratadas, portanto, existem oito piscinões. O valor de referência do investimento da PPP, somente em obras, é de 850 milhões de re-ais, em números redondos. Mas o valor esti-mado do contrato, incluindo a manutenção ao longo dos 20 anos, é de 3,8 bilhões de reais. Ao final do período de concessão todo o sistema retorna ao Estado, que incorpo-ra os investimentos realizados. A fórmula dessa PPP é bastante interessante: a gente paga o parceiro pelo volume disponível para reservação, uma vez que se trata de reser-vatórios de contenção. Os mecanismos para aferir esse volume estão muito bem descri-tos no nosso edital – e depois vão estar no contrato a ser assinado pelo vencedor. Nós estamos esperando pelo menos seis con-sórcios interessados. Tiramos como base o número de consultas que estamos receben-do e o nível das perguntas. Por esses ques-tionamentos é possível saber se o suposto candidato está preparando uma proposta ou se só tem curiosidade pelo assunto. Os terrenos para a construção de dois dos pis-cinões serão doados pelo governo estadual, um deles pela prefeitura de Santo André e quatro pela prefeitura de São Paulo.”

— Fale um pouco sobre sua pessoa. Como é sua família de origem e a que o senhor constituiu depois? — solicitamos.

“Tenho 55 anos e nasci em Sorocaba.

Grande parte de minha família era de Itu, mas eles se mudaram para Sorocaba por conta da ferrovia – por isso que eu nasci em Sorocaba. Fui criado lá até entrar para a fa-culdade de engenharia. Estudei em colégio público, que naquela época era o que havia de melhor. Meu pai e boa parte dos meus

tios eram ferroviários, da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Meu pai era técnico, não engenheiro. Depois ele foi trabalhar no Metrô. Naquela época, princi-palmente nas cidades do interior, a classe ferrovi-ária era muito respeita-da, porque era a ferrovia que levava desenvolvi-

mento tanto ao interior do Estado quanto à capital. A maioria das cidades paulistas nasceu em torno da ferrovia. E, por ironia do destino, hoje muita gente reclama di-zendo que a ferrovia corta a cidade. Não corta nada, foi a cidade que nasceu ali. É falha a visão de quem pensa em acabar com a ferrovia. A ideia defensável é a de criar condições para que a ferrovia atravesse a cidade sem causar prejuízos. A riqueza de São Paulo tem ralação com os trilhos. São Paulo se tornou o que é – e se destacou em relação a Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná – por causa da ferrovia.”

— Aliás, depois de décadas, pela pri-meira vez um programa federal coloca os investimentos para as ferrovias em pla-no superior aos das rodovias. Vê isso com otimismo? — quisemos conferir.

“Olha, não sei se com tanto otimismo assim. Mesmo agora, priorizando as ferro-vias, a condução dessas obras não dá mui-tos motivos para grande comemoração. A Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, está lá, desde o governo do José Sarney, longe de cumprir as funções para as quais foi concebido o projeto. Como se recorda, as obras da ferrovia tiveram início em 1987. Atualmente encontra-se pronto o trecho entre Açailândia, no Maranhão, e Palmas, no Tocantins. Ninguém discute a impor-tância do projeto – todo mundo sabe que é importante. Mas olha só o problema para transporte da safra da soja para o Porto de Santos. Olha a confusão que a falta de ferrovia está provocando. A com-petitividade da nossa soja é muito baixa por causa disso. Os chineses, como se vê pela imprensa, não estão nada satisfeitos com nossa ineficiência no embarque do produto. No campo de cultivo, na plan-tação, a nossa soja tem competitividade, mas essa vantagem comparativa se perde nos caminhos rodoviários. Tudo que de-pende do governo é o caos. A iniciativa

