lingua portuguesa

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LÍNGUA PORTUGUESA III Professora Me. Rejone Valentim Alves GRADUAÇÃO Unicesumar LETRAS_A3_Lingua Portuguesa 3_2014.indd 1 22/12/2014 09:47:59

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Gramática

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LÍNGUA PORTUGUESA III

Professora Me. Rejone Valentim Alves

GRADUAÇÃO

Unicesumar

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância:

C397 Língua Portuguesa III. Rejone Valentim Alves. Maringá - PR, 2015. 166 p.“Graduação - EaD”. 1. Língua Portuguesa. 2. Gêneros. 3. Linguística. 4. EaD. I. Título.

CDD - 22 ed. 469.5CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828

ReitorWilson de Matos Silva

Vice-ReitorWilson de Matos Silva Filho

Pró-Reitor de AdministraçãoWilson de Matos Silva Filho

Pró-Reitor de EADWillian Victor Kendrick de Matos Silva

Presidente da MantenedoraCláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a DistânciaDireção de OperaçõesChrystiano Mincoff

Direção de MercadoHilton Pereira

Direção de RelacionamentoAlessandra Baron

Coordenação de Pós-Graduação, Extensão e Produção de MateriaisRenato Dutra

Coordenação de GraduaçãoKátia Coelho

Supervisão do Núcleo de Produção de MateriaisNalva Aparecida da Rosa Moura

Design EducacionalCamila Zaguini Silva, Jaime de Marchi Junior, Larissa Finco, Maria Fernanda Canova Vasconcelos, Nádila de Almeida Toledo, Rossana Costa Giani, Yasminn Zagonel

Projeto GráficoJaime de Marchi JuniorJosé Jhonny Coelho

EditoraçãoRossana Costa Giani

Revisão TextualSimone Morais LimontaViviane Notari

IlustraçãoThomas Hudson Costa

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Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so-lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho.

Cada um de nós tem uma grande responsabilida-de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-sos farão grande diferença no futuro.

Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar – assume o compromisso de democratizar o conhe-cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros.

No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci-ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade.

Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-meja ser reconhecido como uma instituição uni-versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati-va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona-mento permanente com os egressos, incentivan-do a educação continuada.

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Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan-do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente-mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-tível com os desafios que surgem no mundo contem-porâneo.

O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”.

Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-gica, contribuindo no processo educacional, comple-mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes-soal e profissional.

Portanto, nossa distância nesse processo de cres-cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-lidade e segurança sua trajetória acadêmica.

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Professora Me. Rejone Valentim Alves

Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (2003) e Especialização em Educação de Jovens e Adultos, Profissionalizante e Socioeducação. Mestre em Estudos Linguísticos - Análise do Discurso pela UEM. Atualmente é professora do Sistema Regular - Ensino Fundamental e Médio - pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Tem experiência na área de Educação de Jovens e Adultos e também na área de Socioeducação, com ênfase em Língua, Literatura, Linguagem e Discurso.

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APRESENTAÇÃO

LÍNGUA PORTUGUESA III

SEJA BEM-VINDO(A)!

Olá, prezado(a) acadêmico(a), primeiramente quero parabenizá-lo (a) pelo fato de ter perseverado em seus estudos e ter chegado até aqui. Evidentemente, esforços e renún-cias fizeram parte de seu percurso, mas acredito que isso foi imprescindível para a sua formação docente.

Tive o prazer de ministrar as aulas de Língua Portuguesa II e poder assim vivenciar com vocês o desafio que se delineia todos os dias na vida de um professor: o desafio de ensi-nar e, nesse processo, também aprender.

A prática docente é permeada por idas e vindas, teoria e prática são constantemen-te retomadas no cotidiano escolar, o qual se reveste de contradições que exigem do professor mais e mais. A procura por conhecimento é uma constante na vida docente. Os contextos mais banais, as situações externas à escola representam para o professor momentos em que o olhar se volta para a escola, paras as aulas. Quem de nós não se pegou vivenciando alguma experiência banal e, na sequência, pensar assim: “Isso dá para trabalhar com meus alunos”. Esse espírito inquieto e investigativo é que reveste a prática educativa de sentidos.

Nesse material, procurei trazer para vocês parte de anseios que tive quando do meu mo-mento de formação acadêmica. Era comum me perguntar como trabalhar determinado gênero textual e o que abordar diante dele. Na prática de sala de aula, como Professora do Ensino Fundamental e Médio, essa dúvida é sempre presente e essa situação encaro como sendo positiva, visto que só quem se indaga pode crescer. Só quem se pergunta, se questiona pode lançar mão do diferente e da permanente reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem, levantando o que não deu certo, o que faltou, o que deveria ser feito de outro modo, mas também percebendo aquilo que deu certo, os pontos po-sitivos e, o que é bem interessante, as surpresas surgidas na convivência com os alunos e na interação em sala de aula. O inesperado, aquilo que, muitas vezes, o docente nem imaginava que o educando compreendesse ou dissesse, vai se revelando a olhos vistos.

Nesse sentido, organizamos o material da seguinte maneira:

- Na Unidade I, você terá a oportunidade de ler sobre o histórico da Gramática Tradicio-nal e de como essa se legitimou no interior da nossa sociedade. Aliado a isso, discutire-mos como se dá a abertura para que outros estudos linguísticos se desenvolvam. Desse modo, trataremos da ascensão da Sociolinguística e de como essa oferece importantes conceitos com relação à Variação Linguística. Além disso, estudaremos o que é varia-ção e as classificações apresentadas para ela. Para isso, procuramos trazer exemplos de ocorrências que se dão no cotidiano e que precisam ser tratadas de forma adequada, consciente e planejada pelo professor. Nessa seção, tratamos também de um conteúdo fundamental para a prática docente, que é denominado “Concepções de Linguagem”. Compreender as implicações, bem como o projeto de educação que permeia cada uma dessas concepções é tarefa primordial do professor. Parafraseando a obra “O Pequeno Príncipe”, o educador precisa saber que é responsável por aquilo que “cativa” em sala de aula. Logo, se, na prática, reina de forma única e isolada uma concepção de expressão

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de pensamento, o docente deve compreender que estará contribuindo para a for-mação de sujeitos no mínimo submissos e que não questionam fatos de linguagem, nem tampouco terão condições de questionar, de forma crítica e autônoma, o meio social em que vivem. Não podemos esquecer que, de acordo com Paulo Freire, en-sinar é um ato político. Para finalizar essa unidade, trataremos do conceito de nor-ma-padrão e de como essa deve ser tratada na relação com o conceito de variação linguística no contexto escolar em que se pretenda emancipar os alunos por meio de uma Educação Linguística;

- Na Unidade II, apresentaremos a relação existente entre Variação Linguística e os Gêneros Discursivos ou Gêneros Textuais. Para isso, iremos retomar os importantes conceitos desenvolvidos por Bakhtin, uma vez que eles norteiam todo o trabalho sociointeracionista que se pretenda empreender em nossas salas de aula. Aprofun-dar as contribuições desse teórico é uma constante na vida do professor, uma vez que elas podem nortear a prática escolar e oferecer ao professor subsídios teóricos para agir conscientemente em seu contexto de atuação profissional. Além disso, falaremos, nessa unidade, sobre o conceito de “Agrupamentos de Gêneros Discursi-vos”, ferramenta que pode auxiliar muito o professor.

- Na Unidade III, desenvolveremos uma sugestão de trabalho com o gênero textual crônica, pertencente ao agrupamento do narrar. Para que isso se efetive, tratare-mos das especificidades desse agrupamento, bem como das referentes ao gênero textual crônica. Procuraremos traçar um paralelo com o tipo de variação linguística comumente apresentada nesse tipo de texto e de como o professor pode explo-rar esse fator de modo a proporcionar ao aluno uma aprendizagem significativa do gênero em questão. Introduziremos um importante conceito relacionado à meto-dologia de trabalho com os gêneros, que é o de Sequência Didática (SD) e Modelo Didático do Gênero (MDG). Posso garantir a você, prezado (a) aluno (a), que receber esse conhecimento irá ajudá-lo (a) em muito na sistematização e no planejamento de suas ações pedagógicas.

- Na Unidade IV, evidenciaremos uma proposta de trabalho com o gênero textual Questão Discursiva, pertencente ao agrupamento do argumentar. Demonstrare-mos as particularidades dos textos ligados ao domínio social e linguístico do Ar-gumentar, bem como as características peculiares das questões discursivas. Nosso foco é direcionado à montagem de uma sequência didática que objetive a leitura competente do aluno, pois entendemos que esse é o primeiro passo para que ele produza uma resposta satisfatória. Muitos dos problemas que percebo com relação às respostas produzidas pelos meus alunos passam, com certeza, pelas dificuldades surgidas no momento prévio à atividade de escrita da resposta, que é o de Leitura.

Na Unidade V, teremos a satisfação de trabalhar com o gênero textual Resumo. Ex-plico de onde vem essa “satisfação” que mencionei: a prática de solicitar Resumos é bem comum nas salas de aula, entretanto, a de ensinar Resumos não. O que se constitui, a meu ver, é um problema seríssimo. Devido a isso, mostraremos as espe-cificidades do agrupamento a que esse tipo de texto se liga, que é o agrupamento

APRESENTAÇÃO

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do expor. E, sobretudo, realizaremos um aprofundamento detalhado dos elementos temáticos, composicionais e estilísticos que compõem esse gênero, com o fim de instrumentalizar o trabalho docente, de modo a oportunizar a sua aprendizagem. Para encerrar essa unidade, demonstraremos um percurso de trabalho, por meio de uma sequência didática, com o Resumo, o qual esperamos que auxilie você, profes-sor(a), em sua labuta diária de ensinar.

De antemão, fica aqui o meu agradecimento a você, leitor desse material. Espero que com ele você possa interagir e agir, nos termos de Bakhtin, numa atitude res-ponsiva ativa, isto é, possa acrescentar a cada ideia apresentada a sua experiência como docente ou futuro docente, pois, assim, o processo de ensino-aprendizagem poderá ganhar e, de fato, poderei sentir que os conhecimentos apresentados, orga-nizados e sistematizados nesse material poderão ser uma “sementinha” para uma prática educacional que busque a emancipação dos alunos em sujeitos. Compreen-do que uma relação crítica e autônoma com a linguagem tem esse papel e, verda-deiramente, espero que as aulas de língua portuguesa sejam um espaço reservado a isso.

Professora Mestra Rejone Valentim Alves

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SUMÁRIO11

UNIDADE I

DA GRAMÁTICA TRADICIONAL À SOCIOLINGUÍSTICA: O PERCURSO HISTÓRICO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

17 Introdução

18 Breve histórico

23 Uma Discussão Sobre as Concepções de Linguagem

27 O que é essa tal de “Variação Linguística”?

29 Variação Linguística: por que ela se faz necessária nas salas de aulas?

31 A Sociolinguística – O Lugar Teórico da Variação Linguística

34 Variação e Variantes

44 Educação e Reeducação Linguística:isso existe?

49 Norma-Padrão e Variedades

55 Considerações Finais

UNIDADE II

O DIÁLOGO ENTRE OS GÊNEROS DISCURSIVOS E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

61 Introdução

62 Que diálogo existe entre Gêneros e Variedades Linguísticas?

71 Características dos Gêneros Textuais

75 O que podemos concluir até aqui?

80 Considerações Finais

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SUMÁRIO

UNIDADE III

O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

87 Introdução

88 O Gênero Discursivo do Narrar: Proposições Teóricas para o Trabalho em sala de aula

88 Por onde começar essa conversa?

95 Gênero Textual Crônica: uma proposta de trabalho

106 Considerações Finais

UNIDADE IV

AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO ARGUMENTAR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

113 Introdução

114 Agrupamento de Gênero Discursivo do Argumentar

117 Gênero Textual “Questão Dissertativa”: uma proposta de trabalho

119 Dimensões ensináveis desse gênero

123 O Papel do Leitor

125 Proposta de Sequência Didática

129 Considerações Finais

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SUMÁRIO13

UNIDADE V

AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO EXPOR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

135 Introdução

136 Agrupamento de Gêneros DiscursivoS do Expor: uma proposta de trabalho

140 Especificidades do Gênero Textual Resumo

142 A Prática de Resumir

146 Ações para a elaboração de um Resumo

148 Um exemplo de atividade para a Produção de Resumo

153 Considerações Finais

159 CONCLUSÃO163 REFERÊNCIAS165 GABARITO

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UNIDADE I

Professora Me. Rejone Valentim Alves

DA GRAMÁTICA TRADICIONAL À SOCIOLINGUÍSTICA: O PERCURSO HISTÓRICO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Objetivos de Aprendizagem

■ Apresentar o percurso histórico da Gramática.

■ Discutir sobre a trajetória histórica da Sociolinguística.

■ Tratar das concepções de linguagem.

■ Conceituar as Variações Linguísticas.

■ Relacionar as variações linguísticas com a prática de sala de aula.

■ Compreender a Educação linguística e a reeducação linguística.

■ Diferenciar norma-padrão e variantes.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

■ Breve histórico da Gramática

■ Discussão sobre as concepções de linguagem

■ O que é essa tal de variação linguística?

■ Variação linguística: por que ela se faz necessária nas salas de aulas?

■ A Sociolinguística – o lugar teórico da variação linguística

■ Variação e variantes

■ Educação e reeducação linguística: isso existe?

■ Norma-padrão e variedades

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Introdução

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INTRODUÇÃO

Caro(a) acadêmico(a), seja bem vindo (a) à unidade I. Nela, você irá encon-trar um apanhado teórico aprofundado sobre a Gramática Tradicional e o seu percurso histórico, além de outros aspectos sobre o trabalho com a língua por-tuguesa em sala de aula.

Trataremos ainda da relação desse campo de saber com o desenvolvimento de outras formas de conceber o fenômeno da língua, que seriam os estudos da Linguística, em especial, o da Sociolinguística, essa que tem como objeto de estudo a relação entre língua e sociedade, o que justifica seu estudo na disci-plina de língua portuguesa.

Nesse sentido, descreveremos as três concepções de linguagem que permeiam o trabalho com a língua nas escolas brasileiras e, nesse contexto, trataremos do modo como a Sociolinguística se legitimou e o que ela tem a oferecer para os professores de língua portuguesa.

Apresentaremos, ainda, o conceito de Variação Linguística e os tipos pre-sentes na língua portuguesa. Nosso objetivo será também delinear os principais conceitos envolvidos no que se chama de Educação Linguística. Para isso, tra-taremos, de forma detalhada, das questões relacionadas à norma-padrão e ao “status social” que essa possui e de como o professor pode efetuar uma prática educacional que reflita as questões inerentes à língua.

Vale dizer que compreender essas concepções se faz primordial para não se equivocar quanto ao ensino da Língua, de forma que esse ensino não se resuma a um apanhado de regras. Diante disso, é preciso compreender que trabalhar a língua portuguesa, nossa língua materna, em sala de aula não é especificamente ensinar gramática.

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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

I

BREVE HISTÓRICO

O estudo da linguagem é antigo e data desde o século IV a.C., pois os primei-ros estudos foram movidos por questões religiosas. Os hindus adentraram nos estudos da linguagem com o intuito de que os textos sagrados não fossem alte-rados quando fossem proferidos. Foram os hindus, por volta do século IV a.C., que se detiveram à observação e à produção de análises, as quais chegaram ao Ocidente no final do século XVIII.

Os gregos também contribuíram em grande medida para o cenário dos estu-dos linguísticos. A preocupação dos estudiosos gregos era movida pela seguinte pergunta: qual é a natureza da relação entre palavra e seu significado? Ou seja, a relação estabelecida entre a forma física da palavra e seu conteúdo propriamente dito é necessária ou arbitrária? Aristóteles chegou a desenvolver estudos refe-rentes à estrutura da língua e até desenvolveu uma teoria da frase, distinguindo partes do discurso e descreveu categorias gramaticais.

A visão de mundo que sustenta os estudos gramaticais feitos pela sociedade grega era pré-científica e a estrutura social era aristocrática. Isso significa dizer quem uma minoria da elite dedicou-se aos estudos da língua e evidentemente também foi uma classe minoritária que teve acesso a esses estudos. Fato explicado por questões próprias das relações de poder que imperavam nessa época. Tanto

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que na sociedade greco-romana antiga, a pessoa, para receber o título de cida-dão, ou seja, poder votar e governar, entre alguns critérios, deveria ser: homem e livre. Evidentemente, eram excluídos do direito de cidadania: mulheres e escra-vos, logo, uma grande parcela da população. A democracia grega, portanto, era reservada a poucos e numa equação de equivalência: somente era considerada “a língua” o uso realizado por essa minoria de cidadãos.

O mesmo ocorreu durante o Renascimento e, em consequência, as gramá-ticas produzidas nessa época eram advindas de uma elite, seleta e detentora do poder – exercida, sobretudo, por homens, livres, brancos e cristãos. Foi a lin-guagem usada por essa camada restrita da sociedade que se tornou modelo de correção linguística e impunha a todos os demais cidadãos o seu uso. Disso con-cluímos que o uso da língua de uma parcela menor, por questões econômicas e ideológicas, foi posta como se fosse representativas do todo.

Nos termos de Bagno (2002, p. 29), esse fato demonstra [...] um fenômeno histórico-social bastante conhecido: o esforço dos detentores do poder de mostrar que tudo o que surge no meio social é intrinsecamente bom e válido e, por conseguinte, deve ser adotado como modelo ideal por todos os demais membros da sociedade [...].

A noção de que a estrutura gramatical da língua seja universal e única, na Idade Média, ganha respaldo. Todas as línguas, independentes de quais forem, possuem as mesmas regras gramaticais. Embora o latim seja concebido como língua de prestígio, no século XVI, há o movimento religioso denominado por Reforma Protestante que impulsiona a tradução de livros sagrados em diferentes línguas. Muitas delas não eram nem conhecidas na época.

Em 1660, surge a Grammaire Générale et Rasionnée de Port Royal, que é também conhecida como a Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud. Essa gramática serviu de modelo para a produção de inúmeras gramáticas do século XVII. Elas orientavam-se pela noção de que a linguagem tem seus funda-mentos na razão e é expressão do pensamento. Os princípios observados nessas gramáticas não se prendem a uma língua em particular. Ao contrário disso, o entendimento que reinava é de que tais princípios serviriam aos mais diversos sistemas linguísticos. Observamos que o pensamento dominante concebe a lín-gua de forma abstrata.

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DA GRAMÁTICA TRADICIONAL À SOCIOLINGUÍSTICA:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

I

O foco dos estudos linguísticos, no século XIX recai sobre as línguas vivas e no estudo comparativo entre elas. Estamos falando do surgimento do método histórico, o qual estabelece o estudo que compara as línguas e demonstra suas alterações no decorrer do tempo. Essa forma diferenciada de ver a língua será a base da Linguística Histórica ou das Gramáticas Comparativas, cujo marco inicial deu-se com a publicação, em 1816, de Franz Bopp, de um estudo que comparava o sistema de conjugação do sânscrito ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico.

Os estudos comparativos levaram a descoberta de que há uma relação de parentesco entre as línguas, devido ao fato de elas apresentarem semelhanças. A observação de características comuns em diferentes línguas, pelo método his-tórico-comparativo, conduziu ao entendimento de que existem línguas que se originam de uma língua em comum. Um exemplo desse parentesco seria o espa-nhol, o português, o italiano, o francês em relação à língua de origem: o latim. Assim, é importante compreender que os estudos históricos procuravam anali-sar as transformações das línguas e, desse modo, explicar as mudanças ocorridas.

Ferdinand de Saussure, no início do século XX, confere o caráter cientí-fico aos estudos da linguagem. O professor da Universidade de Genebra funda a Linguística por meio da publicação do livro o Curso de Linguística Geral. Graças às anotações que dois alunos realizaram durante as aulas de Saussure é que se deu a publicação do livro que inaugura os estudos da linguagem dentro de uma ótica científica.

Observamos que o interesse pelo estudo da linguagem é antigo, contudo, isso não era feito de forma autônoma e estava submetido aos critérios impostos por outras áreas do saber, tais como: a lógica, a retórica, a filosofia, a história ou a crítica literária. Saussure possibilita que os estudos linguísticos sejam observa-dos pelos fatos inerentes à linguagem. O método científico requer observação, produção de hipótese, experimentação e pressupostos teóricos pertinentes.

O caráter científico da Linguística passa pela definição que Saussure faz do objeto de estudo dessa ciência. Dentro de todo o aparato da linguagem, esse autor fez algumas escolhas que foram determinando as características da Linguística. A escolha que vamos destacar é entre língua e fala, na qual o autor optou pela língua. Desse modo, o foco da Linguística fundada por Saussure é a língua – entendida como objeto de estudo, considerada em si mesma e por si mesma. O

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que isso significa? A língua é explicada por si mesma, pelo sistema que a cons-titui, uma vez que, para impor o rigor científico, Saussure necessitava de algo que fosse imutável e possível de ser descrito de forma regular. A fala, segundo o genebrino, não permitia uma descrição regular, visto que ela pode apresentar-se de forma variada até mesmo quando usada pelo mesmo falante. De forma diferente, ele compreendia a língua: imutável, ou seja, um sistema fechado que é sempre o mesmo.

O modo de entender a língua por ela mesma, em que cada elemento possui um valor determinado, chamou-se de Estruturalismo e os seus preceitos teó-rico-metodológicos serviram de ciência piloto para outras áreas das ciências humanas. De modo sucinto, os preceitos de Saussure são de natureza formal, porque só consideram os fatos internos da língua sob a forma em que se encon-travam em um determinado momento. Aqui reside uma outra escolha teórica feita por Saussure, que é a realizada entre Diacronia ou Sincronia. A primeira vê a língua em seus diferentes estados, comparando-os. Já a Sincronia – escolha feita pelo autor – preocupa-se com as manifestações linguísticas em seu estado usual, isto é, em seu funcionamento num dado momento.

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DA GRAMÁTICA TRADICIONAL À SOCIOLINGUÍSTICA:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

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Sincronia e Diacronia são formas diferentes de descrever a língua. O jeito de olhar e conceber uma questão linguística são distintos. De acordo com Fiorin (2006, p.18), “a descrição sincrônica analisa as relações existentes entre os fatos linguísticos num estado de língua; os estudos diacrônicos são feitos com base na análise de sucessivos estados da língua”.

A linguística centrada na metodologia da sincronia é chamada de Linguística teórica e tem por preocupação a construção de modelos teóricos e não o de descrever estados da língua. Nesse cenário, destacamos o papel da Gramática Tradicional, a qual privilegiou a análise da língua escrita, não a diferenciando da língua falada. Além disso, colocou a escrita em um patamar de elevado res-peito, fazendo com que essa fosse tida como modelo de correção para o uso da língua em geral. Isso não aconteceu da noite para o dia, pois a gramática durante o seu percurso histórico demonstra muito claro alguns posicionamentos teóri-cos no trato com a linguagem.

Mas, o que podemos destacar do histórico da gramática para que entenda-mos o status, o valor, que hoje ela possui em nossa sociedade? Vamos a um breve percurso histórico da gramática. A primeira gramática foi escrita por Panini (século IV a.C.) sobre o sânscrito e teve por objetivo central preservar a língua sânscrita culta e defendê-la das variações populares. Motivada por esse objetivo, tal gramática, bem como as que se seguiram, conservou um caráter prescritivo e normativo. Em outras palavras, o foco era prescrever o uso correto e fortale-cer um determinado uso da língua em detrimento de outros.

Nesse momento, é importante que tenhamos bem claro que o dever do gramático era o de dizer como é a língua e, assim, descrever suas ocorrências, ditando, desse modo, a forma de uso do sistema linguístico pelos falantes, isto é, como a língua deveria ser. Tal fato ocasiona, nos termos de Fiorin (2006), uma visão reduzida da questão da língua, a qual não é concebida como heterogênea. Ao invés disso, é vista como única, como homogênea, ou seja, apenas o uso cor-reto interessa e é válido. Diante disso, você pode se perguntar: “O uso da língua ocorre apenas de uma maneira?” Evidentemente que não. Porém, o autor nos chama a atenção para a seguinte situação:

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[....] nas sociedades contemporâneas expressar-se segundo a norma, fa-lar certo continua sendo valorizado, porque a correção da linguagem está associada às classes altas e instruídas, é uma das marcas distintivas das classes sociais dominantes (FIORIN, 2006, p. 19).

A consequência direta disso é que o ensino de língua portuguesa, nas escolas brasileiras, massacra os outros usos da língua e os rotulam como incorretos. Essa situação, para nós, não favorece uma educação linguística, que é aquela focada na análise da língua como um objeto de conhecimento diverso e com uma variedade plural. Ao contrário das fronteiras impostas pelo olhar da gramática tradicional, nosso estudo, neste livro, considerará, de forma especial, a língua em sua carac-terística singular, que é: variar, adaptar-se, modificar-se, a fim de que possamos fortalecer a educação linguística dos sujeitos.

Para tanto, passaremos a conversar sobre as concepções de linguagem, pois são elas que fundamentam o trabalho docente, bem como a forma como esse se relaciona com o ensino da língua. Além disso, o estudo desse conteúdo per-mitirá ao leitor (professor, formador, aprendiz) compreender as condições que possibilitaram o estudo dos diferentes usos da língua.

UMA DISCUSSÃO SOBRE AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

O olhar sobre a língua portuguesa vem sofrendo alterações consideráveis e que repercutem no modo como essa é trabalhada no contexto escolar brasileiro. É necessário que entendamos que a forma de conduzir o trabalho com a língua é fruto da concepção de linguagem predominante em determinada época ou em determinadas práticas escolares. Isso porque apresentaremos concepções de lin-guagem bem pontuadas num determinado tempo histórico, contudo, nas ações escolares, é possível verificar o uso de uma ou outra concepção. Desse modo, não podemos afirmar que o legado de uma concepção se dá de forma cronológica, mas o que de fato compreendemos é que o processo de ensino-aprendizagem pode demonstrar em seu percurso diferentes concepções de linguagem. Talvez

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o que valha apenas questionar é: qual concepção de linguagem apresenta-se como predominante? Esperamos que esse seja o caminho mais relevante para uma prática educativa comprometida com a aprendizagem dos alunos e na for-mação de sujeitos autônomos.

Para que você, leitor(a), compreenda melhor o que queremos dizer, ini-ciaremos a apresentação das três concepções de linguagem que permearam e permeiam a relação com a língua. O professor de língua materna necessita domi-nar os conceitos dessas teorias da linguagem e, sobretudo, apresentar sempre uma ação reflexiva sobre a sua prática e sobre a concepção de linguagem que subsidia o seu trabalho, uma vez que a forma com que o profissional concebe a lingua-gem interfere de forma preponderante no processo de ensino-aprendizagem.

Para Geraldi (2003), o uso de uma ou outra concepção de linguagem demarca uma opção, antes de tudo, política e relacionada à seguinte questão: para que se ensina o que ensinamos? A resposta a essa pergunta encaminha, segundo o autor, a respostas de outras questões: como ensinar? Quando ensinar? O que ensinar?

Precisamos, como professores de língua portuguesa, ter a percepção de que o “para que ensinar” envolve a concepção de linguagem que adotamos e essa, por sua vez, remete-se a uma concepção educativa. Veja, prezado(a) aluno(a), tais tomadas de posição referem-se às articulações metodológicas que orientarão o seu trabalho em sala de aula, as quais, antes de tudo, contribuirá em alguma medida para a formação dos sujeitos. Considerando o exposto, passemos ao estudo das três concepções de linguagem.

A primeira concepção de linguagem apregoa que a língua é expressão do pensamento e centra-se na tradição gramatical, alicerçada na Grécia Antiga. A visão que impera é a de língua homogênea e formada por uma série de regras, as quais os falantes devem dominar com perfeição e apuro, a fim de que a expressão dos pensamentos ocorra também de forma apurada. A prática escolar recor-rente é aquela que privilegia as atividades isoladas do contexto social, uma vez que para essa teoria a língua vale por si mesma. Essa linha considera que quem não sabe escrever, ou seja, aquele que não domina com esmero a língua, é por-que não pensa direito. Nesse ponto, conseguimos verificar que não há abertura alguma para as variações linguísticas, não como quesito merecedor de estudo e de análise, pois serão consideradas como incorreções de pensamento, visto que

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não correspondem ao uso padrão da língua. De forma sucinta, a concepção de linguagem como forma de pensamento

preconiza que a expressão é produzida no interior das pessoas e na forma como essas traduzem seus pensamentos. A doutrina que impera é a normativa: “O que é certo é certo, o que é errado é errado e ponto final”. Os alunos aprendiam as regras do bem falar e escrever e as produções de textos propostas eram apenas transposição de regras gramaticais que primassem pelo bom emprego da língua.

A segunda concepção de linguagem concebe a língua como um código que visa à comunicação como fim único, isto é, o objetivo da língua é ser instrumento de comunicação – capaz de transmitir de um emissor X uma mensagem A para um receptor Y. A língua é encarada como um conjunto de signos que se combi-nam conforme regras pré-estabelecidas e que independem da ação dos falantes. Tal modelo é baseado nas teorias de comunicação elaboradas por Jakobson, o qual destaca o seu alicerce nas funções de linguagem, as quais podem estar cen-tradas: na mensagem, no canal, no emissor, no receptor. A comunicação se daria de forma estanque entre os agentes que integram o processo comunicativo, bas-tando que esses dominem o código linguístico.

Não se percebe nessa concepção a valorização do fator histórico, uma vez que a função predominante da língua é a de ser meramente informativa. As ati-vidades e os exercícios recorrentes nos livros didáticos e nas salas de aula de todo o Brasil eram de natureza estruturalista, tais como: a) Complete as frases como o modelo; b) Preencha as lacunas com as palavras entre parênteses etc. Estudiosos, tais como Geraldi, apontam a ligação dessa concepção de lingua-gem com a do império do tecnicismo, o qual apresentava como força motriz o reforço, o hábito e a exaustão.

Desse modo, precisamos compreender que não era possível aos professores apreenderem se ocorria uma aprendizagem significativa (como aquela preconi-zada por uma concepção de linguagem interacionaista), uma vez que seus alunos apenas reproduziam modelos, os quais não exigiam elaborações complexas por parte dos sujeitos, mas exigia apenas estratégias ligadas à cópia e à mera obser-vação desvinculada de um contexto maior. Ainda podemos dizer que, para os professores e professoras da época e segundo os moldes da formação que rece-biam, a aprendizagem era justamente medida pela capacidade que os alunos

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possuíam de reproduzir tais regras ligadas ao código linguístico. A concepção de linguagem não permitia que se vislumbrasse, que se almejasse um outro tipo de aprendizagem, ou melhor, o cenário econômico marcado pelo tecnicismo não exigia outro saber. A escola serve, segundo alguns teóricos, como mera repro-dutora do que preconiza o poder econômico.

A terceira concepção de linguagem considera o sujeito e vê a língua como atividade interativa, marcada por uma série de negociações inseridas e, sobre-tudo, sob o domínio das relações sócio-históricas. O objetivo central da língua não é o de apenas comunicar ou de expressar pensamento, mas sim o de se cons-tituir como espaço de interação humana. Nesse sentido, as negociações que falamos a pouco seriam exemplificadas como as práticas e as ações estabeleci-das pela linguagem, ou seja, dada enquanto o sujeito fala ou escreve. Assim, a linguagem é entendida em sua dimensão sócio-histórica e isso significa conside-rar a presença de sujeitos inseridos em grupos sociais específicos e realizadores de práticas sociais.

A língua, nessa visão de linguagem, tem sua existência garantida pelo cerne das relações sociais, pela interlocução que encerra. E é no interior de tais relações que se pode apreender as regras de funcionamento da língua e de constituição dos sujeitos que dela fazem uso. Se, antes, a língua se constituía em um arca-bouço de regras estanques, isoladas e a serviço ora da expressão do pensamento, ora da comunicação, agora, a natureza das enunciações é que estabelecerá as regras do dizer.

Nesse ponto, caro (a) aluno (a), precisaremos entender que a terceira con-cepção de linguagem traz como fruto a seguinte conclusão: a língua deve ser entendida em sua exterioridade, isto é, não mais isolada, mas sim conduzida pela vida social dos sujeitos. A partir desse entendimento, passaremos a tratar sobre as Variações Linguísticas – um dos pontos-chave dos nossos estudos.

