linguagens de meninas e meninas, em especial: o desenho ... tanto ver, você banaliza o olhar. sei...
TRANSCRIPT
Linguagens de meninas e meninas, em especial: o desenho entrelaçando
manifestações expressivas
Marcia Gobbi FEUSP
Construtoras de culturas infantis Social e historicamente situadas Sujeitos de direitos (entre eles às manifestações expressivas em
diferentes linguagens artísticas e elaboradas em variadas culturas)
Diferente da regra do adulto, a regra fundamental do mundo
da criança é a de que a regra precisa ser continuamente
reinventada, no próprio curso do relacionamento, na
relação social em andamento. No fundo, as crianças já
nascem pós-modernas. É adulto quem não consegue fazer
isso, quem não consegue imaginar, inventar e fazer das regras
um jogo de gato e rato e, portanto, um ato de reciproca
construção da relação social, da partilha, compreensão e
propriamente amor.
É adulto quem se deixa aprisionar pela busca da coerência
num mundo essencialmente incoerente, quem não tem
consciência da trama de contradições que a sociedade é.
( José de Souza Martins)
As crianças possuem uma forma poética de ver e inventar mundos
que permitem transferir da e para a própria vida aquilo que, muitas
vezes, é apresentado na literatura, no teatro, no desenho, na dança,
nos modos como produz suas esculturas, suas músicas e sons. A arte
e suas manifestações artísticas e expressivas permitem certa
transformação de si mesmo, ao mesmo tempo em que transformam
ao outro e às culturas em que estão e estamos imersos.
Temos então, artefatos culturais, linguagens infantis que, de modo
indissociável, revelam infâncias e as marcam em nós.
O espaço da padronização nem sempre reconhece como direito as expressões das crianças. • Afinal, como trabalhar objetivando garantir as criações de meninos e
meninas? • Como contrapor-se aos espaços cerceadores das capacidades criativas
das crianças? • Como incentivá-las a explorar os ambientes e expressarem-se com
palavras, gestos, danças, desenhos, teatro, música, sem recriminar os choros e o aparente excesso de movimentos?
• Sem o “ensino”, cujo caráter escolarizante extirpa, por vezes, a imaginação, a fantasia e exclui as falas das crianças e sua autoria em diferentes processos de criação
Desafios ....
Desenhos como elaboração e evidências de culturas entre as crianças e destas com os outros:
criar, projetar e dar-se a ver
Fontes documentais e autorais, artefatos culturais, manifestações expressivas que exigem: 1. Contextualização da elaboração 2. Observação dos indícios 3. Considerar o processo de criação – ato criador 4. Tempo para observar X tempo do capital 5. O que temos para oferecer à imagem/desenho
das crianças 6. O que ela nos oferece
E os espaços físicos? Ambientes? Estética . Conhecer o território, o lugar, a escola de Educação Infantil para possui-los e apropriar-se deles. O que há de nós neles? O que há das meninas e meninos neles? Conhecer e reconhecer-se no entorno.
O que aprendi com as crianças hoje? • Sobre suas representações • Seus modos de ver • De orientar a disposição de suas criações
• O que vemos?
• Como vemos?
• Para onde olhamos?
• O que nos é dado ver?
• O que queremos e podemos ver?
• Como registramos o que é olhado ou visto, ou ouvido,
ou sentido?
• Em quais lugares buscamos nossa alimentação
estética?
Ver vendo
Otto Lara Rezende
De tanto ver, a gente banaliza o olhar - vê... não vendo.
Experimente ver, pela primeira vez,
o que você vê todo dia, sem ver.
Parece fácil, mas não é:
o que nos cerca, o que nos é familiar,
já não desperta curiosidade.
O campo visual da nossa retina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.
Se alguém lhe perguntar o que você vê
no caminho, você não sabe.
De tanto ver, você banaliza o olhar.
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio
pelo mesmo hall do prédio do seu escritório.
Lá estava sempre, pontualíssimo, o porteiro.
Dava-lhe bom-dia e, às vezes,
lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o porteiro faleceu. Como era ele?
Seu rosto? Sua voz? Como se vestia?
Não fazia a mínima ideia.
Em 32 anos nunca conseguiu vê-lo.
Para ser notado, o porteiro teve que morrer.
Se um dia, em algum lugar estivesse uma girafa
cumprindo o rito, pode ser, também,
que ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver:
gente, coisas, bichos. E vemos?
Não, não vemos.
Uma criança vê que o adulto não vê.
Tem olhos atentos e limpos
para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez,
o que de tão visto, ninguém vê.
Há pai que raramente vê o filho.
Marido que nunca viu a própria mulher.
Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos.