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6º encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais
Belo Horizonte (MG), 25 a 28 de julho de 2017
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Painel: Novos temas e perspectivas em governança ambiental global - I
LIMITES DA TEORIA DE REGIMES INTERNACIONAIS E NOVOS ELEMENTOS PARA A
PESQUISA SOBRE MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
Thais Lemos Ribeiro
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Resumo
Na perspectiva liberal-institucionalista para o estudo sobre meio ambiente, a mudança global
do clima é tradicionalmente tratada por meio da análise de regimes internacionais,
abordagem que se projetou em meados da década de 1980, mesmo período em que a
questão climática entra na agenda central da ciência e na agenda política. Tendo como
marco o ano de 2005, podem ser observadas importantes alterações da questão global do
clima no cenário internacional, a mais significativa sendo a transição de issue-area para
tema central na agenda.
Este trabalho tem como objetivo discutir algumas das limitações da abordagem de regimes
internacionais diante da evolução da questão da mudança global do clima no sistema
internacional de hegemonias conservadoras e apontar novos elementos para a pesquisa
sobre a mudança global do clima. A metodologia a ser utilizada é o estudo exploratório com
levantamento e revisão bibliográfica de questões contextuais e teóricas.
O argumento do trabalho é de que estas alterações têm uma abrangência mais ampla do
que enfoque ambiental, o que inclui a especificidade da questão como bem público
controverso, a emergência de implicações de segurança e de aspectos econômicos
relacionados ao clima, a inclusão de arenas de negociação plurilaterais, acompanhando
mudanças de configuração do sistema internacional, que pode ser classificado como de
hegemonia conservadora e está baseado no conceito de potências climáticas.
Neste contexto, podem ser destacadas dentre as limitações da abordagem de regimes
internacionais a ênfase em instituições, normas e ideias, com menor relevância para
considerações de poder, e a orientação por temas específicos (issue-areas), diante da
necessidade de transcender os limites dos estudos ambientais tradicionais.
Palavras-chave: Mudança global do clima. Política internacional do clima. Regimes
internacionais. Governança global. Sistema internacional de hegemonia conservadora.
Key words: Global climate change. International politics for climate change. International
regimes. Global governance. International system of conservative hegemony.
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Introdução
O tema ambiental, dentro do qual a questão climática é inicialmente colocada, ganhou
proeminência no campo de estudo de Relações Internacionais a partir da década de 1970
(PATERSON, 1996), mesmo período em que a análise de regimes internacionais surgiu e
passou a ser aplicada nos campos da economia política internacional e na política ambiental
internacional (BREITMEIER et al, 2006), tendo predominado nos estudos sobre cooperação
até a década de 1990.
O interesse por regime internacionais teria sido resultado da insatisfação com as ideias
dominantes sobre ordem internacional, autoridade e organização, e a análise de regimes
teria tentado preencher uma lacuna gerada pelo foco de estudo em organizações formais ao
conferir destaque à influência de normas nos padrões de comportamento do Estado
(HAGGARD e SIMMONS, 1987).
Tomando como estudo de caso o regime internacional da mudança global do clima, a
hipótese trabalhada neste artigo é de que a análise de regimes não é suficiente para
explicar as dinâmicas próprias da mudança global do clima no sistema internacional. Para
tal, utiliza conceitos atuais como sistema internacional de hegemonia conservadora, de
Viola, Franchini e Ribeiro (2012) e governança policêntrica (OSTROM, 2009, JORDAN et al,
2015, e KEOHANE e VICTOR, 2016), que trazem novos elementos para a pesquisa sobre a
mudança global do clima que a análise de regimes não consegue explicar.
O objetivo do trabalho é discutir algumas limitações da abordagem de regimes
internacionais para a mudança global do clima e mostrar a importância de alguns
desenvolvimentos teóricos posteriores que levaram em conta limitações da teoria dos
regimes. O pressuposto é de que a humanidade está na era geológica intitulada
Antropoceno, na qual a mudança global do clima é um vetor civilizatório central (juntamente
com a globalização e o sistema internacional de hegemonia conservadora), pois tem
potencial para alterar o rumo da globalização e a estrutura de funcionamento do sistema
internacional (VIOLA, FRANCHINI e RIBEIRO, 2013).
