linguagem Ético-religiosa em emmanuel lÉvinas

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Teocomunicação Porto Alegre v. 40 n. 2 p. 147-172 maio/ago. 2010 LINGUAGEM ÉTICO-RELIGIOSA EM EMMANUEL LÉVINAS ETHIC-RELIGIOUS LANGUAGE IN EMMANUEL LÉVINAS Márcia Eliane Fernandes Tomé* Resumo Este artigo pretende mostrar como a linguagem ético-religiosa ou a relação social no pensamento de Emmanuel Lévinas é capaz de se opor ao discurso onto- teológico sobre Deus. Tentaremos, primeiramente, evidenciar os pressupostos através dos quais Lévinas concebe a linguagem ética que se subtrai ao discurso objetivante ou ontológico graças ao existir no aquém do ser. Posteriormente, analisaremos a significação que a linguagem assume no pensamento do autor e sua crítica ao discurso onto-teológico. Por fim, a investigação deverá mostrar que a hermenêutica levinasiana se inscreve como ética, plena de uma abertura ao outro, cheia de solicitude e que a glória do Infinito, no dizer da linguagem profética, só se glorifica na relação ética, em que o homem é sempre ordenado à responsabilidade pelo outro homem: é no testemunho da linguagem profética que a significância de Deus significa sem cessar. PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Religião. Onto-teologia. Hermenêutica. Glória do Infinito. Abstract This article has the intention of showing how ethic-religious language or social relation in Emmanuel Lévinas’ thought is capable of opposing the onto- theological discourse about God. First, we will try to show the presuppositions * Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006), pós-graduação em Filosofia da Modernidade pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2008) e mestrado em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2010). Atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: <[email protected]>.

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Teocomunicação Porto Alegre v. 40 n. 2 p. 147-172 maio/ago. 2010

LINGUAGEM ÉTICO-RELIGIOSA EM EMMANUEL LÉVINAS

ETHIC-RELIGIOUS LANGUAGE IN EMMANUEL LÉVINAS

Márcia Eliane Fernandes Tomé*

Resumo

Este artigo pretende mostrar como a linguagem ético-religiosa ou a relação social no pensamento de Emmanuel Lévinas é capaz de se opor ao discurso onto-teológico sobre Deus. Tentaremos, primeiramente, evidenciar os pressupostos através dos quais Lévinas concebe a linguagem ética que se subtrai ao discurso objetivante ou ontológico graças ao existir no aquém do ser. Posteriormente, analisaremos a significação que a linguagem assume no pensamento do autor e sua crítica ao discurso onto-teológico. Por fim, a investigação deverá mostrar que a hermenêutica levinasiana se inscreve como ética, plena de uma abertura ao outro, cheia de solicitude e que a glória do Infinito, no dizer da linguagem profética, só se glorifica na relação ética, em que o homem é sempre ordenado à responsabilidade pelo outro homem: é no testemunho da linguagem profética que a significância de Deus significa sem cessar.

Palavras-chave: Linguagem. Religião. Onto-teologia. Hermenêutica. Glória do Infinito.

Abstract

This article has the intention of showing how ethic-religious language or social relation in Emmanuel Lévinas’ thought is capable of opposing the onto-theological discourse about God. First, we will try to show the presuppositions

* PossuigraduaçãoemFilosofiapelaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais(2006),pós-graduaçãoemFilosofiadaModernidadepelaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais(2008)emestradoemCiênciadaReligiãopelaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais(2010).AtualmenteéprofessoradaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais.E-mail:<[email protected]>.

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through which Lévinas conceives ethical language that is subtracted from objective or ontological discourse thanks to the existence underlying the being. Subsequently, we will analyze the meaning language assumes in the author’s thought and his critique to the onto-theological discourse. Finally, the investigation will demonstrate that Levinasian hermeneutics is ethical, full of opening to the other, filled with solicitude and that the glory of the infinite, in the saying of the prophetic language, can only be glorified in an ethical relation, where man is always led to responsibility by another man: it is in the testimony of prophetic language that God’s significance signifies without ceasing.

Keywords: Language. Religion. Onto-theology. Hermeneutics. Glory of Infinite.

Introdução

O tema que buscamos desenvolver neste artigo, que trata dalinguagem ético-religiosa no pensamento de Emmanuel Lévinas,não se insere nos sistemasdafilosofiada linguagemcomo tem sidodesenvolvidonacontemporaneidade.MesmoporqueLévinasnãopensaa linguagemcomouma investigação acercadanatureza e funçãodalíngua,nemdanaturezadosignificadodenossasexpressõeslinguísticas,oudecomosomoscapazesdenosreferiràscoisas,comotambémdenoscomunicarunscomosoutros.

Veremosque a linguagem, emLévinas,1 para alémdodiscursodatotalidade,éumdizeranterioraodito,dizerquenãoseesgotanaprestaçãodesentidoqueseinscrevecomofábulanodito.Alinguagemdodizer sincero ao outro – do face a face – é significância de umatranscendênciaquevaideumaooutro,aoqualsereferemasmetáforascapazesdesignificaroinfinito.Osentidodemeta-fora,emLévinas,nãodizrespeitoaosimbolismodeumausenteque,atravésdamediaçãodosímbolosefazpresente,mas,meta-foraéminhaexposiçãoemeuexílionapalavra,transcendêncianodizer.“Apalavranãoésímbolodemimmesmo,masomodocomoeuvoualémdosimbolismoedoreinoondeossímbolosfazemojogodofenômeno”.2

O sentido que a linguagem assume na reflexão levinasiana éético.A linguagemético-religiosa – do face a face – é a linguagemporexcelência;elaseproduzcomoensino.Oensinamentoéaprópria 1 Cf.LÉVINAS,Emmanuel.Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger.2 SUSIN,LuizCarlos.O homem messiânico, p. 273.

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maneiracomoaverdadeseproduz;elanãoéobraminha(maiêutica)produzida naminha interioridade.Confirma-se assim amodificaçãodo sentido original da verdade e da estrutura noese-noema da verdade como sentido da intencionalidade.A linguagem do face a face nãocomunica umelo entre sujeito e objeto, diferencia da tematização eda adequação, porque consiste na impossibilidadedo conceito de seapoderardaexterioridade.SegundoFabri,3 no pensamento levinasiano, “alinguagempreservaointerlocutorpelainterpelaçãoepelainvocaçãoe,assimfazendo,impedeasupressãodooutro”.

Opondo-seàmanifestaçãoplásticaoudesvelamento,noqualoob-jetoperdesuaoriginalidadeesuaexistênciadeinédito,Lévinasobservaque,naexpressão, amanifestaçãoeomanifestadopresenciama suaprópriamanifestaçãoe,dessamaneira,permaneceexterioratodaima-gemquedelesereteria.Essamanifestação,quenãoencontranomundonenhumareferência,chama-aRosto.ORostoéolimiardalinguagemético-religiosaqueseopõeaodiscursototalitáriodaontologiaocidental.

Oproblemada linguagemnafilosofia levinasianafazemergiroelemento que norteará toda a questão central da ética deLévinas, asaber:arelaçãofaceafacequesubvertetodaconcepçãodeéticaqueprocededaontologia.Oqueinteressaaessefilósofoépropugnaravisãodohomemprofetaenquantoantagônicaàqueladohomemdodiscursodo saber, proveniente da razão.Ohomemcomoanimal profético seopõeàvisãodeanimalracional.ParaLévinas,nãoéaontologia,masametafísica como afecçãopelo outro que se torna responsável pelaemergênciadohomemcomolinguagemética.Nessasituação,apalavraDeusecoacomsentidonaresponsabilidadepelooutro.Omesmoseabreparaoinfinitoerealizasuaautênticahumanidadeparaalémdaontologiaedodiscursototalitário.

1 Linguagem ética e religião

1.1 Linguagem ética e discurso objetivanteDesde os primeiros escritos levinasianos,4 aparece, de manei-

ra explícita, a preocupação do autor em apresentar a ética como 3 FABRI,Marcelo.Linguagemedesmistificação emLévinas.Síntese –Revista deFilosofia,BeloHorizonte,v.28,n.91,p.245-265,2001,p.252.

