hegemonia as avessas0001

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  • 8/2/2019 Hegemonia as Avessas0001

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    Mocdas e moedeiros (e urn pintor na contramao) 149Luiz Renato Martins

    1\ ronda da forma na arguitetura da era financeira 161Pedro Fiori Arantes

    ......Cidades para poucos ou para todos? Impasses da democratizacaodas cidades no Brasil e os riscos de urn "urbanismo asavessas" 18 5

    joao Sette Whitaker Ferreira"""Verde, amarelo, azul e branco: 0 fetiche de uma mercadoria

    ou seu segredo 21 5Cibele Rizek

    4. AMERICA LATINA E AFRICA DO SUL NA ENCRUZILHADAA teoria da conjuntura e a crise conternporanea 237

    Carlos Eduardo MartinsConstruindo a hegemonia na America Latina: democracia e livremercado, associacoes empresariais e sistema financeiro 25 5

    Ary Cesar MinellaQue tipo de lideranca e Chavez? .. 287

    Gilberto MaringoniA desorientacao do "Estado desenvolvimentista" na Africa do SuI.... 299

    Patrick BondDo apartheid ao neoliberalismo .......,............................................... 319

    Jose Luis Cabaco

    o SOCIALISMO APOS 0DESMANCHE... Rcencontrando 0 comunismo da ernancipacao 339

    Alvaro Bianchil'oltricn como praxis: hegemonia asavessas,urn exerdcio te6rico ..... 35 1

    Wolfgallg LeoMaar( ) I lV -sso do nvesso : 369

    l'run 'Is '0de OliveiraI I I U l I I , IY ( / ; ( / . , : 37 7S t J i n ' l / O J' a t u o r o s 39 5

    APRESENTA~Ao

    "I) . ' if 'ra-me ou te devoro!", ameacava a Esfinge osviajantes arnedron-Illdll/l, :IIHc5 de recitar 0 mais famoso enigma da hist6ria. Na verdade, a!llW'lllllnia "Iulista" representa nossa incontornavel esfinge barbuda. Este111'II11i1'Igina-see uma "provocacao gramsciana" feita por Chico de Olivei-h i Illi 111'1igo "Hegemonia as avessas"1 - que serviu de ponto de partida paraII~1'll il ldrio hornonimo organizado pelo Centro de Estudos dos Direitos daI Idlulli ll ia da Universidade de Sao Paulo (Cenedic)", do qual resultou esteIII'" ,no intuito de esbocar uma possivel solucao para 0 enigma. Trata-seII ! IIIIIH. .ndimento de grande monta : perscrutar os fundamentos econo-11111111, pol Iticos e culturais dessa forma s u i g e ne r is de dorninacao social que, "III 'I Ii 'wuno pais , alcancando, em urn mundo capi ta lis ta marcado pelaI 1 ~I' 'Vollomica , pela guerra, pelo colapso ambienta l e pela carencia de'_llIlpllls politicos emuladores, ineditos presdgio e adrniracao internacio-1111, "I~o homern", respondeu Edipo. "Ele e 0 cara!", exclamou Obama,Uillililidn. Eo que diria Chico?

    1 1 11 1 S ~ 'I I n rtigo, Chico nos alertava de inicio para os efeitos poliricamen-II lI'p,I"ssivosda hegemonia lulista: ao absorver "transformisticamente"3 as

    IllIlIlHt'O de Oliveira, "Hegemonia as avessas", neste livro.' 1 1 '1 1 1 1 1 l 11 ' in internacional "Hegemonia asavessas:economia, politica e cultura na eradll t lt 'I 'vkl~ofinanceira' (USP, 21 a 24 de ourubro de 2008) . Esse evento nao ter iaIIIllilit' .ldo sern 0 apo io da Pro-Rci to ria de Extensao e Cul tu ra e do Programa de1 '1 ~ (:I'ildu:H;:aoem Sociologia da USP; do Conselho Nacional de Desenvolvimento( '1i' "dl1t ;o cTecnologico (CNPq); e de Neia Almeida, secretaria do Cenedic.1,/111,,,1illIlcnce, Gramsci chamou de "rransformismo" 0 processo de absorcaopelasI I .I H H H dorninantes de elementos ativos ou grupos inteiros, tanto dos grupos aliados1 1 1 1 1 1 1 1 do .ndversarios,

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    I I t lt 'l ' .monia as avessas( ( ) r c , : a s sociais antagonicas no aparato de Estado, desmobilizando as classessubalternas e os movimentos sociais, 0 governo Lula teria esvaziado todo 0onteudo critico presente na longa "era da invencao" dos anos 1970--1980, tornando a polit ica partidaria praticamente irrelevante para a .trans-formacao social. A medida dessa desmobilizacao poderia ser apreendida.pelo escasso interesse depositado pelos eleitores no pleito presidencial de2006. 0 efeito social regressive consis ti ria exatamente nisto: sob Lula , apolit ica afastou-se dos embates hegemonicos travados pelas classes sociaisantagonicas, refugiando-se na sonolenta e desinteressante rotina dos gabi-netes, ainda que frequentados habitualmente por escandalos de corrupcao.~ \ l - A part ir da i, Chico adiantou sua conjectura : no momento em que a "di-

    . 1 . ~ ~ ~ ~ recao intelecrual e moral" da SOCi,edadebrasileira parecia deslocar-se n,ov .i, ('I ~~" sent ido das classes subalternas, tendo no comando do aparato de Estado~ \ ' : 1 t V a burocracia sindical oriunda do "novo sindical ismo", a ordem burguesa",\ mostrava-se mais robusta do que nunca. A esse curio s o fenorneno em que

    parte "dos de baixo" dirige 0 Estado por interrnedio do programa "dos decima" Chico chamou "hegemonia as avessas". Urn para le lo in teressantepoderia ser encontrado na experiencia historica da superacao do apartheid.Oaf uma sessao do serninar io ter sido dedicada a Africa do Sui. "Ok, nostemos 0 Estado, mas onde esta 0 pcder?", costumava provocar 0 sociologoPatrick Bond durante 0 periodo em que trabalhou como conselheiro nogabinete de Nelson Mandela, nos primeiros anos de governo do Congres-so Nacional Mricano (CNA). A procura de urn poder fugidio, a v itoria doCNA sobre 0 apartheid congelou 0mito do poder popular apoiado peloadvento de novas classes medias negras, enquanto legitimava as relacoes deexploracao caracteristicas do capitalismo mais desavergonhado". Os rno-cambicanos que 0 digam ...

    Eis a tal "hegemonia as avessas": vitorias polit icas, intelectuais e morais"dos de baixo" fortalecem dialeticamente as relacoes sociais de exploracao' 1 1 1 beneficio "dos de cima". No Brasil , decadas de luta cont ra a desigual-dade e por urna sociedade al ternat iva a capital is ta desaguaram na incori-

    1'1 sc:\vd vitoria luli sta de 2002. Quase que imediatamente, 0 governoLula racionalizou, unificou e ampliou 0 programa de distribuicao de rendaonh cldo como Balsa Famil ia , t ransformando a lu ta social cont ra a mise-

    Vel"Patrick Bond, Elite transition: ftom apartheid to neoliberalism in South Aftica(Londres, Pluto Press, 2000).

    Apresentacao 9I1II f' II desigualdade em um problema de gestao das polfticas publicas. Chi-I"III dl~,que Lula instrumentalizou a pobreza ao transforma-la em umatl'li',~I:IO administrativa . 0 programa Balsa Familia garant iu a rnacica ade-_Ill) dos setores mais depauperados das classes subalternas brasile iras ao1 ' 11 ) ) ' LO do governo. Jogando no campo de seu adversario ele itoral , i sto e ,III) ' ampo da instrurnentalizacao da pobreza e da gestao burocra tica dos1Illlilicos sociais, 0 governo Lula soube derrotar 0 Partido da Social Demo-111It;iaBrasileira (PSOB), mas ao prec,:oda despolitizacao generalizada dasIIII:IS sociais.}i tendo refletido a respeito do "transforrnismo" da burocracia sindicallulista em seu influente ensaio "O'ornitorrinco'", nao foi dificil para Chico

    perceber 0 "sequestro" dos movimentos sociais pelo "Estado integral" brasi~[ r- ir o - os fundos de pensao das estatais ai incluidos. Ao praticamente desa-p:lrecerem da pauta politica reivindicativa nacional, com excecao dos valen-I,', acampados do MST, os movimentos sociais, tendo 0 outrora poderosomovimento sindical "cutista' na vanguarda (do atraso), salgaram 0 terrenopara uma oposicao de esquerda autentica ao governo, quase anulando 0 an-I::gonista historico e encurralando os contlitos sociais no plano cinzento dapolitica dos gabinetes6