A metodologia a ser utilizada é o estudo exploratório com levantamento e revisão
bibliográfica de questões contextuais e teóricas, buscando agregar a literatura tradicional de
regimes internacionais com novas abordagens para a questão da mudança global do clima e
sobre o sistema internacional.
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A análise de regimes internacionais
O termo regime internacional surgiu na década de 1970 e a análise de regimes
internacionais tomou corpo na década seguinte, sendo dominante até a década de 1990 na
reflexão sobre cooperação internacional (SMOUTS, 2004), marcada pela expansão de
questões de pesquisa e pelo aumento de esforços para se considerar diferentes níveis de
análise (BREITMEIER et al, 2006). A agenda de pesquisa demonstra uma transição de
interesses que começou com a ênfase original em formação dos regimes, passando por
seus atributos, seus efeitos (as consequências dos regimes) e sua dinâmica (os padrões de
mudança).
Em sua concepção, a análise de regimes estava inserida na corrente neoinstitucionalista ou
liberal-institucional, cujo pressuposto é de que os Estados são os principais atores e agem
de maneira racional (KEOHANE, 1984 e 1993). Por isso, os regimes não são elevados a
uma posição de autoridade sobre os Estados, mas são por eles estabelecidos para alcançar
seus propósitos.
A definição mais conhecida de regime internacional, e que será utilizada neste trabalho, é a
de Krasner (1982), segundo a qual regimes são um conjunto de princípios, normas, regras e
procedimentos de tomada de decisão (implícitos ou explícitos) ao redor dos quais as
expectativas dos atores convergem em uma determinada área temática. Esta definição
enfatiza a dimensão normativa, o que permite analisar o comportamento dos atores a partir
de expectativas atribuídas, de constrangimentos estruturais formais (legais e materiais) e de
constrangimentos normativos, que definem as preferências dos atores (HAGGARD e
SIMMONS, 1987 e ROCHA, 2002).
Há outras definições para regimes internacionais mais restritas, que consideram os regimes
como acordos multilaterais entre estados cujo objetivo é regular ações nacionais em uma
área temática específica (HAGGARD e SIMMONS, 1987) ou como sistemas de normas e
regras explicitadas por um acordo multilateral entre Estados relevantes para um assunto
específico ou um conjunto de questões inter-relacionadas (PORTER et al, 2000). Estas
definições restringem o foco de análise ao considerar apenas os Estados como atores
relevantes e desconsiderarem estruturas não formalizadas de convergência de normas,
regras, princípios, valores e procedimentos de tomada de decisão.
O início da pesquisa sobre regimes internacionais é marcado pela ênfase sobre a formação
dos regimes, considerando variáveis como poder, interesses, conhecimento e
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comportamento de atores estatais relevantes (BREITMEIER et al,2006). Outras ênfases de
pesquisa são os atributos dos regimes, suas consequências (o estado do tema – melhora ou
piora das condições, a aquiescência ao regime e a relação entre membros participantes), e
suas dinâmicas (mudanças endógenas e exógenas, e mudanças no regime ou mudanças do
caráter do regime).
De maneira breve, o objetivo do regime internacional da mudança global do clima é alcançar
a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que
impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático (artigo 2º da Convenção
Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima – CQNUMC). Os princípios do regime
são: equidade, responsabilidades comuns porém diferenciadas, o princípio da precaução e o
desenvolvimento sustentável (art. 3º da CQNUMC).
Limitações da abordagem de regimes internacionais
A primeira limitação sugerida à análise de regimes é sua imprecisão terminológica
(STRANGE, 1982). Um exemplo é a própria definição de regimes internacionais: ao mesmo
tempo em que aponta para a dificuldade de se evidenciar a convergência de normas e
regras não formalizadas em acordos explícitos (PORTER et al, 2000) a partir das definições
mais amplas, as definições mais restritas a acordos formais negligenciam atores relevantes
fora os Estados e práticas não formalizadas em instituições ou arranjos multilaterais.
A ênfase nas funções desempenhadas pelas instituições internacionais, característica da
abordagem institucionalista, coloca a análise de regimes em risco de parecer ingênua a
respeito de considerações de poder e conflito (KEOHANE, 1984), o que pode ser apontado
como uma segunda limitação. Esta preocupação se torna ainda mais relevante com a
alteração da divisão de poder relativo no sistema internacional, em especial para a questão
da mudança global do clima.
