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Universidade do Minho Instituto de Letras e Ciências Humanas Lin Yinan janeiro de 2017 Tradições Estudantis Universitárias: instrução militar versus praxe académica Lin Yinan Tradições Estudantis Universitárias: instrução militar versus praxe académica UMinho|2017

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Universidade do MinhoInstituto de Letras e Cincias Humanas

Lin Yinan

janeiro de 2017

Tradies Estudantis Universitrias: instruo militar versus praxe acadmica

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Universidade do MinhoInstituto de Letras e Cincias Humanas

Lin Yinan

janeiro de 2017

Tradies Estudantis Universitrias: instruo militar versus praxe acadmica

Trabalho efetuado sob a orientao doProfessor Doutor Joo Ribeiro Mendese daProfessora Doutora Sun Lam

Dissertao de Mestrado

Mestrado em Estudos Interculturais Portugus/Chins:

Traduo, Formao e Comunicao Empresarial

iii

Agradecimentos

A presente dissertao resultado de um trabalho individual, que no seria

possvel sem o contributo direto e indireto de algumas pessoas. Ser difcil agradecer

a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contriburam durante esse longo

caminho de erros e aprendizagens, seja na lngua chinesa, seja em outras reas. Cabe-

me, aqui, deixar uma palavra de agradecimento a todos aqueles que tornaram a

realizao da mesma possvel.

Primeiramente, a minha profunda e sincera gratido ao Professor Doutor Joo

Ribeiro Mendes e Professora Doutora Sun Lam pela orientao incansvel, pela

pacincia, dedicao, apoio, pelas sugestes e comentrios e, a um nvel pessoal, pelo

incentivo e amizade.

Ao Instituto de Letras e Cincias Humanas da Universidade do Minho, pela

oportunidade de formao acadmica no programa de Mestrado.

Um grande agradecimento Ruthia Portelinha pela sua amabilidade em

esclarecer os diversos equvocos ortogrficos e pelas suas sugestes na forma de

organizar e estruturar os assuntos, por vezes confusos, da dissertao.

A todos os docentes do mestrado em Estudos Interculturais Portugus/Chins:

Traduo, Formao e Comunicao Empresarial, pela pacincia e pelos

conhecimentos transmitidos.

Aos meus pais e a toda a minha famlia, que me concederam apoio

incondicional e pacincia doseados de esprito crtico, j que sem eles esta teria sido

uma tarefa bem mais difcil. Ao meu namorado, pelo amor e apoio incondicional,

tanto no meu percurso acadmico, como ao longo da vida.

Aos meus colegas de mestrado, pela sua amizade e pela ajuda, no s a nvel

acadmico mas tambm pessoal, bem como aos meus amigos, pelo interesse em

acompanhar a evoluo do meu trabalho e pelas palavras de incentivo.

iv

Resumo

Praxe acadmica, ou simplesmente Praxe, um conjunto de prticas que visa a

receo e integrao dos novos estudantes nas instituies de ensino superior

portuguesas em que ingressam. Iniciado no sc. XIV, mas popularizado sobretudo a

partir do sculo XVI na Universidade de Coimbra, foi sempre um fenmeno sujeito a

contestao. Talvez porque as prticas associadas Praxe por vezes resvalam no

exerccio de formas de humilhao e de agresso fsica e psicolgica aos novos

estudantes.

Na China existe uma atividade semelhante Praxe acadmica: a Instruo

militar. A Instruo militar tem uma histria muito antiga, podendo remontar a 1000

anos a.C.. Sendo uma atividade muito importante para os estudantes chineses, no

deixa de suscitar algumas dvidas e oposio social.

Apesar das semelhanas entre a Praxe acadmica e a Instruo militar, as duas

atividades registam tambm muitas diferenas. Baseando-se na anlise do seu

desenvolvimento histrico e do seu estado atual, o presente texto aponta as vantagens

de tais prticas de integrao acadmica e apresenta sugestes concretas para colmatar

as falhas existentes. A Praxe e a Instruo militar, no sentido da sua raiz histrica e da

sua influncia, j no somente um assunto acadmico, mas uma questo social que

merece ateno e preocupao. A presente dissertao procura descrever a cultura

universitria chinesa e portuguesa, partindo do princpio que os dois pases podem

aprender um com o outro, aprofundar o intercmbio cultural, integrando,

gradualmente, as duas culturas.

Palavras-chave: praxe acadmica; instruo militar; integrao; contestao

v

Abstract

The Portuguese word Praxe describes a set of students' traditions in

universities, or a set of initiation rituals which freshmen are subjected to in some

Portuguese universities. Its roots go as far back as the 14th

century, but it became most

known in the 16th

, in the University of Coimbra. Praxe is replicated by other higher

education institutions across the country. But in the course of several centuries of

development has always been controversial. Perhaps because practices associated

with Praxe sometimes slip in the exercise of humiliation and physical and

psychological aggression to new students.

In China there is also a similar activity: the Military training. Military training

has a long history, its roots go back to 1000 years BC. It's a very important activity for

Chinese students. Through thousands of years of development, it become gradually

mature, but also has raised some questions and social oposition. Praxe and Military

training, as traditional student's culture, show several similarities, but they also

present a lot of differences.

In this dissertation, we try to analyze the origins, development and present

situation of Praxe and Military training, and suggest some ways to improve the

understanding of the current paradigm. Through this dissertation, we tried to identify

positive aspects of this activities and give some suggestions for making them even

more benefical to sophomore`s academic integration, hoping the two countries can

learn from each other's experience, deepening the cultural exchanges between China

and Portugal and, gradually, bring these two cultures together.

Keywords: Praxe; military training; cultural integration; controversy

vi

:;;;

vii

ndice

INTRODUO ............................................................................................................ 1

Captulo I - Praxe Acadmica .................................................................................... 4

1. Caracterizao geral ................................................................................................. 5

1.1. Significado da expresso ................................................................................... 5

1.2. Dimenso ritual ................................................................................................. 6

1.3. Dimenso institucional ...................................................................................... 8

2. Breve histria .......................................................................................................... 9

2.1. Origens .............................................................................................................. 9

2.2. Evoluo ......................................................................................................... 11

3. Na atualidade ......................................................................................................... 15

3.1. Inglaterra e Estados Unidos da Amrica ......................................................... 15

3.2. Portugal ........................................................................................................... 16

3.2.1. O lado negro da Praxe: casos de violncia mediticos ............................ 17

3.2.2. Uma tendncia mais recente: casos em tribunal ...................................... 19

4. Opositores .............................................................................................................. 21

4.1. O fenmeno anti-praxe ................................................................................... 21

4.1.1. O MATA e o Antpodas ............................................................................ 22

4.1.2. Manifesto Anti-praxe ............................................................................... 23

4.2. Interveno da tutela ....................................................................................... 24

4.2.1. As cartas do Ministro do MCTES ............................................................ 24

4.2.2. O relatrio da Comisso de Educao e Cincia da AR .......................... 25

4.3. Comentrios no espao pblico ..................................................................... 25

5. Inquritos acerca da Praxe Acadmica .................................................................. 27

6. Balano .................................................................................................................. 28

Captulo II - Instruo Militar ................................................................................. 30

2.1. Definio ............................................................................................................. 31

2.1.1. O contedo da Instruo militar ................................................................... 33

2.2. Evoluo histrica .............................................................................................. 42

2.2.1. Origens ........................................................................................................ 42

viii

2.2.2. Desenvolvimento ........................................................................................ 43

2.2.3. Histria moderna .......................................................................................... 49

2.3. Estado Atual ........................................................................................................ 50

2.3.1. Instruo militar no ensino superior estrangeiro .......................................... 51

2.3.2. Atualidade na China ..................................................................................... 53

2.4. Reflexo sobre a Instruo militar ...................................................................... 55

2.4.1. Alguns problemas ........................................................................................ 55

2.4.2. Contestaes ................................................................................................ 57

2.4.3. Solucoes propostas ....................................................................................... 58

Captulo III Comparao entre a Praxe e a Instruo militar ............................. 60

3. 1. Praxe Acadmica ................................................................................................ 61

3.1.1. Inquritos s percees dos estudantes ........................................................ 61

3.2. Instruo Militar .................................................................................................. 71

3.2.1. Inquritos s percees dos estudantes ........................................................ 71

3.3. Semelhanas e diferenas entre a Praxe e a Instruo militar............................. 79

3.4. Choque Cultural .................................................................................................. 80

Concluso .................................................................................................................... 82

Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 85

Web links ..................................................................................................................... 89

Anexos ........................................................................................................................ 92

ix

ndice de Figuras

Figura 1 - Programa da Welcome Week .................................................................... 15

Figura 2 - Dobrar o cobertor em forma de "tofu" ...................................................... 32

Figura 3 - Estado de alerta ......................................................................................... 34

Figura 4 - Posio de descanso ................................................................................... 34

Figura 5 - vontade ................................................................................................... 35

Figura 6 - Alinhar o olhar esquerda ......................................................................... 35

Figura 7 - Contagem em voz alta ................................................................................ 36

Figura 8 - Marcha ....................................................................................................... 36

Figura 9 - Corrida ...................................................................................................... 37

Figura 10 - Marcha "larga" ........................................................................................ 37

Figura 11 - Continncia .............................................................................................. 38

Figura 12 - Agachamento ........................................................................................... 38

Figura 13 - Virar esquerda ....................................................................................... 39

Figura 14 - Marcha em andamento ............................................................................ 39

Figura 15 - Marcor ..................................................................................................... 40

Figura 16 - Instruendo a rastejar ................................................................................ 40

Figura 17 - Perfilar/alinhar em formatura (, zhn jn z) ............................... 41

Figura 18 - Dana de artes marciais ........................................................................... 44

Figura 19 - Exames imperiais .................................................................................... 45

x

ndice de Grficos

Grfico 1 - Amostra por gnero .................................................................................. 61

Grfico 2 - Nvel acadmico ...................................................................................... 62

Grfico 3 - Participao em atividades da praxe ........................................................ 62

Grfico 4 - Como encara, no geral, a praxe? .............................................................. 63

Grfico 5 - Considera que na praxe se cometem excessos? ........................................ 63

Grfico 6 - De que espcie so esses excessos? .......................................................... 64

Grfico 7 - Se tomou parte na praxe, como praxado/a ou como praxante, f-lo porque

se sentiu forado/a a isso? ........................................................................................... 64

Grfico 8 - Que tipo de coao sentiu? ....................................................................... 65

Grfico 9 - Que espcie de ameaa ao bem-estar psicolgico sentiu? ....................... 65

Grfico 10 - Quando ocorrem as atividades da praxe? .............................................. 66

Grfico 11 - No seu entender, qual seria o momento mais adequado para as atividades

da praxe? .................................................................................................................... 66

Grfico 12 - Qual seria a durao mais adequada para as atividades da praxe? ......... 67

Grfico 13 - Na sua opinio quem foi o principal responsvel pelos mesmos? ....... 67

Grfico 14 - Se tomou parte nas atividades da Praxe, que balano faz da sua

participao? ............................................................................................................... 68

Grfico 15 - Porque que tomar parte nas atividades da Praxe positivo? .............. 68

Grfico 16 - Porque que tomar parte nas atividades da Praxe negativo? ............. 69

INTRODUO

2

O ingresso no ensino superior um marco importante na vida de cada

indivduo, uma fase de transio que acarreta diversas alteraes no desenvolvimento.

Ou seja, o impacto da experincia universitria no se resume formao acadmica e

profissional, mas implica uma srie de transformaes psicolgicas e sociais nos

alunos, sendo o primeiro ano um perodo crtico para a adaptao nova realidade.

precisamente nesta fase que surgem algumas tradies que visam facilitar a sua

integrao, que se revestem de caractersticas distintas em Portugal e na China.

A presente dissertao tem como objetivo principal fazer um estudo

comparado acerca da praxe acadmica em Portugal e da instruo militar na China,

enquanto formas de receo e integrao dos alunos na vida universitria.

A instruo militar ocorre no primeiro semestre de cada curso sendo,

normalmente, obrigatria nas universidades chinesas. Cada instituio convida

militares profissionais para dar instruo militar aos novos alunos, que consiste

sobretudo em treino fsico, mas que fornece tambm algumas noes de primeiros

socorros e teoria de militar, ao mesmo tempo que incute sentido de ordem e esprito

de grupo.

Tendo lugar no contexto acadmico, esta prtica , em todo o caso, de natureza

militar. Assim sendo e para evitar confusoes usarei instruco militar para referir a

atividade militar propriamente dita e instruco militar universitria (IMU) para

designar a mesma atividade em contexto acadmico.

Na China a instruo militar tem uma longa histria, podendo remontar a 1000

anos a.C. Hoje, ela faz parte da cultura tradicional dos estudantes universitrios, sendo

muito importante na medida em que os ajuda a socializar, representando, por isso,

uma forma de integrao na vida acadmica. No entanto, a IMU suscita controvrsia

em alguma opinio pblica. Diversos crticos, em particular na blogosfera, vm

defendendo que o Governo chins tornou obrigatria a instruo militar em contexto

educativo com a inteno de doutrinar os estudantes e, desse modo, assegurar a

estabilidade poltica.

A praxe acadmica, semelhana da IMU, tambm procura promover a

receo e integrao dos caloiros no meio acadmico, por meio de diversas atividades.

Mais que um simples costume, a praxe engloba uma srie de prticas, exerccios,

brincadeiras e treinos que se estendem a quase todas as instituies do ensino superior

em Portugal. Com um desenvolvimento histrico de mais de sete sculos, a praxe

acadmica sobreviveu a inmeras mudanas sociais e experienciou transformaes da

3

sua prpria natureza.

No sculo em curso tem vindo a receber crescente ateno social e contestao

pois estas prticas conduziram, em alguns casos, morte, a ferimentos graves ou

irreversveis a caloiros, conduziram abertura de processos-crime e tm sido objeto

de forte polmica. Tm suscitado a preocupao da sociedade civil e levado mesmo

interveno das autoridades nos casos mais mediticos. As opinies dividem-se a esse

respeito. Em suma, a praxe permanece uma questo sensvel; a fim de restabelecer um

ambiente educativo estvel e preservar o prestgio das instituies de ensino, alguns

entendem que a praxe deve ser seriamente repensada.

Ao longo dos trs anos de permanncia em Portugal a estudar lngua

portuguesa - primeiro em Coimbra, depois em Braga - pude observar que a praxe

constitui uma atividade muito mobilizadora da populao estudantil nas universidades

portuguesas. Testemunhei muitas vezes caloiros a serem praxados e o assunto suscitou

a minha curiosidade intelectual. Na China, como referi, existe algo parecido com a

praxe acadmica: a "instruo militar universitria". No entanto, as atividades

realizadas na IMU e na praxe acadmica registam diferenas significativas. Na praxe,

os estudantes realizam atividades mais ou menos ldicas, ao passo que na IMU, que

consiste essencialmente em treino fsico como na tropa, essa componente ldica est

ausente. Pelo interesse e relevncia que estas duas tradies universitrias suscitam,

pretende-se identificar os aspetos que diferenciam e aproximam os fenmenos

portugus e chins.

Para isso, realizou-se uma pesquisa (sobretudo recolha e anlise de material

online) sobre a origem e o desenvolvimento de ambos os fenmenos, praxe e IMU,

colocando-os em contraste, referindo tambm os movimentos anti-praxe, assim como

os pontos de vista das autoridades chinesas e portuguesas e daqueles que tero

eventualmente sofrido com os seus efeitos. Todas as fontes de dados estatsticos

utilizados na dissertao so de natureza oficial. Num segundo momento, analisam-se

os inquritos sobre as percees dos estudantes sobre a praxe e a IMU, aplicados a

alunos portugueses e chineses.

4

CAPTULO I

Praxe Acadmica

5

O presente captulo encontra-se organizado em cinco seces. Na primeira

pretende-se fazer uma caracterizao geral da praxe acadmica. Num segundo

momento, faz-se uma breve reconstruo histrica da mesma, para depois (terceira

seco) retratar o seu estado atual. A quarta recolhe e analisa alguma contestao que

vem sendo feita praxe, na opinio pblica e, por fim, faz-se uma avaliao geral do

fenmeno.

1. Caracterizao geral

1.1. Significado da expresso

A expresso "praxe acadmica" (doravante designada apenas praxe) definida

no Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea da Academia das Cincias de

Lisboa como um "conjunto de costumes especiais e convenes, usados por

estudantes de algumas universidades, baseados na hierarquia acadmica"1

. Esta

definio conserva o sentido mais geral dado palavra no Dicionrio Houaiss da

Lngua Portuguesa, que descreve a praxe como "aquilo que habitualmente se faz,

costume, prtica, rotina"2 .

Praxe , pois, um substantivo feminino que indica o que costume, o que se

faz de maneira habitual, corriqueira. No mundo acadmico, representa um tipo de

ritual praticado, aplicado pelos veteranos (os estudantes mais velhos) aos caloiros (os

estudantes primeiranistas). A palavra praxe vem do grego prxis, que quer dizer

"ao" ou "prtica".

De acordo com Anbal Frias (2003)

Em Portugal, a palavra "Academia" refere-se aos estudantes (universitrios,

em primeiro lugar) eventualmente agrupados em torno de uma Associao

Acadmica e constituindo, a diferentes nveis segundo as pocas e os

locais, uma sociedade dotada de autonomia e centrada em sociabilidades e

culturas mais ou menos homogneas e partilhadas.3

1 Cfr. p. 2930. 2 Cfr. p. 2951. 3 Cfr. p. 83.

6

O mesmo autor assinala tambm que

A Praxe Acadmica refere-se igualmente, ou referia-se, a brincadeiras por

vezes violentas, a comportamentos ldicos e pardicos: troas, partidas,

piadas, de que do testemunho as Memrias dos antigos estudantes. Esta

restrio da Praxe deve incluir os registos subjectivo e representacional: o

do vivido e o das percepes - variveis, segundo os grupos e as pocas. 4

1.2. Dimenso ritual

Analisando a sua forma de execuo, podemos dizer que a praxe um tipo de

ritual. Ora, "ritual" definido no Dicionrio da Lngua Portuguesa de Joaquim Costa

e Antnio Melo como "referente aos ritos" ou a "cerimnias que se devem observar na

prestao de um culto; cerimonial; etiqueta; protocolo"5 e no Grande Dicionrio da

Lngua Portuguesa de Cndido de Figueiredo como "formas que se devem observar

na prtica das cerimnias de uma religio".6

O acadmico chins Peng Zhaorong, da Universidade de Xia Men, no seu

livro Teoria e Prtica da

Cerimnia de Antropologia, declara que, nos tempos antigos, os rituais estiveram

sempre intimamente ligados com a religio e, nesse sentido, as cerimnias religiosas

eram sinnimo de ritual. O autor recorda, por exemplo, que algumas tribos construam

espaos especiais onde se juntavam para fazer oraes num dia determinado, de modo

a pedir a bno do cu.

Mas os rituais tambm foram realizados por governantes. Quando um novo

governante subia ao trono, ou queria assinalar um momento importante, os rituais

solenes eram indispensveis para que fossem aceites por Deus. Mesmo nas

comunidades comuns os povos faziam cerimnias, como o sacrifcio de animais, para

que fossem abenoados.

Ritual, porm, tem um significado mais vasto na rea da Antropologia. Neste

domnio, considera-se os rituais como um conjunto de comportamentos sociais e

humanos. Um ritual pode ser executado em lugares regulares ou em situaes

4 Cfr. Idem, p. 82. 5 Cfr. p. 1440. 6 Cfr.p. 2233.

7

especficas. Pode ser executado por um nico indivduo, um grupo, ou por uma

comunidade inteira. Pode ocorrer perante pessoas ou em privado. No entanto, um

elemento indispensvel em toda a observao dos rituais a regra, ou seja, a

observao, sem exceo, de regras bem definidas.

