língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas · na primeira, distingue dois grupos,...

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas 80 UM NOVO OLHAR SOBRE ÁREAS LEXICAIS GALEGAS E PORTUGUESAS João SARAMAGO 1 Xosé Afonso ALVAREZ RESUMO Luis F. Lindley Cintra apresentou, em 1962, um meritório trabalho sobre áreas lexicais no português continental, tendo em conta as designações relativas a oito conceitos (‘ordenhar’, ‘úbere da vaca’, ‘soro’, ‘fêmea estéril’, ‘cria da ovelha’, ‘cria da cabra’, ‘maçaroca’ e ‘queixo’) obtidas em 77 pontos do Atlas Lingüístico de la Península Ibérica (ALPI), por ele inquiridos em 1953 e 1954. A nossa comunicação tem como objectivo confrontar esses dados com o material recolhido por Paiva Boléo no ILB e com os inquéritos realizados para o Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG). PALAVRAS-CHAVE Áreas lexicais; história do léxico; atlas linguísticos; criação de gado. Introdução Em 1953, Herculano de Carvalho (1953, p. 301) chamava a atenção para a existência, na língua, de um determinado tipo de vocabulário relacionado com “objectos, actividades e conceitos alheios ou pouco familiares ao habitante dos centros urbanos”, permanecendo por isso “alheio às influências possíveis dessa mesma língua comum, que o ignora”. Ainda de acordo com este autor, esse vocabulário segue “o seu próprio destino regional, agrupando-se em áreas bem definidas, que se interpenetram, se deslocam e se recobrem mutuamente, seguindo correntes culturais de direcção igualmente definida”. 1 Universidade de Lisboa. Centro de Linguística. Avda/Professor Gama Pinto 2, 1649-003, Lisboa (Portugal). [email protected] e [email protected]

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas

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UM NOVO OLHAR SOBRE ÁREAS LEXICAIS GALEGAS E

PORTUGUESAS

João SARAMAGO1 Xosé Afonso ALVAREZ

RESUMO Luis F. Lindley Cintra apresentou, em 1962, um meritório trabalho sobre áreas lexicais no português continental, tendo em conta as designações relativas a oito conceitos (‘ordenhar’, ‘úbere da vaca’, ‘soro’, ‘fêmea estéril’, ‘cria da ovelha’, ‘cria da cabra’, ‘maçaroca’ e ‘queixo’) obtidas em 77 pontos do Atlas Lingüístico de la Península Ibérica (ALPI), por ele inquiridos em 1953 e 1954. A nossa comunicação tem como objectivo confrontar esses dados com o material recolhido por Paiva Boléo no ILB e com os inquéritos realizados para o Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG).

PALAVRAS-CHAVE Áreas lexicais; história do léxico; atlas linguísticos; criação de gado.

Introdução

Em 1953, Herculano de Carvalho (1953, p. 301) chamava a atenção para a

existência, na língua, de um determinado tipo de vocabulário relacionado com “objectos,

actividades e conceitos alheios ou pouco familiares ao habitante dos centros urbanos”,

permanecendo por isso “alheio às influências possíveis dessa mesma língua comum, que o

ignora”. Ainda de acordo com este autor, esse vocabulário segue “o seu próprio destino

regional, agrupando-se em áreas bem definidas, que se interpenetram, se deslocam e se

recobrem mutuamente, seguindo correntes culturais de direcção igualmente definida”.

1 Universidade de Lisboa. Centro de Linguística. Avda/Professor Gama Pinto 2, 1649-003, Lisboa (Portugal). [email protected] e [email protected]

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas

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Com esta constatação, Herculano de Carvalho reconhece que, no estudo de

determinado léxico, há que ter em linha de conta factores extra-linguísticos, nomeadamente

os históricos e os culturais que lhe estão associados, factores esses que podem levar à

determinação de áreas e centros de difusão lexicais.