    A "hegemonia asavessas" nao estaria preparando igualmerite uma nacaos cm qua lque r so ji s ti caa iopo l i ti ca, como diria Weber sobre Bismarck, total-mente subsumida a hegemonia da pequena poli tica, como bern nos [ern-brou Carlos Nelson Coutinho? Afinal, se, como diz Chico, parece queatualmente os dominados dominam, os sindicalistas se transformaram emapitalistas, os petistas controlam 0 parlamento, a economia esta definit 'i-vamente bl indada contra a cri se mundia l, trata-se , antes de mais nada, deLImconjunto de aparencias "necessarias", pois, para 0 marxisrno critico, a

    Francisco de Oliveira, Critica it razdo dualistal 0 ornitorrinco (Sao Paulo, Boitempo,2003).Nao nos esqueyamos do "legado de Bismarck", analisado por Weber em urn de seusdois "Coloquios de Lauenstein", intitulado "Parlamentarismo e governo numa Ale-manha reconstruida". Segundo 0 grande soci6logo de Heidelberg, Bismarck teriadeixado arras de si uma nacao sem qualquer vontade politica propria, acostumada aideia de que 0 grande estadista ao Ierne tomaria as decis6es politicas necess.irias. VerMax Weber, "Parlarnentarismo e governo numa Alemanha reconstruida: lima con-tribuicao a critica polit ica do funcionalismo e da polit ica parrid. ir ia" (Sao Paulo,Abril, 1980, Os Pensadores), p. 1-85.

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    0 11 ' 1 :1 'monia a s avessasI ltP aJ.'f!J1c.laao e simplesmente a face espuria da essencia, seu "outre" fictfcio-l1ganoso - existe sempre uma intima relacao dialetica entre aparencia essencia, Os capitulos que formam este livro buscam, cada um a seu modo,ont ribui r para a cornpreensao dessa re lacao.De minha parte, confesso que continuo me sentindo bastante atraido

    pela hip6tese da "revolucao passiva a brasileira", que, juntamente com A l-varo Bianchi, esbocamos quando da primeira eleicao de Lula/. Naquelaocasiao, avancamos duas conjecturas:

    1) 0governo Lula nao ser ia simplesmente mais urn exemplo "neoliberal", it laFernando Col lor ou FHC; exatamente porque, no intui to de const itui r cer tasmargens de consen timento popular, de deveria responder a determinadas de-mandas represadas dos movimentos socia is . Empregamos entao a nocao - urntanto quanto frouxa, admitarnos - de "social-I iberalisrno" para tentar dar contada enfase nas pol iricas de dist ribu icao de renda, a inda que plasmadas pela r e-producao da ortodoxia rentista.2) 0vinculo organico "transformista" da alta burocracia sindical com os fundosde pensao poderia nao ser suf ic iente para gerar uma "nova classe" , como disseChico, mas seguramente pavimentaria 0 caminho sem volta do "novo sindica-lismo" na direcao do regime de acumulacao financeiro globalizado. Apostava-mos que essavia liquidaria cornpletamente qualquer possibilidade de retomadada defesa dos interesses historicos das classes subalternas brasileiras", Chama-mos esse processo de "financeirizacao da burocracia sindical".Sei que Carlos Nelson Coutinho, nosso principal interlocutor ao longo

    dessa desafiadora odisseia gramsciana, e cetico em relacao a hip6tese da"revolucao passiva a brasileira"como criterio interpretative do atual mo-mento hegernonico. Ele prefere falar em "hegemonia da pequena politica'para destacar a natureza do lulismo: uma forma de hegemonia mais afinadacom as caracteristicas principais do neoliberalismo, po is apoiada naquiloque Gramsci chamou de "consentimento passive", isto e , a aceitacao natu-raliz ada de um e~istente tido e havido como inelutave l. Nao colocaria repa-ros nessa opiniao de Carlos Nelson, pois me parece que, de fato, a hegemo-nia lulista apoi a-se, sim, em boa parte , nesse tipo de consentimento passivo.

    P a ra r n ai s deralhes, verAlvaro Bianchi e Ruy Braga,"Brazil: the Lula government andfinancial globalization", Soc ia l Force s , Chapel Hill, v.83, n. 4, 2005, P: 1745-62.Grams i encendia que 0 "rransformisrno" destruia a forca politica das classes subal-ternas decapicando suas liderancas, desarticulando os grupos anragonistas e sernean-do desordem no terreno adversario,

    Apresentacao 11III I I I I, I'Vlll' !;is d o afamado comunista sa rdo ace rca de Giovanni Gio-

    !1Ii1 ,I V II 1'1 P I ,r : lcamente bem para descrever Lula" .II iii I I llp rrrllho, entretanto, do ceticismo de Carlos Nelson quanto a

    IiI1 ' 1 1 1 I~d I "I ' - v o l u c a o passiva a brasileira", pois intuo que a hegemonia1 1 1 1 1 II 1III I'I~" se U[lO ompletamente, em grande medida, as premissasI I 1 1 1 1 IIIIIHI II' 'sp' ico t an to da "conservacao", i sto e , a reacao "dos de cima"1" IIIIIIH V N I1 10 inorganico das massas, quanto a "inovacao", ou seja, aI II ' " 1 1 11 1 1 11 1 , lid, par t das exigencias "dos de baixo". Trata- se natur almenteI III I I ill i1!~! Irnulrifacetada e tensa ("inovac;:ao/ conservacao", "revolu-1 1 1 1 1 1 ~ltlill 1 1 , ' 0 " ) que catalisa um re formismo "pelo alto", conservador, e1 1 1 1 1 1 1 1 ! ' I II ( 0 1 l l llnamico 0 suf iciente para nao sirnplesrnenre reproduzir 0I , " 1 1 , III h~'rtpaz de abrir caminhos para novas mudanca s - progressis-

    II 1 1 1 1 1 I II I ) do fordisrno, analisado pelo genia l sardo no Caderno 22) ouI, ~ VII 110' so do fa sc ismo). Na minha opiniao, a "hegemonia as aves:...

    I 1 1 1 1 1 1 1 1111l1,~ c do que essa via de mcdernizacao conservadora, plasmadaIII~ 1 1 1 1 1 I , III rer tes a semiperiferia capitalista, em que 0 avanco nutre-se1 1 1 1 1 1 1 1 ' 1 1 1 'Ill 'nc do atraso.I III 1 1 1 1 1 1 1 1 ao processo de modernizacao conservadora do mundo do

    II tI , 1 1 I 1 t 1 lit Brasil, por exernplo, eu mesmo busquei mostrar por meio de' 1 1 1 1 1 II ~ 1J 11 N l 1 to se tor que ma is cresceu em te rmos ocupacionais durant e 0I IIlli Illd t, ism e , 0do telemarketing, como a "avancada ' acumulacao

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 IIIdo s b a nc o s atuantes no pa is nutre-se pe rmanentemente da repro-hl~ III tI . urodalidades "arcaicas" de discri rn inacao social , como 0 racismo,, I ~IIII) I' t homofobia . Na rea lidade, uma das principa is fontes de adap-

    I I t il I ,I '01' rador ao fluxo tensionado nas Centrais de TeleatividadesI 'lluramente a natureza "invisivel" desse tipo de trabalho. Co-

    ' 1 1 1 1 1 / 1 1 # / wt lt h a ( al ta p ol it ic a) - p eq ue na p ol it ic a ( po li ti ca d o d ia a d ia , p ol it ic a p ar la -1 , , 1 1 1 , 1 1 1 d # corredor, de intriga) , A grande politica compreende asquest6es vinculadas1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 , ' (Id .novos Escados, a lura pela destruicao, defesa e conservacao de deter-1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 esrrucuras organicas econornico-sociais. A pequena politica compreende as' 1 1 1 1 ~I 'N P II' iaise coridianas que surgem no interior de uma estrutura ja esrabeleci-I ,IIIt'hl III In de preerninencia entre asdiversasfaccoesde uma mesma dasse politica.I I 1 1 1 1 1IIINO,grande p o l i t i c a tratar de exciuir a grande p o l i r i c a do ambito interno dahili INlllIltic reduzir tudo a pequena politica (Giolitti, rebaixando 0 nfvel das lutas

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 I r h z i n rande polltica, masseus fanaticos eram objeto de grande polirica, con-1 1 1 . 1 1 1 1 1 ' ~ 11) .smosfaziam pequena politica)". Antonio Gramsci, Quad er ni d el c ar ce re ,11111111, 1'~ln[\lldi,1975),caderno 13, padgrafo 5. Traducao livre. [Ed. bras.: Cader-1 1 , 1 1 f / l l l ' d l ' l w re , Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1999-2003.]