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O que é essa tal de “Variação Linguística”?

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O QUE É ESSA TAL DE “VARIAÇÃO LINGUÍSTICA”?

Entender a língua em sua exterioridade é, dentre outros fatores, centrar-se no sujeito e no social. O que vem propiciar o desenvolvimento de estudos relaciona-dos à Sociolinguística – campo teórico que permite que os estudiosos considerem a variação linguística e conceda a essa um espaço de grande relevância para o processo de ensino-aprendizagem.

Ao considerarmos que o Brasil é um país extremamente heterogêneo quanto a sua formação cultural, podemos estender essa heterogeneidade para o campo da língua. Não podemos ignorar que o nosso país, além de possuidor de uma diversidade cultural singular, é dono, também, de uma diversidade linguística na mesma medida. Para exemplificar isso, descrevemos a seguinte situação: o Brasil é um país de território extenso e detentor, de acordo com Oliveira (2000), de cerca de 200 idiomas, incluídos nesse número as línguas indígenas e as tra-zidas pela população de imigrantes que adentraram o país. Fica bem evidente que com essa diversidade de língua não há a mínima possibilidade de que não haja uma profunda e produtiva relação entre elas, a depender de questões sociais e históricas. Um exemplo disso é a presença, no idioma de língua portuguesa, de termos de natureza indígena, africana e europeia. Tais termos são facilmente encontrados nos dicionários de língua portuguesa e demonstram o quanto a língua não é um sistema fechado, mas sim, um fluxo, uma corrente que encon-tra sempre águas diferentes. A língua é vazada e por esses espaços, conforme as relações sociais dos sujeitos na relação com a história, recebe novas formas, as refuta ou as reinsere em um novo formato.

Um exemplo para que você possa compreender o que explicitamos sobre a língua como um sistema vazado é o uso do termo “pior” tal como vem ocorrendo em nossa contemporaneidade. O dicionário, há alguns anos, não relacionava o uso desse termo em situações em que os falantes desejassem expressar concor-dância a algo emitido dentro do contexto sócio-comunicativo. Ou seja, o termo “pior” era utilizado para designar algo que estava ruim, isto é, era usado como adjetivo. Entretanto, é comum vermos o uso dessa palavra como que para emitir um juízo de concordância entre os interlocutores e, além disso, manter a função fática da comunicação entre eles.

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Veja isso no seguinte exemplo: o adolescente narra os fatos de uma festa para um amigo: “A festa estava muito massa. Tinha um monte de garotas e a banda era irada”. O amigo responde: “Pior”.

Avesso a essa realidade de diversidade, impera, muitas das vezes, nas esco-las brasileiras, a ideologia do monolinguismo. Em resumo, essa ideologia busca padronizar a língua utilizada por todos os falantes de um país. Nessa conjuntura, a escola privilegia o ensino da língua portuguesa em sua modalidade padrão e ao desconsiderar outras formas de uso do português é que notamos a força de linha ideológica. O multilinguismo é abafado, ou seja, a existência de outras lín-guas e de outras formas de utilização da língua portuguesa é ocultada.

Os estudos que realizamos as concepções de linguagem nos mostraram que, antes da terceira concepção de linguagem, a variação linguística não era objeto de ensino. A função da escola era formar falantes e escritores da língua portu-guesa padrão e qualquer ocorrência fora do modelo da gramática tradicional era enquadrada, de forma irredutível, como sendo erro. Além disso, podemos mencionar que sobre as ocorrências diferentes do que previa a norma-padrão incorria forte preconceito linguístico.

A prática descrita acima faz parte do passado ou ainda permeia o ambiente escolar? Podemos dizer que essa prática é muito presente na escola, nos mate-riais didáticos e também é divulgado de forma assídua pela mídia brasileira, o que faz que a ideologia do monolinguismo ganhe cada vez mais consistência. Devido a isso, ainda é possível destacarmos como atividades recorrentes em sala de aula pautadas naquelas que são baseadas na noção de “certo” e “errado” e, além disso, preocupadas com a prescrição de normas gramaticais e com a cor-reção das falas emitidas pelos sujeitos.

Nesse contexto, faz-se necessária a formação de professores de língua ali-cerçada no sociointeracionismo. A língua, nesse viés, é resultante do confronto estabelecido entre os interlocutores, numa relação dialógica. A partir dessa con-cepção, não se apregoa o “extermínio” do saber da gramática. De maneira alguma isso é defendido. A reivindicação relevante é a de que a norma-padrão não seja entendida como a única forma de uso da língua, isto é, como forma elevada de uso e tão logo superior a qualquer outra variedade.

Nesse mote, não se exclui o papel da escola de oportunizar o ensino da

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Variação Linguística: por que ela se faz necessária nas salas de aulas?

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língua-padrão. Na realidade, ele deverá ocorrer de forma que os alunos apreendam nas contradições existentes no contexto social o surgimento, o funcionamento e a relevância das variações linguísticas. Assim, evidenciamos que o sociointeracio-nismo não vem abolir a norma-padrão, porém vem redimensionar o seu papel e alinhar que o ensino possa ocorrer de forma dialética. Entendamos esse redi-mensionamento com a seguinte descrição: antes, o aluno que escrevesse numa produção de texto solicitada pelo docente uma variação linguística que não res-peitasse as normas da língua padrão era imediatamente rechaçado. A correção era impetuosa e não admitia meio termo. Com o novo olhar sobre a língua, o ensino de língua portuguesa passa a discutir com o aluno o uso da variação lin-guística e o contexto adequado de seu uso. O processo de ensino-aprendizagem conduzirá o aluno a perceber se a variação linguística que usou é pertinente ao contexto de produção estabelecido na produção textual. Há a abertura para uma interação social que leve à aprendizagem e que aprimore a capacidade linguística do aprendiz. Nesse processo, aprende o aluno e aprende o professor.

A norma-padrão deve ser aprendida na escola e entendida como uma varie-dade linguística que dentro de alguns parâmetros de natureza social e econômica recebe prestígio e valoração. Ensiná-la de forma que os alunos entendam as rela-ções que estão por trás disso é fundamental para que se tenha um ambiente aberto ao diálogo e à aprendizagem da língua de forma menos agressiva ao saber lin-guístico trazido pelos usuários da língua.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: POR QUE ELA SE FAZ NECESSÁRIA NAS SALAS DE AULAS?

A democratização da escola, a partir da década de 90, fez com que a clien-tela da escola modificasse por completo. Se antes reinava um cenário marcado pela homogeneidade social, o que se vê com a abertura política é o espaço esco-lar marcado pela heterogeneidade. Desse modo, o alunado tem como marca expressiva o uso de diferentes dialetos. Pensemos como a mudança de perfil da

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clientela escolar encerra uma série de contradições, entre elas, destacamos: uma escola que privilegia norma-padrão e menospreza outros usos sobre a língua. Imaginemos que situação difícil os professores enfrentaram, visto que a base conceitual que imperou a formação desses profissionais foi pautada na cultura de língua homogênea, contudo, o cenário escolar, sempre interligado às questões históricas e políticas, impelia nesse momento um processo de democratização caracterizado pelo aumento de vagas nas escolas públicas, antes tido como espaço restrito e relegado à classe social de prestígio.

O ensino de língua pautado em concepções de linguagem que não conside-rem de forma significativa as variações linguísticas e que elegem uma visão de língua homogênea e centrada em si mesma acaba por impor a toda essa gama de alunos que adentram a escola pública um espaço de reclusão e de fracasso esco-lar. Isso porque a língua ensinada nos bancos escolares não faz sentido para os falantes, os quais acabam por não se reconhecerem como também proprietários da língua, mas, ao contrário, a língua, que poderia ser instrumento de união, constitui-se como lacuna. Nesses termos, é interessante recuperamos Geraldi (2005), que fala que a linguagem pode romper com uma cultura de negação do poder. Nega-se o poder usando-se a linguagem, entretanto, o uso dela, de forma consciente e autônoma, pode romper com esse círculo vicioso: “[...] se ela serve para bloquear – e disso ninguém duvida -, também serve para romper o blo-queio” (GERALDI, 2005, p. 44).

Geraldi (2005) defende que o professor deve oportunizar aos alunos o acesso, a aprendizagem e o domínio de outra forma de uso da língua, no caso, a língua padrão, de forma que isso não represente depreciação e, sobretudo, desrespeito aos laços familiares e culturais dos alunos.

Devido ao desenvolvimento da teoria sociointeracionista que concebe a lín-gua em mudança, e não estática, o entendimento de que a língua transforma-se no tempo, pelo tempo, na história e por ela, caiu por terra a homogeneidade pre-gada pela gramática tradicional. A língua muda no social e a isso chamamos de fatores externos. Antes, a corrente estruturalista analisava a língua em seu pro-cesso interno, sem vinculá-la aos fatores que não estivessem inseridos no sistema linguístico. Por sua vez, interligar a língua ao social é uma posição teórica assu-mida pela Sociolinguística Variacionista, surgida no início dos anos de 1960. O

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estudo da língua pautado na interação social coloca que ela tem sua mudança determinada pelo contexto sócio-histórico e isso acarreta dizer que o sistema linguístico é marcado pela heterogeneidade: tanto dentro de uma mesma língua quanto se comparamos línguas distintas.

A SOCIOLINGUÍSTICA – O LUGAR TEÓRICO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Todas as considerações que refletimos anteriormente sobre a Variação Linguística se deram ao longo do desenvolvimento de uma área dos estudos da linguagem – a Sociolinguística. Passaremos a ver como essa ciência se desenvolveu e também as suas especificidades, além de como as discussões que propõem instauram um modo diferente de conceber a relação entre língua e sociedade.

A Sociolinguística é um ramo dentro da Linguística, que vai considerar a relação entre homem, sociedade e linguagem. A Sociolinguística teve origem multidisciplinar e nasceu no esteio da Antropologia Linguística.

O seu objetivo é demonstrar a relação existente entre as variações linguísticas e as questões sociais postas em voga em determinadas épocas e por determina-ções organizações societárias. Em outras palavras, essa área relacionará os usos da língua de uma determinada comunidade às estruturas sociais que as regem. O entendimento básico é o de que qualquer língua é formada pelas suas varia-ções. Devido a isso, dizemos que o sistema linguístico é heterogêneo, ou melhor, é representado por diversas variedades e descrevê-las, sistematizá-las é função primordial da Sociolinguística.

Observe, prezado(a) aluno(a), o avanço que isso representa se pensarmos que, em determinadas conjunturas históricas dos estudos linguísticos, a varia-ção linguística não era nem mencionada. Agora, ela não só é mencionada, como é foco de um estudo sério, profundo e, sobretudo, capaz de tornar a prática de sala de aula muito mais próxima dos alunos e, portanto, mais relevante a eles.

De forma sucinta, o foco da Sociolinguística é realizar o estudo da língua

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em situação concreta de uso. Desse modo, a observação, a descrição e a análise interligam-se ao uso da língua em contexto real. Essa linha é também conhe-cida como ciência da linguagem social e assume que, em um mesmo ambiente, coexistam diferentes variedades da língua. A preocupação é, dentro de cada con-texto, a análise das probabilidades de uso de uma ou de outra variante.

O autor que inaugura dos estudos sociolinguístico é William Labov, que, impulsionado a superar o modelo formalista da língua, em especial o modelo gerativista de Chomsky, considera a relação entre língua e sociedade, a fim de descrever e de sistematizar as variações ocorridas dentro de uma língua.

O estudo de Labov, publicado em 1963, deteve-se no inglês falado em uma pequena ilha de Martha’s Vineyard, no estado de Massachussets. O pesquisa-dor observou a pronúncia do inglês no que se refere ao ditongo. Para realizar essa análise, ele considerou aspectos como: gênero, ocupação, idade, etnia. E pode assim perceber que o uso dessa forma de ditongo fora herdado dos colo-nos Yankees do século XVII e correspondia à necessidade que alguns nativos tinham de se impor e resistir à cultura difundida pela população que visitava a ilha. Notamos, por meio da pesquisa de Labov, a relação profunda existente entre linguagem e sociedade.

O referido estudo realiza uma análise do inglês e sua estratificação social em New York, fixando um modelo de interpretação do fenômeno linguístico para o contexto urbano, o qual foi chamado de Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação.

Podemos nos perguntar, diante do exposto: qual é o objeto de estudo da Sociolinguística? O que ela estuda na verdade? Como procedem os seus estudos e o que isso tem a ver com a prática docente nas escolas brasileiras?

Iniciaremos tratando do objeto dessa linha de pesquisa. O objeto desse ramo da Linguística é a língua em funcionamento em seu contexto social. A língua tem o seu uso relacionado à comunidade linguística em que se insere. É condi-cionado pelas interações verbais dos falantes em suas comunidades nas quais a língua é estudada. Cada comunidade, movida pela natureza de suas interações verbais, compartilha normas quanto ao uso da língua. Tais normas não querem dizer que todas as pessoas de uma certa comunidade falaram de forma igual, mas que elas orientaram a sua relação com a língua por um conjunto de regras

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iguais. Em outras palavras, ao se analisar o falar de uma comunidade linguís-tica, notar-se-á que ela apresenta diferentes modos de falar, de usar a língua. A Sociolinguística classifica essas formas de variedades linguísticas. O conjunto de variedades linguísticas apresentado por uma comunidade forma o que se chama de repertório linguístico.

Outro fato importante a ser lembrado é que para a Sociolinguística a língua é representada por uma série de variações. Um exemplo disso é se pensarmos que as pessoas que habitam uma mesma cidade muito provavelmente demons-traram um repertório de variedades linguísticas, cuja origem interliga-se ao fator regional, à classe social, à profissão, à escolarização e à situação imediata da comunicação. Tanto que é bem comum que alguns professores, em suas aulas, quando estão explicando conteúdos para alunos ainda em séries iniciais com vistas à compreensão desse público, ainda com algumas limitações, próprias da idade ou do grau de instrução no qual se inserem, fazem uso da língua de forma mais simples, intencionando que essa não seja um obstáculo, mas sim um facili-tador naquele momento. Devido a isso, acaba sendo comum, na linguagem oral e em situação informal de sala de aula, o professor fazer uso da forma pronomi-nal (dos oblíquos) de uma maneira que a gramática consideraria “erro”. Exemplo: Professor diz, referindo-se à atividade que propôs: “Vou explicá-la para vocês” E observa pelo olhar dos alunos um certo estranhamento e reelabora: “Vou expli-car ela pra vocês”.

Nesse sentido, uma reflexão interessante suscitada pelos estudos sociolin-guísticos seria o de tentar compreender as razões que levam a turma a estranhar o uso prescrito pela norma tradicional a ponto de isso abalar em algum grau o processo de entendimento dos alunos. Não que esses não vão compreender o dito do professor, contudo, esse estranhamento torna-se um obstáculo imediato para a aprendizagem. Quando o professor reedita o seu dizer, ele colabora para que os alunos reflitam quanto aos diferentes usos da língua e associem as significações do uso desses pronomes. E isso não tem nada a ver como noções estritamente de metalinguagem gramatical, ou seja, que o aluno saiba dizer que tal palavra é pronome. Mas tem a ver com o fato do aluno perceber a palavra funcionando, referindo-se a um nome. Essa percepção é muito mais complexa do que saber a metalinguagem de maneira isolada e descontextualizada.

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Isso baliza uma ideia básica da Sociolinguística: qualquer língua, usada por qualquer pessoa e qualquer comunidade, demonstra variações. Tanto assim que entendemos que a língua é composta pela diversidade e esse aspecto constitui o fenômeno linguístico, o qual não é formado apenas por aquilo que prescreve a gramática tradicional (isso é apenas parte da língua), mas pelas enunciações elaboradas pelos interlocutores ao longo das interações verbais.

A variação linguística é o objeto principal da Sociolinguística. Ela acredita que as ocorrências linguísticas e suas variedades podem ser sistematizadas e observadas. Sempre respeitando a língua em uso, ou seja, na ação concreta de falantes de uma certa comunidade.

VARIAÇÃO E VARIANTES

A primeira consideração que precisamos ter é que a língua portuguesa, como qualquer outra língua, varia. No caso da língua portuguesa, podemos citar como exemplo o fato de que o português falado na cidade de São Paulo não é o mesmo do apresentado no Rio de Janeiro, que, por sua vez, não é o mesmo do estado do Paraná. Além disso, se afunilarmos ainda mais o nosso olhar, observaremos que no estado do Paraná, por exemplo, a língua demonstrada na capital Curitiba apresenta diferença se compararmos com a do centro-oeste desse estado.

A comunicação será estabelecida, as pessoas vão se compreender e a variação não chega ao ponto de não permitir que ocorra a comunicação. O que acontece é que o falante nascido e criado numa região diferente a do Rio de Janeiro, por exemplo, poderá estranhar em maior ou menor grau um determinado léxico ou vocábulo de uma sentença, entretanto, haverá pontos de entendimento que farão com que o sentido se estabeleça, mesmo que sejam mínimos. Pensemos na seguinte situação: um morador da região Sul ou Sudeste poderá ter certa difi-culdade em entender a seguinte sentença pronunciada por um falante baiano: “Hoje farei um doce de jerimum”. O falante da Bahia refere-se ao famoso doce de abóbora. Embora possa haver um desconhecimento desse termo por parte

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do falante do Sul ou Sudeste, a interação verbal pode facilmente resolver essa situação de possível ambiguidade. Em outras palavras, a situação de comunica-ção e a ação dos falantes vão revestindo de sentidos os termos usados. Esse tipo de variação exemplificada é chamado de “variação lexical”, porque acontece no nível lexical, e é considerada um exemplo de variação linguística, porque “um ou outro termo” pode ser utilizado para referir-se ao mesmo significado, ao mesmo referente no mundo.

O caso descrito acima demonstra o único tipo de variação linguística exis-tente? Obviamente que a resposta é não. Em um mesmo ambiente, o mesmo vocábulo, dependendo da situação, pode ser pronunciado de maneiras diferen-tes. Confira um exemplo disso: é recorrente na cidade de Maringá, PR o vocábulo “pior” sendo pronunciado como “pió”. Esse uso é recorrente em contextos infor-mais e que objetive causar humor e/ou que demonstre intimidade entre os falantes.

Desse modo, entendemos que os usos da linguagem em determinadas comu-nidades linguísticas estão sujeitos a variar. Esses usos são chamados de formas linguísticas em variação, isto é, variantes. O uso delas não acarreta alterações de sentido. Para entender melhor o que é variante, pensemos no uso ou não do plu-ral em nomes, melhor dizendo, na relação entre determinantes e determinados. É recorrente a aparição das seguintes formas: “Os meninos bonito” / “Os meni-nos bonitos” / Os menino bonito. É necessário que você note que a pluralidade no sintagma nominal exemplificado sofre variação e que as formas linguísticas demonstradas são denominadas “variantes”. Em outras palavras: a presença ou não do “S” é variante do plural. Essa marcação de plural está em variação no uso concreto realizado pelos falantes de língua portuguesa.

Sabemos que apenas a ocorrência que demarca o morfema S é aceita pelo padrão estabelecido pela Gramática Tradicional, entretanto, as outras apari-ções não devem ser ignoradas, rejeitadas e rotuladas. Devem, antes de tudo, ser o ponto de partida para uma reflexão linguística que de fato torne o estudo da língua significativo para os aprendizes. Logo, as questões que os usos do “plu-ral” observados no sintagma nominal descritos necessitam provocar em sala de aula girariam em torno do levantamento dos fatos linguísticos e socioculturais que determinam o uso de uma ou outra variante e quais as implicações desses usos em dados contextos da vida social.

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Concluímos, portanto, que o uso de um elemento linguístico no lugar do outro sem que isso acarrete mudança de significação é denominado de varia-ção linguística e as diferentes formas linguísticas que podem ser usadas em um mesmo contexto sem que isso implique alteração de sentido são chamadas de variantes. Desse modo, a demarcação do plural apresenta as seguintes “varian-tes”: Nós fomos / Nós fomo / Nós foi. E se tratarmos de marcação pronominal da primeira pessoa do plural, observamos o uso de duas variantes: nós / nóis. O uso de uma forma ou outra não representa mudanças quanto ao significado. Nesse sentido: entendemos que o pronome na primeira pessoa do plural é um elemento linguístico que apresenta variedade linguística e tem duas variantes (nós e nóis). O uso de uma forma ou outra é determinado por fatores externos: sociais, culturais, econômicos, bem como de formalidade e de informalidade.

Por isso, prezado(a) aluno(a), caso o uso do “nois” motive em você uma aversão voraz, tranquilize-se, porque nossa proposta, neste livro, é dar condi-ções para que o profissional de Letras lide com os mais diferentes usos da língua portuguesa, de forma a prezar pela Educação Linguística. Dado assim é que os estudos da Sociolinguística contribuem para que compreendamos que os dife-rentes usos da língua não a empobrecem e nem tampouco depreciam o valor do sujeito que a usa. Desvalorizar o sujeito pelo comportamento verbal que ele demonstra representaria, de acordo com muitos estudiosos de variação linguís-tica, um exemplo de preconceito linguístico, isto é, um preconceito cuja arma, o ponto discriminatório, ocorra pela língua.

A respeito disso, Bortoni-Ricardo (2005) assevera que a escola não pode desprezar as diferenças sociolinguísticas apresentadas pelos alunos. Cabe ao pro-fessor ter consciência e, assim, conscientizar os educandos de que os diferentes usos são utilizados para finalidades comunicativas diferentes e que, sobretudo, são recebidos pela sociedade de maneiras diferentes: alguns são prestigiados; outros são desvalorizados. A autora conclui, afirmando:

[...] Os alunos que chegam à escola falando ‘nos cheguemu’, ‘abrido’ e ‘ele drome’, por exemplo, têm que ser respeitados e ver valorizadas as suas peculiaridades linguístico-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender as variantes do prestígio dessas expressões. Não se lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de se fecharem para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O caminho para uma democra-

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cia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais importante (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15).

Nesse momento, é importante que você compreenda que as variantes demons-tram o quanto a língua é um processo concreto e relacionado com o social. E, diante disso, torna-se relevante considerar que, de acordo com Bagno (2007), uma variedade linguística é o modo próprio de usar a língua de um determi-nado grupo (seja ele qual for) e variantes linguísticas são as diferentes formas de falar, de enunciar um mesmo referente.

Elas podem ocorrer em diferentes níveis da língua. A variação linguística aparece nos seguintes níveis: fonológico, morfológico, sintático, semântico e estilístico-pragmático.

Enfim, os casos de variação que trouxemos até agora serviram para dar uma breve introdução sobre os tipos de variação linguística, ou seja, foram uma leve “pitada” para inaugurar nossas discussões. A essa altura de nossos estudos, você pode se perguntar: o que provoca a ocorrência de variações?, de onde elas sur-gem? Dúvidas essas compreensíveis e esperadas, uma vez que até o momento afirmarmos que língua e sociedade são indissociáveis e que língua e variação também, mas não aprofundamos ainda na explicação das diferentes varieda-des linguísticas que constituem a nossa língua e, por consequência, como isso acarreta o nosso trabalho em sala de aula, sobretudo, pela prática com os gêne-ros discursivos.

A fim de responder tais perguntas, passaremos ao estudo da classificação das variedades linguísticas, bem como a explicação de suas características e de como elas surgem. Em princípio, apresentamos a você os tipos de variações: diacrônica, diatópica, diastrática, diamésica e diafásica. Em unidade posterior, inseriremos as variações linguísticas dentro dos gêneros discursivos, uma vez que a palavra não aparece isolada na sociedade, na verdade, pelo seu caráter ideológico, como nos apregoa Mikhail Bakhtin em suas obras, ela é repleta de significações que são fruto do social e das interações verbais dos sujeitos.

a) Variação diatópica:Esse tipo de variação ocorre ao compararmos o uso da língua existente em

diferentes regiões do país ou de um estado, por isso é denominada de Variação

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Geográfica. Ela se dá quando falantes de uma mesma língua apresentam varia-ções motivadas por especificidades culturais de dadas regiões. O termo diatópico tem origem grega e segmentado significa: diá (através de) e tópos (lugar).

Um primeiro exemplo desse tipo de variação seria a forma como algumas pessoas pronunciam as palavras, isto é, a prosódia ou o sotaque. Assim, vamos explicar alguns casos relacionados à pronúncia:

O uso da vogal [o], quando pretônica e átona, é pronunciada por alguns falantes de forma aberta [ó] e outros pronunciam [ô]. Assim, é comum escutar-mos a palavra novela podendo ser pronunciada das seguintes maneiras: [n] [ó] [v] [e] [l] [a] / [n] [ô] [v] [e] [l] [a]. Tente observar que o mesmo ocorre com as palavras: corrente e nojento.

Contudo, não é só com a pronúncia do fonema vocálico [o] que a variação da pronúncia pode ocorrer motivada por fatores regionais. Atentar para pronún-cia do [r] que é extremamente significativo para a compreensão dessa variação que ocorre no final da palavra. A exemplo disso, pense como é bem diferente o jeito que o paulista e o carioca pronunciam esse som. O primeiro mostra o [r] como vibrante simples e o segundo é aspirado. É importante que notemos que as variações citadas se deram no fonema, por isso as chamamos de variação fonética e que o fato de haver duas maneiras de pronunciar o mesmo fonema demonstra a ocorrência do que chamamos de variantes. Logo, de acordo com Fiorin (2006, p. 122): “[...] A variável linguística é, portanto, um conjunto de duas ou mais variantes. Esta, por sua vez, são diferentes formas linguísticas que veiculam um mesmo sentido”.

Um outro exemplo para que nós pensemos a riqueza das variações linguísticas quando olhamos para ela com uma postura que preze pela educação linguística é o uso do morfema {r} dos verbos no infinitivo. É sabido que os verbos em sua forma infinitiva possuem a terminação em “r”. Já um número expressivo de falan-tes, em algumas situações, apresenta a supressão desse morfema e acrescenta um acento gráfico na vogal temática dos verbos. Nesse sentido, encontramos no dia a dia, as formas: “vou trabalhar” e “vou trabalhá”. Observe que a catego-ria linguística do morfema “r” ora aparece, ora é apagada. Como isso ocorre na estruturação da própria palavra, é chamado de variante morfológica. Em outras palavras, para demarcar o verbo no infinitivo, há duas variantes: a marcação

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pelo morfema {r} e o morfema 0, ou seja, vazio, porque não tem a marca do {r}.A variação geográfica é observada também na escolha de um determinado

termo para se referir a um elemento do mundo. Já falamos aqui do vocábulo “jerimum” para referir-se à “abóbora”. Também podemos mencionar o seguinte exemplo em que a percepção desse tipo de variação linguística fica bem evidente. Veja: “mexerica”, “bergamota”, “tangerina”. Notemos que o mesmo referente no mundo externo pode ser chamado de diferentes nomes e, geralmente, o uso de um ou outro termo remete-se às questões que são geográficas, tais como: se a pessoa morou em determinada região ou se ela teve contato com alguém que morou em regiões que usa uma dada variante e não outra. É importante que entendamos que a variação geográfica não significa necessariamente que a pes-soa mora em dada região e por isso fala assim. Não é bem isso que ocorre, uma vez que esse tipo de variação tem a ver com as relações traçadas entre os usuários da língua explicadas por razões geográficas, ou seja, interligadas à localização e à mobilidade pelas diferentes regiões do país e, sobretudo, pelas interações que os falantes vão realizando em seus trajetos.

Esperamos que o exposto tenha esclarecido esse tipo de variação. Passaremos a tratar de outro tipo de variação também recorrente em língua portuguesa – a variação diastrática.

b) Variação diastrática:A variação diastrática é aquela que se apresenta nos usos linguísticos dos

falantes, motivada por questões culturais, de escolaridade, de estratificação social ou de origem urbana ou rural. A origem do vocábulo diastrática advém do grego diá (através de) e do latim stratum (camada, estrato). Esse tipo de variação pode ocorrer também nos diferentes níveis que constituem a língua: o fonético, o mor-fológico, o sintático e o semântico.

Verifiquemos a seguinte ocorrência: é muito comum os cariocas apresen-tarem essas três formas para o mesmo referente no mundo externo: “madame”, “dona”, “senhora”. Entretanto, os dois primeiros usos revelam um tom popular e os falantes que dessas formas se utilizam muito provavelmente são pertencen-tes às classes mais populares. Já o termo “senhora” não é tão popular quanto os dois primeiros. Não estamos dizendo que os falantes de classes populares nunca

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usarão a palavra “senhora”, por exemplo. Estamos refletindo que algumas ocor-rências do sistema linguístico, analisadas em contextos reais de uso, podem, naquela circunstância, ter um olhar que destaque a ocorrência de uma variação linguística do tipo diastrática. O mesmo falante, entretanto, devido às questões externas, as mais diversas, poderá fazer uso também da variante “senhora” para se referir à pessoa do gênero feminino. Nesse ponto, reside a importância de uma Educação Linguística, pois ela aprofundará tais questões e levantará as razões de um uso ou de outro por falantes que não são estáticos, ao contrário, são pujantes.

Vamos para outro exemplo: o rotacismo, ou seja, na transformação do “l” em “r” nos encontros consonantais, tais como em: Flamengo (Framengo), classe (crasse), Cláudia (Cráudia) etc. A substituição do “r” costuma aparecer em falan-tes de classes sociais mais populares.

Há também, como exemplo, as ocorrências da língua que variam de forma a apresentarem a queda ou a nasalização da vogal átona no início das palavras, como podem ver em: “indioma”, no lugar de “idioma”, ou, ainda, como em: “incelên-cia”, no lugar de “excelência”. Esses tipos de variação são no nível fonético. Ainda podemos mencionar, no nível morfológico, a perda da desinência “S” na primeira pessoa do plural, tal como em: “Nós amamo” / “Nós estudamo” / “Nós falamo”.

c) Variação diamésica:A variação diamésica diz respeito às diferenças observadas entre a língua

falada e a escrita. Quanto à origem do termo: dia vem do grego (através de) e mésos, também do grego (meio de comunicação).

Para iniciar a explicação desse tipo de variação e para que principalmente nos distanciemos do pensamento herdado da gramática tradicional de que fala é “errada” e escrita é “correta”, traçaremos um quadro comparativo das caracte-rísticas desses dois tipos de uso. Confira a seguir:

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FALA ESCRITA

* Reação imediata do interlocutor.* Utilização de gestos para configurar o conteúdo a ser dito.* Menor tempo de reflexão para sua elaboração.

* A reação do interlocutor não é ime-diata.* Não utiliza gestos, mas sim recursos linguísticos.* Maior tempo de reflexão para sua elaboração.

Quadro 01: Quadro comparativo: fala/escrita Fonte: A autora.

A partir da comparação realizada, precisamos entender que fala e escrita formam um continuum entre si. Marcuschi (2001) afirma que, para esses dois elementos serem considerados em sua complexidade específica, temos que considerar o con-ceito de gêneros discursivos. Mais adiante, trataremos desse tema de forma mais cuidadosa, no entanto, precisamos compreender que os gêneros discursivos, de acordo com Bakhtin (2009), são formas mais ou menos estáveis de enunciados orais ou escritos, criados conforme situações específicas de comunicação. Desse modo, há gêneros discursivos que se aproximam mais da fala e outros da escrita.

d) Variação diafásicaA variação diafásica é observada se consideramos um mesmo grupo de falan-

tes que apresentem algumas características homogêneas, tais como: sexto, idade, mesma região e profissão. Com relação à origem do termo: diá (através de) e, do grego, phásis (expressão, modo de falar).

Os falantes – em situações de maior ou menor monitoramento, de controle e de avaliação das formulações que fazem – utilizam o sistema linguístico de dife-rentes maneiras. Entendamos, portanto, que, quando o falante estiver inserido em situações corriqueiras, tais como uma conversa com ente da família ou amigo, a escrita de um bilhete, uma conversa com o chefe ou uma palestra, a variação a ser utilizada, ou melhor, o comportamento linguístico será monitorado pela natureza das interações verbais. Situações corriqueiras, geralmente, demonstram um grau de monitoramento baixo do comportamento linguístico. Já situações mais formais pedem um grau de monitoramento elevado. Pode haver oscilações no grau de monitoramento do falante sobre o seu dizer, no qual o uso da lín-gua apresenta variações nos graus de monitoramento a depender do contexto.