Em 1962, Lindley Cintra publica o seu estudo “Áreas lexicais no território

português”2 no qual estuda a distribuição espacial das designações referentes a oito

conceitos, propondo três áreas para a respectiva estrutura lexical. O material linguístico que

lhe serve de base é aquele que o autor recolheu, entre 1953 e 1954, para o Atlas Lingüístico

de la Península Ibérica, em 77 localidades do território continental português. Face à

relativa fraca densidade da rede de pontos, Cintra tem o cuidado de alertar para o facto de

uma rede dessa natureza apenas permitir “uma localização e delimitação aproximada das

áreas dos vários tipos lexicais” e também para o facto de que, no caso de alguns dos

conceitos serem designados por um “grande número de tipos vocabulares, não é impossível

que deixe escapar entre as suas malhas um ou mais de entre eles ou que deixe de assinalar

uma área pouco extensa de determinada designação” (CINTRA, 1962, p. 58).

A nossa pretensão, com o presente estudo, é fazer uma comparação das áreas

dialectais propostas por Cintra com outros materiais recolhidos em épocas diferentes e para

dois projectos distintos e tentar determinar possíveis alterações na extensão territorial

daquelas áreas lexicais. A primeira dessas recolhas foi feita através de um inquérito por

correspondência realizado por Paiva Boléo a partir de 1942 (conhecido por I.L.B.) e a

2 Estudo inicialmente apresentado no I Congresso Brasileiro de Dialectologia e Etnografia que decorreu na Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil em 1958 e re-editado na sua obra Estudos de Dialectologia Portuguesa, em 1983.

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segunda é a recolha obtida através dos 176 inquéritos realizados entre 1973 e 2000 para o

Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG). No caso do I.L.B., apenas

foi feito um levantamento parcial: quatro a cinco concelhos por distrito, o que corresponde

a uma rede de pontos mais ou menos idêntica à do ALPI; tal facto é susceptível de levantar

os mesmos problemas já referidos por Cintra.

Antes de passarmos para a análise detalhada dos materiais, faremos uma

apresentação muito sucinta da proposta apresentada por Cintra. Os oito conceitos estudados

por este autor foram: (i) ‘ordenhar’; (ii) ‘úbere da vaca’; (iii) ‘soro’; (iv) ‘(fêmea) estéril’;

(v) ‘cria da ovelha’; (vi) ‘cria da cabra’ (conceitos relacionados com a criação do gado);

(vii) ‘maçaroca’ e (viii) ‘queixo’.

As respostas obtidas para o conceito ‘soro’ (líquido que escorre do queijo)

permitiram encontrar uma oposição entre uma área lexical, a norte, cuja designação é de

origem latina: soro e uma outra, a sul, cuja designação é de origem árabe: almece (sob a

qual se agruparam variantes como almice, almécere, almícere). Para os conceitos ‘fêmea

estéril’ e ‘queixo’ foram obtidas designações que demarcavam duas áreas lexicais: uma

que, de norte a sul do território, ocupa uma faixa ocidental, mais ou menos larga, em que

existem formas lexicais mais antigas na língua: maninha e queixo3, respectivamente e uma

outra, oriental, com designações mais recentes e provenientes do centro da Península

Ibérica: machorra4 e barba5.

3 Sob a forma queixo, agrupou-se a variante queijo, que ocupa uma área de certo modo uniforme. 4 Na área ocupada por machorra, não foram individualizadas as respostas de fraca frequência (uma ou duas respostas) que etimologicamente nada tinham a ver com essa designação. Foram elas: forra, sandeira, capoa, boieira e alfeira.