4 LermaissobreessetemaemLÉVINAS,Emmanuel.Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger,p.265-288.

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filosofiaprimeira,provenientedalinguagem,queseconstituirelaçãoin-terpelação/mandamentoourespostaobediencial.Nessesentido,aéticanãoseriaumaatenuaçãoinofensivadosparticularismospassionais,in-troduzindoosujeitohumanoemumaordemuniversalereunindotodososseresracionaiscomoideiasnumreinodefins.Aéticaimplicaumain-versãodasubjetividade,abertasobreosseres,subjetividadeemcontatocomumasingularidadequeexcluiaidentificaçãonoideal,atematizaçãoearepresentação,comumasingularidadeabsolutae,comotal,irrepre-sentável.SegundoLévinas,aíresidealinguagemoriginal,fundamentodarelaçãoparaoutro.Omarcoprecisoondeseprocessaamutaçãodointencionalemético,ondeaaproximaçãopenetraaconsciência–épeleerostohumano;nessarelação,ostermosnãosãounidosporumasíntesedoentendimentonempelarelaçãosujeito/objeto.Entretanto,umpesa,importaouésignificanteparaooutro.Aquisãoligadosporumaintrigaqueosabernãopoderiaviraesgotaroudeslindar.

Ainversãodacompreensãodaconsciênciadafilosofiaocidentalpela ideia de uma subjetividade criatural torna-a capaz de falar ouresponderaooutro.Nofaceafaceseinterrompeoeternoretornosobresi.Asubjetividadeécapacitadapelapalavradooutroaser“outrodesi”.Apresençadooutro,irredutívelàcompreensãodomesmo–graçasà especificidade da sua fala comomandamento – instaura a relaçãohumanaporexcelênciaealinguagemética.

AintençãodeLévinasésairdacompreensãotradicionalsobrealinguagem,adotadapelafenomenologia,pararecorreraoaspectoformaldoracionalismocartesianoeaohebraísmo.Opercursoutilizadoporelesegueatrilhaqueoconduzaodizerpré-originário,dasignificaçãoquenãocedeàfuncionalidadedoconceito,mesmoporqueaineficáciadaaçãohumanaensinaaprecariedadedoconceito.

Porém,ofilósofolituanonãopretendeedificarumafilosofiadalin-guagem,nemelaborarummétodohermenêuticoconstruídoapartirdarepresentação,masapresentarumahermenêuticadosentido.Paratanto,eleirápartirdadesconstruçãodosentidocomofoipensadopelatradi-ção,eapontarparaohorizontedamanifestaçãoepifânicacomolugardosentidoporexcelência.EmTotalidade e infinito,nãorealizapontual- menteseuprojeto,apesardeencontrar-seaíoesboçodesuaintenção.

[...]o sernão secolocaà luzdeumoutro,masapresenta-seelepróprionamanifestaçãoquedeveapenasanunciá-lo,estápresentecomoquemdirigeessamesmamanifestação.[...]Amanifestaçãodo rosto é já discurso. [...]Odiscurso não é simplesmente uma

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modificação da intuição (ou do pensamento), mas uma relaçãooriginalcomoserexterior.[...]Eleésimaproduçãodosentido.[...]–eoensinonãosereduzàintuiçãosensívelouintelectual,queéopensamentodoMesmo.5

Para Lévinas,6 omodo como o rosto se apresenta traz ajuda asipróprio–oumelhor–apresenta-sepor simesmosem referir-seaqualquerposição;dispensaocontextoeosistemacomofundadoresdosentido.Darumsentidoàsuapresençaéumacontecimentoirredutívelàexistênciaenãoentranumaintuiçãointelectualpropostapelateoriacomo fonte significativa.O sentido que o rosto exprime promove aexterioridadecomoexcelênciadesignificação.Percebe-sequeLévinasdáaseupensamentoumadimensãohermenêuticaqueseestendemuitoalémdaracionalidadetradicional.

Suacríticaaodiscursouniversaldarazãoépertinente,umavezqueessetipodediscursoéuno,nãopossuialteridade.Lévinasseindagacomopodearazãoserumeuouumoutro,seseupróprioserconsisteemrenunciaràsingularidade.Aconstruçãofilosóficaocidentaldesembocouemduasviasaqueoautorvisasuperar:areduçãodooutroaomesmoea redução do mesmo a uma relação interpessoal numa ordem universal. Umpensamentouniversaldispensaacomunicação.Arazãoquefalanaprimeirapessoanãosedirigeaooutro,mantémummonólogo.Dessemodo,segundoLévinas,arazão

[...]não teriaacessoàpersonalidadeverdadeira,sóencontrariaasoberaniacaracterísticadapessoaautônomatornando-seuniversal.Os pensadores separados só se tornam razoáveis namedida emqueos seusatospessoais eparticularesdepensarfiguramcomomomentosdessediscursoúnicoeuniversal.Sóhaveria razãonoindivíduo pensante na medida em que ele mesmo entrasse noseu próprio discurso onde, no sentido etimológico do termo, opensamentocompreenderiaopensador,englobá-lo-ia.7

EmLévinas,8osentidoquealinguagemassumeéoutro,poisfazerdopensadorummomentodopensamentolimitaafunçãoreveladoradalinguagemàsuacoerência,àcoerênciadosconceitos.Nessesentido, 5 LÉVINAS,Emmanuel.Totalidade e infinito,p.53.6 Ibidem,p.53.7 Ibidem,p.99.8 Ibidem,p.59.

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afunçãodalinguagemconsistiriaemsuprimirooutroquerompeessacoerênciae,nesseaspecto,essencialmenteirracional.Ora,alinguagem,nopensamentodesseautor,constituiumarelaçãoentretermosseparadosquenãosereduzemaumpensamentosinóptico,àconduçãodostermosaouniversal.AquiseestabeleceumadiferençaentreLévinaseHegel.SegundooautordaFenomenologia do Espírito, à linguagemcabeopapeldeenunciaroeu,conduzindo-oàsuaexpressãonouniversal.Oeu,queéesteEu-aqui,éomesmoeuuniversal.SuamanifestaçãoéaalienaçãoeadesapariçãodesteEu-aqui;enfim,ésuapermanêncianasuauniversalidade.Nopensamentohegeliano,háumaespéciedesacrifíciodoeuedasingularidadeemfavordasubstânciauniversal.Nestafilosofia,háumprimadodarelaçãoedamediação–meiouniversalquesustémoindivíduo–capazdelevarosindivíduosaumaesferacomumquesetornaráverdadeefetivadaemumpovolivre.9

Para Lévinas, a linguagem não supõe a universalidade e ageneralidade,apenastornaambaspossíveis.Elasupõeumapluralidadede interlocutoresquenãoseunemnumaesferacomum;pois,“oseucomércionãoéarepresentaçãodeumpelooutro,nemumaparticipaçãonauniversalidade,noplanocomumdalinguagem.Oseucomércio,di-lo-emosdesdejá,éético”.10

Narelaçãofaceaface,arazãoadquiresuarazãodeserapartirdefora,pelaviadalinguagem.Alinguagemnãosepõeaserviçodarazão,maséoprincípiodarazão,princípioquenãoequivaleafundamentoouarqué.Apalavraquevemdooutroéoprimeiroprincípio,émandamentoeprincípioà razão.Asconsequênciasdapalavra/mandamento fazemexplodirarazãoquesequeriapensamentoeordemuniversal,doadoraúltimadosentido.SegundoLévinas,11“háaíentremimeooutroumarelaçãoqueestáparaalémdaretórica”.

Entretanto,acríticaquenossofilósofofazàuniversalidadedarazãonão significaodesprezoda razãonemaquedano irracionalismo.Osentidoeasensatezdeumarazãosensatanãoprovêmdelamesma,masantes,dasignificaçãoqueapalavradooutroporta.Ametáforadaluz,sugeridaporLévinas,confereumnovolugaràrazão.Aluzqueprovémdooutrorompendooolho–maisnomenos–excedealuzdaminharazão, alémdeprovocar adefecçãoda solidãoda razão, aprisionada 9 LÉVINAS,Emmanuel.Ética e dessacralização, p. 93.10 Ibidem,p.60.11 Ibidem,p.57.