Os rituais incluem os vrios ritos de adorao e sacramentos de religies

organizadas e cultos, mas tambm os ritos de passagem de certas sociedades. Ritos de

passagem so celebraes que marcam mudanas de estado de uma pessoa no seio da

sua comunidade, podendo ter um carter religioso ou no. Um conhecido antroplogo

francs do sculo passado, Charles-Arnold Van Gennep, grande estudioso dos ritos de

passagem, mostrou como eles so realizados de diversas formas. Veja-se, por exemplo,

a entrada da Wikipdia para este autor, onde se pode ler que nas sociedades primitivas

era obrigatrio que as pessoas passassem um momento especial da sua vida atravs de

uma cerimnia, conhecida como rito de iniciao ou de passagem. Esta cerimnia

desempenhava um papel importante, marcava uma mudana individual, momento em

que essa pessoa se tornava num indivduo independente ou oficialmente aceite como

membro da comunidade onde vivia. O conceito indica que os ritos de passagem

acompanham a vida inteira do ser humano. 7

O primeiro rito de passagem , obviamente, o nascimento, que implica a entrada

de um recm-nascido num mundo novo. Os seus antecessores apresentam-no aos

outros parentes, nomeiam-no com o apelido da famlia, o que implica que o recm-

nascido foi aceite por essa famlia e conhecido como sendo parte da linhagem

ancestral. Em muitas sociedades, um jovem rapaz ia abater o seu primeiro animal ou,

quando fazia 18 anos, o pai levava-o a uma prostituta para ser sexualmente iniciado.

Tanto o abatimento do animal como a iniciao sexual so ritos de passagem que

significam que o rapaz passa a ser considerado adulto.

Pode dizer-se que a praxe funciona tambm como um rito de passagem. O

acesso ao ensino superior marca um ponto de viragem na vida estudantil dos alunos.

O ensino superior universidades, institutos politcnicos, escolas superiores, etc.

oferece aos caloiros um ambiente acadmico bem diferente do do ensino secundrio.

Aps entrarem no ensino superior, os estudantes recebem uma educao mais liberal e

tm mais contatos com a sociedade. Os recm-chegados no tero apenas de estudar,

mas tambm de pesquisar e inovar, tero tambm mais responsabilidades do que antes.

7 Cfr. Arnold Van Gennep. (n.d.).

8

Mantendo a autonomia e o trabalho independente, os estudantes devero igualmente

aprender a colaborar uns com os outros e resolver problemas cooperando. Isso implica

que se transformem de alunos pr-universitrios em alunos universitrios. Esta

transformao no ser efetuada automaticamente, mas por intermdio de um

processo contrrio, gradual. A praxe contribui, de algum modo, para essa

"metamorfose". Atravs dela, o aluno recm-chegado ao ensino superior vai sendo

reconhecido pelos outros como "estudante universitrio" e no mais como "estudante

pr-universitrio".

Os promotores das praxes desafiam os caloiros a abraarem uma vida nova, uma

vez que uma grande percentagem dos mesmos deixou a sua residncia e a sua terra

natal, para se instalar numa cidade diferente onde se encontra a instituio de ensino

superior. Suportando o peso da bagagem, os caloiros devem responsabilizar-se por si,

isto , transformam-se para uma nova fase da vida. O sentido da praxe consiste,

basicamente, em contribuir para transformar um "adolescente" num "adulto", ou seja,

assenta num ritual inicitico de passagem entre um estado e outro, que marca a

pertena a um determinado "corpo social" os estudantes do ensino superior, neste

caso.

Todavia, pode criticar-se que no somente os rituais de praxe so muito diversos,

mas tambm que quem os pe em prtica no percebe o seu significado essencial,

limitando-se a mimetizar comportamentos que observou noutros.

1.3. Dimenso institucional

A praxe acadmica realiza-se atravs de diversas atividades nas quais se

envolvem vrias associaes e instituies: as Tunas, as diferentes equipas desportivas

que representam as instituies de ensino superior nas competies nacionais, as

Associaes Acadmicas de Estudantes, a Federao Acadmica, o Conselho de

Viriato, o Teatro da Academia, etc.

nela, a maior parte das vezes, que os novos alunos dos diferentes cursos se

conhecem, que travam conhecimento com os alunos mais velhos, gerando espaos de

convvio e partilha de experincias, to importantes para o amadurecimento e

9

complemento da formao curricular de cada um. Nesse sentido, pode dizer-se que a

praxe ou, melhor, as instituies e associaes que a veiculam, criam oportunidades

de satisfao da necessidade dos alunos se integrarem mais plenamente na vida

acadmica. Assim, no nosso entender, a praxe acadmica possui tambm uma

dimenso institucional, na medida em que atravs de uma srie de organizaes e

instituies ligadas ao movimento acadmico e social dos estudantes que deixa de ser

um conceito geral e abstrato e se concretiza em atividades e experincias diversas.

2. Breve histria

2.1. Origens

A praxe acadmica remonta ao sculo XIV, no ensino universitrio. De facto,

de acordo com a histria da Universidade de Coimbra8, ela surgiu naquela instituio,

uma das mais antigas da Europa, em 1308. Nessa altura, existiam alguns alunos que

no respeitaram as regras e as horas do estudo decretadas por D. Dinis, ao tempo Rei

de Portugal. Para os sancionar, foi constituda uma espcie de polcia universitria sob

a tutela das autoridades universitrias, denominada Archeiros, que possua uma

hierarquia prpria e uma jurisdio especial no campus universitrio. A sua funo era

zelar pela ordem no campus e fazer cumprir as horas de estudo e o recolher

obrigatrio de alunos e professores, sob pena de priso. Tambm tinha a incumbncia

de evitar a entrada na universidade dos habitantes da cidade que no fossem

estudantes ou professores. Criou-se, inclusivamente, uma priso acadmica para

encarcerar todos quantos no cumprissem as ordens do monarca. Nesta altura, bvio

que a praxe (de facto, ainda no se utilizava essa designaco) era uma agncia

responsvel por manter a ordem e a segurana na instituio e por assegurar o

funcionamento das aulas, que tinha como principal objetivo mostrar o prestgio da

casa real (a Universidade de Coimbra foi fundada por ordem de D. Dinis e as regras

escolares foram tambm decretadas por ele).

No difcil inferirmos os possveis motivos do surgimento da praxe e da sua

8 Estanque, Elsio Guerreiro do (2016) Praxe e tradies acadmicas/Elsio Estanque. Lisboa: Fundao Francisco

Manuel dos Santos, pp. 15-28.

10

localizao. Como "acessrio" do ensino superior, a praxe acadmica tem uma relao

ntima com o estabelecimento da Universidade de Coimbra, onde se originou.

A histria da Universidade remonta ao ano 1290. Muito brevemente, pode

dizer-se que foi criada pelo rei D. Dinis e depressa obteve a confirmao do Papa. O

rei, para alm de ser um amante da cultura, da arte e da literatura, foi ele prprio um

poeta notabilssimo e um dos maiores e mais fecundos trovadores do seu tempo.

Durante o seu reinado, Lisboa foi conhecida como um dos centros de cultura europeus.

Como consequncia, a primeira universidade foi fundada pela carta rgia Scientiae

thesaurus mirabilis em 1290 e inicialmente instalada na zona do atual Largo do

Carmo, em Lisboa. Relata o j referido Frias (2003) que:

A Universidade de Coimbra, ou mais precisamente o Studium Generale

(Estudo Geral), foi fundada no dia 1 de Marco de 1290, em Lisboa, pelo

rei D. Dinis. Ate 1911, na Primeira Republica, permanece a unica

Universidade, com excepco para a de Evora, cuja existncia decorre entre

1557 e 1759. Ser por diversas vezes transferida para Lisboa () 9

A se ensinava as disciplinas modernas. Foi transferida para Coimbra, para o

Pao Real da Alcova, em 1308, ano em que surgiu a praxe. Continuando com Frias

(2003):

() de 1308 a 1338 e de 1354 a 1377 tem a sua sede em Coimbra, onde

vem a ser definitivamente instalada em 1537 por vontade de D. Joo III,

que a sujeita a uma profunda reforma sob a influncia do Humanismo. E

constituida por quatro faculdades: Teologia, Canones, Leis e Medicina,

segundo a ordem hierrquica estabelecida. As alteracoes de envergadura

em materia de pedagogia e de arquitectura, introduzidas pelo Marqus de

Pombal nos Statuts de 1772, inspiram-se nas ideias racionalistas das

Luzes.10

Enfim, podemos imaginar que o rei criou a Universidade no s para

expresso da sua glria, mas tambm porque, atravs da investigao literria e

cultural, aprofundara o seu entendimento da importncia da educao.

Hoje em dia fala-se muito da disseminao da educao, da divulgao da

9 Cfr pp. 81-82. 10 Cfr. Idem, p 82.

11

cultura. Pois o sbio governante assumiu medidas, incluindo a criao desta

universidade, para promover a educao e desenvolver intelectuais sete sculos atrs.

Como primeiro (e por longo tempo nico) lugar de educao superior em Portugal, o

rei prestou-lhe bastante ateno e colaborou na administrao da Universidade. Assim,

naquele momento a Universidade estava sob o controle rgio e observava regras

rigorosas. Os j mencionados Archeiros foram criados para realizar a gesto da

Universidade com um poder jurdico prprio, muito diferente da guarda normalmente

entendida. Tendo o poder de avisar as pessoas que cometiam erros, os Archeiros

tambm tinham a jurisdio de os levar priso. Por outras palavras, os membros dos

Archeiros no eram somente supervisores, eram executores da lei. O privilgio dado

pela autoridade universitria iniciou e determinou uma especial posio e superior dos

Archeiros, nomeadamente a praxe no meio acadmico, cujo percurso descrito de

seguida.

2.2. Evoluo

Com o decorrer do tempo, esta polcia universitria foi abolida, mas parte dela

foi absorvida pela comunidade estudantil. Desta maneira, a tarefa dos Archeiros foi

herdada pelos estudantes mais velhos que se organizaram em trupes, responsveis

pelo patrulhar das ruas em busca de infratores. Uma vez que os apanhassem,

penalizavam-nos com uma rapadura (consiste em rapar o cabelo) ou sano de unhas.

