limites a produção da moradia social no centro de sp
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pesquisa de iniciação científica que aborda as barreiras a produção de habitações populares no centro de são paulo com a participação dos movimentos populares de luta por terra e moradia: uma impossibilidade pelo sistema capitalista. façamos a revolução socialista!TRANSCRIPT
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1
limites à produção da moradia social
no centro de São Paulo relatório final
pesquisa de iniciação científica PIBIC – CNPQ
faculdade de arquitetura e urbanismo da USP
2003
bolsista. Francisco Toledo Barros
orientadora. Profa. Dra. Ermínia Maricato
coorientadora. Profa. Dra. Maria Lúcia Refinetti Martins
2
agradecimentos a todos entrevistados
e colaboradores da ‘máquina’
companheiros de trabalho
xu, carol, barba, taís, ...
e, principalmente, pacientes,
Malú e Ermínia
3
resumo
A presente pesquisa tem por objetivo identificar os limites,
barreiras e dificuldades enfrentadas tanto pelo poder
público, como por movimentos sociais, construtoras,
cooperativas, assessorias técnicas e arquitetos na produção
de moradia social na região central de São Paulo em
quantidade e qualidade arquitetônica adequadas.
Para tanto foram realizados quatro estudos de caso de
projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas
de promoção pública, bem como uma análise da produção
habitacional privada promovida por construtoras e
cooperativas. Dentre os limites identificados, destacam-se os
ideológico-culturais, políticos, legais, técnico-profissionais,
arquitetônicos e de gestão dos programas habitacionais.
Estas barreiras puderam ser levantadas pelo estudo das
diferentes formas de produção pública e privada, realizado
através de depoimentos dos atores envolvidos, pela visita à
bibliografia existente e pela coleta específica de dados e
informações. Através do quadro de limites elaborado, torna-
se possível uma melhor compreensão das dificuldades
enfrentadas pela população de baixa renda na luta pelo
acesso à infra-estrutura urbana, equipamentos públicos e
serviços de qualidade: cidade a que todos temos direito.
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sumário
1. presentação...............................................................................................................................................................................10
2. introdução.................................................................................................................................................................................12
3. proposta de trabalho....................................................................................................................................................................17
3.1 tema e justificativa...........................................................................................................................................................17
3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho............................................................................................................21
3.2 objeto e objetivo de estudo.................................................................................................................................................22
3.3 metodologia....................................................................................................................................................................24
3.4 cronograma realizado........................................................................................................................................................27
4. produtos da pesquisa.....................................................................................................................................................................28
4.1 estudos de caso da promoção pública.....................................................................................................................................28
4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos programas habitacionais......................................................................................28
estudo I: Madre de Deus.........................................................................................................................................28
estudo II: Riskalah Jorge........................................................................................................................................31
estudo III: 21 de Abril............................................................................................................................................34
estudo IV: Favela do Gato.......................................................................................................................................37
4.1.2 relação dos agentes entrevistados.............................................................................................................................40
4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por terra e moradia no centro...........................................................................42
4.1.4 limites à promoção pública......................................................................................................................................44
4.1.4.1 limites gerais..........................................................................................................................................44
4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais...........................................................................................................45
pré-conceito e discriminação...............................................................................................................45
escala urbana: a segregação sócio-espacial.....................................................................................45
escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’.............................................................51
especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema econômico............................................................56
5
inércia operacional do poder público: manutenção da lógica vigente................................................................66
difícil articulação do povo encortiçado: imobilismo e espera pelo paternalismo estatal.........................................69
4.1.4.1.2 limites políticos............................................................................................................................72
4.1.4.1.2.1 limites da política formal....................................................................................................72
não há ‘vontade política’: conjuntura adversa e correlação de forças incipiente........................................73
falta de recursos: o discurso das limitações financeiras do estado..........................................................77
leis que não se aplicam: o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação de forças...............80
desarticulação dos diferentes níveis de governo: disputa pelos louros das unidades habitacionais....................84
o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral e o apagar da história adversária....................86
4.1.4.1.2.2 limites da economia política................................................................................................91
localização: o alto custo da terra na região central...........................................................................93
baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação........................................................98
baixos salários e desemprego: não há renda que mantenha a habitação.................................................104
gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda.........................................................................108
4.1.4.1.3 limites jurídico – legais.................................................................................................................120
lei de HIS: entrave a soluções inteligentes e econômicas.............................................................................120
uso misto: programas públicos não o comportam......................................................................................123
irregularidades fundiárias: dívidas, desvios e litígios de propriedade...............................................................125
burocracia: morosidade e demora nos processos públicos............................................................................127
4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais.........................................................................................................129
poucos técnicos e despreparados: a fazer trabalhos nunca antes realizados......................................................129
tecnologia: haveria um novo ‘ovo de Colombo’?........................................................................................131
4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas......................................................................................................134
operacionalização: estrutura ineficiente na gestão das ações.......................................................................134
relação inter-secretarial: atomização setorial e falta de integração...............................................................136
bases de dados: por onde e com quem começar?.......................................................................................137
estoque de terras: não há uma política fundiária favorável..........................................................................139
4.1.4.1.6 limites arquitetônicos...................................................................................................................143
casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas.................................................................143
6
4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos...............................................................................................146
4.1.4.2.1 limites ideológico – culturais específicos...........................................................................................146
especulação produtiva: normalidade na exploração do operário da construção civil.............................................146
o sonho da casa própria: por que pagar por aquilo que não é meu?.................................................................150
relação estado – associações: dificuldades de uma relação parietária..............................................................155
4.1.4.2.2 limites políticos específicos...........................................................................................................157
4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico.....................................................................................157
clientelismo: servir apenas aos meus eleitores...............................................................................157
4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico.................................................................................159
cadastro de seleção das famílias: mecanismo de exclusão sócio econômica.............................................159
4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos.................................................................................................161
lei 8666: limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público..............................................................161
lei 8666: limites à contratação de assessorias técnicas...............................................................................164
4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos.......................................................................................167
participação popular nos programas: necessidade de melhor qualificação da prática...........................................167
participação popular na concepção arquitetônica dos projetos: pontual e deficiente...........................................171
moradias transitórias: pequenas e de má qualidade...................................................................................175
4.2 análise da produção residencial pelo mercado.........................................................................................................................177
4.2.1 capitalismo sem mercado................................................................................................................................................177
4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais pelo mercado.......................................................................................179
4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo mercado..............................................................................................184
4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais autofinanciadas............................................................................................187
4.2.5 limites à produção residencial privada......................................................................................................................190
4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados.................................................................................................................190
4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas autofinanciadas........................................................................191
4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS pelo mercado.........................................................................205
4.3 conclusões finais: limites à produção da moradia social no centro de São Paulo...............................................................................210
7
5. bibliografia fundamental...............................................................................................................................................................214
6. Anexos.....................................................................................................................................................................................219
I projetos e fotos dos estudos de caso
II tabela dos limites à promoção pública
III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional
IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de imóvel e localização no centro
V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais autofinanciadas.
8
siglas:
AVC – Associação Viva o Centro
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CEF – Caixa Econômica Federal
Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais do Estado de São Paulo
Gov. Est. – Governo do Estado de São Paulo
MMC – Movimento de Moradia do Centro
MNLM – Movimento Nacional dos Movimentos de Moradia
MSTC – Movimento dos Sem Teto do Centro
MTSTRC – Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central
PAC – Programa de Atuação em Cortiços
PAR – Programa de Arrendamento Residencial
PHRCSP - Programa de Habitações da Região Central de São Paulo
PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo
RMSP – Região Metropolitana de São Paulo
Sciesp – Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo
Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
Secovi / SP – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo
Sedu – Secretaria de Desenvolvimento Urbano (integrante da presidência da república, gestão Fernando Henrique Cardoso)
Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo
UMM – União dos Movimentos de Moradia
ULC – Unificação das Lutas dos Cortiços
9
tabelas:
tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo pelos movimentos de luta por terra e moradia.
tabela 2: domicílios particulares vagos dos distritos centrais de São Paulo
tabela 3: gestões governamentais por legenda partidária
tabela 4: evolução do preço do m² de terreno e do salário mínimo
tabela 5: renda familiar por faixas de salário mínimo
tabela 6: distribuição percentual do numero de famílias e moradores por estrato de renda familiar.
tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo da renda familiar.
tabela 8: lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor de lançamento
tabela 9: localização dos empreendimentos e unidades habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.
tabela 10: unidades lançadas no centro por faixas de valor de lançamento
tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção habitacional pelo mercado
tabela 12: lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP
tabela 13: empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela PMSP durante o período de um ano
tabela 14: localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no centro
tabela 15: dados de exemplos da produção de cooperativas habitacionais de autofinanciamento
tabela 16: lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP por faixa de valor do imóvel
tabela 17: lançamentos residenciais de cooperativas habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’ e ‘HIS’ em geral
tabela 18: localização dos lançamentos residenciais por cooperativas autofinanciadas
tabela 19: custos da construção habitacional – comparação aproximada entre promoção pública e privada
tabela 20: estimativas do déficit habitacional urbano por faixas de renda mensal familiar na RMSP
10
1. apresentação
O presente relatório final de iniciação científica apresenta os
resultados da pesquisa intitulada “Limites à produção da moradia
social no centro de São Paulo”, realizada entre setembro de 2002 e
outubro de 2003.
Inicialmente, na Introdução, tecemos um breve apanhado histórico
acerca de questões que permeiam o tema da pesquisa: a moradia
das classes de baixa renda no centro de São Paulo.
Posteriormente, no capítulo 3 - proposta de trabalho, apresentamos
os objetivos, a metodologia empregada na pesquisa, bem como o
cronograma das atividades realizadas.
Mais adiante, no capítulo 4 - produtos da pesquisa, apresentamos os
resultados dos trabalhos, iniciando pelos estudos da promoção
pública, em que primeiramente caracterizamos os programas
habitacionais abordados, os estudos de caso, os agentes
entrevistados e, mais especificamente, o papel dos movimentos
populares de luta por terra e moradia na região central. Daí,
partimos para o relato da identificação dos limites à produção
habitacional de promoção pública, a partir de depoimentos dos
agentes envolvidos na cadeia produtiva das moradias e sobre o
conteúdo da bibliografia fundamental. A apresentação desses limites
organiza-se segundo temas e abrangência: primeiramente os limites
gerais a todos os programas habitacionais abordados, seguidos dos
limites específicos a cada um deles.
Findada a incursão pela promoção pública, adentramos na análise da
promoção residencial pelo mercado. Tecemos inicialmente algumas
considerações acerca de questões inerentes ao tema, para sua
posterior caracterização por meio de dados sobre os lançamentos
imobiliários na RMSP e no centro de São Paulo: tratamos de números
da produção residencial em geral, de interesse social e por
cooperativas autofinanciadas.
Em seguida apresentamos os limites à ampliação da produção da
moradia popular pelo mercado, identificados nas entrevistas com
dirigentes de entidades representativas do setor: empresários da
construção civil, cooperativas e corretores de imóveis. Como
complementação às informações das barreiras à produção
residencial privada, reproduzimos, como anexo a “Agenda para
ampliação do mercado da moradia popular”, produto do seminário
de mesmo nome, promovido pela PMSP em novembro de 2002.
A conclusão dos trabalhos encontra-se no final do relatório, em
capítulo à parte, e congrega, por meio de uma breve análise, o
esboço de algumas possíveis leituras acerca dos limites
identificados, bem como descreve a necessidade de posterior
continuidade da observação e da análise do material coletado, para
que daí, conclusões mais assertivas possam ser traçadas.
11
As leituras programadas realizadas no decorrer dos estudos e a
bibliografia de referência podem ser observadas logo após a
conclusão, e antes dos anexos, que contém os projetos de
arquitetura dos estudos de caso, bem como outras tabelas e imagens
complementares à pesquisa.
12
2. introdução
Antes de adentrarmos na proposta de trabalho e nos resultados da
presente pesquisa, faz-se necessária uma breve abordagem histórica
da habitação das classes de baixa renda no centro de São Paulo1.
Segundo estudos de Flávio Villaça, há indícios da existência de uma
regra de ordenamento espacial das cidades brasileiras, que não
permite a ocupação habitacional das regiões consideradas centrais
por indivíduos não detentores de ‘poder’. Aqui, no caso das classes
de baixa renda, o econômico.
Iniciaremos nossa breve incursão histórica nos anos mais próximos da
república, certos de que se adentrarmos em períodos mais remotos,
como a fundação da vila paulistana, também encontraríamos
indícios da existência dessa regra de ordenamento espacial das
cidades brasileiras, como relatado por Antônio Rodrigues Porto em
“História Urbanística da Cidade de São Paulo”: “(...) Por essa época
[1560], já existiam numerosas casas em São Paulo; porém os índios
passaram a mudar-se para as aldeias de Nossa Senhora dos Pinheiros
e de São Miguel”2. Infelizmente por hora não temos como objetivo
adentrar neste período histórico, nem dispomos de informações que
expliquem a saída dos nativos da recente vila paulistana. O que é
certo é que os detentores de ‘poder’ na época não eram eles, mas
sim os recém chegados europeus.
1 A área central referenciada para esta pesquisa será aquela compreendida pelos dez distritos que compõem a Administração Regional da Sé: Bom Retiro, Pari, Brás, Cambuci, Liberdade, República, Sé, Bela Vista, Consolação e Santa Cecília. 2 Porto, Antônio Rodrigues. “História urbanística da cidade de São Paulo (1554 a 1988)”. 1992:11.
Deixemos essa questão para ser analisada em momento mais
oportuno. Vejamos, então, características mais recentes da
dinâmica urbana na qual o centro de São Paulo se insere. Para
tanto, serão abordados os trabalhos de Flávio Villaça acerca das
estruturas territoriais e suas localizações intra-urbanas, bem como
de sua constituição e movimentação.3
Ao observar as estruturas intra-urbanas de São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, Villaça nos
apresenta a segregação sócio-espacial4 como uma tendência
estruturadora das metrópoles brasileiras, apontada pela localização
das populações de alta renda numa “única região geral” da
metrópole. No caso de São Paulo, essa população concentra-se sobre
o vetor sudoeste, tendo primeiramente se estabelecido nos bairros
de Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista, ao final do séc.
XIX. Esta localização deu “início então à clara ocupação do
quadrante sudoeste da capital pelos bairros de alta renda num
caminho que permanece até hoje e se firmou como um elemento
básico na definição de toda a estrutura territorial da metrópole”5,
até atingir na atualidade, Alphaville e Itapecerica da Serra, já
distantes do centro e fora do município de São Paulo.
Ao mesmo tempo em que as populações de alta renda se expandiam,
movimentando-se ao longo de um eixo, em busca de novos padrões
habitacionais e urbanos, o centro econômico da cidade, inicialmente 3 Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998. 4 Compreenderemos como conceito de segregação sócio-espacial: “a alta concentração de camadas sociais [de renda próxima] em determinada parcela do espaço urbano”, proposto por Villaça, 1999: 224. 5 Villaça, 1998: 196.
13
localizado no centro histórico, passou a seguir “o encaminhamento
das camadas de alta renda, e ter as posições abandonadas ocupadas
pelo comércio e serviços orientados para as camadas populares.”6
Nas décadas de cinqüenta e sessenta “já eram notáveis os sinais de
estagnação [econômica] do centro principal e de formação de um
centro novo na região Paulista – Augusta.”7 Têm-se com o
deslocamento das atividades de comércio e serviço voltadas à
população de alta renda, um processo de criação de novas
centralidades, que se estende até a atualidade. Cria-se então um
novo paradigma de ocupação, que “pode envolver a região da
avenida Faria Lima, a da marginal do Rio Pinheiros e até mesmo a
avenida Luís Carlos Berrini.”8
Villaça conclui que o habitualmente chamado processo de
“decadência” ou “deterioração” da região central, trata-se do
“abandono do centro principal como local de emprego das camadas
de alta renda; abandono de diversão, lazer e atividades culturais;
como local de compras e moradia”.9 Afirmando ainda que “(...) na
década de 1980, os centros principais já estavam quase que
totalmente tomados pelas camadas populares”.10
Enquanto o comércio e os serviços da região central voltam-se para
a população de baixa renda, o mesmo ocorre com o uso
6 Idem: 265. 7 Idem: 278 8 Idem: 266. 9 Idem: 277. 10 Idem: 283.
habitacional, agora com maior intensidade, como observado por
Suzana Pasternak Taschner:
“Uma vez analisada a evolução dos níveis de pobreza, convém
enfatizar a existência de novas tendências na distribuição espacial
da pobreza. Essas tendências já eram insinuadas pelas mudanças no
padrão de crescimento demográfico intra-urbano: se o anel
periférico cresce a ritmo menor e a pobreza aumentou, certamente
ela se realocou espacialmente. Se até os anos 70 a associação
periferia-pobreza-população jovem espelhava um modelo de
urbanização concentrado no loteamento irregular – casa própria –
autoconstrução, nos anos 80 a inflexão do padrão periférico do
crescimento urbano, aliada ao empobrecimento, sugere uma forte
presença de cortiços em muitos pontos da área central”.11
O mais recente levantamento completo da população encortiçada na
cidade de São Paulo (FIPE, 1993), indica na área da Administração
Regional da Sé, a existência de 119.255 pessoas, em 4.441 imóveis
encortiçados, o que representa aproximadamente 25% dos
moradores da regional.12
A presença de cortiços na região central de São Paulo é dada desde
1870, e segundo os estudos de Nestor Goulart Reis, em 1900 o
cortiço é forma de residência para um terço das famílias da cidade,
devido à chegada de imigrantes europeus, e ao êxodo rural
resultante da abolição do trabalho escravo.13
11 Taschner, 1998: 175. 12 Taschner, 1994. 13 Reis, 1994: pág. 15.
14
Desde o aparecimento dos cortiços, o tratamento pelo poder público
sempre foi, em via de regra, o descaso ou a realização de uma
“limpeza urbana” com sua demolição ou remoção14.
Mais de um século depois, em 1985, na gestão municipal de Mário
Covas, o poder público passou a considerar o cortiço, sob o aspecto
legal e político, como um grave problema habitacional. O Plano
Habitacional do Município15 propõe a reabilitação de imóveis
encortiçados, através de programa de autogestão. São concretizadas
apenas intervenções diretas e pontuais, ‘não construtivas’, como a
assistência aos moradores para a individualização das contas de luz, 16 conforme a mudança de gestão e à conseqüente alteração das
políticas habitacionais.
Doravante nesse campo, a realização de planos e programas de ação
tornar-se-ia uma constante. Mas produziria apenas projetos pilotos
pontuais, em número relativamente pequeno diante da enorme
demanda, se observados os dados coletados por Helena Menna
Barreto Silva, entre os anos de 1965 e 1997 foram produzidas
153.758 unidades habitacionais na cidade de São Paulo pelo poder
público17. Deste universo, apenas 2,59 % localizam-se próximas à
região central, enquanto que 61,50% das unidades se encontram nos
extremos da zona leste da cidade.
14 Bonduki 1998: pág.41. 15 Sachs, 1990: pág. 190. 16 Taschner, 1997: pág 61. 17 Compreendidas a produção de COHAB, HABI e CDHU, segundo dados do levantamento realizado por Silva, Helena (tese de doutorado) 1998.
As primeiras unidades habitacionais produzidas diretamente pelo
poder público voltadas para a população encortiçada se deram na
gestão municipal de Luiza Erundina (1989-92) pelo Programa
Habitacional para a População de Baixa Renda da Região Central,
através do programa Funaps Comunitário. Essa iniciativa,
conquistada pela pressão dos movimentos populares de luta por
terra e moradia do centro, tem como resultado material a
construção de dois edifícios situados na Moóca e no Brás, através do
regime de mutirão autogerido. O primeiro destes, com 45 unidades,
nomeado “Madre de Deus”, foi finalizado em 1995 na gestão de
Paulo Maluf (1993-96). O segundo, de 182 unidades, sito à avenida
Celso Garcia, teve sua obra interrompida durante as duas
administrações seguintes18 e retomada pela gestão de Marta Suplicy
(2001-04), sendo inaugurado em maio de 2003.
No ano de 1997, com a crescente organização da população
moradora de cortiços na região central, deflagrou-se a ocupação de
imóveis vazios nos bairros centrais, por movimentos sociais de
reivindicação por moradia digna19. Foram ocupados 30 edifícios em
três anos, com o objetivo de pressionar o poder público pelo
cumprimento do direito à habitação de qualidade, bem como pela
efetivação de uma política de habitação de interesse social com
participação popular nas áreas centrais20. Ainda em agosto de 2003,
18 Piccini, 1999: pág. 94,95. 19Os movimentos de moradia referenciados para esta pesquisa são os seguintes: Movimento de Moradia do Centro (MMC), Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), Fórum dos Cortiços e sem teto do centro e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central (MTSTRC). 20 Jornal do Fórum Centro Vivo, no. 1, jun. 2001.
15
havia aproximadamente 1.500 famílias habitando 15 edifícios
ocupados21.
O Governo do Estado na gestão de Mário Covas (1995-98), através da
CDHU, criou o PAC - Programa de Atuação em Cortiços, que desde
então desenvolveu e encaminhou propostas de intervenção em áreas
encortiçadas de Santos e São Paulo, apesar de que estudos no
sentido da criação desse programa pela CDHU datam desde a criação
da companhia22. Em agosto de 2003, o programa atua por meio de
Setores Globais de Intervenção, nos quais pretende construir novas
unidades e reciclar imóveis encortiçados. Os recursos provêem do 1%
da arrecadação do ICMS estadual, e do BID - Banco Interamericano
de Desenvolvimento, que prevê um empréstimo de U$ 70 milhões
para o programa23. Em agosto de 2003 encontravam-se edificados
348 apartamentos no Pari e em Santa Cecília, e 66 em obras no
Cambuci.
Em abril de 1999 a gestão de Fernando Henrique Cardoso no Governo
Federal (1999-02), criou o PAR, Programa de Arrendamento
Residencial, que, por meio da Caixa Econômica Federal,
disponibilizou R$ 880 milhões para o financiamento de habitações
para famílias com renda de três a seis salários mínimos, em todo o
21 União dos Movimentos de Moradia, agosto de 2003. 22“A bem da verdade, programas novos como os de ação em cortiços, operações urbanas, inovações tecnológicas e renovação urbana estavam em estruturação na Companhia desde sua fundação. O fato de não terem sido implementados indica que, muitas vezes, os ‘programas em estruturação’ servem de espaço para a contenção de demandas que não estão no horizonte de realização da Companhia, ficando em estudo até que enfraqueçam”. Royer, Luciana. 2003:70. 23 Publicado no sítio da CDHU, outubro de 2001.
país24. Esse programa desencadeou o desenvolvimento de alguns
projetos de reciclagem de edifícios na área central para fins
habitacionais, com a participação direta dos movimentos de moradia
e assessorias técnicas. Em maio de 2001 um primeiro edifício, com
54 unidades habitacionais, teve sua reforma concluída. Em agosto de
2003 havia um total de 380 unidades edificadas e 84 em obras,
apesar do cemnúmero de estudos realizados não aprovados pela
CEF.
A gestão municipal de Marta Suplicy apresentou em maio de 2001
suas propostas para atuação na área central e realizou um convênio
com a CEF com o objetivo de acelerar os imóveis em reforma pelo
PAR. Deste então tem implementado o Plano Reconstruir o Centro,
que trata da questão habitacional através dos PRHI, Perímetros de
Reabilitação Integrada do Habitat, idealizados no Programa Morar
Perto, inicialmente formulado por movimentos de moradia e
assessorias técnicas. Outra forma de provisão habitacional é o
Programa de Locação Social, que prevê a construção de 1607
unidades até março de 2005, das quais 486 encontram-se em obras,
e o restante em fase de projeto.
Verificamos que nos últimos quinze anos são apresentados à cidade
de São Paulo programas, iniciativas e recursos para a produção de
moradias de interesse social na região central. O resultado até então
alcançado: 955 unidades habitacionais edificadas25, diante da
24 Publicado no sítio da Caixa Econômica Federal, junho de 2001. 25 Unidades edificadas pela PMSP, CDHU e CEF, até set de 2003.
16
premente demanda e dos objetivos do próprio poder público26,
encontram-se muito aquém do esperado.
Quais os impedimentos ou limites que tornam inviável o
atendimento da demanda e a concretização dos objetivos da
produção da moradia social no centro?
De modo que possa ser efetivada, de forma ampla, uma política
urbana que reordene a localização das moradias na cidade como um
todo, respeitando o meio ambiente e as áreas de mananciais.
É da identificação desses limites que pretendemos tratar no
presente relatório de Iniciação Científica.
26 A demanda habitacional e os objetivos do poder público serão tratados no decorrer de nossos estudos
17
3. proposta de trabalho
3.1 tema e justificativa
O presente relatório de pesquisa de Iniciação Científica aborda os
limites impostos ás iniciativas do poder público e do mercado de
reversão da histórica falta de qualidade e insuficiente quantidade de
moradias voltadas à população de baixa renda na região central de
São Paulo.
Optamos por este tema de estudo, dentre outros que serão mais
adiante apresentados, pois, é de se notar que a cidade de São Paulo
apresenta um quadro de demandas objetivas, que demonstram a
premente necessidade da produção destas moradias na região
central.
Essas demandas são aqui apresentadas pelo déficit habitacional,
como por dados urbanísticos e demográficos da cidade de São Paulo:
a) Déficit habitacional da cidade:
- Aproximadamente 2 milhões de favelados (FIPE 1993).
- Aproximadamente 600.000 encortiçados, dos quais 119.225 na
região central (20% dos cortiços da cidade e 25% da população
da região central) (FIPE 1993).
- 4.384 moradores de rua, apenas nos bairros da Moóca, Brás,
Sé, República e Liberdade. (FIPE 2000).
b) Dados urbanísticos e demográficos:
- As novas habitações para população de baixa renda se
encontram em grande parte na periferia, em conjuntos
habitacionais (produzidos pelo próprio poder público) ou
unidades autoconstruídas em diversas ocupações ilegais
(GROSTEIN, 1998). Muitas são uma ameaça aos mananciais ou
localizam-se em áreas de risco. Resultam em custos elevados
para o poder público pela demanda de nova infra-estrutura.
- Moradores de cortiço pagam o “aluguel” mais caro da cidade –
R$ 13,17/m², enquanto que a média da cidade é de R$
9,00/m² (Kohara, 1999).
- Nos últimos dez anos houve uma perda de 19,73% de
moradores do centro para as regiões periféricas, que no
mesmo período tiveram um crescimento de 210,30%, em
Anhangüera/zona norte, e 97,92% em Cidade Tiradentes/zona
leste, segundo a sinopse preliminar do recenseamento
realizado pelo IBGE em 2000.
- Trabalham na região central 38,5% dos paulistanos (FIPE,
1995), obrigando a realização de milhões de viagens
pendulares diárias, sobretudo na periferia, resultando em
sobrecarga no sistema de transporte.
- 59,9% dos chefes de família que habitam a região central vão
a pé para o trabalho, e 65% das famílias não têm automóveis
(FIPE 1998).
- Pressão dos movimentos de luta por moradia organizados,
com aproximadamente 1500 famílias ocupando 15 edifícios
(UMM, setembro de 2003).
18
Ao lado das demandas objetivas, podem ser apontadas diversas
potencialidades, que indicam a possibilidade do desenvolvimento de
uma ampla produção de moradias de interesse social, de qualidade,
localizadas no centro:
- 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios
completamente desocupados (IBGE, 2000), possíveis alvos de
reciclagem ou reforma para fins habitacionais.
- 784.066 m² de terrenos vazios – 4,9 % das áreas de quadras -
(PMSP/SEMPLA, 1999), potenciais áreas para a edificação de
moradias.
- Baixa densidade de bairros da região central - Pari: 53,2
hab/ha, Bom Retiro: 69,5 hab/ha, Brás: 76,2 hab/ha,
Cambuci: 82,3 hab/ha, e Sé: 101,2 hab/ha (IBGE1991).
- Trata-se de uma área totalmente servida por infra-estrutura,
dispensando grandes investimentos públicos para seu
adensamento.
- Experiências piloto de habitação de interesse social na região
central, realizadas durante a gestão Luiza Erundina como o
projeto elaborado por estudantes e professores do Escritório
Piloto do Grêmio Politécnico da USP, em setembro de 1999.
Este projeto demonstra possíveis alternativas de
requalificação de edifícios (LABORATORIO INTEGRADO E
PARTICIPATIVO PARA A REQUALIFICAÇÃO DE CORTIÇO, 1999).
- Presença de edifícios de valor arquitetônico ou histórico, que
com o uso habitacional poderiam ser recuperados e
preservados.
- Experiências internacionais e nacionais que poderiam
contribuir com o processo de formulação e gestão das
propostas, como Bolonha, Lisboa (CLADERA, 1995), Havana
(PLAN MAESTRO DE REVITALIZACIÓN INTEGRAL DE LA HABANA
VIEJA, 1999) e Salvador (FERRAZ, 1993 e BARDI, 1994).
- Três programas públicos em andamento: PAC, Programa de
Atuação em Cortiços, do governo estadual com US 70 milhões;
PAR - CEF, Programa Arrendamento Residencial, do governo
federal, com R$ 880 milhões; Programa de locação social,
parte integrante do Programa Morar Perto, com U$ 32
milhões.
Diante do quadro fornecido pelas demandas objetivas e
potencialidades, poderíamos concluir pela viabilidade de uma
significativa produção da moradia de interesse social na região
central, mas não é que ocorre.
Diante destas contradições, é que notamos a necessidade de uma
abordagem mais cuidadosa da questão da habitação das classes de
baixa renda no centro. Pois esta demonstrou ser reflexo claro e
didático dos conflitos de classe social presentes na lógica de
funcionamento da cidade de São Paulo.
Á partir da participação nos seguintes encontros: “Habitação no
Centro de SP: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo
LABHAB/FAUUSP em outubro de 2000; “Seminário dos Movimentos de
Cortiços” e “6º Encontro Estadual de Moradia Popular”, organizados
pela União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, em março e
19
maio de 2001, respectivamente; e “Comissão Especial de Estudos
sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara Municipal de
São Paulo, de maio a setembro de 2001, é que percebemos a
presença de barreiras, problemas ou limites à produção de HIS, a
partir de questões levantadas por representantes dos movimentos de
moradia, técnicos do poder público, arquitetos, engenheiros...
sempre a tentar identificar quais são e qual é a mais importante
barreira à produção de HIS no centro.
Enumeramos abaixo as questões levantadas nos eventos referidos,
colocadas por agentes da cadeia de produção dessas unidades. As
questões mais recorrentes foram:
- A moradia de interesse social na região central é tida como
prioridade nas gestões governamentais?
- Estariam os atuais programas organizados na maneira mais
econômica para a produção em massa e de qualidade dessas
habitações? A máquina estatal estaria preparada para esta
produção? Haveria uma integração entre as diferentes esferas
de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como entre
suas próprias secretarias?
- Devido à recente realização de investimentos na região
central, ocorre uma revalorização dos imóveis27 que
impossibilita sua compra pelo poder público ou pelos
moradores? 27Entre 1996 e 1999 o poder público investiu na região um total de 191,7 milhões de reais, e a iniciativa privada 152,1 milhões de reais. Tais recursos foram aplicados em reforma e reciclagem de edifícios para sala de concertos, teatros, museus, centros culturais, shoppings centers, hotéis, viadutos, dentre outros. (ANDRADE, 2001)
- É possível a construção de unidades habitacionais com uma
área útil aceitável diante dos atuais valores dos imóveis no
centro e os valores dos financiamentos dos programas
públicos?
- As exigências dos órgãos financiadores aplicam-se à realidade
das famílias de baixa renda?
- Há levantamentos, cadastros e bancos de dados dos cortiços e
imóveis ociosos, necessários para informar as intervenções e a
produção das moradias?
- Há uma legislação que possibilite a reabilitação e reciclagem
de edifícios com mudanças de uso (por ex. comercial para
residencial ou uso misto), ou que viabilize a reformulação de
seu projeto arquitetônico?
- Há técnicos suficientes e qualificados para a realização de
uma produção ou reforma em massa e de qualidade destas
habitações? Há tecnologia disponível no país?
- A população participa efetivamente dos programas públicos,
ou estes são impostos de cima para baixo, anulando a
importante sinergia gerada pelo trabalho participativo?
- As populações de baixa renda têm condições de permanecer
em seus novos imóveis, diante do atual estoque habitacional
e de um mercado residencial restrito? Há sustentabilidade
econômica para manutenção física destes edifícios? 28
28 Há casos como o de Salvador (após a gestão municipal de Mário Kertesz) em que parte da população original mudou-se da região central, devido à valorização imobiliária resultante da realização de investimentos no entorno, ou em suas residências. In: “Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no final do séc. XX”. Souza, 1999: 125.
20
- Estão previstos incentivos fiscais para a produção de moradias
de baixa renda na região central?
Como se pode observar, essas questões demonstram haver
contradições ue levantam a possibilidade da existência de limites à
produção de HIS no centro.
Diante de tantas e ricas questões, inicialmente confusas e dispersas,
é que percebemos a necessidade de sua documentação, organização
e sistematização.
Pois, qualquer ação que se pretende transformadora, e que trabalhe
para a superação de entraves à equalização da qualidade de vida de
toda a população, necessita, primeiramente, do conhecimento e da
apreensão de quais são, e de como funcionam esses mesmos
entraves. Para que, posteriormente, sobre o universo desses
entraves, então apreensível, possa ser realizado um planejamento,
também cuidadoso, dos caminhos e das ações a se realizar para sua
clara e definitiva eliminação.
É de apresentar o estudo que buscou identificar quais são e como
agem os entraves, ou limites à produção de HIS no centro, que, por
hora, tratamos.
O mesmo fenômeno ocorreu em Buenos Aires, In: Revista Urbs, ano IV, no. 21, abril/mai de 2001: 40-46.
21
3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho
No início dos estudos dos limites à produção da moradia social
promovida pelo poder público no centro, deparamo-nos com diversas
barreiras a essa produção causadas por deficiências na produção de
residências promovidas pelo mercado imobiliário.
Essas barreiras são resultado da dificuldade de acesso à moradia
pelas classes sociais com faixas de renda entre seis e doze salários
mínimos. Não há meios relevantes de financiamento habitacional
para essas famílias, compostas por trabalhadores regularmente
empregados, como funcionários públicos, bancários, professores,
etc.
Há principalmente apenas duas formas predominantes de
financiamento: a de juros altos, cobrados pelo sistema bancário de
mercado, que permitem apenas o acesso de famílias de renda
superior a doze salários mínimos, e outra de juros mais baixos,
subsidiados, voltados para famílias de renda inferior a seis salários
mínimos, através dos programas públicos de habitação.
Esta situação faz com que as famílias excluídas do sistema de
financiamento, busquem as moradias produzidas com recursos
subsidiados voltadas às classes de baixa renda.
Esta ‘busca’ por moradias produzidas pelos programas públicos faz
com que seu valor de mercado se eleve, devido sua procura por
famílias de renda maior.
Diante deste ‘mercado estreito’, que atende apenas as famílias de
renda superior a doze salários mínimos, as classes de baixa renda
vêem-se portadoras de um bem pelo qual não conseguem se manter.
E, diante das dificuldades econômicas, elas vêem-se obrigadas a
vender suas casas, como forma de sobrevivência, utilizando-se dos
recursos para manutenção de suas despesas diárias, ou
simplesmente para se alimentar, ou “comer a casa” (segundo relato
de uma das lideranças populares dos movimentos de moradia:
Verônica Krol).
Assim, as famílias de renda média, que teoricamente deveriam ter
acesso à moradia através do mercado, usufruem dos recursos
públicos, que teriam de estar voltados às famílias de menor renda.
Desta forma, a presença de um ‘mercado estreito’ torna-se uma
barreira e até um limite à permanência das famílias de baixa renda
na região central.
Para a abordagem do limite identificado, aqui denominado como
‘mercado estreito’, foi necessária a realização de uma análise
paralela aos estudos dos programas públicos de habitação social no
centro, pois este limite se manifesta em uma esfera de produção
diferente da promoção pública. Trata-se de uma esfera diversa,
regida por outra lógica, mas que também sofre conseqüências de
barreiras colocadas aos programas públicos, como veremos mais
adiante.
22
3.2 objeto e objetivo de estudo
O objeto de estudo da presente pesquisa é a produção da moradia
social de promoção pública na região central de São Paulo, e a
produção habitacional através do mercado na Região Metropolitana
de São Paulo.
Trata-se de uma pesquisa que analisa a produção, compreendida
como um processo que envolve os agentes responsáveis pela
materialização das unidades habitacionais. Sua observação permite
nos revelar questões inerentes à prática, ao como fazer, de fato.
O objetivo do estudo é identificar os limites, barreiras ou
dificuldades impostos à produção da moradia social no centro, em
massa, com qualidade, e segundo as reais demandas e necessidades
da população.29
Para o alcance deste objetivo, dividimos o referido objeto de estudo
em duas partes consonantes: abordagem da produção da moradia
social promovida pelo poder público, através do estudo de quatro
projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas; e
abordagem da produção habitacional promovida por empresas e
cooperativas privadas.
29 Compreenderemos como “edificação em massa”, a quantia necessária para uma efetiva diminuição do déficit habitacional paulistano, atingindo taxas aceitáveis de desocupação de imóveis da região central. A habitação “de qualidade” será compreendida como o conceito de “moradia digna”, apresentada pelo Tratado dos Direitos Econômicos e Sociais da ONU, ratificado pelo Brasil em 1992. Publicado pelo Instituto Cidadania, no “Projeto Moradia”, 2000, contracapa.
Nos estudos da promoção pública foram abordadas as diferentes
formas de condução das seguintes partes ou áreas do processo de
produção das unidades habitacionais:
- Contexto e elaboração da política de habitação e do espaço
urbano, bem como dos programas habitacionais.
- Financiamento – por exemplo: carência, faixa de renda,
quantia de recursos, taxa de juros, subsídios (...).
- Realização do projeto arquitetônico - ex: com a participação
da população moradora, isolado da população moradora (...).
- Construção/gestão da obra – por exemplo: mutirão,
terceirizada, autogestão (...).
- Acesso às unidades habitacionais – por exemplo: cadastro
público e sorteio por entidades públicas, cadastro de
pontuação por participação popular em movimentos populares
(...).
Para tanto, abordamos os agentes envolvidos na condução das
diferentes partes ou áreas do processo de produção:
- Poder público: governos federal, estadual e municipal.
- Financiador das habitações: bancos privados / fundos
públicos.