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Um exemplo para facilitar a compreensão desse tipo de variação linguística é pensarmos na figura do professor. Esse sujeito, quando inserido em contexto de ensino formal, apresentará um monitoramento mais rígido sobre o uso da língua. Entretanto, dependendo da situação – uma conversa informal na sala dos professores, por exemplo – o monitoramento sobre o comportamento ver-bal pode diminuir.

Entendemos por monitoramento do comportamento linguístico a ação do falante de refletir com mais atenção sobre o uso que fará do sistema linguístico. Monitoramento alto significa que a linguagem a ser usada deve seguir um padrão de uso, normalmente, o estabelecido pelas situações concretas de comunicação. Por exemplo, há contextos que exigem uma aproximação muito forte do que é estabelecido pela Gramática Tradicional. O monitoramento baixo significa que as regras de uso da língua naquela situação são flexíveis. A flexibilidade não significa a ausência de regras de uso da língua, isto é, uma “anarquia”, pois toda situa-ção de uso concreto da língua apresenta condutas que os falantes devem lançar mão para participarem daquela enunciação. É por isso que um “pastor” ou um “padre” em seus pronunciamentos aos fiéis dificilmente farão uso de palavrões ou termo de baixo calão. A regra que inibe esse uso não é de ordem gramatical, e sim social – a situação de interação religiosa não impulsiona o uso de tais termos em sermões ou pregações, não é mesmo?

Portanto, a variação diafásica é aquela que se dá entre os polos da formalidade e da informa-lidade. O mesmo sujeito pode alternar tais usos de acordo com os tipos de situações de interação, pois o comportamento verbal varia conforme a natureza da interação ver-bal estabelecida.

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e) Variação DiacrônicaO termo diacrônico tem origem grega em diá (através de) e khrónos (tempo).

Trata-se da variação observada na comparação entre diferentes usos da língua em diferentes etapas da história. Esse tipo de variação é fruto direto das trans-formações ocorridas na sociedade e também na língua ocasionadas pelo fator histórico, ou melhor, do histórico da língua que se transforma no decorrer do tempo. O próprio Saussure em “Curso de Linguística Geral”, 1916, já considerou esse tipo de variação ao se referir às mudanças dos estados da língua observa-das na sucessão do tempo.

O exemplo clássico desse tipo de variação é a retomada que podemos rea-lizar do pronome “você”. O vocábulo você, pelo olhar diacrônico, alterou-se em fases sucessivas da história. Em 1560, usava-se “vossa mercê”. Por volta de 1800, transformou-se em “vossmincé” e, aproximadamente 1900, em “você”. Posterior a isso, vimos também, em alguns contextos sociais, o “ocê”. E hoje, devido às mudanças sociais e tecnológicas, observamos que circula as formas “cê” e “vc”. Quando se realiza a comparação de diferentes estados da língua ou de uma deter-minada forma linguística, como no caso aqui do “você”, estamos realizando uma análise diacrônica.

As gírias também servem à observação diacrônica, uma vez que se pode facilmente observar que esse fenômeno linguístico muda de geração para gera-ção. Por isso, notamos, muitas das vezes, que as gírias usadas por pais ou avós se diferem daquelas usadas pelos filhos.

Por último, consideremos o caso do pronome “vós” e o seu respectivo pro-nome possessivo (vosso), os quais são registrados pela gramática normativa, entretanto, não se observam no uso da língua feito pelos falantes. A segunda pessoa do plural consta apenas nos manuais gramaticais. O falante usa e abusa é do “vocês” e isso é observado tanto na língua escrita como na falada, nas mais diferentes esferas sociais. Logo, não encontramos por aí, em nosso dia a dia, as formas: “Vós fostes embora” / ”Vós fizestes bem”. Encontramos sim: “Vocês foram embora” / “Vocês fizeram bem”.

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EDUCAÇÃO E REEDUCAÇÃO LINGUÍSTICA:ISSO EXISTE?

Falar sobre Educação Linguística pode, de início, nos causar certo estranhamento, visto que não estamos operando no campo do previsível, tal como pode se espe-rar, ou seja, não estamos tratando de educação pela língua – aquela que se presta apenas a ensinar decodificar o sistema linguístico. Estamos falando, na verdade, de outra vertente na forma de conceber o olhar para a língua, bem como o olhar para a prática docente. A educação linguística conduz a outro patamar que é o de reeducação. Isso porque, pela educação linguística, veremos que se faz neces-sário e é de suma importância condutas educativas sistematizadas de forma a reeducar gerações e gerações acostumadas apenas ao aspecto gramatical da lín-gua e diante do “diferente”, do falar coloquial, das regras linguísticas vindas do convívio social, por exemplo, mostrarem grande aversão.

Levando em consideração nossas primeiras observações sobre a Variação Linguística, é de suma importância que nós, professores ou futuros professores de língua, tenhamos em mente a seguinte pergunta: quais são os objetivos do ensino de língua na escola?

A resposta a essa pergunta perpassa o conceito de educação linguística. Esse termo, à primeira vista, pode nos parecer totalmente estranho, uma vez que não é comum escutá-lo. O que mais nos deparamos é com os termos: educação esco-lar, educação ambiental, educação do trânsito etc. Entretanto, é extremamente positivo que se haja uma preocupação com a educação que se dá pela língua.

“É importante se trabalhar a Língua em sala de aula de forma que o aluno seja capaz de fazer escolhas conscientes de linguagem atendo às suas ne-cessidades de comunicação e interação social” (BERTIN, 2012, p. 3).

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Educação e Reeducação Linguística:isso existe?

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Um dos defensores da educação linguística no Brasil é Marcos Bagno. Para esse autor, a escola é o espaço propício para que esse tipo de educação ocorra, cuja prática difere em muito da tradicional que prega a “norma culta” como única e também uma metalinguagem gramatical.

Mas, afinal, o que é essa tal Educação Linguística?Afirmamos que ela começa no início da vida dos homens, já nas interações

com sua família. Nesse contexto, os homens adquirem a língua materna e, no decorrer do tempo, vão tomando posse dos comportamentos linguísticos dos diferentes grupos sociais que perpassam as suas vidas. Um exemplo básico dessa educação, ocorrida inicialmente no seio da família, seria quando o adulto respon-sável pela criança a corrige quando faz uso de alguma palavra por ser considerada por algum fator inadequada ao contexto ou à idade da criança.

O exemplo de educação linguística que descrevemos anteriormente é amplo, porque pode ocorrer em diferentes ambientes, tais como o doméstico, o fami-liar, o comunitário ou religioso. A que nos interessa sobremaneira é a Educação Linguística escolar: “(...) sistemática, formalizada em práticas pedagógicas bem descritas, apoiada em instrumentos metodológicos e arcabouços teóricos bem definidos” (BAGNO, 2002, p. 18).

De acordo com o teórico, essa educação linguística é constituída das seguin-tes características:

a. ler, escrever, falar e escutar tem desenvolvimento ininterrupto;

b. língua heterogênea, variável e submetida à ideologia e aos juízos de valor;

c. conhecimento sistemático da língua que é tida como um objeto que requer análise, reflexão e investigação.

A educação linguística visa substituir a concepção tradicional de língua por uma concepção engajada à dinâmica social. O ensino que vigora nas escolas brasi-leiras, centrado na gramática normativa, deve dar espaço à reflexão linguística. Desse modo, práticas na escola que visem somente um ensino acrítico de nomen-claturas gramaticais e atividades mecânicas e repetitivas devem ser abolidas em favor de práticas que valorizem a discussão da problemática da língua e a sua relação com variação linguística. Assim, ocorrerá um deslocamento importan-tíssimo sobre a noção de “erro”, tal qual usado pela gramática normativa. O olhar

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colocará a língua em sua dimensão social. Antes, o objetivo do ensino de língua era reformar, consertar a língua usada

pelos alunos. Tal ensino baseado na norma-padrão, que é o ideal de língua certa, descrito pela tradição normativa. Dessa maneira, qualquer uso que não respei-tasse a tradição facilmente era rotulado como erro.

A pedagogia que alicerça essa prática com a língua é a tradicional, pautada na filosofia da tábula rasa: ou seja, o aluno é um ser vazio, desprovido de conhe-cimento anterior e que somente a escola vai preenchê-lo. Em outras palavras, essa filosofia desconsidera o fato de que os sujeitos estão sempre aprendendo, nos diferentes contextos da vida social e que a aprendizagem ocorre mesmo antes dos portões da escola. Vejamos como é no mínimo curioso essa ideia se pensarmos na língua. Ora, nossos alunos chegam nas escolas sem saber escutar, falar, sem reconhecer o que é uma história? É somente na escola que o contato com a língua se efetiva?

A esse respeito, Gagné (apud BAGNO, 2002, p. 21) nos esclarece:[...] a escola habitualmente considera que a língua falada não somente pela criança, mas também pela sociedade circundante que lhe serviu de modelo linguístico natural, é inaceitável e deveria ser rejeitada. Ela empreende então um esforço de desenraizamento que só pode ter êxito (imperfeito, aliás) junto a uma minoria de crianças. Tal tentativa corre o risco de conduzir ou à alienação social do indivíduo, ou a uma rejei-ção maior ou menor e mais ou menos explícita da escola por parte das crianças e particularmente dos adolescentes.

Nós muito provavelmente fomos vítima do sistema escolar pautado na visão tra-dicional de língua. No entanto, agora, como professores, teremos que nos policiar para não sermos algozes. Não estamos culpando os professores que arduamente participaram da nossa formação, até porque isso seria culpar o indivíduo quando havia toda uma conjuntura histórica e econômica que balizava o ensino de lín-gua da forma que era efetivado outrora. Além disso, até mesmo nos dias atuais, quando os estudos linguísticos desenvolveram-se e ganharam espaço nas uni-versidades, nos cursos de formação de professores e, também, nos documentos oficiais que regem o ensino nas escolas, é comum vigorar a mentalidade tradi-cional de língua. Tanto isso é verdade que é recorrente vermos pessoas engajadas socialmente e esclarecidas apresentarem posturas de uma língua única, pura e

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Educação e Reeducação Linguística:isso existe?

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estática. Quem já não escutou falas do tipo: “Brasileiro não sabe sua língua”, “A internet e os estrangeirismos acabam com a língua”, “Precisamos defender a língua portuguesa” vindas de professores, jornalistas, antropólogos, cientistas.

Tais falas esquecem que a língua não tem vida própria, ao contrário, sua existência se dá nos seres humanos que fazem uso dela para as mais diversas finalidades. A língua não é uma abstração, mas sim está interligada à realidade histórica, cultural e social. Assim, língua é uma atividade social que responderá uma série de circunstâncias que não são estáveis: as condições de interação ver-bal dos falantes, as instabilidades psicológicas e a não transparência que constitui a língua. O que estamos querendo dizer com transparência? Estamos demons-trando que os sentidos das palavras não são únicos e transparentes, mas sim opaco, ou seja, vão ter maior clareza quando interligados às determinações do contexto e, também, às da ideologia.

Pensemos no uso da palavra “mina” na seguinte sentença: “Minha mina está na casa dela”. Esse vocábulo, por si só, não é transparente no seu sentido. Ao con-trário, é o contexto e a ideologia que revela os possíveis sentidos dessa palavra e também alguns questionamentos: quem usa esse termo? O que o falante desse termo quer dizer ao usar “mina” e não uma outra palavra para designar um rela-cionamento amoroso? Todas as mulheres aceitam serem denominadas por esse termo? Em quais situações esse termo é totalmente aceito ou não?

O que precisamos concluir é que a mentalidade de língua padrão resistiu ao processo de democratização das relações sociais que vem ocorrendo desde o Renascimento. Veja, que interessante, a análise realizada por Bagno (2002) sobre a relação dessa mentalidade com o percurso histórico da humanidade:

A Gramática Tradicional atravessou, quase sem um arranhão, a grande revolução de mentalidades que foi a Reforma protestante, o terremoto representado pelo nascimento da ciência moderna, as transformações político-econômicas e sociais provocadas pela queda do feudalismo e pela ascensão da burguesia ao poder, sem falar de todas as demais re-voluções de ideias e ideologias que aconteceram ao longo dos últimos duzentos anos. A Gramática Tradicional é um construto intelectual que até hoje preserva uma ideologia feudal, aristocrática, anticientífica, au-toritária, dogmática e inquisitorial (BAGNO, 2002, p. 30).

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Devido ao descrito é que ainda vemos hoje, nas salas de aulas, na mídia em geral, práticas pautadas na norma-padrão e que privilegiam a língua escrita, em especial, aquela produzida por ilustres figuras da literatura.

A fim de contribuir para a mudança desse cenário, a Educação Linguística vê a língua não como uma ferramenta pronta, acabada e à disposição do falante que deverá usá-la sem interferí-la. Isso seria tratar a língua como uma abstração. O contrário disso seria considerar a língua como uma ferramenta de processo e de produto, isto é, o uso concreto, feito por falantes com demandas concretas, que moldam a língua.

Nesse esteio, o estímulo nas salas de aula seria o conhecimento do maior número possível de variedades sociolinguísticas, e não somente da norma-pa-drão. Esse modo de estímulo propicia um ensino significativo e, de fato, antenado com a sociedade, no qual percebemos cada vez mais o quanto a língua é plural e dinâmica. Para que você compreenda isso, pense nas seguintes situações: a) a língua é extremamente variável e uma mesma variante está sujeita a adentrar outra conforme a organização social dos falantes: os dialetos classificados geo-gráficos e, por isso, restritos a determinados espaços pelo processo de migração são levados a diferentes regiões do país, sem dizer que o dialeto rural é facilmente encontrado no meio urbano; b) a linguagem eletrônica muda as fronteiras do que é chamado de língua escrita e fabrica um série de gêneros textuais específi-cos dessa esfera social, tais como: fórum, correio eletrônico, postagens em redes sociais etc.; c) a literatura antiga não pode ser encarada como modelo de língua a ser usada, tendo em vista as demandas da sociedade atual. Tanto é que muitos dos nossos literatos da atualidade esforçam-se por tornar sua linguagem acessível a um número maior de leitores e isso, evidentemente, não inclui usar arcaísmos e preciosismos da literatura acadêmica; d) a TV que incorporou programações que enaltecem a linguagem regional, visando atingir diferentes públicos e cons-truir um canal de intimidade.

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NORMA-PADRÃO E VARIEDADES

A gramática tradicional lançou impiedosamente a noção de “erro” diante de todo e qualquer uso da língua fora do que era prescrito pelo olhar gramatical. A norma é, para Dubois (1988), o conjunto de formas eleitas, entre a totalidade da língua, por um critério estilístico e sociocultural, o qual define um modelo do que é certo. Desse modo, a norma-padrão é o conjunto de idealizações do uso da língua, tendo como meta a uniformização dos usuários, a tal ponto de desconsiderar por completo o caráter heterogêneo do sistema linguístico e das relações que traça com o social.

Assim, se a gramática tradicional tende à homogeneização e à estabilidade, a Sociolinguística, enquanto campo da Linguística, compreende a língua como heterogênea, variável e mutante. Além disso, compreende que a língua está vin-culada à dinâmica social e aos falantes. Assim, se temos, de uma lado, uma sociedade estratificada, diversa, dinâmica e multifacetada, temos, de outro lado, como produto disso, uma língua com todas essas características.

Como efeito disso, podemos pensar na seguinte situação: a Gramática Tradicional explica o “desvio” como “erro”. Assim o faria também com o uso das formas “broco, prantação, ingrês, crasse” - usos que, do ponto de vista de alguns, seriam considerados errados e feios. O que queremos destacar é que uma avalia-ção dessa natureza não tem nada a ver com o aspecto linguístico. Relacionam-se, na verdade, a critérios de prestígio social, que delegam a tais falantes lugares tidos como os ocupados por aqueles que, muitas vezes, são marginalizados. Estamos falando dos analfabetos, dos pobres, dos moradores da zona rural etc.

Por outro lado, a Sociolinguística analisa esse fenômeno a partir da ideia de que nada na língua acontece por acaso e lançaria para a discussão o fato de que, na história da língua portuguesa, foi comum a transformação do “l” em “r” nos encontros consonantais e que muitas palavras hoje grafadas com “r” fora com “l” quando da sua origem. Esse processo é chamado de rotacismo.

Para entendermos isso, é preciso que tracemos a comparação entre alguns vocábulos na sua origem latina e entre a forma que são registrados no português atual. Consideremos, a título de exemplo, os dois casos abaixo:

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I

FORMA NO LATIM FORMA NO PORTUGUÊSplumbu prumoclavu cravo

Portanto, norma-padrão é um referencial abstrato: modelo que não corresponde à fala efetuada pelos usuários da língua.

Língua culta: linguagem utilizada pelos falantes que possuem o ensino supe-rior completo e residem na área urbana.

Variedade de prestígio: uso da língua realizado pela camada da população que detém o poder, bem como prestígio social. A prática é de sobreposição do comportamento linguístico dessa camada sobre o uso da língua feito por falan-tes não pertencentes à classe privilegiada. De forma a estigmatizar outros usos que não aqueles inseridos na gramática tradicional.

Com relação à realidade da língua portuguesa, a Sociolinguística propõe uma visão tripartida: norma-padrão, norma culta e norma popular. O esquema baixo elucida como se dá esse funcionamento:

Figura 01: Visão tripartida da línguaFonte: A autora.

Estudiosos da Sociolinguística propõem que, como vimos, a norma-padrão é uma idealização da língua e cuja variante não se encontra em falante algum. A norma culta seria o uso da língua pelas pessoas com grau de instrução supe-rior e moradores da região urbana. Já a norma popular ou vernácula provém das camadas populares e distancia-se em grande proporção do que é estabele-cido pela norma-padrão.

Um exemplo para que entendamos essa divisão é pensarmos no uso dos ver-bos “ir” e “chegar”. A norma-padrão preconiza que a regência de tais verbos não pede a preposição “em”, com isso, teríamos Vou à festa./ Cheguei ao baile. Já, na norma culta, não importa de qual região do Brasil estejamos falando, é recorrente

Norma padrãoNorma culta

Norma popular

Norma padrão

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o uso da preposição “em”. Logo, vemos o uso: “Vou na festa” / “Cheguei no baile”.Nas palavras de Bagno (2003, p.51), norma culta: “[...] se refere à lingua-

gem concretamente empregada pelos cidadãos que pertencem aos segmentos mais favorecidos da nossa população”. Esse conceito é um termo técnico utili-zado pelos pesquisadores e estudiosos pautados na Sociolinguística e que veem a importância de um estudo que investigue as formas usadas pelos falantes em situações reais de comunicação.

Entretanto, há a acepção de norma culta como sinônimo da norma-padrão. Assim, norma culta seria a forma de usar a língua corretamente e a atividade linguística privilegiada é a escrita, cujo uso é delegado a uma camada seleta da população, tal como os “escritores clássicos”. De forma geral, a norma culta cor-responderia ao modelo de língua a ser usado por todo aquele que deseja utilizar a língua de maneira correta.

Portanto, nesse modo de ver, a língua correta e digna de perfeição é a usada pelos literatos, em específico, na situação de escrita. Segundo Bagno (2003), os autores que

[...] ao definir assim a língua culta, ou forma culta, ou norma culta, ocupam o lugar que lhes cabe numa longuíssima fila de estudiosos da língua que, há quase 2.500 anos, associam língua culta com escrita li-terária. Essa é uma tradição que começou por volta do século III a. C., entre os filósofos e filólogos gregos, quando foi criada a própria disci-plina batizada de gramática (BAGNO, 2003, p. 46).

Por outro lado, norma culta, entendida como termo técnico, é empregada por diversos grupos sérios de pesquisa científica, por exemplo, o NURC (Norma Urbana Culta) – grupo que desde 1970 pesquisa a linguagem utilizada por falan-tes de 5 cidades: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Os critérios que entram em jogo para definir os falantes de norma culta são: escola-ridade superior completa e antecedentes biográfico-culturais urbanos (BAGNO, 2003, p. 51).

Devido a isso, é importante pensarmos no seguinte ponto – fruto da seguinte premissa: se há uma população que faz uso da norma culta e, assim, são cha-mados de cultos, há aqueles que dela não fazem uso, logo, são incultos. Essa relação ocorre assim? De forma tão direta? A norma popular seria a forma de falar daquele que é inculto? O culto não faz parte do povo?

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As questões suscitadas são para que pensemos como o uso de um termo nos estudos linguísticos não é uma opção neutra. É antes de tudo um ato ideológico. Desse modo, é extremamente ideológico usar a norma culta para privilegiar uma gama de falantes e estigmatizar aqueles que dela não fazem uso. Dizer que uma parcela da população é inculta é desvalorizar o seu saber e o seu valor. Falas que servem de exemplo dessa visão absoluta de norma culta seriam: “ele não sabe falar”, “ela fala errado”, “são incultos” etc.

Afirmar que um sujeito não tem cultura é, no mínimo, um grande equívoco, uma vez que, do ponto de vista da Sociologia e da Antropologia, não há como se desvincular da cultura: o ser humano está interligado ao fator cultural. Afinal, todos nós nascemos em determinados grupos sociais e, com eles, adquirimos um saber e travamos relações que são em sua natureza culturais.

Por outro lado, o senso comum tem uma outra maneira de enxergar o pro-cesso que descrevemos anteriormente, bem como teria uma outra forma para responder os questionamentos que levantamos. Diria, por exemplo, que ser inculto é não ter cultura. Nós, professores e professoras, precisamos nos aten-tar para a seguinte afirmação de Bagno (2003, p. 60): “[...] culto e popular são antônimos? Ou, mais grave ainda, popular e inculto são sinônimos? Do ponto de vista da teoria linguística, não – são apenas domínio de saber diferentes [..]”.

A fim de minimizar os problemas quanto às denominações norma-padrão, norma culta e norma popular, sobretudo, às interferências do senso comum, Bagno (2003) introduz a palavra “prestígio” e “desprestígio” quanto ao uso da língua e ao seu valor na sociedade.

Desse modo, a norma-padrão continua sendo entendida como o ideário, não correspondente à forma concreta dos usuários da língua. Por isso, o autor desconsidera o uso dos termos “dialeto padrão” e “variedade padrão” como sinô-nimos de norma-padrão. Isso porque se essa não se encontra em nenhum falante de língua portuguesa, portanto, é equivocado usar “língua” ou “dialeto” quando queremos nos referir à norma-padrão.

A respeito da norma culta, o autor, no anseio de evitar uma visão estereoti-pada – e esse também deve ser o nosso objetivo, caro(a) aluno(a) –, reflete acerca do prestígio que o uso de determinadas formas linguísticas possuem no meio social, em especial, pela importância atribuída ao falante. Nesse contexto, falamos

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de variedade de prestígio ou de variedade prestigiada, a qual não se interliga, de maneira alguma, a fatores de ordem linguística. É, na verdade, construída pela ideologia dominante em determinadas condições históricas que possibilitaram que determinada classe social (e não outras) assumisse o lugar de prestígio.

No contraponto, as formas linguísticas que não são vistas como “de prestígio” são entendidas como formas estigmatizadas. Logo, ao invés de usarmos norma popular, no sentido de uso inculto e errado, falaremos de formas estigmatizadas. Nelas encaixaremos todas as formas que, aos olhos de uma classe dominante, passou por um processo de negação e de preconceito e são de pronto remetidas a grupos subalternos. Desse modo, usaremos a classificação “variedades estig-matizadas” para nos referir às variedades linguísticas empregadas pelos grupos sociais desprestigiados do país.

Dentro dessa discussão, advém a seguinte terminologia:

1. Norma-padrão (campo das ideias)

2. Variedades prestigiadas (com prestígio social)

3. Variedades estigmatizadas (com estigma social)

Em 1, podemos dizer que se trata da norma-padrão idealizada e descontextu-alizada dos usos dos falantes. Repleta de regras da gramática tradicional. Já em 2 e 3, temos atitudes opostas, que os membros de uma sociedade, por diferen-tes razões, que não linguísticas, atribuem à forma que a língua é usada, na sua relação de aproximação ou distanciamento da norma-padrão. Assim, se um uso

De acordo com Geraldi (2002, p. 45), “uma diferente concepção de lingua-gem constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um ‘novo conteúdo’ de ensino”.

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aproxima-se ou enquadra-se perfeitamente no que estabelece a Gramática, a varie-dade será prestigiada e terá grande valor. Caso isso não ocorra, ou seja, caso a forma de usar a língua negue, em algum grau, as normas idealizadas pela nor-ma-padrão, será estigmatizada, isto é, relacionada à desvalorização dos falantes.

Nesse sentido, é interessante, pensarmos que: “[...] as relações entre língua e sociedade são muito mais complexas do que a maioria das pessoas pensa e que é extremamente redutor (além de injusto e inútil) tentar compreendê-las usando como critérios únicos os rótulos tradicionais de “certo” e “errado” ou os concei-tos poucos consistentes de “culto” e “popular””(BAGNO, 2003, p. 70).

O surgimento da gramática se deu na Grécia Antiga e seu principal objetivo, como ainda conhecemos hoje, era a normatização da língua, uma vez que essa funcionava como um instrumento de dominação dos povos antigos, sendo que à nação dominada era imposta a língua da nação dominante. Dessa forma, por necessidade de preservação da língua e da cultura, a nação Grega compreendeu a necessidade de tal normatização.

Registros apontam que na biblioteca de Alexandria, no século I a.C., foi ela-borado o primeiro manual. Daí em diante, as gramáticas perduram até os nossos dias como uma espécie de manual de normatização da língua e em função dos aspectos sociais dessa mesma língua é que, muitas vezes, o en-sino que se pauta apenas na gramática deixa de contemplar outros fatores fundamentais.

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Considerações Finais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, você, aluno(a), pode retomar o contexto histórico do desenvol-vimento da Gramática Tradicional, bem como perceber como se deu o processo que permitiu o surgimento da Sociolinguística. Para isso, foi fundamental as reto-madas dos arcabouços teóricos das Concepções de Linguagem.

Ainda, foi possível recapitularmos o conceito de variação linguística e estu-darmos sua classificação. Dentro desse contexto, tratamos também da importância de o professor buscar formar alunos tendo por meta proporcionar uma educação linguística, na qual, como vimos, o aluno será capaz de refletir sobre os fenôme-nos linguísticos e compreender como se organizam os discursos, tanto em seus aspectos temáticos como em seus aspectos estruturais e estilísticos.

Trabalhamos, na respectiva unidade, com o papel que a Gramática Tradicional possui, mas também abrimos para a compreensão da importância de se conside-rar as variedades linguísticas, uma vez que a língua é dinâmica e essencialmente social.

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1. O que é linguagem como expressão do pensamento?

2. O que é linguagem como instrumento de comunicação?

3. Posicione-se como professor e disserte sobre como você trabalharia a lingua-gem como forma de interação em sala de aula.

4. Posicione-se como professor e disserte sobre como você trabalharia a variação linguística em sala de aula.

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Variar é um defeito da língua portuguesa?

Na sociedade brasileira, foi muito comum escutarmos discursos que supervalorizam tudo aquilo que é estrangeiro. No contraponto, havia discursos recorrentes que desva-lorizavam elementos que são próprios da cultura brasileira.

Essa desvalorização do que é nacional e tipicamente brasileiro se reflete também na língua. Falantes portugueses minimizam o próprio idioma, ao dizer que o português de um falante é melhor que o de outro. É comum nos depararmos também com falas que colocam que nossa língua não é pura, pois muda muito.

Entretanto, pelos estudos modernos da Linguística, muito vem mudando. Além disso, surgem, mesmo que timidamente, em alguns setores, uma valorização da cultura bra-sileira, da sua história e, também, por que não, de sua língua. Parece que o brasileiro aprendeu a olhar para suas essências e a destacar aquilo que tem de mais belo. Esse olhar ainda é um processo que, de maneira forte, é sobreposto pelo olhar preconceituo-so de alguns setores da sociedade por aquilo que é nacional.

Desse modo, queremos tratar mais especificamente da língua e de suas variações, afir-mando que, toda língua, falada ou escrita, demonstra variedade. Nenhuma língua, seja ela qual for, detentora do status que for, é homogênea. A língua é representada por um conjunto de variedades. É por isso que a autora Alkmim (2001), no capítulo “Sociolin-guística”, publicado no livro “Introdução à Linguística 1: domínios e fronteiras”, afirma que o que se chama de língua portuguesa é a união dos diferentes modos de falar e de escrever dos interlocutores do Brasil, de Portugal, de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde, de Timor Leste etc.

O que queremos reforçar é que a língua não tem na variação o seu lado negativo. Lín-gua e variação estabelecem uma relação intrínseca. Qualquer pessoa que enuncie que as variedades corrompem a língua não estará movida por fatores linguísticos, pois, se assim o fosse, compreenderia que a beleza da língua está no seu constante movimento.

Fonte: A autora.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

Linguagem e escola: uma perspectiva socialMagda Soares

Editora: ÁticaSinopse: Para entender melhor a relação existente entre linguagem, escola e sociedade, consulte o livro “Linguagem e escola: uma perspectiva social”, de Magda Soares (1999), em que a pesquisadora trata sobre o ensino/aprendizagem da língua materna na escola, bem como sobre a “crise da linguagem” verificada nos últimos anos, buscando fundamentar uma prática de ensino da língua materna realmente competente e compromissada com a transformação social.

Norma linguística & preconceito social: questões de terminologiaNo artigo “Norma linguística & preconceito social: questões determinologia”, Marcos Bagno aborda o termo norma culta, caracterizando seus diferentes conceitos e suas implicações nos estudos linguísticos e no ensino do português. Para saber mais, acesse: <http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/cap063.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2014.

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UNIDADE II

Professora Me. Rejone Valentim Alves

O DIÁLOGO ENTRE OS GÊNEROS DISCURSIVOS E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Objetivos de Aprendizagem

■ Relacionar variação linguística aos gêneros discursivos.

■ Apresentar os conceitos desenvolvidos por Bakhtin.

■ Caracterizar o que são gêneros discursivos.

■ Explicar os três aspectos do gênero: tema, composição, estilo.

■ Descrever os agrupamentos de gêneros discursivos.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

■ O diálogo entre os gêneros discursivos e a variação linguística

■ Características dos gêneros textuais

■ O que podemos concluir até aqui

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Introdução

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INTRODUÇÃO

Prezado(a) acadêmico(a), a unidade II apresentará os conceitos teóricos de Bakhtin desenvolvidos na Rússia e trazidos para o Brasil a partir da década de 1980. Os pressupostos teóricos desse autor eram na sua essência filosóficos, entretanto, a transposição deles para o contexto de ensino foi largamente difundida e permitiu um olhar diferenciado para os fenômenos linguísticos. Traremos, portanto, um apanhado teórico sobre: interlocutor, finalidade, contexto amplo e imediato, responsividade, circulação e suporte textual.

Nesse ínterim, delinearemos minuciosamente as contribuições de Bakhtin com relação ao conceito de Gêneros Discursivos, no que se refere ao tema, à composição e ao estilo. Traçaremos um percurso que demonstre a relação dos Gêneros Discursivos com as Variações Linguísticas. O intuito será o de evidenciar que o professor precisará se atentar para o tipo de variedade usada em cada gênero na relação que esse estabeleça com os interlocutores e com o momento histórico em que esses estão inseridos.

Além do mais, mencionaremos, nesta unidade, os cinco agrupamentos de gêneros textuais propostos por Dolz e Schneuwly (2004): narrar, relatar, argumentar, expor e instruir. Esperamos que com esse conhecimento o leitor desse material possa distinguir os diferentes gêneros que permeiam a vida social dos sujeitos e elencar o que cada um deles possui como domínio social e capacidade de linguagem.

Em suma, nesta unidade, ficará claro que ninguém escreve ou fala de forma isolada do “social”. É a sociedade, com suas ambiguidades e contradições, que movimenta o modo como os sujeitos se apropriam da linguagem. A palavra é uma arena, permeada pelo social e pela ideologia.

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O DIÁLOGO ENTRE OS GÊNEROS DISCURSIVOS E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

II

QUE DIÁLOGO EXISTE ENTRE GÊNEROS E VARIEDADES LINGUÍSTICAS?

Todo o nosso percurso de estudo até aqui mostra que a língua varia e que isso não é um traço negativo. Ao contrário, mostra toda a sua dinamicidade e o quanto essa está interligada ao social, ao nosso dia a dia, às intenções tidas nos textos, à relação dos interlocutores. Desse modo, percebemos que a variação linguística não ocorre no vazio, isto é, isolada de algo que a sustente e determine os pontos linguísticos sujeitos a variar, a serem outros.