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As respostas obtidas para os conceitos ‘ordenhar’, ‘úbere da vaca’, ‘cria da ovelha’,

‘cria da cabra’ e ‘maçaroca’ permitiram, por sua vez, determinar uma oposição entre uma

área que ocupa o noroeste e o oeste do Continente, que a Sul não ultrapassa o Tejo e que,

regra geral, a Leste, não chega a atingir os distritos de Bragança, Guarda e Castelo Branco,

caracterizada pela existência de um vocabulário arcaico ou, pelo menos, mais antigo na

língua: mungir6, úbere, anho / cordeiro, cabrito e espiga e uma outra que engloba todo o

Algarve, Alentejo, Beira Baixa, a faixa oriental da Beira Alta e Trás-os-Montes,

caracterizando-se esta pela existência de um vocabulário mais inovador e de introdução

mais recente: ordenhar, mojo (com as variantes amojo e amonjo), borrego, chibo e

maçaroca.

5 Sob a forma barba, agruparam-se as variantes barbela e barbadela. De igual modo não se marcou uma pequena área com a designação papo que confina com a área de barba, no distrito de Braga. 6 Sob a forma mungir, agruparam-se as variantes mugir, mongir, moger, monger, munger, mojar e amojar. Não se faz igualmente referência a uma pequena área, existente no interior da área de mungir em que o conceito é designado pela perífrase tirar o leite.

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1. Áreas de soro / almece e de maninha e queixo / machorra e barba.

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2. Áreas de mungir, úbere, anho ou cordeiro, cabrito e espiga / ordenhar, (a)mojo, borrego, chibo e maçaroca.

Apesar dos dados analisados terem sido recolhidos numa rede de pontos

relativamente pouco estreita, Lindley Cintra encontra uma justificação histórica para a

estrutura lexical que detectou no território continental: a área linguisticamente mais

conservadora corresponde à zona que, até ao século XII, se encontrava mais densamente

povoada e a área mais inovadora àquela que, naquela altura, se encontrava quase deserta e

que só a partir dos séculos XII e XIII começou a ser ocupada com uma população de

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diferentes proveniências e, como tal, mais propensa a aceitar inovações linguísticas,

sobretudo lexicais7.

Comentário de mapas

Em continuação, examinar-se-ão cada uma das oito áreas assinaladas por Cintra.

Por problema de espaço, limitar-nos-emos apenas a confrontar aqui o material de Cintra

(anos 1953 e 1954) com as respostas recolhidas para o ILB (fundamentalmente, anos

quarenta) e para o ALEPG (entre 1973 e 2000). Referiremos os vários casos em que foram

obtidas respostas pertencentes a tipos lexicais que não foram recolhidos por Cintra e

comentar-se-ão as variações existentes na distribuição das formas.

1. O primeiro dos mapas estudados por Lindley Cintra analisa as designações para o

conceito ‘extrair o leite da teta de um animal’. Nele, faz duas grandes divisões: no noroeste

e oeste de Portugal (sem ir mais abaixo de Setúbal), os continuadores do latim MŬLGĒRE

‘mungir’; no oriente e sul, os continuadores duma base *ORDINIARE ‘pôr em ordem’, da

mesma língua. Na primeira, distingue dois grupos, segundo a conjugação do verbo, o tipo

mungir e o tipo munger; inclui também uma forma que unicamente recolhe em dois pontos,

o verbo (a)mojar. Cintra assinala também a existência dum terceiro tipo de resposta, a

construção perifrástica tirar o leite que define como ocasional e pouco significativa.

7 Idêntica opinião é partilhada por Adelina Angélica Pinto (1983), que refere uma área “noroeste-oeste”, cujo centro principal de difusão é a região de Entre-Douro-e-Minho, por oposição a uma outra área designada por “sul-leste”, em que a região de Coimbra é considerada como o principal centro de difusão linguística.