- Projetistas das habitações: assessorias técnicas / empresas
públicas ou privadas
- Construtores das habitações: construtoras privadas/
mutirantes / mistos.
23
- Usuários da habitação: movimentos de moradia / associações
/ encortiçados / cooperados.
Na análise da promoção pelo mercado residencial visitamos
informações acerca da produção habitacional por construtoras e por
cooperativas autofinanciadas.
Para tanto, abordamos dirigentes das instituições de representação
dos agentes produtores: construtoras e cooperativas.
De modo a certificar-nos da clareza dos objetivos da presente
pesquisa, reiteramos: a pesquisa de iniciação científica aqui
apresentada se trata de um despretensioso estudo que visa apenas
identificar os limites à produção da moradia social no centro.
Portanto, nossa única questão base é:
Quais são os limites à produção da moradia social no centro de São
Paulo?
Assim, não nos cabe aqui a elaboração de profundas conclusões,
hierarquização e comparação dos limites, e muito menos, o
apontamento de soluções para os limites identificados.
Nosso objetivo é de documentar ou retratar um dado momento da
história através do ponto de vista dos agentes envolvidos na
produção da moradia social no centro. Trata-se exclusivamente de
uma pesquisa de base, que objetiva alimentar futuros trabalhos ou
atividades acerca do tema.
Pois, como veremos na conclusão dos estudos, a tarefa do
apontamento de soluções aos limites identificados não cabe a apenas
uma pessoa, ela é essencialmente coletiva.
24
3.3 metodo
Partimos da premissa de que os estudos de caso de projetos
habitacionais e a análise das formas de produção pelo mercado nos
permitiriam identificar as barreiras mais relevantes à produção da
moradia de interesse social na região central.
Para tanto, foi construído ao longo do período da pesquisa um
embasamento teórico mínimo referente às questões arquitetônicas,
urbanísticas e sociais que permeiam o tema de estudo, por meio da
seleção, análise e fichamento de trechos da bibliografia fundamental
apresentada.
Concomitantemente, foram identificados os limites específicos e
comuns à produção da moradia social no centro de promoção
pública, por meio de quatro estudos de caso, a saber:
1 – Projeto habitacional edificado, integrante ao Programa
Habitacional para a População de Baixa Renda na Região Central de
São Paulo –desenvolvido pela SEHAB, gestão de 89/92 da Prefeitura
Municipal de São Paulo. Edifício “Madre de Deus”, com 45 unidades,
localizado na Moóca, erguido por mutirão.
2 – Projeto habitacional edificado, integrante ao PAR, Programa de
Arrendamento Residencial – desenvolvido pela Caixa Econômica
Federal, gestão de 99/2002 do Governo Federal. Edifício “Riskalah
Jorge”, com 167 unidades, localizado na região do vale do
Anhangabaú, reformado por empreiteira.
3 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante ao PAC,
Programa de Atuação em Cortiços – desenvolvido pela CDHU, pela
gestão de 95/98, 99/2002, 2003/2007 do Governo do Estado de São
Paulo. Empreendimento “21 de Abril”, em fase de finalização do
projeto executivo, localizado no Brás, a ser construído por
empreiteira.
4 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante do Programa
de Locação Social – desenvolvido pela Cohab – SP, pela gestão de
2001/2004 da Prefeitura Municipal de São Paulo. Empreendimento
“Favela do Gato”, em obras, com 486 unidades, localizado junto à
foz do rio Tamanduateí, a ser construído por empreiteira.
Os estudos da produção residencial pelo mercado foram subdivididos
em dois temas, segundo sua forma específica de produção:
A – Análise da produção residencial por empreiteiras ou construtoras:
empresas com fins lucrativos.
B – Análise da produção residencial por cooperativas habitacionais
autofinanciadas: sociedades civis sem fins lucrativos.
25
Os estudos de caso de promoção pública e a análise da produção
residencial pelo mercado foi organizada em duas etapas consecutivas
- o “estudo preliminar” e a “pesquisa de campo”, a saber:
Estudo preliminar:
Tratou de acumular informações gerais a respeito dos programas
habitacionais nos quais se inserem os projetos habitacionais, e as
formas de produção privada de HIS, publicadas em periódicos, sítios
na Internet, publicações e pesquisas acadêmicas. Os produtos
elaborados no estudo foram utilizados como subsídio para a
“pesquisa de campo”, sendo estes:
- levantamento das formas de produção específicas, e da
política pública no qual ela se insere.
- escolha dos projetos habitacionais a serem analisados (apenas
nos estudos de caso III e IV).
- levantamento de dados existentes sobre cada estudo de caso
de promoção pública: histórico, projeto arquitetônico,
organização da produção, etc.
- participação na organização do Seminário “Como ampliar o
Mercado de habitação popular? Construído uma agenda”.
- apoio à elaboração de um banco de dados de
empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP.
- análise do material para desenvolvimento de novas hipóteses
e elaboração da pesquisa de campo.
Pesquisa de campo:
Esta etapa complementou os dados antes levantados através de:
- entrevistas com 19 agentes envolvidos na produção dos
estudos de caso da promoção pública e 3 dirigentes de
entidades representativas do setor privado residencial
(agentes públicos, privados ou associativos), totalizando 1.050
minutos de depoimentos.
- coleta de dados e consulta a arquivos primários e
secundários, como o banco de dados de lançamentos
imobiliários da Região Metropolitana de São Paulo, no
período de jan. de 1992 a set. de 2002, elaborado pela
Embraesp e o banco de dados de Projetos de Habitação de
Interesse Social aprovados pela PMSP.
- documentação fotográfica dos edifícios em estudo e de
imagens relevantes à compreensão das questões trabalhadas.
Durante o segundo semestre da pesquisa, foi realizado um
acompanhamento dos programas habitacionais em andamento,
através da participação nas reuniões semanais da coordenação
executiva da UMM – União dos Movimentos de Moradia, espaço de
articulação dos movimentos de luta por terra e moradia, dentre eles
os quatro movimentos em atuação na região central. Outro espaço
de acompanhamento dos programas habitacionais, mais
especificamente os promovidos pela PMSP, é Fórum do Centro, órgão
de participação popular criado pela municipalidade, para o
acompanhamento, discussão e elaboração de propostas dos projetos
26
em andamento na região central pela PMSP, no qual participamos de
suas reuniões quinzenais.
De modo a certificar-nos da clareza da metodologia empregada na
presente pesquisa, reiteramos:
Utilizamo-nos do método da ampla coleta de depoimentos dos
agentes envolvidos na produção das unidades habitacionais, pois são
estes que se encontram diretamente envolvidos com a prática, o
fazer, o materializar do dia a dia do processo de produção. Sendo,
portanto, os mais aptos a contribuir com qualquer questão referente
ao tema.
Trata-se de um trabalho próximo ao ‘jornalístico’, pois o quê se
realizou foi principalmente escutar, observar, redigir e documentar
limites já de conhecimento geral dos agentes produtores dessas
habitações. Realizamos, portanto, um trabalho de união,
aglutinação, organização e sistematização dos limites num mesmo
espaço, num mesmo documento.
Estamos certos de que a metodologia empregada foi responsável
pela identificação dos limites à produção da moradia social no
centro de forma superficial e passageira. Pois, diante da
quantidade, e da característica sistêmica dos limites identificados
(além das limitações de tempo para realização de nossos estudos:
um ano), tomamos o partido de realizar uma observação geral, um
sobrevôo do todo: do conjunto dos limites.
Para qualquer classificação de um limite de ‘maior relevância’ para
um ‘maior aprofundamento’, torna-se primeiramente necessária a
leitura, a apreensão do todo, do conjunto, do universo dos limites,
para que depois, lançar mão de outros métodos de pesquisa. Tais
como análises, conclusões, comparações, soluções, hierarquizações
dos limites, quais não pretendemos aqui realizar.
27
3.4 cronograma realizado
Atividade / Mês 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
seleção, análise e fichamento
bibliográfico
estudo preliminar
relatório parcial
pesquisa de campo
estudos da produção pelo
mercado
acompanhamento dos
programas
relatório final
28
4. produtos da pesquisa
4.1 estudos de caso da promoção pública
4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos
programas habitacionais
Estudo de caso I
Mutirão Madre de Deus: Projeto habitacional edificado,
desenvolvido pelo Funaps Comunitário
Vertical: PHRCSP - Programa de
Habitações da Região Central de São Paulo
– promovido pela SEHAB, gestão de 89/92
da Prefeitura Municipal de São Paulo.
I.I Programa Habitacional:
PHPRCSP – Programa de Habitações Populares da Região
Central de São Paulo, Programa de Produção de Habitação de
Interesse Social.
- Agente promotor: Habi / Sehab – Secretaria de Habitação
e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São
Paulo, Equipe de Cortiços. Programa FUNAPS VERTICAL.
- Elaboração e gestão do programa: Realizadas “com a
contribuição e participação do movimento de cortiços e
de assessorias técnicas que desenvolviam trabalhos em
habitação popular especificamente para os movimentos
de habitação”, enquanto forma de “assegurar a discussão
constante do processo de elaboração do trabalho, naquilo
que os projetos tinham de específico ou de sua
contribuição para uma política geral”. 30 O programa
tinha como objetivo “tratar da constituição e
implementação de instrumentos públicos de cogestão
entre poder público e movimentos populares e
assessorias técnicas”.31
- Objetivos da promoção: “Intervenções de produção de
unidades novas, objetivando tratar da constituição e
implementação de instrumentos públicos de cogestão
entre o poder público e movimentos populares e suas
assessorias técnicas”.32 “Essas intervenções constituir-se-
ão exemplos referências a posteriores propostas de
recuperação dos bairros centrais, segundo diretrizes a
30 Comaru, 1998, p.17. 31 São Paulo, 1992; apud Comaru, 1998: 19. 32 São Paulo, 1992, apud Comaru, 1998: 19.
29
serem definidas em conjunto com SEMPLA, tanto para os
projetos públicos quanto para os privados”.33
- Estágio atual do programa: finalizado.
I.II. Financiamento:
- Agente financiador: FUNAPS – Fundo de Atendimento à
População Moradora em Habitação Subnormal. Fundo
criado em 1979, pela gestão de Olavo Egydio Setúbal,
com o objetivo da aplicação de recursos públicos a fundo
perdido, para financiamento de soluções de problemas
habitacionais da população de baixa renda moradora no
município de São Paulo.
- Forma de financiamento: Autogestão, onde os recursos
são transferidos para, e geridos pela Associação
Comunitária para o Mutirão Madre de Deus. Os
financiamentos são individuais, voltados para famílias
com renda entre 1 e 4 salários mínimos, com limite
máximo de financiamento de US$ 12.000,00 (atualmente
em torno de R$ 42.000,00); dos quais aproximadamente
US$ 8.571,00 (R$ 30.000,00) poderiam ser utilizados para
a construção do imóvel, e U$ 3.430,00 (R$ 12.000,00)
deveriam ser utilizados para a aquisição da terra e infra-
estrutura.
33 Idem: 20.
I.III Projeto de Arquitetura
- Agente responsável: Pedro Sales, equipe de cortiços de
Habi, com coordenação de Cláudio Manetti.
- Forma de concepção: projeto realizado a partir de dados
sócio econômicos das famílias. Reuniões entre os
projetistas, comunidade alvo e assessoria técnica AD,
onde foram alteradas questões pontuais do projeto de
arquitetura, técnica construtiva e materiais.
I.IV Construção
- Agente construtor: Associação Comunitária para o
Mutirão Madre de Deus, com assessoria técnica da AD –
Ação Direta.
- Forma de construção: Mutirão autogestionário, com mão
de obra contratada para serviços específicos.
- Tipo de construção: edificação nova
- Processo de construção: Remoção das famílias para
outro local próximo à obra, onde habitaram em
alojamentos provisórios de madeira; demolição da antiga
residência encortiçada; construção de um barracão de
obras; edificação do novo imóvel.
- Estágio de construção: inaugurado em 26 de novembro
de 1995.
30
I.V. Demanda habitacional
- Agente catalisador: ULC – Unificação das Lutas dos
Cortiços
- Forma de cadastramento: Habi, através da ULC.
- Informações sociais: 20 famílias de baixa renda
originárias de três cortiços, antes existentes no local, 25
famílias de baixa renda provenientes de outros imóveis da
região.
I.VI Projeto Arquitetônico
- Localização: Rua Madre de Deus nº. 769 Moóca.
- Terreno: 750m²
- Área construída: 2.691,64 m²
- Programa: duas lâminas paralelas, compondo 2 edifícios,
totalizando 45 unidades habitacionais, com
aproveitamento quase total do lote.
- Área útil das unidades: 59,81m²
- Técnica construtiva: Alvenaria estrutural
I.VII Custos
- terreno: R$ 440.025,82 / U$ 145.938,67
- construção: R$ 1.162.022,10 / U$ 409.162,71
- total: R$ 1.735.472,43 / U$ 61.1081,84
- unidade: R$ 38.566,05/ U$ 13.579,60
- m² total: R$ 644,76 / U$ 277,03
I.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional
- “Mutirão Celso Garcia”: Avenida Celso Garcia, 182
unidades.
31
Estudo de caso II
Riskalah Jorge: Projeto habitacional edificado, desenvolvido pelo
PAR - Programa de Arrendamento Residencial,
elaborado pela Caixa Econômica Federal, gestão de
99/2002 do Governo Federal.
II.I Programa Habitacional:
PAR – Programa de Arredamento Residencial
- Agente promotor: Caixa Econômica Federal
- Elaboração e gestão do programa: Caixa Econômica
Federal
- Objetivos da promoção: “O Governo Federal lançou este
Programa para atender, exclusivamente, a necessidade
de moradia da população de baixa renda, dos grandes
centros urbanos. Esse público terá acesso ao Programa
mediante contrato de arrendamento residencial, com
opção de compra ao fim do período”.34
- Estágio atual do Programa: “Em andamento por todo
Brasil, em 23 de abril de 2001, o Programa já envolvia
34 Sítio eletrônico da CEF: http://www.caixa.gov.br/casa/produtos/asp/par.asp (20.10.2003)
347 empreendimentos, totalizando 41.545 unidades
residenciais, a um custo médio de R$ 19.511,00, por
unidade. Na mesma data, encontrava-se em fase de
análise, 537 novas propostas de produção de
empreendimentos, contendo 89.114 unidades residenciais
em todo o território nacional”.35 Em setembro de 2003
ainda encontra-se em funcionamento. Deverá ser
finalizado em 31 de dezembro de 2003.
II.II Financiamento:
- Agente financiador: Caixa Econômica Federal,
utilizando-se de recursos do FAR - Fundo de
Arrendamento Residencial, criado pela Lei Federal
10.188/2001.
- Forma de financiamento: Este programa se caracteriza
pelo arrendamento de unidades habitacionais, destinadas
à famílias com renda mensal até 6 salários mínimos. O
financiamento tem duração de 180 meses, sendo que a
taxa de arrendamento mensal é de 0,7% do preço da
unidade habitacional. Após esse prazo, as famílias têm a
opção de comprar o imóvel. O valor máximo do
financiamento por unidade do edifício Riskalah Jorge, foi
de R$ 20.000,00 na data da concessão do arrendamento,
em setembro de 2003 é de R$ 32.000,00, apenas para os
centros metropolitanos.
35 Ídem.
32
II.III Projeto de Arquitetura
- Agente responsável: Arquiteta Helena Saia
- Forma de concepção: Com a participação dos futuros
moradores do MMC, em assembléias e reuniões.
II.IV Construção
- Agente construtor: Cury Empreendimentos
- regime de construção: mão de obra contratada
- Tipo de construção: reforma
- Processo de construção: demolição das paredes e
instalações indesejadas, construção das novas divisórias,
passagem das instalações, limpeza e lichamento da
fachada, acabamentos.
- Estágio de construção: inaugurado em 24.01.2003
II.V Demanda habitacional
- Agente catalisador: MMC – Movimento de Moradia do
Centro
- Forma de cadastramento: CEF, através do MMC.
- Informações sociais: famílias com renda entre três e seis
salários mínimos provenientes de cortiços da região e de
ocupação situada na rua do Ouvidor.
II.VI Projeto Arquitetônico
- Localização: Avenida Prestes Maia
- Terreno:
- Área construída: 7.472 m²
- Programa: torre única com 17 andares; 167 apartamentos
de área útil média de 30m²; com sala/dormitório, cozinha
americana, área de serviço integrada e banheiro.
- Técnica construtiva: estrutura pré-existente em concreto
armado e vedos em alvenaria, novas divisórias de gesso.
- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo
II.VII Custos
- edifício:
- reforma:
- total: R$ 4.124.900,00
- unidade: R$ 24.700,00
- m² construído: R$ 552,00
II.VIII Outros empreendimentos parte do mesmo programa
habitacional
- “Fernão Sales”: Rua Fernão Sales n° 24; 54 famílias.
- “Maria Paula”: Rua Maria Paula n°171; 75 famílias.
- “Banespa”: Avenida Celso Garcia n°787; 84 famílias.
- “Brigadeiro Tobias”: Rua Brigadeiro Tobias n°290; 84
famílias.
33
- Cerca de 1150 unidades, em 9 empreendimentos, em
negociação com a Caixa, por iniciativa dos movimentos de
moradia.
- Cerca de 880 unidades, em 11 empreendimentos, em
negociação com a Caixa, por iniciativa do Pró
Centro/Sehab.
34
Estudo de caso III
21 de Abril: Projeto habitacional em fase de finalização dos
desenhos executivos, desenvolvido pelo PAC - Programa
de Atuação em Cortiços, promovido pela CDHU –
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
do Estado de São Paulo.
III.I Programa Habitacional:
PAC – Programa de Atuação em Cortiços
- Agente promotor: CDHU – Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São
Paulo
- Elaboração e gestão do programa: SGPAC –
Superintendência de Gestão do Programa de Atuação em
cortiços.
- Atua através de nove diferentes “Setores
Básicos de Intervenção”, o projeto em estudo
situa-se no setor 4 – Moóca.
- Para sua implantação o programa prevê
parcerias com municípios, ONGs, e
associações de moradores.
- O Programa contempla programas sociais de
apoio, complementares ao desenvolvimento
social e integração das famílias aos serviços e
equipamentos existentes.
- Objetivos da promoção: “tem como objetivo melhorar as
condições de habitabilidade da população que mora em
cortiços, por meio de atendimentos diversificados. Tem
como foco principal as áreas centrais das grandes cidades
do Estado de São Paulo, onde se concentra a maior parte
dos cortiços. Áreas que, mesmo dotadas de infra-
estrutura e equipamentos públicos e privados adequados,
passaram, ao longo do tempo, por um processo de
transformação de uso, que levou ao esvaziamento e à
deterioração de grande parte dos imóveis lá edificados. É
também objetivo do PAC induzir processos de
requalificação urbana nos setores degradados onde se
encontram esses cortiços” 36
- Estado atual do programa: Levantamentos dos setores
básicos de Intervenção em finalização. Projetos diversos
em andamento. (mais informações não disponibilizadas).
36 CDHU, 2002: 10.
35
III.II Financiamento:
- Agente financiador: recursos do Governo do Estado e BID
– Banco Interamericano de Desenvolvimento.
- Aspectos do financiamento: convênio assinado em junho
de 2002, prevê o financiamento a 5 mil famílias, até
junho de 2006. Valor total desta etapa: US$ 70 milhões.
- Formas de financiamento: “Os tipos de atendimentos
propostos pela CDHU, no âmbito do PAC, estão
diretamente relacionados à situação sócio econômica das
famílias e ao seu interesse por uma solução habitacional
ou ajuda de custo. Especificamente para os moradores
do Hospital 21 de Abril, consistiram em”:
- Carta de crédito para compra de imóvel
ofertado pelo mercado (limitada a R$ 45 mil),
com subsídio de R$ 10 mil, financiamento de
até R$ 20 mil e o restante, se for o caso,
sendo coberto com recursos próprios e/ou
FGTS do beneficiário.
- Ajuda de custo única de R$ 1,8 mil, prevista
para pagamento de aluguel temporário, para
famílias sem renda e também para
interessadas nesse tipo de atendimento.
- Financiamento de imóvel da CDHU em outras
regiões da cidade, desde que disponível para
recomercialização.
- Apartamento no empreendimento Pari A –
para os que recebessem acima de 3,5 salários
mínimos (com subsídio de R$ 10 mil)
- Possibilidade de aguardar, em outro local e
por conta própria, pela construção ou
reforma do imóvel (com subsídio previsto de
R$ 10 mil), desde que comprovassem de
imediato – e também à época da
comercialização – a renda mínima exigida.
III.III Projeto de Arquitetura
- Agente responsável: escritório de arquitetura contratado
- Forma de concepção: a partir do programa requisitado
pelo edital de licitação do projeto de arquitetura
III.IV Construção
- Agente construtor: construtora, aguardando término do
proj. executivo para licitação.
- regime de construção: mão de obra contratada
- Tipo de construção: construção nova
- Processo de construção: demolição total do antigo
hospital por empresa contratada e construção de novas
torres residenciais
- Estágio de construção: hospital demolido, edital de
licitação de obra em formatação.
36
III.V Demanda habitacional
- Agente catalisador: ULC – Unificação das lutas de cortiços
- Forma de cadastramento: através da CDHU
- Informações sociais:
III.VI Projeto Arquitetônico
- Localização: Rua 21 de Abril, n° 569.
- Terreno:
- Área construída:
- Programa: 210 unidades habitacionais
- Técnica construtiva:
- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo
III.VII Custos
- edifício:
- reforma:
- total:
- unidade:
- m² constrído:
III.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional
- “Pirineus”: Rua Pirineus, 28 unidades.
- “Cinema da Moóca”:
- “Prédio Ana Cintra”: rua Ana Cintra; 70 unidades.
- “Pulmão” ou “Pari A”: 320 unidades.
37
Estudo de caso IV
“Favela do Gato”: Projeto habitacional em fase de licitação:
desenvolvido pelo Programa Morar no Centro –
Locação Social, promovido pela Cohab – SP.
IV.I. Programa Habitacional:
Programa Morar no Centro / Projetos Especiais / Locação
Social
- Agente promotor: Cohab - SP
- Elaboração e gestão do programa: Cohab - SP
- Objetivos da promoção: “Visa a ampliação da oferta de
unidades de aluguel compatíveis com as necessidades das
famílias e com a capacidade de pagamento. Pretende
também atender às pessoas sem condições de renda para
serem incluídas nos programas de aquisição ou “leasing”
disponíveis, garantindo que possam permanecer no
Centro, onde estão suas fontes de renda ou redes de
solidariedade”.
- Estágio do programa: 486 unidades em obras e 1.144 em
projeto e órgão gestor das unidades de propriedade
pública em formatação.
IV.II. Financiamento:
- Agente financiador: Fundo Municipal de Habitação e BID
– Banco Interamericano de Desenvolvimento
- Aspectos do financiamento: Encontra-se em tramitação
a realização de convênio com o BID, para o
financiamento do “Programa Reconstruir o Centro”, sob
o valor total de US$ 167 milhões, dos quais quantia ainda
indefinida deverá ser alocada no programa específico de
locação social. Desta quantia, 80% serão providos pelo
BID e 20% pela PMSP.
- Formas de financiamento: Para beneficiários com renda
familiar até 2 salários mínimos, o comprometimento com
gastos de aluguel será de 10 % desse rendimento. Acima
de 3 salários mínimos, o comprometimento pode chegar
a 15 % do rendimento familiar (nesses casos, serão
admitidas famílias cuja renda per capta não ultrapasse 1
salário mínimo). Nos casos em que o valor calculado do
aluguel da unidade habitacional for maior do que aquele
que a família pode comprometer de sua renda mensal,
será concedido um subsídio pelo Fundo Municipal de
Habitação para suportar essa diferença.
38
IV.III. Projeto de Arquitetura
- Agente responsável: Projeto Básico - Wagner Germano,
Cohab – SP. Projeto Executivo – Caio Amore, Assessoria
técnica Peabiru.
- Forma de concepção: Elaboração do projeto a partir de
informações sócio – econômica das famílias e
apresentação à comunidade.
IV.IV. Construção
- Agente construtor: construtora a ser contratada
- Regime de construção: mão de obra contratada
- Tipo de construção: edificação nova
- Processo de construção: em estudos
- Estágio de construção: em licitação das obras
IV.V. Demanda habitacional
- Agente catalisador: Habi - Centro
- Forma de cadastramento: em elaboração
- Informações sociais: Parte da demanda será preenchida
diretamente pelas 350 famílias moradoras da favela do
gato, as unidades restantes deverão fazer parte do
estoque público de locação social.
IV.VI. Projeto Arquitetônico
- Localização: Na região da Foz do Rio Tamanduateí, onde
hoje se localiza a favela do gato.
- Terreno: área de 175.000 m²
- Área construída:
- Programa: O projeto prevê para o setor leste, numa área
de aproximadamente 51.700,00 m², a implantação de
condomínios residenciais para habitação de interesse
social, resultando 486 unidades habitacionais distribuídas
em 04 condomínios; sistema viário público interno ao
empreendimento; edifícios não residenciais destinados a
Centro de Educação Infantil, padaria, farmácia e banca de
jornal.
- Área das unidades: três diferentes tipologias, 81
quitinetes de 28 m², 243 de um quarto com 36,01 m² e
162 de dois quartos com 44,32 m².
- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo
- Técnica construtiva: alvenaria estrutural sobre pilotis
IV.VII. Custos (estimados)
- terreno: R$ 25.850.000,00 (inclui área do parque)
- construção: R$ 16.887.000,05
- total: R$ 42.737.000,05 (inclui parque público)
- unidade: R$ 34.750,00 (apenas construção)
- m² construído: R$ 807,00
39
IV.VIII. Outros empreendimentos parte do mesmo programa
habitacional
- “Baronesa do Porto Carreiro”: Rua Baronesa do Porto
Carreiro n°167, 23 unidades.
- “Olarias (Semab)”: Rua das Olarias esquina com a Rua
Araguaia, 140 unidades.
- “Metrô Belém”: Rua Toledo Barbosa esquina com Rua
Álvaro Ramos, 180 unidades.
- “Bresser XIV”: Rua Visconde de Parnaíba esquina com Rua
Ariri Bresser, 140 unidades.
40
4.1.2 relação dos agentes entrevistados
Alguns entrevistados: Luiz Cavalcanti e sua filha, em sua casa, no Madre de Deus;
Sidney Eusébio em seu novo apartamento, financiado com carta de crédito da
CDHU.
1 - Órgão do Poder Público/empresa promotores do Projeto Habitacional
2 - Financiadores
3 - Projetistas
4 - Construtores
5 – Moradores ou representantes dos movimentos populares
I. Madre de Deus – PMSP/Gestão Erundina
1. Cláudio Manetti, arquiteto, Habi.
2. Reginaldo Ronconi, arquiteto, Funaps Comunitário.
3. Pedro Sales, arquiteto, Habi.
4. Joel Felipe, arquiteto, AD assessoria técnica.
5. Sidney Eusébio, liderança popular - ULC / UMM.
II. Riskallah Jorge CEF: PAR
1. /2. Marco Antônio, economista, CEF.
3. (não quis dar entrevista) Helena Saia, arquiteta, Helena
Saia arquitetos associados.
4. Kennedy, engenheiro, Cury Empreendimentos Imobiliários
LTDA.
5. Gegê, liderança popular, MMC - UMM.
III. 21 de abril – CDHU: PAC - BID
1./2. Lia Ferreira, arquiteta, CDHU – PAC/BID
3. (não identificado)
4. (não contratado)
5. Sidney Eusébio, liderança popular, ULC - UMM
41
IV. Favela do Gato – Cohab: Locação Social
1.1 Margareth Uemura, arquiteta, assessoria presidência da
Cohab
1.2 Luiz kohara, engenheiro, assessoria presidência de Habi
1.3 Helena Menna Barreto Silva, arquiteta, vice-presidente
do Pró Centro
1.4 Carolina Pozzi, arquiteta, Habi Centro
2. (não contatado) BID
3.1 Wagner Germano, arquiteto, Cohab.
3.2 Caio Amore, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru
4. (não contratada)
5. Sassá, morador da favela do gato
depoimentos complementares:
- Verônica Krol, liderança popular, Fórum dos cortiços e sem
teto de São Paulo.
- Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente
42
4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por
terra e moradia
Cabe aqui, de forma deveras breve, antes de adentrarmos nos
limites identificados à produção de HIS pelo poder público, menção
específica aos movimentos populares de luta por terra e moradia.
São coletivos de organização, formação e atuação de base das
famílias de baixa renda que lutam contra as condições impostas pelo
sistema de relações sociais a que estamos submetidos, em busca do
direito de poder habitar, usufruir da cidade qual são parte
integrante.
A história dos movimentos de moradia que atuam na região central
tem origem na Moóca, na Associação dos Trabalhadores da Moóca,
desde fins dos anos 70. Atualmente são sete movimentos que atuam
na região central de São Paulo. Sua estruturação se deu a partir de
subdivisões do grupo inicialmente formado na associação acima
referida, chamado de ULC: Unificação das Lutas dos Cortiços. Daí, a
partir de seu crescimento e da necessidade de organização de mais
e mais famílias, é que o grupo inicial se desmembrou nos sete grupos
ao lado representados:
fonte: Sidney Eusébio (ULC) e Verônica Krol (Fórum dos Cortiços), maio de 2003.
A atuação desses movimentos na história dos programas públicos de
habitação social no centro (que trabalharemos a seguir) demonstrou
43
funcionar como espécie de ‘mola propulsora’ de ‘ignição’ e
‘manutenção’ das poucas unidades produzidas. Se não fosse sua
atuação é certo que esses programas não teriam sequer saído dos
planos de governo e das peças orçamentárias.
O reconhecimento da importância dos movimentos populares na
condução dos programas habitacionais nos levou a participar das
reuniões semanais da coordenação executiva da UMM – União dos
Movimentos de Moradia37 para o acompanhamento dos programas
habitacionais a partir do ponto de vista da população organizada
‘moradora’ dos estudos de caso.
Ao todo participamos de 12 reuniões, quais foram todas relatadas,
mas que por exigüidade de espaço e tempo, não cabe aqui
apresentar, tornando-se possível fonte de dados e informações para
futuros trabalhos acadêmicos acerca do tema.
Os movimentos populares de luta por terra e moradia atuam
pressionando a sociedade para que se altere suas formas de
organização social que resultam na atual condição de sobrevivência
das famílias de baixa renda. Essa atuação se dá através de variadas
formas de ação política. São atos públicos, seminários, marchas,
festas, panfletagens, incursões nos meios de comunicação e
ocupações de imóveis que não cumprem sua função social.
Apenas para uma melhor apreensão da escala das ocupações de
imóveis vazios ou subutilizados no centro, ações de maior
repercussão política realizadas por esses movimentos, é que
37 A UMM congrega movimentos populares de moradia de toda a cidade, inclusos quatro dos sete movimentos atuantes no centro: ULC, MMC, MSTC e Fórum dos Cortiços.
apresentamos abaixo uma tabela resumida dos edifícios e a
quantidade de famílias residentes:
Tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo
pelos movimentos de luta por terra e moradia.
movimento localização distrito famílias
1 ULC Rua Sólon Luz 100
2 ULC Rua Paula Souza B. Retiro 74
3 MMC Rua do Ouvidor Sé 85
4 Fórum Rua dos Fraceses Bela Vista 34
5 Fórum Rua da Abolição Bela Vista 163
6 Fórum Rua Paulino Guimarães 98
7 Fórum Av. Nove de Julho República 74
8 Fórum Rua Conde de São Joaquim 18
9 MSTC Rua Ana Cintra República 70
10 MSTC Bresser Bresser 18
11 MSTC Brigadeiro Tobias Bom Retiro 200
12 MSTC Rua Aurora 150
13 MSTC Rua Mauá 80
14 MTSTRC Av. Pres. Wilson Ipirinaga 180
15 MMTI Av. Pres Wilson Ipiranga 106
total fam. 1450
ULC Unificação das Lutas dos Cortiços
MMC Movimento de Moradia do Centro
MSTC Movimento dos Sem Teto do Centro
Fórum Fórum dos Cortiços
MTSTRC Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central
MMTI Movimento de Moradia dos Trabalhadores Independente
Fonte: UMM – União dos Movimentos de Moradia
Data base: 08.08.2003
44
4.1.4 os limites à promoção pública
4.1.4.1 limites gerais
Iniciamos aqui a apresentação dos limites, barreiras, dificuldades,
problemas impostos à produção da moradia social no centro de São
Paulo promovida diretamente pelo poder público.
Os limites aqui identificados foram listados através dos depoimentos
dos agentes envolvidos diretamente na produção das unidades
estudadas e das bibliografias visitadas.
A apresentação dos limites está organizada segundo a classificação
que acreditamos mais compatível com os temas identificados.
A ordem estabelecida para a apresentação não remonta uma lógica
hierárquica de relevância dos limites. Buscamos apenas enumerá-los
a partir da maior para a menor abrangência do limite: trata-se
apenas de uma questão de escala.
Desta forma, iniciamos com os limites gerais à produção pública, ou
seja, trabalharemos primeiramente enumerando as barreiras
relevantes encontradas nos quatro estudos de caso realizados, para
depois discorrer sobre os limites específicos a apenas um ou mais
programas.
A organização da apresentação se dará pelos temas dos limites, que
chamaremos de seções. Cada seção será subdividida em itens–limite
mais específicos, ou apenas itens. Dentro de cada item a
apresentação se dá segundo a forma específica que melhor coube à
compreensão das questões a serem explanadas.
Para a definição de quais trechos coletados deveriam constar no
presente relatório, buscamos escolher apenas a quantidade
necessária e suficiente para a abordagem mais didática possível que
demonstre a existência do limite em questão.
Por diversas vezes os limites aqui apresentados foram repetidos por
diversos agentes entrevistados, daí, escolhemos apenas aqueles
depoimentos que o melhor exemplificam. Para uma visão mais geral,
quase quantitativa dos limites mencionados em todas as entrevistas
realizadas, organizamos uma planilha geral dos limites à promoção
pública de HIS, que pode ser visitada ao final, no anexo.
45
4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais
“O real não se apresenta claramente aos nossos sentidos. Por isso, ele comporta
diferentes versões ou interpretações. Entendemos por ideologia (Chauí, 1981:21)
aquela versão da realidade social dada pela classe dominante com visitas a facilitar
a dominação. Essa versão tende a esconder dos homens o modo real de produção de
suas relações sociais. Por intermédio da ideologia, a classe dominante legitima as
condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam
verdadeiras e justas. A ideologia surge no seio da classe dominante através do
descolamento das idéias da realidade social (atomização das idéias) e consiste na
transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes em uma
sociedade, em determinado período histórico”.
(Villaça38)
Iniciamos a apresentação da identificação dos limites à produção da
moradia social no centro pelas dificuldades geradas por posturas
ideológicas e culturais presentes em parte da sociedade paulistana.
Trata-se de um tema amplo, que interfere de modo orgânico, direta
e indiretamente nas ações inerentes à produção da moradia social
no centro.
Devido à amplitude com que o conceito ‘ideologia’ pode se vestir e
suas diversas leituras, utilizaremo-nos daquele acima proposto por
Chauí, através de Villaça.
É certo que as barreiras abaixo identificadas podem ser também
classificadas de outras formas, simplesmente como limites políticos,
38
Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 343.
compreendendo aí política em seu estado mais genérico e irrestrito.
Mas, optamos aqui por classificá-los sob a ‘rubrica’ específica da
ideologia e da cultura, pois reservaremos a caracterização de limites
políticos apenas àqueles relacionados às questões da esfera da
política formal e da economia política, como veremos mais adiante.
pré-conceito e discriminação
Dentre os limites ideológicos e culturais pesquisados, destacamos
inicialmente aqueles encontrados no âmbito do preconceito e da
discriminação entre as diferentes classes sociais. Estes se
apresentam em duas escalas diferentes, a urbana, resultante na
“segregação sócio espacial”, e a do edifício, ou da unidade
habitacional, resultante na idéia de “habitação popular”.
Primeiramente trabalharemos com a escala urbana, a “segregação
sócio-espacial”:
pré-conceito e discriminação
escala urbana: a segregação sócio espacial
O preconceito e a discriminação dificultam e influenciam de modo
difuso e direto a presença da população de baixa renda na região
central. Diversos depoimentos revelaram esta realidade, que
demonstra não haver consenso de que as classes de baixa renda
tenham também o direito de desfrutar da parte da cidade dotada de
infra-estrutura, em fim, do direito à cidade. Esta postura, de certa
forma, aponta que há por parte de alguns paulistanos uma
concordância com a segregação sócio espacial que organiza nossas
cidades, com a idéia de que a população de baixa renda tem direito
46
apenas de se localizar nas periferias, onde a infra-estrutura é
precária ou inexistente.
Luiz Kohara, responsável pela implementação do programa de
locação social da PMSP, gestão Marta Suplicy, é que nos relata essa
realidade:
“Acredito que primeiro nunca se desenvolveu de forma mais
profunda de que morar no centro é um direito da população de baixa
renda (...). Isso é um problema conceitual, acho que é grave, pois
trabalhar pobre e periferia parece que tem muito a ver. Essa é a
primeira questão de fundo para mim, que é o básico”.(depoimento
de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,
Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
Este ‘problema conceitual’ foi encontrado em diversos depoimentos,
dos diferentes agentes envolvidos na produção da moradia social no
centro, que representam diferentes classes sociais. Apresentamos
abaixo trechos de entrevistas que revelam a existência desta
questão, resultante de posturas creditadas a ‘proprietários de
imóveis’, ou à Associação Viva o Centro39, identificada como grupo
39 “A Associação Viva o Centro nasce em 1991 como resultado da tomada de consciência das mais significativas entidades e empresas sediadas ou vinculadas ao Centro de São Paulo do seu papel de sujeitos e agentes do desenvolvimento urbano. Organizada como associação de caráter cívico e representativo, sem fins lucrativos e rigorosamente apartidária, é mantida por contribuições regulares de seus associados e mantenedores, pela venda de seus produtos e serviços e ainda por doações e contribuições outras. (...) Associação objetiva o desenvolvimento da Área Central de São Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, sociais e econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio econômico e social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e ao bem-estar por toda a
organizado que representa os interesses dos proprietários de imóveis
e de estabelecimentos comerciais da região central:
“Há resistências [à presença da população de baixa renda no centro],
as maiores são por parte da Associação Viva o Centro. Você tem
sempre um discurso que você precisa ter diversidade. Mas eles ainda
não entenderam que para ter diversidade você tem que aumentar
em todas as faixas. Eles estão achando que tem muita população
pobre, e que você precisa ter mais renda média”. (depoimento de
Helena Menna Barreto Silva, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab - Pró Centro).