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nasuaidentidadesublimadaemuniversal.12Tambéminvestearazão,porquedoaluzàsualuz,despertando-aparaauniversalidadequeseconstituinamultiplicidadeenapaz.VemosemLévinasqueapalavra/mandamentoregulaopensamentoearazão.Paranossofilósofo,

[...]A palavra, melhor que um simples sinal, é essencialmentemagistral. Ensina primeiro que tudo esse mesmo ensinamento,graçasaoqualelapodeapenasensinar(enão,comoamaiêutica,despertaemmim)coisase ideias.Asideias instruem-meapartirdomestrequemasapresenta:queaspõeemcausa;aobjetivaçãoeotema,aqueoconhecimentoobjetivotemacesso,assentamnoensino.13

A palavra como implicação do rosto, como presença daexterioridade,constitui,desdejá,ensinoeorientação.Orostoquemevisita é inteiramente palavra – questionamento emandamento.Mas,segundo Lévinas, o pôr em questão as coisas num diálogo não é amodificaçãodasuapercepção,mascoincidecomasuaobjetivação,poisa“objetividade”queprocuraoconhecimentoplenamenteconhecimentorealiza-separaalémdaobjetividadedoobjeto.Aquelequeseapresentaindependentede todoomovimento subjetivoéo interlocutor; sóeleé termo de uma experiência pura em que outrem entra em relação,permanecendo emboraKath’autó; ele se exprime semque tenhamosdeodesvelarapartirdeumpontodevista,ouauma luzpedidadeempréstimo.ParaLévinas, a revelação, em relação ao conhecimentoobjetivante, constitui umaverdadeira inversão.Apretensãode saberedeatingirooutrorealiza-senarelaçãocomoutrem,quese insinuanarelaçãodalinguagem,cujoelementofundamentaléainterpelação,ovocativo.Oinvocadonãoéoqueeucompreendo,nãoestásobumacategoria;aobjetivaçãoeo tema,aqueoconhecimento temacesso,assentamjánoensino.Segundoofilósofolituano,

[...]Omestre–coincidênciadoensinoedoqueensina–nãoéumfatoqualquer,porseutermo.Opresentedamanifestaçãodomestrequeensinasobrepujaaanarquiadofato.

12 EmTotalidade e infinito,Lévinas (p. 53) explica: “Assimcontrariamente a todasascondiçõesdavisibilidadedeobjetos,osernãosecolocaàluzdeumoutro,masapresenta-seelepróprionamanifestaçãoquedeveapenasanunciá-lo,estápresentecomoquemdirigeessamesmamanifestação–presenteantesdamanifestaçãoquesomenteomanifesta”.

13 Ibidem, p. 96.

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Alinguagemnoscondicionaàconsciênciasobopretextodeforneceràconsciênciadesiumaencarnaçãonumaobraobjetivaqueseriaalinguagem,comodesejariamoshegelianos.Aexterioridadequea linguagemdesenha– relação comoutrem–não se assemelhaà exterioridade de umaobra, porque a exterioridade objetiva daobra situa-se já nomundo instaurado pela linguagem, isto é, atranscendência.14

EmLévinas, a relaçãoda linguagem supõe a transcendência, aseparaçãoradical,aestranhezadosinterlocutores,15 a revelação do outro amim.Nessesentido,alinguagemfalaondefaltaacomunidadeentreostermosdarelação,coloca-senestatranscendência.EleobservaqueemHeideggeracoexistênciaécolocadacomoumarelaçãocomoutrem,irredutível ao conhecimentoobjetivo; entretanto, assenta tambémnarelaçãocomoseremgeralnacompreensãoontológica.

[...]Heideggercolocadeantemãoofundodosercomohorizonteondesurgetodooentecomoseohorizonteeaideiadelimitequeeleinclui,equeépeculiardavisão,fossematramaúltimadarelação.Além disso, emHeidegger, a intersubjetividade é coexistência,um nós anterior ao Eu e ao outro, uma intersubjetividade neutra16.

Segundo Fabri,17 em Heidegger a linguagem, através do pen- samento,trazsempredevoltaoMesmo,melhordizendo,pensarétrazeràlinguagem,sempreenovamente,esteadventodoserquepermaneceenasuapermanênciaesperapelohomem.Otranscendenteporexcelênciaéoser.Sóeleultrapassaasimesmo.ParaHeidegger,estatranscendêncianãobuscaumalémseelevandoatéaooutro,masrefluinelamesmaeemsuaprópriaverdade.

ParaLévinas,nacompreensãoontológicaounoreinodoser,nãohátranscendência.Deacordocomele,arealizaçãodatranscendênciapode ser pensada como linguagemque rompeo envolvimentonumaparticipaçãocoletiva–totalidade–enojogodomesmo.

14 LÉVINAS,Emmanuel.Totalidade e infinito,p.56-57.15 ParaLévinas (Totalidade e infinito,p.60): “[...] sóoabsolutamenteestranhonospode instruir. Só o homemme pode ser absolutamente estranho – refractário atoda tipologia, a todogênero, a toda caracterologia, a toda classificação– e, porconsequênciatermodeumconhecimento”quepenetreenfimparaalémdoobjeto.

16 LÉVINAS,Emmanuel.Totalidade e infinito,p.55.17 FABRI,Marcelo.Ética e dessacralização,p.98.

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EmDe Deus que vem à ideia, ofilósofo, ao tratar do tema “Odiálogo da Imanência”, aponta tambémHusserl como um dos seusrepresentantes:

[...]Na fenomenologiahusserliana–apesardaespontaneidade–criadoraconferidaaoEgotranscendental–osmodosdoconhecimentosãocomandados–teleologiadaconsciência–essencialmentepeloseraoqualoconhecimentoacede.Oespíritoéaordemdascoisas– ou as coisas em ordem – de que o pensamento pensante nãoseriasenãoorecolhimentoeoordenamento.Apossibilidadeouaesperançaqueoeupensoteriadenãomaissepôrparasiemfacedopensável,deapegar-sediantedo inteligível, seria suaprópriainteligência,suaracionalidade,suaúltimainteriorização.18

Paraofilósofolituano,19aíseencontraoacordoeunidadedosabernaverdade.Segundoele,aestaunidadedoeupensosãoreconduzidastodas as coisas, constituindo um sistema. O pensamento recorre àspalavras,masestassãosósignosqueopensamentosedáasimesmo,semfalaraquemquerqueseja.Aideiadequenãohápensamentosemlinguagemsignificaanecessidadedeumdiscursointerior.Háumacisãonopensamentoparaseinterrogareseresponder,masofioseretoma.Areflexãoésobresimesmo,aprogressãoespontâneaéinterrompida,masprocedeaindadomesmoeupenso.Trata-sedodiálogodaalmaconsigomesma, como na definição de Platão sobre o pensamento.20 Nessaperspectiva,onascimentodalinguagempoderiaestarnosaber.Osaberemqueopensamentosemostraépensamentopensandoasaciedade,sempreaseunível.DeacordocomLévinas,alinguagemsugereumarelaçãoentrepensadoresparaalémdoconteúdorepresentado,igualaelemesmoeassimimanente.Porém,oracionalismodosaberinterpretaessa alteridade como reencontro dos interlocutores noMesmo.Paranossofilósofo,égraçasàfilosofiadodiálogoeseusrepresentantes–GabrielMarcel,BubereFranzRosenzweig–quesepodepensarumadimensãocompletamentediferentedesentidoqueseabrenalinguagem.Elespensaramarelaçãocomoutremcomoirredutívelaoconhecimentoobjetivo.Arelaçãointer-humanaeasocialidadeorigináriaproduzem-se no diálogo.A linguagem teria uma significação por si mesma econstituiriaumaautenticidadeespiritualprópria.Issoporque

18 LÉVINAS,Emmanuel.De Deus que vem à ideia,p.188-189.19 Ibidem,p.187-188.20 Ibidem,p.189.

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[...]Asocialidadequealinguagemestabeleceentreasalmasnãoéacompensaçãodeumaunidadedepensamentoqueteriasidoperdidaoufalida.Bemaocontrário,paraalémdasuficiênciadoser-para-sioutrapossibilidadesemostranohumanoquenãosemedepelaperfeiçãodaconsciência-de-si.21

Lévinasreconheceaimportânciadafilosofiadodiálogo,mesmoporque,algumasnoçõescentraisdaéticalevinasianaforamcunhadasnocontatocomopensamentodessesfilósofosepodemseridentificadasno desenvolvimento de sua obra. Essa filosofia orienta-se para umconceitodoéticoqueseseparadatradição,“aqualfaziaderivaroéticodoconhecimentoedarazãocomofaculdadedouniversalevianelaumacamadasuperpostaaoser”.22

Entretanto,oquesepercebenodecorrerdosseusescritoséumdistanciamento entre eles, devido à maneira como os filósofos dodiálogoconceberamarelaçãocomooutro.EmBuber,arelaçãofaceafacereduz-seaumjogodereflexosemumespelhoeasimplesrelaçõesópticas.23Destaforma,arelaçãoesvazia-sedesuaheteronomia,desuatranscendência de as-sociação.SegundoLévinas, háumadissimetrianarelação,contráriaàreciprocidadeemqueinsisteBuber.AéticaparaLévinas,pensadacomorelaçãometafísica,éaquelaqueseestabeleceentredoisseresabsolutamenteseparados,nesse tipoderelaçãoentreoeueooutronãoháreciprocidade.Percebe-seaquiumaintrigaéticaentreoeueooutro,intrigadosercompletamenterealizadoesatisfeito,quenãonecessitadooutroparasecompletar,masquesedirigeaooutrocomorealtranscendência.