Estas aes foram vrias vezes proibidas por causa de contestaes. Castel` Branco

(2000) resume a transformao deste modo

A histria da Praxe remonta ao sculo XIV, praticada na altura pelos

clrigos monsticos, mas o seu contexto mais conhecido aparece no sculo

XVI sob o nome de "Investidas". A Praxe, poca, era na realidade

bastante dura para com os caloiros, o que a levou a ser considerada de

"selvagem" pela opinio popular nos finais do sculo XIX. Felizmente, os

"actos selvagens" praticados na altura, e que no ser de bom tom nome-

los aqui, foram abolidos e a Praxe actual tem um contexto muito mais

abrangente. 11

11 Castel' Branco, Heitor (2000). "Praxe acadmica - uma tradio" in Millenium on-line n 20

http://www.ipv.pt/millenium/20_va13.htm.

12

No sculo XVI, as aes brutais no campus tornaram-se ainda mais notveis

com o surgimento das chamadas "Investidas", que abrange a tourada, a picaria, os

insultos, a caoada e o canelo, o que conduziu instabilidade da universidade.

No sculo XVIII deu-se uma viragem. L-se na breve histria da Praxe de

Coimbra, feita com base no livro de Alberto Sousa Lamy A Academia de Coimbra

1537-1990 e apresentada no blogue Tesoural Tertlia: A Irmandade das Sombras,

que os novatos eram recebidos em Coimbra "com touradas, insultos, picaria, patente

(outro nome para roubo, que hoje se continua a praticar) e troas"12

. No relatrio As

Praxes Acadmicas em Portugal, elaborado pela Comisso de Educao e Cincia da

Assembleia da Repblica em abril de 2008, recorda-se que, segundo o historiador

Tefilo Braga, "enquanto o estudante vivia em Coimbra, envolvido ou exposto s

violentas investidas, tinha de andar armado at aos dentes" (p. 4). Nesse mesmo

resumo histrico se assinala tambm que, quando morreu um estudante, D. Joo V foi

informado e logo anunciou proibir as investidas feitas pelos veteranos. Para alm

disso, diz-se que "[n]o incio do sc. XIX o termo Praxe ainda no existia. O termo

utilizado era a cacoada e era j bastante mais suave que a investida do sec. XVIII.

As cacoadas incluiam mais o insulto, a tourada ou a picaria."13

O ressurgimento das investidas no sculo XIX deu lugar a casos de violncia,

o que conduziu repugnncia e oposio social. Durante estas prticas, os caloiros

eram obrigados a cantar e danar e, entre outras novidades, surgiu o canelo (prtica

que consistia em estudantes mais velhos darem pontaps nas canelas dos novos alunos)

e a rapadura. Por fim, assinala-se ainda que na segunda metade do sculo XIX surgiu

a "troa", cujas diferenas em relao "caoada" eram muito poucas e que "consistia

em manter o caloiro no meio de uma roda, faz-lo cantar e danar, gozar com ele,

cortar-lhe o cabelo e outras brincadeiras mais ou menos inofensivas" e, um pouco

mais tarde, a "trupe", que saiu do mbito acadmico e ps fim s rondas da polcia

acadmica.14

Neste contexto, a palavra "praxe" surgiu pela primeira vez na forma escrita em

1863, encontrando-se novamente em 1872. Ela era associada ao adjetivo "selvtico" o

que mostra a opinio da populao em relao a tais prticas. A praxe foi considerada

12 http://irmandadedassombras.blogspot.pt/2008/04/breve-histria-da-praxe-de-coimbra.html. 13 Cfr. Ibidem. 14 Cfr. Ibidem.

13

uma ao "selvagem" at finais do sculo XIX.

Como relembra o socilogo Joo Mineiro autor, juntamente com o realizador

Bruno Moraes Cabral, do livro Desobedecer Praxe (Deriva, 2015) no artigo

"Praxe acadmica: uma histria longa e uma oportunidade nica" publicado no jornal

Pblico:

Estes rituais brbaros, chamados de "praxe" na segunda metade do sculo

XIX, haviam de suscitar enorme agitao nas universidades e na sociedade

ao longo de todo o sculo XX. A abolio do canelo em 1902 chamou a

ateno de republicanos e progressistas que, j depois da instaurao da

Repblica, aboliram tambm a praxe acadmica. A praxe voltar a ser

reposta em 1919 e nas dcadas seguintes h de ser recuperada como

smbolo da academia e do seu conservadorismo durante o Estado Novo.15

Aps algumas interrupes, entre as quais a mais notvel foi a de 1910 a 1919

devido oposio dos estudantes, a praxe sofreu uma evoluo no sculo XX, com a

publicao em Coimbra do I Cdigo da Praxe Acadmica (1957). Ficou a partir da

regulamentada e, pouco depois, o cdigo foi tambm aplicado no Porto pelos seus

estudantes. Vale a pena relembrar que, durante o sculo XX, Portugal esteve imerso

em problemas internos e externos, no contexto do Salazarismo e da Guerra Colonial.

Nesse perodo, a praxe esteve sempre proibida.

Por volta da dcada de 1980, a praxe foi comeando a ser reintroduzida no

meio acadmico. Exemplos disso foram a Faculdade de Belas-Artes e a Faculdade de

Arquitetura da Universidade do Porto. Tal ocorreu no mbito de um processo de

massificao do ensino superior e de abertura de novas universidades, nomeadamente

privadas. Recorrendo, de novo, s palavras de Joo Mineiro no suprarreferido artigo

no Pblico:

A praxe como a conhecemos regressa nos anos 80, na sequncia do fim do

luto acadmico em Coimbra e do resfriamento da atividade poltica nos

meios estudantis, acompanhando o projeto de reorganizao da

universidade portuguesa que comea com a abertura do sistema aos

privados e com as primeiras intenes de mercantilizao do ensino.

15 Mineiro, Joo (2016), "Praxe acadmica: uma histria longa e uma oportunidade nica", in Pblico 18/02/2016.

Artigo disponvel em https://www.publico.pt/2016/02/18/sociedade/noticia/praxe-academica-uma-historia-longa-e-

uma-oportunidade-unica-1723619

14

depois desta dcada que a praxe se expande ao conjunto do pas e a muitas

universidades onde nunca constituiu qualquer "tradio".16

A relativa desvalorizao social dos ttulos acadmicos e a necessidade de

legitimao de novas instituies foram dois fatores que bastante contriburam para o

ressurgimento deste fenmeno. A contradio entre organizadores da praxe acadmica

e poderes opostos culminou na dcada de 1990. Como assinala ainda o dito autor, "o

crescimento do movimento praxista desde os anos 90 teve como natural consequncia

a proliferao de inmeros casos de violncia".17

Como consequncia, surgiram

movimentos organizados por oponentes, movimentos anti-praxe, tais como o

Movimento Anti "Tradio Acadmica" (MATA) e o Antpodas. A implantao dos

movimentos anti-praxe ofereceu uma ocasio para as duas partes se juntarem e

encararem a contradio diretamente.

No sculo XXI, a situao tornou-se mais complicada. Em 2000, um filme,

cujo tema versa sobre o encerramento da Universidade de Coimbra, foi lanado e de

imediato criticado e contrariado pelo Conselho de Veteranos daquela academia. Em

2003, o MATA, o Antpodas e a Repblica das Marias do Loureiro, de Coimbra,

juntaram-se para elaborar um manifesto anti-praxe. Em 2008 e 2009, o Ministro da

Cincia, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, enviou uma carta a todas as

universidades e institutos politcnicos onde revelava e criticava as aes de violncia.

Em 2012, algumas reportagens acerca de abusos na praxe voltaram a ser expostas ao

pblico. A praxe acadmica continua, pois, a passar por transformaes, sendo

impossvel antever como ser no futuro.

16 Ibidem. 17 Ibidem

15

3. Na actualidade

3.1. Inglaterra e Estados Unidos da Amrica

Figura 1 - Programa da Welcome Week

Fontehttp://www.esnuv.es/news/welcome-week-summary-activities

A receo de novos alunos do ensino superior noutros pases apresenta vrias

formas. Apenas a ttulo de exemplo, os caloiros das universidades inglesas so

convidados a participar nas atividades da chamada Welcome Week, cujo objetivo

dar-lhes as boas-vindas e facilitar-lhes a integrao. Durante esse perodo, as escolas

ou as associaes de estudantes oferecem aos caloiros diversas atividades como sejam

o futebol americano, o basquetebol, o beisebol ou o montanhismo. Para alm disso, os

clubes escolares esto preparados para recrutar novos membros entre os recm-

chegados e criar um clima de camaradagem atravs de atividades culturais como

leitura de clssicos e poesia. Na Universidade de York h o costume dos caloiros

serem guiados, nos primeiros dias, por um professor responsvel para conhecerem a

cultura e histria da instituio, a chamada Ghost Walk.

Um outro exemplo o do ensino superior norte-americano. Para alm de se

organizar o Welcome Party entre diversas atividades sociais, os pais dos caloiros so

16

convidados a visitar a universidade juntamente com os filhos, para se familiarizarem

com a vida nos campi e melhorarem as relaes intergeracionais.

A Welcome Week, mais do que uma formalidade ou rotina, tem como objetivo

principal cultivar uma atitude positiva face vida acadmica.

3.2. Portugal

A praxe acadmica em Portugal assemelha-se Welcome Week na Inglaterra e

nos Estados Unidos: uma forma de receo dos novos alunos. Por intermdio das

atividades j descritas, a praxe acadmica visa a integrao e adaptao dos novos

alunos. Por outro lado, o processo de receo em Portugal apresenta uma

caracterstica especial: apresenta evidentes parecenas com um treino militar, uma vez

que os alunos que participam na praxe obedecem a instrues rigorosas e vozes de

comando emitidas por veteranos. Estes ltimos detm o privilgio de impor ordem,

sobretudo nesse perodo, algo que favorece abusos de poder.