Para que isso fique claro, prezado(a) aluno(a), precisamos compreender que a língua se dá na forma de enunciados orais ou escritos que se servem a atender determinadas questões do social. A exemplo disso, pensemos: escrevemos um bilhete, uma mensagem de celular, um post em uma mídia social movidos por necessidades de comunicação específicas e o ato de elaboração do texto escrito será caracterizado conforme o interlocutor, a finalidade pretendida com a escrita, bem como a situação histórica e social dessa escrita. Embora, os textos escritos nos exemplos dados tenham semelhanças quanto ao uso da linguagem infor-mal, possuem singularidades – não podemos dizer que tais textos são iguais e se apresentam de forma homogênea. O bilhete tem como suporte a folha de papel; a mensagem um aparelho celular, por exemplo; o post na mídia social teria como suporte o ambiente digital da própria mídia social. Além disso, os gêneros dis-cursivos responderam a diferentes interações sociais e estabeleceram a variação linguística mais adequada.

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Assim, não escrevemos um texto sem um propósito para ele. Não é assim que as coisas funcionam diariamente. A nossa relação com o meio em que vive-mos, o lugar onde trabalhamos, estudamos e convivemos nos levam a utilizar a língua de uma determinada forma e para determinadas finalidades.

Bakhtin (2009) coloca que a língua se dá sob a interferência do contexto social e sob a interação que os interlocutores estabelecem entre si. A partir desse entendimento, o autor lança um importante conceito para os estudos da lingua-gem, bem como para a compreensão de sua dimensão social e ideológica, o de Gêneros Discursivos. Passaremos a explicitar como se deu o desenvolvimento dos conceitos cunhados por Bakhtin e de como eles se aplicam ao ensino e à aprendi-zagem de língua. Devemos saber que todo o estudo que realizamos de Variação Linguística não se separa do estudo que realizaremos agora. Pelo contrário, o sujeito que usa a língua e opta por uma variação linguística faz isso dentro de um contexto social que, pela experiência, pela cultura, elaborou tipos de enuncia-dos estáveis a serem utilizados. Em outras palavras, a variação linguística ocorre dentro dos gêneros discursivos, os quais serão determinados pela relação susci-tada pelo social, pela interação verbal e pela constituição histórica dos sujeitos.

No decorrer dessa unidade, você poderá compreender essa relação. A prin-cípio, já podemos elucidar que se a Sociolinguística, com suas contribuições acerca da Variação Linguística, trata da ligação entre sociedade e língua, condu-zir essa temática para o seu lugar de ocorrência é imprescindível, isto é, os usos da língua, nas suas diferentes variações linguísticas, dar-se-ão no esteio de situ-ações concretas de pessoas de “carne e osso”, que necessitam lançar mão de um determinado tipo de gênero discursivo, dentro de um dado lugar social, para que seus objetivos comunicativos se efetivem. Ao fazerem isso, ao usarem um determinado gênero discursivo, farão também uso da variação linguística que forma a natureza desse gênero. Esse é o ponto crucial que norteará o nosso tra-balho neste livro e que esperamos orientar o seu trabalho junto aos seus alunos.

Com o intuito que entendamos como se desenvolveu os estudos de Bakhtin, vamos apresentar alguns pontos importantes sobre essa trajetória e adentraremos também na explicação de alguns conceitos-chave explicitados por esse teórico.

Vamos começar nosso percurso pelo caráter histórico e pela relação das con-tribuições de Bakhtin dentro da conjuntura dos estudos da língua. A partir da

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década de 80, ganha grande volume no Brasil os estudos realizados por Mikhail Bakhtin. Esse autor realiza seus apontamentos guiado pela ideia de que o dia-logismo é aquilo que funda a língua por meio da interação estabelecida entre os interlocutores. A língua existe enquanto interação social e, por isso, é viva e evolui historicamente.

Bakhtin apresenta para o cenário dos estudos da linguagem uma visão filo-sófica muito pertinente para o ensino de língua portuguesa. Esse autor destaca-se por apresentar uma concepção de linguagem que se opõe ao formalismo e ao estruturalismo, ou seja, que entende a língua de forma isolada.

Um grupo de pensadores reuniu-se na Rússia, após Revolução de 1917, e formou o que se chama Círculo de Bakhtin. O grupo discutia questões liga-das à filosofia, à arte e à linguagem. Esse autor realiza uma crítica aos estudos de Saussure, pois traz à tona o conceito de comunicação social ao afirmar que a substância verdadeira da língua é o fenômeno social da interação verbal que é realizada por meio das enunciações. Desse modo, é a interação verbal a subs-tância da língua para esse teórico.

Essa existência da língua, tal diferente do que preconizara as concepções de linguagem como expressão de pensamento e a de instrumento de comunicação, apreende o sujeito na relação com o histórico. Para esse autor: “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e o outro. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2009, p. 113).

Essa citação traduz com propriedade o que o autor defendia por dialogismo: relação por meio da palavra e que é mediada pela natureza das ações estabelecidas entre os interlocutores. Nesse sentido, Bakhtin (2009) afirma que o dialogismo da linguagem possui dois aspectos:

a. Resultado da interação verbal.

b. Relação entre enunciados no interior do discurso.

Resultado da interação verbal quer dizer que a palavra não é vista como propriedade do locutor. Isso porque ela é determinada pela influência do outro e pelo fato de ser dirigida ao outro. Todo dizer é formulado em conformidade com o interlocutor que está em jogo em cada enunciação. Em outras palavras,

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é a interação verbal que concederá um determinado significado à palavra e essa relação manterá forte contato com o contexto social imediato e o amplo.

Bakhtin (2009) não foca seus estudos nem na língua, nem na fala, mas sim na enunciação, que é a resultante da relação estabelecida entre ambas. Ele defende que a enunciação, enquanto produto concreto da interação, é o foco de atenção. Logo, para ele, a expressão interior aciona um sistema estável, contudo extre-mamente maleável, tendo em vista o tipo de relações sociais postas em prática.

A enunciação, para Bakhtin (2009), é concebida como um processo histórico e não reiterável, ou seja, nunca é o mesmo, porque os interlocutores não são os mesmos, uma vez que são frutos do modo de se relacionar com o social e com o histórico. As formas linguísticas são reflexos de relações bem mais profundas. Não se trata da língua isolada enquanto sistema e nem, tampouco, da fala como mera expressão da psicologia individual. Dessa maneira, as relações com a lín-gua serão marcadas pelo social e pela natureza da interação verbal mantida nos diferentes momentos de interlocução.

O falante inserido em contextos reais de comunicação serve-se da língua para responder dadas situações e, portanto, são eles que determinam o tipo de diálogo que se efetivará sobre a língua. Para o autor, a enunciação é produto da interação verbal e é constituída na relação entre os interlocutores. Nesse ponto, podemos concluir dois pontos: não é o indivíduo o centro organizador da língua, mas sim o social, e o sistema linguístico por si só não se basta, isto é, isolado das situações concretas de comunicação, perde-se a dimensão das questões exteriores a ele.

A língua, segundo esse teórico, não é vista como abstração. É, na verdade, um processo de evolução que se renova pela dinâmica das interações verbais dos locutores, bem como pelo caráter ideológico da palavra. Nenhuma expressão é neutra e apagada de valores ideológicos. Assim, a língua, para Bakhtin, é social e não abstrata. A fala não é individual, mas sim concreta. E, nesse contexto, é o dialogismo o centro organizador das relações estabelecidas com a língua. Isso significaria dizer o seguinte: o “eu” em contato com o “outro” e ambos imbuídos do social e do ideológico dão sentido à língua por meio das diferentes enuncia-ções. Entendamos que toda vez que estamos diante de um contexto social dado, com interlocutores específicos e voltados a atender intenções comunicativas pon-tuais, estaremos diante de uma enunciação.

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O social é o ponto organizador da expressão – do falar, da escrita, enfim, dos enunciados concretos. De modo geral, não estamos diante da supremacia do “eu” concedida por Benveniste e nem diante da imutabilidade do sistema, como nos prescreveu Saussure. Antes de tudo, estamos diante de uma postura de entremeio (entre o eu e entre o social), na qual as relações sociais direcionam os interlocutores na forma de apropriação da língua. Logo, se de fato há uma supremacia na relação com a língua, essa é de natureza social.

Ao considerar essa supremacia do “social”, o uso dos enunciados se dão vol-tados às necessidades cotidianas e à natureza das relações que as pessoas mantêm nos diferentes espaços de convivência. A palavra não é propriedade de quem diz, de quem escreve. É, na verdade, uma relação contínua dirigida ao Outro – feita para o interlocutor. Aquela velha máxima popular “não ligo para o que os outros pensem” não vale para o princípio constitutivo da língua, pois as enun-ciações que produzimos são alicerçadas na relação que mantemos com o Outro, ou seja, há uma relação direta com o contexto imediato e o amplo.

O contexto social imediato é, para Bakhtin, o desenho da situação real e ime-diata de comunicação: quem fala?, para quem fala?, o que fala?, de onde fala?, como fala?. Já o contexto social mais amplo diz respeito ao social, ao contexto histórico no qual enunciamos, ou melhor, no qual emitimos nossos pedidos, nossos desejos. Pautados em que ordem cultural ou ideológica, falamos de deter-minada forma e não de outra. A escolha de uma forma de dizer, de expressar, por exemplo, nossas opiniões, levarão em conta o contexto imediato e o amplo.

Os enunciados concretos que circulam em nossa sociedade são caracteriza-dos conforme a esfera social em que aparecem. Cada esfera social vai lidar de uma determinada maneira com os interlocutores, tanto no contexto social amplo, como no social imediato. Além disso, a produção de nossos enunciados estará sempre relacionada às questões concretas, reais e que fazem parte da vivência daqueles que usam a língua. Segundo Bakhtin (2009), a verdadeira substância da língua está na interação verbal, que é um fenômeno social constituído por enunciações. Entendamos “substância” como realidade fundamental da língua.

Por isso, precisamos entender que ensinar a língua é considerar que os homens não lidam com uma língua pronta e inacabada e que essa dependerá de aspectos sociais e históricos, que seriam o contexto mais amplo e o contexto

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de produção de enunciado (contexto imediato – na relação que estabelece com amplo). A estrutura da enunciação é moldada de acordo com o contexto ime-diato e o amplo. O uso da língua se dará por uso de enunciados e esse significará de acordo com a relação que estabelece com o Outro. Nas palavras do autor:

[...] Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a al-guém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro (BAKHTIN, 2009, p.113).

Observamos aqui um ponto central na concepção de linguagem de Bakhtin que é o dialogismo, ou seja, é impossível pensar o homem e suas relações fora da liga-ção estabelecida com o Outro.

Reside nesse ponto um importante conceito na teoria de Bakhtin: é o inter-locutor. Figura que representa o Outro no seio das diferentes enunciações que são realizadas no interior da sociedade. Assim, toda enunciação se estrutura não só por quem a processa e a elabora, mas sim pela relação mantida por quem formula com o Outro – que é desde o agente que vai receber a enunciação em contexto mais imediato, como o que o autor chama de auditório social, ou seja, todo o conjunto de crenças, regras, organizações e ideologia que se dão no social.

A esse interlocutor, quem enuncia possui uma finalidade, isto é, as enun-ciações são fruto de situações reais e, de alguma forma, respondem aos anseios, aos apelos, às intenções do locutor. Nenhuma enunciação é descolada da finali-dade de quem a organiza. Tanto que o processo de elaboração de um enunciado terá como centro a finalidade que as pessoas possuem diante das demandas que são sociais, uma vez que, como já vimos, é o social, o externo a verdadeira subs-tância da língua.

Como exemplo disso, podemos pensar que um sujeito que queria relatar alguma experiência pessoal, ou seja, tenha por finalidade isso, não usará, muito provavelmente, o gênero textual “piada”. Tanto o Relato Pessoal, que seria um dos gêneros possíveis para atender à finalidade do locutor, no exemplo que esta-mos conversando, como o Gênero Textual Piada possuem finalidades distintas. O fato de usar um ou outro é motivado por questões sociais e tem a ver com os conhecimentos social e historicamente construídos. Aqueles que convivem em

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sociedade, independentemente do grau de escolaridade, conseguem minima-mente perceber para qual finalidade serviria contar uma piada. Além disso, o sujeito consegue, em alguma proporção, perceber que há circulando entre nós diferentes tipos de textos, os quais apresentam uma estrutura própria. O que esta-mos querendo dizer é que, se alguém vê anexado à geladeira, em dia de compras semanais, palavras dispostas verticalmente, poderá presumir, mesmo que não seja isso de fato, que se trata de uma lista de compra. Essa previsão, essa antecipação feita pelo interlocutor se dá porque esse, dentro do convívio que estabeleceu na vida em sociedade, compreende que a lista de compra possui uma organização que não é a horizontal. Esse saber ocorre porque a experiência, o aspecto social do uso da língua, já o apresentou a outras situações em que a finalidade era lis-tar aquilo que se pretende comprar.

A ocorrência exemplificada demonstra um outro importante conceito e aponta para um novo trabalho com a língua portuguesa a ser realizado dentro das salas de aulas brasileiras que é o de Gêneros Discursivos, que nada mais são do que os enunciados orais ou escritos usados socialmente e que refletem a fina-lidade e os interlocutores. Tais enunciados apresentam-se de certa forma estáveis e respondem às características das esferas sociais onde circulam. Entendamos as esferas sociais como os lugares dotados de regras sociais específicas e cuja ação de linguagem aconteça de acordo com tais regras. Os gêneros discursivos, de acordo com Bakhtin (2009), recebem implicações quanto às condições de pro-dução, circulação e recepção da esfera de atividade correspondentes.

Dessa maneira, a esfera social que pede, por exemplo, a produção, a circula-ção e a recepção do Gênero Textual Interrogatório não é a mesma que solicitaria o Gênero Textual Poema. Cada esfera organiza, reúne e sistematiza o uso por parte dos interlocutores de determinados Gêneros Textuais e inviabiliza a uti-lização de outros.

O número existente de Gêneros Textuais é infinito. Cada esfera de atividade humana organiza, seleciona os gêneros textuais adequados e relevantes para as finalidades de cada uma delas. Assim, devido ao fato de as atividades humanas serem infinitas é que a variedade de gêneros também é infinita. Cada esfera comporta e agrupa uma gama de gêneros, cuja complexidade e ampliação se dão á medida que a relação da esfera com a sociedade se torne mais complexa.

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Nesse sentido é que, para Bakhtin (2009), a palavra não é mais de proprie-dade exclusiva do locutor, pois é determinada pela influência do outro. Desde o seu princípio, a palavra é dirigida ao outro e cada esfera social possui uma forma específica de lidar com os interlocutores. Isso fica mais evidente se pensamos na esfera social do jornalismo impresso. Dentro dessa esfera, desse tipo de intera-ção verbal, há um número de Gêneros Textuais específicos: reportagem, notícia, artigo de opinião, classificados etc.

Para Bakhtin (2009), os Gêneros Textuais devem ser compreendidos como tipos relativamente estáveis de enunciados orais ou escritos, que se realizam em condições de produção e com finalidades específicas nas diferentes situações de interação social.

É importante considerar que, para esse autor, enunciado e enunciação são elos importantíssimos e se ligam ao fator social, isto é, possuem natureza social. A enunciação é o processo interligado aos interlocutores e ao contexto amplo e imediato a que eles se ligam. O enunciado produzido interliga-se a uma cadeia

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de outros enunciados produzidos socialmente e conhecidos de alguma forma pelos interlocutores. Ninguém cria de forma isolada e baseada em si mesmo a estrutura de um Artigo Científico, por exemplo. Há normatizações que regem essa escrita e, para que possamos produzir um texto classificado como tal, há a exigência de que sigamos - com certo rigor – um arcabouço de regras que foram social e culturalmente construído. Mas há outros Gêneros Textuais em que as regras de produção não são tão rígidas como no Artigo Científico. Ao pensar-mos em uma conversa íntima e se compararmos com o gênero citado antes, já percebemos de imediato que tais Gêneros Textuais possuem níveis de comple-xidades diferentes entre si.

Isso se justifica porque há os Gêneros Textuais primários e os secundários. Essa divisão foi realizada pelo próprio Bakhtin, o qual compreendeu que a natu-reza dos gêneros é definida de acordo com a finalidade e com as condições de produção deles.

Segundo Bakhtin (2009), os Gêneros Textuais primários ocorrem em situ-ações cotidianas em que a comunicação verbal é espontânea. Podemos, então, enquadrar como primários os seguintes gêneros: Bilhete, Conversa Íntima, Post em mídias sociais. Já os Gêneros Textuais secundários ocorrem em situa-ções de comunicação mais complexas e aparecem em situações mais evoluídas, tais como a Arte e a Ciência. Os secundários absorvem os primários, os quais ganham complexidade à medida que a finalidade e a natureza da interação ver-bal fiquem também mais complexas. A definição do gênero é feita em função do interlocutor e da finalidade.

Finalidade, em termos de Gêneros Discursivos, é o propósito social e histó-rico de cada gênero. Assim, se a finalidade é expressar um sentimento de forma poética, entre alguns Gêneros Discursivos disponíveis, pode-se optar pelo Gênero Textual Poema. Além disso, a escolha do Gênero Textual adequado é feita em relação aos interlocutores. De acordo com Bakhtin (2009), interlocutor é a pes-soa a quem o produtor se dirige; com quem vai dialogar na escrita ou na fala sobre a temática definida, sobre o texto lido; a quem vai argumentar, comentar, criticar, refutar, informar etc. Há três tipos de interlocutores:

a) o real, ou seja, aquele que tem uma imagem física e está presente durante o processo dialógico, por exemplo, em uma situação escolar, é possível dizer

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que esse interlocutor é o professor, com o qual o aluno tem um contato face a face, direto. A questão aqui é fazer com que esse interlocutor real professor seja visto como um mediador do processo de produção de texto, como um copro-dutor, não como o único leitor, com papel exclusivo de corretor e avaliador do texto do aluno;

b) o ideal/virtual, que tem sua imagem construída pelo aluno. O aluno escreve um texto para alguém virtual que não conhece, mas tem consciência de que esse interlocutor já traçou algumas regras de produção que devem ser seguidas para que se tenha um bom texto.

c) o superior, a terceira forma de interlocutor, que se refere a um represen-tante oficial responsável por constituir padrões e regras que são respeitados no meio social em que o produtor do texto convive. Trata-se da produção voltada ao respeito aos parâmetros sociais.

CARACTERÍSTICAS DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Os Gêneros Textuais, como já dissemos, são enunciados que apresentam uma certa estabilidade. Há aspectos neles que são determinados socialmente e não se modificam ao bel prazer. São, antes de tudo, características sócio-historicamente estabelecidas para o Gênero Textual, em função da realidade em que circula.

Vimos que a seleção do Gênero Textual é realizada de acordo com o interlo-cutor e com a finalidade. Embora isso aparente demasiada flexibilidade quanto á escolha dos gêneros, Bakhtin (2009) apresenta três aspectos que formam a natu-reza de qualquer tipo de Gênero Textual. São eles:

a) Temática definida:O gênero escolhido comporta em si uma temática certa, isto é, o tema é

apresentado num gênero específico, nem todo tema serve para qualquer gênero discursivo; esse define o estilo de temática a ser apresentada.

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b) Estrutura composicional definida:O gênero escolhido tem uma estrutura certa, que é definida pela sociedade,

assim, ao escolher determinado texto, ele deve, necessariamente, seguir a estru-tura composicional que a sociedade estabeleceu; nesse sentido, deve-se, em função do interlocutor e da finalidade, definir:

b1) a distribuição das informações no texto, a ordem de importância de apresentação;

b2) a composição geral (diagramação típica), fotos, ilustrações, gráficos e outros tipos de figuras ou de recursos que utilizará, quando necessário;

b3) as características composicionais do gênero: o texto verbal, os ele-mentos não verbais que o compõem, por exemplo, uma Reportagem de Revista: tamanho e tipo de letras, título, divisões do texto, foto, cores, posi-ção na página, na revista, tamanho do texto e das fotos, tipo de revista em que está publicada etc.

Enfim, cada Gênero Textual tem uma organização textual específica. Alguns mostram uma organização bem rígida e respondem às convenções sócio-histo-ricamente construídas. Uma Carta Comercial apresenta-se com maior rigidez de organização do que um Cartaz, por exemplo. Entretanto, o fato de o Gênero Textual Cartaz apresentar maior flexibilidade e, com isso, maior possibilidade de variar, não permitirá que a produção desse tipo de gênero fuja a algumas regras que socialmente se espera de um texto como esse, uma vez que, para Lopes-Rossi (2002, p.27):

[...] Transgredir além de certos limites a convenção estabelecida so-cialmente para a organização e apresentação oral ou escrita do gênero pretendido resultará em uma produção que será rejeitada nos meios em que ela deveria circular. Isso ocorre mesmo que o conteúdo das informações seja adequado (LOPES-ROSSI, 2002, p. 27).

c) Estilo de linguagemAdequação da linguagem, da variação linguística própria, escolha de vocabu-

lário, de estruturas, em função do gênero definido, do interlocutor e da finalidade.Diante da demonstração desses três aspectos, podemos concluir que os

aspectos composicionais são dotados de maior rigidez e são menos flexíveis.

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Já a temática e o estilo apresentam maior abertura, uma vez que características próprias da interação verbal, bem como da finalidade e dos interlocutores, inter-ferem na forma como esses dois aspectos aparecem no interior das produções. Fica claro para nós o porquê Bakhtin compreende que os Gêneros Discursivos são enunciados relativamente estáveis. Algo pode mudar, mas não ao ponto de modificar o fato de que todo Gênero Textual possui estes três aspectos: tema, composição e estilo.

Levando o exposto em consideração, é importante pensar que o ensino de lín-gua portuguesa que pretenda conduzir o aluno a uma postura ativa, na qual ele se efetive como sujeito transformador daquilo que lê e, também, daquilo que escreve, na relação crítica com os estados das coisas no mundo, é necessário que as aulas de língua contribuam no sentido de que esse perceba as condições de produção e de circulação dos gêneros e, assim, escolha as estratégias e recursos que expressem isso. A escola tem a responsabilidade de contribuir para a for-mação de sujeitos que saibam desempenhar uma função responsiva diante ao universo que cada esfera social encerra.

O domínio de um gênero não significa o domínio de todos. Então, não basta aprender ou ensinar que as características dos gêneros são: tema, composição e estilo. Essa informação é apenas a ponta do iceberg, visto que tais aspectos devem ser estudados dentro das especificidades das condições de produção e dos inter-locutores de cada situação de comunicação, ou melhor, de cada interação verbal.

Entendemos que o foco de estudo serão os enunciados concretos, frutos da relação social dos interlocutores. Devido a isso, outro dois fatores são importantes

“[...] Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível” (BAKHTIN, 2009, p. 301 - 302).

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para que avancemos em nossos estudos. Estamos falando da Circulação e do Suporte Textual. Esses dois fatores têm a ver com a forma estabelecida pela cul-tura e pela sociedade, com a qual o Gênero Discursivo (oral ou escrito) chegará ao interlocutor pretendido e atenderá a finalidade. Ou melhor, dentro de uma esfera social dada, tendo em mente uma determinada finalidade, qual é a maneira que um dado Gênero Discursivo circula para que os sujeitos tomem conheci-mento deles. Em outras palavras, quais serão as estratégias de circulação que garantirão que um dado texto chegue ao leitor-alvo.

A circulação tem mais a ver com as especificidades da esfera social que determinam a forma “adequada” para que o Gênero Discursivo em questão se faça notado, lido e recebido pelo interlocutor. Já o suporte textual diz respeito à forma material que comportará o Gênero Discursivo em dadas regras de circu-lação. Podemos citar como exemplo: papel, livro, embalagem, suporte metálico, madeira, revista, jornal, e-mail etc.

Tanto a circulação e o suporte estão voltados para as condições de produção que determinam a escolha de um gênero em detrimento de outro. Uma escolha aponta para outra e assim se constitui a heterogeneidade das interações verbais. Essa heterogeneidade deve ser abraçada pela escola, por meio de uma concep-ção sociointeracionista de linguagem, em que a base é o enunciado visto em seu caráter dialógico.

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O que podemos concluir até aqui?

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O QUE PODEMOS CONCLUIR ATÉ AQUI?

Os estudos dos Gêneros Discursivos representam um importante marco na trajetória do ensino de língua portuguesa nas salas de aula de todo o país. Antes, era comum lermos e produzirmos textos dentro de três grandes modelos, as chamadas tipo-logias textuais: narração, dissertação e descrição. A situação de interação verbal não era explorada, nem tampouco a natureza do interlocutor. Os alunos não eram ensinados a conside-rar as condições de produção, que poderíamos resumir como sendo as respostas às seguintes perguntas: O que dizer? Para quem dizer? Quem diz? Como diz? Para que dizer?

Nesse sentido é que a metodologia de ensino pautada nas pesquisas de Gêneros Discursivos não implica em apenas mudanças de termos. Significa, na verdade, um trabalho pautado em uma concepção de linguagem sociointeracio-nista, em que o homem torna-se sujeito por meio da palavra e da contrapalavra, numa atividade de constante responsividade, diante dele e do mundo. Nas pala-vras de Lopes-Rossi (2002, p. 06):

Uma mudança de concepção de ensino e aprendizagem de produção escrita está cerceando o trabalho com os gêneros discursivos. Não é apenas uma renovação de termos, visto que a troca de termos é reflexo direto da adoção de outras concepções, inspiradas no sociointeracio-nismo, em que o ensino da língua está voltado para seu uso efetivo e funcionamento discursivo contextualizado e determinado pelo sócio--histórico.

Os enunciados são resultantes da convivência social e da ação dos interlocu-tores. Os números de Gêneros Discursivos, como já dissemos, são infinitos. Como organizar essa imensidão de gêneros discursivos que perpassam a vida em social? Como sistematizar um trabalho consistente e de qualidade com Gêneros Discursivos? Como considerar a variação linguística?

Essas indagações perpassam a prática docente e a vontade de respondê--las motiva um trabalho responsável e de fato comprometido. A fim de auxiliar

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II

na organização e na sistematização do trabalho pedagógico com os Gêneros Discursivos, em contexto de aula de língua portuguesa, traremos para você uma sugestão de agrupamento de Gêneros Discursivos, bem como uma proposta de encaminhamento para o trabalho em sala de aula.

Dolz e Schneuwly (2004), em busca de propostas pedagógicas para a pro-dução textual, apresentam também cinco agrupamentos de gêneros, de acordo com três critérios: domínio social da comunicação a que pertencem; capaci-dades de linguagem envolvidas na produção e compreensão desses gêneros e sua tipologia geral. Esses critérios tornaram possível que se faça um determi-nado agrupamento de gêneros tendo em vista a esfera social, o atendimento aos objetivos de linguagem (leitura e interpretação) e sua estrutura de modo geral.

Schneuwly e Dolz (2004) publicaram um quadro em que as tipologias são cruzadas com os gêneros. Desse quadro, é possível deduzir que é tão importante ensinar as tipologias quanto os gêneros. Explicitaremos abaixo uma versão do quadro desenvolvido pelo autor para que possamos compreender melhor essa organização.

Domínios sociais de comunicação(lugar, espaço social de produ-ção, circulação e recepção do texto)

Aspectos Tipoló-gicos(características estruturais do texto)

Capacidade de linguagem dominante(o texto para responder determinada finalidade apresentará de forma dominan-te uma dada capacidade)

Exemplos de Gêneros Discursivos(exemplares de gêne-ros discursivos)

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Cultura Literária Ficcional Narrar

Representar ações, usando a criação de con-flitos (mimese e verossímil)

Conto de fadas, fábu-la, lenda, narrativa de aventura, narrativa de ficção cientifica, narra-tiva de enigma, nar-rativa mítica, história engraçada, biografia romanceada, roman-ce, romance histórico, novela fantástica, con-to, crônica literária, adivinha, piada, etc.

Documentar e memorizar as ações humanas

Relatar

Representar por enunciados experiências vividas, situadas no tempo

Relato de experiên-cia vivida, relato de viagem, diário íntimo, testemunho, anedota ou caso, autobiogra-fia, curriculum vitae, noticia, reportagem, crônica social, crônica esportiva, histórico, relato histórico, en-saio ou perfil biográfi-co, biografia.

Discutir proble-mas sociais e polêmicas

Argumentar

Representação de sustenta-ção de ideias, ponto de vista e negociações de opiniões

Textos de opinião, diálogo argumenta-tivo, carta de leitor, carta de solicitação, deliberação infor-mal, debate regrado, assembleia, discurso de defesa (advocacia), discurso de acusação (advocacia), resenha crítica, artigos de opinião ou assina-dos, editorial, ensaio, questão dissertativa, resposta discursiva.

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Transmitir e construir saberes Expor

Representar os diferentes saberes

Texto expositivo, exposição oral, semi-nário, conferência, comunicação oral, palestra, entrevista de especialista, verbete, artigo enciclopédico, texto explicativo, tomada de notas, resumo de textos ex-positivos e explicati-vos, resenha, relatório científico, relatório oral de experiência.

Instruir e pres-crever

Descrever ações, passos

Representar uma regulação de comporta-mentos, im-pondo passos a serem seguidos

Instruções de monta-gem, receita, regula-mento, regras de jogo, instruções de uso, comandos diversos, textos prescritivos.

Quadro 02: Gêneros orais e escritos Fonte: Schneuwly e Dolz (2004).

Desse modo, percebemos que narrar, relatar, argumentar, expor, descrever são aspectos tipológicos interligados aos domínios sociais e às capacidades comu-nicativas específicas e não se dão isoladamente como antes ocorria no trabalho com a língua portuguesa nas concepções de linguagem que viam a língua como expressão do pensamento ou como mero objeto de comunicação.

O quadro que apresentamos representa o agrupamento de Gêneros Discursos desenvolvido por Schneuwly e Dolz (2004). Esses dois autores pensam o gênero enquanto objeto de ensino relacionado a uma escolha didática, a qual deve ter muito bem delineada os objetivos que pretende alcançar.

De acordo com os autores, a escola deve implementar ações dialógicas que oportunizem aos alunos o contato (tanto na escrita, como na leitura) com diver-sos Gêneros Discursivos. Para eles, a aprendizagem de um Gênero Discursivo não garante a aprendizagem de outro. Compreendemos, a partir disso, que cada gênero possui fatores a serem ensinados que são peculiares a ele e indispensá-veis à formação do sujeito.

Tendo por norte o quadro de agrupamento que ilustramos, passaremos nas

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próximas unidades a tratar das especificidades de alguns Gêneros Discursivos, os quais, para nós, serão concebidos como objeto de ensino, cuja sistematização, planejamento e efetivação se darão pela ação do professor.

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da Língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (BAKTHIN, 1997, p.279).

Para um ensino consistente de língua é preciso adotar o texto como pon-to de partida e considerá-lo como uma construção cultural. Com isso, por meio dos Gêneros Discursivos, manifestamos nossas ideias conforme nossa necessidade de comunicação. Esse processo, então, aponta para textos que circulam socialmente, demonstrando as diversas situações de comunicação e, consequentemente, as manifestações da linguagem. Nesse sentido, res-tringir-se apenas ao ensino de regras sem compreendê-las a partir dessas situações discursivas reais, seria desconsiderar o texto como construção cul-tural.

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II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudamos, nesta unidade, importantes conceitos desenvolvidos por Bakhtin. O fator que leva os estudos da língua para outros caminhos vem do pressuposto desse autor que cunha seus estudos pautados na língua em sua relação com o social. Se antes a língua era vista como estrutura fechada, isso muda por com-pleto a partir do momento que os estudos linguísticos no Brasil começaram a vislumbrar os preceitos bakhtinianos.

Devido à importância que esse autor possui, aprofundamos questões como: a língua em seu aspecto social, os interlocutores, a finalidade, o contexto amplo e imediato, o suporte textual, a circulação e os Gêneros Textuais.

Pudemos compreender que a língua possui sua concretude e que isso se dá por meio dos Gêneros Discursivos ou Textuais. Estudamos que cada gênero possui fatores que são estáveis, mas que possuem elementos que podem variar. O pró-prio Bakhtin (2009) coloca que os gêneros são enunciados de relativa estabilidade.