Graçasàexterioridadeirredutível,àtotalidadedosaber,mantidaporessarelaçãoeu-rosto–torna-sepossívelumarelaçãocomooutrona formada ideia do infinito comodesejo que se retira de qualquersatisfaçãodomesmo.Essarelaçãocomooutroérelaçãocomseurosto,queélinguagem,ousuaprópriaexpressão,emqueodesejoédesejodooutrocomobemedafelicidadecomolinguagem.Ooutro,aodirigirapalavradoseurosto,obriga-measerresponsávelporelenapalavra.

Em Lévinas,24 o discurso instaura a significação.A linguagemcondicionaofuncionamentodopensamentoracional:

21 LÉVINAS,Emmanuel.De Deus que vem à ideia, p. 193.22 Ibidem,p.200.23 Ibidem,p.201.24 Idem,Totalidade e infinito,p.183.

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[...]dá-lheumcomeçonoser,umaprimeiraidentidadedesignificaçãono rosto de quem fala, isto é, que se apresenta desfazendo semcessaroequívocodasuaprópriaimagem,dosseussignosverbais.A linguagemcondicionao pensamento: não a linguagemna suamaterialidade física,mas como atitude doMesmo em relação aoutrem, irredutível à representaçãode outrem, irredutível a umaconsciênciade...,poisserefereaoinfinitodeoutrem.

1.2 Linguagem e significaçãoParanossofilósofo,odiscursoéumasignificaçãoaoinfinito,uma

obrigaçãoeumaobediênciaaoinfinito.Elerompecontinuamente,comonaincontinênciadodesejo,ascamadasdaimanência:aideiadoinfinitonaconsciênciaéumtransbordamentodessaconsciência,“cujaencarna-çãooferecepoderesnovosaumaalmaquejánãoéparalítica,poderesdeacolhimento,dedom,demãoscheiasdehospitalidade”.25Elecontestaoverbalismoquedesembocanoprimadoincontestáveldopensamentoracionalantesdaexpressãodes-dizendoeapresentando-senumdizersemprenovo.Alinguagemrompeacontinuidadedoseroudahistória.

Asignificaçãodapalavra,comoprincípio,emLévinasnãoéumprincípiointegradoaosistemadoqualseriaaparteprincipal.Apalavra26 propõeomundoe,noentanto,permanecealémdele,ligadaaofaceaface anterior ao princípio.É ela que efetua essa relação, é princípioentrepessoas, revelaçãoe sinceridadesemaespessuradomundodalinguagemedacultura,coincidindoofalareofalante,sódessemodoprincípioparaalémdofundamento.Apalavrareveladoradofaceafacedespertaparaaresponsabilidade.ConformeSusin,odiscursometafísicodofaceaface

[...]équeproduzeacolheasignificaçãoacimadoser,olugaremqueeupossoreceberajustificativaqueahistórianãopoderealizar:possodesfazerosmal-entendidoscriadospelafenomenalidadedaobraepassarassimdaconfusãofenomênicaàverdadedomeuser.Aexpressãosinceramelibertadecontextos,deobrasedeposses.Re-tornandoàretidãofaceaface,aexpressãoéosurplusquepodejul-garahistóriaaoinvésdeser-lheumsintomaouefeitoouastúcia.27

25 Totalidade e infinito,p.183.26 EmTotalidade e infinito,Lévinas(p.184)explicaqueHusserlsubordinouapalavraà razão. “A palavra é janela: se estabelece uma cortina, há que rejeitá-la. EmHeidegger,apalavraesperantistadeHusserlganhaacoreopesodeumarealidadehistórica.Masmantém-seligadoaoprocessodacompreensão”.

27SUSIN,LuizCarlos.O homem messiânico, p. 273.

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Na reflexãodeSusin, a linguagemdodizer ao outro cumpre aaspiraçãofundamentaldahermenêuticacomomovimentoaoalém.Osentido eminente da etimologia meta-fora, implicadabasicamentenahermenêutica,nãoésimbolismodumausenteque,pelamediaçãodosímbolo,faz-sepresente.Metáforaémeuexílionapalavra,surplusetranscendêncianodizer,ondeapalavranãoésímbolodemimmesmo,masomodocomoeuvoualémdosimbolismo.

Em Humanismo do outro homem, onde Lévinas propõe umahermenêuticadosentido,asignificaçãoéumamanifestaçãoquesedásem intermediário, na imediatezda relação face a face.TambémemTotalidade e infinito,elequestiona:“[...]amediaçãodosignoconstituiráa significação por que introduziria numa representação objetiva eestáticaomovimentodarelaçãosimbólica?”28Ora,éelemesmoquemrespondequenãoéamediaçãodosignoquefazasignificação,maséasignificaçãoquetornapossívelafunçãodosigno.Orostonãoéumamediação.Eleépuraimediatez.Presentenestaideiaestáaresistênciaéticadasignificação,quenãoéprodutodeumaexperiênciasensitivaoupsicológica,masdeumarelação.Ascoisasganhamsentido,nãoapartirdeumaconsciênciatranscendentalconstituinte,masnointeriordeumarelaçãoentreomesmoeascoisas.SegundoLévinas,29“asignificaçãonãopodeserinventariadanointeriordeumpensamento”.

Lévinasadmite,emTotalidade e infinito,30 que o sentido dado pelo sujeitotemumcarátersubjetivo,maséencarnado.Asignificaçãoéoinfinito,istoé,outremquenãosedeixaabarcarouintegrarnumatotalidade.É na fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty que Lévinasfundamentaaconcepçãodesubjetividadeencarnada.EmHumanismo do outro homem,eleexplicaque“éevidente,porconsequência,quealinguagempelaqualasignificaçãoseproduznoseréumalinguagemfaladaporespíritosencarnados.[...]Ocorpoéumsensorsentido–eisaí,segundoMerleau-Ponty,suagrandemaravilha”.31

Ofilósofolituanoelogiaoautoracimacitado,pelofatode,melhorqueoutros, termostradoqueopensamentodesencarnado,quepensaa palavra antes de a proferir, “o pensamento que constitui omundoda palavra, associando-a ao mundo – previamente constituído de

28 LÉVINAS,Emmanuel.Totalidade e infinito,p.184-185.29 Idem.Humanismo do outro homem, p. 29.30 Totalidade e infinito,p.185.31 Humanismo do outro homem, p. 30.

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significações,numaoperaçãotranscendental–eraummito”.32Porém,suacríticavainosentidodequeasignificaçãorecebidadalinguagemencarnada não deixa de permanecer em toda esta concepção/objetointencional.Aconsciênciaconstituinterecuperatodososseusdireitos,apósamediaçãodocorpoquefalaouescreve.SegundoLévinas,33 a essênciaoriginaldalinguagemnãoseencontranaoperaçãocorporalqueadesvendaamimeaosoutroseque,norecursodalinguagem,edificaumpensamento,masnaapresentaçãodosentido.Osentidoéorostodeoutremetodoorecursoàpalavrasecolocajánointeriordofaceaface,original da linguagem.

Osentido se encontra numa relação comalgo anterior a ele, atranscendência,aprópriasignificaçãoqueguiaaeconomiadossentidos.“Asignificaçãoprecedeosdadoseosclareia”.34Nopensamentomo- dernoecontemporâneo,osujeitoapreendeosdadosnaofertae lhesdoa sentido apartir da iluminaçãoda razão.EmLévinas, osobjetossignificamapartirdalinguagem,enãoalinguagemapartirdaofertadosobjetosaopensamento.Husserl,mesmocontrárioàadequaçãoentreres extensa e res cogitans não consegue avançar alémda correlaçãosujeito-objeto.Lévinas,aoconsideraraprecedênciadasignificaçãoemrelaçãoaosdadoseaodito,conseguesairdacorrelaçãohusserlianaedoassenhoramentodaguardaedoserheideggeriano.ParaHusserleHeidegger,oserqueiluminaosdadoséomesmoquedáosentidoatodasascoisas.ParaLévinas,oacessoaosentidoéaprópriasignificação;osentidonãoéocorrelato,nemoadequadoaopensamento.Eleinstauraainstantaneidadeoucontemporaneidadeentreamanifestaçãododadoeoseuentendimento.“DiríamosqueesteéofundodaquestãododizeraDeus,doinfinitoemnós,quenoslevaaumacrençaquejáfoicriada,geradanomesmocontextoexistencial-transcendentaldosujeito”.35

SegundoMelo,36éporissoqueLévinasinsisteemafirmarqueodizersurgenoinstantedosujeito,eapalavra,longedeserumfim,éumcommencementdeser,ambivalênciaeambiguidade.