Essa imprecisão terminológica dificulta a determinação dos efeitos dos regimes
internacionais e suas consequências, o que constitui uma terceira limitação apontada para a
análise de regimes. No caso do regime internacional da mudança do clima, as evidências
empíricas demonstraram que o regime não funcionou de acordo com a formulação de seu
problema, ou seja, não criou incentivos suficientes para a mudança significativa do
comportamento dos estados–parte e influenciar seus cálculos de vantagem (com exceção
parcial de Reino Unido, Alemanha, França, Holanda e países Nórdicos).
Isso não quer dizer que não houve incentivos, mas também não significa que o regime
internacional foi a única causa de alteração de comportamento. Fatores exógenos, como
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desenvolvimento tecnológico e a própria mudança da divisão de poder relativo no sistema
internacional, devem ser considerados vetores relevantes de análise.
E, por último, a orientação de análise por temas específicos, ou issue areas, cria fronteiras
artificiais entre atores, ideias e soluções, não permitindo a compreensão da mudança global
do clima como um dos principais vetores civilizacionais no Antropoceno, pois a enquadra
apenas como questão ambiental e desconsidera suas implicações econômicas, políticas, de
segurança e o próprio desenvolvimento científico em torno do tema.
Há evidências que demonstram a baixa efetividade da CQNUMC, o surgimento de outros
atores relevantes além dos Estados, como organizações da sociedade civil, entidades
subnacionais e empresas transnacionais, além de dinâmicas paralelas que contribuem para
o próprio objetivo estabelecido da CQNUMC. A primeira evidência é o crescimento das
emissões de gases de efeito estufa durante as duas décadas posteriores ao principal marco
institucional do regime – a CQNUMC de 1992, com um leve declínio entre outubro de 2008 e
setembro de 2009 devido à crise financeira, mas com retomada do crescimento de emissões
a partir de 2010 (Gráfico 1).
Gráfico 1: total mundial de emissões de gases de efeito estufa entre 1992 e 2012, com LUCF e sem LUCF
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1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total mundial de emissões de GEE 1992 - 2012 com LUCF e sem LUCF
Total GHG Emissions Excluding Land-Use Change and Forestry
(MtCO2e)
Total GHG Emissions Including Land-Use Change and Forestry
(MtCO₂e )
Fonte: CAIT Climate Data Explorer 2015, elaboração própria.
A segunda evidência é a mudança da distribuição de poder relativo entre os atores quando
se considera o total de GEE. Ao comparar dados de 1992 a 2012 para os países que são
parte do Anexo 1 da CQNUMC e os que não são parte do Anexo 1, observa-se tendência de
crescimento de emissões extremadamente acentuado para os não parte do Anexo 1,
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inclusive com pouca influência da crise financeira de 2008 e decréscimo nos países anexo
1(taxa média de crescimento de 3,2% para os países não parte do Anexo 1 contra taxa
média de crescimento de -0,27% para os países parte do Anexo 1) (Gráfico 2).
Gráfico 2: total de emissões de gases de efeito estufa incluindo LUCF entre 1992 e 2012 para países parte do Anexo 1 da CQNUMC e países não Anexo 1 da CQNUMC
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1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Total GHG Emissions Including Land-Use Change and Forestry (MtCO₂e )
UNFCCC Annex I
UNFCCC Non-Annex I
Fonte: CAIT Climate Data Explorer 2015, elaboração própria. Gráfico 3: total de emissões de gases de efeito estufa incluindo LUCF entre 1992 e 2012 para países do G7, do G20 e do G77+China
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Total GHG Emissions Including Land-Use Change and Forestry (MtCO₂e )
G7
G20
G-77 and China
Fonte: CAIT Climate Data Explorer 2015, elaboração própria.
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A comparação entre G7 e G77 + China1 torna essa mudança de distribuição de poder
relativo ainda mais clara. G7 e G77 + China partem de um patamar de emissões próximo em
1992 (10.143,95 MtCO2e para G7 e 13.832,64 MtCO2e para G77+China), com tendência de
estabilização e forte impacto da crise financeira de 2008 para o G7, enquanto G77+China
apresenta tendência constante de crescimento (média de 3,5%)2. Ao final do período, o nível
de emissões do G77+China é quase três vezes superior ao G7 (Gráfico 3).