Essa relatividade deve-se ao fato de que, embora os gêneros possuam carac-terística que socialmente foram construídas e compactadas de certa maneira, a relação social de interlocutores concretos imbuídos em práticas sociais reais vai impulsionar a constituição dos enunciados.

A sala de aula não pode ficar apática diante a esse fenômeno, uma vez que seus alunos são sujeitos históricos e sociais. A escola deverá proporcionar uma reflexão acerca dos gêneros de modo que os alunos aprendam a utilizá-los em todos os seus aspectos: temático, estrutural, linguístico.

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1. Explique o que são Gêneros Textuais primários e secundários segundo Bakhtin.

2. Aponte e defina as características dos três gêneros textuais, segundo Bakhtin.

3. Qual é a diferença de circulação e suporte textual?

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Acabou-se a gramática...

Os estudos relacionados aos Gêneros Discursivos se colocam como a realidade atual do trabalho de língua portuguesa no Brasil. A concepção de linguagem sociointeracionista que pretende formar sujeitos que reflitam sobre a língua de forma dialógica permite compreender que o trabalho em sala de aula centrado nos Gêneros Discursivos tem muito a oferecer em termos de aprendizagem para a gama de alunos brasileiros.

Trabalhar com Gêneros Discursivos envolve por parte do professor o olhar totalizante, visto que deverá conceber formas de ensinar os alunos a prática social que cada gênero encerra. Vivenciar a prática social de produção, análise e leitura de Gêneros Textuais é função da escola. Deixar de lado a gramática tradicional não. Isso, para nós, se constitui em uma terrível interpretação.

Para evidenciar isso, quero contar uma situação pessoal: um dia lecionando minha aula de língua portuguesa, numa turma de Ensino Fundamental, a pedagoga da escola me procurou à porta, me pedindo alguma atividade de português, pois essa assumiria uma turma da mesma série que eu estava ministrando aulas naquele ano. Paralelamente à fala, essa pessoa olhou para o quadro e me disse assim: “- Ah, não, eu preciso de ativida-des gramaticais. Isso ai é de gêneros, né?”. Não descreverei aqui o tom de voz com que isso foi pronunciado, porque o leitor pode imaginar que esse não foi dos mais amigáveis.

Encerro esse relato pessoal por aqui e, na sequência, justifico que ele me fez refletir em muito sobre as imagens sociais que se vão criando sobre o trabalho com os Gêneros Discursivos nas salas de aula. Criou-se uma falsa imagem que o trabalho do professor de língua portuguesa pautado nos gêneros discursivos baniu para escanteio a Gramática Tradicional. É isso é uma inverdade. Reitero que é uma das funções da escola é oportu-nizar o acesso ao conhecimento historicamente construído e é a Gramática Tradicional um desses conhecimentos.

O tratamento dos Gêneros Discursivos, pautados na metodologia das Sequências Dis-cursivas dá ao aspecto linguístico uma relevância significativa. A elaboração de ativi-dades de análise linguística se efetiva como uma prática em que a língua, em sua es-pecificidade gramatical e estrutural, será abordada e, sobretudo, ensinada aos alunos. Portanto, não se deve banir a gramática, mas sim possibilitar um clima favorável ao seu estudo e à sua reflexão de forma que os sujeitos se apropriem desse conhecimento de forma crítica. O estudo da gramática não acabou. Esse se encontra mais vivo do que nunca, pois agora exercemos sobre ela um olhar crítico.

Fonte: A autora

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Material Complementar

MATERIAL COMPLEMENTAR

Introdução ao pensamento de BakhtinJosé Luiz Fiorin

Editora: ÁticaSinopse: Em “Introdução ao pensamento de Bakhtin”, José Luiz Fiorin orienta o

leitor na descoberta de alguns temas estudados pelo pensador, pelos quais se

pode compreender a maneira como ele concebe a linguagem. Fiorin apresenta

uma biografia breve de Bakhtin e tem por objetivo esclarecer conceitos como dialogismo, gêneros do

discurso e carnavalização, além de discutir a teoria do romance.

Para saber mais sobre Gêneros do Discurso consulte também o trabalho desenvolvido por Roxane

Helena Rodrigues Rojo. Doutora em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela Pontifícia

Universidade Católica (São Paulo), e Pós-doutora em Didática de Língua Materna na Université de

Genève (UNIGE – Suíça). Além de tratar sobre gêneros discursivos, na Linguística Aplicada, Rojo aborda

as questões de (multi)letramentos e ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. A seguir, indicaremos

dois livros, cujos capítulos são de autoria de Roxane Rojo e estão relacionados ao que estudamos nesta

unidade.

[Re]Discutir texto, gênero e discursoInes Signorini

Editora: ParábolaSinopse: Capítulo: Gêneros de discurso/texto como objeto de ensino de

línguas: Um retorno ao trivium? Os trabalhos que compõem o presente volume

têm em comum com os capítulos do volume anterior o fato de buscarem o

enfrentamento de questões teórico-metodológicas surgidas com a focalização da lingua[gem] situada,

ou seja, não descolada de contextos de uso e práticas específicas de interação social, além de terem sido

produzidos por acadêmicos filiados a diferentes disciplinas e instituições. Tal enfrentamento promove

percursos de investigação que, em diferentes níveis e graus, são transversais a campos disciplinares e

tradições específicas e não excluem a indecidibilidade e a incompletude como elementos constitutivos,

e não residuais, de toda investigação mais atenta às realidades lingüístico-discursivas do mundo

contemporâneo.

Em função das expansões e deslocamentos teórico-metodológicos assim produzidos e envolvendo a

discussão desses construtos e de suas bases epistemológicas, agrupamos os trabalhos que compõem

o volume em duas partes inter-relacionadas. São, contudo, diversificados os percursos de investigação

contemplados pelo conjunto dos trabalhos que compõem cada parte, em função também de

diferenças de orientação disciplinar e teórica na condução das discussões. O agrupamento é uma

tentativa de apontar algumas das possibilidades abertas à investigação, sem pretender esgotá-las.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

Conferência dos acadêmicos da ABLNo link a seguir, você poderá assistir à conferência dos acadêmicos da ABL sobre gramática e linguística. Vale assisti-la para compreender a importância de ambas, assim como destituir alguns preconceitos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D7PTzx1uBlQ>. Acesso em: 28 nov. 2014.

Escol@ conectada: Os multiletramentos e as TICsRoxane Rojo

Editora: ParábolaSinopse: Capítulo: Gêneros discursivos do Círculo de Bakhtin e multiletramentosVivemos a era das linguagens líquidas. Por isso temos insistido em passar do letramento para os multiletramentos e em enxergar o aluno em sala de aula como o nativo digital que é: um construtor-colaborador de criações conjugadas na era das linguagens líquidas. É preciso que a escola se apresse a preparar os estudantes para um funcionamento da sociedade cada vez mais digital e também para buscar no ciberespaço um lugar para se encontrar, de maneira crítica, com diferenças e identidades múltiplas.Se os textos da contemporaneidade mudaram, as competências/capacidades de leitura e produção de textos exigidas para participar de práticas de letramento atuais não podem ser as mesmas. Hoje, é preciso tratar da hipertextualidade e das relações entre diversas linguagens que compõem um texto, o que salienta a relevância de compreender os textos da hipermídia.Não bastasse o fato de as TICs permitirem que os sujeitos da periferia entrem em contato com práticas de texto antes restritas aos grupos de poder, elas ainda possibilitam e potencializam a divulgação de sua produção por meio de uma rede complexa, marcada por fluidez e mobilidade, que funciona paralelamente às mídias de massa.É preciso dar-se conta de que, definitivamente, há algumas habilidades que a escola tem de tomar por função desenvolver: letramentos da cultura participativa/colaborativa, letramentos críticos, letramentos múltiplos e multiculturais, ou multiletramentos, resultado de ressignificação e de re-enquadramento de referências e objetos culturais diversos em gêneros multissemióticos.

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UNIDADE III

Professora Me. Rejone Valentim Alves

O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

Objetivos de Aprendizagem

■ Conceituar o gênero discursivo do agrupamento do “narrar”.

■ Tratar da importância de se planejar o trabalho com os gêneros discursivos.

■ Conceituar o que é Sequência Didática.

■ Ensinar como se faz Sequência Didática.

■ Descrever uma sequência didática em torno do gênero textual Crônica.

■ Explicar o conceito de dimensões ensináveis.

■ Discutir sobre as Dimensões ensináveis e o gênero Crônica.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

■ O Gênero Discursivo do narrar: proposições teóricas para o trabalho em sala de aula

■ Por onde começar essa conversa?

■ Gênero Textual crônica: uma proposta de trabalho

■ Dimensões ensináveis: o que se deve ensinar em uma Crônica?

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Introdução

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INTRODUÇÃO

Nesta unidade, você poderá contemplar uma proposta de trabalho com o Gênero Textual Crônica. Para isso, apresentaremos os conceitos basilares sobre Sequência Didática e de como essa pode ser uma metodologia eficiente para o tratamento dos Gêneros Textuais em sala de aula.

Explicitaremos que é por meio de Sequências Didáticas que uma prática que fomente a Educação Linguística pode de fato se efetivar nas escolas. Ressaltaremos, portanto, nessa seção, a importância do professor sempre apresentar uma prá-tica de estudo e de investigação. Nada está pronto, nada é feito para ser usado de forma instantânea em sala de aula, visto que o docente, ao pesquisar e ao refletir sobre o seu contexto de atuação profissional, poderá selecionar o que trabalhar e como realizar a medição desse conteúdo para os seus alunos.

Você encontrará a seguir informações de como se elabora uma Sequência Didática e também conteúdos referentes a instrumentalização e percepção do professor sobre o que é imprescindível de ser ensinado em cada gênero. Para tanto, trabalharemos com os conceitos de Dimensões Ensináveis, bem como abordaremos esse conteúdo de forma direcionada ao Gênero Textual Crônica.

O professor, ao fim da unidade, compreenderá a natureza desse tipo de enca-minhamento e poderá refletir sobre o seu contexto de atuação, bem como traçar procedimentos para a sua prática docente.

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O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

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III

O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

Na unidade que se segue, caro(a) aluno(a), iremos aprofundar os nossos estu-dos sobre o Gênero Discursivo da ordem do narrar, ou seja, do agrupamento da narrativa, tal como preconizou Schneuwly e Dolz (1999), ao agrupar, reunir determinados gêneros de acordo com o seu domínio social, sua tipologia, sua habilidade de comunicação.

POR ONDE COMEÇAR ESSA CONVERSA?

Gostaríamos de expressar que o trabalho com o Gênero Discursivo, por ser tratar de uma opção didática, implica a tomada de certas condutas por parte do profes-sor. A primeira que podemos destacar é a posição de pesquisador. Lembre-se: o professor precisa ser um pesquisador, isto é, ser aquele que investiga, analisa e reflete sobre a relação teoria-prática. A partir disso, todo o tratamento com um dado Gênero Discursivo – não importa qual seja – requer que o professor dedi-que tempo, esforço e empenho.Pesquisar os espaços sociais em que esse gênero aparece, os aspectos que o constitui (tema, composição, estilo) e a forma que esses elementos variam ou se mantém estabilizados são condutas indispensáveis para que a sala de aula não seja apenas um espaço físico e sim se mostre como parte integrante da sociedade.

Assim, apresentaremos, nesta unidade, um conceito-chave para o trabalho pedagógico com qualquer Gênero Textual em sala de aula, que é o de Dimensões Ensináveis, isto é, aquilo que pode ser ensinado para que a compreensão de um dado gênero se dê de forma concreta. Melhor dizendo: trata-se do conjunto de saberes que podem ser ensinados em um dado Gênero Discursivo para que esse se efetive socialmente. Além do mais, explicitaremos uma metodologia de tratamento dos Gêneros Discursivos em contexto escolar – a qual se chama Sequência Didática e é entendida como o conjunto de condutas, comportamentos

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e organizações do professor para que ocorra o ensino e também a aprendizagem de um determinado Gênero Discursivo. Dessa maneira, é preciso que entenda-mos que cada Gênero Discursivo possui características mais significativas e que deverão constar em uma Sequência Didática (trabalho com os alunos para que eles aprendam um determinado gênero).

Evidentemente que tais apontamentos não são “modelos” ou “receitas” a serem duramente aplicadas. Longe disso! O que trataremos aqui será uma descrição de percursos didáticos, que passa pelas etapas de planejamento, de sistematização e de efetivação. Esse percurso sustenta-se na relação teoria-prática e não se mostra como acabado. Cada professor, profissional de Letras, pode e deve fazer adapta-ções, mudanças, sistematizações outras que respondam a realidade em que cada um atua. Nisso consiste a riqueza de ter como norte uma concepção de lingua-gem sociointeracionista. Nela, homens e mulheres se constituem como sujeitos professores – agentes de fato do processo de ensino-aprendizagem.

Teremos três linhas que perpassam a montagem da descrição do nosso per-curso didático: a variação linguística, a análise linguística e complexidade das atividades tendo em vista o público a ser ensinado. Ao aprofundamos cada Gênero Discursivo, vamos desmarcando-as.

Para fechar esse início de conversa e para que possamos aprofundar os nossos estudos, é necessário compreender que a postura que tomamos é a que concebe que o trabalho em sala de aula com um dado gênero discursivo terá por enca-minhamento metodológico uma organização por meio de Sequências Didáticas (SD), as quais, de acordo com Dolz, Noverraz e Schnewly (2004, p. 95), são “[...] um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual (oral ou escrito)”.

Entretanto, a produção de uma Sequência Didática necessita que antes o professor realize um modelo didático. Esse conceito é, de acordo com os autores citados acima, fundamental para que se efetive a Sequência Didática. O modelo didático faz referência ao momento prévio à elaboração da Sequência Didática. Esse momento orienta e prepara terreno para que a elaboração do conjunto de atividades que compõem a Sequência Didática esteja enquadrada às condições de produção que regem o contexto de ensino, tais como: perfil da sala a ser ensi-nada; especificidades individuais a serem visualizadas; o que se deve ensinar

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O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

III

naquele momento; como viabilizar o trabalho etc. Assim, o modelo didático é feito para garantir que a Sequência Didática

alcance o seu objetivo, que é ensinar aspectos relevantes para apreensão de cada Gênero Discursivo de modo a considerar questões que já Bakhtin apontou como relevantes: finalidade; interlocutor; circulação social; suporte textual; posição do autor. Enfim, o modelo didático (MD) é construído para possibilitar a aprendiza-gem de um gênero. Sua realização é função do professor, que como já dissemos deve ser um pesquisador. Isso irá permitir que o professor conheça melhor o gênero que vai trabalhar e, em virtude disso, possa selecionar as dimensões ensináveis a determinado nível de ensino. Além disso, permite que ele elabore e adapte atividades didáticas que abordem os conteúdos mais pertinentes de um Gênero Discursivo.

O MD é uma etapa investigativa, na qual o professor seleciona exemplares de um determinado Gênero Discursivo e sobre eles pontua quais as caracterís-ticas estáveis do gênero, quais pontos variam tendo em vista fatores do contexto amplo e imediato. Nesse processo, o professor procura delimitar, identificar o que é próprio de cada gênero na sua relação com o social.

Para se definir o que de fato é mais importante em um dado gênero, o pro-fessor precisará:

a. conhecer as condições de uso de um dado Gênero Discursivo;

b. identificar o seu papel social;

c. saber qual é a situação de produção (quem escreve, de onde, para quem, para que, onde circula, em que momento, em que suporte);

d. perceber qual é o conteúdo típico de um gênero;

e. reconhecer a composição desse gênero;

f. observar o estilo particular do gênero, ou seja, a posição enunciativa do autor.

A construção de um MDG deve levar em consideração dois fatores: as capaci-dades e as dificuldades dos alunos com o gênero escolhido; a experiência que os alunos já possuem. Como percebemos, é o MDG que define os princípios, orienta a intervenção didática e torna possível a progressão entre os diferentes

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graus de aprendizagem. Já a seleção de um dado Gênero Discursivo a ser traba-lhado inclui uma metodologia e objetivos específicos, cujas ações de planejamento e sistematização são responsabilidade do professor. Em outras palavras: didati-zar o gênero, torná-lo didático, compete a nós, professores.

Realizar um MDG é desmontar o Gênero Discursivo a ser ensinado aos alu-nos. Para isso, o professor deve instrumentalizar-se, ou seja, pesquisar, investigar e estudar o gênero como objeto de ensino dentro de um contexto de aprendi-zagem também específico. Será imprescindível, portanto, que o professor: a) observe o contexto de ensino-aprendizagem, a fim de se verificar a pertinência da intervenção didática e de também determinar os objetivos tendo em mente a finalidade e as capacidades de linguagem dos aprendizes diante ao gênero escolhido; b) realize leitura da produção acadêmica sobre o gênero em pauta; c) analise um corpus de textos do gênero em questão com o intuito de verifi-car as características principais de forma a não fugir a situação de produção, a infraestrutura textual e suas formas de textualização; d) apreenda o que se pode ensinar em um determinado gênero, as suas dimensões ensináveis; e) transpo-nha os resultados de forma didática aos alunos.

Com a finalidade de aprofundar melhor a discussão sobre MDG, apresenta-mos a seguir o que nos esclarece Machado e Cristovão (2006, p. 11-12) a respeito de pontos que o docente deve considerar quando da construção de um MDG:

a) as características da situação de produção (quem é o emissor, em que papel social se encontra, a quem se dirige, em que papel se encontra o receptor, em que local é produzido, em qual instituição social se produz e circula, em que momento, em qual suporte, com qual objetivo, em que tipo de linguagem, qual é a atividade não verbal a qual se relaciona, qual o valor social que lhe é atribuído etc);

b) os conteúdos típicos do gênero;

c) as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos;

d) a construção composicional característica do gênero, ou seja, o pla-no global mais comum em que se organiza seus conteúdos;

e) o seu estilo particular, ou, em outras palavras:

- as configurações específicas de unidades de linguagem que se cons-tituem como traços da posição enunciativa do enunciador: (presença/

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III

ausência de pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa, dêiticos, tempos verbais, modalizadores; inserção de vozes);

- as sequências textuais e os tipos de discurso predominantes e subor-dinados que caracterizam o gênero;

- as características dos mecanismos de coesão nominal e verbal;

- as características dos mecanismos de conexão;

- as características dos períodos;

- as características lexicais.

Após a elaboração do MDG estará o professor pronto para construir e implemen-tar a Sequência Didática, a qual, como já explicamos, é o conjunto de atividades planificadas com o objetivo de ensinar determinado gênero.

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Por onde começar essa conversa?

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COMO SE FAZ UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA?

A construção de uma Sequência Didática prevê a elaboração de um modelo didático do gênero (MDG) da forma que estamos descrevendo nesta unidade. Entretanto, o modelo feito não é a Sequência Didática propriamente dita. Todas as informações coletadas no momento do MDG devem ser organizadas para fins didáticos. Isso quer dizer que é o professor que seleciona, dentro dos conheci-mentos que pesquisou, o que é pertinente para ser transposto para o contexto escolar e também a forma que isso aparecerá para os alunos.

Dolz, Noverraz e Schnewly (2004) prescrevem que a Sequência Didática é formada das seguintes etapas:

APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO INICIAL

SELEÇÃO DO GÊNERO TEXTUAL

RECONHECIMENTO DO GÊNERO

O professor apresenta para a turma uma condi-ção de produção especí-fica que os motivará para a escrita; a partir dessa condição, define com os alunos a modalidade de linguagem pertinente (oral ou escrita); Define também: para quem? / o que dizer? / como vai ser a circulação?

Diante da situação apresentada, observar as seguintes questões:- O que dizer?- Para que dizer?- O que dizer?- Onde circular?- Como dizer?E assim determinar o gênero discursivo.

Pesquisa sobre o gênero e leitura que estabeleçam as seguintes relações: ações:- função social;- composição;- temática;- estilo.

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III

PRODUÇÃO DE TEXTO MÓDULOS REESCRITA DO TEXTO

Levando-se em conta a situação inicial, produzir a primeira versão do texto. Trata-se de uma atividade que aponta o que os alunos já consegui-ram apreender sobre um gênero. E, por conseguinte, revela as dificuldades dos alunos e também os pontos que devem ser trabalhados nos módulos; (etapa pos-terior da SD).

Os módulos tratarão dos pontos de dificuldades dos alunos e serão feitos de acor-do com três princípios: 1) Trabalhar com problemas de níveis diferentes, tais como: lexical, sintático, o semântico;2) Variar as atividades;3) Capitalizar as aquisições: os alunos pouco a pouco devem sanar as dificuldades encontradas em seu texto e associar com o que é perti-nente ao gênero em estudo.Não há um número fechado de módulos a serem traba-lhados. O professor diante as dificuldades da turma e de acordo com as dimen-sões ensináveis do gênero, bem como de acordo com os objetivos que ele estabe-leceu, define o número de módulos.

Diz respeito à reescrita do texto de maneira a aproximar o máximo possível dos modelos que já circulam social-mente. Aqui o aluno coloca em prática o que aprendeu no decorrer dos módulos e espera-se que o mes-mo já tenha o controle de sua produção: O que fez? Como fez? O que se deve fazer agora?

Quadro 03: Etapas da Sequência Didática Fonte: Dolz, Noverraz e Schnewly (2004).

O trabalho em sala de aula tendo por objeto de ensino o Gênero Discursivo, cujo encaminhamento metodológico ocorra por Sequências Didáticas oferecem aos aprendizes instrumentos significativos para que eles tenham domínio e reconhe-çam uma grande quantidade de gêneros inseridos em diferentes práticas sociais.

Como já dito, iremos tratar, nesta unidade, do Gênero Textual do agrupa-mento do “narrar”, em específico, do Gênero Textual Crônica. O modelo didático do gênero e a Sequência Didática deverá levar em conta o contexto em que a prá-tica educativa se inserirá, tais como: o perfil da turma, a série e se os conteúdos que apresentam estão condizentes a ela. Os possíveis percursos que descreve-remos aqui podem ser trabalhados em diferentes séries, entretanto, a forma de encaminhar, bem como o foco mudará de acordo com a realidade da turma. E

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aqui não deixamos uma lacuna no sentido de prejudicar o trabalho docente, mas no sentido de expressar que essa lacuna é constitutiva do trabalho docente, uma vez que é o professor o principal protagonista na elaboração de suas atividades. Desse modo, é ele que irá, teoricamente respaldado, decidir se para uma deter-minada turma é relevante que, para ocorrer o entendimento do funcionamento de uma classe de palavra dentro de uma especificidade de um dado gênero, é necessário o trabalho com metalinguagem, ou melhor, um foco incisivo sobre os nomes das classes ou o foco concentrado na função delas para a elaboração de um Gênero Textual dentro de uma prática social concreta.

GÊNERO TEXTUAL CRÔNICA: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

O Gênero Textual Crônica é o texto em que o autor apresenta uma reflexão ou um comentário a respeito de um fato ou de uma circunstância. A crônica nor-malmente se dedica ao que é prosaico e banal.

A Crônica pertence ao agrupamento do “narrar” e o seu domínio social é o literário e o de ficção. Esse tipo de gênero circula em duas esferas sociais: a jor-nalística e a literária. A sua finalidade é, em regra geral, trazer um comentário reflexivo, leve e breve sobre algum fato do cotidiano. A brevidade da Crônica deve-se ao fato de que o tempo narrativo não é longo e extenso, já que o foco narrativo desse tipo de gênero está naquilo que é instantâneo.

Ao se dedicar ao que é banal e comum, o autor desse tipo de texto realiza um comentário, o qual pode ser poético, irônico. Entretanto, o incentivo para o ato da escrita é sempre os fatos miúdos e que aparentemente não são importantes e, por isso, passam despercebidos aos olhos da maioria das pessoas. Uma cena cor-riqueira ganha na Crônica um status de assunto central e de grande relevância.

Fernando Sabino sobre esse gênero afirma: “Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina,

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quer nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me sim-ples espectador” (SABINO, 1965, p. 174).

Podemos compreender que esse gênero apresenta como tema os fatos coti-dianos, episódicos, acidentais e banais. O tema é um dos aspectos que Bakhtin apresenta para os Gêneros Discursivos. Desse modo, a Crônica presta-se a nar-ração de fatos de natureza cotidiana.

Outro aspecto apresentado por Bakhtin como constituinte do Gênero Discursivo é a composição. No caso da Crônica podemos elencar por caracte-rísticas expressivas:

a) Título: Essa parte é obrigatória e seu tamanho é variável, mas indicador da posição do autor sobre o tema comentado; ele poderá servir de base para que a interpretação desse tipo de gênero ocorra.

b) Introdução: Realiza-se a identificação do fato ou da circunstância que será tratada na Crônica. É comum que haja aqui a apresentação dos persona-gens e do espaço no qual ocorrerá o fato narrado.

c) Desenvolvimento: O autor desenvolve a reflexão a respeito do fato, da circunstância ou da pessoa que é o motivo da Crônica.

d) Conclusão: Trata-se do desfecho do texto, no qual ocorre a apresentação da ideia global e que sistematiza a reflexão do autor.

Além disso, podemos observar que faz parte da estrutura composicional desse Gênero Textual: unidade de personagens, há a presença de poucos perso-nagens; unidade temática, não se costuma falar de vários temas, há uma unidade temática simples a ser seguida. Isso não quer dizer que a reflexão feita pelo autor não possa ser complexa; unidade de espaço, não há vários lugares nesse tipo de texto. Existe uma concentração de ações em espaços de atuação bem restritos; unidade de expansão, costuma-se ser um texto relativamente curto.

O texto que apresentamos abaixo de Carlos Drummond de Andrade nos revela o que esse autor considera o peculiar no fazer do cronista. Vejamos:

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Crônica tem essa vantagem: não obriga ao paletó-e-gravata do editorialista, for-çado a definir uma posição correta diante dos grandes problemas; não exige de quem a faz o nervosismo saltitante do repórter, responsável pela apuração do fato na hora mesma em que ele acontece; dispensa a especialização suada em econo-mia, finanças, política nacional e internacional, esporte, religião e o mais que ima-ginar se possa. Sei bem que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico etc., mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou comentários precisos que cobramos dos outros. Não trivial e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo,cronista faccioso, que sirva a interesse. O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não orto-doxo e pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, em-penhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isso seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Ciao. Jornal do Brasil, 29 set. 1984. Disponível em: <http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond38.htm>. Acesso em: 24 nov. 2014.

O terceiro aspecto é o estilo e, com relação à Crônica, destacamos que seu estilo requer o uso de uma linguagem coloquial, simples e direta. O posicionamento do autor é criar uma proximidade com o leitor. É recorrente que haja o uso de recursos estilísticos, tais como a metáfora, a personificação e a ironia a fim de que o texto se revista de um caráter emotivo.

Além disso, aparece de forma marcada nesse tipo de Gênero Textual uma pontuação expressiva e que denote a subjetividade do autor. Verificamos, por-tanto, que será comum esse tipo de Gênero Textual, no que se refere ao estilo, apresentar grande flexibilidade ao que diz menção à variação linguística, uma vez que esse texto tenta aproximar-se do leitor. Desse modo, o uso de variações linguísticas do tipo: a) diastrática: variação motivada por fatores culturais, de escolaridade e de estratificação social; b) diafásica: variação que faz referência aos diferentes graus de monitoramente/controle diante às diversas situações de comunicação.

Devemos considerar ainda que a depender da especificidade do tema da crô-nica, é possível nos deparar com a variação diatópica, que é aquela que ocorre em diferentes regiões do país.

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III

DIMENSÕES ENSINÁVEIS: O QUE SE DEVE ENSINAR EM UMA CRÔNICA?

Nosso objetivo, nessa seção, é esboçar como pode ser um trabalho com o Gênero Textual Crônica e de como o professor pode encaminhar as atividades que farão parte da Sequência Didática e que terão por meta ensinar alguns aspectos relevan-tes de serem ensinados dentro desse gênero. Precisamos frisar, nesse momento, que a Sequência Didática elaborada pelo professor é um instrumento metodo-lógico flexível e devido a isso é o professor que decide – levado obviamente pelo os seus objetivos de ensino – se a Sequência Didática contemplará a produção escrita ou a leitura. Em outras palavras, é falso achar que todo trabalho com um determinado Gênero Textual deverá culminar com a produção escrita por parte do aluno. Há Gêneros Textuais ou tipos de exemplares deles que o encaminha-mento possa focar atividades de leitura do gênero e que também contribuirão para a sua aprendizagem.

Com relação às dimensões ensináveis do gênero Crônica, traremos nesse momento, um trecho de um texto Luis Fernando Veríssimo, a fim de destacarmos uma dimensão daquilo que pode ser ensinado dentro de uma Sequência Didática. Esse ponto será, dentro do aspecto do estilo (cunhado por Bakhtin), a questão da variação linguística. Os aspectos que esse teórico apresenta como carac-terísticos do gênero: tema, composição e estilo são pontos de relativa estabi-lidade. Isso significa que a depender das condições de produção (interlocu-tor, finalidade, suporte textual, circulação, con-texto imediato e amplo), o estilo pode sofrer varia-ções e isso tem a ver com a afirmação do próprio autor ao se referir que os

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gêneros são de certa forma estáveis, isto é, podem alterar sua constituição a depender da relação com as práticas sociais. Logo, podemos compreender que é no estilo o ponto de maior flexibilidade do Gênero Discursivo. Não estamos dizendo que isso não poderá ocorrer com os aspectos referentes à temática e à estrutura composicional, embora eles tenham sua constituição mais cristali-zada pelo convívio e pelas experiências sócio-históricas dos interlocutores. Mas não entendamos que eles não possam variar, pois isso de fato pode ocorrer e o próprio conceito de Bakhtin para gêneros dá margem para esse entendimento. Lembrem-se de que os gêneros são formados por enunciados cuja estabilidade é relativa (BAKHTIN, 2009).

Antes, devemos considerar que os fatores que irão estabelecer o uso de uma variação linguística são: Quem escreve? Para quem escreve? O que escreve? Como escreve? Onde irá circular esse gênero? Essas perguntas e suas respectivas res-postas encerram o que se chama por condições de produção da escrita – termos conceituado e trabalhado por Geraldi na obra Portos de Passagem.

Chegou o verão!

Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura e muita gordura, pouco trabalho e muita micose.

Verão é picolé de Kisuco no palito reciclado, é milho cozido na água da torneira, é coco verde aberto pra comer a gosminha branca.

Verão é prisão de ventre de uma semana e pé inchado que não entra no tênis [...].

VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias Brasileiras de Verão. São Paulo: Objetiva, 2009.

O trecho da Crônica “Chegou o Verão” apresenta, tal como cunhou o mestre Bakhtin, tema, estrutura composicional e estilo. O professor necessita ir apon-tado como funciona esses três aspectos em cada gênero para os seus alunos. Por isso, é importante de que a escola preze pela Educação Linguística e ofereça uma diversidade de Gêneros Textuais como objeto de ensino e, desse modo, oportunize para os educandos práticas discursivas de escrita e de leitura no contexto escolar.

Nesse sentido, o tema da Crônica de Veríssimo trata do que é banal e cor-riqueiro ao que se trata do universo referente ao Verão no Brasil. Percebemos que o cronista imprime um tom humorístico e leve ao seu texto e devido a isso

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podemos destacar que, quanto ao estilo, ele prima por uma linguagem coloquial, de variação informal, uma vez que traça uma proximidade com o interlocutor pelo o uso de termos recorrentes na vida íntima das pessoas: “prisão de ventre”, “pé inchado”, “gosminha branca”.

É prudente que notemos que o uso de uma linguagem mais frouxa se dá balizado, além das condições de produção, que mais para a frente veremos que permite isso, pela própria temática dessa Crônica, uma vez que se o tema é nar-rar de forma bem humorada, destacando as peripécias de pessoas que vão à praia e que, pelo imaginário social e pela cultura, temos por construção de que são sujeitos que estão em situações de informalidade (provavelmente de férias ou desfrutando de alguma brecha, tal como feriado ou final de semana), é acei-tável que o cronista tenha preferido o uso também de uma linguagem de cunho mais popular.

O que descrevemos sobre a relação do tema com o estilo no trecho da Crônica de Veríssimo, caro(a) aluno(a), é de suma importância que o professor, ao prepa-rar o seu modelo didático de gênero, bem como a sua Sequência Didática atente, dentre as crônicas que elencou como “modelos” e “corpus” de pesquisa, como funciona essa relação e elabore formas, estratégias dentro da Sequência Didática que contemple essa questão.