Lévinasinsistenaanterioridademetafísicadasignificação,pois,paraele,osentidoéanterioraossignosparticularesdasculturasedafixação de significações estabelecidas pelomundo da técnica e das

32 Totalidade e infinito,p.184.33 Idem,p.185.34 Humanismo do outro homem,p.25.35 MELO,NélioVieiradeA ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 133.36 A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas.

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ciências,emvistadasnecessidadesdoshomens.37Énecessáriodescobriroserparaalémdoser,nanudezdorostodooutro.Nessesentido,segueareflexãodofilósofo:amanifestaçãoepifânicadooutrocomportaumasignificaçãoprópria,independentedasignificaçãorecebidadomundo.Enquantoofenômenoéimagem,manifestaçãocativadesuaformaplás-ticaemuda,aepifaniadorostoéviva,évisitaçãoquenãoimplicaodesvelamentodeummundo.Naconcretudedomundo,orostoéabstratoenu,abstraçãoabsolutaenãointegradaaomundo.Suamanifestaçãoéum surplussobreaparalisiainevitáveldamanifestaçãofenomenológica.

EmconcordânciacomLévinas,pode-seafirmarqueasignificânciado rosto, suaabstração,no sentido literaldo termo,éextraordinária,exterioratodaordem,atodomundo.Suapresençasignificaumaordemirrecusável,ummandamento,umquestionamentodaconsciênciaqueretornatriunfanteasimesmapararepousarsobresi.“Oabsolutamenteoutronãoserefletenaconsciência”.38Suaresistênciavaiatéopontodenãoseconverteremconteúdodaconsciência.Nesseaspecto,avisitaçãoconsisteemdesordenaroegoísmodoeu(moi).Orostodesconcertaoatodevisar.Apartirdaí,oeu(moi)éintegralmenteresponsabilidadeoudiaconia.Aresponsabilidadeesvaziaoeu(moi) de seu imperialismo e de seuegoísmo,oquenãootransformaemmomentodaordemuniversal,masconfirmaaunicidadedoEu(moi).Asuaunicidadeéofatodequeninguémpoderesponderemseulugar.Nessesentido,eleseidentificacomamoralidade.

É o outro que provoca o movimento ético na consciência edesordena a boa consciência da coincidência do mesmo consigopróprio;elecomportaumexcessoinadequadoàintencionalidade.Istoé desejoou ideia do infinito.O eu (moi), em relação aoo infinito éumaimpossibilidadededetersuamarchaparafrente,énãotertempopara volver sobre si, não poder furtar-se à responsabilidade. É narelaçãoéticaquesedelineiaa retidãodeumaorientaçãoousentido,quesedefineporumarelaçãodeproximidade–contatoinconvertívelemestruturanoética-noemática,ondejáseinstalatodaatransmissãodemensagens,equeéalinguagem.Opróximoéaquelequetemumsentidoantesdelhoconferirmos.Alinguageméticairrompedoprópriosentidodaaproximaçãoquesedestacadosaber.39Éocaráteréticodessa 37 MELO,NélioVieirade A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 134.38 LÉVINAS,Emmanuel.Humanismo do outro homem,p.52.39 Idem.Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger,p.286.

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proximidadecomopróximo,quepermitepensarDeusquevemàideiasemserreduzidoaoconceito.Emumadesuasobrasdoterceiroperíodo,Lévinasatestaqueé,

[...]napalavraendereçadaaooutrohomem,naéticadoacolhimento,o primeiro serviço religioso, a primeira oração, a primeira liturgia, religiãoapartirdaqualDeuspoderiaviraoespíritoeapalavraDeusterfeitosuaentradanalinguagemenaboafilosofia.40

No pensamento ético do autor, a relação não recíproca e nãosimétricaquese instaura juntoaopróximoéo lugarprivilegiadoemqueDeuspodeseaproximarsemsertematizado.Suafilosofiaéumaoposiçãoàontologiacomoúltimapalavra.Elanãosefirmasobreosconceitos,mas na pergunta, no aquéme alémdo ser, diante da vozqueecoanorostodooutro.EssaéacircunstânciaemqueDeusteriafalado.

1.3 Crítica ao discurso onto-teológicoParece-nosnecessárioressaltarque,nopensamentolevinasiano,é

sóemtermosderelaçãocomoutremqueeufalodeDeus.Issoporquetudooquepodereidizerdelevirádeumasituaçãoderesponsabilidade,queéreligiosa,enaqualoeunãopodeiludi-lo.ConformeLévinas,aideiaabstratadeDeuséumaideiaquenãopodeiluminarumasituaçãohumana.Antes,éo inversoqueéverdadeiro.OdiscursosobreDeussósefazpossívelapartirdessasituação.Suaintençãoéultrapassarasabordagensfilosóficas e teológicas deDeus, através da relação éticaqueprecedeessesdiscursos, submetendoàprovaasverdadesqueseautoproclamamfundantes.Elequermostraraimpossibilidadedodiscursoonto-teológico.EmLévinas,Deusnãoétratadocomoumproblemaaserdemonstrado,conceituadoapartirdecategoriasfilosóficasenemteológicas.Deusétranscendenteesuatranscendênciaéinassimilável,irremissível,é,antes,enigmática.Daíaimpossibilidadedeencerrá-lonumditoounasestruturasdaconsciênciadomesmo.

Masodiscursofilosóficoocidentalsemprereivindicouparasiodireitoàamplidãodeumenglobamentooudeumacompreensãoúltima.Nãoédeseestranharqueateologiaracionaltenhasempreaceitadoessavassalagem.ParaLévinas,emDe Deus que vem à ideia,

40 LÉVINAS,Emmanuel.De Deus que vem à ideia, p. 202.

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Essadignidadedeúltimoerealdiscursocabeàfilosofiaocidentalemvirtudedacoincidênciarigorosaentreopensamentoemqueafilosofiasemantémeaideiadarealidadeemqueestepensamentopensa.Paraopensamento,estacoincidênciasignifica:nãoterdepensaralémdaquiloquepertenceà“gestadeser”.[...].Paraoserdoreal,estacoincidênciasignifica:aclararopensamentoeopensadomostrando-se. Mostrar-se, aclarar-se significa precisamente terumsentido,terainteligibilidadeporexcelência,subjacenteatodamodificaçãodesentido.41

Nessaperspectiva,odiscursofilosóficopodeabrangerDeus–oDeusbíblico–seDeustemumsentido.Mas,aosertematizado,Deussesituaimediatamentenointeriorda“gestadeser”,torna-seenteporexcelência.Ateologiaracional,radicalmenteontológica,aotematizarDeus,oconduznocursodoser.ParaLévinas,nadaseopõemenosàontologiaqueaopiniãodafé.

ApropostadeLévinastratadeumaracionalidadediferentedaquesefirmoudeAristótelesaHeidegger,naqualateologiasecaracterizapelopensamentodaidentidadeedoser.EmescritosposterioresàTotalidade e Infinito e Autrement qu’être,elefaráumareleituradodiscursoquedáacessoaDeusapartirdaprimaziadaética,mesmoporquearelaçãocomadivindadedetermina-sepelaextensãodesta.Logo,areligiãoestrutura-secomoomododeviveratradiçãobíblico-talmúdica,narelaçãoéticacomooutro.Suareflexãoestáfundadaemduasgrandes tradições:ahebraicaeatradiçãofilosóficaocidental.NoseutextoQuatro leituras talmúdicas,eleafirmaque

[...]Aexperiênciareligiosanãopode–aomenosparaoTalmude–deixardeserumaexperiênciamoral.Minhapreocupaçãoconsistiráemmanter-mesobretudonesseplanomoral.[...]Podemos,então,abordarcomousadiaestetextoreligiosoque,noentanto,sepresta,deumamaneiratãomaravilhosamentenatural,àlinguagemfilosófica.Elenãoédogmático,elevivedediscussõesecolóquios.Oteológicorecebeaquiumsignificadomoraldenotáveluniversalidadenoqualsereconhecearazão.Decididamente,trata-se,nojudaísmo,deumareligião de adultos.42

Sua intenção é deixar-se conduzir pelo dizer, pela significaçãooriginária,masfalandoemgrego,sem,noentanto,renunciaràquiloque 41 LÉVINAS,Emmanuel.De Deus que vem à ideia,p.86.42 Idem.Quatro leituras talmúdicas, p. 34.