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    lie cm onia as avessasrn o 0 teleoperador utiliza exclusivamente a V0Z na relacao com 0publico, aaparencia torna-se secundaria e 0 setor de telemarketing emergiu coino umaespecie de "refugio" para mulheres, sobretudo negras, alern de gays e porta-dores de necessidades especiais, justamente aqueles grupos que estao entreos mais fragilizados do mercado de trabalho brasileiro!",

    Carlos Nelson levanta mui to corretamente a questao : se estivermosdiante de uma revolucao passiva, parte das exigencias dos "de baixo" de--vera ser acolhida pelo governo reformista e moderado. Mas nao e exata-mente isso que verificamos quando analisamos 0 Bolsa Familia, a amplia-c,:aodo sistema universitario federal com 0 patrodnio das cotas, 0 impulso

    na direcao da "reforrnalizacao" do mercado de trabalho 11, a politica de" re~juste do salario minimo acima da inflacao, a retomada dos investimen-\ tos em infraestrutura o~, mais recentemen,te, 0 incentivo ao consumo de

    massas por meio do credito consignado? E pouquissimo em se tratandoa nossa imensa divida social. Alern disso, tais realizacoes sao total menteinsuficientes para garantir Lula no panteao dos reformistas, ao lado de

    Willy Brandt, OlofPalme e tutti quanti. Contudo, e isso diz muito sobreo handicap das classes dominantes brasileiras, consegue ser suficiente pa-ra, num pais onde 0 epi te to de "pai dos pobres" e predicado de um di ta-dor oriundo da aris tocracia fundiaria , alcar Lula a condicao de incontes-tavel lidcranca popular.

    10 Naturalmente, 0 fato de seruma especie de "refugio" para esses grupos de trabalha-dores nao implica que a discriminacao nas "modemas" CTAs inexista, Ao contrario,e muito comum verif icarmos que as funcoes mais qualificadas, isto e, aquelas queexigem algum tipo de conhecimento tecnoprofissional, sao, com muita frequencia,ocupadas majoritariamente por homens, assim como a esrrategia de prornocao dasempresas tende a privilegiar os teleoperadores brancos. Para mais detalhes, ver Ri-cardo Antunes e Ruy Braga (orgs.), Infoproletdrios: degradaj:do real do trabalho vir-tual (Sao Paulo, Boitempo, 2009).Somos perfeitamente conscientes de que a atual tendencia a "rcformalizacao" domercado de trabalho originou-se no segundo governo de Fernando Henrique Car-doso, mais precisamente ap6s a desvalorizacao do real rnotivada pela crise financeirado Sudeste asiatico de 1997, associando-se intimamente, porranto, as necessidadesda polirica fiscal do Estado brasileiro. Em resumo, "reformaliza-se", basicamente,para arrecadar mais e continuar a pagar os elevadissimos juros da divida publica.Contudo, independenternente do impulso original ou do papel desempenhaclo pelaawnI "reformalizacao" do mercado de trabalho, os efeitos benefices relatives aprotccao social nao sealteram. Para mais detalhes, ver Paulo Eduardo Baltar e JoseDari Krein, "0 emprego formal nos anos recentes", Carta Soci al e do Traba lho,Carnpinas, v.3, 2006, p. 3-10.

    "

    Apresenracao 131 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 ' mantida a poli tica profundamente regressiva dos juros es-"

    III ', 1 I,. ~surpreendente que nem mesmo a atual crise economica1 1 11 1 1 1 " l ll Il In s ldo capaz de alterar 0 comportamento visceralmente ren-t Itill IItlll '0 11ral-, sabemos que a relativa desconcentracao de renda1'1 t 1 1 1 ' 1 1 1 1 IIP r aqueles que vivem dos rendimentos do trabalho'? pode. 1, I I I II Ii 1 1( 1' < 00 xistir, num contexto rnarcado por certo crescimento eco-

    I I " II It I I, I IJ lI I I' producao da desigualdade entre asclassessociais, quando ~~II 1 j1 l1 1 ". I, 1 I O N 'l n rementos de rendimentos dos que vivem da propriedade '

    ! II l i N " 1l1(') t lrulos, irnoveis etc. Uma simples analise da distribuicao1 1 11 ( 11 1 1 " IiII' nda nacional que confrontasse os dados da Pesquisa Nacio-1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 rrn de Domidlios (PNAD) rela tivos a remuneracao dos em-I I IIIII~I1 I -ndirnento dos autonornos e 0Excedente Operacional Bmto,.;I t l l l H I IComas Nacionais poderia ilustrar bern isso.I 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 , 1ar ce-me meridianamente claro que 0governo Lula conse-

    1 I II ' "1 1 11 1 1' n In orporacao de parte das reivindicacoes dos "de baixo" comI, III III'Iii ' , ' e l ' n la reacao ao subversivismo esporadico das massas, repre-1. 1 .I" 11 I ' 1 l ) "transformisrno de grupos radica is intei ros". Da miriade deI 'I 1 1 1 1 'I I I I ' t C O de Estado ate a reforma sindical que robusteceu os cofres

    , , 11 1 1, 1 slndicais, passando pelos muitos assentos nos conselhos ges-,III lundos de pensao, pelas altas posicoes em empresas estatais, pelo

    1'1 til' vcrbas federais para financiamento de projetos cooperativos,II I IIHllposi 0da rnaquina estatal etc., 0locus da hegemonia resultan-I, Illllil , wolucao passiva e exatarnente 0 Estado". 0 fato e que 0 sub-I I I I B I 1 1 0 1 ' anico transformou-se em consentimento ativo para muitos

    1 1 11 1 I I Ii (J 'Ills, que passaram a investir esforcos desmedidos na conserva-!II IiiI s adquiridas no aparato estatal.I I II III I o m toda razao ao afi rmar que a "hegemonia as avessas" sim-

    II ) significou verdadeiros "avances na socializacao da politicaI I 1 ,1 11 11 I \ C " ' ; } i s ,especificamente, alargamento dos espac,:osde participa-

    I'll I 111111 d sralhes,ver "Distribuicao pessoal da renda do trabalho: Brasil 1995-' 1 1 1 1 ( I h l In7)", em Dieese, Anudrio dos trabalhadores 2007, Sao Paulo, Dieese,1 1 1 1 ' , 1 " I,I 1 1 1 1 Ilhlll'hi nos lembra, recorrendo a fartascitacoes dos Quaderni, que "revolu-h' I ' IINHVII" n, 0 significa hegemonia de uma c1asseem relacao a totalidade social,

    1 1 1 1 ~"'Id, uma fra~aodas classes dominantes sobre 0 conjunto delas por meio ciaIII tI"l~"tlo Estado, Para mais detalhes, ver Alvaro Bianchi, "Revolucao passiva: 0I" I I iii tin rucuro", CriticaMarxista, Sao Paulo, v.23, n. 23,2006, p. 34-57.

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    J . IEGEMONIA As AVESSAS*Francisco de Oliveira

    I I I I ' ~ .m ~ rA roJO~ 'A fY ) . M~ r / r f c d f J .II It I III !J (I . I 'vat ' um susto no primeiro round, quando seu adversario ime-It! ,lltlllllliH 1I40% dos votos, Luiz Inacio Lula da Silva ganhou facil 0 '\ ' I d I - H' . d d . - V ' ' < ' J ~ } A IIltlt f' l ilt 110 . as e e icoes, a uma gama vana a. e mterpreta().Ii 'J( i f'l II E d 2 'lh- d . . bl W:kM' ,II 1 1 1 1 It I 1111'no. " por que per eu uns rru oes 0 pnmelro para 0 se-

    1"'1 III "'Pl: tacao rnajoritaria sustenta que 0 tucano foi 0 opositor'\ 4~ . II),,, , 1 , 1 1 1 0 : p uco conhecido alern de Sao Paulo, com cara de pauli sta , J _ I.(, jlllt! Nln fama de paulista - um handicap fora de Sao Paulo. ParafNt'${"i

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    22 Hegemonia as avcssas Hegemonia a s avessas 23los pelo proprio presidente reelei to - caso de Tarso Genro, minis tro dasRelacoes Institucionais, tido como 0 ideologo do governo, e Dilma RoussefI poderosa chefe da Casa Civil, considerada 0motor do Executivo. Eles esta-vam entre os "mudancistas" e foram logo calados.o governo tera maioria no Congresso, mas e quase certo que 0 balcao deJ) gociac;:6esentre as varias siglas e 0 Executivo sed. mais amplo que no pri-III i ro mandato. Dito de forma mais di reta, 0 governo sera mais fraco e alI:ob.ranc;:aos apoios sera mais forte, na forma de.norneacoes para car~os ~e fIfjprime iro escalao e para grandes entidades Federals. A agenda das denunclas_Ii orrupcao nao esta encerrada, embora se espere que 0 governo seja maisIuldadoso e as oposicoes, menos assanhadas.