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privada faz a parte dela, mas não tem ha-vido a contraparte pública. Outro dia eu fui almoçar na Vila Olímpia, em casa de amigos, e lá é assim: do portão para den-tro do edifício parece que você está no Primeiro Mundo, mas na hora que você sai do portão para fora, está na África. To-dos nós pagamos impostos, que, em tese, deveriam servir para pagar a infraestrutu-ra do portão para fora. Só que você já sai do prédio enfrentando buracos na pista, uma maçaroca de fios elétricos, telefôni-cos – entre outros – sobre a cabeça. Quer dizer, o poder público está atrasado no cumprimento do seu papel. Notadamen-te as prefeituras, que são as responsáveis por essa situação que estou descrevendo. Alguém pode argumentar que são as con-cessionárias de energia e de telefone as responsáveis pela situação. Mas quem é que fiscaliza tudo? As prefeituras, claro. São Paulo, por exemplo, tem o Departa-mento de Iluminação Pública – o Ilume –, quer dizer, existe um contrato de pres-tação de serviços pelo qual o órgão tem obrigação de enterrar os fios. Mas não enterra. Com o asfalto acontece a mes-ma coisa. Quando a Sabesp, a Comgás, a Telefônica, ou qualquer outra concessio-nária abrem um buraco, elas teriam que arrumar devidamente depois. Mas não é isso que acontece e a fiscalização é fa-lha. Então enquanto o poder público não se equiparar à iniciativa privada nessa questão da qualidade, nós vamos amar-gar esses problemas todos. O que implica em continuar perdendo competitividade. Temos um déficit que nós temos que eli-minar. O duro é saber por onde começar. Eu acho que a excessiva concentração dos impostos é o pecado original. O governo quer todos os recursos para ele, mas não é capaz de devolver os impostos, em tempo hábil, na forma de serviços. Mas a refor-ma tributária é difícil de fazer porque há muitos interesses conflitantes.”

— A sua família exerceu influência na sua decisão de estudar engenharia? — perguntamos.

“Não. A minha família, mesmo que de forma indireta, nunca me sugeriu nada. Eu é que sempre gostei de engenharia – desde que me conheço por gente. Nunca tive dúvida de que seguiria a carreira de engenheiro. Eu gostava da célebre revista Mecânica Popular. Gostava e gosto de au-tomóveis. Inclusive fiquei na dúvida se ia fazer engenharia civil ou mecânica. Mas, no fundo, gostava mais de civil. Já meu pai, como técnico, era mais voltado mais para a parte de mecânica. Aí fui estudar engenharia em Lins, onde fiz os dois pri-meiros anos. Lins tinha boa fama naque-la época. Fama de excelência, aliás, que

agora eles estão tentando ressuscitar. Eles montaram uma escola com o que havia de melhor, em termos de corpo docente vol-tado para engenharia de infraestrutura. Eu tenho um ex-colega, atualmente em-presário, que está se juntando com outros ex-alunos para tentar reativar a antiga excelência daquela escola de engenharia. Eu só não me formei em Lins por causa da distância. Logo depois que concluí o segundo ano, meu pai sofreu um infar-to e eu ficava meio aflito estando longe dele, embora não houvesse necessidade premente da parte dele. Foi mais uma coi-sa de sentimento meu. Foi quando fiz um exame para me transferir para a PUC de Campinas e consegui. Embora tenha pas-sado por algumas adaptações. Tive que fazer três anos de teologia, só para você ter uma noção. Mas tudo bem, deu tudo certo: a PUC tinha uma boa faculdade de engenharia. O fato de eu ter ficado mais perto de casa, inclusive, facilitou o meu estágio na Fepasa, em Campinas mesmo. Não havia admissão automática para o estágio, tive que prestar concurso, mas passei. Aí comecei minha carreira lá. Na época, eu podia escolher se queria ficar no interior ou vir para a capital. Optei por São Paulo, até porque a Fepasa estava inves-tindo muito aqui no início do sistema de trem metropolitano – que naquele tempo ainda era chamado de trem de subúrbio.”

— O senhor ficou na Fepasa até o mo-mento em que começou a crise da compa-nhia? — pedimos que contasse.