“Questionamento tem [sobre a presença da população de baixa renda
no centro]. A Viva o Centro sempre achou um absurdo isso, que a
Cohab está colocando pobre para morar lá. Eles acham que tem de
varrer, varrer os camelôs. (...) Resistência tem, mas eu acho que são
de grupos muito localizados. A Viva o Centro é uma delas, que tem
lá suas resistências, não sei que outro grupo mais teria algum
trabalho no sentido de impedir. Apesar de que, da Associação Viva o
Centro, eu nunca tenha visto nenhuma ação, mas tem a retórica, a
forma como eles apresentam, tem algum preconceito ali, isso tem.
Mas na minha opinião nada que impeça essa ação efetiva de estar
promovendo moradia para famílias de baixa renda na região
central”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do
gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Quando os movimentos populares de luta por terra e moradia no
centro sentavam-se à mesa para negociar a compra de imóveis para população”. trecho extraído do sítio eletrônico da Associação: http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm ,em 10.10.2003.
47
os empreendimentos de HIS do programa PAR, o limite do
preconceito e da discriminação teve de ser superado novamente:
“(...) a gente sempre enfrentou dificuldades. Quando a gente vai
conversar com o proprietário, e fala que é uma associação, dos
cortiços, dos sem teto: ‘ah não, pode parar, por que não quero nada
com essa gente’. Então a gente tem todo esses confrontos, não só
nas negociações. Agora as escolas, os postos de saúde, até que
pararam um pouco, até um tempo atrás não conseguia vaga na
creche, vaga na escola. Agora até que eles mudaram, mas nas
negociações continua. Os proprietários ainda acham que vender um
prédio para os sem teto no centro é crime”. (depoimento de
Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).
Outros representantes dos movimentos populares, que enfrentam
diretamente este limite, creditam esta postura a uma classe social,
a burguesia:
“Eles [a burguesia] não pensam na questão do pobre morar no
centro. Eles pensam que o centro tem que ser para os ricos, trazer os
ricos de volta, fazer Shopping. Trazer os hotéis, trazer turismo para
o centro da cidade. Então eles estão planejando uma cidade de São
Paulo turística, e não para a população pobre morar no centro. Isso é
muito claro quando você lê as revistas da Viva o Centro, aqueles
caras burgueses lá. (...) É engraçado, que quando nós ocupamos o
Hotel São Paulo, em 1999, fui numa reunião do Conseg (conselhos de
segurança), de todos os Conseg do centro da cidade. E eles ficavam
dizendo que nós pobres estávamos enfeando o centro da cidade. Que
nós não tínhamos o direito de ocupar prédio no centro. Que nós não
tínhamos o direito de reivindicar moradia no centro, por que pobre
não gasta, pobre não tem dinheiro para comprar as coisas que os
ricos têm. Então por essa razão, nós não poderíamos morar no centro
da cidade. E foi um embate muito feio. Foi uma reunião de quatro a
cinco horas que durou, parece mentira”. (depoimento de Verônica
Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).
“Os anos de 97, 98, 99 e 2000, foram os anos das grandes ocupações
na região central. Essas ocupações deram um impacto político na
burguesia nacional e internacional, ligada ao capital financeiro,
como Banco de Boston (dentre outros), que atuam como
representantes do neoliberalismo. Eles perceberam isso quando o
MMC ocupou um prédio da Caixa Econômica Federal na Roberto
Simonsem, e um do Banco Nacional, na Libero Badaró. Foi quando ela
[a burguesia] acordou e disse: ‘Pérai, tem alguma coisa errada’. Pois
quando ocupávamos apenas prédios públicos, como do INSS, da
Secretaria de Cultura, diziam que eram ocupações de movimentos do
PT, só por não estarmos no governo. (...) Foi quando a burguesia se
apercebeu disso. (...) Me lembro de uma frase no ‘Jornal Nacional’,
no sábado à noite, em que disseram : ‘as ocupações no Centro de São
Paulo começam a mexer com o capital financeiro. Ontem à noite o
MMC ocupou o edifício do Banco Nacional, falido e resgatado pelo
governo federal, dizendo que se o governo teve recursos do Proer
para garantir a falência do banco, por quê não tem dinheiro para
garantir a moradia?’ Como que avisando a burguesia: vocês estão
vendo, se cuidem que está aí. (...) Há uma dificuldade enorme de se
enxergar isso, inclusive por parte de alguns movimentos de
moradia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
48
“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver
essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até
hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”
(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção
Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso
Garcia” Comaru, Francisco, 1998:156).
A idéia de que as classes de baixa renda devam habitar na periferia,
encontra ressonância, até dentro dos movimentos populares de luta
pela moradia:
“Os movimentos perderam o norte da disputa, pois dentro da própria
UMM (na época do governo Maluf), tinha um setor que incriminava,
ou incrimina até hoje quem quer morar na região central, sem ver a
importância de valorizar a moradia na região central. Havia setores
do movimento que sempre combatiam isso. Afirmavam ser uma
forma ‘pequeno-burguesa’ de viver, de morar no centro. Era coisa da
burguesia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
Segundo representantes da PMSP e dos movimentos de moradia, a
mesma postura pode ser encontrada dentro da máquina pública,
bem como dos órgãos públicos de financiamento:
“Os procuradores da área jurídica da PMSP, com todas as letras, só
não escreviam, mas diziam que ‘pobre não deveria morar no centro
da cidade’. Quase dizendo que isso é ilegal. Nós fizemos, os
arquitetos, vários pareceres jurídicos, para você ter uma idéia a
loucura que foi. Era uma contra-corrente de uma forma assim muito
louca. Pesada”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab - Habi gestão Luíza Erundina).
“(...) outra questão conceitual é a visão da moradia. Eu acho que por
muito tempo nós trabalhamos (os técnicos, quem elaborava a
política) que moradia eram as quatro paredes. É outra questão
conceitual que também leva para a periferia. Pois se são necessárias
só quatro paredes, então onde sai mais barato (onde dá para fazer
quatro paredes melhor) é melhor. Aí quando você traz o conceito de
que a moradia é o direito à cidade, e você extrapola isso: é
transporte, é acesso, tudo isso daí. Então você muda a visão. (...) é a
questão dos acessos, é você ter acesso à educação fácil, saúde,
transporte, uma série de questões”. (depoimento de Luiz Kohara,
estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,
gestão Marta Suplicy).
“Tem questionamento sim [acerca da presença da população de
baixa renda no centro]. O próprio BID, o que eles colocam, é que
realmente em certas áreas da cidade, se você quiser valorizar, você
não pode ter habitação de interesse social, pois vai atrair população
de baixa renda. (...) Por que a lógica deles é a seguinte: mesmo que
você subsidie muito a população de baixa renda para morar no
centro, eles não são consumidores, portanto se você só tiver
população de baixa renda morando numa certa área, você não tem
outros serviços, de proximidade. Você só vai ter os serviços de
proximidade compatíveis que são compatíveis com essa faixa de
renda. Então você tem um problema geral. Então o que temos dito
(nós também defendemos isso), é que tem que ter diversidade, a
idéia tem lógica. Então você tem que ter diversidade, a diversidade
social interessa também à população de baixa renda, por que senão
49
tende realmente a acontecer isso”. (depoimento de Helena Menna
Barreto Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab
- Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
“(...) achavam um absurdo [técnicos da Cohab], colocar essa
população para morar ali, apesar deles já estarem morando ali, e a
reivindicação é para não sair dali. (...) Mas tinha algumas pessoas
[técnicos da Cohab] que não entendiam isso, viam isso de uma forma
muito crítica. Então, tinha toda uma ‘construção’ que tinha que ser
feita, dentro até do próprio poder público”. (depoimento de Wagner
Germano, arquiteto, PMSP, Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy).
“Eu sinto que eles [governo] não querem que a gente fique por aqui,
os encortiçados fiquem por aqui, na área central. (...) quem tem um
salário mínimo tem que morar na periferia, manda para a periferia,
vai, manda para lá! É uma pessoa a menos aqui na área central, para
dar problema na área central. Vai ser uma pessoa a menos na rua.
Por que se você não consegue pagar os dez salários mínimos, o que
acontece? Ou vai para a periferia, ou vai ficar na rua jogado. Então
se o governo der uma casa para você, dentro da sua renda familiar lá
na periferia, onde Judas perdeu as botas, ele vai ficar livre de você
aqui. Então, ele [governo] não sente isso: a discriminação de que
encortiçado não tem prioridade em nenhum dos governos.
Praticamente política para nenhum deles, eles não querem, são
tantas as dificuldades que o movimento tem”. (depoimento de
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC).
Para os moradores ou instituições próximas dos empreendimentos
habitacionais de HIS, ou de imóveis ocupados por movimentos
organizados, a presença da população de baixa renda no entorno,
também não é tida como consensual:
“(...) há dois exemplos: quando nós [mutirantes do empreendimento
do PAC – Cdhu na rua Pirineus e a assessoria técnica Ambiente]
estávamos fazendo o mutirão e começou a demolição, (...) colocaram
a placa do governo, da associação [dos futuros moradores do imóvel].
Daí, vários vizinhos vinham e brigavam mesmo. Puseram na
imprensa, chamaram polícia, fizeram o que estava ao alcance deles.
Foram extremamente grosseiros, tratando-os como bandidos. Essa
história toda, de achar que já que tinha povo ali, pessoal de baixa
renda, aquilo ia ser um cortiço. Então tem uma pressão ali do
entorno, da sociedade próxima dali, muito grande. Há uma
resistência cultural muito grande: ‘não vamos nos misturar’. São
Paulo foi e é tratada desse jeito, a mistura nunca é bem vista, não
que a gente espere que ela seja bem vista, mas há essa cultura
mesmo. Há uma resistência, muito grande”. (depoimento de Isabel
Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).
“(...) houve até uma festa [conquista de terreno para mutirão, não
viabilizado], de capinamento, de tirar muro. Mas no dia seguinte,
apareceu tudo [tapumes da obra] pintado de fascista, com coisas
nazistas. Havia uma reação bárbara não se sabe de quem. Se era da
vizinhança, era muito pouco provável, pois era também de baixa
renda, cortiços. Mas havia isso, pois estávamos lidando com 12.000
metros, três terrenos. (...) Eram 450 unidades, com uma densidade
legal”.(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, PMSP Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
50
“A gente escuta cada coisa... Nós estamos sempre no convencimento.
(...) Eu recebo aqui pelo menos uma entidade (ong) por semana
dizendo: ‘Como vocês estão promovendo de trazer os pobres para
cá?’. Acontece às vezes nas entrelinhas, e mesmo o mais simples não
entendem. (...) É cultural. (...) E os alunos para quem dou aula
também: ‘por quê que vou ficar pagando impostos para atender os
pobres?’, e olha que são da universidade”. (depoimento de Margareth
Uemura, estudo favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab,
gestão Marta Suplicy).
“Os colégios particulares, as indústrias e moradores de classe média
do bairro apoiaram o despejo, por que ‘o casarão’40 sempre foi uma
exposição da miséria brasileira, como também um local de tráfico de
drogas, usado pelos passadores de drogas, portanto não teve
nenhuma sensibilidade ao sofrimento das famílias. (...)”. (Habitat
International Coalition, Estratégias populares en los centros
históricos, vol1.,1998: 5).
O mesmo limite revela-se agora nas palavras de um integrante da
Ação Local João Mendes41, um comerciante, que nos indica e
confirma a existência do preconceito, seguido de comentário e
Heitor Frúgoli Jr. acerca dessas entidades, em “Centralidade em São
Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole”:
“O que tem que acontecer no nosso Centro aqui em São Paulo, na
minha opinião, é faxina, é limpeza. Depois sim, para vir algum
construtor, que tenha o maior interesse em construir aqui uma
40 Imóvel situado nos Campos Elíseos, antes ocupado por famílias de baixa renda, alvo de um despejo pelo Governo do Estado. 41 Forma de organização de base da Associação Viva o Centro.
grande torre, um grande prédio, um grande Shopping no centro. Mas
como é que a gente vai trazer o nosso convidado para cá, se a gente
tem vergonha de trazer um convidado dentro do nosso escritório? Eu
tenho vergonha! É prostituição senhor secretário! (...) tem que
limpar a praça”. (depoimento de representante da Ação Local João
Mendes, em 16.06.1997. in: Frúgoli Jr., 2000:93).
“Dessa forma, ainda que possa influir por melhorias nos
equipamentos e serviços públicos do Centro, do modo até agora
estruturado, a ‘organicidade de baixo’ representada pelas Ações
Locais tem acarretado uma atuação conservadora e policialesca, ao
demandar principalmente a expulsão de uma população
‘indesejável’, que sobrevive nas ruas, sendo esta tendência, ao
menos até aqui, a predominante”.(Frúgoli Jr., 2000: 95).
Ainda, segundo Audefroy, em ‘Estratégias populares en los centros
históricos’, e Maricato, nos debates da Comissão de estudos sobre
habitação na área central, realizada em 2001, na Câmara Municipal,
a imprensa também coopera para a difusão deste conceito acerca da
população de baixa renda:
“Outro problema encontrado é relativo à imprensa, é sua
agressividade com a população de baixa renda. A imprensa põe em
evidência a ilegalidade das ocupações, relacionam-nas com o tráfico
de drogas, e os habitantes destas ocupações são tratados como
delinqüentes”. (Audefroy, in: Habitat International Coalition,
Estratégias populares en los centros históricos, vol1.,1998:23)
“A ocupação de terra é admitida de uma forma hipócrita. Essa
hipocrisia, reforçada pela mídia, é tão grande que, quando a
51
ocupação é de um prédio abandonado no centro da cidade, trata-se
como uma comoção, porque pobre no centro não pode. Mas lá na
várzea do Tietê pode. Ocupar área frágil ambientalmente, protegida
por lei, arriscando a ser levado pela enchente a cada período de
chuvas, isso é permitido”. (Maricato, in: Relatório final da Comissão
de estudos sobre habitação na área central, 2001:84)
Os depoimentos abaixo transcritos demonstram a existência de uma
ideologia, que é propagada por uma determinada classe social, a
burguesia. Esta realidade é confirmada nas conclusões dos estudos
de Villaça, em “Espaço intra-urbano no Brasil”:
“A segregação espacial das burguesias é um traço comum presente
em todas nossas metrópoles. Trata-se de um aspecto
excepcionalmente importante para a compreensão das estruturas
espaciais. É um processo que está longe de ser uma particularidade
das décadas recentes e de uma eventual atuação do capital
imobiliário ou das leis de zoneamento contemporâneo. Ele vem se
constituindo no Brasil há mais de um século”. (Villaça, “Espaço intra-
urbano no Brasil”, 1998: 327).
“(...) os homens não disputam enquanto ‘indivíduos’, mas enquanto
classes, e essa disputa determinará a estrutura intra-urbana em
qualquer modo de produção – não apenas no capitalismo – em
qualquer sociedade de classes (...)”(p.333). “As camadas de alta
renda controlam a produção do espaço urbano por meio do controle
de três mecanismos: um de natureza econômica – o mercado, no
caso, fundamentalmente o mercado imobiliário; outro de natureza
política: o controle do Estado, e, finalmente, através da ideologia”.
(Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 335).
Já Lefebvre credita a segregação sócio-espacial à toda a sociedade
capitalista:
“A sociedade capitalista ‘tende a separar umas das outras suas
próprias condições’.O efeito de separação é inerente a essa
sociedade, à sua eficácia; ela se funda, praticamente, na divisão
social do trabalho, levada ao extremo pelo intelecto analítico. A
separação manifesta (projetando-as no campo, tornando-as
evidentes) as contradições internas da sociedade, inacessíveis aos
sentidos. Quando separa elementos da população, tal segregação
pode ter vantagens para o capitalismo; quando sai de certos limites,
a operação dissociante não ocorre sem inconvenientes. (entre aspas
de Marx, Cf. Teorias da Mais valia, t.II p. 488s e Obras escolhidas, II,
1, p.260. in: Lefebvre, A Cidade do Capital, 2001:143).
pré-conceito e discriminação
escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’
O preconceito e a discriminação sobre a população de baixa renda,
também atua sobre o conceito ideológico de ‘habitação popular’,
que é constantemente aplicado na projetação e edificação das
unidades habitacionais voltadas para as classes de baixa renda. Este
conceito, pré-concebido, é dado como imutável, e acaba por
distorcer e influenciar de modo difuso e direto a qualidade, a
dimensão e a aparência das unidades habitacionais produzidas.
Diversos depoimentos revelaram a existência deste limite a uma
produção de qualidade das moradias populares no centro. É uma
52
constante a ideologia de que a população de baixa renda pode
apenas ter acesso a habitações baratas, e que isso deve resultar
necessariamente em unidades pequenas e de má qualidade
construtiva. Estas ‘habitações’ são consideradas ‘normais’ ou
‘coerentes’ com as ‘condições em que vivemos’, negligenciando o
fato de que este grupo social também tem o direito de usufruir
unidades dotadas de uma área mínima por pessoa, de uma qualidade
construtiva que cumpra suas necessidades, bem como de uma
aparência que siga os anseios de seus habitantes.
Destacamos abaixo, trechos do depoimento de Ronconi, arquiteto
coordenador do programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão
Luíza Erundina, que explicita a existência deste limite:
“Eu acho que uma questão cultural que é violenta é o estigma que
você tem da casa popular. (...) Uma pessoa nasce e já sabe que casa
popular é um quadradinho, com um triângulo encima, e é tudo igual,
colocado num terreno plano, sem árvores, sem nada. E isso é no
Brasil inteiro, em qualquer lugar que você vá, você reconhece o
conjunto popular, e reconhece por essa falta de qualidade, por essa
falta de inteligência colocada no projeto. Porque se você analisar um
absurdo desses, não significa que ela custou barato, ás vezes ela
custou e custa para o poder público muito caro. Porquê ela não custa
só na hora que ela é mal feita, mas custa depois para corrigir
problemas que quando o conjunto é ocupado, começam a aparecer.
Então essa questão cultural, ela é complicadíssima, e a nossa
categoria, dos arquitetos, se recusa a aportar inteligência para esse
problema, e ficam correndo atrás do que o mercado dita. Então
querem o material mais barato, a casa mais barata, a casa mais
rápida. Isso é uma falácia, porque se fosse verdade esse caminho, eu
duvido que a gente não tivesse resolvido, desde a época do BNH que
se propôs a estimular a construção civil e a enfrentar a questão da
quantidade. Então é uma falácia, mas que a gente topa, porque a
única voz que empurra é o mercado. E não faz da forma que seria
compreender aquela comunidade culturalmente, socialmente,
financeiramente, olhar o sítio adequadamente e fazer para aquela
comunidade um projeto que a atenda. E você não faz isso, e isso foi
o que você jurou que ia fazer, quando você se formou. Quando você
se formar, você vai fazer um juramento lá que é isso. Mas daí você
não faz, e você só atende a um grande senhor que é o mercado.
Então essa falta de compromisso, de inteligência, que a nossa
categoria aporta com o problema, eu acho que é uma grande
loucura. Bom isso não é culpa dos arquitetos, a sociedade inteira vê
a habitação popular dessa forma, porém a nós cabe uma
responsabilidade importante. Você pode até falar, o Reginaldo está
viajando por quê está falando confortavelmente, por que não está
vivendo do mercado. Mas vivi do mercado há muito tempo então eu
tenho tranqüilidade em dizer isso. É difícil, mas você tem que
enfrentar essa questão, e tem de criar parâmetros para reverter
esse quadro. Enquanto a gente tiver uma ação política dominante
apoiada nesse quadro, em que habitação popular é a restrição da
qualidade, por que é assim mesmo, porque é gente que não tem
dinheiro. O prejuízo social que isso causa é enorme. Eu defendo o
subsídio porque sempre vai ter gente fora da faixa de salário que
possa resolver o problema de moradia por si só. Agora, muita gente
ataca o subsídio, por que imagina que o subsídio é voltado para
aquela família, e no fundo, quando você projetar um conjunto
habitacional adequadamente, com qualidade de desenho, não é jogar
dinheiro fora, mas é botar a inteligência onde tem de ser, você não
53
está beneficiando só aquela família, a sociedade inteira é
beneficiada. O entorno próximo é diretamente beneficiado, a
sociedade que vai ter pessoas com capacidade de desenvolvimento
maiores, por que isso está intrinsecamente ligado ao lugar que você
vive, também vai estar recebendo parcelas desse subsídio. Na
medida em que as pessoas dormem melhor, vivem melhor, seus
filhos estudam melhor, ela sai melhor para o mercado de trabalho,
produzem mais, bom, é um ciclo. Então essa questão é cultural,
agora que a gente vai abrindo os raios dessa questão, você vai vendo
como ela é cultural, e como ela é importante. (...) O ideal é que
você pudesse ter uma... é isso, eu não sei se aquilo é popular ou
não, isso aqui é bonito, e isso que podia ser para todo mundo. E isso
não significa jogar dinheiro fora, significa botar a inteligência como
um investimento. Então eu acho que esse é um problema
complicado”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab, Funaps Comunitário, gestão
Luíza Erundina).
Logo abaixo reproduzimos novos trechos de depoimentos de agentes
participantes da concepção arquitetônica e da construção dos
empreendimentos em estudo, que apontam a existência do conceito
de habitação popular em questão. Eles apontam para uma
sobreposição da limitação de recursos para a reforma/construção
das unidades habitacionais sobre sua qualidade, área, aparência... :
“Eu ainda acho que devia crescer um pouco as unidades
habitacionais, infelizmente não tinha como, por que a gente
[técnicos de Habi] estava meio amarrado. Eram várias camisas de
força. Tinha a questão do financiamento que era forte”.
(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de
deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
“A dificuldade maior foi na questão de verba. Por que a gente tinha
orçado um valor e estourou esse valor, em reforma você tem muito
imprevisto pelo caminho. Você não sabe o quê que vai aparecer.
Você começa a quebrar uma parede e caem três ou quatro, esse é o
grande problema. O problema financeiro foi um obstáculo grande
para a gente. No Par não há aditamento, e você tem valor fixo, que
fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou com os custos que
teve extra, e está arcando até hoje. Tem algumas manutenções, as
vezes é uma água que vaza: está tendo manutenção. A tendência da
manutenção é piorar, pois o pessoal vai começar a morar, e os
problemas vão aparecendo. Obra sempre tem problema, ainda mais
reforma. (...) É complicado, por que você nunca vai ter duas
reformas iguais. Fica aquela discussão de tentar reaproveitar ao
máximo aqueles insumos, em vez de trocar, por causa do custo.
Estamos muito presos no custo, por que o ‘PAR reforma’ está
limitado R$ 35 mil cada unidade, enquanto o ‘PAR cosntrução’ está
em R$ 32.200,00. Então tínhamos que fazer uma pesquisa, por
exemplo: caixilhos. Dá pra recuperar os caixilhos ou tem que ter
troca total? Piso: a maioria desses prédios antigos era taco, então
tínhamos que retirar o taco de alguns quartos, pra deixar pelo menos
um andar todo por igual. E isso aí depois de pronto, trazia alguns
inconvenientes. Por que embora o movimento participasse dessa
negociação desde o início, depois de pronto, se queixaram que
poderia ter sido melhor, poderia ter colocado cerâmica. A CAIXA
também concorda com isso. Porém isso tem um ônus financeiro que
eles não teriam condição de pagar”. (depoimento de Kennedy,
54
engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury – Empreendimentos
Imobiliários).
“(...) também se discutiu no projeto [dos apartamentos da favela do
gato] para que todas unidades pudessem ser transformadas para um
uso de portadores de deficiência física, que de alguma maneira nos
possibilitou rever alguns conceitos de arquitetura de interesse
social. Isso foi uma discussão que as pessoas achavam ótimo, quando
apresentávamos isso, todos aplaudiam, diziam ‘grande’, isso pode
ser uma marca da gestão, maravilha. Mas na hora que você mostrava
o resultado, e aí quando percebiam que o espaço deveria ser um
pouco mais generoso, aí as pessoas: ‘ai, mas esse banheiro está
muito grande’,‘puxa, isso custa muito’, então aí vinha o facão. Então
foram muitas brigas assim, até que chegou um momento que eu
fiquei cansado, e falei: ‘olha, eu não quero mais saber dessa
história, toca aí o projeto’. (...) O projeto chegou num ponto que
não o reconheço mais, a gente conseguiu recuperar algumas coisas,
outras não, mas saiu o projeto”. (depoimento de Wagner Germano,
arquiteto, PMSP, Sehab-Cohab, gestão Marta Suplicy).
“A outra [dificuldade] é a própria cultura que tem dentro do poder
público. Era um apartamento de 53m² e foi, foi, foi, diminuiu para
43m², por um motivo ridículo: ‘as habitações da Cohab de dois
dormitórios tem 42m²’. E daí? Vamos fazer maior então por que
42m² é pouco. E aí, ao longo do projeto, a Cohab ia falando algumas
vezes isso, e ia depenando o projeto. Vai tirando uma coisa, vai
tirando outra”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela
do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru).
Mesmo nas unidades habitacionais que deveriam imbuir-se do
emprego de componentes de maior durabilidade, por serem parte de
um programa de locação social, onde os imóveis são de propriedade
do Estado, a mesma idéia de ‘habitação popular’ continuou a ser
aplicada:
“Era motivo para colocarmos materiais de melhor qualidade, para
ter menos manutenção. (...) Foi um dos argumentos: já que é um
projeto de locação social, vamos colocar coisas melhores, que você
diminui a manutenção, que seria da Cohab. Mas também não rolou
como argumento”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso
favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru).
O conceito de que a unidade habitacional para a classe de baixa
renda, deve ser pequena e barata, resiste até a projetos em que a
limitação orçamentária não seja condicionante na concepção
arquitetônica do empreendimento, como observado no depoimento
de Amore:
“(...) quando a gente fez o projeto, a gente procurou colocar as
coisas do bom e do melhor. Acabamento no banheiro inteiro, enfim,
um monte de coisas. Quando vimos o orçamento no final, você vai
adequando todo o projeto, para uma quantidade de dinheiro que
tem. (...) Aí foi tudo cortando. É uma galinha que você vai tirando
uma pena, depois outra, e daqui a pouco está peladinha mesmo. (...)
Acaba-se usando de artifícios para baratear. Tirou-se a qualidade das
esquadrias, do banheiro, que tem só três fiadas de azulejo. Então
por um lado, tem esse movimento de ir depenando, e por outro tem
outro movimento, de quê na ‘favela do gato’, por ser um projeto
55
que é ‘de visibilidade’, o projeto que vai ser ‘uma marca da
habitação social’. Eu me lembro dos técnicos da Cohab falando: ‘a
gente quer que isso seja uma referência como foi o Zezinho
Magalhães’. E aí a aparência dele, para a cidade, tem de ser de uma
habitação muito bacana, mesmo que você vá enxugando as coisas,
perdendo a qualidade da habitação. Por exemplo: a concepção
estrutural que a Cohab tinha era alvenaria estrutural e um térreo
sob pilotis. Aí fizemos, colocamos um monte de pilotis, e eles
disseram: ‘não, não, aqui tem muito pilotis, vamos tirar alguns
pilotis’ e a estrutura hoje é quase 50% o valor da unidade, a
estrutura toda. Então você vai tirando dos outros tudo que você
puder para poder ter pilotis a menos, ter vãos maiores e tal”.
(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do gato,
arquiteto, assessoria técnica Peabiru).
Segundo Ronconi, em sua dissertação de mestrado ‘Habitações
construídas com gerenciamento pelos usuários, com organização da
força de trabalho em regime de mutirão (o programa Funaps
Comunitário)’, as construtoras de empreendimentos de interesse
social valem-se desta ideologia e da realidade econômica das
famílias de baixa renda, para aumentar as rendas provenientes da
construção:
“Nesses projetos [mutirão do Funaps Comunitário] foram
empregados materiais que tradicionalmente não são utilizados em
projetos para essa população, ou por ela. Seja por que as
construtoras em busca da ampliação dos lucros e fiscalizadas
precariamente pelo empreendedor (geralmente público) empregam
material de péssima qualidade, seja por que a população, quando
pratica a autoconstrução, dificilmente encontra no comércio da
periferia, material normatizado e de boa qualidade, para todas as
etapas da obra”.(Ronconi, ‘Habitações construídas com
gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho
em regime de mutirão (o programa Funaps Comunitário), 1995: 135).
Nas palavras de integrantes de movimentos populares, os usuários
destas habitações, a questão se confirma:
“(...) naquele dia nos foi apresentada uma unidade com dois
quartos, sala cozinha e banheiro. E o pessoal achou que estava
pequeno. Tudo bem que era dois quartos, mas estava pequeno (...) o
apartamento era muito pequeno. A cozinha era muito pequena. E foi
assim apresentado, com o questionamento de algumas pessoas.
Ninguém entendia o posicionamento da equipe de cortiços da Sehab,
com um apartamento que se projeta pensando na própria família. Na
formação que os técnicos têm, não se compreende a necessidade das
famílias. Não é possível que os técnicos não tiveram a sensibilidade
de captar a crítica que foi apresentada pelos futuros mutirantes,
futuros moradores”. (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:
“Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O
mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco. 1998:145).
Uma inversão de prioridades se faz necessária, segundo intervenção
de arquiteto integrante de assessoria técnica, no encontro
‘Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa idéia?’,
organizado pelo Lab Hab Fau Usp, em agosto de 2000:
56
“Os projetos a serem financiados pelo PAR partem do estudo de um
programa de necessidades. Mas, para ser viabilizado o financiamento,
são forçados a reduzir muito a área dos apartamentos. Essa não é
uma abordagem correta. O programa de necessidades deve ser
priorizado”. (arquiteto integrante de assessoria técnica, in: Relatório
do encontro: Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa
idéia? Lab Hab Fau Usp. 2000:23).
É interessante notar o funcionamento de tal limite: como que
cultural e ideologicamente ele se enraíza na concepção
arquitetônica das unidades habitacionais de interesse social. Se
observarmos outras obras públicas, como hospitais, pontes, ou
estações do metrô, a condicionante ‘custo’ também estará presente
em seus orçamentos. Mas, diferentemente das habitações, serão
construídos sob rígidos e severos parâmetros de segurança, conforto
e aparência. As condicionantes: qualidade, segurança, conforto e
aparência, definitivamente não se aplicam ao direito à habitação,
tão deflagrado em diversas ocasiões.
especulação e ‘entesouramento’:
influências de um sistema econômico
Dentre os limites ideológicos e culturais identificados, os que nos
foram apontados como uma das principais barreiras à produção da
moradia social no centro de São Paulo, são a especulação e o
‘entesouramento’. Eles interferem nas ações dos proprietários e
inquilinos de imóveis bem como dos investidores imobiliários,
induzindo e cerceando-os a agir segundo essas ideologias,
alimentadas pelas leis do mercado capitalista e a tradição burguesa
de acumulação.
Segundo Aurélio Buarque de Holanda, especulação significa: “ato ou
efeito de especular”, que por sua vez: “valer-se de certa posição,
de circunstância, de qualquer coisa, para auferir vantagens;
explorar”42, ou o simples ato de ‘tomar vantagem’ e ‘ganhar
dinheiro’ sem realizar esforço algum.
Já ‘entesouramento’, significa: “ato de entesourar”, que por sua
vez: “Juntar, ajuntar, acumular, amontoar (dinheiro, riqueza, etc.)
2. Arrecadar, guardar em tesouro ou como em tesouro (dinheiro,
bens, etc.): ‘vendo, pela primeira vez na vida, dinheiro grosso,
achou de bom aviso entesourá-lo para se resguardar de futuros
apertos)”.43
A ideologia da especulação e do ‘entesouramento’, apesar de
aparentemente contraditórias podem resultar em limites parecidos,
e, aos olhos de um transeunte podem até ser confundidas.
Estas duas ideologias, ou conceitos, atuam sobre os programas
públicos de habitação de forma direta, muitas vezes até impedindo
a realização de um empreendimento habitacional. Há exemplos da
inviabilização da produção devido à especulação de um proprietário
de imóvel, que demanda do poder público quantia muito acima de
seu valor real, entesourando-o para ‘mais tarde’.
42 Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:566. 43
Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:534.
57
Em outros exemplos veremos a avareza de um proprietário de
cortiço, que também extrai renda, explorando e especulando sobre
os encortiçados, forçando a manutenção desta forma de moradia.
Os depoimentos nos indicam inúmeras formas de especulação
(extração de renda) e ‘entesouramento’ (manutenção da renda),
que dificultam a produção da moradia social no centro.
Destacaremos abaixo apenas as consideradas mais relevantes para
nossos estudos.
A especulação e o ‘entesouramento’ estão tão presentes em nossa
cultura, dita capitalista e arcaica, que até podem ser consideradas
como princípios, regentes da moral dos cidadãos em geral. Elas
chegam até mesmo a acarretar na impossibilidade do abrigo de
famílias de baixa renda no centro da cidade, segundo o depoimento
de integrante de movimento popular de luta por terra e moradia,
Sidney Eusébio:
“O mercado imobiliário no Centro é completamente capitalista. É
aquele que não quer saber se você tem ou não tem condições: ou
você vem [para o centro] por que você tem condições, ou você vai lá
para a periferia, por não ter condições. Ele é excludente, ao
extremo. Não tem meio termo. Ele não pensa nas condições humanas
um momento sequer (...). A briga pelo espaço se torna como se fosse
ouro, cada metro quadrado se torna super valorizado. (...) a
dificuldade toda é essa, a questão da terra, a questão dos metros
quadrados, a questão dos valores, a especulação imobiliária”.
(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21
de Abril, integrante da ULC).
Antes de adentrarmos no limite da especulação imobiliária, mais
específica dentre as diversas formas de especulação que veremos,
vejamos rapidamente, como a afirmação de Sidney Eusébio é
trabalhada por estudiosos do tema.
Lefevbre, pesquisador das relações econômicas que regem a cidade
capitalista nos confirma o depoimento de Sidney Eusébio,
reafirmando os poderes do mercado imobiliário em impor a
localização das moradias da população de baixa renda. Lefevbre
tece essa conclusão a partir da observação do funcionamento de
cidades capitalistas européias, que, neste ponto específico, muito se
assemelham à lógica de funcionamento da cidade de São Paulo:
“Quando esse último [capitalista industrial], chega a se apossar do
solo e da propriedade imobiliária, quando ela se concentra nas
mesmas mãos do capital, os capitalistas detêm um poder tão grande,
que eles podem até impedir os operários em luta de escolher
domicílio sobre a terra”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:163).
Segundo estudos de Maria Lúcia Martins, a especulação econômica
característica do sistema capitalista encontra-se intrinsecamente
vinculada ao ‘setor imobiliário’, ou seja, trata-se da especulação
imobiliária. Desta forma, ‘grande parte dos ganhos do capital’ se dá
em transações imobiliárias, o que muitas vezes é ignorado pela
sociedade em geral.
“(...) o setor imobiliário é hoje intrinsecamente associado a outros
setores do capital, fazendo parte dos setores de operação dos mais
diversos grupos econômicos. É possível assim, considerar os
interesses fundiários sob o capitalismo em sua forma atual como um
58
setor do capital. No entanto, o debate público normalmente enfoca
apenas os investimentos em bolsas de valores ou de mercadorias,
mas grande parte dos ganhos de capital são gerados no setor
imobiliário”. (Maria Lúcia Martins. ‘São Paulo, entre o
‘entesouramento’ e o processo de reestruturação’. 1999:17).
Novamente, Lefebvre nos confirma a importância do setor
imobiliário, e o responsabiliza diretamente pela organização do
território urbano:
“O setor imobiliário se torna tardiamente, mas de maneira cada vez
mais nítida, um setor subordinado ao grande capitalismo, ocupado
por suas grandes empresas (industriais, comerciais, bancárias), com
rentabilidade cuidadosamente organizada sob a cobertura da
organização do território”.(Lefevbre, a Cidade do Capital.
2001:164).
Temos, desta forma, amarrados: os ganhos, as rendas do capital, e a
especulação do setor imobiliário ao desenho e à organização
espacial das cidades. Mais adiante, na seção limites da economia
política, item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda,
enfrentaremos novamente esta questão.
Voltando a questão específica da especulação imobiliária, esta será
a primeira forma de especulação que trataremos, pois é uma
importante barreira a ser vencida na produção da moradia social no
centro. Esta pode se dar de duas formas: a partir dos proprietários
de imóveis, ou dos investidores, os detentores de capital.
Primeiramente abordaremos a especulação imobiliária realizada
pelos proprietários:
Os proprietários de imóveis vazios no centro44 fazem de tudo para se
manterem donos de seus imóveis até que o valor da procura por seu
imóvel atinja a quantia em dinheiro que gostaria de receber em
troca de sua propriedade. Ou seja, a oferta por ele lançada é fixa, é
ela quem define o valor da procura. Incrivelmente a lei da oferta e
da procura não se aplica neste caso, pois os proprietários do centro
não vendem se não querem, e lacram suas unidades com tijolos dos
mais variados.
janela lacrada em vila do Cambuci, set. 2003.
Vejamos com mais cuidado como isso se dá. Eles atingem este
objetivo de duas formas diferentes: eles ‘seguram’ suas
44 Há 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios completamente desocupados.(IBGE, 2000).
59
propriedades dizendo que simplesmente ‘não querem’ vendê-las,
deixando-as completamente lacradas e sem uma placa de ‘vende-se’
à fachada. Eles as colocarão à venda apenas quando ‘houver
mercado’, ou seja, quando houver uma procura tal que possa pagar
pelo valor por eles desejado/fixado.
Desta forma, está excluída a possibilidade de acesso da população
de baixa renda à esses imóveis. O proprietário aguarda que classes
mais altas tenham o interesse pela região central, o que deverá
acontecer num médio prazo, como veremos mais adiante, na seção
limites da economia política, item gentrificação: expulsão das
famílias de baixa renda.
A segunda forma de se atingir o objetivo inicial, é os proprietários já
colocarem seus imóveis à venda, mas pelo valor que almejam
receber, ou um ‘valor futuro’, de quando revalorizada a região. Daí,
os proprietários aguardam a demanda (famílias de renda superior)
atingir o valor fixado pela oferta. Novamente há a exclusão das
classes de baixa renda, pois a oferta é fixa.
Este fenômeno, aparentemente estranho à lógica do mercado, como
vimos, vai de encontro à lei da oferta e da procura (resultando num
‘não mercado’), e será novamente abordado na seção dos limites da
economia política.