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éalémdosconfinsdarepresentaçãoconceitual.Eleacreditanumafusãoentreféerazão.Melhordizendo,elequerrevelaràfilosofiaumaoutrafacedaspossibilidadesdarazão,queseconstituiapartirdarelaçãofaceaface,naqualnãoháassimilaçãonemdominaçãodeumatradiçãosobreaoutra,masrelaçãoética.AinteligibilidadedareligiãoéentendidaporLévinascomorelaçãoentreoseraquiembaixoeosertranscendente,sem nenhum englobamento, ou comunidade de conceito.43 Ele estáconvencidodequeojudaísmoéatradiçãoqueseafirmacomoavidaespiritualquesemantémabertaàlinguagemeàrazãodohumanoentreoshomens,diferentedoqueseriaarelaçãotranscendentedocristianismo.44 Ojudaísmoéatradiçãoreligiosadapalavranaqualooutrointerpelaoeu,apalavraéleierevelação.Aqui,overdadeiroDeusvive,earelaçãoDeus-homemganhaumanovainteligibilidadeesentido.Ojudaísmoéinstânciaética.

Paraofilósofolituano,éimpossívelencerrarDeusnumrepousoconceitual,limitadoaodito,eenquadrá-lonasestruturasdaconsciênciadoMesmo.LévinasiráfazerdeHeideggerseuprincipalinterlocutordeformacrítica.Paraele,aimportânciadafilosofiaheideggerianaresidenofatodequeelaapontaparaapossibilidadedesairdaepocalidade45 deumfundamentoqueseencontranaonto-teologiaoumetafísicaedarumpassoatrás,buscandoo fundamentonoserdoente.46Heidegger,medianteadiferençaontológica,apontaacorrelaçãonecessáriaentreo ser e a inteligência do ser. Coloca em questão o pensamento dofundamento,oudametafísicamoderna,devolvendoàfinitudeoestatuto 43 ParaPivatto(AquestãodeDeusnopensamentodeLévinas.In.OLIVEIRA,ManfredoA.de.;ALMEIDA,Custódio(orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petró- polis:Vozes,2003,p.179):“A tentativadeLévinaspodeservistacomooriginalsobdois pontos de vista: por tomar como fonte de inspiração textos daBíblia esuatradiçãotalmúdicaaoladodatradiçãofilosófica,devertentegregaeprocurarumasínteseentreestasduasgrandestradições;eportraduzirarelaçãoreligiosaàconcreçãodeordemética,tornando-seestaaúnicaformadereligiãoporeleaceita,dignatantodeDeuscomodohomem”.

44 ConformeRibeiro Junior (RIBEIRO JUNIOR,Nilo.Sabedoria de amar, p. 90), Lévinas“distancia-sedaconcepçãodecristianismo,frutoda‘relaçãodiretacomumdeusabstratoqueabstraiasrelaçõessociais’”.

45 Em Heidegger, o tema do caráter onto-teo-lógico da metafísica vai a par dacaracterizaçãodeumacertaépoca.Épocanãosignificaaquiumespaçodetempo,masumcertomododeosersemostrar.Éemfunçãodeste“certomodo”queotemposedivideeahistóriadecorre.Aépocadequeaquisetrata(aépocaonto-teo-lógica) compreendetodaafilosofia(LÉVINAS,Emmanuel.Deus, a morte e o tempo,p.135).

46 MELO,NélioVieirade.A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 123.

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mesmodatranscendência.Naobra,Deus, a morte e o tempo,Lévinasexplicaque,

ParaHeidegger,acompreensãodoSernasuaverdadefoiimedia-tamenterecobertapelasuafunçãodefundaçãouniversaldosentesporumentesupremo,porumfundador,porDeus.Opensamentodoser,osernasuaverdade,torna-sesaberoucompreensãodeDeus:teo-logia.Afilosofiaeuropeiadosertorna-seteologia.47

NainterpretaçãodeLévinas,emHeidegger,anoçãodefundamentodosentes,atravésdeentes,caracterizaametafísica,istoé,aépocadafilosofiaemqueofundamentodoseréelemesmoente,emqueoseréentendidoemjeitodeente,emqueadiferençaontológicaéesquecida.48 Nesses aspectos, ambos concordamqueDeus nãopode ser dito nascategoriasdeseroudeente.Mas,segundoLévinas,aontologiapensaDeuscomoenteepensaoserapartirdesteentesuperior.49Jáa teseheideggerianadefendequeoserseencontranaorigemdetodoosentido;tudooque temsentidoadvémdacompreensãodoser.Oqueresultadessepensamentoéquenãosepodepensarparaalémdoser.

NãoobstanteLévinasconcordarcomalgumastesesdeHeidegger– uma delas é que a ontologia não é um discurso apropriado paratrataraquestãodeDeus–nãohánoseupensamentoapreocupaçãocomo conceitodeDeus.Deus escapa a toda tematização.Deusnãoconstituiumproblemanasuareflexão,emvirtudedasuaféhebraica.Por isso,Lévinasprefere silenciar-sequantoaumanoçãoconceitualdeDeus.Entretanto,oseusilênciodiferedodeHeidegger,paraoqualoproblemadaexistênciadeDeus,edasquestõesqueafilosofiaeateologiadesenvolveramaoseuredor,nãoconstituialgodemuitorelevo.HeideggerpreferepensarDeusnaperspectivadadiferençaontológica.SegundoRibeiroJunior,

[...]dadoqueHeidegger,parasalvaguardaradiferençaontológica,refere-se ao ôntico depreciando-o, sujeitando-o à existência eatribuindo-lhe as condições ontológicas do existente, Lévinasacabarácriticandoa fenomenologiaexistencial.Seuolharcríticomira,sobretudo,oimpactoqueoesquecimentodoantropológicoexercenamaneiracomoHeideggertrataofenômenoreligioso.50

47 LÉVINAS,Emmanuel.Deus, a morte e o tempo, p.137.48 VerSereSentidoem Deus, a morte e o tempo, p. 140.49 PIVATTO,PIVATTO,PergentinoS.AquestãodeDeusnopensamentodeLévinas.In:OLIVEIRA,ManfredoA.de;ALMEIDA,Custódio(orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.180.

50 RIBEIROJUNIOR,Nilo.Sabedoria de amar, p. 97.

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O objetivo de Lévinas é outro. Ele quer chegar ao autrement, aoqueestá alémda imanência, ao irrepresentável, aoabsolutamentetranscendente.51Paraele,“separarDeusdaonto-teo-logiaéconceberdenovasmaneirasanoçãodesentido”.52ElepõeemquestãoaideiadeDeusquetemumfundoontognosiológico,enãoaceitaateologiacomoconhecimentodoabsolutamenteoutro.ÉaéticacomoaóticaqueabreoacessoaoDeusinvisível.“ODeusinvisívelnãosedevecompreendercomoDeusinvisívelaossentidos,mascomoDeusnãotematizávelaopensamento”.53Eleéacessívelsomentenajustiça:arelaçãodomesmocomooutroprefiguraarelaçãocomosagradoetornaDeusacessível.Nessarelação,Deuspodeserentendidosemacontaminaçãodoser.“Énaconcretudefenomenológicadoencontrointer-humanoqueseefetuaparaoshomensosentidopossíveldeumDeus”.54

ConformeLévinas,55Deus,o transcendente,o totalmenteoutro,só pode ser entendido dentro de uma relação a três, daí porque ainteligibilidadedodivinoépura sociabilidade, responsabilidadepelopróximo, a excelência própria do espírito. Sua inteligibilidade só épossívelapartirdaideiadoinfinito,quefereeembaraçatodaconsciênciaeunicidadeteorética.56Oinfinitonãoéserenemfundamento,nãosemostra,nãoéconteúdoenemtema.“Ainfinitudenãoéumaarqué,nãoentraemcorrelação,nãosepresta,portanto,àcorrelaçãofundamentoefundado”.57

Lévinaspercebeque,paraproporumdiscursonãoontológicosobreDeus, faz-se preciso restaurar o sentidoda relação criador-criatura58. Paratanto,eleretomaaestruturaformaldaideiadoinfinitodeDescartes 51 MELO,NélioVieirade.A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 124.52 LÉVINAS,Emmanuel.Deus, a morte e o tempo, p. 141.53 Idem.Ética e infinito,p.98.54 PIVATTO,PergentinoS.AquestãodeDeusnopensamentodeLévinas. In:OLI- VEIRA, Manfredo A. de; ALMEIDA, Custódio (orgs.). O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.181.

55 LÉVINAS,Emmanuel.Deus, a morte e o tempo.56 EssaquestãoéabordadademaneiramuitoclaraporUlpiano(El Discurso sobre Dios:enlaobradeE.Lévinas,p.239-255).Contudo,seguindoaprópriaanálisedeLévinasem Deus, a Morte e o Tempo,percebe-sequeelesemostracríticodaanterioridadedoserdeHeideggeredosteólogosqueenclausuravamDeusnumateoriaabstrata.OúnicomododenãoreterDeusnoseréomododepensá-loautrement,alémdetodaverdadeessencialista(MELO,NélioVieirade.A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 127).