“Fiquei no capítulo metropolitano da Fepasa até 1990. O sistema de subúrbios estava efervescente, fiz vários viadutos, foi um tempo bom. Mas depois de uns quatro anos fui ascendendo dentro da compa-nhia e virei administrador. Isso é inevitá-vel. Felizmente, naquela época ainda era possível ‘engenheirar’. Então, do setor de obras passei para a área de manutenção de via permanente. Depois recebi um convite para ir para a ‘Fepasona’, que era a Fepa-sa do interior, ainda que o escritório fun-cionasse aqui na capital. Fui promovido a gerente de obras e logo depois, em 1991, me tornei consultor geral, cargo que era considerado o topo da carreira. Desde esse ano estou no topo da carreira ferroviária. Fiquei até 1995 na ‘Fepasona’ na área da infraestrutura, inclusive tomando conta de programas do Banco Mundial. Mas em 1995, quando Mario Covas tomou posse como governador aconteceu algo terrível: não havia dinheiro no cofre estadual. Foi a primeira vez na história paulista que hou-ve atraso de pagamento no funcionalismo público. Primeira e única. Por aí se vê como estavam as finanças. Acontece que em 1995 Covas e o seu secretário da Fazenda,

Yoshiaki Nakano, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, ti-nham alguns planos para sanear o governo. E dentro desses planos estava a federaliza-ção do setor de cargas da Fepasa. Na épo-ca, o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso e o governo federal já fazia concessões do sistema ferroviário. Como a concessão do transporte de carga é federal, pelo plano de Covas e Nakano o governo estadual passaria a Fepasa para o governo federal – o qual, ato contínuo, fa-ria a concessão da chamada malha paulis-ta. Só que havia um subproduto: o sistema de transporte metropolitano de São Paulo, que não podia ir junto.”

— Por quê? — solicitamos. “Primeiro era preciso fazer a cisão da

Fepasa para separar o transporte metro-politano do transporte de carga. E depois passar o de carga para a iniciativa privada. E ninguém queria fazer isso na Fepasa. Ou melhor, ninguém sabia fazer isso naque-la ocasião. Até que o então presidente da companhia, o Renato Pavan, me perguntou se eu topava, porque ninguém na área de transporte metropolitano tinha conheci-mento suficiente para tocar a empreitada. Porque a cisão era um processo complica-do. Tente imaginar um esquema de cisão numa empresa privada. Agora pense isso no Estado, numa situação de calamidade financeira, que era aquela que o Covas pe-gou na época. Esse o grau de dificuldade. Mas aí eu topei o desafio. E eu fiz a parte da Fepasa praticamente sozinho, com os técnicos da secretaria estadual da Fazenda sempre acompanhando e monitorando. A CPTM [Companhia Paulista de Trens Me-tropolitanos] já existia aqui em São Pau-lo, porém já existia só com a parte fede-ral, a antiga CBTU [Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. Em 1995 já chamava CPTM, era uma empresa bem nova. Em 1992 a seção paulistana da CBTU havia sido transferida para o controle da CPTM, criada em maio do mesmo ano. Mas ela não administrava a malha da Fepasa, que era o que de melhor havia na época em transporte metropolitano. Ou seja, eram as linhas da região oeste e essa da Avenida Marginal, que hoje são as linhas 8-Dia-mante – atualmente com 42,3 quilômetros + Expresso Oeste-Sul com 20,8 quilôme-tros – e 9-Esmeralda, esta atualmente com 32,8 quilômetros. Concluímos a cisão em nove meses, apresentamos o projeto para a Assembleia Legislativa e obtivemos apro-vação no início de 1996. Um pouco antes, no final de 1995, foi assinado um convênio de cooperação pelo qual se permitiu que a CPTM tomasse conta das linhas. Antes não podia. Quando o projeto passou pelo legis-lativo, em 1996, foi formalmente transferi-

do o patrimônio e a dívida correspondente para a CPTM. Na ocasião, eu cuidei pesso-almente da transferência dos funcionários – pouco mais de 1 000 pessoas. Era ne-cessário tratar caso a caso: quem quer ser transferido, quem não quer, como vai ser feita a transferência, uma dificuldade adi-cional. Mas quando houve a transferência, em fevereiro de 1996, essa parte já estava equacionada.”