J no ensino bsico se observam manifestaes precoces de praxe,

comummente por recurso utilizao de marcadores para riscar a cara ou os braos

dos caloiros ou produtos outros, como farinha e ovos. Elas persistem no secundrio

onde marcadores para praxar os caloiros, assim como ovos podres, farinha, azeite,

vinagre, etc. continuam a ser usados. As novidades a, contudo, so a confeo de

sprays (mal cheirosos, ou simplesmente asquerosos), para borrifar os caloiros. Em

algumas escolas secundrias, existe a tradio da "coroa", na qual um aluno mais

velho corta o cabelo dos caloiros no topo da cabea, assemelhando-se clssica

imagem dum monge.18

No ensino superior, a praxe na atualidade uma realidade complexa e sob o

escrutnio da opinio pblica, muito por causa de notcias surgidas nos meios de

comunicao relatando episdios de violncia, suspenses das suas atividades e

condenaes judiciais de praxistas e universidades onde estudam.

Em Portugal, as praxes violentas, como o clebre "canelo" coimbro (os mais

velhos davam pontaps nas canelas dos recm-chegados cidade dos estudantes),

podem ser rastreadas a partir do sculo XVII na Universidade de Coimbra. Relembra

18 Wikipdia. Praxe[J/OL]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe, 16-06-2016.

17

a esse propsito Andreia Sanches que "[n]o se fala, ento, de "praxe", antes de

"investida". E esta podia incluir "insultos", "troas" ou castigos, como obrigar o

jovem aluno a prestar servios aos mais velhos (limpando-lhes os sapatos, por

exemplo)".19

No decorrer do tempo, alguns elementos negativos foram mantidos na

execuo da prtica escolar, enquanto outros evoluram com a mudana social. A

praxe acadmica tem sido marcada por diferentes perodos, na sociedade portuguesa.

Hoje em dia, com o escrutnio dos meios de comunicao e superviso dos respetivos

estabelecimentos de ensino, a praxe tem vindo a receber crescente ateno pblica,

sendo encorajada a seguir um caminho justo, apesar de continuarem a registar-se

casos de violncia.

3.2.1. O lado negro da praxe: casos de violncia mediticos

Verificaram-se na ltima dcada e meia vrios casos de violncia durante as

praxes acadmicas que conduziram a ferimentos fsicos e psicolgicos. Um deles teve

lugar em 2001. Diogo Macedo, aluno da Universidade Lusada, era estudante do 4.o

ano de Arquitetura mas continuava na condio de caloiro na Tuna onde era alvo

frequente de praxes. Numa noite que se revelou fatdica, disse me que "ia resolver

uns problemas na Tuna". De facto, tinha decidido abandonar a Tuna. Era dia de ensaio

e os rituais da praxe foram mais violentos do que o habitual. O jovem acabou por ser

levado para o Hospital de Famalico, onde veio a falecer uma semana depois. O

relatrio da autpsia revelou que a causa da morte foi a "fractura da primeira vrtebra

cervical, arco posterior, com hematoma extenso no cerebelo direito". Na pea

publicada no Pblico a 25 de maio deste ano, a recordar essa tragdia ocorrida h 15

anos, l-se: "H factos evidentes, um tribunal concluiu que a morte se deveu a

agresses em praxe. Estavam l dez pessoas e ningum sabe o que aconteceu."20

Noutro artigo publicado dois dias antes, a propsito desse mesmo caso, o mesmo

peridico recorda que ainda no fora descoberto o responsvel pela morte de Diogo

19 SANCHES, A. (25/01/2014). "Praxe, polmica e violncia, uma histria com sculos" in Pblico. Disponvel em

https://www.publico.pt/sociedade/noticia/praxe-polemica-e-violencia-uma-historia-com-seculos-1621112.

20 DIAS, P. S. (25/05/2016). "Mataram Diogo numa praxe e o pacto de silncio ainda cala a verdade" in Pblico.

Disponvel em https://www.publico.pt/sociedade/noticia/mataram-diogo-em-praxe-e-pacto-de-silencio-ainda-cala-

a-verdade-em-tribunal-anos-depois-1733027.

18

Macedo:

Saiu de casa dizendo que iria resolver a sua vida na tuna e nunca mais

voltou. Apesar de estar no quarto ano, continuava caloiro na tuna.

Agresses durante a praxe ditaram-lhe o destino, concluiu um juiz num

processo cvel, concluso que em 2013 o Supremo Tribunal de Justia

confirmou. Mas os culpados diretos nunca foram julgados. Por falta de

provas, o processo-crime acabou arquivado. Trs anos de investigao

sucumbiram a um muro de silncio imposto na tuna.21

Outro caso idntico, em 2012, foi noticiado pelo mesmo jornal22

, desta vez

numa praxe no Instituto Politcnico de Beja (IPB). Uma jovem estudante ficou

inanimada depois de ter participado em atividades de praxe, tendo dado entrada no

servio de urgncia do Hospital Jos Joaquim Fernandes, em Beja. A vtima, segundo

os veteranos que a praxaram, no executou qualquer tipo de esforo fsico ou foi

sujeita a qualquer presso psicolgica. No decorrer da atividade, a jovem sentiu-se

mal quando "apenas estava a cantar com os restantes colegas". Porm, esse no parece

ter sido o primeiro acidente desse tipo. Alguns estudantes contaram ao Pblico que as

atividades fsicas na praxe da Escola Superior Agrria de Beja deixavam "os caloiros

em estado de grande exausto". Jornalistas do prprio jornal puderam assistir a uma

dessas praxes. Na mata municipal perto da ESTIG, um jovem foi obrigado a fazer

flexes com as pontas dos ps e as mos apoiadas em tijolos, rodeado de veteranos e

veteranas que o visavam com improprios ofensivos. Quando terminou o "exerccio",

estava completamente exausto e alagado em suor e com dificuldade em aguentar-se de

p.

Mas se os atos de violncia fsica so cruis, igualmente insuportveis podero

ser aqueles que provocam danos psicolgicos, eventualmente traumatizantes para o

resto da vida. Veja-se, a ttulo de exemplo, o Manual Bocageano: Cdigo de Praxe da

Escola Superior de Tecnologia de Setbal (que pertence ao Instituto Politcnico de

Setbal)23

, onde se ameaam os caloiros que recusem a praxe de no poderem usar o

traje ou sequer participarem no jantar de curso. Outro exemplo ter ocorrido em

21 Dias, P.S. (23/05/2016). "Me que perdeu filho nas praxes vai a tribunal e invoca direito revolta in Pblico.

Disponvel em https://www.publico.pt/sociedade/noticia/mae-julgada-por-nomear-assassinos-do-filho-defendese-com-direito-a-revolta-1732650. Notcia de 28 de setembro de 2012. 22 Dias, C. (2012). "Caloira acaba no hospital de Beja depois de praxe" in Pblico, 2012-09-28(2). 23 Escola Superior de Tecnologia de Setbal (2012). Manual Bocageano: Cdigo de Praxe.

19

novembro de 2003, com a "praxe sexual" ocorrida no Instituto Superior de Cincias

Policiais que, segundo noticiado, institua a obrigao dos caloiros lamberem chantilly

num pnis de borracha aplicado num manequim. Uma das vtimas declarou

imprensa: "estive duas noites sem dormir e nunca fui to humilhado".24

Mais recentemente, a 15 de dezembro de 2013, seis estudantes em trajes

acadmicos perderam a vida arrastados por uma onda na praia, tendo apenas

sobrevivido o Dux25

que os acompanhava. Para o juiz que analisou o caso, ficou claro

que os jovens "gostavam da praxe" e foram passar o fim-de-semana em Aiana de

Cima "porque quiseram". Sobre o caso, pde ler-se no Dirio de Notcias que: o "juiz

de instruo de Setbal decidiu arquivar o processo da morte dos seis jovens e no

leva o nico sobrevivente, Joo Gouveia, a julgamento", por no encontrar crime nas

seis mortes.26

3.2.2. Uma tendncia mais recente: casos em tribunal

Para alm da exposio opinio pblica, os casos de praxes que envolveram

atos de violncia fsica e psicolgica e, em particular, aqueles que tiveram desfechos

trgicos acabaram nos tribunais, onde se pediu a responsabilizao das instuies de

ensino superior em que tais fatalidades aconteceram.

Isso levou a que as instituies visadas tomassem medidas para o seu controlo,

nomeadamente suspendendo todas as atividades de praxe. O primeiro exemplo

ocorreu em maio de 2003, quando um grupo de estudantes do Instituto Piaget de

Macedo de Cavaleiros denunciou ter sido agredido durante um "tribunal de praxe". Os

estudantes agredidos chegaram a ameaar fazer queixa na polcia, mas acabaram por

no avanar. Perante a situao, o Presidente do Instituto suspendeu os 25 estudantes

que organizaram o dito "tribunal", durante 15 dias, e anunciou a suspenso das praxes

"por tempo indeterminado" ou pelo menos "at elaborao do cdigo de praxes com

base na Carta de Princpios".27

Outro episdio ocorreu no Porto, em outubro de 2006, quando uma estudante

24 Marques, R. (2003). "Polcias sujeitos a praxe sexual" in Correio da Manh, 2003/11/22(1). 25 Dux Veteranorum o expoente mximo da praxe acadmica, sendo o presidente do Conselho de Veteranos. 26

Dores, R. (04/03/2015). "Tribunal no encontra crime nas seis mortes do Meco" in Dirio de Notcias. Disponvel em www.dn.pt/portugal/interior/tribunal-nao-encontra-crime-nas-seis-mortes-do-meco--4434089.html. 27 Coelho, Eduardo Prado et al. (2003). Manifesto antipraxe. Portal de Educao.

20

apresentou queixa na Polcia de Segurana Pblica (PSP) por uma agresso feita por

um grupo de estudantes e uma ameaa de agresso por parte de dois outros,

recorrendo a uma colher de pau de grandes dimenses. Num caso similar

posteriormente ocorrido, a reitoria da Universidade de Aveiro acabou por interditar as

praxes no interior do campus, na tentativa de impedir mais excessos como os que que

obrigaram hospitalizao de uma aluna, lanando mesmo um ultimato: ou se

regulamentavam as praxes ou seriam simplesmente proibidas.28

As situaes mais graves evoluem normalmente para litgio judicial.