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Nos pontos que investigámos, nas redes do ILB e do ALEPG, não encontrámos

nenhum tipo lexical novo, apenas foram atestadas algumas variações na distribuição das

formas, as mais importantes das quais comentaremos a seguir. Em primeiro lugar, a maior

presença de respostas perifrásticas, do tipo tirar o leite; repare-se que estas construções

aparecem quase sempre na zona dos continuadores de MŬLGĒRE (se calhar, por serem

consideradas formas opacas, o que favoreceria, por um lado, a substituição por uma

construção analítica e, por outro, a preferência pela forma mais recente e considerada mais

expressiva, ordenhar). Em segundo lugar, como já foi assinalado anteriormente, a

existência na rede do ALEPG dentro da área compacta de ordenhar de pontos em que esta

designação alterna com respostas do tipo mungir; a sua rede é mais densa no sul do

território – por exemplo, o ALEPG conta com 16 pontos para o distrito de Faro, enquanto

Cintra analisou apenas 6 – e é normal que recupere formas que uma rede de malha mais

larga deixou passar. Estes pontos isolados parecem confirmar que houve uma superposição

de áreas lexicais, em que a forma “invasora”, ordenhar, ainda não conseguiu substituir

totalmente as palavras mais antigas. Em terceiro lugar, pode-se observar um retrocesso

notável na área ocupada pelos derivados de MŬLGĒRE na segunda conjugação (moger,

muger, munger,...), que, em apenas 30 anos, desapareceu nos distritos de Coimbra e Leiria.

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3. Evolução das áreas de mungir / monger e ordenhar no ILB, em Cintra e no ALEPG.

2. O segundo conceito estudado é o das glândulas mamárias da vaca, para as quais

individualiza duas áreas: uma, com os continuadores do latim UBER (úbere, ubre, ubro,...),

outra, com as designações do tipo (a)mojo e (a)monjo, que seria a forma inovadora e que

Cintra explica – apoiado em Piel – como um deverbal de (a)mo(n)ger e que é a resposta

mais frequente em Portugal.

O mapa de 1962, que já o próprio Cintra definia como “extremamente simples”, não

dá uma imagem completa do que acontece no território português, pois nos inquéritos do

ALEPG (este conceito não fez parte do inquérito do ILB) obtidas respostas inexistentes no

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ALPI. Em dois pontos, Moura (Beja) e Rosmaninhal (Castelo Branco), aparece como co-

ocorrência a forma odre (‘vasilha para líquidos feita da pele de certos animais’); uma forma

relacionada semanticamente, vasilha, foi a resposta recolhida em Escalhão (Guarda).

Também em dois pontos, de Bragança e Viseu, respectivamente, foram obtidas respostas

mais genéricas, tetas e mama, que podem ser aplicadas, na fala, às glândulas mamárias de

qualquer mamífero, ou tratar-se, então, duma confusão com o mamilo. Por último,

assinalamos a forma aparelho, que foi recolhida no extremo norte do concelho de

Bragança, em Lanção. De realçar que esta forma também existe na Galiza, especialmente

no sul da província de Pontevedra.

Não existem grandes discrepâncias entre as redes do ALPI e do ALEPG na

distribuição das áreas de úbere e (a)mojo. Na rede do segundo atlas existem já registos do

tipo amojo em Braga e Porto, o que dá a ideia de que possivelmente continua o processo de

expansão desta forma. Do mesmo modo, como acontecia com mungir, a maior densidade

da rede do ALEPG permite detectar respostas do tipo úbere em co-ocorrências no distrito

de Faro, o extremo sul do território.

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4. Evolução das áreas de (a)mojo e ubre em Cintra e no ALEPG.

3. O terceiro mapa analisa os nomes para a parte aquosa que se separa do leite uma vez

coagulado, conceito para o qual Cintra define duas áreas, a de soro, designação latina,

conservada no norte e centro do país e a de almece (almécere, almícere), de étimo árabe, na

restante zona do país.