No caso do G203, não é possível fazer uma comparação sem considerar sua composição,
pois agrega tanto países desenvolvidos quanto os principais emergentes. O comportamento
das emissões demonstra essa heterogeneidade, pois apresenta influência da crise
financeira de 2008 e uma taxa de crescimento média de 1,73%, cerca de metade da taxa do
G77+China.
Uma terceira evidência é o surgimento de outras arenas de ação fora a CQNUMC, com
melhores resultados do que o regime multilateral. Exemplos são engajamento subnacional
(e.g. atuação de cidades e autoridades locais como o C40 Cities Climate Leadership Group4
e o World Mayors Council on Climate Change5), o Major Economies Forum on Energy and
Climate Change6, e o aumento de acordos paralelos às negociações nas Nações Unidas,
como o acordo assinado entre EUA e China em novembro de 2014, que mesmo não tendo
metas ambiciosas o suficiente por parte da China ou condições de implementação total
1 O G7 foi estabelecido na década de 1970 por França, Alemanha Ocidental, EUA, Japão, Reino
Unido e Itália, com adesão em seguida do Canadá. Na década de 1990 o grupo convidou a Rússia para adesão, transformando-o em G8, mas em 2014 a Rússia foi suspensa após a anexação da Crimeia. O G77+China foi estabelecido em 1964 por 77 países em desenvolvimento signatários da Declaração Conjunta de Setenta e Sete Países em Desenvolvimento. Atualmente o grupo conta com 134 países.Ver https://www.cfr.org/backgrounder/group-seven-g7 e http://www.g77.org/doc/. Acesso em 24 de junho de 2017. 2 Cálculo realizado a partir de dados da CAIT Climate Data Explorer 2015, utilizando a fórmula de taxa
média de crescimento , em que n é o período de tempo, aqui utilizado em
anos. 3 O G20 foi criado em 1999 e reúne as 20 principais economias do planeta. É composto por África do
Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia e União Europeia (representada pela presidência rotativa do Conselho da União Europeia e pelo Banco Central Europeu). 4 O C40 é composto por 90 cidades que representam 25% do PIB mundial. http://www.c40.org/cities Acesso em
15/06/2017. 5 Ver http://www.worldmayorscouncil.org/. Acesso em 15 de junho de 2017.
6 O MEF conta com participação de 17 países - Australia, Brasil, Canada, China, União Europeia, França,
Alemanha, India, Indonesia, Italia, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, África do Sul, Inglaterra e Estados
Unidos. Ver https://2009-2017.state.gov/e/oes/climate/mem/index.htm. Acesso em 15 de junho de 2017.
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pelos EUA dado seu contexto interno naquele momento, teve forte influência no acordo de
Paris em 20157.
Uma quarta evidência é a alteração dinâmica das contribuições nacionalmente
determinadas pretendidas (INDCs, de Intended Nationally Determined Contributions),
estabelecida na preparação para a COP 21 em Paris, cujo objetivo é especificar medidas
nacionais e preferências dos Estados-parte, mas não são legalmente vinculantes. Existe o
risco, no entanto, que as INDCs contenham falsas promessas e informações politicamente
motivadas (KEOHANE e VICTOR, 2016).
Na história da CQNMUC, as INDCs marcam uma transição de agência dos países do Anexo
1 (União Europeia, Japão, Rússia e Canadá) para a grande maioria dos Estados-parte,
trazendo incertezas quanto aos resultados esperados. Esta poderia ser considerada uma
mudança no regime internacional, referente a procedimentos de tomada de decisão. A
mudança de poder relativo no sistema internacional, no entanto, foi de grande magnitude – a
chamada “ascensão do resto” por Zakaria (2008). Dado o insucesso do regime até o
momento na mitigação da mudança global do clima, pode-se dizer que as mudanças do
regime internacional ao longo do tempo não foram suficientes para remodela-lo garantir
seus resultados pretendidos.
No próprio texto da COP 21 é observado com preocupação que os níveis estimados
agregados de emissão de gases de efeito estufa em 2025 e 2030 resultantes das
contribuições nacionalmente determinadas pretendidas não se enquadram nos cenários
abaixo dos 2 graus Celsius, mas levam a um nível projetado de 55 gigatoneladas em 2030
(Parágrafo 17 da Adoção do Acordo de Paris), o que poderia resultar em um aquecimento
de 2,7ºC até 2100 caso todas as INDCs sejam totalmente implementadas (VIOLA e BASSO,
2016).