Nessa conjuntura, o professor poderá elaborar atividades de análise linguística em que o aluno tente aprender a relação de sentido que se estabelece, por exemplo, com o uso nessa Crônica em específico, por meio do uso de certos substantivos e suas adjetivações. Levar o aluno a refletir, por exemplo, o que a relação entre os substantivos e as locuções adjetivas oferecem de significativo para o texto em

“Falo a língua dos loucos porque não conheço a mórbida coerência dos lúci-dos nem suas vãs filosofias.”

Luis Fernando Veríssimo

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questão. É fundamental para que o contexto de ensino-aprendizagem o prepare para a percepção de que tudo no Gênero Textual responde às questões sociais.

Sugerimos, portanto, que o professor contemple também como dimensão ensinável nesse texto que trouxemos como exemplo, a atividade em torno dos usos: “picolé de Kisuco”, “prisão de ventre”, “água da torneira”. O professor pode-ria propor que os alunos tentassem utilizar esses substantivos sem as locuções adjetivas e observassem se o texto muda seu teor. Outra possibilidade de tra-balho é conduzir o aluno a perceber que pelos usos dessas locuções adjetivas o cronista consegue estabelecer uma relação de proximidade com os interlocuto-res e, além disso, imprime na linguagem de seu texto uma ligação direta com a temática que ele se propõe a narrar em sua Crônica.

As dimensões ensináveis da Crônica não podem ser consideradas como uma simples listagem de conteúdos a serem tratados em um determinado gênero para que ele seja aprendido. Isso se explica porque cada tipo de texto pertencente a um dado gênero pode traçar um tipo de relação com o contexto social e, dessa forma, apresentar certas peculiaridades. Aqui reside um ponto salutar na prática de um docente que é priorizar uma visão sociointeracionista de linguagem e que pretenda contribuir para que a Educação Linguística se efetive nas salas de aulas, ou seja, evidenciar atividades que levem o aluno a perceber o que é estável no gênero e o que pode aparecer de diferencial em um determinado exemplar per-tencente a um determinado gênero. Nesse sentido, propomos a leitura e a análise da Crônica que segue considerando as dimensões ensináveis dela.

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Meu Ideal Seria Escrever...

Rubem Braga

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doen-te naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – “ai meu Deus, que história mais engraçada!”. E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria – “mas essa história é mesmo muito engraçada!”.

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingi-do pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da his-tória, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de pren-der ninguém!” . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependen-tes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina”.

E quando todos me perguntassem – “mas de onde é que você tirou essa história?” -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma história...”.

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E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha his-tória em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

BRAGA, Rubem. A traição das elegantes. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967, p. 91.

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Após a análise, é importante que você tenha percebido as condições de pro-dução desse texto e ainda que o cronista utiliza-se dos três aspectos referentes à formulação de um gênero: tema, estrutura composicional e estilo. Além disso, tenha observado que para narrar, o cronista imprime um determinado tom à sua narrativa, que não é o tom humorístico como vimos no trecho da crônica anterior. Perceba também que com relação à Análise Linguística é importante a forma de operar no texto o uso dos verbos e dos tempos verbais.

Ao elencar quais dimensões ensináveis são relevantes para o entendimento dessa crônica (lembrando que essa atitude tem a ver de forma imediata com o contexto em que ocorrerá a intervenção pedagógica), é fundamental encaixá--la em uma Sequência Didática que objetive a produção escrita ou a leitura do Gênero Textual Crônica.

Rubem Braga pode ser considerado um dos maiores cronistas brasileiros do século. Sua produção ultrapassou o número de 15 mil crônicas. Seus textos apresentavam uma linguagem coloquial e envolvente além de apresentar temas simples como o próprio autor.

Pode-se dizer que ele fez da própria morte uma crônica, pois morreu em decorrência de um câncer na garganta que optou por não tratar após ser diagnosticado. Reuniu-se com alguns amigos, despediu-se deles e morreu sozinho em seu apartamento.

Leia mais em: <http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/rubem-bra-ga-maior-cronista-brasileiro-seculo-20-730755.shtml>. Acesso em: 1 dez. 2014.

“As premissas básicas das condições de produção compreendem, funda-mentalmente, sujeitos e situação” (ORLANDI, 2000, p.25).

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Para isso, desenvolva as seguintes etapas da Sequência Didática, adequan-do-a conforme o seu objetivo estabelecido: produção de texto ou de leitura.

Apresentação da situação inicial para a turma

Reconhecimen-to do Gênero Textual

Primeira pro-dução de texto

Módulos Reescrita e Produção final

Quadro 04: Etapas da Sequência Didática Fonte: A autora.

Passaremos, na próxima unidade, a tratar das especificidades de outro Gênero Discursivo, pertencente a um agrupamento diferente ao do narrar. Nossa inten-ção é que você seja capaz de realizar intervenções pedagógicas por meio dos modelos didáticos e das Sequências Discursivas com diferentes tipos de Gêneros Discursivos e pertencentes aos mais diversos agrupamentos. Desse modo, as práticas sociais estarão perpassando a prática escolar e não afastarão os alunos das vivências que na sociedade são naturais. A sala de aula é parte integrante do social e, por isso, o trabalho com os Gêneros Discursivos são de suma importân-cia, uma vez que não nega o social como força motriz da linguagem.

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O GÊNERO DISCURSIVO DO NARRAR: PROPOSIÇÕES TEÓRICAS PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, caro(a) aluno(a), você pode vivenciar de forma mais concreta como se daria o trabalho como o Gênero Discursivo em sala de aula. Demonstramos como é possível efetivar esse trabalho por meio da metodologia de Sequência Didática.

Nosso estudo possibilitou pontuar como se monta uma Sequência Didática e, em específico, como se pode encaminhar o trabalho com um Gênero Textual do agrupamento do narrar. Apresentamos que o professor precisa observar os agrupamentos dos Gêneros Discursivos, uma vez que isso facilita o trabalho docente. Cada agrupamento tem função social e domínio de linguagem específico.

Considerando que o gênero que selecionamos nessa unidade foi a Crônica, trabalhamos com o conceito de dimensões ensináveis: o que pode e deve ensi-nar para que cada gênero seja compreendido. Desse modo, esperamos que você tenha autonomia e condições de elaborar suas aulas, de modo a sistematizar e planejar o trabalho com os Gêneros Discursivos de forma contextualizada e dire-cionada ao seu alunado. Trouxemos, por isso, uma sugestão de encaminhamento e procuramos demarcar quais passos foram seguidos, não para que você os siga “cegamente”, mas sim para que o leitor compreenda o processo de reflexão que realizamos e assim possa, dentro de sua realidade, intervir conscientemente.

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1. Na unidade III, tivemos a oportunidade de verificar as dimensões ensináveis de um texto. Diante disso, defina dimensões ensináveis conforme estudamos.

2. Explique o que é Modelo Didático (MD).

3. A partir da importância do trabalho com as Sequências Didáticas, explique quais são as condições de produção para uma Sequência Didática?

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LEITURA: PROCESSO DE PRODUÇÃO DE SENTIDO

O processo de formação de leitores merece preocupação dentro do cenário escolar. En-sinar os educandos a lerem constitui-se uma tarefa árdua para os professores de língua portuguesa. Ao considerarmos o advento das tecnologias e o fato de nossos jovens es-tarem imbuídos num mundo veloz e imediatista, ensinar a ler torna-se a cada dia mais e mais difícil.

É evidente que hoje o acesso ao mundo tecnológico propicia uma propagação rápida das informações. Entretanto, propagação não garante que a leitura realizada esteja se constituindo como um processo que garanta a produção de sentidos.

Para que isso fique claro, precisamos compreender que ler é uma ação ativa realizada entre leitor, escritor e texto. Tais elementos sofrem interferência direta do contexto his-tórico em que esses elementos estarão circulando. Por mais clichê que se possa afirmar: a cada leitura realizada, aprende-se mais.

A aprendizagem é um continuum que se sustenta nas atividades de leitura e releitura. Quando um texto volta a ser lido por um sujeito, podemos compreender que nem texto, nem leitor, são os mesmos. Ambos sofrem continuamente as interferências das condi-ções de produção e essa não se repete, uma vez que os sujeitos (agentes da leitura ou da escrita) circulam socialmente motivados por elementos que se renovam. Além do mais, o sujeito é constituído e formado no seio de formações ideológicas. Essas, por sua vez, dão um colorido especial aos significados. Iremos exemplificar essa afirmação com um exemplo.

Imagine a seguinte situação: em um muro de uma escola encontra-se grafitado a se-guinte mensagem: “Elefantes presos ao barbante”. Aparentemente, o texto pode soar vago. Entretanto, o sujeito é sempre chamado a interpretar e, desse modo, uma ativida-de de leitura se inicia. Que elementos são importantes e se ligam a situação mais imedia-ta de comunicação: o fato de ser um muro de uma escola. Passemos a possíveis leituras.

A primeira estaria ligada ao contexto mais imediato: muro de uma escola. Assim, elefan-tes representariam os alunos que estão presos no arcabouço de regras e normas ditadas pela instituição escolar. Observaríamos, portanto, uma crítica ferrenha ao sistema edu-cacional brasileiro.

Por sua vez, se ampliarmos o contexto social e histórico, notaremos que outras relações podem aparecer. Imagine que o leitor se depare com essa mensagem logo após o perí-odo de Eleições para Presidente. Haveria, nessa nova situação, elementos diferenciados que formatariam condições de produção bem específicas. Entenderíamos que “elefan-tes” representaria os eleitores e esses estão presos a uma política que não merece mais credibilidade, uma vez que os políticos do Brasil não recebem a confiança do eleitor, o qual muitas vezes vota somente porque se trata de uma obrigação legal.

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Lançamos, após a apresentação das duas leituras, a seguinte indagação: Qual leitura é a incorreta? A resposta seria: nenhuma. Todas são válidas porque são construídas dentro de condições de produção pontuais. Desse modo, o espaço de sala de aula deve formar leitores aptos a movimentarem diferentes contextos para assim realizarem leituras cada vez mais amplas.

Fonte: A autora

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MATERIAL COMPLEMENTAR

Comédias para se ler na escolaLuís Fernando Veríssimo

Editora: ObjetivaSinopse: Esta antologia de crônicas de Luís Fernando Veríssimo foi organizada por Ana Maria Machado, que as selecionou com o intuito de despertar nos estudantes o prazer e a paixão pela leitura. A obra é ideal para o trabalho em sala de aula, como também para qualquer outro lugar que se esteja, inclusive quando se deseja um pouco de descontração.

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UNIDADE IV

Professora Me. Rejone Valentim Alves

AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO ARGUMENTAR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

Objetivos de Aprendizagem

■ Conceituar o agrupamento do argumentar.

■ Discutir uma proposta de trabalho com o Gênero Textual “Questão Dissertativa”.

■ Enumerar as dimensões ensináveis desse gênero.

■ Discutir uma proposta de trabalho com Questões Discursivas.

■ Oferecer ferramentas aos professores para a elaboração de questões.

■ Refletir sobre o papel do leitor.

■ Exemplificar com atividade de autoestudo.

■ Realizar uma Sequência Didática com o gênero Questões Discursivas.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

■ Agrupamentos de Gêneros Discursivos do argumentar: uma proposta de trabalho

■ Gênero textual: “Questão Dissertativa”: uma proposta de trabalho

■ O papel do leitor

■ Proposta de Sequência Didática

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Introdução

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INTRODUÇÃO

É inegável a dificuldade que muitas pessoas têm de constituir argumentos, con-tudo, é preciso considerar a importância deles para a defesa de um ponto de vista, de uma ideia entre outras situações. Além disso, é preciso ainda saber identificá-los para não se deixar persuadir por argumentos falaciosos.

Para a constituição de argumentos, várias estratégias linguísticas são neces-sárias, diante disso, trabalhar em sala de aula com os gêneros que pressupõem argumentação também se faz importante para o reconhecimento dessas estraté-gias e para o ensino da língua, bem como para a discussão dos variados aspectos que a compõem.

Nesta unidade, prezado(a) acadêmico(a), você terá acesso aos conceitos fundamentais relacionados ao agrupamento do argumentar. Assim, poderá com-preender qual é a função social dos gêneros pertencentes a esse agrupamento, bem como refletir sobre as dimensões ensináveis desse agrupamento.

Você poderá ainda contemplar o desenvolvimento de uma proposta de Sequência Didática voltada para a leitura de Questões Discursivas. Para que esse trabalho se efetive, trataremos das especificidades temáticas, composicionais e estilísticas desse Gênero Discursivo. Demonstraremos, no decorrer da unidade, a importância da fase da leitura para que a produção da escrita, da resposta, ocorra de forma favorável.

Portanto, nessa unidade, você terá uma importante ferramenta para ajudá-lo (a) na elaboração de Questões Discursivas – gênero tão presente e cobrado em situações de avaliação, tanto para nota, como para apreciação do próprio processo de aprendizagem.

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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

IV

AGRUPAMENTO DE GÊNERO DISCURSIVO DO ARGUMENTAR

Os Gêneros Discursivos, de acordo com a concepção teórica de Bakhtin (2009), são formas típicas de enunciados que acontecem tendo em vista determina-das condições de produção, finalidades e situação de interação social. O ensino de língua portuguesa deve pautar-se no ensino dos Gêneros Textuais, orais ou escritos, uma vez que cada esfera da sociedade coloca em funcionamento deter-minados gêneros.

O agrupamento de gênero que iremos aprofundar nessa unidade tem a ver com condições de produção que irão exigir do interlocutor a capacidade de argu-mentar sobre um determinado tema. Logo, quem escreve esse tipo de texto deve atentar sempre para as condições de produção: Quem escreve/Quem argumenta; O que escreve/argumenta; Para quem escreve/argumenta; Para quê escreve/ argu-menta; Como escreve/argumenta; Onde circula o que escreve/ o que argumenta.

A prática docente deve privilegiar o trabalho com uma diversidade de Gêneros Textuais, dos mais diferentes agrupamentos, a fim de que os alunos cada vez mais se tornem autônomos na relação que mantêm com a atividade de escrita ou de leitura.

.?! .!!

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Outro ponto importante que vamos destacar nessa unidade é a questão da análise linguística. O trabalho com o Gênero Discursivo deve ser permeado por comportamentos do docente que privilegiem práticas de análise linguística, a qual se refere à forma como serão tratados os conhecimentos linguístico-discur-sivos presentes em um determinado Gênero Textual. A análise linguística muda a maneira em que se dá o trabalho com a gramática nas salas de aulas. A respeito disso Geraldi (2004, p. 74) afirma que:

O uso da expressão ‘análise linguística’ não se deve ao mero gosto por novas terminologias. A análise lingüística inclui tanto o trabalho sobre as questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propó-sito do texto, entre as quais vale a pena citar: coesão e coerência inter-nas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados [...].

Esse autor evidencia que o aluno antes de adentrar a escola já realiza ativi-dades de linguagem e reflete sobre como interagir levando em conta os objetivos de comunicação. Essa interação consolida-se no uso de determinados elemen-tos linguísticos utilizados no discurso. A escola, diante disso, deve efetivar um trabalho de reflexão linguística direcionada para a observação e a análise da lín-gua em uso, ou seja, em funcionamento no cotidiano. Para isso, deve considerar: a morfologia, a sintaxe, a semântica, a estilística, as variedades linguísticas; as aproximações e diferenças entre a língua oral e escrita (em seus níveis fonológico--ortográfico e textual-discursivo). O foco será tratar do conhecimento linguístico e de como ele se relaciona com as condições de uso e nos efeitos discursivos advin-dos da utilização de uma regra fazendo sentido não só na palavra ou na frase.

Em outras palavras: “[...] Busca-se, na análise linguística, verificar como os elementos verbais (os recursos disponíveis da língua), e os elementos extraver-bais (as condições e situação de produção) atuam na construção de sentido do texto” (DCE, 2008, p. 60).

O que deve ficar claro, para nós, é que o texto não é visto, sob a perspectiva da análise linguística, como um motivo para o ensino de nomenclatura gramati-cal. Ao invés disso, esse modo de ver conceberá o texto como uma oportunidade de reflexão sobre como os recursos da língua são dispostos e organizados den-tro de um dado texto pertencente a determinado Gênero Textual.

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IV

Desse modo, os exercícios gramaticais dão lugar a uma análise que busca compreender como os elementos gramaticais relacionam os aspectos que cons-tituem o texto (palavras, frase, parágrafos) com as ideias defendidas pelo autor e de como esse vai organizar o seu texto tendo em vista o interlocutor e o con-texto de produção.

Enumeraremos agora para você as principais características da análise linguís-tica baseadas nas contribuições de Mendonça (2006):

■ concepção interlocutiva da língua no lugar de uma concepção de língua como estrutura inflexível;

■ a análise linguística é instrumento para a leitura e produção de texto e estão interligados. Via-se antes um trabalho que desarticulava os eixos do ensino: gramática era separada da leitura e da produção, como se fosse algo estanque;

■ ação reflexiva alicerçada na indução, ou seja, na observação de particu-laridades para a construção de regras gerais;

■ foco nos efeitos de sentido e não na norma-padrão;

■ considera os Gêneros Discursivos e, portanto, a análise linguística insere no trabalho as condições de produção dos textos e a relação com as esco-lhas linguísticas. Pelo olhar gramatical, não se considerava o gênero na relação com o contexto de interação verbal;

■ privilegia o texto e não a palavra, a frase ou o período;

“Na escola, ao compreender o que é e o que constitui um gênero textual, o aluno terá elementos para melhor compreender o que deve ser buscado em um texto” (BORGATTO, 2012, p. 6).

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■ propõe atividades que exigem a comparação e a reflexão sobre os usos que são adequados e os efeitos de sentidos que eles provocam e, por isso, faz uso de questões abertas e de atividades de pesquisa no lugar nos exer-cícios estruturais de identificação e classificação.

Nessa unidade, iremos tratar do agrupamento do argumentar, logo haverá uma forma específica de aparecer e de fazer sentido nos textos os usos dos recursos linguísticos e de como esses estarão a serviço das defesas e posicionamentos dos autores, cuja finalidade maior será argumentar e levar o interlocutor a aderir em alguma medida às ideias postuladas em um texto acerca de uma temática. Assim, esse agrupamento estará ligado ao domínio social da comunicação que visa discutir problemas sociais, polêmicos e controversos a fim de demonstrar um posicionamento diante deles. Os Gêneros Textuais desse agrupamento se asse-melham porque se dão pela refutação e pela negociação de tomadas de posição.

GÊNERO TEXTUAL “QUESTÃO DISSERTATIVA”: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

Os alunos de todos os níveis, de forma recorrente, passam por situações em que se faz necessária uma competência quanto à leitura de questões dissertativas. A capacidade de leitura desse gênero exige estratégias bem específicas a fim de que o entendimento da questão seja apreendido por aquele que necessitará ela-borar uma resposta.

Devido a isso, trataremos, nesse momento, de esboçar o percurso de trabalho, cuja Sequência Didática a ser montada terá por foco a leitura e não a produção escrita desse Gênero Textual. Isso se justifica porque é também recorrente ouvir-mos os alunos dizerem que não responderam (que já seria outro gênero textual: Resposta Argumentativa ou Interpretativa) porque não entenderam o que fora solicitado pela Questão.

Trabalharemos, em específico, com as Questões Dissertativas de Provas ou também chamada de Questões Discursivas de Provas e apontaremos os seus

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aspectos linguísticos, textuais e discursivos. Desse modo, estaremos instrumen-talizando o professor que lê esse material a elaborar uma Sequência Didática que intervenha em seu contexto de atuação.

Vamos, primeiramente, compreender a esfera de circulação desse tipo de Gênero Textual. Esse tipo de gênero é muito utilizado como um dos instrumen-tos de avaliação da esfera escolar e profissional. O poder dado a esse gênero é muito forte, visto que esse pode representar o sucesso ou o fracasso do aluno, em especial, em situações de Provões, se for o caso do Ensino Superior, mas tam-bém em vestibulares, avaliações escolares etc.

A respeito disso, Fonseca (2002) declara que[...] A competência nesse gênero pode mobilizar uma série de opera-ções cognitivas e de habilidades intelectuais, como a capacidade de, en-tre outras, analisar, sintetizar, aplicar o conhecimento, relacionar fatos ou ideias, interpretar dados e princípios, realizar inferências e emitir juízos de valor (FONSECA, 2002, p. 121).

A quem elabora a Questão Discursiva caberá pensar qual o processo mental deverá ser feito pelo educando, ou seja, a pergunta deverá encaminhar a uma determinada conduta. A quem responde, ou seja, ao leitor da Questão caberá:

• compreender o que realmente significam inúmeros atos de lingua-gem que são colocados de forma mais ou menos vaga pelos avalia-dores, tais como: ‘comente’, ‘explique’, responda;

• construir diferentes tipos de discurso e/ou de organização textual, como descrever, argumentar, justificar, fundamentar, exemplificar, enumerar, relatar, definir, comparar etc. (MACHADO, 2000, p.9 apud FONSECA, 2002, p.121).

O Gênero Textual Questão Dissertativa de Provas tem sua circulação restrita à esfera escolar, tal como o Resumo, a Resenha, a Monografia. Além disso, é importante considerar que esse gênero é utilizado como instrumento de ava-liação em diferentes disciplinas e não só em língua portuguesa, bem como em Provões, exames e concursos de seleção de candidatos nas mais diferentes ins-tituições. Outro ponto a ser considerado é que esse tipo de Gênero Textual não é solicitado apenas em contexto de prova, uma vez que no dia a dia escolar o professor sempre pede esse tipo de gênero para os seus alunos, ao solicitar, por

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exemplo, que eles se posicionem, argumentem, exemplifiquem, definam, anali-sem, diferenciem, comparem, avaliem diante a uma determinada situação. Assim, poderíamos definir a temática desse tipo de Gênero Textual como o posiciona-mento diante a um fato de natureza social.

Na estrutura composicional, é comum encontrarmos um verbo indicativo de uma ação de linguagem em específico. Exemplo: explique, justifique. Isso ocorre nas Questões Discursivas instrucionais. Já nas diretas, o que encontramos é o uso do pronome interrogativo: o que, que, qual, em que, onde.

DIMENSÕES ENSINÁVEIS DESSE GÊNERO

O Gênero Textual Questão Discursiva apresenta elementos linguísticos específicos da composição e do estilo desse tipo de gênero. A variação linguística observada em textos dessa natureza não costuma apresentar grandes oscilações, uma vez que se caracteriza, de forma geral, pelo uso da linguagem formal e dependendo da disciplina, da área de conhecimento, a que a questão se refira, apresentará ainda uma linguagem, por vezes técnica, por vezes científica.

Com relação à análise linguística, os pronomes interrogativos e os verbos se constituem como duas marcas linguísticas imprescindíveis para a formulação desse tipo de Gênero Textual e são também de suma importância para o leitor (e provavelmente aquele que irá responder a Questão Discursiva). Isso porque a atividade de leitura, dentro de uma concepção sociointeracionista, compreende que o leitor deve construir sentidos a partir do texto e com ele interagir. Sendo assim, no texto, como objeto de escrita ou de leitura, há um processo de intera-ção que constitui os sujeitos. Pela concepção sociointeracionista, o leitor é um agente ativo, cuja ação pressupõe uma reconstrução dos sentidos. Aliás, é fun-damental que entendamos que o leitor não é mero receptor do texto.

O leitor, ao entrar em contato, por exemplo, com uma Questão Dissertativa, terá que construir sentidos a partir dela, numa ação constante de diálogo e res-ponsividade. A elaboração das ações desse sujeito se baseará no que o texto a ser

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lido traz, em sua especificidade histórica, e também em que o leitor traz como conhecimentos que constituem a sua própria história. Desse modo, ler é con-frontar, continuamente, a palavra e a contrapalavra (BAKHTIN, 2003).

A respeito dos pronomes de interrogação, conforme os estudos de Fonseca (2002), as Questões Discursivas podem assim ser separadas: interrogativa direta, instrucional e interrogativa direta/instrucional. Essa separação leva em conta a forma que foram elaboradas.

A questão direta apresenta os pronomes interrogativos: o que, por que, qual, em qual, que. É de suma relevância que o leitor compreenda que uma dada questão que se apresenta com um ou outro pronome solicitará comportamentos distin-tos e que são esperados do leitor para que responda a questão. Assim, questionar pelo o que não é o mesmo que se indagar pelo por que. Os comportamentos por parte do leitor, que o uso desses pronomes interrogativos implica, são diferentes e, portanto, é uma dimensão que deve ser tratada pelo professor em suas aulas de leitura de Questões Dissertativas, visto que discussões dessa natureza contri-buem para a prática social de leitura e escrita desse gênero.

Desse modo, é importante que o professor contemple na sua Sequência Didática de leitura de Questão Discursiva uma ampla discussão acerca das impli-cações dos pronomes interrogativos. Esse termo linguístico oferece estratégias para que ocorra a compreensão da Questão – ponto-chave para o sucesso da resposta a ser elaborada.

A segunda marca linguística que pode ser tratada como uma dimensão a ser ensinada pelo professor é a que diz respeito ao aparecimento dos verbos nas Questões Discursivas Instrucionais. Essas questões são, conforme Fonseca (2002), assim denominadas por apresentarem os verbos no modo imperativo e por promoverem uma instrução ou uma solicitação. Além disso, é importante que o professor realize, nesse momento, um profundo trabalho com os Modos Verbais e sobre a relação que eles possuem com as atitudes verbais dos falantes. Assim, o modo imperativo determina, instrui, apela por uma ação.

É interessante que o docente discuta também que as estruturas linguísticas não são fechadas quanto ao sentido. Aqui estamos tentando levar você a com-preender que Verbo e modo verbal são um conceito fechado sim, entretanto o seu funcionamento dentro do texto não. Para isso, que tal comparar o valor do

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verbo imperativo em Questões Dissertativas com o valor desses mesmos ele-mentos no Gênero Propaganda. Haverá diferença no valor da mesma estrutura linguística dentro de Gêneros Discursivos de caráter diferentes e que atendam às condições de produção distintas. Isso se constitui em uma relevante prática de análise linguística, em que se poderá verificar uma reflexão com a língua em uso.

O verbo apresentado na questão também exigirá do leitor comportamentos de linguagem distintos. A observância desse elemento linguístico e suas impli-cações para o conjunto do texto a ser lido fazem parte de uma ação de análise linguística. Para que você compreenda melhor o que cada verbo pode implicar dentro de uma Questão Discursiva, apresentaremos um Quadro com verbos e suas implicações, ou melhor, o tipo de ação que irão exigir.

VERBOS COMPORTAMENTOS/AÇÕES

Analisar/Discutir

Pressupõe que se faça mais que uma mera descrição, uma vez que se espera que o leitor perceba que deverá analisar, expondo ideias a favor e contra. É necessário que haja a relação entre tais ideias a fim de que ocorram abordagens distintas do problema apresentado pela questão dissertativa.

Criticar É preciso que se faça um julgamento com a finalidade de ser uma análise crítica. Para isso, é importante a avaliação de ideias baseados em critérios e padrões.

Comparar Pede-se que o leitor tenha um olhar simultâneo do objeto tra-tado na questão de forma a apontar semelhanças e diferenças, indicando obviamente, suas relações. O leitor deverá planejar e organizar as ideias puxando uma linha comparativa entre elas.

Descrever Solicita que o leitor compreenda que se fará necessária a apresentação de características de um processo ou de um fato tratado pela Questão Dissertativa.

Definir Trata-se de apresentar especificações de um fato ou proces-so, de modo a indicar categorias que lhe são fundamentais. É importante que a enunciação não seja cópia, mas sim fruto do entendimento daquele que responde.

Esboçar/Esquematizar

Esses verbos exigem uma síntese organizada em tópicos e que demonstrem as funções e as relações tidas entre eles.

Explicar O importante aqui é demonstrar ideias de causa e efeito, desta-cando esse tipo de relação.

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AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO ARGUMENTAR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

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IV

Interpretar Consiste em compreender as intenções do autor e de como esse organiza as palavras dentro de um texto.

Organizar Pede a retomada de fatos, entretanto usando determinado ponto organizador (cronologia, importância (maior ou me-nor)), causas e consequências, etc. A disposição das ideias deve formar uma estrutura.

Relacionar/Enumerar

Exige a retomada de aspectos já explicitados sobre um dado problema abordado pela Questão Dissertativa.

Selecionar Pede a escolha de elementos alicerçada em critérios de apre-ciação simples, geralmente, baseada em um só critério.

Sintetizar Supõe a realização de um resumo: apresentação breve de um assunto e de seus principais aspectos.

Quadro 05: Verbos / comportamentos e ações Fonte: Haydt (1997).

As Questões Discursivas podem ser ainda: contextualizadas e descontextua-lizadas. As primeiras descreverão uma situação na qual se faz necessária uma determinada aplicação. Por sua vez, as questões referentes ao segundo tipo não apresentam contextualizações e/ou descrição de situações. A pergunta vai direto ao ponto sem demais orientações.

Confira no Quadro a seguir um exemplo para cada uma dessas questões discursivas:

QUESTÕES DESCONTEX-TUALIZADASConceitue e exemplifique os tipos de predicados.

QUESTÕES CONTEXTUALIZADAS“Um famoso pintor, numa exposição de suas obras, ouviu o seguinte comentário de alguém sobre a figura representada numa das telas: ‘Que mulher mais esquisita’. O pintor aproxi-mou-se e replicou, serenamente: ‘Mas isso não é uma mulher, isso é um quadro...’ Pode um bom escritor valer-se de uma réplica semelhante, se alguém censura o irrealismo de uma personagem ou a estranheza de uma imagem poética? Justifi-que sua resposta (Provão de Letras, 1998, apud FONSECA 2002, p. 124).

Quadro 06: Questões discursivas Fonte: A autora.

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O Papel do Leitor

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O PAPEL DO LEITOR

Quando o leitor de uma Questão Discursiva se depara com elaborações confu-sas e vagas, fica extremamente difícil a elaboração de uma atividade de leitura ativa e também a formulação de uma resposta adequada ao que foi perguntado.

Desse modo, apontaremos nesse momento algumas imprecisões que geral-mente aparecem nesse tipo de Gênero Textual com a intenção de auxiliar você quando for também elaborar questões desse tipo para os seus alunos. A elabo-ração de Questões Dissertativas pelo professor, para serem aplicadas em suas aulas, passa por um processo de leitura. O professor que elabora um texto desse gênero é antes de tudo um leitor, visto que deverá se por no lugar daquele que lê e deverá tomar certos procedimentos para responder.

Começaremos analisando uma Questão Dissertativa que apresenta duas indagações, na qual a presença de um pronome interrogativo na segunda parte da pergunta já conduz o leitor a inferir que a resposta da primeira parte da per-gunta é afirmativa. Cabe ao professor, julgar se, em contextos de aprendizagem, questões dessa natureza são interessantes.

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Veja:“2. E através do conhecimento teológico (religioso), é possível a explicação?

Qual?” (FONSECA, 2002, p. 133).Por sua vez, há questões vagas e que não especificam o tipo de atitude espe-

rada. O leitor poderá ficar em dúvida se responde usando um advérbio de negação/afirmação (Não/Sim) ou se deverá explicar sua resposta. Confira o exemplo:

“3. Somente o conhecimento científico desenvolve e se utiliza do raciocí-nio lógico para explicar e interpretar os fatos existentes na realidade empírica?” (FONSECA, 2002, p. 133).

Existem ainda Questões Dissertativas que misturam pergunta instrucional e pergunta direta no mesmo enunciado. Isso, de acordo com Fonseca (2002), é uma ação equivocada. Logo, apresentar uma breve instrução na questão, usando posteriormente a forma verbal “Explique” e na sequência apresentar uma série de perguntas diretas, relacionadas à ação verbal de “explicar”, torna a leitura da Questão Discursiva confusa.