    Aparentemente, 0espac;:oda esquerda se ampliou. Ate este escriba votouI III Lula, no segundo turno, com essa perspectiva. A oposicao da esquerdaI1,1I1a ao tucanato chegou a uns 7% dos votos para presidente , materia-II , I lano voto a Heloisa Helena e a Frente de Esquerda PSOL-PSTU-PCB-(:onsul ta Popular . A ilusao quanto ao peso da esquerda se desfez com as

    i l l 1 1 \ iras declaracoes do presidente reeleito, que reendossou a politica eco-II rnl a, manteve nos cargos algumas figuras ernblernaticas (caso de Henri-' I ' " Meirelles napresidencia do Banco Central) e defendeu a "era Palocci".r III mcsrno movimento, Lula aventou nomes para compor 0 novo Ministe-I II IIII estao ent re os mais reacionarios do meio empresaria l - a cornecar[uu [orge GerdauJohannpeter, proprietario do maior conjunto de siderur-I III U O Brasil (ede algumas no exterior), compradas na bacia das almasdasI" ViliI~,a~6eso governo FHC.

    ( )s votes nulos alcancararn a marca dos 4%, mesma porcentagem paraII VlltoS III branco, e 23% dos cadastrados nao compareceram as secoes" IIII'llIs, apesar da obrigatoriedade do voto. De fato, aseleicoes presiden- I,II II in teressaram a 31% dos votantes . Ou entao as candidaturas nao ~t.

    1 1 1 1 1 1 VIII'(\ln esses 31% de eleitores. E a porcentagem mais alta de "indife- 'I III,t" cleleoral da historia moderna brasileira, aproximando-se dos numerosII ti l 1('119,0 dos norte-arnericanos nas eleicoes presidenciais. De novo:,I "III' renca quer dizer que a polit ica nao passa pelo conflito de classes, N ~ l i f c ; .II I I 1 1 ' 1 1 aceia com ele, Nas ruas, 0 fracasso da "rnudanca' nao poderia

    1 1 1 1 "v i lente: nenhuma vibracao, nenhuma bandeira do PT ou deII I "lili I O l l e r partido, nenhuma mobilizacao. A grande maioria dos elei-

    I lncumbia da obr igacao com ar de enfado. Muitos deles logo'1 11 ,1 11 11 11 I '(l1'\1illhodas praias.

    dor de Mato Grosso, Blairo Maggi, apesar de ser 0 maior sojicu ltor domundo, apoiou Lula abertamente, enquanto 0 partido do qual e membra- 0 Partido Popular Social is ta (PPS), s igla herdeira do antigo Partido

    ,\comunista Brasileiro (PCB) - fez campanha por Geraldo Alckmin. Essafalta de consistencia confirma a irrelevancia da politica partidaria no capita-~ l' 'I I ,. ,. .c . drsrno contemporaneo. rre evancia que e mars grave na perllena 0 que no

    8 cent ro . Os part idos representam pouco, e a pol it ica esta cent rada sobretudonas personalidades. Sempre foi assim na rradicao brasileira, mas depois dacriacao dos partidos de massa - vale dizer, depois da criacao do Partido dosTrabalhadores (PT) - houve urn periodo de forte valorizacao dos partidos.o Partido do Movimento Dernocratico Brasileiro (PMDB), rnetamorto-S e do antigo partido de oposicao a ditadura militar no periodo 1964-1984,fez a maior bancada na Camara. 0 PMDB e, tipicamente, urn partido decaciques regionais. Nao tern sequer unidade programatica. Dessa vez, 0 quee importante como simbolo, nao teve candidato a Presidencia, seja em coli-gac;:aocom 0PT, sejacom 0Partido da Social Democracia Brasileira (PSD B).o Partido da Frente Libera l (PFL, atual DEM) foi derrotado fragorosa-mente na Bahia e no Maranhao, mas ainda assim formou a maior bancadano Senado.o PT manteve-se com a segunda maior bancada da Camara Federal,mas pela primei ra vezem sua historia teve uma diminuicao em seu numerode deputados. Fez apenas quatro governadores, sendo a Bahia 0 unico esta-do pol it icamente importante - a te porque derrotou urn coronel pefe li statido como imbativel, Antonio Carlos Magalhaes. Lula distanciou-se osten-sivamente do PT. Somente recorreu aopartido, e a setores de esquerda foradele, no segundo turno, quando viu a reele icao ameacada. Proclamados osresultados, logo fechou urn acordo com 0 PMDB para dominarem juntos aCamara dos Deputados e 0 Senado.o cet ic ismo e geral quanto ao segundo mandato. Ninguern, a di re ita ea esquerda, espera grandes alteracoes nas polfticas governamentais. Lula pa-rece uma barata tonta, clamando por solucoes para, conforme diz, "destra-var" 0 desenvolvimento. Mora a continuidade do Boisa Familia e a manu-tencao do conservadorismo na politica econornica, 0 presidente parece terperdido inteiramente 0 rumo. 0 desnorteio mostra uma das consequenciasde sua vitoria, nas proporcoes em que ocorreu: Lula nao tern objetivos,porque nao tern inimigos de classe. Alguns poucos que vocalizaram a espe-ranca de rnudancas na polirica economica foram imediatamente repreendi-

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    i ' 0 presidente reeleito nao lamentou essa indiferenca expressiva do elei-i torado . Queixou-se amargamente , i ssb sim, de nao ser 0 preferido dos "ri-I cos", cobrando-lhes 0 fato de que nunca os banqueiros ganharam tantodinheiro como em seu governo, para logo depois d izer que os "pobres" ha-viam ganho a eleicao. Essa interpretacao logo foi encampada pela imprensa:o Brasil havia se dividido entre "pobres" e "ricos", Esqueceram-se de expli-car os40% de votos em Geraldo Alckmin no primeiro turno: a i ja seriamosurn pais do Primeiro Mundo!

    Qual sera a cara do mandato que agora se inicia? Cer tamente, hayed.uma nova ampl iacao do programa Boisa Famil ia , e e ai que mora 0 perigo.Nos outros setores, asrnudancas serao superficiais. Talvez seja feita a grandetransposicao do rio Sao Francisco para os estados mais suje itos a seca no'",. Nordeste e algumas obras de infraestrutura. Por ai ficara.f : ' S A perspectiva para 0 futuro requer uma rellexao gramsciana. Talvez este-,~ jamos assistindo a construcao de uma "hegemonia asavessas"tfpica da era da

    globalizacao. A Africa do Sui provavelmente anunciou essa hegemonia asavessas: enquanto asclasses dominadas tomam a "direcao moral" da socieda-de , a dominacao burguesa se faz mais descarada . As classes dominadas nopais, que seconfundem com a populacaonegra, derrotaram 0 apartheid, urndos regimes mais nefastos do seculo XX, mesmo levando em conta que 0seculo passado conheceu 0 nazifascismo e 0 arquipelago gulag. E, no entan-to, 0 governo sul-africano oriundo da queda do apartheid rendeu-se ao neo-liberalismo. As _favelasde Johannesburgo nao deixam lugar a duvidas'. As-sim, a Iiquidacao do apartheid mantem 0 rnito da capacidade popular paraveneer seu temfvel adversario, enquanto legitima a desenfreada exploracaopelo capitalisrno mais impiedoso.