57 SUSIN,LuizCarlos.O homem messiânico, p. 391.58 RibeiroJunior(Sabedoria de amar,p.293-298)tratademaneiramuitoclaraaquestão.

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eaideiadobemparaalémdoserplatônico,ideiasquetornampossívelpensaraconcretizaçãodarelaçãoéticaepensarotranscendenteforadosesquemasontológicosetranscendentais.Elasseopõemtambémàideiadodeusdametafísicaaristotélicacomo“pensamentodepensamento”.59 Elascomportamatraduçãomaisexpressivadaideiadeseparaçãoentrecriadorecriatura;aquiacriaturanãomaisconcebidacomocarência,mascomobondadeejustiça.60

Nareflexãolevinasiana,aideiadoinfinitoemnóscomopensamentodonãoenglobávelédes-inter-essamento:relaçãosemdomíniosobreumser ou antecipaçãodo ser,mas pura paciência.Odesinteressamentotraduz-secomoética.61Avindadoinfinitoaopensamentoéairrupçãodooutronoseiodomesmo,alteridadenasubjetividade.62Essasubjetividadeética, comefeito, corresponde aoqueLévinas, seguindooTalmude,haviadenominadointerioridadeéticadahumanidade.63

Esseeventoinstauraumarelaçãocomobemqueinvestenosujeito,convocando-oàresponsabilidadepelooutro.Nessarelaçãopassa-sealgoquesobreviveàmortedeDeus.64“Elanãosótraduzocaráteréticodessaproximidadecomopróximo,comotambémpermitepensarDeus,quevemàideia,semserreduzidoaoconceito”.65SegundoLévinas,Deusmevemà ideiana interpelaçãodeoutrem,nãoemuma tematizaçãoqualquer de um pensável.A interpelação interrompe o pensamentointencional. O outro, não representável, não apreensível, isto é, oInfinito, torna impossível a representação.É essa irredutibilidadedoa-Deusqueinterrompenohumano,aconsciênciaqueiaaoseremsuaperseverançaontológica.Aconsciênciaéafetadaporumtraumatismo –rupturadapossibilidadedapresençaedoenglobamento–perdeseu 59 LÉVINAS,Emmanuel.Entre nós,p.65.60 Idem.Ética e infinito, p. 330.61 PIVATTO, Pergentino S. A questão de Deus no pensamento de Lévinas. In:OLIVEIRA,ManfredoA.de;ALMEIDA,Custódio (orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.184.

62 VeraquestãodasubjetividadecriadaemLévinas(Ética e infinito,p.88).63 RIBEIROJUNIOR,Nilo.Sabedoria de amar,p.305.64 Na interpretaçãodeMelo (A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas, p. 130), emLévinas:“AmortedeDeus,proclamadapelafilosofiacontemporânea,emboraterminenoniilismo,convergeparaumnadaqueé.AfirmarounegaraexistênciadeDeusnãosignificasenãorealizarosmesmosprocessoslógicos,deumpensamentosobre o ser de Deus adequado às categorias cognoscitivas. Lévinas proclama ofim dessas categorias e opta pela via do entendimento anárquico deDeus, cujotestemunhonãooencerranoslimitesdafenomenalidade”.

65 RIBEIROJUNIOR,Nilo.Sabedoria da paz, p.61.

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fundamentoesuacertezaeabre-separaapossibilidadedeumarelaçãocomotranscendente.66

A saída do ser para o sentido que se encontra além do ser, natentativa de responder ao problema deDeus, de acordo com nossofilósofo,parece-nosapontarparaa linguagemqueescapaaqualquertipo de redução conceitual que o sujeito cognoscente possa realizar.Nessaperspectiva,odizeronomedeDeuséirredutibilidadeeaberturaaoinfinito.

EmLévinas,aabordagemdoautrement qu’êtreimplicaautrement dit.ÉnaobraÉtica e infinitoqueeleafirmadistinguirnodiscurso,odizereodito,67jáquenopensamentoocidental,odizersempreseesgotanodito.OditodafilosofiaacostumouadizerDeus,tornando-otermoouvocabulárioàdisposiçãodosfilólogos–esseodiscursoreligiosodafilosofiadatotalidadeoudoser.Oautrement qu’être levinasiano, aquele quenãopodesercontidonumconteúdotemático,escapaaessaordemeaperturba.Eleseanunciacomolinguagemenigmática,interrupçãododiscursológico-formal.Énainterrupçãododiscursocoerentequecadahomem,comoúnicoeprofeta,éresponsávelpelooutro,comoapalavra“eis-me-aqui”atéasubstituiçãoqueapalavra“Deus”podeecoarnasignificânciaética.

Para Lévinas,68 a linguagem que se constitui perturbadora dosilênciodanoitedoil y a,éantesumaexpressão:69atravésdelaenelaosersecomunica,significa.Nessacomunicaçãonãohámediaçãodosigno,dapalavradita.“Nãoéalinguagem,enquantosistemadesignos,queinstauraacomunicação,maséacomunicaçãodaproximidadequeinstauraosistemalinguístico”.70

A linguagem é abertura do ser no rosto do outro.O rosto é oprimeirodiscursoqueobrigaaentrarnodiscurso:naobraEntre nós, eleexplicaque,

66 PIVATTO, Pergentino S. A questão de Deus no pensamento de Lévinas. In:OLIVEIRA,ManfredoA.de;ALMEIDA,Custódio (orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.183.

67 LÉVINAS,Emmanuel.Ética e infinito,p.82.68 Idem.Entre nós.69 Lévinas(Entre nós,p.29)explicaque“aexpressãotampoucoconsisteemarticulara compreensão que desde já partilho com outrem. Ela consiste, antes de todaparticipação, numconteúdo comumpela compreensão, um instituir a socialidadeporumarelaçãoirredutível,porconseguinte,àcompreensão”.

70 BUCKS,René.A Bíblia e a ética:arelaçãoentreafilosofiaeaSagradaEscrituranaobradeEmmanuelLévinas,p.149.

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A relação comoutrem [...] não é ontologia. [...] não se reduz arepresentaçãodeoutrem,masàsuainvocação,eondeainvocaçãonãoéprecedidadecompreensão,chamo-areligião.[...]seotermoreligiãodevecontudoanunciararelaçãocomhomens,irredutívelàcompreensão,seafastaporistomesmodoexercíciodepoder,masnosrostoshumanoslograalcançaroinfinito.71

Nessesentido,paranossofilósofo,sómeaproximodeDeusquandovounadireçãodopróximo.Eleelaboraumanovaconcepçãodereligião,naqualarelaçãoimediatacomDeusdesaparece:aúnicaformadecultoconsistenarelaçãoética,relaçãofaceafacecomooutrohomem.72Aéticaéoprimeiroserviçoreligioso.Alinguagemeosentidosedesenvolvemcomorelaçãoética;araizdacomunicaçãoencontraseusolofirmenumarelaçãoatrês–oeu,ooutroeoseuvestígio–e,nessa,ofundamentonãoseencontranojádito,masnodizerorigináriodorostodooutro.Odizeroriginárioconstitui-seapelodooutroaomesmo.Eleélinguagemsemsinal,saídadosilêncioneutralizantedoser,éantesproximidadedooutro,dotranscendente.SegundoLévinas,73odizersignificadoladodaéticaeoditodoladodaontologia.Lévinasfalaalguresdodizerfilosóficocomodeumdizerqueresidenanecessidadedesempresedesdizer,efazatédestedesditoummodoprópriodefilosofar.Comisso,elenãoquernegarqueafilosofiasejaumconhecimentoenquantonomeiaoquenemsequerénomeável,etematizaoquenãoétematizável.Mas,aodarassimaquiloquerompecomascategoriasdodiscursoaformadodito,talvezimprimanoditoosvestígiosdestaruptura.

No pensamento levinasiano, a relação ética é a interrupçãoda noção onto-teológica, opondo-se aos tradicionais processos deentendimento sobre Deus. Sua intenção é elaborar uma noção deDeus através do vestígio de Deus como eleidade. Para Lévinas, asignificância do vestígio consiste em significar sem fazer aparecer.Elenãopertenceàfenomenologia–àcompreensãodoaparecer–,nãoé um sinal comooutro qualquer, embora desempenhe esse papel.Ovestígiotranstornaaordemdomundo,porqueseusignificadooriginal,comoexprimeLévinas, “esboça-se na impressãodeixadapor aquelequequisapagarosseusvestígios,comoodesejodecometerumcrime 71 LÉVINAS,Emmanuel.Entre nós, p. 29-30.72 PIVATTO, Pergentino S. A questão de Deus no pensamento de Lévinas. In:OLIVEIRA,ManfredoA.de;ALMEIDA,Custódio (orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.191.