Assim, definir a habilidade mental que a Questão Discursiva solicita é ponto importantíssimo para a prática de leitura desse Gênero Textual. As habilidades podem ser de: relacionar, definir, explicar, descrever etc. O verbo tem a função de orientar o leitor a inferir qual é a habilidade exigida pela questão. Sugerimos,

“[...] Libâneo (1999, p. 2005) afirma que ‘Cada questão deve ser formulada com clareza, mencionando uma habilidade mental que se deseja que o alu-no demonstre’. Haydt (1997) recomenda que as questões sejam elaboradas, de acordo com os objetivos propostos. ‘É necessário utilizar, de acordo com o objetivo, verbos de ação suficientemente definidos’. Se o objetivo for ‘veri-ficar como o aluno interpreta e avalia um texto de Machado de Assis’, então a formulação do item poderia ser: ‘Interprete as ideias principais do texto e avalie o pensamento do autor, tomando como critério a significação das ideias apresentadas para a vida atual”, ensina Enricone (1983, p. 215).

Fonte: Fonseca (2002, p. 31)

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Proposta de Sequência Didática

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a respeito disso, que o professor traga para a sala de aula uma diversidade de Questões Discursivas para que os alunos identifiquem qual é a habilidade men-tal requerida. O objetivo não recairia na formulação da resposta e sim em uma atividade de leitura, cujo objetivo seria proporcionar aos alunos a verificação das diferentes habilidades que podem aparecer em Questões Dissertativas.

Para o professor que irá elaborar suas questões dissertativas, trazemos dois importantes aspectos a ser considerados nesse processo:

a. Para redigir uma pergunta, selecione a habilidade mental que deseja que o aluno apresente ao responder.

b. Inicie a pergunta com termos do tipo: explique como; critique; compare; não inicie suas perguntas com o pronome interrogativo logo de pronto.

Sobre as Questões Dissertativas, é importante ressaltar que essas se alicerçam na existência de um outro texto. Em contexto de Provas ou Exames, é apresen-tado um texto-base para que a partir dele o aluno leia as questões e elabore as respostas. Entretanto, se o contexto for diferente, por exemplo, uma conversa em sala de aula, introdutória para a execução de um determinado trabalho, tal como: uma conversa informal para diagnosticar os conhecimentos prévios da turma sobre um determinado tema, se constitui um texto de caráter oral que irá nortear a leitura dos alunos acerca das perguntas que o professor realiza, bem como as respostas que esses lhe apresentam.

PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Com o objetivo de oportunizar a leitura de Questões Discursiva em contexto escolar, apresentaremos uma sugestão de Sequência Didática, cujas adaptações deverão ser realizadas tendo em vista o público-alvo, bem como o corpus de ques-tões a serem utilizadas na montagem do Modelo Didático também devem ser condizentes com a série em que o professor atua. A finalidade dessa Sequência Didática recai na leitura e não na produção. Entretanto, entendemos que ensinar

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os alunos a lerem e, assim, a criarem estratégias de leitura de textos pertencentes a esse gênero, de modo a verificar os aspectos linguísticos e textual-discursivos que o compõem, pode auxiliar em muito as diferentes práticas sociais que os educandos manterão com Questões Discursivas, tanto no que condiz à leitura, quanto no que condiz à escrita.

Iremos retomar a conceituação de cada momento que forma a Sequência e traremos possíveis encaminhamentos. Esperamos que isso possa auxiliar muito o seu trabalho docente.

1.APRESENTAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO (o professor apresenta os motivos, a situação, em que a leitura de Questões Discursivas se faça necessária).

O professor pode informar aos alunos que está preocupado com o fato de mui-tos de seus alunos não terem respondido de forma adequada algumas questões presentes em uma avaliação de língua portuguesa e que percebeu que isso não ocorreu devido à dificuldade com relação ao conteúdo, mas sim porque muitos apresentaram informações não solicita-das pelas perguntas. Explicará que o foco do problema lhe pareceu ser no processo de leitura.

“Palavras, palavras, se me desafias, aceito o combate!”

Carlos Drummond de Andrade

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2.SELEÇÃO DO GÊNERO TEXTUAL (o professor conduzirá os alunos à percepção de que todo o texto, inclusive as perguntas presen-tes na avaliação, possui os seguintes elementos (as condições de produ-ção): o que dizer/ para quem dizer/ em que local circula).

Expor aos alunos que as perguntas da avaliação foram elaboradas pelo pro-fessor tendo em mente os conteúdos abordados, os próprios alunos e o conhe-cimento prévio deles. Além disso, deverá pontuar que o contexto de circulação era estritamente escolar.Também se faz necessário dizer a eles que as perguntas são chamadas de Ques-tões Discursivas ou Dissertativas. Logo, será imprescindível que se faça em sala de aula a leitura desse gênero.

3. RECONHECIMENTO DO GÊNERO (o professor deverá motivar algumas atitudes, comportamentos a fim de que os alunos identifiquem os aspectos dos gêneros: tema, compo-sição, estilo).

O professor pode encaminhar dessa forma:- Pesquisa sobre o gênero.- Leitura de textos do gênero Questão Discursiva de diferentes disciplinas, fazendo que eles percebam: a função social, o conteúdo temático, a estrutura composicional, o estilo (análise linguísti-ca).- Seleção de um texto, de uma Questão Discursiva, para um estudo mais apro-fundado, tratando dos seguintes pon-tos: função social, conteúdo temático, estrutura composicional, estilo (análise linguística).

Módulo 1 (leituras individuais e coletivas a fim de que os alunos destaquem: o tema da questão; o seu comando prin-cipal, ou seja, o que solicita e que habilidade mental exige por parte daquele que irá responder.

O professor pode solicitar que os alunos leiam novamente as questões discursivas da avalia-ção e pontuem o que cada uma solicitou e o tema problematizado por elas.

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Módulo 2 (leitura individual, solicitando alguma atividade de análise linguística, a fim de que o aluno apreenda o estilo que predomina nesse tipo de Gênero Textual)

O docente solicita aos alunos que destaquem os verbos de comportamentos, isto é, os verbos que indicam a atitude que o leitor deve perceber que lhe é solicitada para que isso o auxilie no momento da elaboração da respos-ta. Os alunos podem anotar as diferenças de atitudes linguísticas que cada verbo implica. Lembrando-os que isso faz uma diferença significativa para uma leitura ativa e que pode subsidiar uma produção de resposta bem-su-cedida.

Quadro 07: Sequência Didática Fonte: A autora

A leitura de Questões Discursiva, em contexto escolar, é de suma relevância para a formação de leitores competentes, que interajam de forma crítica com os textos que lhes são apresentados. Ler uma Questão Discursiva exige uma ativi-dade responsiva autônoma por parte do aluno. Ele deverá ser capaz de identificar as características principais desse gênero, bem como verificar o estilo presente nela (os elementos linguísticos) para que assim possa construir sentido por meio dela. Ler é construir sentidos; é ser ativo. Para responder com eficiência e rele-vância, o aluno deve, antes de tudo, ser preparado para ser leitor de Questões Discursivas. Esse é o diferencial para que a prática docente com esse gênero se constitua como algo significativo para o aprendiz.

Saber argumentar assim como identificar o processo argumentativo é fun-damental para a ação discursiva, uma vez que a argumentação é compreen-dida como ação discursiva que busca a adesão de mentes (pré-disposição à determinada ação), além disso, toda a argumentação visa à adesão e, dessa forma, argumentar significa querer persuadir ou convencer.

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Considerações Finais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratamos, nessa seção, das especificidades do agrupamento do argumentar. Esse domínio social se faz muito presente na escola e tem enorme relevância para o processo educativo dos alunos.

Sendo assim, você pode aprender as especificidades desse agrupamento e, para tornar o estudo mais concreto, selecionamos para um trabalho aprofun-dado o gênero Questão Discursiva. Nessa unidade aprendemos como se pode abordar esse tipo de texto nas salas de aula. Para tanto, realizamos uma refle-xão sobre os aspectos temáticos, composicionais e estilísticos que compõem a essência desse gênero.

Apresentamos como o papel da leitura é fundamental para que o educando possa efetivar uma relação rica com o Gênero Textual. Pontuamos, nessa uni-dade, que a produção de Questões Discursivas passa pela atividade de leitura e é essa que determinará a qualidade da escrita. O aluno que não lança mão de estratégias de leitura não apreende o sentido que a Questão Discursiva trata. Evidenciamos, para o leitor, que muitos dos problemas percebidos na produ-ção escrita dos alunos originam-se de problemas surgidos na leitura. Por isso, ao tratamos do Gênero Textual Questão Discursiva, demos prioridade à elabo-ração de uma Sequência Didática que privilegiasse a leitura.

Assim, esperamos que o professor ganhe, com a leitura dessa unidade, ferra-mentas para produzir Questões Discursivas e também conduzir aulas de leitura desse importante gênero, o qual atravessa praticamente toda a vida escolar dos alunos.

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1. Considerando o conteúdo estudado, o ensino de língua portuguesa deve se pautar em Gêneros Textuais orais e escritos. Explique a que se deve essa neces-sidade.

2. Relate, considerando o conteúdo estudado, as condições de produção do Gê-nero Argumentativo?

3. Posicione-se como professor e proponha uma atividade com Gênero Textual, de forma que trabalhe com a análise linguística.

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Tempos VerbaisDesenvolvemos ao longo desse material a importância do trabalho com a análise lin-guística dentro das especificidades de cada Gênero Textual. É importante que o docente conduza seus alunos a estudarem os elementos linguísticos e a forma que esses se orga-nizam dentro dos Gêneros Textuais.Se antes a Gramática Tradicional era aplicada nas salas de aula de maneira isolada do contexto social, com a ascensão da teoria dos Gêneros Discursivos a gramática se reves-te do externo, isto é, ganha novos contornos. Os fatos linguísticos são concebidos na dinâmica em que aparecem na sociedade. O uso de um artigo definido ou indefinido significará muito mais do que uma escolha dentro de um arcabouço de regras gramati-cais. A escolha de um tipo ou outro de artigo, a depender do Gênero Textual em questão, bem como os interlocutores envolvidos, terá nuances bem significativas.Posto assim, trataremos aqui de duas diferenciações apresentadas quanto ao uso dos tempos verbais, a saber: o mundo comentado e o mundo narrado. Para que isso fique claro ao leitor, apresentaremos dois grupos de tempos verbais:Grupo 1: Indicativo: presente (amo), pretérito perfeito composto (tenho amado), futuro do presente (amarei), futuro do presente composto (terei amado), bem como locuções verbais com esses tempos verbais (estou amando, vou amar etc.).Grupo 2: Indicativo: pretérito perfeito simples (amei), pretérito imperfeito (amava), pre-térito mais que perfeito (amara), futuro do pretérito (amaria) e as locuções verbais for-madas com esses tempos (estava amando, ia amar, etc.).Voltamos agora a esses dois conceitos: mundo narrado e mundo comentado. O primeiro faz referência a todos os tipos de relatos, da esfera literária ou não. A ideia transmitida é de distanciamento e permite uma atitude mais solta por parte do interlocutor. Já com relação ao mundo comentado, podemos apontar que nele se insere os textos líricos, o drama, o diálogo e o comentário, isto é, todos os textos que não se prestam somente ao relato podem ser encaixados no mundo comentado. Gêneros Discursivos que instauram uma tensão, um conflito de sentido, são considerados como pertencentes ao mundo comentado. Comentar é se comprometer diretamente pelo o que se diz. Narrar, por sua vez, é se distanciar do dito. Logo, os verbos pertencentes ao Grupo 1 são considerados do “mundo comentado” e os verbos do Grupo 2 são do “mundo narrado”. Os verbos interligados ao Grupo 1 têm por sentido oferecer um alerta que irá interpelar o interlocutor. Esse deverá compreender que se trata de um assunto que o afetará diretamente e dele exigirá uma resposta. Por outro lado, o interlocutor que usa os verbos do Grupo 2 terá o papel de narrador e coloca o leitor no papel de espectador.Observar os tempos verbais utilizados em determinados exemplares de textos se consti-tui numa atividade de análise linguística que o professor pode e deve utilizar nos textos trazidos em sala de aula. Além disso, conduzir uma leitura que proporcione aos alunos refletirem sobre as influências do tempo verbal é fundamental para a formação de leito-res aptos a refletirem sobre os fenômenos linguísticos.

Fonte: A autora

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MATERIAL COMPLEMENTAR

Questões dissertativas de provasO artigo intitulado “Aspectos metodológicos da caracterização do gênero discursivo ‘Questões dissertativas de provas’”, de Sonia Maria Duque da Fonseca, encontra-se, na íntegra, em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/viewFile/3988/2636>. Acesso em: 02 dez. 2014.

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UNIDADE V

Professora Me. Rejone Valentim Alves

AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO EXPOR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

Objetivos de Aprendizagem

■ Conceituar os Gêneros Discursivos do expor.

■ Apresentar as especificidades do Gênero Textual Resumo.

■ Nortear sobre o que é imprescindível no gênero Resumo.

■ Especificar quais ações não convêm ao Resumo.

■ Discutir sobre a importância do Resumo para o contexto educacional.

■ Exemplificar uma atividade de produção desse gênero.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

■ Agrupamento de Gêneros Discursivos do expor: uma proposta de trabalho

■ Especificidades do Gênero Textual Resumo

■ A prática de resumir

■ Ações para a elaboração de um Resumo

■ Um exemplo de atividade para a produção de Resumo

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Introdução

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INTRODUÇÃO

Finalmente chegamos à última unidade deste material. O percurso teórico e prá-tico que traçamos até aqui visou possibilitar ao leitor um olhar especial para o trabalho com os Gêneros Discursivos, na relação que estes estabelecem com o social.

Devido a isso, foi marcante neste material o tratamento dado à análise lin-guística como forma de refletir sobre os fenômenos linguísticos, em especial, nesta unidade, os referentes ao Gênero Textual Resumo. Tal gênero se consti-tui importante ferramenta de estudo pessoal para o (a) aluno (a). Sabemos que esse gênero o (a) acompanhará ao longo de sua vida estudantil, do ensino fun-damental ao superior.

Assim, traremos as especificidades do Resumo, quanto ao tema, compo-sição e estilo, bem como as condutas inadequadas para a prática de resumir e que tanto se fazem presentes no contexto escolar, mas que em nada contribuem para o processo educativo dos alunos.Embora “resumir” seja fundamental, pois desenvolve capacidades cognitivas do sintetizar, do selecionar, do organizar, sua prática tem se tornando vazia nos contextos das mais diversas disciplinas curri-culares. Explicaremos, no decorrer da unidade, como e o porquê disso.

Ao final, exporemos ao (à) leitor (a) um encaminhamento de trabalho com o Gênero Textual Resumo, com o intuito de instrumentalizar o professor a com-preender o quanto o trabalho com esse gênero é complexo.

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AGRUPAMENTO DE GÊNEROS DISCURSIVOS DO EXPOR: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

Nossos estudos até aqui foram árduos e tiveram por finalidade orientar um tra-balho docente pautado na concepção de linguagem sociointeracionista e que busque aproximar a sala de aula dos contextos reais em que se processam os enunciados no meio social em que vivemos. Desse modo, os encaminhamentos que sugerimos não visam destacar o erro, mas sim entender que a língua não é homogênea e que os alunos a utilizam influenciados por diferentes fatores: classe social, cultura, região onde moram, finalidade, circulação, estilo etc.

Desse modo, prima-se por práticas que favoreçam a educação linguística, ou seja, atividades escolares que propiciem uma reflexão crítica sobre a lingua-gem e que capacite os educandos a perceberem que esta é o meio pelo qual uma sociedade se organiza e também imprime sua ideologia.

O agrupamento que iremos tratar nesta unidade é o do expor. O domínio social de comunicação é a transmissão e a construção de saberes e a capacidade de linguagem predominante é a exposição, por meio da apresentação de diferentes formas do saber. Mais precisamente, iremos tratar do Resumo, porém, antes con-fira um quadro ilustrativo dos Gêneros Textuais pertencentes a esse agrupamento:

“Os estudos gramaticais devem ter seu papel ressignificado, devem ser en-carados como um instrumento facilitador para a apropriação de recursos linguísticos de que o usuário poderá dispor para seus propósitos de comu-nicação” (BORGATTO, 2012, p. 8).

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RESUMO

Artigo;Verbete de enciclopédia;Entrevista com especialista em determinado tema;Tomadas de notas;Resumos;Relatórios;Seminário;Conferência.

O trabalho com o Gênero Textual Resumo, em nossas salas de aulas, é funda-mental para a formação de um aluno capaz de sintetizar os conhecimentos que adquire de forma a construir textos a partir deles. A atividade de produção escrita Resumo é um ótimo indicador da aprendizagem do aluno, entretanto a prática de escrita desse gênero em sala de aula deverá ser mediada do início ao fim pelo professor. Só assim evitaremos velhas práticas educativas feitas com o Resumo, tais como: cópias literais ou recortes soltos de trechos do texto a ser resumido.

O Resumo é o Gênero Textual que tem o objetivo de sintetizar ideias de um texto, de uma obra literária, de um filme etc. O Resumo sempre parte de um texto-base ou texto-fonte. É necessário que o educando perceba que há a neces-sidade de um diálogo muito próximo entre o Resumo e o texto-fonte. Pontos no Resumo que o distanciem do texto-fonte podem abalar de forma implacável a credibilidade e o sucesso do Resumo produzido.

Assim, uma primeira relação que o professor precisa esclarecer para o aluno é a que existe entre:

TEXTO-FONTE(Texto a ser lido para que o aluno realize

a produção escrita de resumir)

Você pode estar ser perguntado por que trataremos das especificidades de um gênero tão comum na prática escolar, tanto das aulas de língua portuguesa, como nas de outras disciplinas. A respeito disso, responderíamos que, de fato, a escola

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é o contexto predominante em que circula esse tipo de gênero. Trata-se de uma ferramenta pedagógica solicitada por todas as disciplinas, a fim de que o aluno exponha o que compreendeu sobre os conteúdos tratados nos mais diversos textos.

É comum que diferentes professores solicitem que os alunos resumam um determinado texto, geralmente contido no material didático da disciplina, achando que isso favorece, quase que de forma automática, a aprendizagem do aluno sobre aquele conteúdo presente no texto-fonte. Entretanto, isso pode ser um equívoco, uma vez que o Resumo deve ser resultante de um trabalho com a ativi-dade escrita de forma reflexiva e que exige alguns encaminhamentos que devem ser ensinados aos alunos e retomados sempre que se peça uma produção desse tipo de Gênero Textual.

A prática de resumir sem o apoio de um trabalho consistente e de forma compromissada com a aprendizagem do aluno acaba por tornar-se uma ativi-dade vazia e sem importância e que, muitas vezes, presta-se apenas a preencher espaços nas aulas. Insistiremos em afirmar que apenas pedir para que o aluno leia um texto de caráter expositivo ou de qualquer outro, presente no material didático, e, posteriormente, pedir para que ele faça um Resumo sem prepará-lo para essa ação de escrita se constitui em mera prática de reprodução e que dis-tancia o aluno de um processo emancipatório de aprendizagem.

É compreensível que os professores de outras áreas de saber não dominem as especificidades que orientam a produção de um Resumo, tal como o profes-sor de língua portuguesa, entretanto, se o docente solicita um Resumo de um determinado texto-base, presume-se que esse saiba quais conteúdos o aluno deverá abordar no texto que irá produzir. Desse modo, é inconcebível que o professor aceite que o seu aluno realize mera cópia do texto-fonte. Isso motiva uma incompreensão do Gênero Textual em questão e prejudica o processo de aprendizagem do aluno. E pior, por vezes, o professor acha que o Resumo pro-duzido pelo aluno o ajuda a aprender e, como sabemos, isso será verdadeiro só se, de fato, o Resumo refletir um processo amplo de diálogo e de atividade refle-xiva sobre a escrita e sobre o conteúdo exposto no texto-fonte.

Em suma: o trabalho com o Gênero Textual Resumo tem relevância para o contexto escolar, pois se trata de uma atividade que aprimora e aperfeiçoa a capacidade escrita, em especial, as relacionadas à sumarização e à organização

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das ideias, características imprescindíveis ao ensino desse gênero e que também favorecem o estudo do aluno nas diferentes disciplinas que compõem o currí-culo escolar.

Dessa maneira, o trabalho com a língua materna realizar-se-á por meio de uma relação dialógica com a língua em situações concretas de comunicação. E possibilita-se, assim, que os educandos tornem-se escritores autônomos e críti-cos, uma vez que se relacionam com práticas discursivas reais.

É importante que o professor, ao realizar o trabalho didático a partir do Gênero Textual Resumo, dê ênfase ao tema, à estrutura composicional e ao estilo de forma pertinente à esfera social e às condições de produção. O aluno deve saber para que produz o Resumo, em que situação esse texto circula, que lingua-gem utilizar e de que estratégias lançar mão para que sua produção seja coerente.

Devido a isso, não podem as, práticas de produção escrita, em especial a do Resumo (porque permeia diferentes áreas do saber), ser uma prática desligada do real e de uma concepção sociointeracionista da linguagem. Isso porque o caráter político da escola, enquanto espaço público de formação humana e de democra-tização do saber historicamente construído, encontra singular respaldo no papel que os sujeitos estabelecem com a linguagem, isto é, o acesso ao conhecimento e a reflexão profunda sobre ele é uma ação permeada pela língua em uso con-creto e sob a influência de relações de poder e de ideologia.

Os conteúdos são instrumentos que possibilitam uma crítica às contradições sociais. Nesse contexto, a formação da habilidade de escrita assume importante papel, uma vez que contribuirá para fomentar ações emancipatórias por parte dos educandos. Isso porque a atividade mental de escrita é vista como um processo que exige planejamento e reescrita. A partir dessas etapas, os alunos estabelecem um contato crítico com a palavra, assumindo diferentes posições de interação no seio dos diversos contextos sociocomunicativos. Ao interagir, o sujeito é convo-cado a uma ação responsiva diante das diversas práticas discursivas.

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ESPECIFICIDADES DO GÊNERO TEXTUAL RESUMO

O Gênero Textual Resumo Escolar tem, como o próprio nome sugere, como espaço de circulação o sistema escolar. O trabalho docente que deseja a aprendizagem desse gênero deve conduzir os alunos a perceberem quem são os interlocutores envolvidos na textualização do Resumo, bem como compreender a finalidade dele.

O Resumo é: [...] um dos que pretende garantir maior compreensão em relação a um texto lido por meio do desenvolvimento da capacidade de sintetização. Portanto, durante o convívio com a esfera escolar, no papel de estudan-te, esse gênero será muitas vezes utilizado como instrumento de estudo (BAUMGARTNER; COSTA-HUBES, 2007, p. 153-154).

Resumir é realizar uma ação de sumarização que se constitui pela abreviação de uma sequência de acontecimentos de um texto-fonte e tem por objetivo apre-sentar uma visão global, geral, do texto. Esse Gênero Textual apresenta duas características fundamentais: a fidelidade ao texto a ser resumido e a separa-ção entre ideias essenciais e acessórias. Entendamos fidelidade ao texto-fonte como sendo uma proibição ao aluno de emitir opiniões e de interferir no con-teúdo do texto. Devemos deixar claro para ele que, em se tratando do gênero Resumo, não há interesse pela a opinião que ele possui. Isso não é o foco desse tipo de Gênero Textual. Para emitir opiniões, existem constituídos socialmente outros gêneros.

Veja a seguir o que nos diz Machado (2003) acerca das especificidades do Resumo:

O Resumo tipicamente escolar tem seus estudantes como seus desti-natários explícitos, nos quais há o predomínio nítido da apresentação do conteúdo completo de uma obra, de forma concisa, com pouco ou nenhuma interpretação ou comentário crítico. Reproduz-se o Resumo da obra resumida, assim como sua estrutura narrativa, com todas as características típicas deste discurso e dessa estrutura, mas com uma sintaxe e léxico claramente facilitadores (MACHADO, 2003, p.146).

“Sintaxe e léxico claramente facilitadores” significa fazer uso de um estilo de lin-guagem que aproxime o leitor do texto resumido. Haverá algumas expressões que não poderão ser alteradas, uma vez que são fundamentais para o entendimento

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global do texto, entretanto, há evidentemente outras que podem ser substituí-das por termos menos complexos e que demonstrem uma compreensão acessível ao leitor. Por isso, dizemos que o estilo do Resumo tende a ser formal, porém, prima pelo uso de expressões diretas, objetivas e sem preciosismos linguísticos que impeçam o entendimento dele.

De forma sucinta, podemos afirmar que o Gênero Textual Resumo possui por características:

a. Aquele que resume precisa selecionar as ideias principais do texto-fonte.

b. Há que se ter um cuidado especial com o tamanho do Resumo, pois esse não deve ter extensão igual ou maior a do texto-fonte. A síntese das infor-mações principais ajuda nesse quesito.

c. O Resumo não pode conter marcas pessoais, ou seja, expressões que sugerem a subjetividade daquele que resume. Existem outros textos cuja função social seja a expressão de opiniões. O Resumo não se serve a isso.

d. O texto resumido deve manter-se fiel ao conteúdo temático do texto-fonte, bem como as ideias por ele apresentadas.

e. O resumista precisa manter uma sequência lógica que respeite a que está presente no texto-fonte.

As características apresentadas orientam a produção de Resumos, por isso, o professor deve trabalhar esse conteúdo com seus alunos antes que eles produ-zam a primeira versão de seus textos. Ao esclarecer essas características próprias desse gênero, o docente auxilia os alunos no reconhecimento da estrutura com-posicional e do estilo do Resumo.

Para que isso fique ainda mais claro para os alunos e de fato os auxiliem a terem um contato autônomo com esse gênero e assim possam se constituir sujei-tos de escrita, o professor pode discutir os seguintes pontos:

a. Para se fazer um Resumo, precisa-se de outro texto?

b. Como se chama o texto que será resumido?

c. Pode-se resumir um texto sem lê-lo de forma a compreender o seu con-teúdo?

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d. O texto resumido pode ficar maior que o texto-fonte?

e. Caso o resumista não concorde com as ideias presentes no texto-fonte, poderá alterá-las no Resumo?

f. Qual é a finalidade de um Resumo?

g. No Resumo, são autorizadas as cópias literais do texto-fonte?

h. A circulação do Resumo ocorre onde?

As respostas a essas questões estarão relacionadas ao que de fato pode ser atri-buído como sendo pertencente ao gênero Resumo e, além disso, auxilia o aluno a perceber quais práticas não são permitidas na escrita desse Gênero Textual. Desse modo, o próprio aluno terá condições de avaliar o seu processo de escrita e sobre ele agir de forma reflexiva.

É interessante que o docente aborde, ao trabalhar com as características do gênero Resumo, os seus aspectos estruturais, tais como: extensão do texto, para-grafação, linguagem utilizada, os elementos coesivos, fidelidade ao texto-fonte, ordem e articulação das ideias respeitando o texto-fonte, identificação e seleção das ideias principais do texto-fonte, informações com relação ao texto-fonte (título, autor, data e local de publicação etc).

É também importante que o professor esclareça a turma de que, embora tenhamos pontos específicos desse gênero, as características linguísticas e dis-cursivas dele podem variar em virtude do contexto de produção: Para quem? O quê? Onde circulará? Qual é a finalidade? Quem diz?

A PRÁTICA DE RESUMIR

Alicerçados por uma concepção sociointeracionista e numa concepção de escrita que possibilite ao aluno uma reflexão sobre a língua em seu uso concreto na sociedade é que sugerimos um trabalho comprometido com a aprendizagem do Gênero Textual Resumo. Como já afirmamos antes, ensinar um Gênero Textual,

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não importa qual seja, exige do professor estudo e pesquisa. Assim, não é por-que o gênero Resumo se faça presente no histórico da vida escolar, acadêmica e até profissional do docente que o ensino de tal Gênero Textual dispense tam-bém uma atitude de pesquisa por parte do professor.

De acordo com Arcoverde (2007), o Gênero Textual Resumo apresentará de maneira sucinta e objetiva as ideias essencias de um texto-fonte, o qual pode pertencer a diferentes Gêneros Textuais, das mais diferentes esferas de circula-ção. É fundamental que seja ensinado aos alunos que eles, em seus Resumos, não poderão ser meros repetidores, mas sim ser sujeitos do processo de escrita e que deverão selecionar as ideias de forma a evitar transcrições literais (ao pé da letra) e de forma a parafrasear as ideias do texto-fonte. Além disso, deverá res-peitar a ordem, a organização global do texto a ser resumido.

Quanto ao estilo desse gênero, o Resumo deverá apresentar o emprego de linguagem objetiva e de preferência de tom impessoal. Ainda, as construções das frases e períodos deverão primar pela ordem direta a fim de facilitar a lei-tura. O Resumo precisará conter também os dados referentes ao texto-fonte, ou melhor, a referência bibliográfica.

Confiramos um exemplo de formulação que demarca explicitamente a refe-rência bibliográfica do texto-fonte em um Resumo.O capítulo 4, intitulado “Um retorno necessário à questão do desenvolvimen-to”, de autoria de Jean-Paul Bronckart, publicado em 2013, no livro “Gêneros textuais e formação inicial, da Editora Mercado de Letras, apresenta [...]

Fonte: A autora

O artigo “A leviandade do debate político” do autor Aldo Bizzocchi, publica-do em seu blog, trata da questão [...]

Fonte: A autora

Em termos de estrutura, quanto ao conteúdo, o que não pode faltar em um Resumo? Essa questão deve permear a ação do resumista, o qual deve ter em mente o que de fato deve aparecer, em termos de conteúdo apresentado, em um texto do gênero Resumo.

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Desse modo, é imprescindível que o Resumo apresente sempre:

■ o assunto do texto: especificação do objeto tratado pelo texto-fonte, a fim de que o leitor já possua um guia, uma orientação quanto à temática do texto (fonte e Resumo);

■ o objetivo do texto: determinação do objetivo do texto: A quem ele é diri-gido? O que ele quer expressar? Somente uma leitura plena poderá fornecer esse dado àquele que pretende fazer o Resumo. Entendemos, com isso, que o professor tenha instruído os alunos a perceberem que todo texto tem um objetivo: convencer, explicar, informar, criticar, argumentar etc.;

■ a articulação das ideias: a leitura sobre o texto-fonte deve conduzir o resu-mista a observar qual é a relação de ideias que o autor propõe em seu texto. É necessário que se vá percebendo os tipos de articulações entre parágra-fos, bem como entre as ideias colocadas pelo autor. O que se solicita aqui é que o resumista compreenda qual é a posição que o autor toma ao escre-ver o texto-fonte. Assim, poderá imprimir essa posição em seu Resumo;

■ as conclusões do autor: o resumista precisa expressar o percurso seguido pelo autor do texto-fonte, entretanto, de forma breve e sucinta. Esse per-curso tem início, meio e fim. Ressaltar o ponto de chegada do autor, ou melhor, as conclusões que esse evidencia no texto a ser resumido é uma ação de linguagem fundamental para a construção de um bom Resumo.

Diante disso, a produção do Resumo no contexto escolar deve ocorrer de forma contextualizada. Inicialmente o professor deve dialogar com os alunos sobre as características desse tipo de Gênero Textual e retomar o que se pode fazer ou não nesse tipo de prática social de escrita, na sequência, uma possibilidade é a leitura do texto-fonte.

Após um primeiro contato com o texto, que pode ser feito silenciosamente pelos alunos e depois coletivamente pelo professor, é importante que haja em sala de aula encaminhamentos que façam os alunos observarem os seguintes pontos:

a. O texto trata de qual temática?

b. Em que local social esse texto circula?

c. Qual é o objetivo desse texto?

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d. Qual é a sua linha argumentativa? Ou seja, o que ele diz e como diz?

e. Qual é o posicionamento da autora? A que conclusão ela chega?

Após trabalhar com as questões acima, uma possibilidade é que o professor oriente os alunos a separarem o que é ideia principal/essencial do que é ideia secundária. Para isso, pode solicitar que os alunos marquem os parágrafos. Essa ação deve ser realizada com o aluno e de forma que o professor discuta com ele o porquê de determinadas ideias serem secundárias.

Após o levantamento das ideias principais, é importante orientar os alunos a redigirem-nas com uma escrita própria e impessoal. Não se esqueça de soli-citar que eles iniciem o Resumo colocando as referências do texto-fonte, bem como apresentem a temática desse texto. Essas coordenadas são imprescindíveis para a construção de um bom texto. Retome com eles que nesse tipo de texto não se pode fazer: cópias, mudar o que diz o texto-fonte, emitir opinião pessoal.