    Algo assim pode estar em curso no Brasil. A longa "era da invencao'?forneceu a direcao moral da sociedade brasileira na resistencia a ditadura calcou a questao da pobreza e da desigualdade ao primeiro plano da polit ica.Chegando ao poder, 0 PT e Lula criaram 0 Bolsa Familia, que e uma espe-cie de derrota do apartheid. Mais ainda: ao elegermos Lula, parecia ter sidoborrado para sempre 0 preconceito de classe e destruidas as barreiras cI:1

    24 Hegernonia asavessas Hegernonia asavessas 25Ii 's 1 ualdade, Ao elevar-se a condicao de condottiere e de mito, como as re-I ( 'Ile s eleicoes parecern comprovar, Lula despolitiza a quesrao da pobreza eIi I l sigualdade. Ele as transforma em problemas de administracao, derrotaII "I sto representante das burguesias - 0 PSDB, 0 que e inteiramenteI l l i N O - e funcionaliza a pobreza. Esta, assim, poderia ser trabalhada no ca-1!llltll~lnoconternporaneo como uma questao administrativa.I no primeiro mandato, Lula havia sequestrado os movimentos sociaisI II OJ' anizacao da sociedade civil. 0 velho argumento leninista-stalinistati l 'III os sindicatos nao teriam funcao num sistema controlado pela classe" I" l'Il'ltl!:essurgiu no Brasil de forma matizada. Lula nomeou como minis-1111d n Trabalho ex-sindicalistas influentes na CUT. Outros sindicalistasI It Ii F r nte dos poderosos fundos de pen sao das estatais. Os movimentosIII II I raticamente desapareceram da agenda politica. Mesmo 0MST ve-se

    1 1 1 1 0 1 'In 1. 0 por sua forte dependencia do governo , que financia 0 assenta-1 1 1 0 1 11 11 I ll S familias no programa de reforma agraria.

    I I ondicoes em que se deu, a v itoria elei toral anula as esquerdas no1 1 1 1 I. 'I') la critica e imediatamente 'identilcada como sendo de "direita"

    I , 1 11 11 l lund quado para defender urn governo que tern na direi ta pi lares1 1 1 1 1 . 1 1 1 1 1 1 ntais, do pequeno PP a setores do PMDB, como os de Jader Bar -I. d l t l ! ION ' arney . Urn rancor surdo torna diffce is as relacoes entre a es-l ~.(;[

    II, . 1 , 1 li d sp ndente e 0 PT e, em part icular , 0 governo Lula. Por outro1'1 II1 I1 1 1 1 a , obretudo os grandes jornais, segue atacando 0governo com1'lIldi ld " (;)que cont ribui para confundir a crftica da esquerda com a cri-t I" Ipll Ida imprensa. 0 principal partido da oposicao aLula, 0PSDB,I 1 II,llho \1 . - e tarnbem confunde toda a critica com suas posicoes,

    I II tI PI'('l zrama Boisa Familia experimente uma grande arnpliacao, 0 lI J l ! l , ~ s ( v e l simplesmente com uma reducao de 0,1% do superavi t , 1 ( 1 ,

    1 11 1, I I rU!1damentos da "hegemonia as avessas" estarao se consolidan-IIIII d e li m fen6meno novo, que exige novas reflexoes. Nao e nad'!;.I tl i l 1 11 11 1 lualquer das prat icas de dorninacao exercidas ao longo datil II till I l l 'U s i l . Suponho tambern que nao separece com 0 que 0Oci-

    1 1 1 1 1 1 I I 01110 politica e dominacao, Nao e patrimonialismo, pois 01 0 1 1 1 1 1 1 1 , rrndores dos fundos de pensao estatais gerem e capital-eli-t I" 0 patriarcalismo brasileiro de Casa -grande e senza la , de Gil-

    1111'1i I 'm' lu nao e nenhum patriarca que exerce 0mando nem a1111I " tlOI l ' s c i a"(no sentido do domus romano), embora na culturaI II III I I t , 1 I l lt ico possa seconfundi r, asvezes, com 0"pai" - Cetu-

    Ver Mike Davis, Plane ta fa vela (Sao Paulo, Boiternpo, 2006).Ver Francisco de Oliveira, "Politica nurna era de indererrninacao" e "0momciuoLenin", ern Francisco de Oliveira e Cibele Rizek (orgs.) , A era da indeterminaoto(Sao Paulo, Boitempo, 2007).

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    26 Hegemonia as avessas Hegemonia as avessas 27l io Vargas foi apelidado de "pai dos pobres" e Lula pensa tomar-lhe 0 lugar,mas 0 que ele gere, com sua classe, e capital . Nao e populisrno, como sugerea critica da direita, e mesmo de alguns setores da esquerda, pOlque0 popu-li smo foi uma forma autorita ria de dominacao na transicao da economiaagraria para a urbano-industr ial . Eo popul ismo foi - de forma autorita ria,enfatize-se - a inclusao s u i g e n er i s da novel classe operaria, desbalanceando avelha estrutura de poder no Brasil e deslocando fortemente os latifundiariosda base da dorninacao. Nada disso esta presente na nova dorninacao.

    Muitos criticos e analistas consideram que 0 Boisa Familia e 0 grandeprograma de inclusao das classes dominadas na polit ica. Isso e um graveequivoco, sobretudo por parte daqueles que cult ivam a trad icao marxis tagramsciana. Entre eles estao Walquiria Domingues Leao Re!?o, 0 proprioministro Tarso Genro e Luiz Jorge Werneck Vianna, sendo que este ultimoconsidera 0 Bolsa Familia , eo proprio governo Lula , a cont inuacao da "viapassiva" na longa e permanentemente inacabada revolucao burguesa brasilei-ra. A nova dorninacao (earrisco a hipotese de que ela sejapropria e funcionalao capitalisrno mundializado) inverte os termos gramscianos. Vejamos.

    Parece que os dominados dominam, pois fornecem a "direcao moral"e, fisicamente ate, estao a testa de organizacoes do Estado, de modo diretoou indireto, e das grandes empresas estatais. Parece que elessao os proprios

    t ; . \ ~ capitalistas, pois os grandes fundos de pensao das estatais sao 0 coracao dof A r . . , novo sistema financeiro brasileiro e financiam pesadamente a divida inter-I na publica. Parece que eles coman dam a pol it ica, pois d ispoem de podero-sas bancadas na Camara dos Deputados e no Senado. Parece que a econo-mia esta fina lmente estab il izada , que sedispoe de uma sal ida moeda e quetal facanha se deveu a politica governamental, principalmente no primeiromandato de Lula .o conjunto de aparencias esconde outra coisa, para a qual ainda nao re-mos nome nem, ta lvez, concei to . Mas certamente sera nas pis tas do legadodeAntonio Gramsci, 0 "pequeno grande sardo", que poderemos encontrar 0

    \

    caminho de sua decifracao. 0 consent imento sempre foi 0 produto de urn~(f conflito de classes em que os dominantes, ao elaborarem sua ideologia, que(3 se convene na ideologia dominante, trabalham a construcao das classes do-

    minadas a sua imagem e semelhanca. Esse e 0 nucleo da elaboracao de Marxe Engels em A i de ol og ia alemd", que 0 pequeno grande sardo desdobrou ad-

    miravelmente . Estamos em face de uma nova dorninacao: os dominadosrealizam a "revolucao moral" - derrota do apartheid na Africa do SuI e ele i-aode Lula e Boisa Famil ia no Brasil - que set ransforma, e sedeforma, emcapitulacao ante a exploracao desenfreada. ~ y _

    Nos termos de Marx e Engels, da equacao "forca + consentirnento" queforma a hegemonia desaparece 0 elemento "forca", E 0 consentimento se, ~~

    c - - . d . d _1t 1 f / 1 1 :transrorrna em seu avesso: nao sao mars os or runa os que consentem em tlS It '" . Isua propr ia exploracao: sao os dominantes - os capitalistas e 0 capital, CO, ~ S S Fexplici te-se - que consentem em ser poli ticamente conduzidos pelos do- AS p . . vminados, com a condicao de que a "di recao moral" nao questione a formada exploracao capitalista. E uma revolucao epistcmologica para a qual aindanao dispomos da ferramenta teorica adequada. Nossa heranca marxis ta- ramsciana podeser 0ponto de par tida, mas ja nao e 0 ponto de chegada.

    * Sao Paulo, Boitempo, 2007. (N. E.)

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    A HEGEMONIA DAPEQUENA POLtTICA

    Carlos Nelson Coutinho

    I. A expressao "hegemonia as avessas", inventada por nosso querido(:hlc de Oliveira, e certamente provocativa. Trata-se de uma das muito ins-t p , o I l 1C sesempre oportunas provocacoes (no born sentido da palavral) pos-"'~ I) r ele. Lembro aqui,por exemplo, suas forrnulacoes sobre 0modo de",ll In flosocial-democrata, 0antivalor, 0ornitorrinco e 0surgimento de umaIIIIVII lasse formada pelos gestores dos fundos publicos etc. Mesmo que dis-11I1'd .mos de Chico em alguns casos, aprendemos sempre - e muito - com

    u provocacoes, pois nos obrigam a pensar. E o caso tambern de "hege-Itmula a s avessas".