Novos elementos para a pesquisa sobre a mudança global do clima
Apesar das limitações destacadas para a análise de regimes internacionais da compreensão
da mudança global do clima, essa abordagem teórica obteve sucesso em colocar e
permanecer com o tema na agenda internacional, com consequente aumento de
consciência sobre seus impactos e a necessidade de ação, apesar dos poucos resultados
em relação ao seu objetivo de alcançar a estabilização das concentrações de gases de
efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no
sistema climático.
7 The US-China climate deal is a big deal, but read the fine print
http://america.aljazeera.com/articles/2014/11/12/obama-climate-analysis.html. Acesso em 15/06/2017.
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Assim, propõe-se novos elementos na pesquisa sobre a mudança global do clima, de
maneira a complementar essas lacunas. Dentre eles estão alterações no sistema
internacional, a proposta de um novo arcabouço conceitual, que considera questões de
poder por meio da proposta de compreensão do sistema internacional como de hegemonia
conservadora e o conceito de potências climáticas, e o conceito de governança policêntrica,
que atribui maior peso a outros atores e arenas de negociação, alguns com resultados mais
significativos do que aqueles alcançados no âmbito da CQNUMC.
Alterações no sistema internacional
A mudança de poder relativo no sistema internacional já foi brevemente trabalhada na seção
anterior em relação específica a emissões de GEE. Outras variáveis podem ser trabalhadas
para uma melhor compreensão desta mudança, como emissões per capita, intensidade de
carbono na economia (medida por quantidade de emissões de GEE a cada unidade de PIB),
e intensidade de carbono em energia.
Cabe acrescentar a ascensão da China e as consequentes mudanças na ordem
internacional, provocando reflexões sobre a continuidade da ordem liberal tal como
desenhada no pós-II Guerra Mundial, o papel dos Estados Unidos como hegemon, o
surgimento de estruturas paralelas às tradicionais instituições internacionais e o
fortalecimento de atores não estatais (MAZARR, 2016; FEIGENBAUM, 2016; NIBLETT,
2016; NYE JR., 2016).
Potências climáticas e sistema internacional de hegemonias conservadoras
Ao considerar o impacto da crise climática juntamente aos demais vetores civilizatórios
atuais – globalização e democracia – Viola, Franchini e Ribeiro (2013) propõem uma
alteração nas noções clássicas de dinâmica civilizatória, democracia e sistema internacional
e um novo arcabouço conceitual para abordar a mudança do clima em Relações
Internacionais.
No caso da dinâmica civilizatória, considera-se que a humanidade está no Antropoceno,
reconhecido como uma nova era geológica na qual as atividades humanas são a principal
força transformadora do planeta e alteram seus sistemas naturais. Não há consenso sobre
qual seria o início desta nova era geológica: alguns apontam para a segunda metade do
século XX, com o início da grande aceleração e a transformação dos sistemas naturais em
padrões diferentes da estabilidade do Holoceno; Crutzen, do Programa Internacional de
Geosfera-Biosfera e quem propôs o termo, indica o início do Antropoceno no fim do século
XVIII, com a revolução industrial (STEFFEN et al, 2015; VIOLA e BASSO, 2016).
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Em relação à democracia, Viola, Franchini e Ribeiro (2013) propõem a inclusão do
compromisso climático junto aos demais critérios clássicos de democracia para avaliar o
progresso humano, ou seja, não se pode classificar uma democracia como de alta qualidade
sem se considerar a questão da mudança global do clima como um dos principais vetores
civilizatórios.
Em relação ao sistema internacional, o novo arcabouço conceitual para abordar a mudança
do clima em Relações Internacionais inclui o conceito de potência climática, utilizado para
esclarecer o papel relevante de determinados atores na governança global do clima. Está
baseado no nível de agência na construção da governança do sistema internacional a partir
da disposição de uma série de recursos de poder materiais e imateriais divididos em quatro
categorias: (i) poder econômico; (ii) poder político; (iii) poder militar; (iv) poder climático.