— O senhor continuava vinculado à Fepasa? — pedimos que explicasse.

“Nesse período, eu ainda estava na Fepasa. A CPTM era outra empresa. Os funcionários iam para CPTM, eu tinha que fazer uma anotação na carteira de traba-lho deles, uma sub-rogação do contrato de trabalho. Mas logo depois fui sondado pelo então presidente da CPTM, para ver se eu não queria mudar de lado. Na verda-de, ele não sabia nem por onde começava o processo de botar ordem na casa. Por-que, imagine só: você tinha um contrato de trabalho com funcionários da CBTU que era federal, com todo um plano próprio de cargos e salários. E tinha o pessoal esta-dual. Com todos fazendo o mesmo tipo de serviço. Dá para sentir a confusão traba-lhista que foi isso? Mas, felizmente, logo pudemos aprovar um plano novo de cargos e salários – que é o que vigora até hoje na CPTM. Fiquei na CPTM de 1996 a 2009. Na companhia, em nível gerencial eu fiz praticamente de tudo. Eu fui da diretoria administrativa e financeira, que permeava todas as áreas. Fui superintendente admi-nistrativo, fui superintendente financeiro e de patrimônio. Eu já estava no topo de carreira, não tinha outro atrativo que não fossem os novos desafios. Do ponto de vis-ta financeiro a companhia não tinha nada a me acrescentar ou a me suprimir.”

— O que aconteceu depois disso? — indagamos.

“Em 2009, no segundo mandato do pre-feito Gilberto Kassab, passei para a secreta-ria municipal de Gestão, que também cui-dava do patrimônio imobiliário. Mas eu nem conhecia o Kassab. Fui para lá a convite de Rodrigo Garcia, que era o secretário de Ges-tão. Fiquei lá dois anos, até a saída do Gar-cia. Depois disso voltei para a CPTM. Mas não cheguei a assumir na CPTM, porque o Edson Giriboni, secretário estadual de Sa-neamento e Recursos Hídricos, que também tem origem ferroviária – e que eu conheço há 30 anos também por conta da Fepasa –, assumiu a secretaria e me chamou para ajudá-lo. Pelo compromisso que assumi com Giriboni, acabei vindo para o DAEE.”

— Como as etapas da ampliação da calha do Tietê já colaboram para a me-lhoria da qualidade de vida da Região Metropolitana de São Paulo? Em quanto

foi ampliada a capacidade de vazão do rio? — perguntamos.

“O projeto de ampliação da calha do Rio Tietê, como a gente o conhece hoje, compreende toda essa proteção das mar-gens que é possível ver, o rebaixamento de calha, o paisagismo, a instalação da Barragem Móvel no Ce-bolão... Só para recordar, a Barragem Móvel, situ-ada junto ao complexo viário Cebolão, teve sua capacidade de extrava-são aumentada em 300 metros cúbicos de água por segundo, median-te a construção de um descarregador de fundo composto por duas com-portas de segmento de 7 metros de largura e 7 metros de altura, e teve incorporada uma eclusa de navegação de 12 metros de largura e 120 metros de comprimento. Isso tudo foi concluído no final de 2005, começo de 2006, no governo anterior do Geraldo Alckmin. Quando Alckmin assumiu o governo estadual novamente, em 2011, o Rio Tietê estava bastante assoreado. O Tietê é um rio de baixíssima declividade, dá 1,5 centímetros por quilômetro de de-clividade na área da Grande São Paulo. E isso é praticamente nada. Além disso, é um rio sedimentar, pela própria característica da bacia. E, ainda por cima, houve uma urbanização descontrolada. Então o desas-soreamento não é uma obra – é um serviço contínuo. Essa, aliás, é a forma como ele é tratado pelo DAEE – não é considerado investimento e sim custeio. E algo que não pode parar. Você pode fazer mais ou fazer menos, dependendo do regime de chuvas do ano – mas sempre vai ter que tirar sedi-mento e lixo. O lixo, infelizmente, ainda é uma constante no Rio Tietê, que funciona como um grande ‘ralo’. Chega todo tipo de objeto que se possa imaginar no pobre rio – até geladeira. Muitas pessoas ficam alar-madas com tanta garrafa PET boiando... Mas isso é o de menos, com uma pequena rede se resolve o problema. O que não se vê a olho nu é que constitui o problema. O rio está cheio de lixo, ensacado ou não. Pneu jogado no rio foi um item que diminuiu, porque tem algum valor de venda. Mas era um grande problema até pouco tempo. Ainda tem muita coisa que flutua, como madeira, isopor etc. Carcaças de automó-veis – todo ano se tira centenas de carca-ças de automóveis. O Tietê serve para tudo, menos para aquilo que deveria servir. Claro que há aí uma parcela importante de falta de educação e de civilidade. Quer dizer, é um processo. Para ser justo, devo dizer que a situação melhorou muito de um tempo