    I minha parte, porern, paracaracterizar as relacoes de hegemonia hoje,/\ ,. p l d i l ' falar de "hegemonia da pequena polit ica". Para entendermos essaca-~I,ll I 'I'izac,:ao,ecordemos, antes de mais nada, 0 que Gramsci chama de "pe-'IlIt'IH1 politica". Cito 0 autor de Cadernos do cdrcere:

    Agrande politica compreende asquestoes ligadas it fundacao de novos Estados, \i lura pela destruicao, pela defesa, pela conservacao de determinadas estruturas P t - Q .()I 'g~nicas econornico-sociais. A pequena polftica compreende as quest6es par- If~ i f t i e cotidianas que seapresentam no inter ior de uma estrutura ja estabelecida iG IU , ' 1 1 ' 1 decorrencia de lutas pela predorninancia entre as diversas fracoes de uma f Q ~ It tIII sma classe polit ica (politica do dia a dia, polit ica par lamentar , de corredor,de intrigas). Portanto, e grande polftica tentar excluir a grande polit ica do am-hito interne da vida estatal e reduzir tudo a pequena polit ica. 'fa, e precisamente assim - au seja, atraves da exclusao da grande

    j I"lrei a - que se apresenta a hegemonia na epoca do neoliberalismo ou,

    Antonio Gramsci, Ca d er no s d o c d rc er e (Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1999-003, v. 3), p. 21.

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    : 0 Hegernon ia asavessas A hegemonia da pequella polit ica 31para usarmos 0 sub titulo de nosso serninario e deste livro, na epoca daservidao financeira.V Registremos 0 seguinte: s eri a e qu iv oc ad o p en sa r q ue .s o h d b ata lh a h eg e-Imo ni ca q ua nd o g ra nd es p ro je to s d es oc ie da de s e e nf re nt am . E verdade que foiassim durante algum tempo na Europa, no tempo em que partidos comdiferentes propostas de sociedade competiam entre si, como, por exemplo,conservadores e trabalhistas na Inglaterra ou comunistas e dernocrata-cris-taos na I talia. Nos Estados Unidos, ao contrario, nunea foi assim: ali, ahegemonia dos valores do eapi ta li smo nunca foi posta em discussao pelosdois grandes partidos nacionais, nem mesmo pelas principais organizacoessindica is . E, infel izmente, esta sendo assim, hoje , tambem na Europa e emmui tos paises da America Latina. Que diferenca substant iva exis te a tual-mente, por exernplo, entre conservadores e trabalhistas na Inglaterra? Ou

    , entre 0 governo FHC e 0 governo Lula no Brasili?~\~, .r Hegemonia , portan to, nem sempre se baseia rio que Gramsci chamoud "id I' A" I de 1 eo oglas orgallleas , aque as que expressam e modo claro e siste-mat ico a concepcao do mundo das classes sociais fundamentais. Indepen-dentemente de basear-se ou nao numa ideologia organica, uma relacao dehegemonia e estabelecida quando urn conjunto de crencas e valores se en-raiza no senso com urn, naquela concepcao do mundo que Gramsci definiucomo "bizarra e heterocl ita", com frequencia contrad iroria, que orienta -muitas vezes sem plena consciencia - 0 pensamento e a acao de grandes~massas de mulheres e homens. Ora, podemos constatar que predominam,hoje, no senso comum, determinados valores que asseguram a reproducaodo capitalismo, ainda que nem sempre 0defendam diretamente. Refire-me,em particular, ao individualismo (tao emblematicamente expresso na famo-sa "le i de Gerson", ou seja, a que nos recomenda ti rar vantagem em rudo),ao privatismo (a conviccao de que 0 Estado e urn mau gestor e tudo deveser deixado ao livre jogo do mercado), a naturalizacao das relacoes sociais(0 capital ismo pode ate ter seus lados ruins , mas corresponde a naturezahumana) etc.

    Cabe lembrar a inda que hegemonia e consenso, e nao coercao . Existehegemonia quando individuos e grupos sociais aderem consensualmente acertos valores. Mas, como Gramsci observa, existe con se n so a t ivo e consenso

    jl tl -ssivo3A hegemonia da pequena polftica baseia-se precisamente no con- \N nso passivo. Esse tipo de consenso nao seexpressa pela auto-organizacio, O>N~""l"p laparticipacao ativa das massas por meio de partidos e outros organismos f'~S.SI'tl>

    11 . sociedade civil, mas simplesmente pela aceitacao resignada do existente < Ifiorno algo "natural". Mais precisamente, da transforrnacao das ideias e dos M i ' "v i t i res das classes dominantes em senso comum de grandes massas, inclu-N V das classes subalternas. Hegemonia da pequena polfrica existe, portan-j'I( I quando se torna senso comum a ideia de que a politica nao passa da f-\~(llsputa pelo poder entre suas diferentes elites, que convergem na aceitac;:aoll10 existente como algo "natural". Quantas vezes ouvimos a Frase"os politi:U10 sao todos iguais"? Escolhern-se uns ou out ros por motivos que, com1 ' 1 ' iquencia, nada tern a ver com 0 conteudo de suas propostas (as quais, namaloria dos casos, nao apresentam nenhuma divergencia essencial ou sim-plesmente nao tern conteudo algum).

    Essa concepcao da poli tica como disputa de eli tes, e nao como acao de y1 1 1 tlorias, foi teorizada por alguns expoentes da teoria pollrica do seculo XX,romo Mosca, Schumpeter, Sartori e muitos outros". Para eles, a pol it ica empre acao de minorias, de eli tes. Schumpeter, por exemplo , reduz a de-

    li' ) racia ao processo de selecao das elites por meio de eleicoes peri6dicas;mus,ao mesmo tempo, tambern afi rma que 0 povo nao sabe combinar in- f

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    32 Hegemoniaas avessas A hegemoniadapequena politica 33questao 0dominic do capi ta l e podem, assim, serpor e le assimi ladas - con-

    f; , tribui tambern para 0 triunfo da pequena polit ica.'"'1;. Repetindo: existe hegemonia da pequena polit ica quando a polit ica dei-

    I ! xade ser pensada como arena deluta por diferentes propostas de sociedadee passa , portanto, a ser vis ta como um terreno alheio a vida cotidiana dos;.individuos, como simples adrninistracao do existente. A apatia torna-se as-sim nao s6 um fenorneno de massa, mas e tarnbern t eorizada como umfator positivo para a conservacaoda "democracia" pelos te6ricos que con-denam 0 "excesso de demandas" como gerador de desequil ibrio fiscal e,i l~onsequentemente, de instabilidade social. Mas, como tarnbern vimos, e~xpressio de grande pol itica reduzir tudo a pequena pollt ica. Em outraspalavras , e por meio desse tipo de reducao , que desvaloriza a pol itica en-quanto ta l, que se afirma hoje a quase incontestada hegemonia das classes

    ~

    dominantes . Em situacoes "normais", a direita ja nao precisa da coercaopara dominar: impoe-se atraves desse consenso passivo, exp~esso entre o~-tras coisas em eleicoes (com taxa de abstencao cada vez mawr), nas quaIs

    I nada de substantivo esta posto em quesrao,e-

    uais sao, segundo Gramsci, os traces principais de uma revolucao pas-I va i A o contrario de uma revolucao popular, "jacobina", realizada a partirIi 1 a ix o - e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem polit ica e

    J 'Iru-, uma revoluyio passiva implica sempre a preserica de dois momen~iiI :0da "restauracao" (trata-s~ sempre de uma reacao conservadora a possi-h l ld a de de uma transforrnacao efetiva e radical proveniente de baixo) eo da"I inovacao" (no qual algumas das demandas populares sa o satisfeitas "peloIilo", atraves de concess6es das camadas dominantes). Nesse sentido, talan-t i l) da I ci li a, mas expressando caracteristicas universais de rod a revolucao1 1 1 1 slva, Gramsci afirma que uma revolucao desse tipo manifesta:

    o faro historico da ausencia de uma iniciativa popular unitaria no desenvol-virnento da historia italiana, bern como 0 fato de que 0 desenvolvimento severificou como reacao das classes dominantes ao subversivismo esporadico,ilementar, nao organico, das massas populares, atraves de "restauracoes" que 1n co lh er am u ma c er ta p ar te d as e xi ge nc ia s q ue v in ha m d e b ai xo ; trata-se, portanto,de "restauracoes progressistas",ou "revolucoes-restauracoes", ou ainda "revolu-~. . passivas".