O poder climático é considerado fundamental porque avalia o impacto de um determinado
ator sobre a lógica sistêmica a partir de três medidas: (i) participação nas emissões globais;
(ii) posse de recursos humanos e tecnológicos para a descarbonização da economia global,
e (iii) comportamento energético, a partir da compreensão da matriz energética e os custos
para descarbonização. Essa proposta supera a divisão de países desenvolvidos e em
desenvolvimento proposta na CQNUMC, que não responde mais à realidade do sistema
internacional, e propõe uma análise mais complexa, levando em consideração noções de
renda, população, capital tecnológico e social para a descarbonização, intensidade de
carbono na economia, volume total de emissão, regime político e poder militar.
A partir do conceito de potência climática e de governança global, chega-se ao diagnóstico
do sistema internacional como de hegemonias conservadoras, baseado na ideia de que a
atual estrutura da governança global não é capaz de apresentar solução para o principal
desafio da atualidade – a mudança global do clima. Os critérios utilizados para caracterizar o
sistema internacional são: o nível de compromisso com a governança global como
conservador ou reformista; o compromisso climático, definido como o comprometimento com
a construção de mecanismos coletivos para governança climática e econômica. No caso da
governança econômica, a necessidade de governança remete-se à crise financeira de 2008,
momento de disrupção de mercados que se configurou em um desafio de interdependência.
Ao considerar as consequências da ruptura climática global sobre a economia global,
também deve remeter ao desafio da transição de uma matriz econômica intensiva em
carbono para uma economia low carbon.
Assim, o sistema internacional pode ser apresentado como de hegemonia conservadora
porque países conservadores ou conservadores moderados prevalecem no sistema, apesar
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da existência de forças reformistas operando no sistema internacional, (VIOLA, FRANCHINI
e RIBEIRO, 2012).
Governança policêntrica
Governança policêntrica é um conceito desenvolvido a partir da análise de problemas de
ação coletiva em áreas urbanas. Inclui vários níveis de análise (internacional, regional,
nacional e local), iniciativas bottom-up, diversos atores, como empresas, governos locais e a
sociedade civil, e não possui orientação por issue area, mas atuação em diversas frentes
(JORDAN et al, 2015, OSTROM, 2009).
A agenda de pesquisa migra de um regime único, monocêntrico, para um “complexo de
regimes” múltiplo e interligado, de escala global, para a governança policêntrica – diversa,
em vários níveis e com maior ênfase em iniciativas bottom-up (JORDAN et AL, 2015,
KEOHANE e VICTOR, 2016).
Essa abordagem é útil para a questão climática por destacar a relevância de diversos níveis
para políticas relacionadas a bens comuns, como a atmosfera, e por considerar a baixa
probabilidade de um acordo global robusto para a mitigação da mudança global do clima.
Assim, a governança policêntrica incentiva a criação de esforços em múltiplos níveis, não
apenas no nível global, com criação de arranjos em diversas escalas e que congregam
diversos atores, conectados por meio de redes de informação e monitoramento (OSTROM,
2009, KEOHANE e VICTOR, 2016). Também incentiva a ligação entre diversas questões,
considerando as iniciativas para comércio, energia, segurança, saúde, dentre outros temas,
e seus efeitos para a questão do clima.
Na governança policêntrica podem ser destacadas três vertentes de pesquisa (JORDAN et
AL, 2015): (i) a distribuição – quais formas de governança estão emergindo, em que setores
e países; (ii) início, origem e invenção – por que novas formas de governança estão
surgindo e por quais meios elas estão se difundindo ou se ampliando; (iii) desempenho –
quais são as contribuições e se elas estão preenchendo vazios ou reproduzindo o que já
existe.
Na primeira vertente de pesquisa, a categoria analítica para o nível nacional é a política
(policy), seja ela legalmente vinculante ou não, adotada por atores nacionais, subnacionais
ou por formuladores de políticas públicas, explicitamente sobre mudança do clima ou
relacionada a outras áreas (finanças, transporte, moradia, energia, florestas etc.) Estas
diferenças são reveladoras de motivações de estados, variações entre soluções adotadas
por países com metas similares de redução de emissões e de expectativas nacionais.
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Desafios desta vertente são: o estabelecimento de uma definição para políticas climáticas e
de formas de acompanhamento sua implementação e eventuais inovações; e estabelecer
relação de causalidade para explicar as diferenças observadas nos dados levantados. Uma
tentativa de desenvolvimento nesta vertente é o Global Climate Legislation Study da London
School of Economics e Grantham Research Institute on Climate Change and the
Environment, que acompanha atualmente 850 leis nacionais e políticas de cerca de 100
países relacionadas a mitigação da mudança global do clima e adaptação (GRANTHAM
RESEARCH INSTITUTE ON CLIMATE CHANGE AND THE ENVIRONMENT, 2016).