Contrariamente ao que se possa pensar, nem sempre acabam em tribunal casos como o

de novembro de 1999, da aluna da Escola Superior de Educao de Leiria que

declarou ter sido vtima de agresses fsicas e humilhaes durante as praxes.29

Com efeito, o primeiro julgamento em Portugal por violncias ocorridas na

praxe s aconteceu em maro de 2003, no Tribunal da Relao de vora, onde seis

jovens foram acusados (e condenados) de co-autoria de um crime de ofensas

integridade fsica qualificada na Escola Agrria de Santarm. Ana Francisco, a vtima,

foi barrada com excrementos de porco na face, pescoo, peito e cabelos, e obrigada a

fazer o pino sobre um bacio cheio de bosta durante uma atividade organizada por

veteranos, por ter atendido uma chamada telefnica da me. O julgamento terminou

com multas entre os 640 e 1600 euros (5.900 e 14.760 RMB) como pena.

(os factos) demonstram, de forma bvia, um motivo torpe ou ftil na

motivao da actuao dos arguidos, o qual, avaliado segundo concepes

ticas e morais da comunidade, deve ser considerado repulsivo, baixo,

gratuito, de modo que o facto surge como produto de um profundo

desprezo pelo valor da vida humana denunciam os magistrados.30

No caso apresentado, os acusados foram responsabilizados pela ao de

humilhao e condenados ao pagamento de multas. Mas vale notar que a Faculdade

(ou Escola) tambm foi considerada responsvel por ter ocultado s autoridades da

Universidade as ocorrncias no decurso da praxe acadmica, especialmente a

impunidade do verdadeiro ofensor.

O caso mais flagrante ser, por ventura, o de Diogo Macedo, apresentado atrs,

28 Assembleia da Repblica, Comisso de Educao e Cincia (2008). As Praxes Acadmicas em Portugal. 29 Idem. 30 Serdio, A. (2009). "Relao de vora condena praxes violentas" in Jornal de Notcias, 2009-08-04(1).

21

que morreu na sequncia de violncia exercida durante a praxe, sem se ter descoberto

o culpado. Nesse caso, a Universidade Lusada, de Vila Nova de Famalico, foi

condenada por omisso de ao. O tribunal de Famalico determinou o pagamento

famlia, por parte da Lusada, de uma indemnizao de 90 mil euros (830.430 RMB)

em 2009, tendo considerado, no essencial, que a instituio de ensino no fez tudo o

que podia no controlo das praxes violentas. A propsito deste julgamento, o

Movimento Anti-Tradio Acadmica afirmou que a deciso da justia revelara uma

"tendncia crescente de responsabilizao das faculdades."31

O caso do Diogo Macedo no foi o primeiro que obrigou uma faculdade a

defender-se em tribunal pela sua negligncia e conivncia com as violncias exercidas

durante a praxe. O precedente teve lugar em agosto de 2006, quando o Instituto Piaget

de Macedo de Cavaleiros foi condenado ao pagamento de 70 mil euros (645.890

RMB) pelos "danos morais e patrimoniais" decorrentes do caso que acontecera em

janeiro de 2003, quando Ana Sofia Damio denunciou publicamente as agresses de

que ter sido alvo durante as praxes do incio do ano letivo, em que foi obrigada a

despir-se e a vestir-se novamente, forada a simular orgasmos, a relatar pormenores

da sua vida sexual e a simular relaes sexuais com colegas.32

4. Opositores

4.1. O fenmeno anti-praxe

Na histria da praxe acadmica sempre se verificaram manifestaes contra a

sua existncia, o chamado "fenmeno anti-praxe". No se conhece bem a sua origem

exata mas a respetiva proibio emitida pelo Rei D. Joo no sculo XVIII, na

sequncia da morte de um estudante, pode muito bem ter sido o embrio da oposio

s atividades de praxe universitria. Sabe-se igualmente que, mais de um sculo

depois, em 1902, um grupo de anti-praxistas liderados por um Jos de Arruela

conseguiu acabar com o supra mencionado canelo coimbro. Atribui-se, alis, a

Tefilo Braga, que viria a ser Presidente da Repblica, a afirmao de que "enquanto

31 Sanches, A. (2009). "Condenao da Universidade Lusada leva MATA a pedir reflexo sobre praxes" in Pblico,

2009-09-27(2). 32 Assembleia da Repblica, Comisso de Educao e Cincia (2008). As Praxes Acadmicas em Portugal.

22

o estudante vivia em Coimbra, envolvido ou exposto s sangrentas investidas, tinha de

andar armado at aos dentes".33

No ano seguinte, em 1903, Ea de Queiroz e Ramalho Ortigo assinaram, em

conjunto com outros estudantes, um "manifesto anti-praxe". Mais perto do nosso

tempo, na dcada de 1990, o fenmeno recrudesceu com o surgimento do MATA e do

Antpodas, dois dos movimentos anti-praxes mais combativos. Para alm deles,

surgiram tambm em Coimbra e Aveiro brigadas anti-praxe e novos manifestos

contestando-a.

4.1.1. O MATA e o Antpodas

O Movimento Anti Tradio Acadmica (MATA) e o Antpodas iniciaram

uma contestao acerca de praxe acadmica pois, segundo palavras do primeiro:

a luta contra a praxe no para ns um fim, por si s. (...) gostvamos de

encontrar nas faculdades mais espaos de discusso sobre o que a se passa

e o que se passa no mundo, sobre aquilo que interessa s pessoas que nelas

vivem vrias horas dos seus dias. Em vez de organizar praxes, preferimos

organizar actividades em que todos se sintam iguais com as suas diferenas

e onde possamos criar objectos que reforcem o nosso desejo de mudar as

nossas formas de estudar, de nos divertir e de viver.34

O MATA, como os seus prprios promotores declararam, no "mata" coisa

nenhuma. O movimento representa o desejo de expresso daqueles que sofreram com

a praxe, atravs da interveno junto da opinio pblica. Tomando o caso da Ana

Sofia, apresentado anteriormente, no final deste caso, agressores e agredida foram

sancionados, por igual, com uma repreenso escrita. O MATA repudiou a repreenso

escrita aplicada pelo Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros aluna que se queixou

de ter sido violentada durante a praxe, afirmando que "a mensagem que [o Instituto]

passa a de que no s no vale a pena reclamar, como ainda se torna perigoso faz-

lo"35

.

33 https://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe_acad%C3%A9mica#Contesta.C3.A7.C3.A3o. 34 Apud Wikipdi a[J/OL]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe, 12-06-2016. 35 Pblico, 30 de Janeiro de 2013.

23

O Antpodas termo que na Europa designa tradicionalmente as regies

situadas do lado oposto da Terra ou, por generalizao, coisas contrrias tem por

objetivo a "realizao de uma recepo no hierrquica, baseada em relaes de

camaradagem de igual para igual e que encoraje a criatividade e o esprito crtico",

mantendo-se, por isso, em contestao praxe acadmica habitualmente praticada.36

Tanto o MATA como o Antpodas se dedicam contestao da ao violenta e

criao de uma nova forma de receo e integrao dos alunos. Os dois movimentos

desafiaram a prevalncia da praxe e e dividiram aqueles que foram ou se sentiram

vtimas da praxe e aqueloutros que com ela simpatizam.

Num certo sentido, o surgimento de movimentos anti-praxe pode ser um

progresso que desempenha um papel de "freio e contrapeso" praxe. Entretanto, a

formao de dois extremos no favorvel boa convivncia acadmica, sendo

necessrio descobrir um modo de reconciliar ambas as faes.

4.1.2. Manifesto Anti-praxe

Apesar de intervirem sobretudo atravs da produo de comentrios e

contestaes na esfera pblica, estes movimentos foram tambm promotores de

manifestos anti-praxe. Em 2003, o MATA (Lisboa), o Antpodas (Porto) e a Repblica

das Marias do Loureiro (Coimbra), juntaram-se para elaborar um manifesto anti-praxe

com o objetivo de promover a discusso social sobre a praxe acadmica em Coimbra,

lugar original dessa tradio. Vrias personalidades pblicas foram envolvidas na sua

elaborao, entre as quais o conhecido crtico literrio Eduardo Prado Coelho, que

afirmou que "qualquer tipo de praxe pressupe uma coao, hierarquizao e o medo

e ns contestamos isso".37

Um extrato desse manifesto, contra o cinzentismo da praxe, permitir perceber

o seu esprito e substncia:

Porque vemos na praxe uma prtica que atenta contra os mais elementares

direitos humanos, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a integridade

fsica e psicolgica e a livre expresso da individualidade, ao mesmo

tempo que exalta os valores mais reaccionrios da nossa sociedade. ()

36 Wikipdia [J/OL]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe, 12-06-2016. 37 Coelho, Eduardo Prado et. al (2003). Manifesto antipraxe. Portal de Educao.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe

24

Porque acreditamos que a tradio nunca poder ser um entrave mudana

e, muito menos, poder alguma vez legitimar um comportamento

inaceitvel em qualquer sociedade. () Defendemos que a recepco aos/s

novos alunos/as, sempre que se justifique a sua existncia, se deve basear

em relacoes de igualdade. () Exercemos desta forma o nosso direito

indignao. Como parte da sociedade civil pensamos que o que se passa no

interior das faculdades diz respeito a todos/as. Logo, jamais poderemos

fechar os olhos triste realidade das "tradies acadmicas". E juntamos a

nossa voz voz de todos e todas que lutam diariamente contra o

cinzentismo da praxe e se batem por uma faculdade crtica, aberta e

democrtica!38

4.2. Interveno da tutela

4.2.1. As cartas do Ministro do MCTES

A carta enviada pelo Ministro da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior,

Mariano Gago, a todas as universidades e institutos em 2008 foi uma importante

chamada de ateno sobre a importncia da questo. Afirmou o governante: "a

degradao fsica e psicolgica dos mais novos como rito de iniciao uma afronta

aos valores da prpria educao e razo de ser das instituies de ensino superior e

deve pois ser eficazmente combatida por todos"39

.