O relato de uma das lideranças do movimento popular e o pequeno
trecho bibliográfico, que reproduzidos abaixo, enriquecem esta
constatação, de modo a confirmar o limite em questão:
“Primeira coisa, para negociar com o dono do terreno, foi uma
dificuldade, por que o dono valoriza o seu imóvel, (...) tudo foi com
os proprietários, a maior dificuldade nossa foi essa, a negociação
com os proprietários. Na área central é essa dificuldade, que é
assim: o dono do terreno sou eu e eu vendo pelo preço que eu quero,
peço um x e aí a prefeitura não tem, não compra, por que é muito
alto, o preço médio do metro quadrado aqui na área central é muito
caro, então não dá, o valor é muito alto. (depoimento de Luiz
Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,
integrante da ULC).
“Em razão da instabilidade da mão de obra (crises), ruas inteiras
ficam algumas vezes desertas. A avareza preside a construção: As
habitações ficam desocupadas”. (Lefebvre, A cidade do capital.
2001:21).
Margareth Uemura, arquiteta responsável pelos empreendimentos da
Cohab na região central, nos demonstra de modo explícito a postura
de proprietários de imóveis localizados nos ‘Perímetros de
Reabilitação Integrada do Habitat’, áreas delimitadas pela PMSP
como foco de futuras intervenções públicas devido à alta densidade
de cortiços e imóveis subutilizados45:
45 Em um dos levantamentos realizados pela PMSP, através da assessoria técnica Passo, na região do Cambuci/Ipiranga, compreendido entre as Avenidas Radial Leste (ao sul), Linha Férrea e Av do Estado, foram identificados os seguintes dados: no. de edificações encortiçadas/pensões: 86, edifícios sem uso (completamente vazios) : 258, terrenos sem uso/ e sem edificação: 129, terrenos subutilizados (menos de 20% de uso/edificação): 9, terrenos sem edificação e com uso comercial (ex: estacionamentos, ferro velho): 222. fonte: Sehab/PMSP, dez de 2002.
60
“É tudo uma leitura curta: ‘então essa área está no BID, e como o
parque Dom Pedro também vai ter investimento, então o PRIH da Luz
também vai ter, então essa área vai valorizar’. E aí começa o
discurso de alguns proprietários que vieram aqui discutir conosco,
que é o seguinte: ‘A gente está esperando a valorização da área
mesmo’, declarando isso. ‘ A prefeitura vai fazer investimento,
então nós estamos esperando’. E aí é isso, ele quer usufruir do
benefício, mas não quer participar da valorização. Então a conversa
dos mais abertos é essa. Uns não falam isso, mas outros falam
claramente ‘nós vamos segurar a área, se quiser desapropriar,
desaproprie, mas a gente não vai vender agora’. Então tem um pouco
disso também”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso
favela do gato, estudo favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão
Marta Suplicy).
O fenômeno da revalorização imobiliária do centro, citado no
depoimento acima, tem como um importante motor os desejos dos
proprietários pelo aumento da renda de seus imóveis, segundo a
ideologia dominante em questão. Meyer e Frúgoli nos demonstram
essa realidade, ao se referirem à Associação Viva o Centro e seus
braços, as Ações Locais:
“(...) organizações que procuram relacionar interesses de
proprietários de imóveis localizados em áreas que estão sofrendo
processo de transição/deterioração com os interesses mais amplos da
área onde estes imóveis se localizam [tendo] como objetivo
primordial reverter situações de declínio, de abandono e ameaça
para a área urbana onde estão instaladas as entidades que compõe a
organização. (Meyer et al., 1993:9. in: Frúgoli Jr. 2000:92)
“Ao menos até o estágio em que hoje se encontra, a organização
desses grupos comunitários [Ações locais] – na maioria dos casos, com
predomínio de comerciantes – é marcada pelo conservadorismo, ao se
pautar por interesses diretamente ligados às suas condições de
proprietários, enfatizando soluções de expulsão dos camelôs e da
população de rua, além de maior policiamento, com base em ações
que vão da concorrência desleal do comércio informal a interesses
diretamente ligados à valorização de seu patrimônio imobiliário”.
(Frúgoli Jr. 2000:92).
Em artigo recentemente publicado no jornal Estado de São Paulo, a
valorização imobiliária demonstra ser de fato esperada pelos
proprietários da região:
“Setor imobiliário pretende investir no centro. Mas para que isso se
concretize empresários aguardam iniciativas da Prefeitura da
Capital. (...) ‘Estamos numa época virtuosa e se a economia
melhorar as pessoas voltarão a dar valor ao centro’. Para ele46,
‘pequenas coisas’ como a mudança da prefeitura. secretarias
municipais e estaduais incentivam a iniciativa privada. ‘A ação
pública vem em primeiro lugar, mas uma andorinha só não faz
verão”. (jornal O Estado de São Paulo, 5 de outubro de 2003, caderno
móveis:11)
Para melhor compreensão do funcionamento econômico da idéia da
especulação, acima referida, reproduzimos alguns trechos de
estudos realizados por Lefebvre, objetivando compreender os
mecanismos da cidade capitalista. Focaremos mais especificamente
46 Ruy Pereira de Queiroz Filho, administrador de bens do centro.
61
no fenômeno do distanciamento, ou separação do ‘valor de troca’ do
‘valor de uso’ das mercadorias, aqui as imobiliárias:
“O valor de uso corresponde à necessidade, à expectativa, à
desejabilidade. O valor de troca corresponde à relação dessa coisa
com as outras coisas, com todos os objetos e com todas as coisas, no
“Mundo da mercadoria”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:135).
Em nosso caso específico, da especulação imobiliária, há uma
separação, um descolamento febril do valor de troca e do valor de
uso. A troca sobrepõe-se ao uso, e de forma tão clara: qualquer tipo
de uso é impedido nos imóveis lacrados do centro, segundo a
vontade de seus proprietários de especular. Continuemos:
“(...) a sociedade continua ligada e mesmo amarrada a terra. Pela
propriedade e pelas múltiplas servidões que ela mantém.
Especialmente e, sobretudo subordinando a terra ao mercado,
fazendo da terra um ‘bem’ comercializável, dependente do valor de
troca e da especulação, não do uso e do valor do uso. O cordão
umbilical, que levava a seiva e o sangue da matriz original à sua
filiação, a comunidade humana se transformou em uma corda, laço
seco e duro, que entrava os movimentos e o desenvolvimento dessa
comunidade. È esse o entrave por excelência”.(Lefebvre, A Cidade
do Capital. 2001:161).
“Com a burguesia, o valor de troca venceu o uso e o valor de uso; ela
o trata como uma serva, como uma escrava. Pouco importa a
necessidade que o objeto satisfaz, que venha ele do ventre ou do
imaginário, contanto que o objeto se venda e se compre”. (Lefebvre,
A Cidade do Capital, 2001:112).
“Assim e somente assim, a esse grau de desenvolvimento, nesse
quadro e nesse sistema ‘artificiais’, tão distanciados da natureza
quanto possível, o dinheiro, com o que ele carrega em si (o capital e
a força dos capitalistas) domina a mercadoria, sua condição, seu
antecedente, o mundo onde ele nasce, do qual ele se aproveita e que
ele mantém. O dinheiro se torna então a ‘matéria social da riqueza’,
liberando-se ao máximo do valor de uso e das matérias reais”.
(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:148).
Uma segunda forma de realização de lucros pode ser deflagrada por
indivíduos detentores de capital, que realizam então investimentos
através da compra de imóveis, que já sofreram valorização
imobiliária, para sua posterior locação ou até mesmo a revenda.
Vejamos então, como funcionam as barreiras da ideologia da
especulação, quando posta em ação especificamente pelos
investidores, como nos descreve Pedro Sales:
“Isso eu acredito estar dentro do embate ideológico do capital estar
querendo se reproduzir, eu acho que na hora que você conseguir
revitalizar o centro, seja qual for o conceito que você adote para
revitalização, o capital vai estar lá, para querer ele ocupar. E daí, se
tem população de baixa renda morando lá, o capital vai falar: não,
aqui eu posso locar para ganhar, isso a gente já viu acontecer em
alguns lugares do mundo, vão surgir os loft´s, e aí vão para lá. Eu
acho que essa discussão ideológica do capital querendo se
reproduzir, ela vai acontecer sempre. E ele vai lançar mão para
62
tomar para si um espaço que não foi ele quem construiu. (...) A
questão do interesse imobiliário, é no ponto de vista ideológico, o
maior [limite].” (depoimento de Pedro Sales, arquiteto, estudo de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
Da mesma forma que na especulação imobiliária realizada pelos
proprietários, para os investidores há também a espera pela
valorização imobiliária da região resultante dos investimentos
públicos. A diferença é que os investidores, enquanto aguardam a
valorização do centro, continuam a investir nas áreas mais rentáveis
a cidade, como relatado por Miranda e Caruso Jr:
“A iniciativa privada fica à espera; se o poder público investir para
valer ela investe naquele pedaço da cidade. Caso contrário, ela
continua a investir no vetor de maior interesse. Isso é um problema
para a cidade, (...)” (Rosana Miranda, in: Relatório final Comissão de
Estudos da Habitação no Centro. 2001: 87).
“(...) há pessoas que possuem escritórios aqui, mas não estão aqui
devido ao escritório, mas sim por que eles têm interesse no Centro,
interesses de construção. Há construtores que têm escritórios aqui
no Centro, mas constroem em outros locais da cidade. Na verdade, o
interesse deles seria no centro, mas não estão fazendo aqui por que
não há retorno. Então, qual a função deles? É tentar melhorar isso,
para reverter essa situação. O Centro é um excelente local para se
investir”.(depoimento de Luiz Caruso Jr., comerciante e presidente
da Ação Local João Mendes, em 13.08.1997. in: Frúgoli Jr. 2000:93).
Segundo o depoimento de Caruso Jr, acima reproduzido, os
investidores (assim como os proprietários) também ‘tentam
melhorar isso’ defendendo a região como local de investimento. O
depoimento de Manetti, também revela essa realidade, durante o
processo de desapropriação de terrenos no Pari para a edificação de
unidades habitacionais de interesse social através de mutirão, no
final da gestão de Luíza Erundina na PMSP:
“Eram terrenos que historicamente sempre foram desocupados, e foi
muito estranho, pois o decreto de interesse social foi publicado na
sexta feira, e na segunda os proprietários apareceram com projetos
para a área, mesmo que os projetos fossem absurdos. Em um dos
terrenos que era um quadrado, eles apareceram com uma planta
também de um quadrado grande desenhado, era um supermercado,
apesar do zoneamento não permitir, o que quero dizer é que havia,
e há alguns espiões de diário oficial, devem ser alguns advogados que
devem ficar catando essas coisas, intermediando, impedindo, etc. Eu
me lembro que por causa disso aqui veio até um grandão do Secovi,
botar o dedo no meu nariz dizendo: ‘você sabe quantos empregos a
cidade estará perdendo se não for feito o meu investimento? ’ Eu
não sei e não quero saber. Tudo pela questão de estarem
desapropriando. Isso foi uma batalha, que durou até a outra gestão,
quando o governo que sucedeu levantou todos os decretos”.
(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de
Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão de Luíza Erundina).
Outro campo agravado pela cultura especulativa em questão é a
compra dos imóveis pelo poder público, que resulta num aumento
ainda maior dos valores ofertados. Mais uma vez, as propriedades
têm seu valor de troca elevado, dificultando ainda mais o acesso da
população de baixa renda:
63
“Em alguns casos eles [proprietários] procuram a CEF para saber de
fato existe esse programa. Se a CEF tem interesse mesmo em fazer
aquilo que o movimento está se propondo. A gente até esclarece,
explica, como é que funciona. Aí eu acho que ajuda o movimento
também um pouco, nesse sentido. Com respaldo da CEF eles têm um
poder de fogo muito maior. É que a CEF não gosta muito de
aparecer, por que uma coisa é um proprietário vender uma coisa
para um movimento. Outra coisa é o proprietário vender seu imóvel
para a CEF. É evidente que para o movimento ele tem um preço, e
para CEF, que é um banco, ele tem um outro preço. (...) a CEF hoje
faz muita avaliação, a gente aluga imóveis para as nossas agências, e
é evidente, que hoje se você for negociar com um banco, o teu preço
é sempre outro, né doutor. De trinta por cento para cima. Para CEF
a conversa é outra”. (depoimento de Marco Antônio, estudo de caso
Riskalah Jorge, técnico da CEF, gestão Luiz Inácio Lula da Silva).
“É a dificuldade mesmo de negociação com alguns proprietários. (...)
Temos um primeiro contato com o proprietário aí ele fala: é X, aí
você se mostra interessado, enquanto poder público, aí passa um
tempo e o cara vê que você está mesmo interessado, e fala assim:
‘olha, eu não quero X, quero X mais 20% de X’. Isso aconteceu
algumas vezes, com alguns imóveis. O cara pediu uma coisa, depois
após todos os estudos, e ele resolve aumentar o valor, então aquele
trabalho todo que você tinha feito, tem de ser revisto, quando ele
não desiste, ou não joga o valor para um patamar
absurdo”.(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do
gato, arquiteto,PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Esta iniciativa de compra de imóveis especificamente pelo poder
público, já gerou, segundo a Arquiteta Isabel Cabral, um aumento
dos valores dos imóveis ofertados pelos proprietários:
“(...) é o que o pessoal tem falado, a própria Caixa, que hoje está
bem mais difícil. Percebe-se que tem um aumento sim. (...) Por que
os proprietários, naquela época achavam que nunca ia vender, um
prédio invadido, nunca. Hoje os proprietários já sabem: ‘bom a CEF
vai comprar e é dinheiro ali, na mão’, a CDHU também, não fica
aquela coisa, que era o entendimento dos proprietários: ‘ah, vai
levar anos para pagar, aquela coisa’, hoje eles pagam rápido, nem
pode mais demorar tanto, né? Estão vendo como um bom negócio. É
um mercado promissor. É a procura, como faz bem a cidade
capitalista”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria
Técnica Ambiente).
Esta mesma prática se aplica quando o poder público utiliza-se do
Decreto de Interesse Social, para a desapropriação do imóvel objeto
do empreendimento, gerando uma disputa jurídica:
“E muitas vezes que realizamos o Decreto de Interesse Social, há
problemas de que o proprietário não concorda com o preço, aí há
todo um procedimento, se a negociação não for favorável, então vai
para uma ação do juiz, então há um processo com um pouco de
litígio. Pois o proprietário discorda do valor, então o juiz nomeia um
perito dele, e isso vai ampliando o prazo, certo? ”. (depoimento de
Lia Ferreira, Gov. Est., Cdhu – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
64
Outra forma relevante de especulação é a realizada pelos
proprietários de imóveis encortiçados, que perpetuam a existência
desta forma de habitação de baixíssima qualidade, a preços muito
acima dos praticados pelo mercado formal de locação. Esta também
é considerada uma barreira à produção da moradia social no centro,
pois se os proprietários não tivessem como objetivo primordial a
especulação e a exploração indiscriminada, parte dos recursos
captados pelos aluguéis poderiam ser revertidos em ampliações e
melhorias das unidades habitacionais. Elas até mesmo poderiam ser
vendidas ao poder público por valores acessíveis, ou diretamente às
famílias encortiçadas, que poderiam investir o valor dos altos
aluguéis na melhoria de suas unidades.
Reproduzimos abaixo depoimento e trecho bibliográfico de
pesquisadores de questões relacionadas aos cortiços paulistanos,
Kohara e Piccini, bem como de Lefebvre, que relata fenômeno
semelhante nas cidades capitalistas Inglesas, no séc. XIX:
“Outra questão, que a pesquisa mostrou, é que o cortiço existia só
por que tinha o intermediário explorando. Tem uma questão aí, que
é importante a gente discutir, que é a questão fundiária do centro.
Por que existe um grande percentual de proprietários que estão
satisfeitos do imóvel ser cortiço. Por que se ele investir para
melhorar o cortiço dele, ele vai gastar muito dinheiro, e quando ele
melhora não dá para alugar para aqueles, por aquele valor de
mercado ali. Então ele prefere ter aquela situação, para explorar
quem tem condições econômicas baixas e também tem uma baixa
expectativa, até por toda a negação que a pessoa vem, aquilo da
mais lucro. Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do
imóvel ao mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda,
chega a ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em
cima de um investimento que você não fez. (...) Quem constrói essa
lógica, de manter essa situação de exploração, tem interesses.
Quando alguém está ganhando, tem um interessado, com mais força
ou menos força. Então tem toda uma lógica que resolve isso daí e há
a manutenção dessa lógica de exploração”. (depoimento de Luiz
Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab –
Habi, gestão Marta Suplicy).
“Esse tipo de moradia [cortiço] ainda é um negócio imobiliário com
certa lucratividade, como o foi em diferentes períodos históricos ao
longo da urbanização da cidade, devido à máxima subdivisão de cada
lote e da moradia em diversas unidades habitacionais e à falta de
despesas com impostos e com a manutenção do imóvel”. (Piccini,
1999:36).
“A indústria tratou como uma coisa o trabalhador liberado da
servidão. Ela o prende entre paredes que tombam em ruínas e que
ele deve adquirir pagando-as muito caro. O menor espaço foi
utilizado” (p.20). “(...) os empreendedores e proprietários fazem
pouca ou quase nenhuma manutenção. Eles não querem reduzir seus
lucros”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:92).
Agora, de modo diferente da especulação, a cultura do
‘entesouramento’, ou o simples ‘apego aos bens’, aqui, no caso os
imobiliários ou patrimoniais, em grande quantidade, tão louvados
pelas elites, é também identificada como barreira à produção de HIS
no centro paulistano. Silva nos revela em depoimento, que há
ocasiões em que os proprietários (à luz da cúria metropolitana, que
65
possui terrenos na região da Luz) deixam seus imóveis ‘parados’, ou
seja, vazios, como ‘patrimônio’:
“Tem a lógica do proprietário, a lógica de proprietário da cúria, é de
que aqueles terrenos sirvam para fomentar as vocações, e manter o
seminário, e fazer mais alguma coisa. Então ela não vai soltar o
terreno assim, é um patrimônio. (...) Os proprietários, a lógica deles
é manter parado, há muito tempo no centro como no restante da
cidade, enquanto não incomodar ele vai ficar parado. Um
instrumento, ele vai demorar anos para ele chegar na cabeça de um
proprietário de que é desvantajoso ele manter parado”. (depoimento
de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
Vejamos ao lado tabela que indica o número de imóveis vagos no
centro, segundo recenseamento realizado pelo IBGE, em 2000:
tabela 2: Domicílios particulares vagos dos distritos centrais de
São Paulo
Distritos centrais de São Paulo. Domicílios particulares vagos
Distritos Total derecenseados
vagos vagos/total
Barra Funda 5 486 685 12,5%
Bela Vista 33 848 5 479 16,2%
Belém 14 997 2 500 16,7%
Bom Retiro 10 807 1 821 16,9%
Brás 11 622 2 789 24,0%
Cambuci 11 370 1 910 16,8%
Consolação 29 577 3 694 12,5%
Liberdade 29 392 5 283 18,0%
Mooca 25 331 3 675 14,5%
Pari 5 817 1 223 21,0%
República 30 849 7 007 22,7%
Santa Cecília 36 171 6 343 17,5%
Sé 11 410 3 055 26,8%
Total 13 distritos 256 677 45 464 17,5%
Município de São Paulo 3 554 820 420 327 11,8%
fonte: IBGE. Censo de 2000
Podemos tratar o limite do ‘entesouramento’, como resultado direto
do sistema econômico a que estamos submetidos, calcado na
competição e nas incertezas individuais, exemplificadas pelas frases
comumente ouvidas: ‘e amanhã? Terei o que comer? ’, ou ‘quero
guardar para meus filhos um futuro seguro’...
Se o sistema econômico vigente tivesse como objetivo a garantia de
sobrevivência de todos seus indivíduos, a necessidade, hoje tida
como aceitável, de ‘entesouramento’, desapareceria, pois teríamos
a segurança de ‘amanhã ter o que comer’, e a certeza de que
‘nossos filhos vão viver bem melhor que nós...’.
66
O entesouramento de bens imóveis tornou-se possível a partir da
propriedade privada da terra (ou fundiária), que exerce uma pressão
sobre o desenvolvimento das cidades, como podemos rapidamente
observar em novo trecho de A Cidade do Capital:
“A propriedade fundiária puxa, por assim dizer, para trás a
sociedade inteira; ela não somente freia o crescimento, paralisa o
desenvolvimento, mas os orienta por meio de uma pressão
constante. Não é a esta ação imperceptível e perpétua que é
necessário atribuir o caráter bastardo das extensões urbanas? (...) A
posse não tem sido destituída; ela não perdeu seu lugar, nem mesmo
seu prestígio. A pressão prática e ideológica da propriedade privada
(a da terra, se junta à dos capitais) cega os dirigentes, os próprios
intelectuais; ela obscurece a imaginação dos arquitetos, dos
urbanistas”.(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:168).
inércia operacional do poder público:
manutenção da lógica vigente
Um novo limite ideológico e cultural identificado é a idéia presente
nos órgãos públicos de que as operações que alterem a ordem
estabelecida de funcionamento da máquina devam ser rejeitadas.
Trata-se de uma inércia, que dificulta qualquer tipo de proposição
de um novo ordenamento do sistema organizacional da instituição.
Esta cultura da manutenção e reprodução de um status quo
funcional, dito como eficiente, devido sua repetição, torna-se
barreira à busca de novas soluções. A máquina não acompanha a
dinâmica da sociedade. A alteração de uma operação significa um
re-aprender, um re-organizar, que é muitas vezes combatido pelos
funcionários públicos, os operacionalizadores destes sistemas.
A dificuldade que o funcionalismo possui em enfrentar e propor
formas diferentes de ação, que façam com que ele se responsabilize
por elas faz com que os processos administrativos demorem muito
tempo para se realizar. Segundo Ronconi, que enfrentou este
problema no programa Funaps comunitário (primeiro estudo de caso:
mutirão Madre de Deus), este é um dos principais entraves à
produção da moradia social através da autogestão (na época uma
novidade para a máquina pública), seja ela no centro, ou em
qualquer outra localidade da cidade:
“Uma primeira [barreira] é uma cultura na administração pública,
que é super complicada, sempre, pois a máquina pública vem num
movimento inercial se movimentando muito pouco ao longo do seu
desenvolvimento. A burocracia, de uma certa forma, que tenta
proteger um encaminhamento desprovido de interesse particular, no
fundo, acaba emperrando soluções mais ágeis, que queiram ser
implementadas. Muitas vezes, há uma noção do que deveria ser
burocrático, mas de fato nem é, e às vezes nem chega a ser algo que
esteja registrado em procedimento, lei ou em decreto, mas que o
funcionário público passa a adotar como uma norma de
procedimento. Então, toda vez que se entra com um programa novo,
inovador no sentido mudar o olhar público sobre uma questão, você
vai enfrentar esta bruma, esta coisa até um pouco velada, que não é
muito explícita, mas que é uma resistência do funcionário. Que não
tem nada a ver com que ele tenha que trabalhar mais, ou menos,
mas é uma postura que ele tem, basicamente de não assumir
67
responsabilidades. O funcionário público tem uma coisa que demora,
se você pesquisar os processos na prefeitura, você verá processos
com oito, nove despachos, que é de uma pessoa mandando para
outra, para dar opinião sobre um problema que foi dado para ela
resolver. Só que para tentar se resguardar, ela empurra para outro,
e o outro também vai para outro. Essa dificuldade em assumir
responsabilidades, é um elemento complicado, quando você vai
trabalhar uma proposta nova, que é, sobretudo você assumir uma
responsabilidade sobre um novo encaminhamento. Acredito que isso
afetava diretamente a gestão da Luíza Erundina na secretaria, eram
problemas (...) que enfrentávamos muito, que era de reformar, ou
formar de novo o funcionário público que estava lá. E isso o tempo
inteiro foi aparecendo em diversos momentos da gestão do
programa. Então aparecia desde os processos que você tinha para
qualificar a demanda, para aprovar a demanda, depois para verificar
projeto, aprovar projeto, até liberação de recursos e verificar o
dinheiro que havia sido gasto, aí se falava muito assim: mas o
tribunal de contas é um grande vilão. Realmente era, não estou
querendo desresponsabilizá-lo dos tormentos que causou, porém era
internamente, dentro mesmo da prefeitura, os contadores que
estavam lá, dentro de Habi, também sofriam deste mesmo
problema, questionando: como é que nós estamos passando dinheiro
direto para a população? Para eles isso era inconcebível. Eles não
conseguiam estruturar uma norma de procedimentos que deixasse
isso límpido e transparente para qualquer consulta da população, ou
ao menos não tinham segurança suficiente para isso. Essa mesma
deficiência você encontrava nos procuradores, que hora davam um
parecer para um lado, hora parecer para outro. O que acredito que
suporta todas essas atitudes de certa forma desviadas dos interesses
da administração, no fundo resume-se a uma inércia de resposta do
poder público, que é uma coisa muito difícil de mudar. E é assim até
hoje, se procurarmos na prefeitura, em diversos órgãos, vamos
encontrar esse problema, sendo este um dos grandes complicômetros
”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps comunitário, gestão Luiza
Erundina).
Na Caixa Econômica Federal, gestora do PAR, dificuldades como as
apresentadas acima também tiveram, e têm ainda, de ser
enfrentadas, segundo liderança do MMC, que desenvolveu com o
órgão os dois primeiros edifícios de reciclagem habitacional no
centro de São Paulo:
“Nesses três anos a CEF se preparou, mudou algumas posturas. No
início ela era dura, ela não tinha jogo de cintura, ela só sabia dizer
não. Depois, quando apresentamos uma proposta, eles dizem: ‘vamos
ver, vamos estudar’. A cada dia ela melhora, apesar de ainda haver
um setor reacionário dentro da Caixa. Se fosse para a burguesia esse
projeto aqui, eles fechavam os olhos e deixavam passar mais rápido.
O problema é porque é para pobre, para miserável, para pedinte,
mendigo. Isso é para mim ainda uma questão de preconceito”.
(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).
Já o PAC- Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela CDHU, teve
de atravessar anos de acertos para sua operacionalização, segundo a
arquiteta Lia Ferreira, integrante do corpo técnico da companhia:
“O PAC toma forma de programa a partir de 1998... isso requer um
processo de maturação”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta,
68
estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo
Alckmin).
Segundo o depoimento de Isabel Cabral, este ‘processo de
maturação’ do programa, que lentamente ajusta a lógica de
funcionamento do órgão às especificidades do trabalho com imóveis
encortiçados, ainda está sendo atravessado pela CDHU e seus
técnicos. Cabral comenta questões referentes às tipologias
habitacionais, que no centro, devem ser tratadas com maior
especificidade:
“Nós não podemos dizer que vai ter um outro Pirineus47, outra Maria
Paula48, não vai existir outro hotel São Paulo49, cada projeto é um
jeito, no centro da cidade. O da Joaquim Murtinho50 já é de outro
jeito. Se você pegar outro cortiço, já vai ter outro projeto de outro
jeito. Então eles [CDHU] não estão preparados para fazer essa
análise, com esse olhar, de aprovar, por que o centro é diferente,
eles não têm essa visão ainda. Eles ainda vêem como aquela coisa
que eles constroem na periferia, aqueles conjuntões enormes, e é
isso que a CDHU tem. E para mudar isso é um jogo duro danado. Tem
que ser muito bom de bambolê senão você não muda mesmo”.
(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica
Ambiente).
47 Empreendimento do PAC – BID na região da Barra Funda, recém inaugurado. 48 Empreendimento do PAR – CEF na região da Praça da Bandeira, em obras de reciclagem. 49 Edifício desapropriado pela PMSP, no Vale do Anhangabaú, que será requalificado para o uso habitacional. 50 Empreendimento da PMSP, alvo de reforma para o programa de locação social.
A inércia que tem de ser vencida para o ajuste do funcionamento da
máquina pública aos novos programas encontra-se personificada nos
funcionários da Cohab. Temos aí nova dificuldade a ser vencida na
elaboração do programa de locação social, segundo o depoimento de
Wagner Germano, arquiteto do órgão:
“Não sei se há um grande limite, há sim uma ‘renca’ de empecilhos,
que são como um inferno, de todas as ordens, (...) não apenas para
uma produção de moradias no centro, mas de uma maneira geral, na
estrutura da Cohab, há uma série de empecilhos. Desde a
morosidade para se contratar alguns serviços, há todas as
dificuldades, principalmente para coisas novas, aí a coisa fica um
pouco mais delicada ainda. Esse programa teve de ser construído,
tudo foi e está sendo estudado (...) essa experiência de se produzir
em área central, houve vários seminários com o pessoal da França,
da Itália (...). Você junta então isso com a própria dificuldade do
próprio poder público para contratar, licitar, tudo é super
demorado. Às vezes se emperram em situações que nem são tão
difíceis de serem resolvidas, mas às vezes falta gente que diga ‘olha
é assim, faça isso’, enfim. Às vezes isso é meio complicado, de as
pessoas assumirem, e se responsabilizarem”. (depoimento de Wagner
Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP, Sehab –
Cohab, gestão Marta Suplicy).
Ermínia Maricato, secretária municipal de Habitação da gestão Luíza
Erundina, confirma a presença da referida barreira aos novos
programas de habitação social no centro, e afirma até haver um
desejo do poder público51 de enfrentar a questão da moradia social
51 Refere-se às gestões do poder público em cargo no ano de 2000.
69
no centro, mas pondera que este desejo deveria ser de toda a
sociedade, pois o governo “pode encontrar resistências no interior
da própria máquina administrativa pública”52.
difícil articulação do povo encortiçado:
imobilismo e espera pelo paternalismo estatal
A população encortiçada, alvo natural dos programas públicos de
habitação no centro, enfrenta questões específicas inerentes a sua
inserção social. Estas especificidades os condicionam a posturas de
imobilismo e de desarticulação coletiva para a luta pela moradia de
qualidade no centro: trata-se de um novo limite. Este ainda se
insere no campo da ideologia e da cultura, como um conceito, ou
idéia, presente nas mentes da população encortiçada, que emperra
e dificulta a mobilização popular.
Uma das causas desta dificuldade de mobilização é muitas vezes
resultante de um limite ideológico e cultural anteriormente
identificado, que concebe a população de baixa renda como classe
social que deva necessariamente habitar as periferias urbanas, e não
as regiões centrais. Este conceito, observado agora pelo lado da
população de baixa renda, influencia diretamente a identidade
desta população, e faz com que não se considere parte integrante
dos ‘espaços centrais’ da cidade. Como demonstração desta barreira
cultural, reproduzimos abaixo depoimento de Kohara:
52 relatório final do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:60.
“Essa falta de identidade é essencial de trabalhar no centro. Por que
a pessoa não sente identidade? Por que a forma em que está
organizado o centro não é para a população pobre, ele não é
voltado, e aí não possibilita que se construa uma identidade. E uma
população que não tem identidade, ela não luta por aquilo que não
se identifica, não se sente parte. (...) [a partir dos trabalhos no
Gaspar Garcia, nos anos 80] percebemos que as pessoas precisam que
se crie uma identidade, pois ela sentia que era ilegal, porque mora
no cortiço, ela está entrando, ela é invasora de um espaço que ela
não tinha direito, que o lugar era ir para as periferias. (...) tinha
que comprar um barraco na favela, mas sempre longe. (...) Se fica
uma identidade só para banco, só para comércio, só para trânsito,
você não é dali, você acaba morando, as pessoas de cortiço moram,
mas você não se sente parte. Ela se identifica pela situação dela”.
(depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,
engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
Esta resistência em ‘sentir-se’ parte do centro pode novamente ser
identificada em relato de Ronconi, que aponta haver características
específicas da população encortiçada, se comparadas às diferentes
situações de carência habitacional. A vida nos cortiços impõe
condições que muitas vezes anulam o fomento da mobilização
popular:
“Claro que no centro havia questões específicas da organização do
movimento no centro, a evolução da organização dos movimentos de
cortiço foi mais lenta, do que o movimento de favela ou por moradia
na periferia. O centro, o cortiço, ele tinha uma dificuldade histórica
de organização, pois o morador de cortiço se recusava a admitir-se
70
na posição de encortiçado, (...) na realização de algumas entrevistas
em cortiços da região da aclimação, ao dizer que era uma entrevista,
o que a maioria dos moradores falavam era de que não adiantava os
entrevistar, pois na semana seguinte não se encontrariam mais lá,
pois estavam mudando e que sua vida estava melhorando. Ao voltar
lá semana depois, ele não estava mais lá, tinha saído mesmo, mas
você andava um pouco mais, e em duas ou três semanas o encontrava
em outro cortiço, ele ia mudando de cortiço para cortiço. Acredito
que esta resistência, essa dificuldade em se assumir naquela
situação, foi o que demorou a organização dos cortiços e foi algo
difícil de superar mesmo quando o movimento de cortiços estava se
organizando. Era quase que uma mácula a pessoa se identificar como
tal. E por exemplo a organização de favelas venceu isso muito antes.
Acredito que toda a questão violenta na estrutura do aluguel do
cortiço também dificultava essa organização, essa coisa de você ter
os xerifes de cortiço, que muitas vezes resolviam as questões
locatárias com o auxílio de um parabelo na mão. Então acho que isso
também dificultava a organização”. (depoimento de Reginaldo
Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab –
Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina).
Além do ‘parabelo na mão’ dos intermediários, Joel Audefroy, em
“Estratégias Populares en los centros históricos” (p.6), inclui como
agravante à construção de relações coletivas nos cortiços, a
presença do tráfico de drogas, que, apesar de atuar em toda a
cidade, se aproveita dos espaços socialmente mais vulneráveis para
se estruturar.
Segundo Gegê, liderança do MMC, estas dificuldades de mobilização
da população encortiçada são resultado de um processo histórico,
que resultou em indivíduos desprovidos da compreensão de que são
sujeitos de seu destino, ficando a aguardar orientações superiores
para a resolução de seus problemas. Para Gegê, este se trata de um
dos principais limites, pois se assim não fosse, as pressões populares
seriam de tamanha envergadura que todas as barreiras estariam
resolvidas:
“Há falta de valores humanos... Não se preocupam [população
encortiçada] consigo mesmo. Isso é um limite, e que cresce. A
construção individual de cada um não está completa. Se não tenho
completa minha individualidade, é muito difícil que se chegue a uma
construção coletiva. Isso passa pela formação política-ideológica. As
pessoas devem aprender a se defender e não serem defendidas. (...)
Cidadania e dignidade não é um prato de comida ou um cigarro que
se dá por aí, não. (...) É como um emprego, que a partir dele pode
se conseguir comida, roupas. Deve haver um esforço pessoal. (...)
Não é Jesus Cristo desceu do Céu, ou o diabo veio do inferno e tudo
se deu, não. Pode governar Jesus Cristo, que não vai melhorar. (...)
Nesses 503 anos estamos num vício desta cultura muito grande. É
preciso que se tenha claro que isso é um limite. (...) Nós não temos
salário, temos de criar condições para que o povo possa viver em
suas casas, com emprego e salário digno. Do contrário seria
paternalismo, seria o governo dando casas para o povo. (...) Achar
que um governo resolve, não resolve. É um erro achar que com uma
eleição e tudo está resolvido. Os grandes pensadores da revolução,
como Rosa Luxemburgo, Marx, Engels, Lênin, Trotski devem se
estremecer só de ouvir falar. É algo que se resolve com décadas. (...)
São 503 anos de uma cultura em que o pobre tem de baixar a cabeça,
tem de andar de cabeça baixa, e para ele entender que tem de
levantar a cabeça, serão dezenas de anos. É muito mais o limite do
71
movimento, esperando que alguém lhe dê, do que por problemas
específicos de um programa habitacional. Pois se eu percebo que,
por exemplo, a Cohab está segurando algum projeto, eu organizo o
povo e vou lá e quebro, ocupo, estouro. E pronto, esse limite
desapareceu”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
72
4.1.4.1.2 limites políticos
4.1.4.1.2.1 limites da política formal
“(...) então não acontecerão novos projetos. E nem novos
projetos de cortiços, porque a maioria dos cortiços está no
centro da cidade. Isso faz lembrar aquela frase: “isso é filé
minhon, morar na cidade é filé minhon, e pobre não come
filé minhon”. Esta é a antiga frase de um sujeito, um
especulador, Benjamim Barreira, aqui na Moóca que tem
uma imobiliária e uma construtora. E dizia sobre um terreno
na Barão de Monsanto, que nós do movimento
reivindicávamos à muito tempo atrás, desde o tempo do
prefeito Jânio Quadros, e ele dizia que aquilo é filé e pobre
não come filé. Então eu nunca pensei tanto nessa frase,
como na época em que o Maluf entrou (...) e o PPB, a classe
social que ele representa, a burguesia que ele
representa(...),”
Maria Nilce Ferreira Souto53
As diferentes posturas ou concepções políticas sobre as diversas
questões inerentes às relações humanas, organizam-se (dentre
diversas outras formas) em partidos políticos, que conduzem as
ações do poder público e influenciam de modo direto e decisivo a
produção da moradia social no centro.
53Mutirante do Projeto Celso Garcia, e membro da coordenação da Associação dos Trabalhadores da Região da Moóca e do Fórum dos Mutirões da cidade de São Paulo. Depoimento em 05/09/97. In: Comaru, 1998: pág.155.
Estas influências se dão através das disputas políticas entre as
diferentes legendas partidárias, durante as gestões, e mais
intensamente nos períodos eleitorais. Diversas barreiras à produção
da moradia social no centro têm de ser enfrentadas neste ‘jogo das
forças políticas’, qual buscaremos apenas identificar nesta seção.
Cabe aqui uma ressalva: acabamos de adentrar em terreno de
disputa, e, dado que as ações humanas são emanadas segundo
concepções políticas inerentes a cada cidadão, e por termos como
principio que nenhuma ação foge do campo da política: desde o
estar sentado a escrever um relatório de iniciação científica, até
estar sentado a analisar um determinado relatório de iniciação
científica. Daí, é dado que qualquer contribuição, seja ela em forma
de depoimento ou de trecho bibliográfico, emitirá uma postura
política. Ou seja, estamos a pisar em ovos, e qualquer conclusão
pode ser precipitada e parcial. Buscaremos então, apenas identificar
e relatar a barreira criada pelas atuais formas que essa disputa tem
se dado, encerrando-se, ela mesma, a disputa, enquanto um limite.
Para a apresentação dos limites da política formal, apresentaremos
em cada item as questões referentes a cada gestão, de modo a ter
uma leitura mais clara do enfrentamento da questão habitacional
segundo cada período político.