Em primeiro lugar, é de assinalar a existência, quer no ILB quer no ALEPG, de

designações que Cintra não referenciou. Estas encontram-se, na sua maioria, no centro e sul

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de Portugal, zonas em que a rede do ALPI é pouco densa. Comentaremos apenas as cinco

designações mais frequentes, deixando de lado aquelas respostas que só apareceram num

ponto de inquérito (atabefe, repisa, saimoira, mesinha do leite, colostros, etc.). As três

primeiras aparecem tanto na rede do ALEPG como na do ILB. No Sul, especialmente no

sudeste, aparece, com uma frequência alevada, a forma chorrilho, derivada de chorro, que

Corominas (s.v. chorro) explica como forma onomatopaica. Também no sudeste do

território, em concelhos limítrofes com a Espanha, tal como no caso anterior, existe a

resposta rescaldão; o dicionário Morais dá como definição de rescaldo: “soro esverdeado

que no fabrico do queijo a coalhada expele nas últimas compressões”. A terceira

designação, que se encontra mais dispersa, é água (Évora e Viana do Castelo) e o seu

derivado aguadilha, em Dagorda (Lisboa).

As outras duas respostas aparecem só numa das redes estudadas. Nos concelhos de

Idanha-a-Nova e Castelo Branco recolheram-se nos inquéritos do ILB, em co-ocorrência

com soro, as formas travia e tarabia. Travia aparece assim definida por Morais: “Provinc.

alent. e beir. Requeijão com soro. | Provinc. alent. Massa de farelo e bagaço para os

porcos”; possivelmente poderá ser relacionada com o substantivo travo ‘sabor amargo’.

Apenas nos inquéritos do ALEPG foi recolhida a designação chilro (isolada ou em co-

ocorrência) nos distritos de Faro e de Évora, uma vez como resposta única e duas vezes

mais como co-ocorrência; nos dicionários consultados, esta forma não aparece com este

significado.

No que diz respeito à distribuição areal de soro e almece nas distintas redes,

faremos apenas umas observações. No ILB, a forma almece ocupa uma área mais a sul do

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que nas outras duas redes, em que praticamente não há diferenças; isto pode ficar a dever-se

a um eventual processo de expansão da forma ou, então, ao facto de vários dos pontos

seleccionados para a rede do nosso trabalho não apresentarem resposta para este conceito.

No caso de soro, as maiores discrepâncias encontram-se no noroeste do território, pois

tanto o ALEPG como, sobretudo, o ILB, apresentam respostas numa ampla zona em que

Cintra não obtivera dados, pois não era corrente o fabrico de queijo.

5. Evolução das áreas de almece e soro no ILB, em Cintra e no ALEPG.

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4. A seguinte área estudada por Cintra é a dos adjectivos para designar a fêmea estéril. Este

conceito apresenta um número elevado de diferentes designações, mas Cintra centra-se

apenas nos dois tipos lexicais mais importantes: maninha, do substrato pré-romano,

segundo Piel, e machorra, derivada de macho e forma mais recente.

Este conceito não consta no questionário do ILB. Como em casos anteriores, o

ALEPG apresenta uma maior variedade nas respostas obtidas, mas como todas estas novas

respostas (asneada, vadia, valeira, códiga, corrida, aboiada, sandeira, malina e

desencarreirada) ocorrem apenas raramente, não nos deteremos nelas. Existem diferenças

significativas entre as áreas lexicais do ALPI e as do ALEPG. No que diz respeito aos dois

grandes tipos, observamos uma importante expansão de machorra, quer desde o norte

(normalmente na nova área aparece ainda em co-ocorrência com outra resposta,

normalmente boieira), quer desde o leste. Essa expansão de machorra tem o seu

contraponto no recuo de maninha, nas duas áreas referidas.