    . 2. Para identificar melhor a situacao atual da hegemonia no mundo, ca-beria tentar conceituar a chamada "epoca neoliberal" ou, se preferirmos, a

    \~~ , d 'd- fi . U '1" ,. d ' d~\~~epoca a servi ao nanceira. ma ana rse sisternatica a presente epoca 0( . capi ta li smo "global izado" e uma tarefa a inda nao conclu ida por parte dos

    marxistas. Contudo, ao que me parece , pode contribui r para essa anali seainda i n p ro gre ss uma discussao sobre a possibilidade de compreender carac-teristicas essenciais da contemporaneidade a luz do conceito gramsciano detreVOIUYiOpassiva. Sou cetico e.m face dessa possibilidade. Creio que, antespe falar em revolucao passiva, seria util tentar compreender muitos fenome-nos da epoca neoliberal atraves do conceito de contrarreforma, que tambernIe d ' . al d ial d G .. raz parte, am a que so margm mente, 0 aparato categon e ramsci.

    i\) Antes de mais nada, recordemos brevemente asprincipais caracteristicasda revolucao passiva, termo que Gramsci recolhe do historiador napolitanoVincenzo Cuoco, mas atr ibuindo-lhe um novo conteudo. Tra ta-se de uminstrurnento-chave de que Gramsci se serve para analisar os eventos do Ri-sorgimento, ou seja , da formacao do Estade burgues moderno na Ital ia , Maso conceito e tambem utilizado por ele como criterio de interpretacao defatos sociais complexos e ate mesmo de epocas hist6ricas inteiras, bastantediversas entre si, como, por exemplo, a Restauracao pos-napoleonica, 0 fas-

    aspecto restaurador, portanto, nao anula 0 fato de que ocorrem tam-" IIImodificacoes efetivas. A revolucao passiva, portanto, nao e sinonimo-\I I xmtrarrevclucao e nem mesmo de contrarreforma; na verdade, numaIIvolucao passiva, estamos diante de um reformismo "pelo alto'". Em outraT _,I 'll Nilem, Gramsci diz:

    Pode-se aplicar ao conceito de revolucao passiva (e pode-se documentar noIlisorgimento italiano) 0 criterio interprerativo das modificacoes moleculares,III na realidade, modificam progressivamentea composicao anterior dasfor-~'IISe, ponanto, transformam-se em matriz denovasmodificacoes.?

    ol'odernos resumir do seguinte modo algumas das caracteristicas PrinCi-r1 , , 1 J uma revolucao passiva: 1) as classes dominantes reagem a press6est p l , provem das classes subalternas, ao seu "subversivismo esporadico, ele-

    Antonio Gramsci,Ca de rn os d o c dr ce re , cit., v. 1, p. 393; grifomeu.(:hl'istine Buci-Glucksmanne GiiranTherborn, depois de caracterizar0 WelforeSlfltc omo revolucaopassiva,dcfinern-nocomo "reformismode Estado" ( Ie d if i\IlI'lnl-democrate, Paris,Maspero, 1981).ruenlo Gramsci,Ca de rn o s d o c dr ce re , cit., v. 5,p. 317.ismo e 0 americanismo.

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    34 Hegemonia a s avessasmentar" , ou seja , a inda nao suficientemente organizado para promoveruma revolucao "jacobina", a partir de baixo, mas ji capaz de impor urnnovo comportamento as classes dominantes; 2) essa reacao, embora tenhacomo finalidade principal a conservacao dos fundamentos da velha ordem,implica 0acolhimento de "uma certa parte" das reivindicacoes provindas debaixo; 3) ao lado da conservacao do domfnio das velhas classes , int rodu-zern-se modificacoes que abrem caminho para novas modificacoes. Portan-0, estamos diante, nos casos de revolucoes passivas, de uma complexaialetica de r es tau r acdo e r euo lucdo , de c on se ru a cd o e modemizacdo,Ao contrario de "revolucao passiva", que e certamente urn dos conceitos

    centrais dos Cadernos do cdrcere,Gramsci emprega mui to pouco 0 termo~'contrarreforma". Alern do mais, na esmagadora maioria dos casos, 0 termow P - ~ o ~ ~se refere diretamente ao movimento pelo qual a Igreja Cat6lica, no Cenci-

    io deTrento, reagiu contra a Reforma protestante e algumas de suas conse-quencias polit icas e culturais. Mas pode-se rambern registrar que Gramscinao apenas estende 0 termo a outros contextos hist6ricos, como busca ain-da extrair dele algumas caracteristicas que nos permitem, ainda que soapro-ximativamente, falar da criacao, por ele, de urn conceito.

    Sobre a possibilidade de estender historicamente 0 termo, pode-se cons-ta tar que Gramsci , num paragrafo em que fala do humanismo, refere-se auma "contrarrelorma antecipada'". E assim, claro, que, para ele, pode ocor-rer uma cont rarreforma tam bern diante de fenornenos historicos que nao aReforma protestante. Em outro paragrafo, no qual caracteriza as utopiascomo reacoes "modern as" e "populates" a Contrarreforma, Gramsci apre-sen ta urn dos traces defin idores desta u lt ima como sendo proprio de todasl asrestauracoes: ''A Contr~rreforma, [...J de res:o, "" todas ~s=r=:nao foi urn bloco homogeneo, mas uma combinacdo substanczal, se naofor-mal entre 0 velho e 0 nooo'",Parece-me importante sublinhar que, nessa passagem, Gramsci caracteri-za a contrarreforma como uma pura e simples "restauracao", diferentemenrcdo que faz no caso da revolucao passiva, quando fala em "revolucao-restau-racao". Apesar disso, porern, ele admite que hi, ate mesmo nesse caso, umar"combinaC;;aoentre 0velho e 0 novo". Podemos super, assim, que a diferen-

    Ibidem, v.2, p. 157.Ibidem, v.5, p. 143; grifo meu.

    A hegemonia da pequena pol it ica 351 ,. 1 . . S ncia l ent re uma revolucao passiva e uma cont rarreforma reside nO

    JI tlf) I que, enquanto na primeira certamente existem "restauracoes" - mas ~qll( IiI lheram uma certa parte das exigencias que vinham de baixo" -, na I r H f ' J " ' J . , 9 . " r t '_ 1 l \ l l l I d t t e preponderante nao 0momenta do novo, mas precisamente 0 dOJOC~ I f J r l I ." l Il n . ' Ir aca -s e de uma diferenca talvez suril , mas que tern urn significado ( 1 t + V ~ ~ l III t I~l( I' '0que nao pode ser subestimado. I

    11mL vez esbocadas as principais deterrninacoes que as duas nOC;;6eSj ,I ~ 1 I 1 1 1 ' 1 11 ~m Gra.m~~i, pode~os. retor~ar a quest~o formulada acima: a ~ 4 .

    ' 1 ' 1 1 1 1 1 1 1 oliberal, iniciada nas ultimas decadas do seculo XX, aproxima-seIII II I, uma revolucao passiva ou de uma cont rarreforma? A pergunta,

    1 1 1 1 1 1 1 m nte, nao tern nenhum sentido para a propria ideologia neoli-II I Ii ) ,~ideologos do neoliberalismo gostam hoje de se apresentar comoI, I, II!II 's de uma suposta "terceira via" ent re 0 liberalismo puro e a so-III "I'IIIn racia "estatista' e, assim, como representantes de uma posicaoIIII dill nee ligada as exigencias da modernidade (ou , mais precisa-

    " " 1 1 1 1 d \ hamada pos-modernidade) e, portanto, ao progresso!". Assim,I II u u n l cia ideologia neolibera l faz da reforma (ou mesmo da revo-

    I I I III, I qll alguns gostam de falar de uma "revolucao liberal") sua prin-l ti " 1 II II Id Ira.