73
não há ‘vontade política’:
conjuntura adversa e correlação de forças incipiente
No item dos limites ideológicos e culturais tivemos contato com a
falta de consenso na sociedade paulistana acerca da presença das
classes de baixa renda na região central de São Paulo. Parte da
população concorda e defende esta idéia, ou concepção de cidade,
que exclui para a periferia os menos favorecidos no jogo do
capitalismo.
É certo que esta concepção de cidade, sustentada por uma parcela
influente da população, tenha repercussão nas políticas e ações
governamentais. Ou seja, a parcela da população que sustenta a
idéia ‘pobre = periferia’, vai sustentar ações que sejam coerentes
com esta concepção de cidade. Daí, as ações governamentais que
fugirem a essa regra não deverão ter o apoio desta população para
que sejam colocadas em prática: temos aí um novo limite.
Há uma relação direta entre a sustentação das ações
governamentais pela sociedade que elege a própria gestão
governamental. Se determinado governo implementa ações em
desacordo com a vontade da maioria da população, este estará
fadado a não se reeleger, ou até a não se manter no poder.
Cabe aqui ressaltar que por diversas vezes a ‘vontade da maioria’
não exerce tal influência sobre as ações do poder público, pois esta
não possui meios para exprimir e exigir ‘sua vontade’ ao longo do
período de uma gestão. Ficando este momento restrito apenas às
eleições diretas. Cabe também ressaltar que esta ‘vontade da
maioria’ é por certas vezes manipulada pelo poder midiático e
desbalanceada pelo poder econômico.
Portanto, de modo geral, o que muito importa às gestões
governamentais é a realização de ações que visem alcançar o
máximo possível de aceitação, ou sustentação pela população. Este
estado, ou retrato dessa sustentação, que varia de acordo com a
correlação das forças ideológico – culturais, ou políticas, em disputa
na sociedade, trataremos aqui como ‘conjuntura política’, ou
apenas ‘conjuntura’. Desta forma, as diferentes conjunturas
políticas, exprimem determinadas tendências de ação
governamental.
Segundo os depoimentos e trechos bibliográficos coletados, cada
gestão sustenta-se sobre uma diferente conjuntura política, mais ou
menos favorável à produção de HIS no centro. Desta forma, temos aí
um limite importante a ser considerado. Como cada gestão encara a
produção de HIS no centro? Em outras palavras, qual a ‘vontade
política’ de cada gestão?
Na gestão da PMSP de Luíza Erundina, há um consenso dentre os
agentes ouvidos. Segundo os técnicos e representante do movimento
popular, a realização de apenas 227 unidades no centro pelo
programa Funaps Comunitário, é resultado direto da não priorização
deste tipo de intervenção. A gestão teve como principal foco de
ação a edificação de unidades habitacionais em regiões periféricas:
74
“Tudo isso que nós fizemos sempre esteve nessa coisa do impossível,
primeiro que ninguém bancou com fichas muito pesadas esse
negócio, sempre foi um programa que era tido como experimental,
então não tinha grandes recursos”. (depoimento de Cláudio Manetti,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão
Luíza Erundina).
“Não, não foi [prioridade do governo], sempre foi tratado como um
protótipo, sempre foi tratado como uma experiência, antes de tudo
(...). Por um lado já não era uma prioridade de Governo, que estava
querendo demonstrar a questão da quantidade muito mais na
periferia, que é onde Habi tinha uma prática, desde o mutirão até
assentamentos diversos. Então a questão do cortiço na área central
era muito mais demonstrativa e quase qualitativa. Isso apesar de que
essa qualidade foi muito uma questão que a gente conseguiu trazer,
segurar esse projeto, nós dentro de Habi, do grupo de cortiços
conseguimos realizar. (...) [técnicos da PMSP questionavam] porque
que eu vou pagar trezentos no centro da cidade? Acredito que na
época era isso (o que não importa). E aí voltamos para aquela
questão política que se remete para uma questão economicista e,
portanto tem a ver com a questão da quantidade. Não se imagina e
não se dispõe de instrumentos ou recursos para que eu tenha ganhos
de escala com um m² de terra valendo sessenta vezes mais que na
periferia. (...) Esse projeto sempre foi visto meio com desconfiança,
no mínimo, delírio, diziam coisas diversas. Mas havia de um lado
uma pressão muito forte do movimento, muito firme. Teve até uma
das invasões aqui na Sehab, quando vieram trezentas pessoas do
Celso Garcia e do Madre de Deus. Foram lá para cima, e naquele
mesmo dia, o terreno do Banespa na Avenida Celso Garcia já tinha
um decreto de interesse social”. (depoimento de Pedro Sales,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão
Luíza Erundina).
“Por que ela fez só dois mutirões na área central? Ela [prefeitura]
tinha muita dificuldade aqui na área central, (...) e não houve muito
empenho da secretaria em relação à área central, não houve
empenho. O governo Erundina fez dois empreendimentos, e foi
muito difícil para chegar a esses dois. (...) Eles falavam que era
inviável fazer um projeto aqui na área central, um projeto grande,
nas áreas encortiçadas. A dificuldade é essa, que a gente sempre
encontrou. Agora se o governo quiser fazer, faz, mesmo sendo caro.
Se quiser fazer faz. Só que o retorno para o cofre público não vai ser
como o governo quer, ele vai pagar 100% e vai receber 50%, aí esses
50% é um fundo perdido, (...) isso que seria subsídio, é a dificuldade
que a gente tem. Nenhum governo garante, e se garante é muito
pouco, e não contempla o metro quadrado aqui da Mooca, ou na área
central, é muito caro. Então essa que é a dificuldade que a gente
percebe, que eles falam para nós. (...) Por isso é que eu falo, que é
uma dificuldade do governo, de achar que aqui na área central é
mais caro, é mais caro, mas já tem toda a infra-estrutura, então
acaba sendo mais barato”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC).
Os projetos iniciados na gestão de Luíza Erundina na PMSP foram
imediatamente paralisados quando iniciada a gestão seguinte, de
Paulo Maluf, sustentada por um partido diferente (antes PT, agora
PPB). Desta forma podemos identificar a interferência direta da
gestão municipal e seu partido político na produção de HIS no
Centro. Esses dados podem ainda indicar a existência de uma
75
possível outra barreira à produção de HIS no centro, exatamente
quando há uma mudança de gestão entre partidos políticos
diferentes. Mais adiante enfrentaremos esta questão mais
específica, no item o tempo da política: períodos das gestões,
calendário eleitoral e o apagar da história adversária.
No governo municipal de Celso Pitta, também do PPB, foi criado um
programa habitacional voltado às classes de baixa renda da região
central, que segundo Maria Souto, não foi levado à diante:
“A política da PMSP não existe (...), um programa com nome bonito,
mas que não saiu do papel: o Programa de Revitalização de Áreas
degradadas do Centro (PRADE)” (depoimento de Maria Nilce Ferreira
Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São
Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:52).
Acerca da ‘vontade política’ da gestão federal de Fernando
Henrique Cardoso, na qual foi criado o PAR, os agentes entrevistados
não opinaram diretamente sobre a questão, deixando-a, portanto,
em aberto. A apresentação da arquiteta Helena Saia54 no encontro:
“Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, ao
menos nos indica a não existência de uma ‘pró-atividade’ da CEF no
sentido da construção de uma política habitacional nas regiões
centrais. O órgão entendia (na época) não ser de sua atribuição o
traçado destas políticas:
54 Arquiteta projetista dos empreendimentos ‘Fernão Sales’ e ‘Riskalah Jorge’, reformas de edifícios pertencentes ao programa PAR – CEF.
“A instituição financeira não poderia ser responsável por traçar
políticas, contudo, aceitaria propostas que se enquadrassem no PAR.
Com esta abertura conclui-se que o que faltou durante décadas foi a
vontade política de se enfrentar com coragem e criatividade as
questões específicas sobre a habitação popular e também quanto a
preservação do patrimônio histórico”. (Helena Saia, in: relatório
final do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar
essa idéia? 2000: 16).
Na gestão de Mário Covas e Geraldo Alckmin (pertencentes ao
mesmo partido – PSDB) nas quais insere-se o programa PAC, há uma
discordância a respeito da ‘vontade política’ destes governos. Como
podemos observar através dos depoimentos de técnicos do poder
público, assessores técnicos e representantes de movimentos
populares:
“Eu entendo que sim [é uma prioridade de governo], pelo volume de
ações que estamos colocando em prática, acredito que sim. Em
entrevistas, quando a questão é habitacional, é sempre lembrada a
questão de cortiços”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo
de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU - PAC, gestão Geraldo Alckmin).
“Um dos empecilhos também é a forma, enquanto governo, a forma
que eles [governo do Estado] vêm trabalhando, não há interesse
político. Por que não há? É aquela velha história que a gente sabe, a
colocação de toda a produção de HIS para fora do centro da cidade,
longe, para não ter essa interferência, para realmente não misturar,
ficar separado. Eu acho que a questão é de entendimento da cidade,
política mesmo, da divisão de classes”. (depoimento de Isabel
Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).
76
“Estrutura e dinheiro eles [governo do Estado] têm. Falta vontade
política e parceria com os movimentos. (...) Diziam que amenizariam
os problemas do centro, e nós não imaginávamos que iríamos
enfrentar esse paredão, essa burocracia de um governo não
democrático, não socialista. (...) Nenhum governo do estado, este e
todos os outros, nunca teve a moradia para a baixa renda nos
grandes centros urbanos como uma prioridade”. (depoimento de
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC).
Na gestão de Marta Suplicy na PMSP, há depoimentos que apontam a
existência de uma disputa interna dentro do próprio governo. Hora a
moradia social no centro é apresentada como prioridade, hora a
reabilitação do centro (voltada para outras ações que não a moradia
social) são consideradas prioritárias. Temos aí mais um retrato da
correlação de forças de sustentação do governo municipal, que
resulta em ações ambíguas do poder público. Mais adiante, na seção
dos limites da economia política, onde identificaremos o fenômeno
da gentrificação, esta contradição tornar-se-á mais nítida. Por hora,
observemos depoimentos de técnicos da PMSP, assessor técnico e
representante de movimento, ilustradores desta contradição:
“Eu acho que existe muita fragmentação nesse sentido [se é
prioridade da gestão investir em HIS no centro]. Muitas vezes essas
intenções se fragmentam. É importantíssima essa questão da
reabilitação, só que, como se amarra uma reabilitação assegurando
que a população não seja expulsa? Pra poder assegurar isso teríamos
de ter um estoque imobiliário. Não temos conseguido, mesmo por
falta de recursos, primeiro ter o estoque, para depois fazer a
discussão. Na verdade, o próprio poder público é um elemento de
valorização, um ator que também precisa comprar. Teríamos de ter
primeiro o estoque, para depois assegurar isso. Eu acho muito difícil
que uma reabilitação de uma região consiga assegurar uma
população. Acho que tem uma fragmentação: todo mundo
investindo, só que eu acho que os tempos deveriam ser diferentes.
Tem uma contradição, eu não conheço nenhum lugar onde se fez
reabilitação, (de forma geral, no mundo inteiro, que eu tenha lido):
Se não se preparou a reabilitação, [é difícil] que se consiga assegurar
a população. É quase um a conseqüência do outro”. (depoimento de
Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab
– Habi, gestão Marta Suplicy).
“Olha eu acho que é prioridade [produção de HIS no centro],
internamente no discurso do Paulo55, já entrou que é uma
prioridade. Acredito mesmo que as nossas dificuldades são
operacionais, não é nem de recurso. Ela é também de recursos, mas
eu digo que com os recursos que nós temos disponíveis, nós estamos
com muita dificuldade de fazer andar alguns projetos, por uma série
de coisas. (...) Então é prioridade sim”. (depoimento de Helena Silva
estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro,
gestão Marta Suplicy).
“No discurso aparece como prioridade a intervenção no centro, (...)
E no discurso aparece como uma tábua de salvação mesmo: ‘ah, tudo
que os movimentos vem reivindicando’, eles pegam aquele discurso e
jogam para a administração pública, sem ter um orçamento para
55 Secretário de Habitação de Desenvolvimento Urbano da PMSP, gestão Marta Suplicy.
77
isso, não tem um programa. Exceto o programa de locação social,
não tem um programa que eu conheça. O Morar no Centro é muito
mais um apoio aos recursos outros. Então como você constrói política
sem fundo público. Isso que é um dos paradoxos, que vira muito mais
programas de discurso, que ações concretas”. (depoimento de
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica
Peabiru).
“Desde o orçamento participativo a idéia é de habitar o centro,
nesse programa da Marta. A idéia primordial deles é habitação (...).
Mas sem a prática, sem apoio político, sem querer. Falta querer
fazer”. (depoimento de Sassá, liderança popular, morador da favela
do gato).
O discurso de que habitação popular no centro é uma ‘prioridade de
governo’ é encampado pela maioria das instâncias governamentais,
quando diretamente questionadas. Ao passo que o discurso: ‘o que
falta é vontade política’ é sustentado pelos movimentos populares.
A partir dos depoimentos coletados e das experiências acumuladas
no decorrer de nossos estudos, observamos que estas informações
devem ser analisadas com maior profundidade para a emissão de
qualquer conclusão acerca do tema.
Mas temos apenas como certo que os resultados alcançados por
todos os programas estão muito aquém das necessidades da
população.
Portanto, se é verdadeiro o discurso de que a habitação social no
centro é uma ‘prioridade de governo’, há então outros fatores
limitantes para que tenhamos a atual produção. Pois, diante de sua
priorização pelo poder público, é de se esperar que melhores
resultados sejam alcançados.
Agora, se de fato a produção de HIS no centro não se trata de uma
‘prioridade de governo’, é certo que esta postura se trata de um
limite importante à produção da moradia social no centro.
falta de recursos:
o discurso das limitações financeiras do estado
Dentre os limites políticos identificados, inclui-se a quantidade de
recursos empregados para a implementação das políticas de HIS no
centro. Esta quantia se relaciona à ‘vontade política’, mas não
necessariamente de forma diretamente proporcional, de modo que
não significa que quanto maior a ‘vontade política’, mais recursos
deverão ser empregados na produção de HIS no centro, ou: se há
pouca ‘vontade política’ não haverá recursos.
As questões que envolvem este tema são por demais complexas para
uma presente análise, e certamente deveriam ser alvo de estudos
mais aprofundados. Por hora nos limitaremos a apontar alguns
pontos de vista acerca da questão: os recursos disponibilizados para
a produção de HIS no centro são suficientes para uma produção
massiva e de qualidade destas unidades?
É certo que não. O que pudemos identificar é que cada gestão
aporta recursos para a implementação destas políticas de modos
bastante diferentes:
78
“A prefeitura que sempre chora que não tem dinheiro, que tem que
pagar a lei de responsabilidade fiscal, essa coisa. O Governo do
Estado nunca falou que não tem dinheiro, o que dificulta ele é
sempre a questão da lei 8.666. O Governo Federal nunca disse que
não tem dinheiro, pelo contrário, os dois sempre falam assim tem
dinheiro o que precisa é agilizar a questão da moradia. Mas como é
que você agiliza, se a renda das pessoas é baixa. Se não tem
subsídio, você não consegue agilizar. Então eu acho que tem que
botar o dedo na ferida, que é a questão do subsídio. (...) Tem
dinheiro, pelo contrário. Tem que mudar a lei para agilizar mais”.
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
Fórum dos cortiços).
Na gestão de Luíza Erundina na PMSP, a relação da ‘vontade
política’ e do orçamento empregado para os programas habitacionais
na região central, segundo os agentes entrevistados, é a seguinte:
“Se não havia uma política de massa, não seria necessário também
uma destinação orçamentária equivalente”. (depoimento de Joel
Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria técnica
AD).
Já no Programa de Arrendamento Residencial, da CEF, a quantidade
de recursos disponíveis é suficiente para uma produção de
aproximadamente 25.000 unidades habitacionais em todo o país. A
demanda direta por unidades habitacionais apenas pela população
encortiçada na região central é da ordem de 110.400 unidades
habitacionais, segundo o último recenseamento total de cortiços de
São Paulo, de 1993, realizado pela Fipe.
A falta de recursos neste caso parece não ser fator de limitação à
produção, pois as dificuldades encontram-se no atual sistema
financeiro de habitação, que pouco pode fazer para atender as
faixas de renda mais necessitadas, segundo André Luiz de Souza,
representante da CUT no conselho curador do FGTS, em participação
no encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar
essa idéia?”:
Souza afirma que o FGTS só pode emprestar para quem pode
ressarcir, de modo que ele nunca atinge as famílias com até três
salários mínimos. Já a CEF está subordinada ao Banco Central que
compreende crédito habitacional como crédito individual e não uma
política pública, devendo o risco ser operado pela própria instituição
financeira. Ao mesmo tempo o Orçamento Geral da União (OGU) não
estabelece nenhum tipo de “mix” com o FGTS, nem mesmo as
políticas habitacionais dos estados.
Segundo Souza o principal limitador para que a CEF passe a atuar
junto às faixas de menor renda é o seguinte:
“(...) o setor público endividado não pode tomar novos
financiamentos, por causa da lei 2682. Assim, a Caixa só poderá
retomar o financiamento para o poder público daqui a 50 anos. Os
bancos privados podem conceder empréstimos, mas seu ‘spread’
mínimo é de 3%, enquanto o da Caixa é de 1%”. (André Luiz de Souza,
representante da Cut no conselho curador do FGTS. In: relatório final
do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia? Lab Hab Fau Usp, 2000: 38).
79
Para a atual gestão do Governo do Estado, de Geraldo Alckmin, a
habitação popular no centro é uma prioridade. A CDHU conta com
recursos suficientes para uma produção massiva de HIS no centro, a
partir de parte da receita gerada pelo ICMS, que rende
aproximadamente R$10.850.000,00 reais/mês56, além do
empréstimo junto ao BID de U$ 70mi para financiamento específico
do PAC.
Segundo integrantes do movimento, a aplicação destes recursos tem
se realizado de forma equivocada, já que os resultados práticos
(número de unidades habitacionais produzidas) não são perceptíveis
aos olhos da população:
“(...) tem muito dinheiro, não faz nada, só faz pesquisa (...) e fica
sem utilizar, quando há tanto para resolver. (...) porque o governo
não decide colocar uma parte do dinheiro a fundo perdido e pelo
menos fazer algum projeto?”. (Verônica Krol, integrante do Fórum
dos cortiços, in: relatório final do encontro: Habitação no centro de
São Paulo: como viabilizar essa idéia? Lab Hab Fau Usp,2000:52).
Para a atual gestão da PMSP, a restrição orçamentária é um fato,
mas não é fator limitante à quantidade e à qualidade das unidades
habitacionais produzidas para o programa de Locação Social. O
depoimento de Wagner Germano, técnico da Cohab, afirma a
presença de limitações de outra ordem:
56 segundo a média de arrecadação dos 1% do ICMS destinados à habitação no período de dez anos (1990-1999). fonte: sítio eletrônico da CDHU, página: http://www.cdhu.sp.gov.br/http/indexhtm.htm
“Não teve esse problema [falta de recursos], eu acho que esse
‘vamos fazer menos’, é por que houve os episódios em que alguns
empreendimentos não se viabilizaram pelas questões que já falei
[entraves enfrentados no decorrer da operacionalização do
programa], então tivemos de rever as estimativas em algum
momento, por conta das dificuldades naturais, problemas que foram
aparecendo. Mas eu acho que o programa só não tem mais recursos,
um aporte financeiro considerável para essa ação no centro, por toda
essa dificuldade, essa morosidade, inclusive até de conseguir achar o
caminho das pedras. Se estivéssemos ainda no segundo ano da
gestão, com certeza teria mais recursos. Então você abre frentes, e
aloca os recursos. Esse é um problema que administração vive. No
meio do ano há diversas reuniões para cortes no orçamento. (...) O
programa de locação social, habitação no centro, só não tem mais
recursos, por que não conseguimos abrir frentes”. (depoimento de
Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP,
Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy).
Já para morador da favela do gato, alvo do empreendimento de
locação social em estudo, a ‘falta de verba’ lhe foi confiada como
uma barreira à atual produção:
“Área tem, tem bastante área desativada aí, área na própria mão
deles, são áreas grandes, para conjuntos habitacionais. Só que
sempre alegam que é falta de verba, falta disso, falta daquilo”.
(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança
popular, morador da favela do gato).
80
leis que não se aplicam:
o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação
de forças
É dado que as ações dos governos devem estar apoiadas em
instrumentos legais, ou leis, que as regulamentem. Para que
estas leis sejam criadas, precisa-se de uma correlação de
forças favorável à sua aprovação, dentro dos parlamentos
municipais, estaduais e federal. Passada essa disputa política
pela criação das leis, faz-se necessária uma nova correlação de
forças, que favoreça sua aplicação. Desta forma, apesar de
adentrarmos no campo da legislação, ainda reportamos a
causa deste fenômeno à esfera política.
Das leis necessárias à produção de HIS no centro, algumas
foram aprovadas pelos parlamentos, faltando ainda diversos
instrumentos para uma produção massiva e de qualidade
destas unidades. Estas leis, ditas como ‘necessárias’, são de
várias ordens, desde as que regulamentam a construção das
unidades habitacionais, como as leis edilícias, às que dispõem
sobre a ordenação urbanística da cidade, incidindo sobre a
função social da propriedade. Abaixo trataremos apenas da
não aplicação dos instrumentos legais considerados centrais à
produção de HIS no centro.
Segundo depoimentos e trechos bibliográficos visitados, diversas
destas leis tornaram-se ‘letra morta’, devido à não existência de
uma correlação de forças que sustente sua aplicação. Desta forma,
tem-se uma inoperância governamental, que muitas vezes pouco ou
nada realiza para a implementação de uma política pública que
incida sobre o tema em questão.
Para Verônica Krol, liderança do Fórum dos cortiços e Ermínia
Maricato, professora da Fau Usp, a legislação urbana existente não
se aplica à realidade de nossas cidades. Neste aspecto, há também
uma divisão da cidade, em ‘cidade da lei’ e ‘cidade sem lei’:
“Eu sempre digo, que para qualquer governo, o maior desafio é a
questão do centro. Por que o centro, ele parece que é uma coisa que
se fala: É um centro sem lei, é um mundo do cão, são os despejos de
cortiço, são os intermediários, é o valor do metro quadrado da terra,
é você viabilizar um projeto, tudo é muito difícil, então é o desafio
de qualquer prefeito, qualquer governo”. (depoimento de Verônica
Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).
“A aplicação da legislação urbana não é universal. Esse é um dos
paradigmas da sociedade brasileira. A aplicação da lei não é igual
para todos. Nós não conquistamos a cidadania prevista na Revolução
Francesa”. (Ermínia Maricato, in: Os centros das metrópoles,
reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI”.
2001:95).
Mais especificamente, dentre as leis da ‘cidade sem lei’, destaca-se
a ‘Lei Moura’, proposta pelo vereador Luiz Carlos Moura, em 1991,
que desde então nunca foi aplicada. A lei Moura tem por objetivo
regulamentar a locação de quartos, pensões ou cortiços,
estabelecendo parâmetros de qualidade mínima ambiental e
81
construtiva, bem como regras para a relação entre locadores e
locatários.
Diante das atuais condições habitacionais na cidade de São Paulo, e
da conjuntura a que estamos submetidos, sua aplicação tem se
tornado inviável. Reproduzimos abaixo trecho do caderno:
Laboratório Integrado e Participativo para Requalificação de
Cortiço, que publica texto de Andréa Piccini, pesquisador do tema,
da escola Politécnica da USP:
“Com relação a sua legalidade, as normas específicas de edificação
definidas em lei, como, por exemplo, a Lei Moura, colocam a maioria
dos edifícios encortiçados, localizados na área central fora da
legalidade. (...) A falta de fiscalização, que é uma função básica
atribuída por lei à administração pública municipal, acaba por
perpetuar condições de irregularidades em relação às edificações e
de ilegalidade com relação à locação. (...) A fiscalização depende de
vontade política e de um programa de ação que possa dar conta de
uma quantidade tão grande de edificações irregulares. Por outro
lado, se os proprietários forem multados de forma generalizada,
provocar-se-ia uma falta de habitações na cidade, sem que exista um
estoque de moradias pronto para a substituição. A conclusão de que
é melhor deixar como está, dada a complexidade do problema e a
falta de fiscalização, levam à tolerância que, por sua vez, beneficia
o profícuo mercado clandestino de aluguel”. (p.37) “Parece existir
um abismo entre a formulação jurídica dos instrumentos legais e a
prática do que se constrói em grande parte da cidade e onde mora a
maior parte da população. À distância às vezes é tão grande que os
instrumentos propostos parecem feitos para a sua não aplicação
ou,quando são, criam situações incoerentes provocando sua própria
anulação; na prática acaba por auto-invalidar-se”. (Andréa Piccini,
in: “Laboratório de projeto integrado e participativo para
requalificação de cortiço”. 2002:38).
Estas dificuldades apontadas por Piccini têm repercutido na atual
administração municipal. Luis Kohara, técnico de Habi, afirma ser
de responsabilidade da PMSP a fiscalização destes estabelecimentos,
mas que, enquanto governo municipal, estão ‘discutindo isso’, e até
agora não realizaram nenhuma ação no sentido da aplicação da lei:
“(...) Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do imóvel ao
mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda, chega a
ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em cima
de um investimento que você não fez. Então há uma lógica aí, que se
permite que isso aconteça, eu acho que a gente teria que fazer algo.
Lógico cabe à prefeitura, e estamos discutindo isso”.(depoimento de
Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab
– Habi, gestão Marta Suplicy).
Outra ação do poder público vital à produção de HIS no centro, e
que possui arcabouço legal e não é colocada em prática devido à
falta de sustentação conjuntural, é o controle dos preços dos
imóveis na região central, através da imposição do cumprimento da
função social da propriedade, constante no plano diretor estratégico
do município.
Como vimos na seção dos limites ideológico – culturais, tópico
especulação e ‘entesouramento’, há uma manutenção artificial dos
preços dos imóveis na região central, acima da capacidade de
82
pagamento das classes de baixa renda (como também veremos na
seção dos limites da economia política).
A necessidade de se estabelecer um controle sobre os valores dos
imóveis é latente. Mas há teses que consideram a possibilidade da
produção da moradia social dentro do atual sistema capitalista de
mercado, através de sua regulamentação legal. Meses antes da
aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, Nabil Bonduki,
arquiteto e vereador, possuía como estratégia a criação de leis que
apenas interferissem nas leis de mercado, mas sem ‘revogá-la’:
“(...) um desafio que temos: ninguém aqui quer revogar a lei de
mercado por decreto ou mesmo no plenário da Câmara, mas temos
claro que a legislação é uma clara interferência, ela deve interferir
nas leis de mercado, e tem de ser encontrados mecanismos para que
se viabilizem condições concretas para esse mercado
imobiliário”.(Nabil Bonduki, Vereador, in: “relatório da ‘Comissão de
Estudos sobre Habitação na Região Central”, 2001: 107).
Uma das leis que tem como objetivo interferir na lógica de mercado
imposta pelos proprietários de imóveis, é o IPTU progressivo no
tempo, que funciona através do aumento da alíquota incidente
sobre o valor do imóvel, no calculo anual do IPTU. Quando um
imóvel se encontra vazio ou subutilizado por mais de cinco anos, a
alíquota de incidência pode ser de até 15% sobre o valor do imóvel,
a cada ano de sua não utilização. Se o proprietário não lhe destinar
algum uso, este poderá até ‘perdê-lo’ para o município, pois em
pouco tempo o valor do imposto será igualado ao valor de seu
imóvel. Trata-se de uma forma de penalização do proprietário que
especula com seu imóvel, forçando-o a colocá-lo à venda, ou a dar-
lhe algum uso. Ou seja, destinar-lhe a uma ‘função social’.
Os instrumentos urbanísticos que definem e regulamentam o
cumprimento da função social da propriedade nas cidades brasileiras
estão no ‘Estatuto da Cidade’, aprovado em julho de 2001 pelo
Congresso Nacional. Diversas publicações recentes debatem a fundo
seu funcionamento e os meios de sua implementação57. Por hora
limitar-nos-emos a identificar a falta de sua aplicação e as
conseqüências disso à produção da moradia social no centro, muito
dificultada.
Desde a aprovação do Plano Diretor Estratégico pela Câmara
Municipal, em setembro de 2002, o IPTU progressivo no tempo não
foi aplicado em nenhuma propriedade. Segundo Kohara, o maior
limite à produção da moradia social no centro é a manutenção de
imóveis vazios na região central, ou a ‘questão fundiária’. As
dificuldades do enfrentamento desta questão são tão grandes que se
tornaram um ‘mito’ urbano. E, para ser quebrado, transformações
substanciais no modo de concepção de cidade seriam necessárias:
“(...) O programa [morar no centro, PMSP, gestão Marta Suplicy]
também previa, (não especificamente em relação à favela do gato)
que se trabalhasse com a contradição de termos um dado do IBGE
57 Por exemplo, o guia editado pela Câmara dos deputados, realizado pelo Instituto Pólis: “Estatuto da Cidade. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos”, Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2001.
83
que diz haver em São Paulo 40 mil unidades vazias só na região da
subprefeitura Sé. Por que não se aproveitam essas moradias? O que é
um outro mito. Por que se temos 40 mil unidades domiciliares,
teríamos pelo menos 150 mil podendo morar no centro. (...) A
questão fundiária é o maior limite, nós ainda não sabemos como
mexer com os imóveis vazios. Pra mim essa questão é a mais central.
(...) Acho que ainda estamos muito longe do poder público fazer esse
enfrentamento das unidades vazias. (...) Muitas coisas dizemos ser
difíceis, mas ainda não foi enfrentado. Qualquer dificuldade que não
é enfrentada acaba sendo um mito, na verdade. No centro lidamos
com muitos mitos; a questão dos imóveis vazios mesmo, não foi
enfrentada.”. (depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do
gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
O ‘tabu’ mencionado por Kohara é explicitado por Maricato, e
pertence à esfera política, criada pela correlação de forças
resultante do poder encampado pelos proprietários imobiliários e o
já abordado ‘‘entesouramento’’. Para Maricato, as leis, sozinhas,
não possuem poder algum, e são dependentes da correlação de
forças:
“(...) Nenhum desses argumentos se iguala ao principal obstáculo ao
fortalecimento do IPTU, em especial à implementação do IPTU
progressivo, que é dado pela correlação de forças que tem, nos
proprietários imobiliários e na histórica relação entre poder e
‘entesouramento’, os limites para a aplicação da função social da
propriedade”. (p.176). “Nesse caso, a questão central é fundiária e
imobiliária. Não há planos ou fórmulas para superar os conflitos que
essa questão implica. Instrumentos urbanísticos, textos legais podem
ser melhores ou piores, adequados ou inadequados tecnicamente,
mas nada garante aquilo que é resultado das correlações de forças,
especialmente em uma sociedade patrimonialista, onde a
propriedade privada da terra tem tal importância. Estamos no
terreno da política e não da técnica. A discriminatória das terras
públicas aí está. É lei. Ela é, provavelmente, o mais radical
instrumento da política fundiária”.(Ermínia Maricato, in: “As idéias
fora do lugar e o lugar fora das idéias”, A cidade do pensamento
único, desmanchando consensos. 2000:185).
Para Amore, arquiteto da Assessoria Técnica Peabiru, mesmo se
aplicados os instrumentos do estatuto da cidade, a forma que se
viabilizaria a ‘reforma urbana’, tão defendida por parte de
urbanistas e movimentos sociais, ainda seria nos moldes do sistema
capitalista.
Ações mais duras do poder público não se realizariam por falta de
uma correlação de forças favorável a isso, da mesma forma que um
instrumento legal que revogasse a lei de mercado, não seria
atualmente factível, segundo Bonduki. Diante da atual conjuntura
política, o fato de se democratizar o acesso à propriedade, no
Brasil, já teria ‘um peso enorme’:
“A história da reforma urbana, ninguém fala em expropriação de
imóveis vazios ou subutilizados. O que sempre se fala é: ‘incentivos
ficais, compensações para o proprietário’. (...) Sempre você vai
encontrando um jeito de se compensar isso. Então é uma reforma
urbana, na legislação mesmo, é uma reforma urbana, mas ela é
pensada por uma via capitalista. É reforma urbana, por que
democratiza o acesso à propriedade. E no Brasil, isso tem um peso
enorme, não é desprezível, mas é uma reforma urbana pela via
84
capitalista, compensando o proprietário e tal”. (depoimento de Caio
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica
Peabiru).
desarticulação dos diferentes níveis de governo:
disputa pelos louros das unidades habitacionais
Um novo entrave a uma maior e melhor produção de HIS no centro é
a falta de integração dos diferentes níveis de governo: município,
estado e união. Ações sobrepõem-se, repetem-se estudos, e
trabalhos são feitos e refeitos. Nos últimos quinze anos, os três
níveis de governo sofreram sempre alterações de composição
política, sem que nunca houvesse um governo municipal que tivesse
como ‘aliado’ político, o governo estadual ou federal, com exceção
dos últimos sete meses, em que união e município são do mesmo
partido.
Apesar da obviedade teórica da necessidade de uma relação
harmônica entre os diferentes níveis de governo,
independentemente do partido que compõe a gestão, a prática da
não realização de acordos, convênios, ou contratos de cooperação
entre as gestões, tem demonstrado a necessidade de um diálogo
mínimo ou uma mínima compatibilidade programática entre as
diferentes partes.
A composição política das gestões nos diferentes níveis
governamentais, segundo os períodos de atuação, pode ser
observada abaixo, e serve como ilustração aos trechos dos
depoimentos coletados:
Tabela três: gestões governamentais segundo legenda partidária
ano 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04
município
Jân
io Erundina Maluf Pitta Marta
estado Quércia Fleury
mário
covas mário covas
alckmi
n
união Sarney Collor Itamar FHC FHC Lula
PSDB
PMDB
PPB
PT
PRN
PTB
Durante a gestão de Luíza Erundina na PMSP, período 89-92, as
relações com a gestão estadual eram exceções. Quando ocorriam
acessavam também outras secretarias, que não a pasta de
habitação:
“Não havia [relações entre governos municipal e estadual]. Exceções
existiam ou por necessidade muito concreta de divisão de tarefas
85
(caso do Cinema da Mooca, que, aliás, resultou em: ‘então, tocam
vocês...’ da PMSP para a CDHU) e quando os movimentos
demandavam recursos de outras áreas, como no Jd. São Francisco, o
convênio com a Secretaria da Cultura para oficinas culturais com
crianças e adolescentes”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto,
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza
Erundina).
Relações de integração com o governo federal também não
ocorreram, ao menos aos olhos da população participante do
programa:
“Não, não tinha [integração entre os governos], na época era só a
prefeitura, em nossa época nunca teve não, nenhum dinheiro federal
para construir casa. Se veio, para nós não chegou”. (depoimento de
Luiz Cavalcanti, liderança popular, integrante da ULC).
Na atual conjuntura, junho de 2003, as relações entre o município e
o estado têm se dado de modo incipiente, e fatos concretos não são
conferidos pelos movimentos populares:
“Não existe relação entre os governos. Eu vejo a secretaria do
município pedindo: ‘pelo amor de Deus’ para a Secretaria do Estado,
e a Secretaria do estado, não diz nem sim nem não. Para mim é não,
pois não faz. A Secretaria Municipal não tem recursos, apesar de ter
um pouco de política. Têm companheiros na Secretaria Municipal,
capazes de tocar. E o Governo do estado tem dinheiro, mas não tem
política”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
A oposição política entre os partidos responsáveis pelas gestões
municipais (PT) e estadual (PSDB), tem minado as diversas
tentativas de estabelecimento de parcerias entre os governos.
Técnicos dos órgãos Cohab e Cdhu têm se comunicado de modo
proveitoso por diversas vezes, mas quando há a necessidade de um
comprometimento maior entre as partes, nada é realizado. Ambas
gestões possuem financiamento do BID para a implementação de
seus programas habitacionais, mas os conceitos de intervenção
empregados têm se mostrado conflitantes, como nos indica
Margareth Uemura, técnica da Cohab:
“A gente está sinalizando há bastante tempo, uma das primeiras
propostas que a gente fez para a CDHU, por exemplo, foi de utilizar
os subsídios diretos, que ela poderia jogar isso no programa de
locação social, já que ela não tem programa de locação. Com isso ela
poderia estar financiando algumas unidades de locação social, mas
essa discussão ela não avançou por várias coisas. Primeiro que a
nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de locação social, e
o BID financia tanto um programa quanto o outro, ela demorou
muito tempo, foi uma batalha enorme. As pessoas não têm idéia do
que foi o desgaste que a gente teve aqui dentro, por que o BID tem
todo aquele discurso da análise neoliberal sobre os programas de
habitação da Europa e outras. Ele acha que tem que se privatizar
mesmo os parques europeus. Então por que estar criando um
programa de locação social aqui, quando a tendência em todos os
países, que fizeram reformas liberais, por exemplo, a Inglaterra, foi
desfazer os parques de locação social, por que se tornaram guetos de
população pobre com vários problemas socais, urbanos e etc... então
foi muito difícil de convencer que o programa de locação social,
86
(...). Então a nossa negociação com a CDHU também teve essa
dificuldade, acho que agora que está claro para o BID que nós vamos
fazer o programa, pode ser que a retomada do subsídio para a
locação seja mais fácil, esse convênio da CDHU para o centro. (...) A
gente começou uma atuação agora mais em detalhes, no PRIH da
Luz, mas realmente precisamos ver melhor como isso funciona, tem
reuniões [com a CDHU] que estamos marcando e tudo”. (depoimento
de Margaret Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
o tempo da política:
períodos das gestões, calendário eleitoral
e o apagar da história adversária
O tempo, os períodos estabelecidos pela política formal organizam e
interferem diretamente nas políticas de habitação social no centro.
O sistema de democracia formal a que estamos condicionados,
necessita de uma organização severa que ordene as ações realizadas
pelo poder público. Esta organização estabelece períodos
determinados para a duração das gestões, e conseqüentemente para
a realização das eleições para as gestões conseguintes.
Os períodos da política formal são rogorosamente estabelecidos e
condicionam toda a vida da população. Ou seja, a existência destes
períodos é pressuposto a todas as atividades relacionadas à política
formal, até que se altere a constituição federal.
Desta forma, é de se esperar que tamanha camisa de força gere
algum tipo de conflito, ou incompatibilidade com os períodos do
viver humano, incerto e maleável, quando mais em sociedades
complexas como a que se insere São Paulo. Estes conflitos e
incompatibilidades se tornam muitas vezes barreiras aos objetivos
que buscamos compreender de sua não realização: a produção da
moradia social no centro de São Paulo.