Há também diferenças notáveis na extensão dalgumas áreas menores. Nalguns

casos, torna-se claro que as diferenças entre o ALEPG e o ALPI se devem a uma maior

densidade da rede do ALEPG, especialmente no Sul de Portugal; noutros casos é possível

que tenham relevância também factores de tipo diacrónico. A primeira discrepância é o

aparecimento da forma forra em dois pontos do distrito da Guarda (num deles como co-

ocorrência) e um em Viseu, muito afastados da zona referenciada no ALPI; além disso,

enquanto no ALPI aparecem dois pontos para forra entre Évora e Beja, no ALEPG a área

situa-se mais a sul, entre Beja e Faro. A segunda discrepância é a maior presença de boieira

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no ALEPG, passando de um só ponto isolado no ALPI a uma área mais concentrada no

norte de Portugal, se bem, é certo, quase sempre como segunda resposta. Um caso

semelhante constitui a terceira divergência: a extensão de alfeira. No ALPI, aparece apenas

num ponto isolado, no centro do território, enquanto na rede do ALEPG é resposta única

em cinco pontos localizados no sudoeste do Continente, se bem que afastados entre si.

6. Evolução das áreas de machorra e maninha em Cintra e no ALEPG.

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5. Seguidamente, Cintra analisa duas designações que já foram examinadas por Rohlfs

(1954) – de modo insatisfatório, segundo o autor –, as denominações para a cria da cabra e

a cria da ovelha.

Para nomear o filho da ovelha, foram recolhidas, no ALPI, três designações em

Portugal. A primeira delas, a mais antiga, é anho (< lat. AGNU) que, segundo os estudos de

Rohlfs, só existe actualmente em duas zonas periféricas da Románia, a Itália meridional (e

Sardenha) e Portugal (e a Galiza). Esta forma viu-se substituida, já nos primeiros tempos do

idioma, pela inovação hispânica cordeiro (< lat. CORDARIU, derivado de CORDU

‘tardio’, pois eram anhos nascidos tardiamente e muito apreciados na alimentação da época

pascal). Por sua vez, a criação centro-meridional borrego, formada sobre borra ‘lã

grosseira”, foi substituindo gradualmente aquela designação. Devemos esclarecer que,

embora em certos sítios, o borrego denomine a cria da ovelha que atingiu uma certa idade,

em regra, passou a designar a cria recém-nascida.

A rede do ILB que apresentamos é pouco densa, porque o conceito ‘cordeiro’ só foi

introduzido em versões posteriores do inquérito, nos anos sessenta, facto que deverá ser

tido também em conta na interpretação diacrónica dos dados. No ILB e no ALEPG aparece

uma resposta que não consta no ALPI; trata-se de carneiro que é a designação

geneeralizada para o macho adulto, mas que nestes casos, também em pontos galegos, se

refere à cria. Num único ponto do ALEPG, em Castro Laboreiro (Viana do Castelo,

contíguo à Galiza), aparece a resposta nascente, em co-ocorrência com anho e cordeiro;

num ponto do distrito de Santarém temos também mamão, desta vez alternando com

borrego.

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Com base nos inquéritos do ALEPG e na selecção dos dados do ILB (não

representados no mapa pelas razões acima expostas), observámos que a situação não é tão

clara como expõe Cintra, pois longe de haver três áreas diferenciadas e estáticas, há

abundantes cruzamentos e co-ocorrências de respostas, isto é, evidencia-se a sobreposição

das três designações. Verifica-se esta circunstância especialmente na parte central da área

de cordeiro, onde em quase todos os pontos ou concelhos foi recolhida esta resposta em co-

ocorrência com borrego. Como noutros casos, observámos também na rede do ALEPG a

existência de vestígios de anho em áreas ocupadas por cordeiro e, posteriormente, por

borrego e, sobretudo, de reminiscências de cordeiro lá onde no ALPI apenas aparece

borrego. Por último, assinalemos que, na rede do ALEPG, a extensão das áreas é maior,

quer por reflectir essa alternância de formas (enquanto no ALPI a maioria dos pontos são

resposta única), quer por possíveis movimentos diacrónicos.

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas

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7. Evolução das áreas de anho e cordeiro em Cintra e no ALEPG.

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8. Evolução da área de borrego em Cintra e no ALEPG.