para cá, e continua melhorando. Mas a ve-locidade da melhora tem que aumentar.”

— Chegar ao nível de limpeza do Rio Tâmisa, de Londres, é quase um sonho? É muito difícil alcançar isso? — questionamos.

“Não, não é difícil. A diferença de nossa região metropolitana em relação a outras grandes metrópoles que tiveram problema semelhante é a quantidade de água. O Tietê é um rio pequeno, de pouca água. A Grande São Paulo fica na nas-cente do Tietê. O rio faz tudo ao contrário do que deveria fazer. Ele nasce aqui, a 50 quilômetros

do litoral e corre para o interior. Ele anda 1 100 quilômetros para desaguar no Rio Paraná. Por isso mesmo, em nosso trecho, o Tietê é um rio de pouca água. E se é um rio de pouca água é um rio de baixa dilui-ção. Então a água que nós vemos aqui é muito mais poluição do que água propria-mente dita. A vazão máxima do Tietê é de 1 048 metros cúbicos por segundo no limite de transbordamento da calha na Barragem Móvel. A gente mantém a lâmina d’água do Tietê dentro de certos limites utilizando vários expedientes entre eles a Barragem Móvel do Cebolão. Caso contrário, a gente não conseguiria navegar no rio. Agora, por exemplo, eu consigo navegar as barcaças que fazem a limpeza do rio. Não é nave-gação comercial ainda. Então o trabalho de desassoreamento é fundamental. Hoje a calha está na sua conformação de projeto. Ou na batimetria de projeto, como gosta de falar o governador. Nós retiramos nestes dois anos e alguns meses de governo Alck-min, mais de 4 milhões de metros cúbicos de detritos do Tietê. E somando-se ao que retiramos dos afluentes, nós chegamos a 6 milhões de metros cúbicos. A limpeza dos principais afluentes foi uma coisa retoma-da no atual governo. Não adianta se garan-tir que vai passar carro na Marginal Tietê, se o resto da cidade pode correr o risco de ficar submersa. Quanto à questão da vazão de restrição do Tietê na altura da Barra-gem Móvel do Cebolão, o PDMAT-3 [Pla-no Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê] será anunciado proximamente e trará novidades (ler mais detalhes na re-portagem de capa “Corrida contra o tempo”).”

— Qual a importância do Plano Di-retor de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista que prevê uma meta de suprimento adi-cional de água, para o horizonte de pro-jeto de 2030? — solicitamos a seguir.