A origem da segunda vertente de pesquisa - início, origem e invenção - está relacionada
com as lacunas de pesquisa a respeito do surgimento da governança policêntrica, a
especificidade da mudança global do clima como um problema de longo prazo, com cadeias
causais que conectam intervenções políticas específicas e impactos intrincados. Dentre as
categorias de motivação levantadas estão: motivações financeiras e não financeiras;
preocupação moral; procura por recompensas financeiras e de benefícios “não climáticos”,
como ganho de reputação; obtenção de vantagens competitivas.
Nesta vertente, os níveis nacional e subnacional enfrentam o dilema do longo prazo da
mudança global do clima versus o curto prazo de mandatos, situação que apresenta baixos
incentivos para ações na escala necessária apresentado pela ciência para a mitigação da
mudança do clima. Apesar deste dilema, o número de políticas nacionais relacionadas à
mudança global do clima aumentou de 54 em 1997 para 426 em 2009 (COP 15) e 854 em
2016 (GRANTHAM RESEARCH INSTITUTE ON CLIMATE CHANGE AND THE
ENVIRONMENT, 2016). Resta averiguar se são políticas que corroboram a governança
policêntrica, com formas mais complexas de implementação e interrelação, ou apenas
ações de nível simbólico ou direcionadas a captação de recursos.
O desempenho da governança policêntrica, a terceira vertente, é tecnicamente complexa e
politicamente sensível. Atualmente, as medidas de desempenho estão baseadas em
relatórios apresentados à CQNUMC pelos estados-parte, e as análises destas informações
possuem ênfase em indicadores que demonstram resultados por país, sem conseguir
destacar qual política ou medida teve o maior impacto no resultado obtido ou atores
subnacionais relevantes no processo.
Algumas pesquisas procuram correlações entre características nacionais (renda, instituições
democráticas, perfil energético, etc.) e variáveis internacionais (acordos internacionais,
difusão de políticas, comportamento reformista ou conservador), mas esta é uma atividade
complexa que necessita de grande quantidade de dados e um horizonte temporal longo.
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No nível transnacional, a medida de desempenho é ainda mais complexa, devido à
diversidade de abordagens possíveis (redução de emissões de GEE ou resultados de
processos indiretos como compartilhamento de conhecimento e aumento de consciência
sobre a mudança global do clima). Na ausência de uma medida de desempenho, torna-se
mais difícil verificar os efeitos cumulativos da governança policêntrica e de suas
contribuições ao longo do tempo.
Conclusão
Apesar de sua relevância para a colocação e a manutenção da mudança global do clima na
agenda internacional, a análise de regimes apresenta diversas limitações para compreender
a questão em um contexto em que o clima é colocado como vetor civilizatório central,
juntamente com a democracia e a globalização.
Dentre as limitações descritas estão: a imprecisão terminológica; a dificuldade de
determinação de efeitos e consequências; a centralidade do Estado e em instituições
internacionais, com pouca consideração para outros atores e arenas relevantes, e a
orientação de análise por temas específicos. Foram apresentadas diversas evidências para
essas limitações, como o crescimento de emissões de GEE nas duas décadas seguintes à
assinatura da CQNUMC, a mudança de distribuição de poder relativo, o surgimento de
outras arenas de ações e atores em outros níveis, como o subnacional, e a compreensão da
questão como sistêmica, e não pontual.
Para superar essas lacunas, foram sugeridos outros elementos para pesquisa para melhor
compreensão sobre a mudança global do clima, como a mudança no sistema internacional e
de distribuição de poder relativo, o novo arcabouço teórico sugerido por Viola, Franchini e
Ribeiro (2012 e 2013), que utiliza os conceitos de potência climática e sistema internacional
de hegemonia conservadora, e o conceito de governança policêntrica, que traz diversos
novos elementos para pesquisa como quais formas de governança estão emergindo, por
que novas formas de governança estão surgindo e por quais meios elas estão se difundindo
ou se ampliando e quais são as contribuições e se elas estão preenchendo vazios ou
reproduzindo o que já existe.
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