6. O mapa seguinte examina as designações para a cria da cabra, que Rohlfs também

apresentou de modo excessivamente simplificado. Cintra distingue duas áreas, a de cabrito

(< lat. CAPRITTU) e a de chibo, uma inovação expressiva procedente, aparentemente, do

território espanhol, onde também se conhece cabrito, mas, sobretudo, choto, outra

designação de tipo expressivo. Ao contrário dos mapas anteriores, na própria rede do ALPI

aparecem vestígios de cabrito no Sotavento algarvio, em plena zona de chibo.

No ALEPG foi recolhida uma nova forma, godalho, num ponto do distrito de

Braga, para designar a cria que é mais nova do que o cabrito; esta designação está

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confirmada polo registo em dicionários (por exemplo no Priberam, “cabra nova e muito

inquieta”). Os dados do ALEPG permitem detectar uma notável expansão da área de chibo,

que não implica uma redução da área de cabrito, pelo contrário, a área praticamente

duplica. Como indicámos para o mapa anterior, tal ocorrência encontra a sua explicação no

facto de quase todos os pontos do ALPI serem de resposta única enquanto no ALEPG é

muito mais frequente encontrar respostas duplas. Esta alternância de formas é típica da

situação da sobreposição de áreas lexicais: aparece uma nova designação, que começa a

conviver com as anteriores, normalmente até que alguma delas acaba por dominar e

suplantar a(s) outra(s).

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9. Evolução das áreas de cabrito e chibo em Cintra e no ALEPG.

7. Uma vez examinados os seis conceitos que seleccionou no campo semântico da criação

de gado, Cintra analisa dois mapas relativos a temas completamente diferentes, mas que

apresentam distribuições análogas ás examinadas anteriormente.

O primeiro deles estuda as designações para a espiga do milho, conceito para o qual

existem duas designações principais. A primeira delas, mais antiga, é espiga, continuador

dum lat. SPICA, que alterna em Portugal com maçaroca, forma de etimologia duvidosa,

explicada por Cintra, apoiando-se em Corominas, como um híbrido românico-árabe.

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Em Penacova (Coimbra), recolheu-se nos inquéritos do ILB a forma bandeira, que

possivelmente será uma confusão, pois é palavra recolhida nos dicionários para nomear a

inflorescência do milho ou doutras gramíneas. Mais problemáticas são as respostas do tipo

caroça, carolo e tarola, obtidas na rede do ALEPG, em pontos do Norte, pois normalmente

são nomes para designar a parte central da maçaroca já sem grão. Por último, saliente-se

que foi recolhida, em co-ocorrência, a resposta pinha, em Outeiro, no concelho de

Bragança; este termo ocupa uma área importante no centro da Península Ibérica.

No que diz respeito à distribuição das duas grandes áreas lexicais, não observamos

divergências significativas. Como aconteceu em mapas anteriores, a extensão de espiga na

nossa rede é maior, fundamentalmente porque foi recolhida, em co-ocorrência com

maçaroca, em áreas que, na rede do ALPI, apenas aparecia esta última resposta. A outra

discrepância é o aparecimento (sobretudo na rede do ILB, pelo que haveria que estudar até

que ponto podem respostas influenciadas pela língua padrão) de várias maçarocas no

interior da área de espiga.

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10. Evolução das áreas de espiga e maçaroca no ILB, em Cintra e no ALEPG.

8. O último mapa estuda um conceito relacionado com o ser humano, o ‘queixo’, a parte

inferior e média da face, logo abaixo do lábio inferior. Para este conceito, a designação

maioritária é queixo (< lat. CAPSEUS, ‘semelhante a uma caixa’), ao que se opõem dois

tipos, sempre segundo os inquéritos de Cintra para o ALPI, a transmontana papo (< lat.

PAPPA ‘comida’) e barba, que ocupa uma área maior, com as variantes barbela ou

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barbadela, proveniente do lat. BARBA (‘pelo da barba’), designação que tem grande

difusão na România para referir este conceito.