“A importância é vital. É esse Plano Di-

“São Paulo se tornouo que é, e se destacouem relação a MinasGerais, Rio de Janeiro e Paraná, por causa de suas ferrovias”

LINHA DE FRENTE

Page 4: Linha de Frente - Alceu Segamarchi Junior - DAEE

ENGENHARIA I I ENGENHARIA

engenharia 615 / 2013engenharia 615 / 201344 45www.brasilengenharia.comwww.brasilengenharia.com

retor que vai dar ao poder público a noção e a dimensão do problema que nós temos para resolver nos próximos anos. No curto prazo o suprimento de água na metrópole está razoavelmente equacionado. Mas só no curto prazo. Tanto que na hora em que o Sistema São Lourenço estiver pronto, já será necessário explorar outras fontes de água. Porque quando São Lourenço entrar em operação ele vai deixar de ser reserva técnica – como seria hoje se ele já estivesse operacional. Para entender melhor, o Sis-tema Produtor São Lourenço é um com-plexo de abastecimento de água para cerca de 1,5 milhão de pessoas na Grande São Paulo. Terá captação de 4,7 metros cúbi-cos por segundo de água no Reservatório Cachoeira do França – na Bacia do Alto Ju-quiá –, uma nova estação de tratamento de água em Cotia e uma rede de adução para sete municípios da zona oeste da região metropolitana, que hoje são abastecidos pelos sistemas produtores Alto Cotia, Baixo Cotia, Guarapiranga e Cantareira.”

Alguns especialistas, como José Edu-ardo Cavalcanti, presidente do Grupo Am-biental – também membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e membro do Instituto de Enge-nharia –, argumentam que hoje a oferta de água é inferior à demanda. Para Cavalcan-ti, por exemplo, foi uma decisão tímida a do São Lourenço ter optado pela outorga de 4,7 metros cúbicos por segundo, em re-lação às atuais necessidades. Ele acha que com as mudanças das regras operacionais do Sistema Cantareira vai faltar água em São Paulo dentro de poucos anos – con-siderando-se que o São Lourenço vai ficar pronto só em 2017, e que a outorga do Sis-tema Cantareira vai ter que ser revista em 2014. Ele prevê que em 2017, com a per-centagem de perdas observadas historica-mente na Grande São Paulo, o Sistema São Lourenço, mesmo com a outorga de 4,7 metros cúbicos por segundo, vai chegar a, no máximo, 2,8 metros cúbicos por segun-do. Na sua visão, não se justifica construir uma grande obra linear, como a que está sendo feita – 80 quilômetros de linha de tubulação de 1,20 metros de diâmetro –, para aproveitar apenas 4,7 metros cúbicos por segundo e não toda a disponibilidade hídrica do sistema de lá, que seria de 20 metros cúbicos por segundo.

Sobre essa visão crítica, Segamarchi informa que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) tem procurado o DAEE e conversado com a área de concessão de outorga do órgão para tentar aumentar a captação do São Lourenço no limite máximo. “Eu acho que essa questão da produção de água é uma

discussão que só está começando. Nos estu-dos do Plano Diretor de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista isso vai ficar bastante explicito.”

— Pode falar mais sobre o Sistema Produtor São Lourenço? — insistimos.

“O São Lourenço pode e deve ter o seu potencial explorado à totalidade. O custo dessa obra vale a pena. Estamos argumen-tando com o governo estadual que o ponto de vista do DAEE é de que o próprio gover-no, através do DAEE – e não a Sabesp – de-veria ficar à frente das providências a serem tomadas. Vou tentar explicar. A Sabesp é a concessionária de um serviço público mu-nicipal, que é o saneamento básico. Desde a constituição de 1988 os municípios são responsáveis por esse serviço – e a Sabesp, embora empresa estatal estadual, presta um serviço às prefeituras, tanto que ela tem as-sinado os contratos de programa com cada uma delas. Então, do ponto de vista institu-cional, seria mais seguro para todos – inclu-sive para a própria Sabesp – que o governo estadual fizesse a parceria público-privada, com a garantia de compra do produto por contrato. É claro que a Sabesp é uma com-panhia importantíssima. A Sabesp está fa-zendo São Lourenço simplesmente porque precisa, não tem alternativa. O Alto Tietê já está no limite. Nós devemos subir um pouco agora o nível da Barragem de Taiaçupeba, no município de Mogi das Cruzes – está em tratativas –, para a gente poder captar mais água. E assim por diante. Há várias alterna-tivas em estudo. O governo está empenha-do, através da Secretaria da Casa Civil, em coordenar esse programa, para que se possa tirar um aproveitamento máximo das fontes que nós já temos – como Alto Tietê, Billings, Guarapiranga, Alto Cotia –, de modo que se possa garantir certa segurança de abaste-cimento. Incluindo aí o São Lourenço. Até que a gente consiga fazer parar em pé um projeto de maior porte, ou seja, de buscar água mais longe. Isso não é novidade para ninguém. O Sistema Cantareira já é uma transposição. Algo que provavelmente não vamos fazer é ir buscar água no Rio Para-íba do Sul, porque estaríamos deflagrando uma guerra entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas existem alternativas de grande porte que precisam ser estudadas.”