O mesmo alto dignitrio voltou, em 2009, a escrever cartas dirigidas s

academias, onde condenou veementemente "prticas de humilhao e de agresso

fsica e psicolgica de ndole manifestamente fascista e boal, indignas de uma

sociedade civilizada e inconcebveis em instituies de educao".40

38 http://www.esquerda.net/dossier/o-manifesto-anti-praxe-de-2003/31290. 39 Pblico, 2 de fevereiro de 2014. 40 Wikipdia[J/OL]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Praxe, 28-06-2016.

25

4.2.2. O relatrio da Comisso de Educao e Cincia

No mesmo ano em que o Ministro enviou a carta, a Comisso de Educao e

Cincia, organismo da Assembleia da Repblica portuguesa, elaborou e publicou o

relatrio As Praxes Acadmicas em Portugal (2008). O relatrio contm uma anlise e

reflexo completa e objetiva a respeito da praxe. Dividido em duas partes, que so

respetivamente o relatrio propriamente dito e os documentos anexados, introduz a

histria, a atualidade e a perspectiva da praxe com base em casos coligidos e avalia,

com uma viso estratgica e abrangente, os estudos e as investigaes feitos

anteriormente. Apoiado nalguns estudos, o relatrio tambm aponta para a falta de

uma ideia rigorosa sobre a realidade da praxe em Portugal, "as violncias na praxe so

uma realidade ainda desconhecida, desvendada apenas por alguns casos que tm

vindo a ser conhecidos atravs dos rgos de comunicao social".41

O documento

destaca, contudo, o papel integrador da praxe no ensino superior, e d conta da

existncia das violncias e humilhaes, para que " necessrio avanar com

propostas concretas que permitam melhor conhecer a realidade, criar mecanismos que

quebrem o isolamento e facilitar as denncias, bem como evitar que as prprias

instituies legitimem as prticas de violncia praxista".42

4.3. Comentrios no espao pblico

Poder tambm ser relevante tomar em considerao os comentrios e

opinies feitos sobre a praxe no espao pblico. Descrevem-se em seguida algumas

delas, por vezes contrrias, para aprofundar o seu entendimento.

Lus Coelho, lder da associao de estudantes da Faculdade de Cincias e

Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, garante que "os abusos so punidos no

cdigo de praxe"43

. Amrico Santos, veterano da Universidade do Porto, diz que "a

praxe um ritual de iniciao e convvio". Para Paulo Cabido, veterano de vora,

"rebolar no cho e fazer flexes uma forma de integrao".44

J Raquel Viana, 17

anos, aluna da Universidade de Coimbra, confessa gostar muito da praxe: "

41 Assembleia da Repblica, Comisso de Educao e Cincia (2008). As Praxes Acadmicas em Portugal. 42 Idem, ibidem. 43 Cunha, S. (2009). "Lusada condenada por morte" in Correio da Manh, 2009-09-26(3). 44 Idem.

26

maravilhoso. A praxe promove o esprito de integrao dos novos estudantes. Desta

forma conheci muito mais gente".45

Por seu turno, Daniel Matos, 18 anos, da

Universidade de Coimbra, declarou: "Nunca fui humilhado e estou a adorar as praxes.

No me arrependo nada de ter aderido s praxes, pois, em poucos dias, j conheo

quase toda a gente do curso. importante para adquirir o esprito da Universidade".46

Para os seus opositores, a praxe tem tido "uma linguagem mais moderada,

mesmo dos praxistas, mas os casos de exagero continuam a existir porque so

baseados num sistema em que h uma hierarquizao e no uma verdadeira

integrao".47

Um outro estudante declarou que "os Doutores podiam dar as boas

vindas aos caloiros sem terem que os humilhar (...) hoje em dia, no sabem praxar

devidamente, isto , com civismo, divertimento e sem humilhao".48

Talvez a opinio do constucionalista Jorge Miranda tenha pertinncia quando

considerou que:

a praxe em si, entendida como uma forma de integrao do aluno na escola,

no m (...) O problema quando acontecem, como tm acontecido nos

ltimos anos, casos em que as praxes se tornam violentas, contrrias

dignidade da vida humana, usam processos que so contrrios vontade

das pessoas, at sob formas pornogrficas absolutamente inadmissveis,

em que grupos de estudantes pem em causa direitos liberdades e garantias

de outros estudantes.49

O assunto "praxe" voltou recentemente a estar na ordem do dia. Desta vez, por

meio de uma carta aberta, dirigida a todas as instituies de Ensino Superior em

Portugal e assinada por 100 personalidades de vrios quadrantes da sociedade. Dizem

que h casos de "violncia fsica, psicolgica e simblica" e recomendam que as

universidades e politcnicos organizem outras atividades que "configurem uma

alternativa ldica e formativa s iniciativas promovidas pelos grupos e organizaes

de praxe".50

Os subscritores reconhecem que nenhum estudante formal ou

legalmente obrigado a frequentar as atividades de praxe, seja em que faculdade ou

escola superior for, no entanto, "a presso para aderir muitas vezes muito forte e em

45 Idem. 46 Idem. 47 Salvado, R. R. (2008). "Ensino superior: brincadeiras da praxe so voluntrias" in TVI 24, 2008-09-16(5). 48 Politcnico de Viseu (2000). Acerca da Praxe Acadmica. 49 Observatrio dos Direitos Humanos (2010). Praxes Acadmicas. 50 http://www.comumonline.com/?p=14675

27

si mesma uma violncia, e a ausncia de outros mecanismos integradores um

facto"51

. A carta, com o ttulo Integrao no Ensino Superior: a democracia faz-se de

alternativas, defende que "em democracia, deve haver sempre lugar escolha, mas s

possvel escolher se houver alternativas consistentes".52

5. Inquritos acerca da Praxe Acadmica

Em fevereiro de 2006, Artur Cristvo, docente da Universidade de Trs-os-

Montes e Alto Douro (UTAD), realizou um inqurito annimo sobre a praxe

acadmica a alunos de duas turmas do primeiro ano - cujo resultado o surpreendeu,

assim como Universidade - que denunciou uma realidade de comportamentos

violentos no decorrer da praxe. Entre as denncias incluiu-se o serem forados a

"simularem posies sexuais em pblico" ou a "fazer de escravos" dos doutores,

tratando da limpeza das suas habitaes. As "obrigaes" abrangiam at suportar

"certas brincadeiras indecentes", "morces [larvas de insectos] nas meias, nos cabelos

e no corpo", "comer alho, cebola e malagueta, rastejar na lama", etc. Cristvo

concluiu que "o sentimento da esmagadora maioria dos alunos que responderam de

que a praxe dura demasiado tempo, intensa, humilhante, degradante, cansativa,

geradora de problemas de sade e prejudicial para a organizao da vida pessoal e do

estudo"53

, acrescentando que o que preocupante aquilo que no se v. Chocado, o

investigador defende haver necessidade "debater com os alunos, informar os caloiros

sobre o que a vida universitria e ao mesmo tempo procurar que cada novo aluno

tenha um tutor".54

Estes resultados seguem na mesma linha de um inqurito realizado pelo

Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia (da Universidade de Coimbra),

em maio do mesmo ano, que mostrou que 72% dos estudantes considerava que "a

praxe deve ser facultativa e respeitar quem no quiser aderir", sendo que 68% dos

alunos inquiridos considera dever "repudiar[-se] qualquer forma de violncia fsica ou

51 Idem. 52 Idem. 53 Pereira, C. (2006). "Relatos de praxes surpreendem universidade transmontana" in Pblico, 2006-02(3). 54 Idem.

28

simblica". Alm disso, 52% considera que a praxe acadmica "deve ser revista, de

forma a receber melhor os novos alunos".55

Tambm ns aplicamos um inqurito sobre a praxe acadmica na

Universidade do Minho, a 50 estudantes. Embora se aborde esse assunto em detalhe

no terceiro captulo, antecipamos algumas concluses.

6. Balano

Apesar de contestada, a praxe continua a existir no meio acadmico portugus

e adivinha-se que nele subsistir no futuro, continuando a ter simpatizantes e inimigos,

defensores e detratores.

A praxe faz parte da tradio acadmica portuguesa e, em alguma medida, da

prpria cultura portuguesa. Como vimos, a praxe perdura h mais de setecentos anos.

Considerando o famoso dictum do mestre do Idealismo alemo Georg Friedrich Hegel

"Was vernnftig ist, das ist wirklich; und was wirklich ist, das ist vernnftig" ("o que

e racional e real e o que e real e racional"), ento a praxe academica no existir por

acidente ou acaso, mas decorrente de uma necessidade do desenvolvimento social e

cultural que corresponde atualidade. A praxe, como se procurou mostrar, tem hoje

uma funco de integraco dos caloiros, representando uma particularidade da vida

universitria e uma manifestaco do espirito academico. Tudo isso faz parte da cultura

portuguesa que, muitos reivindicam, deve ser respeitada.

Efetivamente, esse papel integrador que parece constituir a essncia da praxe

academica. Como dizem os estudantes, especialmente os veteranos, a praxe oferece

um espaco convivial para os recem-chegados se conhecerem e se adaptarem a uma

vida nova. Dizem tambem que sem praxe seria muito dificil ou ate impossivel

conhecerem os colegas assim como a universidade, no curto prazo.

No decorrer das suas atividades, os estudantes aprendem no somente as suas

regras como igualmente as da prpria universidade, entendendo a importancia dos

regulamentos, passo necessrio para que os alunos vo adquirindo maior maturidade.

Nesse sentido, a praxe pode ser entendida como um ensaio para melhor se prepararem

55 Assembleia da Repblica, Comisso de Educao e Cincia (2008). As Praxes Acadmicas em Portugal.

29

para as exigncias sociais futuras.

Operando como uma espcie de ritual de passagem, a praxe de hoje no e so

um conjunto de regras e costumes que tm em vista a preservaco de uma tradico.

Ela tambem, ou deve ser, um referencial moral para cada estudante que a ela adira.