Os dados do ALEPG têm de ser manejados com precaução neste caso, pois a

pergunta 429 ‘queixo’ não fez parte do questionário reduzido, que começou a ser utilizado

nas recolhas a partir de 1990 e que foi aplicado em 138 localidades da rede. É por essa

razão que o número de respostas é bastante reduzido, especialmente no norte, a zona mais

interessante para poder examinar os limites de barba ou de papo. Dadas estas

circunstâncias, optámos por não apresentar um mapa de síntese. Feitas estas observações, a

propósito da recolha de novas designações, podemos indicar que num único ponto do ILB,

Cabeceiras de Basto (distrito de Braga), em co-ocorrência com queixo, apareceu a resposta

pera, mais conhecida na língua na sua acepção de “porção de barba que se deixa crescer no

queixo” (Cândido de Figueiredo).

No que diz respeito à distribuição das designações, observámos no Sul do território

que já não existe no ALEPG a área de barba, recolhida no ALPI e no ILB. Dado que nessa

zona a rede do ALEPG é bastante densa, parece pouco provável tratar-se duma forma viva

nessa área mas não recolhida. Será mais plausível estarmos perante a presença de

movimentos diacrónicos que favoreceram a forma queixo, forma pertencente ao português-

padrão. A fraca densidade da malha de pontos do ALEPG no Norte de Portugal, no que a

este conceito diz respeito, impede-nos de fazer considerações sobre se a menor presença de

papo é real ou se simplesmente se deve a essa circunstância.

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Conclusões

A nossa revisão, baseada em material anterior e posterior às recolhas do ALPI e

com uma rede mais densa, evidencia que a divisão em áreas estabelecida por Lindley Cintra

segue mantendo a sua pertinência em linhas gerais e, mesmo, nalguns aspectos de detalhe.

Nestes pode incluir-se a persistência de situações aparentemente “anómalas”, como a área

do distrito de Lisboa, que em vários mapas de Cintra costumava apresentar respostas mais

arcaicas do que as das áreas circundantes e que na rede do ALEPG continua a fazê-lo,

resistindo às correntes inovadoras.

Porém, é necessário especificar certos aspectos – alguns deles já antecipados como

possíveis carências pelo próprio Cintra – para obter uma imagem mais realista da situação.

Em primeiro lugar, não se recolheram no ALPI algumas designações com apreciável

presença no território, especialmente no Sul de Portugal, reduzindo assim a riqueza lexical

e dando a impressão, para alguns conceitos, de se tratar duma luta entre duas designações,

quando a realidade é mais complexa. Em segundo lugar, os mapas de Cintra dão uma visão

excessivamente estática da situação linguística; há poucos pontos com resposta dupla,

enquanto na rede do ALEPG aparecem com muita frequência, o que dá uma ideia mais

exacta sobre áreas de transição. Por último, devemos assinalar também que no interior das

áreas inovadoras, normalmente compactas na descrição de Cintra, se encontram, com certa

frequência, vestígios das formas originárias.

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Referências bibliográficas CARVALHO, José Gonçalo Herculano de (1953): Coisas e palavras. Alguns problemas etnográficos e linguísticos relacionados com os primitivos sistemas de debulha na Península Ibérica. Coimbra, separata de Biblos, vol. XXIX. CINTRA, Luís F. Lindley (1962): “Áreas lexicais no território português”, Boletim de Filologia, XX, pp. 273-307. PINTO, Adelina Angélica (1983): Isoléxicas portuguesas. (Antigas medidas de capacidade). Coimbra: Fac. Letras - Inst. de Língua e Literatura Port. Sep. Revista Portuguesa de Filologia. ROHLFS, Gerhard (1954): Die lexikalische Differenzierung der romanischen Sprachen. Versuch einer romanischen Wortgeographie. München: Verlag der Bayerischen Akademie der Wissenschaften.