Segundo depoimento de Cláudio Manetti, técnico de Habi na gestão
de Luíza Erundina, podemos observar uma das barreiras resultantes
dos conflitos gerados pelas diferenças entre o ‘tempo social’ e o
tempo da política formal:
“Fui eu e o Zico em uma reunião lá [Belenzinho], quando já tinham
se passado seis anos depois da gestão. E o cara falou: ‘fizemos uma
reunião recentemente, e discutimos que fizemos uma besteira em
não aceitar o subprograma na época’. Eu aí falei: ‘Mas seis anos
depois?’ E caiu uma outra ficha, que é pouco essa coisa do tempo de
decantação desses instrumentais, não que você desconfie deles. Mas
parece que eles precisam ter uma clareza ideológica, ou compatível
às linhas das lutas de base daquele grupo organizado, ou o que
significa isso em termos de desenvolvimento social. Parece que essas
coisas vão mais no tempo das coisas do que você simplesmente
implantar e acabou. (...) É uma pena essa coisa de interromper,
justamente na hora que a gente estava para começar realmente o
programa, em larga escala. Tinha uma série de imóveis no Pari,
algumas áreas na Moóca. Se não saísse a gente realmente teria
constituído programa em larga escala, numa história interessante,
inclusive discutindo alguns modelos de habitação, se tivesse um
exercício contínuo, teria sido, e saído coisas muitíssimo
interessantes”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
87
Esta mesma problemática é identificada na publicação da ‘Coalizão
Internacional pelo Habitat’, por Joel Audefroy, que congrega
experiências de resistência das classes de baixa renda, que
organizadamente conseguiram fazer frente ao desalojamento
resultante dos processos de gentrificação nos centros de metrópoles
de diversos países do mundo:
“Este princípio [harmonia dos ritmos administrativos e políticos com
os ritmos sociais] não foi contemplado em nenhum dos casos
estudados. Os ritmos sociais são completamente diferentes dos
ritmos administrativos e políticos. Os habitantes necessitam de
tempo para se organizar e para enfrentar as novas situações. Não
atuam como a mecânica administrativa, que aplica regras e leis
sistematicamente”. (Joel Audefroy, Estrategias populares en los
centros historicos. 1998:29).
Outra barreira direta à qualidade dos programas habitacionais,
gerada pelo ‘tempo político’, é o período estabelecido para duração
das gestões governamentais. Diversos depoimentos apontaram para
a existência deste problema, que obriga a realização de ações
precipitadas, realizadas de modo rápido e sem o cuidado necessário
para a construção de uma política pública habitacional. Isto faz com
que as realizações tornem-se apenas respostas às pressões, em
forma apenas de ‘ações políticas’.
Pedro Salles, arquiteto de Habi na gestão de Luíza Erundina nos
indica esta problemática, enfrentada pelo Programa de Habitações
Populares da região central de São Paulo:
“Agora, no centro (...) deveríamos ter uma composição de áreas mais
ampla do que a que aconteceu, mas também é difícil resolver essas
questões todas no tempo que o Funaps Comunitário durou, que de
fato, durou dois anos, na verdade um ano e dez meses, pois no
finalzinho do último ano já não havia mais o que fazer. Então
devemos olhar um pouco esse período também, o período de
gestação, de gerar o programa, e depois de gerir a implantação do
programa, e trabalhar com quase 12 mil unidades num período muito
curto, então há várias pontas que acredito que deveriam ser
resolvidas mais tarde. Uma delas eu acho que é esta, ainda hoje
acredito que os edifícios que foram construídos para cortiço
deveriam ter uma multiplicidade maior de ofertas. Deveriam ter
apartamentos maiores do que tem e menores, e apartamentos
médios, para poder realmente abarcar o universo complexo que é
demanda de cortiço. Porque nos demais extratos de demanda por
moradia são mais uniformes, a família é mais estável”. (depoimento
de Pedro Sales, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP,
Sehab – Habi. Gestão Luíza Erundina).
Ainda como demonstração das interferências causadas pelo curto
período das gestões, que resulta até em remendos e subterfúgios na
condução dos programas habitacionais, relatamos trecho do
depoimento de Cláudio Manetti, também técnico integrante da
equipe de cortiços de Habi, na gestão de Luíza Erundina na PMSP:
“Não foi um programa montado logo no começo, não tinha tempo, as
pressões eram muito grandes. Não tinha recurso, então tudo era
criado dessa maneira. Outra coisa importante, o Funaps, que é o
fundo financiador, foi um fundo criado pela Marta Gordinho, na
88
Gestão de Mário Covas, é um fundo de assistência, e não um fundo
de produção em larga escala de habitação. O que faz com que Habi,
não conseguiu romper com isso, na época o Nabil58 queria criar uma
fundação. Ele queria criar um fundo que pudesse fazer um programa
habitacional em larga escala. E o Funaps, (...) ele não era um fundo
criado para isso, então o dinheiro público, ele não funciona tão fácil
assim, ele tem regras de uso e tal. Então ele podia usar, gastar
desde que você tivesse uma resolução votada no conselho do Funaps,
e esse dinheiro iria para uma frente de produção... Então foi tudo
um grande subterfúgio institucional para usar uma fonte de
recursos, (...) tudo isso foi meio montado numa estrutura muito
frágil. Não só o programa de cortiços, também o programa de
favelas, mutirão (...)”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto,
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza
Erundina).
Os problemas resultantes do curto período para concepção,
planejamento, organização, construção e implementação de
políticas públicas de HIS no centro seriam minorados se as gestões
conseguintes não tivessem como objetivo primordial de governo o
desmonte e a desconsideração das ações realizadas pelos governos
anteriores. Quando a substituição de gestões ocorre entre partidos
políticos adversários, como observado em São Paulo, entre as
gestões de Luíza Erundina e Paulo Maluf, este desmonte se faz de
modo mais perverso. Ações já colocadas em andamento, com
recursos públicos aplicados, foram completamente paralisadas,
todos os investimentos iniciais foram desconsiderados e totalmente
perdidos, segundo lideranças dos movimentos populares MMC e ULC: 58 Superintendente de Habi, PMSP, gestão de Luíza Erundina.
“Nós indicamos três terrenos, para o governo da Luíza Erundina, no
Pari Canindé, que foram decretados área de interesse social, que
Maluf depois devolveu esses terrenos, sendo que alguns deles já
haviam sido parcialmente pagos para seus donos, e o dinheiro, pelo
que me pareceu, não foi devolvido”. (depoimento de Gegê, liderança
popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
“Teve um problema na administração Maluf e depois Pitta, que a
verba que era para sair mensalmente (há uma verba que estava
destinada para os mutirões), com a mudança de governo, entrando
governo Maluf, entrando governo Pitta, tudo parou. A gente recebeu
ainda, no final do governo Pitta, as últimas parcelas, de 25.000,00
para o pára-raio e outras coisas. (...) o cronograma era de um ano e
seis meses de obra, e nós demoramos quase quatro anos para
construir, ficou parado aqui, durante um ano e meio, levando chuva
e sol, imagine tudo levando água. Nesses governos que entraram a
gente sofreu demais, a gente sofreu. Por que não tinha nenhuma
vontade política”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança
popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).
“Nos primeiros meses de 1994 as perspectivas eram bastante
desfavoráveis. O canteiro paralisado e sem materiais, diversas
famílias sofrendo ações de despejo nos cortiços onde moravam, e
todos os problemas sociais decorrentes” (p.53). (depoimento de
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC).
Por parte dos mutirantes do conjunto ‘Madre de Deus’, havia a
consciência de que se a gestão de Luiza Erundina não conseguisse
89
eleger seu candidato, as obras poderiam ser paralisadas. Isto fez até
que alguns mutirantes se pusessem pessoalmente a participar da
campanha eleitoral para prefeito:
“Bom, muita gente trabalhou nas eleições. A gente era apaixonada
(...) a gente distribuía papelzinho (...) e dizia: vamos lá
companheiro para o nosso mutirão continuar” (depoimento de Maria
Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na
Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco,
1998:152).
Para os técnicos da atual administração da PMSP, que desenvolvem o
programa de Locação Social, há o receio do que pode vir a ocorrer
se a próxima administração não der continuidade aos trabalhos
programados:
“Então é um programa difícil, por que ele está nascendo agora, a
gente espera que ele tenha continuidade na próxima administração.
Por que senão é um trabalho grande que vai ser perdido”.
(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do gato,
arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Um último aspecto problemático relacionado às imposições do
calendário político, que se torna muitas vezes um empecilho à
normal condução das obras públicas, é o período das eleições. As
obras têm seu ritmo ditado pelo período eleitoral, pois quando as
eleições estão distantes, as obras caminham em ritmo lento:
“(...) uma análise mais crítica permite perceber que tudo parece
indicar que o andamento da obra do mutirão Celso Garcia esteve
influenciado pela conjuntura política por que passava a PMSP. No 1º
período (1993/1996) as liberações possuem alguma uniformidade a
certa constância. A partir do segundo semestre de 1993 as liberações
são interrompidas pelo prazo de dois anos e 9 meses no ano em que
ocorre a mudança na administração na PMSP. Em 1996 a Associação
volta a receber recursos para a obra nos meses de maio, julho,
setembro e outubro. Em 1997 recebe liberações em março, abril e
junho. A maior liberação de verba ocorrida durante todo o
empreendimento ocorre no mês de setembro de 1996. Os meses das
eleições para a PMSP foram outubro e novembro de 1996” (Francisco
Comaru, “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São
Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:94).
Quando as eleições se aproximam a liberação de recursos aumenta.
Apesar de parecer positivo, pois as obras acontecem, muitas vezes
isto se torna também prejudicial à qualidade das unidades
habitacionais. Pois quando o período eleitoral se aproxima, tudo
deve se voltar à rápida finalização das obras, para sua inauguração
numa data próxima das eleições. Ou seja, não importa em que fase
esteja a obra, o que importa é que ela deve ser terminada, e
inaugurada próximo ao período eleitoral. E de qualquer jeito:
“(...) em 1996 vimos a tentativa de cooptação pelo ano eleitoral,
ofereceram dinheiro para terminar logo o mutirão, para virar palco
político para o Pitta. (...) eles pediram para a Assessoria Técnica
atestar em um documento que era possível terminar a obra em um
certo prazo, setembro parece. E é claro que o mutirão não terminou.
90
Descobriram que não dava, mas já tinham liberado o dinheiro
mesmo, a gente continuou a construção até dezembro (...)”.
(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção
Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso
Garcia” Comaru, Francisco, 1998:167).
Mesmo sem a finalização completa das obras, mutirantes e
assessoria técnica decidiram concluí-las. Ainda faltavam serviços
diversos como o reservatório e a entrada de água, mas como
estavam com receio de não receberem mais recursos do novo
prefeito, Celso Pitta, inauguraram a obra.
O mesmo fenômeno se repete na atual gestão municipal, limitando a
qualidade do projeto de arquitetura do conjunto ‘Favela do Gato’.
Segundo Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica Peabiru, as
condições de trabalho são agravadas pela pressão exercida pelo
calendário eleitoral:
“Tem sido o caminho da prefeitura em todas as áreas, tem saído no
jornal isso, que vão transformar a cidade num canteiro de obras,
nesses um ano e meio finais de governo. Para então dois anos de
projeto e construção nos outros dois. Isto é um problema só para o
lado dos movimentos, nos mutirões, em que você os vai apertando
com prazos inviáveis para poder inaugurar. O calendário eleitoral
vira uma condição. (...) O prazo de execução do projeto executivo
foi de quatro meses e meio, para fazer um projeto dessa dimensão,
quinhentos hectares, quase quinhentas unidades, e ainda querer
discutir tecnologias novas, é impossível. Acaba essa loucura, temos
de trabalhar doze horas por dia. Não tem como, nem se tivesse dez
pessoas trabalhando. Ainda que pelo projeto, estamos recebendo
nem um por cento da obra, o que deveria ser 5%. Isso impede um
projeto mais elaborado e outras coisas”. (depoimento de Caio
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica
Peabiru).
91
4.1.4.1.2.2 limites da economia política
“No sistema capitalista, o problema social não será resolvido.
(...) Neste sistema, no qual estamos, é impossível,
mesmo que um iluminado ganhe a eleição”.
(Gegê59).
“Para Engels a questão da habitação
é somente um aspecto subordinado
de um problema central [o sistema econômico]”.
(Lefebvre60).
“No capitalismo, a base econômica comanda.
O econômico domina”.
(Lefebvre61)
Diante dos limites já abordados, podemos ter uma compreensão do
relacionamento e da interdependência de cada uma das questões
enfrentadas em cada seção, bem como entre elas. O ideológico e
cultural resultam em determinadas posturas políticas, que ao se
realizarem alimentam novamente uma nova ideologia e cultura,
diferente da inicial, mas baseada em seus princípios.
Diversos outros depoimentos apontam em consonância para um
outro grupo de questões centrais à produção de HIS no centro: o 59 Gegê, liderança popular, in: Relatório final da Comissão de estudos sobre a habitação. 2001:39. 60Lefebvre, A Cidade do capital. 2001:117. 61Idem: 112.
sistema econômico a que estamos submetidos. Dizem ser uma
‘questão econômica’, que não dá para resolver... como se fosse,
apenas, uma questão setorial e cientificamente separada, e
incompreensível. Algo técnico e apolítico, discutível apenas
seguindo-se as ‘leis’ da economia, que comentadas apenas por
‘especialistas’, repercutem por programas de rádio, jornal e
televisão. São de ‘ordem econômica’. Se assim ordenado realmente
fosse, classificaríamos então os próximos limites apenas de: ‘limites
econômicos’, e todos dormiríamos tranqüilos.
Já, segundo alguns pensadores por hoje tidos como ‘antigos’, e
‘ultrapassados’, as coisas não são tão simples assim. E, bem que não
é tão impossível assim de se compreender dessa outra forma: mais
total, e integrada, complexa ou completa.
Segundo Carl Marx, pensador europeu do século XVIII: “Quando
estudamos um país do ponto de vista da Economia Política,
começamos por sua população, sua divisão de classes, sua
repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes
ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o
consumo anuais, os preços das mercadorias, etc.”62 Marx segue
adiante e afirma ser uma forma de abordagem que observe as coisas
como ‘um todo’ (para sermos rápidos e resumidos).
Ainda, Lefebvre, em ‘A Cidade do Capital’ comenta a denominação
utilizada por Marcos em sua obra ‘O Capital. Crítica da Economia
política’. Lefebvre considera (aqui também comentamos a questão
62 Marcos, Carlos. “Para a crítica da economia política” 1857, in: Os pensadores, Marx. 1978: 116.
92
de modo rápido e resumido, pois é o que nos permite o
espaço/tempo) que o subtítulo da referida obra não pretende de
modo algum, e pelo contrário, caracterizar seu ensaio sobre o
capital como algo parecido com um tratado sobre economia. Marx
objetivava realizar exatamente uma crítica “do econômico enquanto
‘separado’, da ciência fragmentada que se transforma em
dispositivos de coação, da ‘disciplina’ que fixa e cristaliza certas
relações momentâneas, elevando-as ao estatuto de ‘verdades’ ditas
científicas”63. Ou seja, na economia capitalista, não há apenas
‘relações econômicas’, em que há uma simples troca de produtos.
Há sim relações políticas, entre pessoas, que estão colocadas por
detrás de todos os produtos: as ‘coisas’. A separação do político e
do econômico tem como objetivo cristalizar e deixar intocáveis as
relações políticas entre as pessoas, quando realizam as trocas de
mercadorias.
Feito este rápido ‘pormenor’, continuemos a tratar as questões com
cuidado, e com muito cuidado, mesmo, para buscarmos não incutir
nos mesmos erros que resultaram no exato presente momento: que
os trata como ‘antigos’ e ‘ultrapassados’. Continuemos.
63 Lefebvre, A Cidade do capital, 2001:76.
93
localização
o alto custo da terra na região central
Ao indagarmos os agentes envolvidos na produção da moradia social
no centro, notamos ser unânime a identificação do limite: ‘a terra
no centro é muito cara para a classe de baixa renda’.
Trata-se de uma característica das cidades de mercado livre, onde o
valor monetário exigido na troca da mercadoria terra/imóvel que se
localiza em áreas dotadas de infra-estrutura urbana completa e
centralmente localizadas seja considerado: ‘alto’.
Portanto, parece lógico concluir que tudo estaria solucionado se as
famílias de baixa renda tivessem sua renda aumentada, e daí
poderiam ter acesso a esses imóveis! Mas não é o que acontece.
Desta forma, temos então um binômio limite: terra cara e renda
baixa.
Se mantida a lógica vigente, ilustrada pelo gráfico ao lado, esta
oposição tende a não se resolver, como se vê o crescer do valor dos
imóveis em geral e o decrescer da renda dos trabalhadores:
Tabela 4: Evolução do preço do m² de terreno e do salário
mínimo.
Abordaremos esta questão em suas duas partes. Inicialmente nos
deteremos na identificação deste valor ‘alto’ dos imóveis centrais, a
partir de depoimentos e trechos bibliográficos.
Lideranças populares que atuam no centro apontam com clareza ‘o
valor da terra’, como uma efetiva barreira à presença da população
de baixa renda na região:
“Outra dificuldade, é quando se tem grandes centros urbanos, onde
se tem muita especulação imobiliária, onde há a disputa por espaço,
a gente sabe que nos grandes centros urbanos, é onde se desenvolve
a economia, onde se tem dinheiro, onde tudo é gerado, renda,
dinheiro, tudo. A briga pelo espaço se torna como se fosse ouro,
cada metro quadrado se torna super valorizado. O governo até
94
compra, até constrói em áreas urbanizadas, mas os preços do metro
quadrado são muito caro, que depois vêm cair nas costas das
famílias. Aí é que se emperra a questão da renda. Faz-se uma conta
do valor do terreno mais da reforma, que vai dar um valor X, em que
as famílias não vão poder pagar, né. É um valor que é
absurdo”.(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular,
integrante da ULC).
“Inicialmente eles [PMSP] estavam propondo verba para nós, ou uma
moradia que seria de baixo custo, só que na periferia. Para nós que
temos criança, e emprego aqui no centro, fica difícil para se
deslocar, como seria o nosso caso. Aqui no centro eles [PMSP] alegam
que a área é cara. Tudo fica em torno do financeiro”. (depoimento
de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador
da favela do gato).
A constatação de Sidney Eusébio e Sassá, de que a área central é
‘muito cara’, lhe é dado um valor que é ‘um absurdo’, pois tudo fica
‘em torno do financeiro’, é confirmada por Villaça, em seus estudos
sobre a localização dos imóveis no espaço urbano e sua concepção
como mercadoria.
“Na cidade de economia de mercado, a localização é a mercadoria
mais importante no mercado imobiliário”. (Villaça, O uso do solo
urbano. 1978:12).
Caderno especial de imóveis, Folha de São Paulo, 18.10.2003.
A influência deste fenômeno na localização das pessoas na cidade é
decisiva, pois dita o local em que cada classe social poderá se
estabelecer:
“(...) as pessoas de diferentes faixas de renda decidem sua
localização na cidade conforme o preço que podem pagar pelos
imóveis, pela moradia. O preço dos terrenos ou prédios é mais caro
em áreas atrativas para uma demanda de maior renda, e mais baixo
nas zonas menos atrativas” (Helena Menna Barreto, Silva – “O
movimento pela reabilitação do centro de SP e a problemática
Habitacional”.200X:41).
95
Ainda como caracterização e compreensão da localização enquanto
mercadoria, e seu poder ditatorial sobre a espacialização das
pessoas de diferentes ‘faixas de renda’, ou classes sociais,
utilizaremo-nos novamente de trechos escritos por Villaça, em A
localização como mercadoria:
“No modo de produção capitalista as localizações são mercadorias.
Inseparáveis de sua base material que é a terra, a localização é
produzida e distribuída como valor de troca. (...) quando uma pessoa
compra um terreno ela compra duas mercadorias. Um pedaço de
terra e uma localização. A primeira muda pouco ou nada, e no caso
das localizações urbanas tem pouca importância. (...) A segunda está
em constante transformação, independentemente do fato do
proprietário do terreno nela fazer ou não melhorias ou edifícios.
(...) As localizações são contínuas e ininterruptamente produzidas
(alteradas) não só pelas obras públicas, mas também pelos
progressos ou transformações nos meios de transportes, pelas
construções privadas ou pelos loteadores. (...) Nunca será possível
produzir duas localizações iguais. Esse fato e ainda a outra
peculiaridade dela ser indispensável a todo ser humano, fazem com
que a distribuição desse produto vital seja um problema crucial em
todas as sociedades. Daí provém o fato de todas as sociedades serem
obrigadas a desenvolver mecanismo cujo objetivo é distribuir por
entre seus membros, esse produto que é necessariamente desigual.
(...) Essas características fazem do espaço – ou a terra quanto base
material das localizações – uma mercadoria altamente disputada,
presa fácil da especulação e finalmente, inclusive pela
indisponibilidade de sua distribuição eqüitativa, o produto cuja
divisão melhor exibe a luta de classes. (...) Vê-se portanto que a
organização do espaço é feita pela disputa entre as diversas classes
ou grupos sociais”. (Villaça, “A localização como mercadoria”. Fau
Usp, 19-?).
Talvez seja até desnecessário completar que quando Villaça refere-
se ao ‘mecanismo’ de distribuição deste produto ‘desigual’ e
escasso, ele se refere às relações de compra e venda, mediadas pelo
dinheiro, ou o capital.
Desta forma, têm acesso às melhores áreas apenas os detentores de
mais capital, sendo sumariamente excluídas as classes de baixa
renda:
“Em uma sociedade em que a desigualdade social é radical como a
brasileira, o direito à cidade é uma utopia. O fato de um terreno
contar com investimentos de infra-estrutura urbana e interessar ao
mercado imobiliário, já é motivo para excluir a maior parte da
população de seu acesso”. (Ermínia Maricato, in: Laboratório de
projeto integrado e participativo para requalificação de cortiço.
2002: 33).
96
vista das janelas de um dos apartamentos do Riskalah Jorge, centralmente
localizado.
Mesmo que ‘mais caros’, os imóveis da região central poderiam ser
alvo da ocupação por classes de renda mais baixa. Há urbanistas que
consideram a presença da população de baixa renda no centro uma
estratégia de economia urbana, afirmando ser ainda mais barata que
se localizada na periferia. Esta leitura difere-se da comumente
efetuada, pois sua apreensão é mais ampla. É de outra escala. Ela
circunscreve a questão da ‘economia para a produção da moradia’
no perímetro de toda a cidade, e não apenas em cada família, cada
lote, ou empreendimento. Ela observa o custo da implantação de
infra-estrutura na periferia mais o valor das unidades, e o compara
com o custo quase nulo de implantação de infra-estrutura no centro
mais o valor das unidades.
Vejamos o que nos dizem Pedro Salles, técnico de Habi, gestão de
Luíza Erundina e Francisco Comaru, em sua dissertação de mestrado
acerca do mutirão Celso Garcia, edificado pelo mesmo programa em
abordagem no estudo de caso ‘Madre de Deus’:
“O solo, a questão fundiária e imobiliária essa é a questão
fundamental, são questões inter-relacionadas, mais a questão dos
recursos necessários, e isso tem a ver também com os valores
imobiliários praticados no centro, (...). A questão mesmo do solo,
valores, recursos disponíveis pelo poder público e instrumentos que
viabilizassem essa questão, acredito serem esses primeiros dados
fundamentais. (...) Outra dificuldade que a gente encontrava para
provar que era viável morar na área central, é que nunca ninguém
fez, ou porque não quis, ou por que não sabe fazer dos custos gerais
de uma política urbana que privilegia construir na periferia, contra a
re-ocupação da área central. (...) se você começar a colocar, escola,
a infra-estrutura disponível etc. Enfim, toda aquela gama enorme de
recursos públicos para transformar uma área rural em urbana: esse
custo nunca entrou naquela conta da comparação dos ‘cinco com os
trezentos’. Então como é que é isso? Ninguém quis fazer, ninguém
sabe fazer, como é que se agrega, apropria esses custos. Então essa é
uma questão fundamental, por que na hora de comparar seco
[isoladamente], evidentemente, em termos de viabilidade
financeira, parece melhor”. (depoimento de Pedro Salles, estudo de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
“O objetivo de executar o conjunto na área central, com custos
equivalentes aos dos conjuntos executados em outras regiões da
cidade, inclusive na periferia, foi alcançado. Ou seja, o custo mais
elevado do terreno na região onde foi implantado o empreendimento
foi compensado pelo custo não incidente, portanto nulo, da infra-
97
estrutura urbana” (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” 1998:117).
Madre de Deus em rua dotada de infra-estrutura completa, na Moóca.
Há ainda uma outra forma de concepção de cidade que parte da
compreensão do acesso à cidade como um direito, e que deve ser
sustentado por todo o coletivo urbano. Outro ‘mecanismo’ de
distribuição da mercadoria ‘localização’ é empregado. Trata-se da
sustentação estatal direta da moradia, ou locação social, que é uma
forma artificial de manter a população de baixa renda no centro,
sem interferir nas causas estruturais do sistema econômico. As
famílias são sustentadas pelo programa, enquanto são re-inseridas
na sociedade capitalista, recebendo formação para o trabalho
assalariado de baixo rendimento.
Wagner Germano, arquiteto responsável pelo risco inicial do projeto
de locação social da favela do gato, nos relata abaixo como se deu a
abordagem da PMSP no enfrentamento da questão ‘custo da terra’
na formatação do programa de locação social:
“Um dos problemas que é meio óbvio até, é a questão do custo, o
terreno, o custo do imóvel no centro, (...) No início da gestão, muito
se discutiu o que fazer com um dos terrenos da Cohab, localizado no
Belém, um terreno que é caro. Está do lado da estação do metrô do
Belém, num bairro que tem toda a infra-estrutura. Um bairro
central, absolutamente bem localizado (um terreno que vale muito)
e aí pensar em fazer qualquer empreendimento habitacional para
atender a população que a gente quer atender, de baixa renda,
ficava inviável. Por que a hora que você colocava o custo do terreno
na discussão, já de cara, só pelo custo do terreno, já ficava inviável
o empreendimento. Me lembro de algumas reuniões na Cohab, em
que se discutia em vender os terrenos do Belém, do Bresser, que
valem muito, e aí com o dinheiro que a gente arrecadar com a
venda, a gente compraria terrenos maiores. E aí me recordo que
ficamos discutindo (...) temos poucos terrenos no centro (...) temos
de arranjar alguma maneira de equacionar essa questão do custo.
Essa história ficou em cima da mesa (...) aí discutindo o programa de
locação social, percebemos que estava lá a solução, dado que aí
então não seriam vendidos, ficando como um patrimônio público,
continua na companhia. Perfeito, com isso a gente conseguiria
trabalhar no centro, e sem esse problema inicial, da compra dos
imóveis, o dinheiro necessário para comprar o imóvel”. (depoimento
de Wagner Germano, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
98
vista da favela do gato, com Anhembi ao fundo, extremamente bem localizada.
Já para a construção de um cenário que permita uma efetiva
produção massiva, e de qualidade, da moradia social no centro,
algumas modificações no ‘mecanismo’ de distribuição de terras
urbanas faz-se necessária:
“O que fica evidente é que sem reforma fundiária e imobiliária nós
não vamos avançar. É necessário mexer nos lucros imobiliários
especulativos e construir uma aliança entre os que querem
democratizar o acesso à moradia e os representantes do setor de
construção”. (Ermínia Maricato, in: Relatório final da comissão de
estudos sobre habitação na área central. 2001:79).
baixos salários e desemprego:
não há renda que pague a habitação
Completando o ‘binômio limite: terra cara e renda baixa’,
adentramos agora nas condições econômicas de
pagamento/endividamento da população de baixa renda para o
acesso à mercadoria habitação.
Quão baixa é essa renda? O que diz essa população ao se ver
impedida de acessar uma moradia na ‘cidade’, apenas por possuírem
uma renda baixa?
Ponderações acerca dessas questões poderão ser observadas nos
relatos e trechos da bibliografia, que identificaram de forma
consensual o limite da renda das famílias interessadas em morar no
centro. Buscamos abaixo apenas identificar e organizar estas
constatações, pois acreditamos necessárias à compreensão das
contradições e conflitos da metrópole paulistana.
Segundo lideranças dos movimentos populares e assessores técnicos,
a renda de parte das famílias para a compra da moradia é tão baixa,
que o parcelamento de seu pagamento por 25 anos é insuficiente.
Desta forma, reivindicam políticas de subsídio e alternativas de
acesso à moradia para estas famílias:
“Não [as famílias não conseguiam pagar as prestações de sua
moradia]. Há famílias que sobrevivem de doação de cestas básicas.
Seguramente são necessárias políticas de subsídio, assim como outras
formas de produção alternativas para mais baixa renda”.
(depoimento de Joel Felipe, estudo de caso Madre de Deus,
Assessoria Técnica AD).
99
“Mas como é que você agiliza [a moradia no centro], se a renda das
pessoas é baixa. Se não tem subsídio, você não consegue agilizar.
Então eu acho que tem que botar o dedo na ferida, que é a questão
do subsídio”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
integrante do Fórum dos Cortiços).
“Então eles [governos] alegam, tanto a prefeitura, como o governo
estadual, que as famílias que residem nas áreas encortiçadas não
contemplam o programa deles, por que o programa deles é de três
salários mínimos para cima, e que acontece? Como a maioria aqui
ganha um salário mínimo, então é claro que não entra mesmo. Ai
eles dizem o seguinte, que não tem o suficiente para financiar, para
ajudar as famílias a pagar. Por que se tem um subsídio, o governo
paga uma parte e a família paga outra. Essa é uma dificuldade que
estamos enfrentando. Eles não têm nenhuma política para atender
famílias até três salários mínimos. Eles têm de três para cima, só
que ninguém ganha isso, R$ 720,00 por mês. Então essa é a
dificuldade que estamos enfrentando, tanto com o governo do estado
como com prefeitura”. (depoimento de Luiz Cavalcanti. liderança
popular, integrante da ULC).
Essa dificuldade de compra da moradia com recursos próprios,
enfrentada pelos trabalhadores de baixa renda, é confirmada por
Ermínia Maricato, em ‘A cidade do pensamento único,
desmanchando consensos’, que credita essa barreira à estrutura de
trabalho e renda do sistema econômico a que estamos submetidos.
Os salários dos operários objetivamente os impedem de comprar
uma moradia:
“O custo de reprodução da força de trabalho não inclui o custo da
mercadoria Habitação, fixado pelo mercado privado. Em outras
palavras, o operário da indústria brasileira, mesmo muitos daqueles
regularmente empregados pela industria moderna fordista (industria
automobilística), não ganha o suficiente para pagar o preço da
moradia fixado pelo chamado mercado formal. A situação é
freqüentemente mais precária em se tratando de relações de
trabalho também precárias. O acesso ao financiamento é quase
impossível. (...) O consumo da mercadoria habitação se deu,
portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relações
capitalistas de produção” (Ermínia Maricato, A cidade do pensamento
único, desmanchando consensos. 2000:155).
Parte desta moradia acessada ‘fora do mercado de habitação’ se dá
nos cortiços, ocupações, ruas ou praças localizadas na região
central de São Paulo. Essa população é considerada a ‘população
alvo’ dos programas habitacionais em estudo. Para compreendermos
melhor a renda destas pessoas, observemos alguns dados de
levantamentos sócio econômicos recentemente realizados.
100
A tabela ao lado apresenta porcentagens incidentes da renda
familiar por salários mínimos de moradores de edifícios
encortiçados. A primeira e segunda coluna possuem dados coletados
por Francisco Comaru64, em dois imóveis ocupados por movimentos
populares de luta por terra e moradia, em 2000. O imóvel ‘Ana
Cintra’, localizado na rua de mesmo nome, abriga 73 famílias. A
segunda ocupação era de um imóvel de propriedade do banespa,
localizado na avenida Celso Garcia, com 84 famílias. A terceira
coluna é de dados coletados pela Fipe, em 1997, nas áreas da
Subprefeitura da Sé e Mooca. O universo referido é de 31.500
famílias, em 4.500 imóveis encortiçados. Na quarta coluna os dados
são referentes ao levantamento realizado pela Fundação Sead -
Sistema Estadual de Análise de Dados, em dezembro de 2001, em
oito ‘Setores Básicos de Intervenção’65, áreas delimitadas para
intervenção da CDHU, programa PAC. O universo é de 15.950
famílias, em 1.648 imóveis encortiçados.
Como a tabulação das faixas de renda se deu de forma diferente em
cada levantamento, a elaboração de um resultado médio das quatro
medições é impossibilitada, além da nítida diferença dos resultados
encontrados em cada uma delas; daí sua apresentação em colunas
separadas:
64 Para o encontro promovido pelo Lab Hab Fau Usp e a CEF: ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’. 65 Pari, Barra Funda/Bom Retiro, Brás, Bela Vista, Belém, Cambuci, Liberdade, Mooca e Santa Cecília.
Tabela 5 – renda familiar por faixas de salário mínimo
levantamento
Comaru Fipe
1997
Sead
2001
renda ana cintra banespa
salários mínimos % de famílias % de famílias % de famílias % de famílias
s/ renda 6,2 13,5
23,8
3,5
0 a 1 0 13,6 3,2
1 a 2 18,8 9,1
19,3
2 a 3
56,6
3 a 4 37,5 50 26,7
4 a 5
5 a 10 37,5 9,1 39 14,7
mais de 10 0 4,5 10,5 2,7
total 100 100 100 100
Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa
idéia?’ , Lab Hab FAU USP,2000.
Relacionando os dados levantados pela Fipe em 1997, apresentados
na tabela, ao número de pessoas por família e à idade dos
integrantes, Silvia Schor, economista da Fipe, realizou uma análise
das possibilidades de acesso à moradia segundo as faixas de renda
familiar, ou ‘estratos de renda familiar’. Schor estabeleceu três
estratos: 1 - os que não têm condições de acessar nenhum programa
de financiamento no centro; 2 - os que têm condição para adquirir
um imóvel na periferia; 3 - os que podem acessar programa de
financiamento c/ base nos atuais valores imobiliários do centro. Na
101
tabela abaixo podemos observar as porcentagens incidentes para
cada ‘estrato de renda familiar’:
Tabela 6 – distribuição percentual do número de famílias e
moradores por estrato de renda familiar.
estratos famílias moradores
de renda % %
1 23,8 17,1
2 39,6 38,3
3 36,6 44,6
total 100 100
Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa
idéia?’, Lab Hab FAU USP, 2000.
Os moradores de rua, também considerados ‘população alvo’ dos
programas habitacionais em estudo, foram pesquisados pela Fipe,
em 2000. O universo analisado foi de 4.676 pessoas em situação de
rua, na região central da cidade. A renda média foi de 1,5 salários
mínimos por pessoa, extraída principalmente de trabalhos
relacionados à reciclagem de lixo.
Os programas habitacionais PAC e PAR, têm apresentado
dificuldades de acesso às famílias de renda até 3 salários mínimos.
Entrevistados queixam-se das exigências de comprovação de renda,
que têm impossibilitado o acesso à moradia de muitas destas
famílias. Segundo os levantamentos da FIPE e Sead apresentados,
esta população representa respectivamente 23,8% e mais de 26% das
famílias encortiçadas.
Os depoimentos coletados ilustram essa constatação:
“Me parece que são prestações de R$ 180,00 , e que muita gente já
na CEF foi barrada, que não conseguiu o financiamento”.
(depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge,
Cury Empreendimentos Imobiliários).
“Eu sempre disse que o PAR é excludente. Ele é muito excludente.
Ele limita as famílias de três a seis salários mínimos. É uma faixa
que poucas pessoas aqui alcançam”. (depoimento de Gegê, liderança
popular, estudo de caso riskalah Jorge, integrante do MMC).
“O pessoal aqui, grande parte, que é carroceiro, eles ganham, não é
renda, eles ganham mesmo, sabe, as pessoas dão, uma ajuda ali,
uma cesta básica. Não tem carteira nem nada. Eles nunca vai poder
estar de frente com uma Caixa Econômica ou um PAC. (...) A média é
um salário, mas um salário de duzentos”. (depoimento de Sassá,
estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador da favela
do gato).
A necessidade de comprovação de renda e a lógica da forma de
acesso à moradia através do PAC podem ser compreendidas em
depoimento de Lia Ferreira, técnica da CDHU, que reproduzimos
abaixo:
“Estamos dentro do sistema financeiro habitacional, que tem regras,
e quais são as regras básicas desse sistema? Você tem que ter uma
capacidade de pagamento, você tem, portanto de ter alguma forma
102
de comprovar qual é a sua renda, então a CDHU tem alguns
procedimentos, para que você comprove. Então ao você comprovar
sua renda, você tem acesso até um determinado limite de
financiamento, do qual a sua renda permite que você se comprometa
com esse financiamento. É uma operação da qual você tem que ter: a
renda, e o que ela é capaz de pagar, o objeto, que seria a unidade
habitacional, e o prazo que você vai ter para pagar isso, como
qualquer sistema financeiro. (...) Sim, enfrentamos barreiras, como
em todo o sistema habitacional, pois é a sua renda que vai delimitar
o que você é capaz de você ter como ‘dívida’ (...)”. (depoimento de
Lia Ferreira, arquiteta, Gov. Estado, estudo de caso 21 de Abril,
CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
Não apenas de dificuldades de acesso ao sistema de crédito
padecem as famílias de menos de três salários mínimos. Mesmo que
tenham sido ‘aprovadas’ pela análise sócio-econômica de concessão
de crédito, elas têm problemas em quitar as prestações de sua
unidade:
“Se não alterarem as regras, as pessoas não vão morar. Vai acontecer
o que ocorre no Pari66 hoje que tem uma inadimplência de 50%. O
pessoal não consegue pagar nem o gás de rua. Está muito difícil no
Pari, eles [CDHU] deveriam aprender com o Pari, e alterar o
programa, e não entrar com recursos jurídicos para tirar as famílias
que não pagam”. (depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular,
estudo de caso 21 de Abril, integrante da ULC).