    II dlIVI'(\ "reforrna' foi sempre organicamente ligada as[utas dos subal-It" , , 1 1 ' 1 trnnsformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu na lingua-1 I Iii Ii (II '[I lima conotacao claramente progressis ta e a te mesmo de es-'I I 1 ,1 ( II ()l~beralismo busca utilizar a seu favor a aura de simpatia queI 'rl I d la de "reforma". E por isso que as medidas por ele propostas e ~

    ,I . I tl l 1 11 11 It s Saomistificadoramente apresentadas como "reformas", isto K i [ R W l P -' 1 1 1 1 1 Il f I) It' gressista em face do "esta ti smo", que, tanto em sua ver- r l r 1 l l r h " l ' { r . .IIllllItllNll omo naquela social-dernocrata, seria agora inevitavelmente \(Stll71. II1 1 1 1 1 1 Ilx "ira ciahistoria. Desta maneira, estamos diante da tentativa1 11 11 , 1 1 1 1 1 II sl nificado da palavra "reforma": 0 que antes da onda neoli -1 11 "1 I I Ii '/,r ampliacao dos direitos, protecao social, controle e limita-III lIB 1 1 1 1 1 0 xc., significa agora cortes, restricoes, supressao desses di-

    dl. (' '01 t ro le . Estamos diante de uma operacao de rnis tif icacaolit It Itjll '. I1N']iunente, tern sido em grande medida bem-sucedida,

    I III" 11111II ourros, Anthony Giddens, A terceira via (Rio deJaneiro, Record,"

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    36 Hegemonia asavessasAo contrario, e com razao que a nocao de revolucao passiva pode ser

    ligada a ideia de reforma, ou mesmo de reformismo, embora se trate emultima insrancia de um reform~smo conservador e "pelo alto" . Como vi-mos. um verdadeiro processo de revolu

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    o de contrarreforma. (De resto, pelo menos nos paises ocidentais, nao setrata de uma contrarrevolucdo, porque neles 0 alvo da ofensiva .neoliberalnao sao os resultados de uma revolucao propriamente dita, mas 0 reformis-mo forte que caracterizou 0 We l fa r e S ta te . ) Decerto, a epoca neoliberal naodestroi integralmente algumas conquistas do Welfare, fato que se deve so-bre tudo a resis tencia dos subal ternos. Por out ro lado, nos circulos neol i-berais mais ligados a chamada "terceira via" (e ate mesmo em organismosfinanceiros internacionais como 0 Banco Mundial) vern se manifestandonos ul timos tempos uma "preocupacao" em face das consequencias maisdesastrosas das polit icas neoliberais (que continuam, malgrado isso, a seraplicadas), entre as quais, por exemplo, 0 aumento exponencial da pobreza.Mas essa "preocupacao" - que levou a adocao de polit icas sociais compen-satorias e paliativas, como e 0 caso do Fome Zero no Brasil - nao anula 0fato de que estamos diante de urn indiscutivel processo de contrarreforma.

    \

    Lembremos que Gramsci nos adverte, como vimos antes, para 0 fata de que"as restauracoes [nao sao] urn bloco hornogeneo, m as u ma c om bin acd o s ub s-t an ci al, s e n d o f or ma l, e nt re 0 v el ho e 0 noua'": 0 que caracteriza urn processode contrarreforma nao e a completa ausencia do novo, mas a enorme pre-ponderancia da conservacao (ou mesmo da restauracao) em face das even-tuais e timidas novidades.

    Como se sabe, Gramsci chamou a atencao para uma importante con-" \ sequencia da revolucao passiva: a pra tica do t ransformismo como mcdal i-

    ade de desenvolvimento historico, urn processo que, atraves da cooptacao'j das liderancas polit icas e culturais das classes subalternas, busca excluf-lasde todo efetivo protagonismo nos processos de transforrnacao social. Em-bora se apresente, nas palavras de Gramsci, como uma "ditadura semhegernonia"!", 0 Estado protagonista de uma revolucao passiva nao podeprescindi r de urn minimo de consenso. E Gramsci nos indica 0modo peloqual as classes dominantes obtern esseconsenso minimo, "passive", no casode processos de transicao "pelo alto", igualmente "passives". Ele se refere aItalia, mas avanca observacoes validas, quando devidamente concretizadas,

    38 Hegemoniaas avessas

    rambem para outros paises e outras epocas:

    13 AntonioCramsci, Ca d er n os d o c d rc e re , cit., v.5, p. 143; grifomeu.14 Ibidem, v.5, p. 330.

    A hegemoniadapequenapolirica 39o transformismo como uma dasformas hist6ricas daquilo que ja foi observadosobre a "revolucao-restauracao" ou "revolucao passiva" [... . Dois periodos detransformismo: 1) de 1860 ate 1900, transformismo "molecular",isto e, asper-sonalidades politicas elaboradas pelos partidos dernocraricosde oposicaose in-corporam individualmente it "classepolitica" conservadorae moderada (caracte-rizadapela hostilidade a toda intervencao dasmassaspopulates na vidaestatal, atoda reforma organica que substituisse0 rigido "dominic" ditatorial por uma"hegemonia");2) a partir de 1900,0 transformismo de grupos radicaisinteiros,quepassam ao campo moderado.'?Uma das razoes que parecem justificar 0 uso do conceito de reVOluc;:aOJ .:v \~ ,

    passiva para caracterizar a epoca do neoliberalismo e precisamente a gene- \ ~ f J 1 O tralizacao de fenomenos de transformismo, seja nos paises centrais, seja nos ,\RwJ)~ :peri fericos, Embora nao me proponha aqui a discut ir mais di retamente a f I \ ,$ W t f ii iquestao (que merece, porern, uma atencio especial), creio que 0 transfer- .misrno como fenorneno politico nao e exclusivo dos processos de revolucaopassiva, mas pode tambem estar l igado a processos de contrarreforma. Sena o Fosse assim, seria dificil compreender os mecanismos q~Z-~ssa~poca,marcaram a acao de sociais-dernocratas e de ex-comunistas no apoio1 muitos governos contrarreformistas em paises europeus, mas tam bern fe-n menos como osgovernos Cardoso e Lula num pais da periferia capital is-t:, como 0 Brasil".

    A dehnicao de nossa epoca como caracterizada pela cont rarreforma en .0 por uma nova revolucao passiva tem irnplicacoes para nossa discussaoobre ascaracteristicas das atuais formas de hegemonia. Para Gramsci, comovlmos , as revolucoes passivas respondem a grandes desafios historicos. A"poca de revolucao passiva iniciada com a Restauracao, na Europa do secu-

    1 0 XIX, pode ser vista como uma resposta "pelo alto" as exigencias postasp la Revolucao Francesa: muitas das conquistas dessa Revolucao sao reco-lhldas, mas ao mesmo tempo emasculadas, gerando aquilo quepoderiamos

    II Ibidem,v. 5, p. 286.III E tambern 0 transiorrnismo que explicaa conversiio,no Brasilde Lula, de impor-

    mutes liderancassindicaisemgestoresdos fundos previdenciarios publicos,ou seja,em lima nova Iracaodasclassesdorninanres. Prefiroconsiderarque esseprocessorrnnslorrnista geraumaf ta fd o d e c 1 as see nao,comoafirmaFranciscodeOliveira,emrftica a razdo dualistal 0ornitorrinco (SaoPaulo, Boitempo,2003), p. 147, uma

    n o ua c 1 as s e.

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    chamar de passagem da democracia radical para 0 liberalisrno moderado.. Algo similar ocorre no americanismo (e em sua expansao no We l ja r e S ta te ) :o ,~~f\" , "d di .. doca k . did"~P7 a concessao e irertos SOCIalS, a ocao eyneslana e e ementos e eco-

    . I~t~nomia programatica' etc. sao tentativas de responder ao desafio anticapita-q ~ \ l ista representado pela Revolucao de Outubro e pela Uniao Sovietica. Emb d I' .. R "m os os casos e revo ucao passlva, ou seja, tanto na estauracao ortocen-t ista quanto no americanisrno-welfarismo, estavam em jogo, em ultima ins-rancia, questoes de "grande polftica": no primeiro caso, a alternativa entre ademocracia plebeia dos jacobinos (que ja apontava para 0 socialismo, aindaque utopico) e 0 l iberalismo burgues moderado; no segundo, a oposicaoentre socialisrno e capitalismo. Ao contrario, a contrar'reforma neoliberalnao tem como pano de fundo nenhuma questao de "grande politica": nadisputa entre republicanos e democratas nos Estados Unidos, entretraba-

    " lhistas e conservadores na Inglaterra, entre direita e "centro-esquerda' na1 lt ili aetc ., nao esta em jogo nenhuma opcao entre di ferentes modelos desociedade. Podemos assim dizer que, na era da contrarreforma neoliberal,tf predomina sem grandes contrastes a hegemonia da pequena polirica.3. Vivemos t ambe r n , no Brasil de hoje, a hegemonia da "pequena poll-

    rica". Malgrado todos os seus limites, a transicao que 0 pais experimentou\'I~~ entre 0 fim dos an os 1970 e meados de 1980 revelou, em seu ponto de

    ~chegada, um dado novo e extremamente significativo: 0 fato de que 0 Bra-il, apos mais de vinte anos de ditadura, havia se tornado preponderante-mente uma sociedade "ocidental" no sentido gramsciano do terrno, ou seja,na qual existe uma "justa relacao" entre Estado e sociedade civil17.

    Mas, se observarmos as sociedades "ocidentais", veremos que elas aprc-sentam dois "modelos" principais de articulacao da disputa pol itica e cb\~ \ .U . .t .\ Q , representacao de interesses. De um lado, h a um modelo que poderfamoxtY. chamar de "norte-americano", caracterizado (como ocorre em toda situacio

    "ocidenral") pela presen

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