— Por falar em obras de porte, as ocu-pações chegam a inviabilizar grandes projetos de engenharia na Grande São Paulo — perguntamos.

“O Parque Várzeas do Tietê, para citar um grande projeto – poderia citar Pirajus-sara, Oratório, enfim, desfiar um terço de reza... Mas vamos ficar só no Parque Várze-as. Nesse projeto, a obra de engenharia em si – construção de centros de lazer, remoção física de aterros e construções em geral – vai

custar 200 milhões de dólares, ou seja, uns 400 milhões de reais. Sabe quanto o gover-no vai gastar para desapropriar os terrenos? Nada menos que 500 milhões de reais. E sabe quanto ele vai gastar para a realocação das famílias que vão ser removidas dali? Ou-tros 700 milhões de reais. Quer dizer, olha a proporção! Eu tenho que desapropriar o ter-reno e dar uma casa para o invasor que está em cima dele. A obra mesmo é o que custa menos. O maior custo é a parte social, o re-assentamento. Isso se tornou uma constante em todas as grandes obras. Porque a triste realidade é que as pessoas acham que os rios ou os córregos são cloacas. Quando elas não estão na margem, elas estão em cima do córrego. As prefeituras da região permitem que uma situação dessas se instale e depois, obviamente, com qualquer chuva um pouco maior o rio vai assumir aquilo que é dele e vai inundar os barracos e casas que estão lá na margem. Aí surgem na TV aquelas ima-gens que a gente está acostumado a ver de pessoas aflitas, crianças chorando, até com certa razão... Mas elas não deveriam estar lá. Se elas não têm a noção de que não deve-riam estar lá, as prefeituras precisariam ter. E deveriam fiscalizar bem melhor. É muito mais barato resolver essas questões antes que elas adquiram grandes proporções. Em Osasco nós temos um reservatório de contenção de cheias chamado Piscinão do Rochdale, que fica no Córrego Baronesa, cercado de moradias irregulares. Acredite se quiser: as pessoas construíram barracos dentro do piscinão, usando sistema de pala-fitas. Então é obvio que aquilo vai encher de água quando chover. Se eles estão morando dentro de uma banheira, como vão querer não se molhar. É a natureza do reservatório. E a prefeitura permite isso. E aí na hora do problema de enchente ela vem bater na por-ta do Estado e nós temos que dar a solução. As prefeituras, embora sejam responsáveis pela manutenção e operação dos piscinões – por força de convênios assinados –, elas não cumpriram a sua parte. Então o go-vernador, no ano retrasado, permitiu que o DAEE fizesse uma licitação para limpeza dos piscinões. No ano passado o DAEE limpou e agora vamos passar essa atividade para a iniciativa privada. Mas é uma tarefa que, em tese, caberia às prefeituras fazer. O Rio Tietê só não extravasou ultimamente porque nós conseguimos tirar 6 milhões de metros cú-bicos de detritos dele e de seus principais afluentes. Está certo que as chuvas, acumu-ladamente falando, foram menores. Mas o que faz o rio transbordar não é chuva acu-mulada – é o pico de chuva. E os picos que fizeram transbordar o Rio Tietê em ocasiões anteriores ocorreram também nos últimos dois anos. Nenhum desses picos, no entan-to, conseguiu fazer o rio transbordar.”

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