66 Primeiro empreendimento finalizado pelo PAC – CDHU.
Como observamos nos dados das pesquisas de renda familiar, parte
da população moradora em cortiço possui renda suficiente para o
pagamento das prestações, já que o valor pago pelo aluguel nas
pensões significa uma certa capacidade de pagamento. Para essas
famílias, parar de pagar o aluguel, e passar a pagar uma prestação
de um imóvel do qual futuramente terão a posse, é um avanço
considerável:
“A Maria Paula67 vai ficar com a prestação em R$ 130,00, mas parece
que é R$ 9,00 de seguro (no caso de morte de um dos cônjuges passa
a pagar metade), aí tem mais não sei o quê que é $R8,00. Aí tem o
condomínio, estamos vendo que vai dar uns R$ 60,00, R$ 70,00, se
for em auto-gestão, vai dar uns R$ 220,00, por unidade, para morar
naquele lugar ali, pelo amor de Deus, né? A Pirineus68 a prestação
deve chegar a uns R$90,00 pelo menos, a água é tudo individual.
Então as prestações, se você analisar, elas são até menos que as
pessoas pagam nos cortiços, que você aluga um quarto por $R 250,00
e você tem que pagar luz, e água, e corre o risco de não amanhecer
no cortiço. Então a gente fala para o pessoal, e eles falam, nossa
mas só isso? O povo tá achando bom. Olha eu estou pagando 20 anos
de aluguel, e olha como é que eu estou hoje? Então o povo pobre,
ele pensa que ele quer uma coisa para ele. Se não as casas Bahia,
Marabráz, não existiam né? Tinha acabado. (...) O pessoal pobre dá
jeito para tudo, pode atrasar um pouco, mas paga”. (depoimento de
Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos Cortiços).
67 Edifício em reforma pelo PAR - CEF, inicialmente ocupado pelo Fórum dos Cortiços. 68 Edifício construído pelo PAC – CDHU, em terreno ocupado pelo Fórum dos Cortiços.
103
Para as famílias de renda até três salários mínimos, o poder público
prevê que a forma de acesso à moradia deverá ser através da
locação social. Neste caso o imóvel é de propriedade do Estado,
devendo a família pagar um aluguel proporcional à sua renda.
Segundo os planos do poder público, mesmo as famílias sem renda
deverão ter acesso às unidades e passarão por um processo de
inserção no mercado de trabalho.
Reproduzimos abaixo trechos de entrevistas com técnicos do poder
público que justificam a existência do programa, contextualizando
sua criação:
“É uma opção entre aspas, (...) por que no fundo, a locação é a única
opção que a família até três tem, por enquanto, por que não tem
outra política. Seja no centro, ou na periferia, por que todos os
financiamentos, eles não aceitam, não comportam. Então o
problema não é aqui na área central, é no todo, a política não
existe. Então o que tem de problema, são as famílias até três, as
acima de três, poderiam tentar entrar num programa outro que Habi
ofereça, ou que o fundo ofereça, ou o Par, pela CEF, que é de três a
seis”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do
gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta Suplicy).
“A locação social foi uma alternativa que desvincula o pagamento,
do custo do financiamento; vinculando-o à capacidade de pagamento
das famílias. Reponde àquele setor específico daqueles que não têm
acesso. Dá-se também certa prioridade aos idosos, aos deficientes, a
quem está em situação de rua ou em situação de risco. É o público
que menos tem acesso à habitação.” (depoimento de Luiz Kohara,
estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,
gestão de Marta Suplicy).
“As pessoas têm renda para alguma coisa, tanto que elas se mantém
e pagam muito no cortiço para morar muito mal. Se elas usarem uma
parte do que elas usam lá, para manter um condomínio
adequadamente, e continuar tendo recursos do poder público para
irmos aumentando o nosso estoque de locação social, ele também vai
influindo mais na oferta de locação na área central. Ele vai tendo a
presença no equilíbrio da oferta. E acho que a gente vai demonstrar
uma qualidade, que vai promover uma aceitação maior. Eu não vejo
uma outra solução para pessoas mais idosas, para famílias que a
renda está muito baixa. E às vezes o estar na locação social, não
significa que vá se manter lá o tempo todo, ela pode de repente
fazer uma poupança e acessar uma outra modalidade. Mas deixar
aquilo ali para outras famílias”. (depoimento de Helena Barreto
Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
Um problema não mencionado nas entrevistas e na bibliografia
visitada, mas muito debatido nas reuniões da coordenação da União
dos Movimentos de Moradia, é a quantidade de unidades
habitacionais que deverão ser construídas em curto-médio prazo
pela PMSP. Estão previstas 1144 unidades, quando havia ao menos
7.245 famílias encortiçadas de renda inferior à três salários
habitando a região central, em 1997, quando realizado o
levantamento da Fipe.
104
baixos salários e desemprego:
não há renda que mantenha a habitação
Observando as condições econômicas das famílias interessadas em
morar no centro, ainda segundo o binômio-limite ‘terra cara e renda
baixa’, identificamos dificuldades na manutenção das unidades
habitacionais pelas famílias de baixa renda. Despesas como
condomínio, água, luz, gás, tornam-se muito altas, pelos mesmos
motivos acima elencados.
Destacamos alguns trechos de depoimentos, que ilustram a presença
deste novo limite da economia política:
“Acho também que as contas de água e luz são abusivas e deveriam
ser pagas, por exemplo, pelos bancos”. (depoimento de Joel Felipe,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, Assessoria Técnica AD).
“Hoje o condomínio aqui é de 80,00 para manter, o custo maior aqui
é de água. (...) Além disso, a gente paga a luz nossa, cada
apartamento tem a sua luz separado, que dá uma média de 30 a 40
reais. (...) Não tem condições de pagar, para quem ganha 250 reais
não tem condições de pagar, atrasa, quem fica desempregado acaba
atrasando, por que não tem condições. Depois negocia e paga
parcelado”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança popular,
estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).
No Edifício Riskalah Jorge, estudo de caso da presente pesquisa,
reformado através do PAR – CEF, pela Cury Empreendimentos, o
custo de manutenção do edifício também é alto. Segundo Kennedy,
a falta de recursos para a obra ainda deixou algumas pendências
onerosas às famílias:
“Tivemos problema com o gás, e a tubulação de rua não comporta,
então haverá uma central de GLP, e vão ter de instalar o sistema
assim que se mudarem, e vão ter que desembolsar dinheiro do
condomínio para fazer isso, e isso já vai causar um transtorno, por
que o pessoal já está pagando prestação, e já não tem muito
dinheiro, que é pessoal de baixa renda, e agora vai ter que colocar
gás, e isso e aquilo. (...) E os elevadores, que vai ter o problema de
colocar ascensorista nos elevadores, nós mantivemos a mesma linha
dos elevadores, nós não mexemos em nada, não tinha custo para
isso, por que muita agente deu a idéia de colocar uma régua com
sensor. A régua com sensor ia ficar uma nota. Então se deixou como
está. Quando o edifício era comercial, tinha um ascensorista, então
o pessoal vai ter que contratar um, por que tem muita criança,
muita gente idosa. A porta abre e não dá tempo, ela fecha e se pega
uma porta daquela lá no braço... outro dia pegou no braço de um
pessoal da caixa, que a mulher ficou dolorida. Vai ter que pôr, não
adianta. Isso vai ser também um outro probleminha que eles
[moradores do edifício] vão ter que enfrentar”. (depoimento de
Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury
Empreendimentos Imobiliários S.A.).
105
elevador, edifício Riskalah Jorge
Segundo a arquiteta Isabel Cabral, da Assessoria técnica Ambiente,
projetista do edifício ‘Pirineus’, localizado em Santa Cecília, as
famílias arrendatárias do PAC, programa qual pertence o imóvel,
também sofrerão revés com os custos de manutenção do edifício:
“Esse programa, em especial que tem que pagar o arrendamento, e
depois tem que ter dinheiro para a administração do condomínio, aí
é complicado, eles não vão conseguir sobreviver. Então é uma
discussão difícil, que nesse aspecto, até acho que para atender nesse
prédio, com esse valor, família com um salário, é muito difícil. Ela
não vai conseguir manter um prédio que tem elevador, que precisa
de manutenção. Só se houver também um subsídio depois, também
do Estado, junto com um acompanhamento e outros programas para
aquelas famílias. Mas por enquanto não há nada nesse sentido”.
(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica
Ambiente).
No programa de locação social, em formatação pela PMSP, acredita-
se que as dificuldades financeiras recaiam mais sobre o valor da
manutenção dos edifícios, do que sobre o aluguel. Para Margareth
Uemura, técnica da Cohab, a gestão desses imóveis, em formatação
pela companhia, poderá transformar-se num problema para as
futuras famílias locatárias:
“Qual é o nosso medo? Não é o do aluguel, viu? Eu acho que o aluguel
não vai ter problema deles pagarem, a gente tem medo, e aí por isso
nós estamos fazendo um investimento grande na discussão, é na
gestão condominial. Porque em alguns casos o condomínio vai ficar mais caro do que aluguel, e há famílias que vão pagar mais de
condomínio do que de aluguel. (...) Pelo que temos visto com os
síndicos dos edifícios do PAR, percebemos que quando tem água
coletiva, vai para cinqüenta, quando a água não é coletiva, desce.
Qual que é o nosso objetivo em todos os empreendimentos de
locação? É a água não ser coletiva para diminuir. Vamos dizer que
tenha um bom gerenciamento e a gente consiga chegar a 25, 30, que
é o que achamos que pode ser, se for autogestão, que é o queremos
que Habi trabalhe muito com os moradores. A gente acredita, até
tendo como parâmetro o mutirão, que esse custo pode se manter.
Possam ter um fundo de reserva que eles mesmos possam constituir,
e que esse fundo ajude essas famílias mais carentes. Agora tudo isso
é um arranjo nos tais modelos de gestão, que a gente acha que é o
grande gargalo que nós temos, que o maior problema é como gerir os
condomínios”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso
106
favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta
Suplicy).
A conseqüência última da renda baixa das famílias, identificada
como barreira à moradia no centro, é a venda/repasse do imóvel
acessado através dos programas públicos de habitação.
“(...) não é verdade que todos os moradores atuais vão poder pagar
(...). Como é possível uma mulher só, com filho, que ganha R$
300,00 pagar uma prestação? Não adianta discutir como vai ser o
apartamento (...). Sem emprego, quem garante que poderão estar
aqui daqui a 15 anos? A miséria é que faz as pessoas precisarem
vender, ‘comer’ os apartamentos” .(Verônica Krol, liderança
popular, integrante do Fórum dos Cortiços, in: relatório final do
encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?” Lab Hab Fau Usp, 2000:51).
“Aquelas famílias que não têm condição de ficar pagando, dentro
desse custo, com certeza saiu, ai venderam, venderam o
apartamento. (...) Das 45, mais ou menos umas dez, saíram. (...) O
convênio não prevê venda, mas se você já comprou, já tem direito
adquirido grande, então para eles que estão entrando é bom, por
que se comprou, tem condições de pagar”. (depoimento de Luiz
Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,
integrante da ULC).
“Tem muita gente querendo vender, não por oportunismo, mas
porque não agüenta pagar o empreendimento. Não se pode vender
na verdade. Mas como elas vão conseguir viver lá? Saindo na rua com
uma mão na frente e outra atrás, sem recursos? Então as pessoas
acabam vendendo, elas não conseguem permanecer. Acho que
deveria haver mudanças no programa, já no Pari. As pessoas que lá
vivem estão com um pé fora e um dentro de suas casas”.
(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21
de Abril, integrante da ULC).
Apesar da recorrente venda das moradias nos programas públicos, os
contratos de compra e venda e arrendamento, não permitem essa
prática, como já afirmou Sidney Eusébio. A CDHU não tem
conhecimento dessa prática, como nos explica Lia Ferreira, técnica
da companhia:
“Não sei se elas têm interesse [de venda das moradias], pode ser até
que tenha. As pessoas confundem a forma de financiamento, elas
pensam que elas têm a posse [do imóvel], mas não, elas têm a
concessão onerosa para usá-lo, nos cinco anos. Se você estiver em dia
com a sua prestação, ao final desse prazo você passa para o
financiamento, que aí você tem a prestação de um financiamento.
Então se elas têm interesse ou não [de vender as unidades], elas não
têm essa capacidade perante a forma da concessão de uso que elas
têm. Elas não podem fazer isso, diferentemente com o que acontece
em outros empreendimentos, em que há os famosos contratos de
gaveta. Mas nesse caso é diferente, pois foi dado àquela família, foi
dado àquele indivíduo o subsídio, que é familiar, não é para o
imóvel, é para a família, daí o fato de ser uma concessão onerosa,
então não há essa possibilidade legal de venda, isso não existe”.
(depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril,
Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
107
Uma das causas da pressão identificada para a venda das unidades,
que potencializa o limite da renda baixa das famílias, é um
problema crônico do capitalismo brasileiro: ‘o capitalismo sem
mercado’, comentado por um dos participantes do encontro
‘Habitação no centro: como viabilizar essa idéia?”
“Não há como impedir que uma pessoa de baixa renda venda seu
apartamento. Primeiro, porque isso pode corresponder à sua
necessidade de obter recursos; segundo, porque há um déficit
habitacional também para a classe média. O mercado precisa
viabilizar empreendimentos para a classe média” (comentários do
público, in:‘relatório final do encontro: Habitação no centro de São
Paulo: como viabilizar essa idéia?. Lab Hab Fau Usp. 2000:23).
Segundo Maricato, um grande problema para a realização dos
programas de moradia social no centro é o “travamento do mercado
habitacional brasileiro”, que considera extremamente concentrado:
“Nosso grande problema é o travamento do mercado habitacional
brasileiro. Em geral é necessário um financiamento privado, mas os
bancos não se interessam muito e atingem apenas as faixas de 10
salários mínimos para cima. Por isso, 60% dos moradores de São
Paulo e 70% da população brasileira não têm acesso ao mercado”.
No decorrer dos trabalhos da presente pesquisa, consideramos o
‘travamento’ do mercado habitacional uma importante barreira à
produção da moradia social no centro. Portanto, atribuímos a essa
questão um cuidado maior de análise, reservando parte de nossos
estudos à produção de HIS através de empresas privadas e
cooperativas. Limitaremo-nos agora apenas a identificar esse limite,
que será mais bem abordado no capítulo análise da produção
residencial pelo mercado.
Para Verônica Krol, do Fórum dos Cortiços, essa barreira é latente,
bem como para Luiz Kohara, que se queixa da falta de uma ‘política
habitacional’ e de incentivos à reabilitação de imóveis:
“Como que a gente faz para que o mercado imobiliário abaixe o
valor da terra? Com o governo produzindo habitação. Se o governo
não produzir habitação, o mercado cada vez vai aumentando mais [o
valor dos imóveis], isso é óbvio. Sem explicação nenhuma muito, né?
Por isso que o mercado está do jeito que está hoje, por que nunca
houve uma política habitacional. Se houvesse uma política
habitacional, talvez o mercado não tivesse com tanto poder como
está hoje. A verdade é essa. Eu avalio por esse lado”. (depoimento
de Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos
Cortiços).
“Se não há incentivos por um lado, por que não se pune [os
proprietários de imóveis vazios], por outro lado também não há
incentivos de reabilitar. Há também a questão da política financeira
no Brasil. O investimento no mercado financeiro é o que traz
retorno, muito maior do que fazer investimento no mercado
imobiliário. Então gastar 50 mil para fazer reforma num predinho de
apartamentos, na hora de locar, o retorno é muito
menor”.(depoimento de Luiz Kohara, engenheiro, estudo de caso
Favela do Gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
108
gentrificação:
expulsão das famílias de baixa renda O fenômeno da gentrificação, identificado também como um limite
da economia política, nasce atrelado à barreira acima verificada: a
escassez de recursos das classes de baixa renda.
Para compreender melhor essa relação, vejamos primeiramente, o
significado do termo ‘roubado’ do inglês ‘gentrification’:
“Gentrification é o processo pelo qual a população de classe média
(do inglês britânico ‘gentry’, pessoas bem abaixo da nobreza) ocupa
residências numa área tradicionalmente operária, alterando seu
caráter. Segundo o dicionário de Inglês Collins (Collins, 1989, pág.
314)”. (Eduardo A. C. Nobre, in ‘Intervenções Urbanas em Salvador:
turismo e ‘gentrificação’ no processo de renovação urbana no
Pelourinho’, X Encontro Nacional da Anpur).
Numa sociedade como a paulistana, já conhecida pela brutal
diferença de renda entre as famílias que a compõe, a gentrificação
atrela-se ao problema da renda baixa da seguinte forma:
Há uma família de baixa renda (operária) que possui a propriedade,
posse ou uso de um determinado imóvel. A partir de diversas causas,
seja por melhorias no entorno, na edificação, ou pela simples
expansão populacional, uma outra família, de renda superior, passa
a ter interesse em habitar nesse imóvel. Diante disso, o que
normalmente ocorre é a venda desse imóvel para a família de renda
superior por um valor maior ao inicialmente despendido pela família
de baixa renda, que desloca-se para um outro imóvel, normalmente
de valor inferior ao recebido pela moradia vendida. A diferença
entre o valor recebido e o gasto para o pagamento da nova moradia,
tende a ser incorporado nos diversos custos de manutenção da
família.
Quando esse processo ocorre não apenas com uma família, mas com
toda uma comunidade, bairro, ou coletividade urbana, temos então
a gentrificação.
O processo de gentrificação pode se dar também de formas
diferentes da exemplificada acima, mas sempre análogas ao
conceito mais geral da mudança de classe social que ocupa uma
determinada área da cidade. Passando de uma classe de renda x,
para uma classe de renda x+y.
Desta forma, se não houvesse as enormes diferenças de renda, e
daí, a baixa renda, esse processo não seria deflagrado. Assim, a
gentrificação é alimentada pela barreira da renda baixa, e tem
como causa inicial a procura, a busca de novas áreas de ocupação
por classes sociais de renda superior.
Diversos depoimentos e trechos bibliográficos indicam a
possibilidade da ocorrência de um processo de gentrificação do
Centro de São Paulo, devido às intervenções urbanísticas e edilícias
que vêm sendo empreendidas pelo poder público, seja ele o
município, estado ou união. Há também opiniões que dizem que esse
processo já teve início, bem como, por outro lado, há crenças de
que isso não venha a ocorrer.
Antes de adentrar na questão específica sobre se há, haverá ou não,
gentrificação no centro de São Paulo, observemos algumas
109
características de funcionamento deste fenômeno e como ele se
funde a questões urbanas também presentes em outros países. Mais
especificamente as questões tangentes à ação do capital imobiliário
e o deslocamento forçado, ou a expulsão, das populações de baixa
renda dos centros históricos em ‘recuperação’:
“As políticas de recuperação de áreas centrais são mais recentes (a
partir dos anos 70/80). E mesmo em países onde os direitos humanos
são mais respeitados, a expulsão da população pobre, de áreas
renovadas e recuperadas é mais regra do que exceção. Esse
fenômeno é conhecido por gentrification. (...) Atualmente, o
interesse do capital imobiliário por áreas urbanas centrais
decadentes constitui uma tendência mundial. Como se sabe,
mercado e moradia social não guardam muita afinidade”. (Ermínia
Maricato, in: Laboratório de projeto integrado e participativo para
requalificação de cortiço’. 2002:32).
Seguindo a mesma tese de Maricato, de que as ações de
‘recuperação’ das áreas centrais são uma ação do capital
imobiliário, Otília Arantes estabelece uma relação mais ampla, a de
que o Planejamento Estratégico, cartilha de muitos prefeitos do
mundo, também possui estreitas relações com a especulação
imobiliária de capitais transnacionais, nos planos de renovação
urbana de áreas centrais, tendo como eixo investimentos na área da
cultura. Trata-se de um amplo tema, qual não poderemos aqui nos
deter com a devida atenção. Recortamos apenas um trecho do
referido texto, como ilustração de uma das pontas do imenso
iceberg que conforma as ações capital-estado na recuperação, ou
requalificação dos centros urbanos:
“Pois é: da carta de Atenas à corretagem intelectual de planos de
gentrificação, cujo caráter de classe o original inglês (gentry) deixa
tão vexatoriamente a descoberto. Daí a sombra de má consciência
que costuma acompanhar o emprego envergonhado da palavra, por
isso mesmo escamoteada pelo recurso constante ao eufemismo:
revitalização, reabilitação, revalorização, reciclagem, promoção,
requalificação, até mesmo renascença, e por aí afora, mal
encoberto, pelo contrário, o sentido original de invasão e
reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao coração
das cidades. Como estou entendendo, o planejamento estratégico
pode não ser mais do que um outro eufemismo para gentrification,
sem no entanto afirmar que sejam exatamente a mesma coisa, (...)”.
(Otilia Arantes, in: A cidade do pensamento único, desmanchando
consensos’, 2000: 31).
Outra citação que merece destaque é Maura Veras, proferida no
encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?, que indica a influência do capital internacional nas
centralidades mundiais, gerando produtos edilícios e sociais:
“As funções das áreas centrais, sob a influência dos setores do
capital internacional, tornando-as competitivas no cenário global,
procuram concentrar serviços especializados ligados à gestão e
controle do capital, ocorrem processos de verdadeira autofagia
urbana. Buscam-se edifícios inteligentes, parques de hotelaria de
luxo, centros de covenção, ocorre ‘gentrification’ e expulsão dos
mais pobres. Ora, manter os habitantes no centro, nesse cenário, é
ainda uma utopia e merece apoio e estímulo de muitas reflexões
para viabilizar essa idéia”. (Veras, Maura P.B., in: relatório do
110
encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia? ’Lab Hab Fau Usp. 2000:6).
Sarah Feldman, estudiosa dos processos de gentrificação, ao
participar de um dos seminários organizados pela ‘Comissão de
Estudos sobre Habitação na Área Central’, promovida pela Câmara
Municipal de São Paulo em 2001, também tece relações entre a
‘revitalização’ das áreas centrais e os objetivos do mercado
imobiliário paulistano:
“A chamada ‘revitalização’ das áreas centrais é hoje um dos esteios
das políticas neoliberais em nível municipal, pautadas na prevalência
dos interesses de mercado e conseqüente redução e mudança do
papel do estado. Para dar nome certo, não se trata de estratégia de
‘revitalização’, mas de ‘revalorização imobiliária’ dos centros. E há
inúmeros exemplos de projetos, nessa perspectiva, bem-sucedidos na
Europa e nos Estados Unidos, e alguns em curso no Brasil”. (Sarah
Feldman. in: “Comissão Especial de Estudos sobre Moradia na Região
Central”, Câmara municipal de São Paulo. 2001:20).
Bem, a presença de relações entre os interesses imobiliários e a
política de requalificação da área central de São Paulo já foi
identificada na seção ‘limites ideológico – culturais’, item
‘especulação e ‘entesouramento’, bem como na seção ‘limites
políticos’, sub-seção ‘limites da economia política’, item
‘localização’. Com o objetivo de apenas relembrar o funcionamento
da captação da renda por parte de um proprietário imobiliário, nos
utilizaremos de trecho organizado por Lefebvre, em A Cidade do
capital:
“Marx se pergunta como o proprietário fundiário, sem dispor de
capitais, sem investir, pode captar uma parte da mais-valia.
Resposta: O caráter formal da propriedade (do direito de
propriedade) permite-lhe isso. Ele extrai da terra, sem mesmo
explorá-la, sem tocá-la com seus dedos, mesmo ausente, a renda
dita absoluta e uma grande parte das rendas ditas diferenciais, vindo
da diversidade das terras, de sua fertilidade variável, da localização
mais ou menos favorável, dos trabalhos de infra-estrutura efetuados
e dos capitais investidos.” (Lefebvre, ‘A Cidade do capital’.
2001:166).
Retomamos também o conceito de localização, que a define como
um produto social coletivo, mas privatizado, a partir de estudos de
Flávio Villaça:
“(...) a localização é um produto social, uma vez que é claramente
um produto do trabalho coletivo. Na cidade capitalista a localização
é apropriada pelo proprietário do respectivo terreno, juntamente
com a propriedade deste”. (Villaça, ’ O uso do solo urbano’.
1978:15).
Por último, revemos as influências do alto custo dos imóveis, ou
‘maiores exigências locacionais’ nas funções urbanas, e a
impossibilidade de mistura das atividades de menor renda,
consideradas ‘pobres’ com as de mais alta renda, em localizações
‘mais disputadas’:
111
“A localização tem profundas implicações sobre os custos
operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a residencial.
Quanto mais ricas e desenvolvidas essas funções, maiores são suas
exigências locacionais, (...) Quanto mais pobre a atividade, menos
exigente ela é forçada a ser quanto à localização, já que não pode
pagar pela localização mais disputada”. (Villaça, ’ O uso do solo
urbano’. 1978:17).
Relembrada a lógica de funcionamento da organização dos processos
urbanos, vejamos como se dá em São Paulo, o processo de
‘revitalização’ engendrado pelos poderes públicos. Sabido que se dá
segundo a idéia dominante sobre a cidade, gerida pelas classes de
alta renda, que considera atualmente o centro da cidade como
‘deteriorado’:
“O processo rotulado de ‘deterioração’ pela idéia dominante refere-
se ao estado de quase ruína em que são deixados muitos edifícios dos
centros tradicionais, em virtude de seu abandono pelas camadas de
alta renda, que produziram novos centros. Como o centro é uma área
importante da metrópole, a classe dominante não pode assumir esse
fato e precisa ocultá-lo, formulando uma versão que não
comprometa sua posição de classe dominadora. Cria, então, a
ideologia da “deterioração”, que é uma versão que “naturaliza” um
processo social. (...) veiculando a idéia de que o que ocorria era um
processo normal e inexorável, decorrente do envelhecimento do
centro. É claro que a ideologia dominante procurou difundir a idéia
de que, apesar dessa inexorabilidade, ela estava fazendo de tudo o
que estivesse a seu alcance para “salvar” o centro, para que esse
fosse “revitalizado” e voltasse a ser como antigamente”. (Villaça,
‘Espaço intra-urbano no Brasil’. 1998:345).
A idéia de ‘salvação’ do centro pelas burguesias será tratada com
maior cuidado mais adiante, quando observada a ‘Associação Viva o
Centro’. Por hora abordaremos os relatos que consideram possível a
ocorrência de um processo de gentrificação no centro, ou que ele
‘voltasse a ser como antigamente’.
Os primeiros relatos comentam que os investimentos públicos e
privados nas áreas de hotelaria e cultura funcionam como ‘atração
turística’, ou seja, para ‘freqüentadores que vêm de fora’:
“O mercado hoje está se planejando para o futuro, de um centro
histórico da cidade de São Paulo, turístico. Quando você pega uma
esquina da Martins Fontes da Rua Augusta, onde era o antigo diário
popular, transformado em um hotel, flat. Você espera o quê? Quanto
que não valorizou aquela área ali? Que era uma área degradada,
então quando você vai vendo isso, você já vai se preparando”.
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
Fórum dos Cortiços).
“Sou um defensor da cultura, mas cultura para quem tem onde
morar. Ter os prédios da cultura, em que os freqüentadores vêm de
fora, pois o povo da região não tem condições de acompanhar. É
preferível não ter nenhum dos dois. Deve-se construir os dois por
igual”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
Não apenas lideranças de movimentos sociais revelam este
direcionamento dos investimentos. Estudos realizados por Júlia
Andrade, em seu trabalho final de graduação do curso de geografia
112
da USP, revelam dados que comprovam essa tendência de perfil de
investimentos. Em fevereiro de 2001 o centro já concentrava a
perspectiva de investimentos da ordem de R$ 343,8 milhões, dentre
órgãos do poder público e iniciativa privada. São obras na Bolsa de
Mercadorias e Futuros (R$ 27mi), no Hotel Mercure Down Town (R$
24 mi), no Shopping Light (R$ 50mi), Mappin Extra (R$ 15mi), Hotel
Normandie Design (R$ 6 mi), Centro comercial São Bento (R$ 2,1
mi). Os investimentos públicos de maior porte são: Sala São Paulo
(R$ 50 mi), Centro Cultural dos Correios (R$ 20 mi), Teatro São
Pedro (R$ 11,5 mi), Pinacoteca do Estado (R$ 14 mi), Dops (R$ 9 mi),
Centro Cultural Banco do Brasil (R$ 8 mi).
Em 2003, há novos investimentos não contabilizados pelos estudos
de Andrade, provenientes de contratos de empréstimos junto ao
BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento com a PMSP, o Gov.
Estado e União. O contrato com a PMSP resultará em mais U$
100,4mi de investimentos na região69, com o Gov. Estado são U$
70mi, para o programa PAC, e União U$ 8mi70, programa BID
Monumenta.
69 "O programa revitalizará o desenvolvimento econômico e social do centro de São
Paulo, que sofre uma perda de população da classe média e teve o valor das
propriedades muito diminuído", afirmou o BID em um comunicado.O banco
multilateral financiará também a restauração de moradias e proporcionará
"hospedagem temporal para as famílias do bairro". artigo de jornal pela Internet:
agência REUTERS, 01/10/2003.
70publicado no sítio da Associação Viva o Centro, em dez de 2001.
alguns dos edifícios alvo dos investimentos de reforma e restauração
113
Dentre os investimentos realizados pela PMSP em contrapartida
(metade dos recursos são do BID e metade da PMSP) do
financiamento com o BID, parte são resultado de arrecadação da
‘Operação Urbana Centro’:
“A Operação Urbana Centro abrange as áreas chamadas de Centro
Velho e Centro Novo, e parte de bairros históricos como Glicério,
Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia. Esta Operação Urbana foi
criada para promover a recuperação da área central de cidade,
tornando-a novamente atraente para investimentos imobiliários,
comerciais, turísticos e culturais. Serão concedidos vários tipos de
incentivos, tais como o aumento do potencial de construção, a
regularização de edificações, a cessão de espaço público aéreo ou
subterrâneo, em troca das contrapartidas pagas à Prefeitura.
Conforme previsto em todas as Operações Urbanas, os recursos delas
advindos devem ser obrigatoriamente aplicados na própria região de
cada Operação Urbana. A remodelação da Praça do Patriarca, por
exemplo, foi feita com recursos dessa operação”. (sítio da Prefeitura
municipal de São Paulo71).
Helena Silva, no encontro “Habitação no centro de São Paulo: como
viabilizar essa idéia?”, organizado pelo Lab Hab Fau Usp, considera
que esta legislação, criada em 1997, deve ser revista, devendo-se
“repensar os instrumentos que se baseiam na obtenção de recursos
advindos da valorização imobiliária, inclusive as operações urbanas.
(...) Isto é, supostamente promovem benefícios numa ponta, mas
71 http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/emurb/operacoes_urbanas/operacao_centro/0001
excluem na outra” 72. Desde sua criação, a lei não foi revista, tendo
vigência ainda em setembro de 2003.
Os investimentos realizados no centro, que resultam em valorização
imobiliária direta, também incluem os realizados pelos programas
habitacionais públicos abordados pela presente pesquisa. Há
depoimentos que indicam este fato, que contribui para o
aprofundamento do mecanismo da gentrificação. Apesar de
aparentemente paradoxal, vejamos por que isso ocorre:
“A especulação imobiliária não deixa viabilizar os programas, e os
governos alimentam isso, dizendo nos jornais e televisões que vão
comprar imóveis. (...) Quando um governo vem implementar um
projeto no centro, falam em questões de compra e venda de imóveis,
elas abrem muitas obras para grandes empresas, construtoras, e isso
acaba elevando os preços no mercado, e isso acaba inviabilizando os
projetos, que se tornam pontuais. (...) O governo, desta forma,
acaba não favorecendo as classes mais baixas e sim os grandes
especuladores, as grandes imobiliárias, as grandes construtoras”.
(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21
de Abril, integrante da ULC).
Técnicos da PMSP, gestão Marta Suplicy, também externam
insegurança quanto aos investimentos habitacionais no centro, pois
podem ‘dar comida para o mercado’:
72 relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2001: 62.
114
“(...) temos [PMSP] o objetivo de atender a uma população que não
consegue a carta de crédito da CDHU e da CEF. No entanto não
sabemos, ou melhor, estamos pesquisando qual é o potencial de
imóveis que tem essa característica que queremos ofertar. Então,
reunir as duas coisas é difícil. E como esse nosso mercado é uma
coisa oportunista, temos que ter um critério muito firme por que
todo o imóvel vai ter o valor da carta de crédito, ou seja, a gente vai
inflacionar todos os imóveis, todos eles vão valer a mesma coisa”.
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
“A maioria dos investimentos da prefeitura, nesse sentido de
assegurar a população, não é com área [terreno disponível] do
mercado, são áreas que a própria prefeitura já possuía: favela do
gato, Belém, Bresser, SEMAB. Então o grosso do nosso investimento
ainda está sendo nas áreas públicas; por que ainda não temos forma
de enfrentar o mercado. Pode ser que estejamos dando comida para
o mercado também, na hora que se faz reabilitação”. (depoimento
de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,
Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
Segundo Aser, representante da CEF no encontro “Habitação no
centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo
Lab Hab, “aumentar o limite de financiamento quase nunca é uma
solução, pois o mercado de alguma maneira se ajusta” (p.38). Ele
considera que a CEF estava com “muita dificuldade para viabilizar a
utilização destes recursos (...)” (p.38), pois apenas com a
possibilidade do aumento do patamar máximo de financiamento em
São Paulo, “os movimentos passam a ter dificuldades em negociar os
prédios pelos valores anteriormente praticados ou comprometidos”
(p.38).
Segundo Helena Silva, no mesmo encontro73, o fenômeno da
valorização imobiliária já ocorreu quando anunciada a existência do
PAR – CEF: “logo subiram o valor dos imóveis. Foi só dizer que o
Centro ia ser reformado que veio a especulação imobiliária. (...) o
MMC recebe pelo menos uma carta por dia oferecendo imóveis.
(...), mas os valores são muito altos. Os proprietários vêm oferecer
imóveis com valores que assustam”. Desta forma, Silva considera
que o poder público “atrapalha a si mesmo”, com as ações que
valorizam o Centro, “forma de tirar cada vez mais os pobres do
Centro e jogar para a periferia”.
O depoimento de Marco Antônio, gerente da CEF – São Paulo, nos
aponta a mesma barreira: Há uma valorização imobiliária no centro
de São Paulo, e ela já causa problemas para a viabilização de
empreendimentos do PAR – CEF:
“O mercado no centro velho de São Paulo, onde a gente mais está
trabalhando, a gente tem notado que ele está começando a ter uma
valorização imobiliária. Acho que com a inauguração desses novos
PAR no centro, e você vê que no centro já foi a faculdade Anhembi
Morumbi, não é? Haverá também um SESC, não é? Com a mudança
agora da prefeitura, que vai para o banespinha, não é? E eu acho que
isso daí vai começar a dar uma melhorada boa, em termos
imobiliários na cidade. Eu acho que o foco é esse mesmo. Eu acho
73 Idem:64.
115
que tanto os governos federal, estadual e municipal tem que
procurar fazer isso daí, ao meu ver, opinião minha, com bastante
cuidado. (...) Esse que é o problema [manter a população de baixa
renda com a valorização imobiliária], se esse boom imobiliário, se a
iniciativa privada começar a enxergar isso como bom negócio, e
começar a aplicar recursos próprios aqui no centro, talvez nós vamos
começar a enfrentar problemas, principalmente para atender esse
pessoal aí. O regime capitalista é complicado, quanto mais custa o
preço da terra, fica mais complicado da gente atender mesmo. (...)
O governo vai ter que intervir pesado, se deixar só na iniciativa
privada, nós corremos o risco de explodir o custo disso e aí nós não
vamos poder atender esse pessoal não”. (depoimento de Marco
Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF – São Paulo,
gestão Luiz Inácio Lula da Silva).
Se observarmos dados de pesquisa realizada pelo Secovi – SP
fornecida à PMSP, acerca da evolução dos valores dos aluguéis na
cidade de São Paulo, constatamos que entre os meses de janeiro e
março de 2003 houve um aumento médio de 5,54% dos valores das
locações residenciais do centro, enquanto que em toda a cidade
esse índice foi de 0,3%.
Um novo depoimento, central para as questões trabalhadas em
nossos estudos, é o proferido por Helena Silva, que identifica as
barreiras da revalorização imobiliária e a conseqüente gentrificação,
como fenômenos já em andamento:
“Eu acho que a gente [PMSP] mudou muito a situação de 2000 para
cá, em 2000 você tinha só um discurso da reabilitação, então você
sabia que ia valorizar e etc. De 2001 para cá, você já tem
investimentos concretos, programados de valorização da área
central. Você tem discurso, você tem investimento, você tem uma
ação do poder público mesmo com relação a isso. Então vamos ter
uma dificuldade maior [em produzir HIS no centro], inicialmente se
contava ainda com terrenos, que já eram um pouco mais caros que
na periferia, mas claro com um aproveitamento intensivo você podia
ainda pensar em habitação popular. Cada vez vai ficar mais difícil. As
zeis, elas tentam se contrapor a isso, mas a experiência que nós
estamos tendo é de que nas áreas de zeis o terreno não está
diminuído de preço, o pessoal da CDHU já fez uma pesquisa na área
da Luz, e o terreno da Luz aumentou depois da zeis. E aumentou por
que subiu o coeficiente de aproveitamento. (...) Eu tenho falado
muito do problema do estoque, do estoque. Agora, para você pensar
numa produção de larga escala, que vai dialogar com o processo de
revalorização que já está aí, e vai ser muito maior, você tinha que
estar realmente mobilizando recursos em estoque de habitações.
Agora, neste momento, nós não temos linhas de recursos, de
financiamento para fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode
fazer estoque. O PAR só pode negociar o prédio no final da linha.