Mergulhados num processo de transico e transformaco, os caloiros que deixaram as

suas casas enfrentam uma nova fase da vida. A praxe pode ajud-los na adaptaco a

essa metamorfose.

evidente que a praxe sempre se fez acompanhar de contestacoes sua

existncia. Os movimentos e os manifestos anti-praxe nunca desistiram das criticas,

muito menos dos protestos. Lutaram, no fundo, contra todas as tradicoes academicas,

tentando acabar com elas, proibi-las, bani-las. Isso talvez se tenha devido a alguma

incompreenso do que realmente a praxe academica. Por um lado, da parte de

alguns que a consideram um acontecimento onde todos os comportamentos, por mais

arbitrrios e irresponsveis que sejam, incluindo violncia, abusos e humilhacoes,

gozam de aceitao. Por outro lado, daqueles que militam nos movimentos anti-praxes,

que empolam alguns excessos para condenar a praxe no seu todo, permanecendo

incapazes de reconhecer, como sustentou Marco Pinto Barreiros, especialista em

psicologia social e das organizacoes, que este genero de comportamentos se revela

"no cumprimento de uma das necessidades mais bsicas do ser humano que e a de se

sentir parte de um grupo" e que, em muitas circunstancias, um caloiro participa na

praxe porque os outros o fazem. Sem menosprezo disso, todavia, o motivo essencial

que explica todas as contestacoes praxe e o de que os excessos que nela se cometem

desrespeitam direitos humanos fundamentais. O relatorio do Observatorio dos

Direitos Humanos, Praxes Acadmicas, publicado em 2010, sintetizou o problema do

seguinte modo:

Sem esquecer o direito livre expresso e garantia do respeito pela

dignidade da pessoa humana previsto no artigo 37 da Constituico da

Republica Portuguesa, todas as praxes em que haja, nomeadamente, gozo

ofensivo e vexatorio, abuso ou humilhaco, violam e poem em causa

direitos fundamentais, sendo passiveis de responsabilidade civil por danos

(p. 12).

30

Captulo II

Instruo Militar

31

Neste captulo descreve-se a instruo militar na China como uma prtica

tradicional, desde os tempos remotos e, em particular, no contexto acadmico.

2.1. Definio

A instruo militar foi implementada na China de acordo com os requisitos da

Lei de Defesa Nacional da Repblica Popular da China56

, da Lei da Educao da

Repblica Popular da China57

, da Lei do Servio Militar da Repblica Popular da

China58

, da Lei de Educao de defesa nacional da Repblica Popular da China59

e

do parecer do Comit Central do PCC sobre a Reforma da Educao60

. Com a IMU,

os alunos recebem uma formao de defesa nacional bsica. A educao ideolgica e

moral dos estudantes universitrios, numa idade fulcral do seu desenvolvimento

humano, deve insistir no patriotismo, no socialismo e no coletivismo, fazendo

esforos para desenvolver uma educao de qualidade voltada para a economia do

conhecimento, visando a construo de um novo tipo de pessoas. Estas pessoas detm

quatro qualidades ""61 (s yu rn ci), a saber, so motivadas, ticas, cvicas

e disciplinadas. A instruo militar contribui para os alunos adquirirem essas

qualidades, sendo tambm um meio eficaz de recrutar novos elementos para as foras

de defesa.

A instruo militar um sistema de formao nacional, facultado pelas foras

armadas, que visa a defesa do pas, que tem reflexos em diversas reas nacionais,

nomeadamente na educao. Normalmente, cada escola ou universidade organiza um

curso de instruo militar, que resulta muitas vezes em novos aspirantes carreira

militar. Segundo a Lei de Educao de Defesa Nacional da Repblica Popular da

China62

, cada estudante da escola primria, do ensino mdio e do ensino superior

deve receber instruo militar, ou seja, esta normalmente obrigatria. Cada

universidade ou escola convida militares profissionais para darem instruo aos novos

56 zhnghu rnmn gnghgu gufngf14.03.1997. 57 (zhnghu rnmn gnghgu jioyf) 18.03.1995. 58 (zhnghu rnmn gnghgu bngyf) 29.08.2012. 59 (zhnghu rnmn gnghgu gufng jioyf) 28.04.2001. 60 (zhnggng zhngyng guny jioy tzh gig d judng). 61 (s yu rn ci, 1980 5 26

). 62 (zhnghu rnmn gnghgu jioyf) 18.03.1995.

http://baike.baidu.com/view/1833.htm

32

alunos. Sob circunstncias normais, recebe-se esta instruo no incio de setembro ou

aps o feriado nacional de outubro63

. O principal treino para os estudantes da escola

primria e do ensino mdio consiste na aprendizagem do perfilar/alinhar em

formatura (, zhn jn z), excluindo assim um treino fsico muito intensivo. J

os estudantes universitrios, para alm de treinarem a formatura em peloto e

exerccios de combate, recebem ainda treino fsico, algumas noes de primeiros

socorros e de teoria de militar, exercitando tambm o esprito de equipa e a marcha

conjunta.

Na rea estritamente militar, a instruo, cuja obrigatoriedade est legalmente

instituda64

, serve para incutir e aperfeioar a capacidade do indivduo como soldado,

ao servio da defesa nacional. Cada recruta recebe cursos de primeiros socorros e de

teoria de militar, para alm do bvio treino fsico e da marcha, que pretendem incutir

um esprito de unidade. Um dos exerccios caracteristicamente chins consiste no

dobrar o cobertor da cama de forma perfeita (imagem abaixo), o que se designa como

(duf) por aluso forma do tofu.

Figura 2 - Dobrar o cobertor em forma de "tofu"

Fonte: http://beizidoufukuaitupian.1pyy.com/photo.html

63 O Dia Nacional da China (, Guqng jie), feriado nacional, assinala-se no 1 dia de outubro. Aps a fundao da Repblica Popular da China, a 21 de setembro de 1949, realizou-se uma cerimnia na praa de

Tianamen a 1 de outubro daquele ano, para celebrar a formao do Governo Central. Desde ento, foi declarado o

Dia Nacional. (fonte: Wikipedia, consultado a 24 de novembro de 2016). 64 Em Portugal, o servio militar baseia-se no voluntariado em tempo de paz. Contudo, o Estado pode proceder a

um recrutamento excecional, chamando os cidados a prestarem servio efetivo quando as circunstncias assim o

obrigam, nomeadamente em situaes de conflito armado (Lei do Servio Militar, Lei n 174/99, de 21 de

setembro).

33

Na sociedade chinesa, a instruo militar utilizada como uma forma de

ajudar os indivduos na aquisio de obedincia e disciplina, para alm de correo da

postura corporal e aptido para a ao, em situaes especficas. H empresas que

organizam treinos militares para os seus empregados recm-admitidos, com o objetivo

de adquirirem esprito de grupo e capacidade de comunicao com os colegas. Em

geral, esta prtica vista pelos chineses como um perodo temporrio destinado ao

exerccio fsico e instruo disciplinar, que pretende fortalecer os jovens, fsica e

psicologicamente, para responderem a desafios e dificuldades, servindo para melhorar

a qualidade global dos indivduos.

Estas atividades so organizadas pelas chamadas "bases de treino" (,

xnlin jd), que existem em todas as provncias do pas e esto abertas ao pblico

em geral. So bases com orientaes diversas, das mais informais - com atividades

como equitao, tiro ao alvo, escalada e jogos ldicos diversos - s mais militarizadas,

onde o treino fsico mais intensivo, onde existem circuitos de obstculos e outros

desafios maiores. Mas, em todas elas, se exercita o esprito de equipa e a orientao

para objetivos comuns.

2.1.1. O contedo da Instruo militar

No contexto acadmico, a instruo militar consiste sobretudo em treino

fsico e alinhamento em formatura, facultando ainda noes sobre primeiros socorros

e teoria militar. De uma maneira geral, comea-se por apresentar alguns tipos de

postura e movimentos usados em desfiles militares, sempre em conformidade com as

ordens dos superiores. Exemplifiquemos alguns desses movimentos:

34

1. Estado de alerta. Consiste em permanecer atento, em sentido (, l zhng).

Figura 3 - Estado em alerta

Fonte: http://blog.sina.com.cn/s/blog_603b323f0100eusv.html

2. Posio de descanso (, kul) .

Figura 4 - Posio de descanso

Fonte: http://blog.sina.com.cn/s/blog_603b323f0100eusv.html

3. vontade (, sho x). Apesar de ser uma posio mais "relaxada" deve, ainda

assim, obedecer a algumas regras, nomeadamente quanto ao posicionamento dos ps.

Na figura 5, pode observar-se um instrutor a corrigir a posio dos ps de alguns

alunos do ensino primrio65

.

65 Em chins, .

35

Figura 5 - vontade

Fonte: www.legaldaily.com.cn/police_and_frontier-defence/content/2015-08/24/content_6234895.htm?node=23291

4. Alinhar o olhar esquerda (, xing zu kn q), direita (,

xing yu kn q) ou em frente (, xing qin kn).

Figura 6 - Alinhar o olhar esquerda

Fonte: www.waheaven.com/Blog/Album/PhotoView.aspx?Number=185627&ID=49089

http://www.legaldaily.com.cn/police_and_frontier-defence/content/2015-08/24/content_6234895.htm?node=23291http://www.legaldaily.com.cn/police_and_frontier-defence/content/2015-08/24/content_6234895.htm?node=23291

36

5. Contagem crescente em voz alta (, bo sh), em linha e coluna, que permite

aos instrutores calcularem o tamanho do grupo com que esto a trabalhar.

Figura 7 - Contagem em voz alta

Fonte: http://www.1010jiajiao.com/xiti_id_683559

6. Marcha (, q b zu)

Figura 8 - Marcha

Fonte: http://s2.sinaimg.cn/mw690/001OG9LXgy6Mt1KHOCdb1&690

http://www.1010jiajiao.com/xiti_id_683559

37

7. Corrida (, po b zu)

Figura 9 - Corrida

Fonte: http://redriver.gxtc.edu.cn/Item/75441.aspx e http://sports.sohu.com/20111206/n328074731_26.shtml

8. Marcha "larga" (, zhng b zu). Trata-se de um movimento que no

muito comum entre outras foras militares e consiste num marchar mais "largo",

coordenado e formal, sobretudo quando se est perante alguma importante figura de

Estado. Este tambm o movimento usado pelos alunos, quando marcham em