73 LÉVINAS,Emmanuel.Ética e infinito, p. 99.

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perfeito”.74Melhordizendo,aquelequedeixouvestígiosaoapagarseusvestígiosnadaquisdizeroufazerpormeiodosvestígiosquedeixae,dessemodo,perturbaaordemdeumaformairreparável,poispassouemabsoluto.Énessesentidoque,paraalémdoqueosinalsignifica,eleéapassagemdaquelequedeixouosinal.Ovestígioseriaaprópriaindelebilidade do ser, é demasiado grande para a discrição, para ainterioridade,paraumeu.Eleéapresençadaquiloquenuncaestevelá,daquiloqueésemprepassado.Aeleidade–ovestígionãoseconstituifundamento,éantes,abertoeinfinito,ondesefirmaorosto.Levantarosolhosparaaeleidadeéencontrarnãoaele,masorostonaeleidade.SegundoLévinas,75orostoestánovestígiodoausenteabsolutamentevolvido, absolutamente passado, retirado naquilo a que PaulValérychama o profundo outrora, outrora nunca bastante e que nenhumaintrospecçãoconseguiriadescobriremsi.

Épossívelobservarqueorostoéaúnicaaberturaondeosignificadodotranscendentenãoanulaatranscendênciaemumaordemimanente;bemao contrário, a transcendência semantémcomo transcendência.Para nosso filósofo, a memória não conseguiria reter os vestígiosdessepassado,passado imemorial.Talvez issosejaaeternidadecujosignificadonãoéestranhoaopassado,masorigemerefúgiodopassado.Entretanto,cabesalientarqueoDeusquepassanãoéomodelodequeorostoseriaaimagem:“seràimagemdeDeusnãosignificaseroíconedeDeus,masencontrar-senoseurastro”.76Caminharnasuadireçãonãoéseguiressevestígioquenãoéumsinal,éirnadireçãodosoutrosquesemantêmnessapista.

NaobraDeus, a morte e o tempo,eleafirmaqueAquele que denominamos Deus não pode ter sentido senão a partir dessasrelações(relaçõeshumanas)distintas.SomenteapartirdetaisrelaçõesDeuspodemanifestar-se.[...]Nãoexisteummodelodetranscendênciaforadaética.Aúnicamaneiraqueoautrement qu’êtrepodesignificaré relaçãocomopróximo.AbuscadeumDeusnãoontológiconãoprocededeumpensamentoadequado.77

No pensamento de Lévinas, a eleidade que permanece alémabsolutamente, comoobemalémdo ser, é significaçãodoum-para- 74 LÉVINAS,Emmanuel.Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger, p. 242.75 Ibidem,p.240.76 Ibidem,p.245.77 Idem.Deus, a morte e o tempo, p. 222.

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o-outro,éresponsabilidadeesubstituiçãopassiva.Elaadquiresentidoatravés do sujeito que diz “eis-me-aqui” e assim dá testemunho doinfinito.“Otestemunhoéumarevelaçãoquenãoéumconhecimento”.78 AnoçãodetestemunhoemLévinasnãoconsisteemexporoqueseviuououviu,nãoésubordinadaàpercepção.Otestemunhoéarupturacomoconceitoadulteradodetestemunhodeumaexperiênciareligiosa.Elesótemsentidonarelaçãocomoutrem,relaçãoatrês.Destamaneira,apenasse testemunhado infinitodeDeus,dequenenhumapresençanemnenhumaatualidadeécapaz.

Falardaeleidade,doabsolutamentetranscendente,éprecisamentedizerqueeleestádecertomodo,na linguagem,mas,sobretudo,queelepermanecealémdalinguagem,edapresençadosfalantes,alémdotempo.

NaobraDe Deus que vem à ideia, ofilósofo lituano esclareceque

[...]Nessareviravoltaética,odesejávelremetendoaonãodesejável–nessamissãoestranhaqueordenaaproximardeoutrem–Deusésubtraídoàobjetividade,àpresençaeaoser.Nemobjeto,neminterlocutor. Sua transcendência vira emminha responsabilidade[...] por outrem.79

Percebe-se,apartirdessaanálise,queDeusnãoésimplesmenteooutro,ooutroporexcelência,mas“outroqueoutrem”,outrodeumaalteridadequeprecedeaalteridadedeoutrem,transcendenteopontodaausência.Suatranscendênciaeleva-seemglória,transcendênciadeumaverdade dia-crônicaesemsíntese.Ointangívelsepara-sedarelaçãododesejoqueelesuscita,permanecendoterceirapessoa.80Mas,poroutrolado,essarelaçãosetraduzemrelaçãocomaspessoas,relaçãoentreabsolutos,semenglobamento.SegundoLévinas,“eleébemnumsentidoeminenteepreciso:nãomecumuladebens,masmesujeitaàbondade,melhorqueosbensareceber”.81“Abondadedesinteressadaparacomopróximotorna-seoúnicovestígiopeloqualDeuspodeviràideia”.82 Nareflexãolevinasiana,Deusirrompedaexperiênciadotestemunho, 78 LÉVINAS,Emmanuel.Ética e infinito, p.99.79 Idem.De Deus que vem à ideia, p. 103.80 Ibidem,p.102.81 Ibidem,p.102.82 PIVATTO, Pergentino S. A questão de Deus no pensamento de Lévinas. In:OLIVEIRA,ManfredoA.de;ALMEIDA,Custódio (orgs.).O Deus dos filósofos contemporâneos.Petrópolis:Vozes,2003,p.197.

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oqueimplica,porconseguinte,asaídadaconsciênciaencerradaemsimesmaparaacondiçãoéticadohomemcomosubjetividadeprofética,emqueaexperiênciareligiosasópodeserentendidacomoexperiênciamoral.ÉsóatravésdohomemMessiasquesepodefalarconcretamentede Deus.

O discurso levinasiano sobre Deus põe em questão a onto-teologia,naqualDeussereduzàtematizaçãoobjetivante.Nessamatrizfilosófico-teológica,Deusnãopodesenãoaparecercomoprojeçãodohomem.83Naintençãodesuperaressedilema,LévinasoptapelaviadodiscursocomDeusnarelaçãocomaalteridadedorosto,comoobjetivode salvaguardar a autorrevelação deDeus. Para nossofilósofo, essarevelaçãodivinasedácomorevelaçãoéticanorostodooutro.Porém,em Totalidade e infinito,84elefaladeumarevelaçãodeDeusapartirdesimesmo–DeusKath’auto – equenãocoincidecomarevelaçãodorosto.“EssainusitadareferênciaaDeusKath’auto, que sugere uma autorrevelaçãodeDeusparaalémdaética”.85Talvezaquihajaaintençãodesalvaguardarasexigênciasdeumametafísicadaabsolutaseparaçãoentreofinitoeoinfinito,contraqualquertentativadeimanentizaçãodatranscendência.

Sema intençãodeesgotaro tema,parece-nosque,emLévinas,olugaremquearevelaçãodivinapoderáserpercebidaénasituaçãoética,ealinguagemdessarevelaçãoéalinguagemdofaceafacecomo rosto, traço enão signoou íconedeDeus.Nessa situação enessalinguagem,apalavraDeuspodeecoarcomsentidonaresponsabilidadepelorostodooutro.Naconcepçãolevinasiana,odiscursosobreDeustorna-se impossível via conceitualização, embora a ruptura com oconceitualismonãosignifiquenegarainteligibilidadedatranscendência.O que ele sublinha é que pensarDeus não é submetê-lo à razão, àadequaçãodopensamentoaopensado.Paraele, a inteligibilidadedeDeus,asuatranscendência,sópodeserentendidanumarelaçãoatrês:ainteligibilidadedeDeusépurasociabilidade,responsabilidadepelopróximo.

Nesse horizonte, percebe-se o pensamento do filósofo lituanose caracterizandopelo esforço emdizer religiosamente afilosofia e,filosoficamente,areligião.Égraçasàéticacomofilosofiaprimeiraque 83 RIBEIROJUNIOR,Nilo.Sabedoria de amar,p.308.84 LÉVINAS,Emmanuel.Totalidade e infinito,p.75.85 RIBEIROJUNIOR,Nilo.Sabedoria de amar, p. 306.

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essacaracterísticasearticulapormeiodatemáticadomessianismoedaescatologiadasliçõestalmúdicas.AescolhadaleituratalmúdicacomoviahermenêuticapossibilitapensarDeus,rompendocomascategoriasconceituais:Deusépensadopelaviadooutrohomem.