Para que o aluno aprenda a fazer Resumo, o professor pode levar para a sala de aula o texto-fonte e o Resumo produzido, e solicitar que seja observado quais ações de linguagem foram realizadas. Quando o educando reflete sobre as prá-ticas de escritas tem maiores condições de produzir bons textos. Desse modo, apresente para o aluno o texto-fonte e o Resumo ressaltando a observação das seguintes questões:

■ o Resumo apresenta referências do texto-fonte?

■ o texto produzido mostra o objetivo do texto-fonte?

■ o resumista se manteve fiel ao texto-fonte?

■ houve cópias literais?

■ o resumista apresentou de forma coerente as ideias principais (que foram grifadas)?

■ o Resumo expressou a conclusão/o posicionamento da autora do texto-fonte?

Ainda com intuito de refletir sobre a organização do gênero em questão, apre-sente um trecho do mesmo Resumo, entretanto com algumas ações que não são permitidas nesse gênero. Esse tipo de atividade conduzirá o aluno a refletir sobre

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os efeitos de algumas ações que não cabem ao Resumo. E isso, evidentemente, contribuirá para o processo de ensino-aprendizagem. Assim, peça que o aluno leia o Resumo e discuta sobre os “possíveis” equívocos, distorções e ações que prejudicam a produção do gênero.

Esse trabalho com atividades que levam à observação, à análise e à reflexão fará toda a diferença para que o aluno seja capaz de produzir os gêneros diversos e ainda possa estudar a língua por meio dos textos que circulam socialmente com-preendendo a língua em prática, como ela se efetiva.

AÇÕES PARA A ELABORAÇÃO DE UM RESUMO

A elaboração de um Resumo não é resultado de ações vazias e guiadas por mera intuição: “isso fica, isso não fica – essa informação é importante, essa outra não é”. O ato de escrita deve conduzir o produtor a ações significativas e que permi-tam que esse se coloque em uma posição social crítica. Estamos falando aqui sobre o que o processo de escrita pode propiciar ao aluno, uma vez que se trata de uma atividade reflexiva, na qual vários tipos de cognições mentais estão traba-lhando. E não estamos falando que, no Resumo, o resumista realiza uma crítica ao texto-fonte. É fundamental compreender essa diferença: no Resumo não há a opinião crítica do resumista, mas a construção desse texto se dá em virtude de

“O termo análise linguística não foge à regra, ou seja, surgiu para denomi-nar uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos” (MENDONÇA, 2006, p.103).

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Ações para a elaboração de um Resumo

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ações planejadas de um leitor/escritor que se constitui enquanto sujeito crítico, uma vez que compreende os sentidos globais de um texto-fonte, observando suas relações mais intrínsecas.

Desse modo, apresentaremos um Passo a Passo sobre ações de linguagem que permitem a produção de um Resumo. As orientações que apresentaremos servem para guiar o aluno em sua ação de escrita, bem como servirá de critérios de avaliação que o docente pode realizar sobre a escrita do aluno. Isso porque é fundamental que a avaliação do texto do aluno se paute em critérios claros e que são essenciais para a constituição de um dado Gênero Textual. É, sobretudo, necessário que o aluno saiba quais critérios nortearão a apreciação de seu texto.

Vamos aos passos:

1ª Realize uma leitura atenta e cuidadosa com o objetivo de perceber a estrutura geral do texto-fonte, bem como a forma que ele se desenvolve.

2ª Identifique, no texto-fonte, as condições de produção dele: Quem escreve? Sobre o que escreve? Para quem escreve? Qual é a finalidade de sua escrita? Como escreve?

3ª Observe como o autor apresentou as ideias, ou melhor, destaque se houve argumentação e, se sim, como se deu esse processo: usou exemplos, cita-ções, discurso de autoridades, relatos. Como foi a relação do autor com as ideias secundárias? Desenvolveu-as?

4ª Compreenda cada parte do texto, levante nos parágrafos que o consti-tuem o tópico frasal e o seu desenvolvimento de forma a determinar o que é ideia principal e o que é ideia secundária.

5ª Grife as ideias principais do autor, observando os elementos linguísticos que esse usa para demarcar o tipo de relação entre elas. Por exemplo: o termo “como” demarca uma relação de comparação, a qual deverá estar presente no Resumo.

6ª Deixe de lado, fora do seu Resumo, todas as ideias secundárias. Com-preenda que as ideias secundárias são as informações que não abalam o sentido global do texto e têm a finalidade de explicar, justificar, exem-

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plificar, descrever dados a respeito das ideias nucleares do texto-fonte.

7ª Inicie a produção de seu Resumo, pautando-se nas ideias principais e nas suas relações. Coloque as referências do texto-fonte e seja fiel ao conte-údo do texto: não acrescente; não diga o que o texto não disse; não force relações de sentido que o texto não realizou; não use expressões que sugi-ram a subjetividade do resumista, tais como: Infelizmente, Felizmente, Na minha opinião, Eu acho, O autor foi ótimo ao dizer que etc.

8ª Recorra sempre ao texto-fonte, comparando-o com o Resumo produzido afim de perceber se você se mantém fiel a ele.

É interessante começar a prática de resumir com parágrafos ou pequenos tex-tos-fontes. Em cada parágrafo, é necessário que:

a. separe quais são as ideias principais e as secundárias;

b. perceba o tom de linguagem do escritor;

c. exercite como traduzir as ideias principais em um novo texto, parafrase-ando as ideias do autor.

UM EXEMPLO DE ATIVIDADE PARA A PRODUÇÃO DE RESUMO

Apresentaremos, nesse tópico, um exemplo de atividade que pode ser realizada a partir da série de 9º ano. O objetivo é oportunizar uma atividade de pro-dução escrita do Gênero Textual Resumo, dando ênfase ao tema, à estrutura composicional e ao estilo de forma pertinente à esfera social e às condições de produção específicas, que serão: produção de Resumos de fábulas, cujos interlo-cutores serão alunos do 6º ano. Enfim, a situação apresentada aos alunos é a de que eles produzirão Resumos tendo por texto-fonte Fábulas e que as produções serão expostas em turmas do 6º ano a fim de que os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental conheçam o que é um Resumo e se interessem também

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Um exemplo de atividade para a Produção de Resumo

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1. Apresentação da seguinte proposta de trabalho para os alunos: Conversa inicial com os alunos, expondo que a proposta de trabalho será a aprendi-zagem e a produção do Gênero Textual Resumo, tendo como texto-fonte exemplos de Fábulas, a fim de que se monte um mural no 6º ano da escola, expondo os Resumos produzidos pelos alunos do 9º ano (ou a partir do 9º ano). Escrever no quadro a proposta e pedir para que os alunos copiem em seus cadernos. Explicar que cada aluno fará o Resumo de uma fábula. Nessa etapa, o professor lança perguntas orais que identifiquem os conhecimen-tos prévios dos alunos sobre o gênero Resumo e sobre fábula. A partir disso, encaminharia a próxima fase.

2. Reconhecimento do Gênero Textual Resumo: O professor levará uma fá-bula e o Resumo dela e solicitará a leitura dos alunos, bem como a análise das características presentes no texto resumido. Ocorrerá uma explicação do professor sobre ideias essenciais e acessórias. Na sequência, será pedido para que os alunos marquem o texto-fonte com caneta colorida, diferen-ciando-as por cor. Em seguida, ele irá expor aos alunos os procedimentos corretos e incorretos ao escrever um Resumo, convidando-os a exporem oralmente como esses procedimentos encontram-se no texto lido em sala. O professor irá anotando o desempenho dos educandos e indagando aque-les que espontaneamente não participarem. Na sequência, pedir que os alunos montem uma tabela com as principais características observadas no Resumo lido, agrupando-as nos seguintes itens: tema – composição – estilo, conforme a mediação do professor. No fim dessa fase, a docente fará uma exposição conclusiva sobre o que é Resumo e suas particularidades.

3. Produção: Cada aluno selecionará uma fábula a ser resumida. O professo irá encaminhar os alunos para a produção inicial dos Resumos. Nesse mo-mento, o professor irá perceber as dificuldades que os alunos apresentam. Posteriormente, a turma fará a reescrita dos Resumos de maneira a pro-porcionar uma reflexão linguística, considerando a estrutura do gênero e as condições de produção de escrita. Por último, será feita a circulação dos textos: afixação dos Resumos na sala do 6º ano.

pela leitura das fábulas.Com o intuito de descrevermos melhor como se dá esse trabalho em sala

de aula, de forma a aliar planejamento, teoria e prática, trazemos para você um quadro ilustrativo da Sequência Didática, a qual orienta os comportamentos metodológicos do professor.

Quadro 08: Sequência DidáticaFonte: A autora.

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A partir da exposição da Sequência Didática, passaremos a apresentar as ativi-dades a serem propostas, juntamente com os encaminhamentos que o professor pode efetivar em sala de aula. Iniciaremos com a apresentação do texto-fonte e, na sequência, as atividades, tal como preconizamos no Quadro Ilustrativo da Sequência Didática.

Texto-fonteA CABRA E O ASNO

Uma cabra e um asno viviam na mesma casa. A cabra ficou com ciúmes por-que o asno recebia mais ração do que ela. Ela lhe disse:

__Que inferno é a sua vida! Quando não está no moinho, está carregando um fardo! Quer um conselho: quer descansar? Faça como se estivesse tendo uma crise de epilepsia e caia num buraco.

O asno achou que era um bom conselho: caiu de propósito e quebrou os ossos. Seu dono foi atrás de um médico para socorrê-lo.

__ Se lhe der um chá de pulmão de cabra, ele vai se restabelecer.A cabra foi sacrificada e o asno ficou curado.MORAL: Quem maquina contra os outros, termina fazendo mal a si próprio.ESOPO. Fábulas. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 132.

Atividade 1

a. Vamos ler o texto três vezes para que percebamos: o que é essencial, ou seja, mais importante na fábula?

b. Marque com caneta colorida as ideias essenciais, diferenciando-as das acessórias.

Resumo do textoA fábula “A cabra e o asno” de Esopo mostra que uma cabra e um asno mora-

vam juntos. A cabra tinha ciúmes do asno porque esse ganhava mais ração do que ela. Assim, a mesma resolve dizer ao asno que a vida dele era ruim e que lhe daria um conselho: fingir uma crise de epilepsia e cair em um buraco. O asno gostou da ideia e ao cair quebrou os ossos. Seu dono, ao procurar o médico, fora informado de que o remédio seria chá de pulmão de cabra. O dono, então, sacrificou a cabra e o asno sarou. A moral mostra que quem maquina contra os outros faz mal a si mesmo.

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Um exemplo de atividade para a Produção de Resumo

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Atividade 2 Tema, Composição e Estilo do Gênero Textual ResumoQuestões a serem debatidas coletivamente:

1. O que você entende por Resumo? Para que serve?

2. A fábula e o seu Resumo falam de qual tema?

3. Você acha que é importante colocar o mesmo tipo de animal da fábula em seu Resumo?

4. O Resumo precisa ter os discursos diretos das personagens? Como as falas aparecem?

5. Coloca-se título no Resumo? Pode-se colocar um novo título para o Resu-mo?

6. No Resumo, é permitido alterar a sequência de ações ou adicionar outras?

7. Pode-se mudar a moral da história? Ou deixar de mencionar a moral pre-sente na fábula?

8. O Resumo possui quantos parágrafos, ou seja, como se estrutura?

9. Qual é o tipo de linguagem usada?

10. Qual é o tamanho do Resumo em relação ao texto-fonte?

11. Esse texto traz opiniões de quem resume?

12. O que não se faz em um Resumo?

Atividade 3Vamos elaborar uma tabela que demonstre as características do Resumo,

nos seguintes itens: tema, composição e estilo, conforme as explicações dadas pela professora.

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TABELA

TEMA

(CONJUNTO DE TEMAS A SEREM TRATADOS POR CADA GÊNERO DISCURSIVO)

COMPOSIÇÃO

(ESTRUTURAÇÃO INTERNA DO TEXTO)

ESTILO

(RECURSOS LINGUÍSTICOS)

-Apresentar a compreensão de um texto-fonteA pessoa que faz o mal o rece-be de volta.

-apresenta a com-preensão do assunto discutido no texto-fonte

-quem resume não emite opiniões

Crítica aos comportamentos humanos, usando animais como personagens

- sumariza as ideias principais do texto-fonte

- linguagem sucinta e objetiva

- mesmo título da fábula

- linguagem acessível à esfera social e aos interlocutores

- não muda a sequên-cia das ações e nem as personagens

-apresenta ao final a mesma moral da fábula

- um parágrafo

- extensão breve

Ao estudarmos a teoria dos Gêneros Textuais é comum verificarmos as ca-racterísticas principais de cada gênero, contudo, um determinado gênero necessita da inserção de outros para se completar, portanto, é possível en-contrar argumentos em textos expositivos e exposição de dados em textos argumentativos, dessa forma, temos que ficar atentos, principalmente, ao objetivo de cada ato discursivo para classificá-lo.

No caso do texto expositivo, eles podem apresentar instruções, descrições, definições enumeração de dados. Pode apresentar, ainda, comparação e contraste quando visa à exposição de determinado processo ou elemento.

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Considerações Finais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudamos, nesta unidade, as especificidades do Gênero Textual Resumo. Demonstramos quais são as características básicas no agrupamento do expor e como o professor pode abordar o ensino desse gênero em contexto escolar.

Explicitamos como esse gênero costuma ser tratado, tanto nas aulas de lín-gua portuguesa como nas demais disciplinas que compõem o currículo escolar.

Trouxemos, para o (a) leitor (a), uma proposta de trabalho baseada na ela-boração de Sequência Didática. Contextualizamos essa proposta de modo que o professor possa visualizar como se daria a efetivação dessa Sequência Didática.

Mais uma vez, esperamos que o (a) prezado (a) leitor (a) tenha condições de sistematizar e elaborar atividades que propiciem a aprendizagem desse impor-tante Gênero Textual.

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1. Conforme estudamos, a educação linguística é fator preponderante para o ensi-no da língua materna, assim, defina educação linguística.

2. Conforme verificamos, trabalhar com textos expositivos traz possibilidades im-portantes em relação ao ensino da língua. Cite os gêneros que fazem parte da ordem do expor e elabore uma Sequência Didática que o utilize.

3. A partir do conteúdo trabalhado nesta unidade, aponte o objetivo principal do Resumo.

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O ensino da fala

A fala e a escrita possuem valorações diferentes em nossa sociedade. Diferente não ocor-re quando pensamos no contexto escolar. Entretanto, a fala ocupa, na vida de muitas pessoas, um papel mais central que a escrita. O que não permite dizer que uma é mais importante que a outra. Fala e escrita formam um continuum entre si. São atividades que se complementam e cada qual é possuidora de sua própria complexidade.

A prática da fala dá a falsa sensação de que essa não exige planejamento e sistematiza-ção. O que é um engano. Tanto escrita como fala devem ser ensinadas aos alunos. Esse processo de ensino deve ser sempre considerando as condições de produção. Logo, em se tratando de atividade oral, o professor precisa instrumentalizar os alunos a percebe-rem as características dos diferentes contextos de comunicação, bem como o Gênero Textual em que eles farão uso da linguagem oral.

Dessa maneira, o ensino da fala, em situação formal, deve formar alunos capazes de realizar a adequação de linguagem conforme os contextos (amplo e imediato). Deverão, os educandos, analisar os seguintes fatores: Quem fala? Para quem fala? O que fala? Para que fala? Como deve falar? Onde circulará essa fala?

Quando o professor propicia um ambiente em que os alunos busquem por essas respos-tas, ele estará contribuindo para a construção da importância da prática da oralidade. Além disso, estará instrumentalizando seus alunos a terem autonomia para adequarem, elaborarem e revisarem o seu discurso de modo que ele se relacione aos fatores sociais.

Devido a isso, o professor que desejar trabalhar com o Gênero Textual Seminário deverá compreender que esse gênero, como qualquer outro que seja objeto de ensino, deve ser ensinado aos alunos. Esse ensino, por sua vez, pode ocorrer por Sequências Didá-ticas. Muitas vezes, os professores acham que é suficiente determinar a temática a ser pesquisada por cada equipe para que o Seminário ocorra com sucesso.

A consequência mais comum de práticas como essas são alunos que apenas realizam a leitura de textos escritos (entendam, textos com todas as características da escrita), sem as devidas adequações para a situação sóciocomunicativa em questão. Com isso, o desastre é certo.

Pensemos no seguinte fato: quando os alunos realizam a pesquisa de determinado tema, eles têm acesso, provavelmente, a textos de natureza instrucionais ou do agrupamento do relatar (tal como notícias, reportagens). Não há nada de errado até aí. Entretanto, os alunos devem lançar mão de outros gêneros para que as informações coletadas sejam transmutadas para o Gênero Textual Seminário. Talvez eles precisem usar Resumos, sín-teses etc. Ao terem selecionado as informações, eles deverão transfigurar isso para as especificidades do seminário. Tendo, portanto, que considerar: Para quem é? O que os demais alunos conhecem sobre o tema a ser apresentado? Que linguagem utilizar? Que instrumentos usar para facilitar a comunicação oral? Enfim, deverão analisar o contexto, para assim, elaborar estratégias para que o Seminário ocorra. E isso, caro (a) acadêmico

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(a), o aluno não nasce sabendo. Precisa ser ensinado a ele: as partes de um Seminário, os objetivos desse tipo de gênero,como ele deve ser apresentado.

Em suma, Gêneros Textuais orais devem ser ensinados nas aulas de Língua Portuguesa. Ao nos reportar à noção de língua como instituição viva e concreta, consideraremos a fala parte integrante da vida social dos interlocutores e também dos alunos que se assentam nos bancos escolares. E, por conseguinte, objeto de ensino a ser trabalhado.

Fonte: A autora.

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Material Complementar

MATERIAL COMPLEMENTAR

Gênero Textual ResumoPara saber mais sobre os procedimentos para a elaboração do Gênero Textual Resumo, acesse: <http://www.ead.uepb.edu.br/ava/arquivos/cursos/geografia/leitura_interpretacao_e_producao_de_textos/Le_PT_A13_J_1_.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2014.

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CONCLUSÃO159

O percurso teórico e também prático que propomos neste material teve por obje-tivo oferecer a você, professor (a) e futuro (a) professor (a), um olhar para a língua em sua totalidade, englobando a complexidade que envolve as questões referentes à Gramática Tradicional, à Sociolinguística, à variação linguística e aos Gêneros Dis-cursivos.

Com relação à Gramática Tradicional, abordamos o caminho histórico que essa per-correu e quais fatores histórico-sociais entraram em cena para que essa ganhasse o status que ganhou no decorrer dos tempos. Como vimos, esse processo já teve início lá na Grécia Antiga e ainda hoje tem respaldo e legitimidade garantida devido às imagens e às representações sociais aliadas a essa área do saber. A Gramática Tra-dicional tem como força maior o poder do que é clássico e legitimado pelas classes dominantes que elegem uma única forma de usar a língua como aceitável.

Estudamos que essa visão consolida-se em uma concepção de linguagem estrutu-ralista e que coloca a linguagem como expressão do pensamento. Nesses moldes, a língua não estabelece relação com os fatores sociais e ideológicos de uma época. Ao contrário, é considerada como um sistema isolado e estanque. A língua não tem exterior; apenas interior, ou seja, uma estrutura estática e fechada.

Foi com os estudos de Bakhtin que essa visão de língua foi alterando-se e abrindo possibilidades para que outros tipos de estudos fossem surgindo e consolidando-se no contexto dos estudos linguísticos. A terceira concepção de linguagem, a socioin-teracionista, concebe a língua como social e resultante da relação que estabelece com o exterior, ou seja: com o falante, com o contexto imediato, com o contexto amplo, com a finalidade, com o gênero, com o meio de circulação, com a ideologia.

A língua não é mais vista como um elemento estático, formado por um conjunto de regras que o falante simplesmente se apropria, ora para expressar seu pensamento, ora para se informar. O falante, ou melhor, os interlocutores possuem finalidades relacionadas ao contexto social, histórico e cultural do qual fazem parte e nele se constituem como sujeitos. A língua não é algo parado, ao contrário, é dinâmica e flui conforme os movimentos dos sujeitos dentro dos mais diversos contextos de convivência.

Logo, se o interlocutor tem por finalidade expressar sentimento, dentro de um con-texto informal e de intimidade, usará a língua de determinada maneira. Contudo, se esse mesmo interlocutor, movido por uma finalidade distinta à citada, e dentro de um contexto de mais formalidade, usará a língua (que é importante que entenda-mos, é a mesma para todos os interlocutores) de maneira peculiar. Enfim, a língua, conforme os preceitos de Bakhtin, tem sua substância, seu centro fundante, nas re-lações que mantém com seu entorno, isto é, com o social, o cultural, o histórico, o ideológico.

Devido ao enorme legado que tem a Gramática Tradicional em nossa sociedade, em dois espaços em particular: na escola e na mídia, vimos que o trabalho docente precisa estar fortemente aliado ao estudo e à pesquisa. O professor é o agente polí-

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CONCLUSÃO

tico responsável pelo processo de ensino-aprendizagem e, tão logo, deve a cada dia buscar respaldo teórico e prático, num movimento dialético, para que a visão unila-teral da Gramática Tradicional ceda lugar a um trabalho de educação e reeducação linguística dos educandos.

Somente diante de práticas escolares, em especial, daquelas pertinentes ao profes-sor de língua, que se poderá fomentar a educação linguística em detrimento do trabalho normativo, o qual se dá isolado das enunciações concretas realizadas a todo o momento e em todo lugar pelos inúmeros falantes da língua. É a exposição do aluno às práticas linguísticas de reflexão e não de repetição que se auxilia efeti-vamente o que estamos defendendo neste material: uma formação voltada para a educação linguística e que de fato possibilite que a sociedade não pratique ações discriminatórias sobre os sujeitos que usem uma variedade diferente do que pres-creve e normatiza a Gramática Tradicional.

É importante que deixemos claro que não estamos negando a importância da Gra-mática Tradicional. Não estamos dizendo que esta não tenha o seu valor, o qual é inegável, pois é historicamente constituído. Afinal, temos que reconhecer que ela é a primeira reflexão sistematizada e que perdurou na história sobre o fenômeno que é a língua. Entretanto, não deve ser considerada como a única forma de sistemati-zação existente, porque existem outras formas de vê-la e de também sistematizá-la. Inclusive existem formas que contextualizam a língua e que a veem em sua concre-tude social. No social, língua e variedades linguísticas caminham juntas e sempre agarradas ao sujeito e ao contexto social dele.

Reiteramos, ainda, que é a escola que possui a função social de ensinar o aluno o uso da norma-padrão. Esse olhar sobre a língua tem sua importância e será em muitos momentos requerida dos sujeitos em diferentes fases de sua vida escolar, profissio-nal ou acadêmica. A escola, permeada pela visão sociointeracionista, não banirá de seu espaço o conhecimento gramatical, ao contrário, o trará para um contexto de reflexão e de crítica. A formação gramatical estará pautada no trabalho dos Gêne-ros Discursivos e, assim, o que teremos são práticas de análise linguística em que a estrutura gramatical da língua faça sentido para os alunos e não seja um mero mecanismo de repetição desvinculada da prática social dos sujeitos. De modo geral, afirmamos, portanto, que a escola não perdeu a função de ensinar as regras grama-ticais, na verdade, o seu papel foi ressignificado, pois agora precisa ensinar as nor-mas gramaticais em conjunto com os fatores sociais e históricos que movimentam a vida das pessoas. A escola é o espaço privilegiado de sistematização do saber e de apropriação do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.

Nesse sentido é que apresentamos, neste material, conhecimentos que informam como se deu o percurso histórico dos estudos linguísticos e os quais permitiram que a Sociolinguística se desenvolvesse e, por conseguinte, consolidasse o olhar científi-co sobre as variações linguísticas. Devido a isso é que realizamos um apanhado so-bre o conceito de variação linguística e os tipos de variações que aparecem em nos-sa sociedade. Além disso, discutimos que há ações preconceituosas sobre algumas variações e, sobretudo, sobre o falante que delas fazem uso. O estudo que traçamos

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CONCLUSÃO161

mostrou que não existe forma linguística melhor, mais elaborada que outra. Na ver-dade, sob o aspecto linguístico, todas as formas têm igual valor e merecem estudo e respeito, mas admitimos que há, na sociedade, a determinação de uma hierar-quia entre a língua normativa e as variações linguísticas. Nesse processo, somente o tradicional tem valor e respeito. As variedades são excluídas e os sujeitos que as usam são “etiquetados” como pessoas sem cultura e desprovidos de conhecimento linguístico. Esse posicionamento, para nós, não contribui em nada para a formação de sujeitos autônomos, críticos e sedentos por transformações sociais.

Desenvolvemos, ainda, um percurso teórico que norteia o (a) leitor (a) sobre os as-pectos gerais dos Gêneros Discursivos, bem como a sua ligação com conceitos fun-damentais da teoria de Bakhtin. Falamos da importância de se considerar os Gêne-ros Discursivos em seus elementos estáticos e que se formalizam socialmente, mas que também devemos considerar os gêneros naquilo em que podem variar, isto é, ao sabor do interlocutor e da situação de comunicação em que esse está engajado. Nesse ínterim, retomados os conceitos relacionados às condições de produção: in-terlocutor, finalidade, Gênero Discursivo, circulação, suporte, e de como eles interfe-rem na constituição de um dado Gênero Discursivo.

Além disso, tratamos também da importância do trabalho dos Gêneros Discursivos como objeto de ensino da língua nas escolas e nas aulas de língua portuguesa. É importante esclarecermos que Gêneros Discursivos e Gêneros Textuais são termos sinônimos. O primeiro foi cunhando por Bakhtin e o segundo é usado por estudio-sos que transferiram para o contexto educativo os preceitos desse teórico. Durante nossas unidades, reforçamos que é nos Gêneros Discursivos que se pode verificar enunciados concretos e que fazem sentido para as pessoas que socialmente travam relações das mais diversas possíveis, tais como: comunicar, informar, instruir, apelar, relatar etc.

Para que de fato um trabalho significativo com os Gêneros Discursivos possa se con-solidar nas salas de aula é que trouxemos os conceitos de Bakhtin com relação aos aspectos dos gêneros: tema, composição e estilo. Para complementar e ajudar a sis-tematizar a prática docente, expomos algumas considerações realizadas por Dolz, Noverraz e Schnewly (2004) a respeito do agrupamento dos Gêneros Discursivos e de como o professor pode, dentro de cada gênero, e, especialmente, dentro de cada realidade e do perfil de cada turma, selecionar e sistematizar as dimensões ensiná-veis para os Gêneros Discursivos trabalhados em contexto escolar.

Esperamos que tenha ficado claro que não se faz necessário ensinar tudo de uma vez dentro de um único Gênero Discursivo. Cada Gênero Textual, na sua relação com o contexto de ensino, potencializa determinados conteúdos que devem ser ensina-dos para que uma determinada turma apreenda estruturas e características impor-tantes daquele gênero. Um exemplo bem gritante disso seria o de que um professor selecionasse como pertinente o trabalho com o “discurso direto” dentro do gênero Receita Culinária. Esse gênero oferece outros elementos que são essenciais para a sua apreensão que não o discurso direto. Um exemplo seria a questão dos numerais.

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CONCLUSÃO

Com o intuito de explicitar que a prática do professor deve ser fundamentada, siste-matizada e planejada, recorremos ao conceito de Sequências Didáticas. Explicamos que esse conceito tem a ver com a sistematização de um conjunto de ações peda-gógicas que buscam a aprendizagem de um dado Gênero Discursivo. Evidencia-mos ainda que o trabalho com qualquer Gênero Textual exige estudo, pesquisa e uma posição investigativa por parte do professor. Portanto, ressaltamos que todo e qualquer gênero tem uma complexidade que precisa ser analisada e didatizada, levando-se em conta quem é o aluno e suas dificuldades. Evidentemente que isso não torna a prática do professor mais fácil ou mais leve, mas, a nosso ver, dá sentido às ações tomadas em sala de aula e permite minimizar os efeitos negativos de um ensino de língua portuguesa desvinculado da realidade e das necessidades dos in-terlocutores, que são, por mais óbvio que essa afirmação possa parecer,“pessoas de carne e osso”.

Tratamos ainda, neste material dos Gêneros Textuais: Crônica, Questão Discursiva e Resumo. Esses gêneros pertencem a agrupamentos diferentes, que são respecti-vamente: o do narrar, o do argumentar e o do expor. Propomos para cada um desses gêneros uma sugestão de encaminhamento, acompanhada dos pressupostos teó-ricos específicos. Nosso objetivo é que o (a) leitor (a) perceba quais as ações devem permear o seu trabalho docente e não é nossa finalidade “de forma nenhuma” ofe-recer uma receita pronta de trabalho. Os professores, agentes históricos e políticos, é que devem, conforme o seu contexto de atuação, adaptar Sequências Didáticas, elaborá-las e, acima de tudo, fundamentar a sua prática na relação de constante retorno à teoria. Isso porque entendemos que a prática desvinculada da teoria corre o risco de se perder nas redes da intuição. A teoria, por sua vez, desvinculada da re-flexão que só a prática oferece, pode tornar-se idealismo. Assim, teoria e prática são ferramentas importantíssimas numa concepção de ensino sustentada no sociointe-racionismo e, principalmente, comprometida com a emancipação dos sujeitos.

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REFERÊNCIAS163

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Unidade I

1) Para essa concepção, a língua homogênea baseia-se em regras, pautadas no certo e no errado, e não considera que a língua sofre alterações constantes.

2) Essa concepção tem a língua como objetivo para estabelecer comunicação, é im-portante que haja comunicação entre os falantes.

3) Essa deve ser a orientação teórica do professor da área de Letras, pois, em sala de aula, ao trabalhar a língua portuguesa, o professor deverá considerar os usos, consi-derar que a língua é um sistema vivo e que sofre alterações.

4) Você, como professor (a), ao trabalhar as variações linguísticas, primeiro terá que trabalhar com os alunos os conceitos para depois poder levar para a sala de aula textos como música, poemas, isto é, o trabalho com Gêneros Textuais, aproveitando os diferentes usos desses textos para identificar, classificar e compreender os dife-rentes usos da língua.

Unidade II

Atividade de Autoestudo

1) Gêneros primários são os do cotidiano, onde há a comunicação espontânea, in-formal. Gêneros secundários estão mais relacionados aos contextos de comunica-ção mais formais.

Os secundários abrigam os primários, pois a partir do momento em que os primá-rios se aprimoram, se tornam secundários.

2) Estrutura composicional: modo como o Gênero Textual se organiza, constituída a partir de cada esfera de circulação.

Estilo de linguagem: adequação da linguagem de acordo com a intenção do inter-locutor.

Temática definida: é a concepção de que nem toda temática serve para todo tipo de gênero.

3) Circulação é uma esfera discursiva cultural e social, onde o gênero vai ser lido e recebido pelos interlocutores.

Suporte textual é o meio pelo qual o Gênero Textual será comportado.

Unidade III

Atividade de Autoestudo

1) Tudo o que pode ser ensinado para que a compreensão do Gênero Textual acon-teça de forma concreta.

GABARITO

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2) É um elemento importante para a efetivação da Sequência Didática e é uma fer-ramenta que o professor deve utilizar para nortear sua aula, a fim de que o aprendi-zado de um Gênero Discursivo ocorra.

3) Conhecer o perfil de cada aluno, envolvendo as dificuldades de aprendizagem de cada um, a partir disso estabelecer os objetivos para a aula.

Unidade IV

Atividade de Autoestudo

1) Entre as linguagens, a língua falada e a língua escrita se destacam no universo da comunicação e assim apresentam-se como manifestações importantes da língua e por esse motivo necessitam ser objeto de estudo nas aulas de língua portuguesa.

2) Considerar para quem escreve, o que escreve, para que escreve, como escreve, como argumenta e onde circula esse texto.

3) Aqui você poderá propor uma atividade com o gênero tirinha ou poema, apli-cando exercícios que não trabalhem apenas regras gramaticais, mas que também considerem as funcionalidades da língua, isto é, os usos.

Unidade V

Atividade de Autoestudo

1) São atividades escolares que propiciam a reflexão crítica sobre a linguagem e que levem os educandos à organização de uma sociedade e de uma ideologia.

2) Artigo, verbete da enciclopédia, entrevista com especialista em determinado tema, tomadas de nota, resumos, relatórios, seminários e conferências.

3) Sintetizar as principais ideias do texto falado ou escrito.

GABARITO

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