Quer dizer, quando você já está com tudo fechado, projeto
aprovado, proprietário e etc. Então o PAR, do ponto de vista da
relação com a valorização imobiliária ele é a pior coisa possível. Ele é
um programa que tem muito dinheiro, e não consegue, não vai
conseguir fazer um programa de larga escala, por que ele está sendo
atropelado pela valorização imobiliária”. (depoimento de Helena
Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
Bem, os valores dos imóveis podem estar mais altos, ou mantidos
artificialmente em seu valor de procura por classes de alta renda,
como vimos no item especulação e ‘entesouramento’. Mas, segundo
116
Gegê, liderança do MMC, se aplicados os instrumentos previstos no
Plano Diretor, que obrigam o cumprimento da função social da
propriedade, o ‘mercado imobiliário vai ter que se enquadrar’. Caso
estes instrumentos sejam realmente aplicados, o processo de
gentrificação previsto pode ser enfraquecido:
“Com o novo Plano Diretor, e o estatuto da cidade, o mercado
imobiliário vai ter de se enquadrar. Daqui uns cinco anos para
frente, esse mercado perde espaço, pois se o prédio que está ali,
vazio a cinco anos, sem cumprir sua função social, vai ser tomado
pela prefeitura. O mercado não vai fazer nada no prédio, e vai
perder. (...) Hoje um cara ligou para mim para oferecer quitinetes a
270.000,00 reais, aqui no Centro”. (depoimento de Gegê, liderança
popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
Já segundo a economista Silvia Schor e o empreendedor imobiliário
Cláudio Bernardes, a resposta para nossa questão, de se haverá ou
não um processo de gentrificação no centro, será determinada pelo
perfil futuro da demanda por habitação e outros serviços da região
central. Pois, como já vimos anteriormente, a demanda é quem
define o perfil do mercado, independentemente da aplicação ou não
dos instrumentos urbanísticos defendidos acima por Gegê, como
passíveis de ‘enquadrar o mercado’:
“Para saber o que vai acontecer com os preços, precisamos saber o
que vai acontecer com a demanda. A demanda corresponde às
receitas futuras, as curvas de demandas estão cheias de expectativas
dos proprietários para a valorização. (...) A oferta de terra é
elástica em função do uso que se pode fazer dela. (...) A combinação
de HIS com novos investidores é a grande contradição e o grande
desafio. O Estatuto da Cidade é uma condição necessária mas não é
suficiente”. (Sílvia Schor, in: relatório do encontro: ‘Habitação no
centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp,
2000:4).
“Respondendo à pergunta do vereador Laurindo sobre a questão do
mercado imobiliário estar atento a essas reformas e iniciar um
processo de valorização da circunvizinhança, impossibilitando o
barateamento da unidade habitacional refeita: o processo de
revitalização se baseia nisso, na valorização que vai sendo induzida
pelas readaptações. Se houver condições de mercado para levar
habitação para o centro da cidade a preços convidativos, a iniciativa
privada também o fará. A partir do momento em que se leva
habitação e unidades de lazer para o Centro e se valorizam as áreas,
atraindo outro público, os valores vão ser maiores. Então a
utilização do centro não revitalizado para a solução de baixa renda
teria um tempo de vida limitado”. (Cláudio Bernardes, representante
do Secovi, in: relatório do encontro: ‘Habitação no centro de São
Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp, 2000:97).
Tudo vai depender da demanda. Se seduzidas as burguesias a
regressar ao centro, e resolverem assim o fazer, o centro sofrerá um
processo de gentrificação. Atualmente quem se dá o direito de
decidir sobre as questões urbanas no tocante à localização espacial
das classes sociais em todo o perímetro da cidade é a burguesia.
A última palavra cabe a ela, segundo Villaça74, é ela quem comanda
o mercado.
74 Villaça, ‘Espaço Intra-urbano no Brasil’, 1998.
117
Segundo seus estudos acerca das estruturas territoriais e suas
localizações intra-urbanas, bem como de sua constituição e
movimentação, a tendência estruturadora das metrópoles Brasileiras
é a segregação sócio-espacial das classes de alta renda. Ou seja,
essas populações localizam-se numa “única região geral” da
metrópole, pois o mercado submete-se a elas, como se viu no Rio de
Janeiro, Barra da Tijuca:
“(...) as investigações precedentes [para a construção da barra da
tijuca no rio] revelaram quais os interesses concretos das burguesias
ao definirem a localização de seus bairros e ao se segregarem numa
mesma região geral da cidade, condicionando desse modo o mercado
imobiliário. Quando o setor imobiliário procura contrariar os
interesses das burguesias ele fracassa. (p.352). (...) Quando o setor
imobiliário, representando os interesses das burguesias, escolhe uma
determinada localização para um empreendimento, ele pesa os
vários prós e contras envolvidos nessa escolha. Dentre os primeiros,
destaca-se o meio ambiente e dentre os segundos, os deslocamentos
envolvidos. A infra-estrutura vem depois, ela é trazida pelas
burguesias”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”. 1998:355).
Desta forma, a burguesia ‘domina’ as cidades brasileiras pelo espaço
urbano, portanto, se a burguesia ‘resolver’ voltar ao centro haverá
gentrificação. Mas a burguesia quer voltar ao centro? Que fez com
que ela algum dia saísse de lá? Vejamos:
Ainda segundo Villaça, “entende-se por dominação por meio do
espaço urbano o processo segundo o qual a classe dominante
comanda a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens e dos
recursos do espaço urbano”. Dentre as vantagens geradas pelo
usufruto de determinados espaços urbanos, o tempo é um dos mais
valiosos, devido sua imutabilidade, inelasticidade e congelamento: o
tempo não pode ser alterado. Lefevbre denomina esse fenômeno de
‘dialética do tempo e do espaço’:
“Comprasse um emprego de tempo, e esse emprego de tempo é o
valor de uso do espaço. (...) o espaço envolve o tempo e que esse
não se deixa reduzir. É o caso do espaço urbano, no qual se atua
sobre o espaço para reduzir o tempo, já que não se pode atuar sobre
o próprio tempo, pois este não se deixa reduzir” (Lefebvre, Dialética
do tempo e do espaço. 1974:391, in: Villaça “Espaço intra-urbano no
Brasil”. 1998:357).
Segundo Villaça, a quantidade de tempo gasto no deslocamento das
pessoas pelas localizações no espaço urbano das classes de alta
renda tem o poder de desenhar a cidade:
“A luta de classes pelo domínio das condições de deslocamento
espacial consiste na força determinante da estruturação do espaço
intra-urbano (p.329). (...) A produção do espaço aparece, então,
como forma de controle do tempo, por meio de um trabalho
coletivo, social, no qual as classes entram em conflito visando
apropriar-se diferenciadamente dos frutos do trabalho envolvido
nessa produção”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”.
1998:359).
Desta forma temos como importante determinante para a
localização das ‘classes de alta renda’ a escolha de locais que lhes
118
proporcionem uma ‘economia de tempo’, já que podem adquirir as
terras onde bem desejarem, pois o custo não lhes imprime barreiras.
Assim, a rápida locomoção pela cidade, segundo Villaça, possibilitou
a saída das classes de alta renda do centro da cidade:
“A verdade é que a nova mobilidade territorial, (...) aliada à
conveniência de acessibilidade das burguesias e à produção de
bairros novos por parte do capital imobiliário, é que impulsionou o
abandono dos centros tradicionais. Não foi nem o congestionamento,
nem a poluição, nem a idade”. (villaça, intra-urbano, p.346).
Nos últimos anos os congestionamentos na cidade têm consumido
muito tempo dos paulistanos de todas as classes sociais. Desta
forma, a burguesia tenderá a localizar sua moradia em área próxima
do local de trabalho. Se este local for o centro, talvez tenhamos
como certa sua gentrificação.
Agora, a burguesia tem interesse em trabalhar e morar no centro?
Esta nos parece uma questão central. Se dependermos das ações de
propaganda e marketing da Associação Viva o Centro, a resposta é
sim.
Como já vimos na seção limites ideológicos culturais, item pré-
conceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio
espacial, a Associação Viva o Centro, representa uma das entidades
que atuam na região central que se pronuncia de modo
preconceituoso no que se refere à presença da população de baixa
renda no centro. Na mesma seção, item especulação e
‘entesouramento’: influências de um sistema econômico, a mesma
associação é identificada como congregadora dos ensejos dos
proprietários de imóveis, tendo como objetivo defender um processo
de valorização imobiliária da região, caracterizando a presença da
‘ideologia da especulação’, no caso, a imobiliária.
Vejamos como constam publicados formalmente os objetivos dessa
associação, segundo seu sítio eletrônico:
“A Associação objetiva o desenvolvimento da Área Central de São
Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, sociais e
econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente
Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio
econômico e social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e
ao bem-estar por toda a população”.75
A Associação Viva o Centro tem como principais patrocinadores as
seguintes empresas: Banco de Boston, Bolsa de Valores de São Paulo,
Bolsa de Mercadorias e Futuros, Banco Itaú, Serasa, Pinheiro Neto
Advogados, dentre outras empresas, bancos e estabeleciemntos
comerciais.
Segundo a arquiteta Sarah Feldman, em apresentação na “Comissão
l de Estudos sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara
Municipal de São Paulo, de maio a setembro de 2001, “a Associação
Viva o Centro é a expressão da nova disputa pela área central, do
interesse imobiliário pela sua valorização”,(p.22).
75 http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm
119
Observando as dezenas de publicações, eventos e pronunciamentos
públicos da associação, pode-se notar de modo direto as ações de
propaganda pela necessidade da volta dos investimentos públicos e
privados na região, e consigo moradias de renda mais alta.
Temos aqui mais um nó que necessita de mais estudos e que mais
anos de passem para termos uma resposta às questões levantadas.
Trata-se de uma grande incerteza, pois, como vimos, há
pronunciamentos dos mais diversos.
Em novo seminário organizado pelo Lab Hab, em 2002, com o tema:
“Habitação no centro de São Paulo: viabilização de programas
habitacionais”, a questão da valorização dos imóveis da região
central e sua conseqüente gentrificação demonstram a falta de
consenso entre os atores envolvidos no tema, como relatado em
trecho do relatório do encontro:
“A redução de preços dos imóveis pode ser uma decorrência da
aplicação de seus instrumentos [estatuto da cidade / Plano Diretor],
porém ainda aparece como uma questão incerta que dependerá em
grande parte do processo de requalificação urbana da área central.
(...) Uma das principais questões discutidas em várias sessões do
evento é o preço dos imóveis, existe uma expectativa de valorização
imobiliária na área central em função das intervenções e
conseqüente expulsão da população de baixa renda da área. Alguns
técnicos apontaram que a redução do preço dos imóveis está
relacionada com o esvaziamento populacional enquanto
requalificação da área apontaria para a valorização imobiliária”.
(Lab Hab Fau Usp, relatório resumo do Seminário “Habitação no
centro de São Paulo: viabilização de programas habitacionais”,
2002:2).
Como últimas informações coletadas, acerca da incerta volta das
classes de renda mais alta para o centro, reproduzimos abaixo
trecho do depoimento de Orlando de Almeida Filho, presidente do
Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo:
“Olha rapaz, daqui a uns três anos, vai haver uma super valorização
dos imóveis no centro (...)” (depoimento de Orlando de Almeida
Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de
São Paulo).
120
4.1.4.1.3 limites jurídico - legais
“No projeto Madre de Deus a história foi uma loucura. O
filho do dono (herdeiro) era um deficiente físico. A
propriedade não estava sendo usada. A lentidão é prejudicial
para todas as partes envolvidas. No caso do Casarão já são
seis anos. As leis emperram. As leis da propriedade foram
tão bem elaboradas que praticamente inviabilizam qualquer
proposta desse tipo.”
(Maria Nilse Ferreira Souto76).
Nesta seção identificaremos a presença de limites à produção da
moradia social no centro impostos pela legislação e pelo sistema
jurídico em vigor. As barreiras impostas pela legislação são das mais
variadas, são problemas para a aprovação de projetos arquitetônicos
que resolveriam de melhor forma questões da falta de qualidade
projetual das unidades, questões da forma de ocupação dos
terrenos, que resultariam em menor custo das mesmas, entraves na
gestão da máquina pública, que tem de seguir procedimentos muitas
vezes morosos e descabidos às práticas de produção habitacional,
bem como pelos processos de litígio fundiário que se estendem por
anos a fio, enquanto o imóvel ‘aguarda’ uma decisão judicial.
76 in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão
Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:144).
Primeiramente observaremos os limites gerados especificamente
pela legislação em vigor, apesar de por diversas vezes,
representantes do poder público terem sinalizado para uma rápida
alteração desses entraves legais. O que pudemos notar no decorrer
de um ano de estudos foi nenhuma alteração significativa na
legislação.
lei de HIS:
entrave à soluções inteligentes e econômicas
A barreira imposta pela atual legislação municipal para a produção
de HIS, que aufere parâmetros projetuais para as unidades
habitacionais, é considerada, nos depoimentos coletados, como
secundária às questões limitantes à produção da moradia social no
centro. Isso não significa que não deva ser considerada, pois ela
impede, de fato, que soluções de desenho coerentes com o
programa arquitetônico específico da moradia social no centro se
materializem. Se diferente da atual, a legislação possibilitaria ao
projeto do edifício o cumprimento de seu papel, de ‘resolução’ de
tão difícil construção, e não de arremedo formal de imposições
jurídicas artificiais à habitação nas áreas centrais da cidade.
O depoimento do arquiteto Wagner Germano nos exemplifica essa
característica da legislação municipal de HIS:
“De cara a gente viu que a lei tem de ser revisada, deveria ter um
olhar particular para a questão da reciclagem. Uma questão é o
estacionamento, que não tem como ter vaga de garagem num
121
edifício da área central, que não tem garagem. Apesar de que
acredito que a legislação nunca foi um empecilho, uma barreira. (...)
Era lógico, mais uma pimentinha na história, mas muito pequenina
se comparada a questão de como que deveria ser feita a compra do
imóvel. (...) Há uma proposta de alteração já feita, que falta ser
aprovada”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela
do gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
De fato, a lei de HIS é instaurada através de decreto, de 26 de maio
de 1992, sob no. 31.601. Segundo a arquiteta Heléne, em palestra à
‘Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central’, realizada
na Câmara Municipal de São Paulo, seu objetivo maior é de
regulamentar a construção de unidades em terrenos na periferia da
cidade. Desta forma torna-se “totalmente inapropriada para
construção em lote urbano, na medida em que exige
estacionamento descoberto e garagem e outras questões que não se
adequam de maneira alguma às necessidades de um programa
habitacional em áreas centrais”.77
Novas considerações acerca das legislações urbanísticas para a
regulamentação de unidades de interesse social podem ser
encontradas em publicação organizada por Cláudio Moretti,
intitulada “Normas urbanísticas para habitação de interesse social.
Recomendações para a elaboração”.
Moretti nos indica a presença constante de três problemas nas
normas municipais brasileiras: edificações isoladas nos centros dos
77Heléne, in: relatório da “Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central”, Câmara Municipal de São Paulo, 2001: 75.
lotes, sejam elas horizontais ou verticais, devido à exigência dos
recuos, resultando em barreiras à aprovação de vilas, condomínios
horizontais, prédios em lâmina com fachada contínua, ou
configurando pátios internos às quadras e residências geminadas.
Diversos projetos econômicos e de boa qualidade construídos no
exterior, ou mesmo no Brasil, antes das atuais normas urbanísticas,
atualmente não seriam aprovados.
Moretti também comenta a existência de dificuldades na
“caracterização dos empreendimentos e agentes que poderão se
utilizar das prerrogativas da legislação. A polêmica se estabelece
quanto à eficácia dos meios legais para impedir a utilização dos
critérios especiais da HIS para produção de moradia para população
de maior poder aquisitivo” (p.18). Desta forma, há o risco de que as
normas e “privilégios” concedidos para HIS beneficiem as famílias
de maior renda não apenas em sua comercialização inicial, mas de
que estes imóveis sejam rapidamente transferidos para famílias fora
da faixa de renda de interesse social.
Moretti também considera que “a produção de unidades
habitacionais de interesse social através da reforma de edificações
existentes é uma alternativa que deve ser contemplada na
legislação” (p.18).
Em capítulo posterior aborda a problemática presente no “controle
do poder público versus autonomia do projetista” (p.29), pois da
forma que a legislação se apresenta, esta “pode tolher a autonomia
dos projetistas e impedir boas soluções de projeto” (p.29).
As ‘boas soluções de projeto’ que são impedidas pela legislação
extremamente amarrada, resulta em projetos quase que
122
padronizados, centralizados em seus lotes e impossibilitados de se
adequarem às características do entorno. Quando a ‘autonomia do
projetista’ foi respeitada, pois a legislação foi completamente
descartada78, as soluções de projeto podem ser consideradas
‘melhores’, como nos relatam Cláudio Manetti e Pedro Sales,
responsáveis pelo projeto do edifício Madre de Deus, estudo de caso
da presente pesquisa:
“(...) e o mais interessante foi assim. Foi uma única exigência [da
comissção de aprovação de projetos habitacionais de interesse social
da PMSP]: ‘faz um diagrama de sombras’. Por que nós estamos
encostando o edifício sem recuo, para ver se não vai fazer sombra na
piscina do vizinho. E o mais legal disso tudo, na hora que se fez, é
que não só não fazia sombra, como se fizesse o edifício nos moldes
da legislação, aí sim o edifício faria. (...) Nós começamos a discutir
que os projetos da região central, pelas configurações das quadras,
pelas configurações de vizinhanças, eles precisariam de uma forma
de compreensão de que a quadra é um edifício de vários edifícios
diferenciados, mas que tem que ter uma relação da sua
espacialidade. O que cheio, o que é vazio, o quê é cego, o quê é
aberto. E nós começamos a ver o seguinte, você pega um edifício no
centro da cidade, ele tem uma empena de não sei quantos andares,
por não sei quantos metros de largura. Você falar que aqui tem um
sol nascente é brincadeira, por que o próprio edifício vai fazer um
sombreamento de sol nascente. Então tem uma outra forma de pegar
o sol, uma outra forma de captar, uma outra forma de ter conflito
de vizinhança. E no caso do Madre de Deus, o pessoal da comissão,
que estava com medo de enfrentar a Luíza, e os movimentos
78 O projeto foi aprovado por decreto emtido pela prefeita em cargo.
politicamente fortes, resolveram sair por aí, que eu acho mais
interessante, que acabou dando uma solidez. Está completamente
fora da legislação”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto,
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza
Erundina).
“E tudo isso, acabou gerando um outro conflito, (...) que era a
legislação vigente na época, e vigente até agora. Questão 1 : recuo.
Com aquela exigüidade de terreno, a gente não poderia de frente,
nem lateral, nem de fundo, então fomos obrigados a realizar um
projetinho demonstração para comparar o uso daqueles 15 x 50
metros, usando o que dispunha os parâmetros de zoneamento
daquela área. Cinco de frente, um meio de não sei do quê, duas
vezes a área do terreno, que resultava numa torrezinha, de dez a
doze andares, e a idéia era fazer isso para demonstrar que essa
torre, em relação à posição da orientação, mostrando que a
configuração regular causava muito mais impacto no vizinho, em
termos de sombra, em termos de privacidade, nos dois vizinhos, do
que o nosso bloquinho, encostado nas divisas, e tudo mais. Outra
questão que se coloca até hoje, a Helena79 cansa de lutar contra isso,
é a questão do estacionamento, as vagas de estacionamento. É uma
legislação super arcaica, que pede uma vaga a cada três unidades,
mas que é descabido, no fundo, no sentido de que se está falando de
área central, presumivelmente você tenha essa maior
disponibilidade de transporte”. (depoimento de Pedro Salles,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão
Luíza Erundina).
79 Helena Menna Barreto Silva, vice-presidente do Pró Centro, gestão Marta Suplicy.
123
implantação edifício Madre de Deus, sem recuos laterais e frontal.
O edifício Madre de Deus, também não possui vagas de
estacionamento, além dos recuos laterais, frontais e de fundo.
uso misto:
programas públicos não o comportam
Apesar de aparentemente sem muita importância, a impossibilidade
da instalação de estabelecimentos comerciais nos primeiros pisos
dos edifícios tem por diversas vezes interferido de maneira decisiva
na qualidade dos projetos habitacionais, bem como na manutenção
física dos imóveis.
A renda gerada pela locação destes espaços para fins comerciais
poderia direcionar recursos para os condomínios, que melhor
investiriam na manutenção dos imóveis, além de configurarem uma
ocupação mais racional dos exíguos espaços centrais.
Como os edifícios voltados para famílias de baixa renda produzidos
pelos programas públicos têm de, ao menos inicialmente, de
pertencer ao estado, para que as famílias de baixa renda os
adquiram através das prestações, estes imóveis estão sujeitos à
legislação incidente sobre a propriedade pública.
Para o arquiteto responsável pelo projeto arquitetônico do edifício
Madre de Deus, Pedro Salles, a legislação que impede a instalação
de estabelecimentos comerciais nos imóveis habitacionais públicos,
gerou conseqüências irreparáveis ao edifício, como comenta em seu
depoimento:
“O fato de o solo ser público, subsidiado, colocou uma outra questão
importante, particularmente no Celso Garcia, onde havia solo
publico, habitação de interesse social, e a pretensão de que o térreo
fosse comércio voltado para os moradores. E não houve jeito de
equacionar isso: solo público, habitação de interesse social e
exploração de atividades comerciais sob solo público. Eu me lembro
de passar tardes com figuras renomadas, para a gente tentar chegar
e definir um instrumento jurídico, uma abertura jurídica, mas não
conseguimos. Essa é uma questão que se coloca, de caráter jurídico,
de caráter legal, mas que acaba influindo no próprio programa, e
impede realmente uma possibilidade de financiamento dessas
unidades. Precisava ter uma licitação, mas você não pode licitar algo
em terreno que foi desapropriado. Então há uma série de impasses
que de repente acabam travando a exploração de novas tipologias,
de uso misto e etc. que são no meu ponto de vista fundamentais para
a área central. Elas têm que absorver essa variedade de funções por
diversas razões, o retorno financeiro para a comunidade, gerar esse
124
ambiente realmente mais coletivo de funções que as cidades
européias cansam de dizer para a gente e etc. Mas que de certa
maneira, continua impedido, então o próprio projeto, acho que ele
tem que começar a considerar isso aqui, como é que eu reproponho
essas linhas alternativas em solo desapropriado. Esse era um outro
limite, que no fundo inibiu o projeto, mas que gerou conseqüências
complicadas depois”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
No estudo de caso do PAR – CEF, a mesma barreira se coloca. Helena
Saia, arquiteta responsável pelo projeto de restauração afirma80 que
o edifício Riskalah Jorge, anteriormente de uso comercial no térreo,
teve de ser adaptado ao uso apenas habitacional, devido exigências
da CEF. O engenheiro responsável pelas obras do edifício, também
identifica a existência do limite:
“Como é arrendamento, quem detém o prédio é a CEF, então ela não
está querendo liberar o térreo para comércio”. (depoimento de
Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury
Empreendimentos Imobiliários).
80 relatório do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, Lab hab Fau Usp, 2000:16.
espaço térreo que poderia ser de uso comercial, Riskalah Jorge.
O mesmo ocorre no Programa de Atuação em Cortiços da CDHU, que
impede a locação do térreo para usos diversos:
“Não, não, nada [permite o uso comercial], inclusive tem uma
questão que também se encontra em outros programas. Sempre eles
esbarram com a questão de uso misto, sempre se aprova só a
habitação, a gente fala e fala que tem que misturar, e não se tem
como aprovar. É uma loucura, numa cidade como São Paulo”.
(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica
Ambiente).
Ao que tudo indica, os imóveis de locação social também não
poderão ceder espaços para fins comerciais privados, devendo ficar
reservados a áreas anexas às moradias.
125
irregularidades fundiárias:
dívidas, desvios e litígios de propriedade
Problemas na titulação da propriedade privada da terra é um fato
comum na área rural, já de conhecimento público notório. Distante
dos centros urbanos.
A produção da moradia social no centro tem demonstrado que o
mesmo ocorre nos grandes centros urbanos, ao menos em São Paulo.
Identificamos a presença de imóveis com dívidas impagáveis de IPTU
e comprovação incipiente de propriedade como os mais comuns a
emperrar os processos de aquisição de imóveis.
Para o poder público dar início a um processo de compra ou
desapropriação de algum imóvel, ele tem de certificar-se da
regularidade deste. Lia Ferreira, técnica da CDHU nos revela a
existência deste limite, que leva processos aparentemente fáceis a
levarem anos de espera pela decisão judicial:
“Então um segundo problema é o tempo para que se tenha a situação
fundiária definida, e aí poder executar o empreendimento. Isso não
quer dizer que enquanto o processo de DIS esteja em
encaminhamento, a gente não tenha outros procedimentos paralelos
para agilizar esse empreendimento, certo. Mas é sim uma das
dificuldades que a gente encontra.” (depoimento de Lia Ferreira,
arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão
Geraldo Alckmin).
Na Cohab - SP, o mesmo fenômeno se repete:
“E a COHAB recebe muito telefonema, a pró-centro então, nem se
fala. A dificuldade é sempre que tem alguma irregularidade de
alguma natureza. E aí a gente não consegue como poder público
fazer a desapropriação”.(depoimento de Margareth Uemura, estudo
de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
Suplicy).
Mais especificamente, as irregularidades podem se dar pelo atraso
no pagamento de impostos incidentes sobre a propriedade ou infra-
estrutura urbana. Um dos casos freqüentes é o simples não
pagamento do IPTU, enquanto o imóvel fica subutilizado, devido à
morosidade na cobrança judicial. Há em trâmite na câmara
municipal um projeto de lei (decreto de remissão) que permitiria o
‘desconto’ do valor devido na desapropriação do imóvel, como nos
apresentam Helena Silva e Margareth Uemura, técnicas da PMSP,
gestão Marta Suplicy.
“Acredito mesmo que as nossas dificuldades são operacionais, não é
nem de recurso. (...) É muito lento. A maneira de tratar com a
questão de obtenção dos terrenos está na raiz disso. Como o PAR
encara essa questão da obtenção do imóvel está na raiz. Então eu
acho que poderia ser mais rápido. É uma prioridade, agora nem
todas as soluções apontadas, são mágicas. Por exemplo, a questão
dos edifícios com dívidas do IPTU, por exemplo, se tem um problema
na justiça, se a justiça cobrasse muito mais rapidamente as dívidas,
nós conseguiríamos negociar muito mais rapidamente o terreno.
Nesse momento, o proprietário deixa de pagar (caso do Brigadeiro
126
Tobias) um tempão; não registrou a propriedade. Agora fizemos uma
proposta de lei que eu acho que é interessante, de que é possível
perdoar a dívida, no momento em que o prédio é adquirido para
habitação de interesse social. As pressões não são suficientes para
você forçar o pagamento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de
caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão
Marta Suplicy).
“A gente percebeu que tem dois pontos que emperram essa operação
nossa, de desapropriação. Uma é imóveis irregulares e imóveis com
dívida. Eu acho que esses imóveis não valorizam por que tem
também esses problemas, eles estão quase abandonados. Qual é a
dinâmica desses proprietários (e não são pequenos proprietários)?
Eles são proprietários de várias áreas no centro. Agora o que ele faz?
Aluga o térreo, que é o que tem valor; mantém mais ou menos o
restante do edifício e deixa isso pra lá, e vai arrastando a dívida.
Então parece que é uma dinâmica aqui, por isso está se repetindo
muito. Todo prédio que a gente ouve o proprietário que levanta, é a
mesma coisa: está desocupado o resto dos andares, o térreo está
ocupado. O cara tem uma dívida altíssima de IPTU, e, portanto não
pode negociar o terreno conosco. Por que ele quer além de não pagar
a dívida, receber. Tem a história da dação do pagamento, como se
chama. Agora, é isso. O cara pra fazer a dação, tem que concordar;
você não tem como obrigar o cara. Tem um outro instrumento que
chama decreto de remissão. Com esse acho que a gente pode compra
o imóvel com dívida, mas com outro procedimento. Esse ainda não
está aprovado, esse está tramitando. Parece que esse é um
instrumento legal que pode cobrir o que a dação não pode fazer”.
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Outra forma de irregularidade fundiária recorrente é a falta de
título de propriedade, que por razões diversas não se encontram
regularizadas. Trechos de relatos e bibliográficos nos indicam de
forma clara a existência do problema:
“Então, agora, é claro que você tem os problemas objetivos da
situação de propriedade aqui da área central. As escrituras são
enroladas, múltiplos proprietários num prédio só (...)”. (depoimento
de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
“Então a gente tem problema com titularidade de terreno,
unificação de título, que é uma parte burocrática, e isso eu acho que
é um trabalho longuíssimo, por que são terras devolutas, é margem
do rio, então há uma série de problemas e de ajustes técnicos a
fazer. (...) No São João a gente tem tido uma série de dificuldades,
mas é por que o proprietário tinha pendências, dívidas, problemas
de herança, de quem assina o documento. Se não, acho que teria
sido mais curto o prazo”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo
de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
Suplicy).
“Os imóveis a serem adquiridos com recursos do PAR devem, por
preceituação legal, possuir regularidade documental, o que é raro na
área central. Muitas vezes são imóveis frutos de herança ou espólios
mal resolvidos, com documentação duvidosa ou que não podem ser
regularizados para uma operação envolvendo recursos públicos, com
legalidade ou titularidade apresentando restrições documentais”.
(Bruno Sandin, in: relatório final da “Comissão de Estudos sobre
127
Moradia na Região Central”, Câmara Municipal de São Paulo,
2001:94).
burocracia:
morosidade e demora nos processos públicos
Relatos de demora nos processos administrativos são também
unânimes, poder público e movimentos populares identificaram essa
realidade, que muitas vezes resulta em conflitos e enfrentamentos
políticos diretos.
É certo que o emprego de recursos públicos deva ser realizado com
todas as garantias de lisura necessárias. O limite aqui identificado
não se refere a esta ‘burocracia necessária’, mas sim a
procedimentos excessivamente controlados e compartimentalizados
que resultam em ações extremamente morosas. Como vimos na
seção dos limites ideológicos e culturais, item inércia operacional do
poder público: manutenção da lógica vigente, há por diversas vezes
procedimentos que não necessariamente significam um controle ou
zelo pelos recursos públicos, mas que são realizados pelos
funcionários públicos, de modo a dirimir responsabilidades pessoais
sobre as decisões tomadas. O depoimento de Cláudio Manetti em “Intervenção Habitacional em
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, nos
aponta diversos problemas, a começar pela morosidade na
contratação de serviços terceirizados, e cita como o exemplo a
contratação de projetos executivos. É certo que, se parte dos
serviços hoje terceirizados fossem realizados por funcionários
públicos, a demora nos processos de licitação seria minorado.
O relato de Maria Souto, também para a dissertação de Francisco
Comaru, nos demonstra a insatisfação do movimento popular ULC
com a morosidade dos processos:
“(...) no dia da invasão do prédio Martinelli, nós estávamos com dois
anos de Administração Luíza Erundina. Naquele dia se somavam 54
reuniões com representantes da prefeitura e o movimento de
moradia por cortiços, dia 8 de abril de 1991. E projeto ainda não
havia começado.” (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:
“Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O
mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:143).
A mesma demora também é identificada nos processos
administrativos da CDHU para o desenvolvimento do PAC. Lia
Ferreira técnica do órgão, gestão Geraldo Alckmin, nos aponta
motivos para que o órgão opere desta forma:
“Se você considerar o prazo de execução de um empreendimento, ele
é longo, mesmo numa obra particular. Desde que você tenha o
terreno, até que seja concluída a edificação, é um processo bastante
lento, desde equacionar o fundiário, até todos os projetos, é normal.
Edificação, casa, não é uma coisa rápida. Ela requer uma série de
atitudes e de procedimentos, para que você tenha um produto, não é
assim num estalar de dedos. (...) Cabe uma informação mais didática
[aos movimentos populares], pois isto é moroso mesmo, por mais que
a gente agilize, se você pegar a sua experiência, ou de qualquer um:
quero construir! Mas tem todo um procedimento, certo? (...) a
128
construção civil é o setor mais burocratizado de todos os outros
setores, porque você está gerando um bem patrimonial, então têm
muitas ações, muitos cuidados que tem que ser feitos. São
procedimentos legais, são procedimentos técnicos, e isso tudo tem
de ser percorrido sim”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta,
estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo
Alckmin).
Da mesma forma, para Sidney Eusébio e Luiz Cavalcanti, da ULC, a
‘burocracia’ do PAC – CDHU torna-se uma barreira às reivindicações
do movimento:
“Diziam que amenizariam os problemas do centro, e nós não
imaginávamos que iríamos enfrentar esse paredão, essa burocracia
de um governo não democrático, não socialista”. (depoimento de
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC).
“O governo do estado tem o projeto do cinema, de trezentas
unidades, que já toma aí quase doze anos no papel. Mas se
considerar a parte política da negociação, tem mais de vinte anos.
Fizemos o mais difícil, comprou o terreno, tirou as famílias, demoliu
o prédio, o cortiço, e aí está lá o terreno no chão criando rato e
barata. O mais difícil nós fizemos e o mais fácil o governo não faz,
que é a construção. Já tem aí, praticamente, desde o terreno vazio,
já faz dezoito meses”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança
popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).
O programa de Locação Social não foge desta barreira. Segundo
Margareth Uemura, os cronogramas de ações do programa estão
todos atrasados. O fragmento de depoimento posterior, de Helena
Silva, demonstra o fato da lentidão na operacionalização do
programa:
“Está atrasado (...) a previsão era que já se tivesse unidades agora
para ser gerenciada. Então teve um atraso de projeto, de execução,
e por isso a gente agora vai ter que correr atrás para tentar ter esse
piloto das 1.600 unidades operando até o fim do ano que vem”.
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
“(...) independente do preço, ou qualquer coisa, você não tem
estruturas operacionais que façam você obter facilmente coisas que
aparentemente são muito fácil de se obter. Existe todo o diálogo
com o movimento social: ‘e por que não isso, e por que não aquilo?’
A gente realmente não consegue, a máquina pública ainda está
muito lenta. Uma parte são dificuldades legais, e outra é
operacionalizar isso, é ter a estrutura adequada, com as pessoas
adequadas, para tomas as decisões adequadas, com tempo e com
recurso chegando a tempo. Então muitas vezes eu acho que
misturando todos os instrumentos que você tem você poderia fazer
muito mais coisas do que você consegue objetivamente fazer. E às
vezes não é má vontade, é que tudo é muito lento, tudo é muito
lento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
129
4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais
“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em
Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já
acumulamos, técnicos nós não temos muito, mas temos o
suficiente, mas mesmo assim eu não conheço nenhum bairro,
nenhuma região da cidade, que tenha sido construída
segundo os preceitos da reforma urbana, que os movimentos
defendem’. Se há um número de técnicos suficiente? Há o
número de técnicos na estrutura das assessorias, que
aglutinam esses técnicos, que estão interessados em
produzir desta forma. (...) As assessorias, do jeito que estão
estruturadas não resolveriam o déficit habitacional, bem
como o poder público, do jeito que se estrutura,
dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa
dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e
participação popular’”.(depoimento de Caio Amore,
arquiteto, assessoria técnica Peabiru)
poucos técnicos e despreparados:
a fazer trabalhos nunca antes realizados
É de se esperar que os técnicos do poder público e das assessorias
técnicas aos movimentos e moradia estejam despreparados para
lidar com as questões que envolvam a produção da moradia social
em regiões centrais. Trata-se de uma novidade. A formação
profissional nas universidades não está voltada para o trabalho com
reciclagem de edifícios, imóveis para locação social, empreitadas
em mutirão autogerido ou apenas em autogestão. Muito menos ainda
estão os profissionais preparados para lidar com movimentos
populares de luta por terra e moradia. Trata-se de uma
irresponsabilidade das universidades diante das necessidades da
população, muitas vezes alimentada pela negligência histórica do
estado brasileiro diante da questão.
A metodologia de trabalho dos programas em estudo tem de ser
desenvolvida no fazer de cada ação. Daí tantos desacertos, erros e
recuos.
Identificamos a presença desse relevante limite a partir da
observação do funcionamento do poder público e das assessorias
técnicas que trabalham com os movimentos populares, bem como
pelos depoimentos coletados. Vejamos algumas colocações
pertinentes à questão, segundo as especificidades dos modos de
produção de cada programa abordado:
“Ainda dentro da esfera pública, outra questão complicada, é a falta
de pessoal formado para isso [trabalho com mutirão autogerido].Essa
formação, no fundo, ela é muito específica, e não ocorre, não
ocorria nas escolas, nas mais diversas áreas, e não ocorria num
processo de reciclagem do poder público. Então, um engenheiro que
estava lá para fiscalizar uma obra, já tinha uma metodologia para
fiscalizar uma empreiteira. Esses técnicos, eles não dispunham de
segurança técnica para trabalhar com os processos de auto-gestão.
Então isso se tornava uma loucura, pois ao mesmo tempo em que
colocávamos o programa para andar, tínhamos de formar uma equipe
para fiscalizá-lo. Outra dificuldade interna violenta”. (depoimento
de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus,
PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina).
130
“Um dos grandes problemas que a gente teve foi equacionar essas
questões todas que a gente não tinha experiência. (...) É um
procedimento que é novo, não existia, então tem todo um
aprendizado mesmo, de todos os técnicos (...)”. (depoimento de
Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP,
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Como o poder público não possui funcionários para dar conta dos
trabalhos demandados pela população, seja por falta de recursos ou
por questões ideológicas (modelo do estado gerencial), a maior
parte das atividades inerentes aos programas são realizadas por
escritórios técnicos contratados. São as assessorias técnicas:
entidades de direito privado sem fins lucrativos que atuam em
parceria com os movimentos populares os assessorando
profissionalmente nas questões enfrentadas em suas lutas pela terra
e pela moradia. Essas entidades são formadas por profissionais de
engenharia, arquitetura, sociologia, direito, dentre outras.
Abaixo, o relato de Ronconi refere-se ao final dos anos 80, momento
de estruturação das assessorias técnicas, para atuação no Programa
Funaps Comunitário, qual foi responsável nos primeiros anos da
gestão de Luíza Erundina:
“Havia outros problemas que influenciavam o poder público, mas
cuja origem era exterior, era a não existência de uma base técnica
instalada também fora da Prefeitura. As assessorias técnicas foram
se formando ao longo do processo do Funaps comunitário, havia
poucas assessorias. Na verdade havia apenas duas em São Paulo, e
durante o processo é que o pessoal foi se instituindo, o que era um
processo de descoberta para todo mundo, para o técnico, para a
organização que ele está montando. O que foi muito positivo, pois
muita gente saiu formada neste processo. Porém para o programa,
na época isso significava um girar mais lento das engrenagens que
deveriam produzir habitações. Isso era uma dificuldade que não dava
nem para a prefeitura, nem ninguém mais conseguir abreviar este
processo, o único caminho que poderia tornar isso mais fácil, era que
a formação desses profissionais tivesse esse conceito sendo
trabalhado anteriormente. Como não existia, não dava para correr
atrás”.(depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza
Erundina).
O trabalho das entidades de assessoria técnica aos movimentos
populares voltou-se inicialmente à condução de mutirões
autogeridos na periferia de São Paulo. Sua atuação nas áreas
centrais da cidade tornou-se mais constante com as ocupações de
imóveis vazios da região pelos movimentos populares. Como já
vimos, trabalhos deste tipo em regiões centrais dotadas de infra-
estrutura são uma novidade, portanto pouca experiência foi
adquirida para estas atividades. Como tem se mostrado de praxe, é
a prática que tem formado esses profissionais. Como os projetos de
HIS no centro têm se mostrado exceções aos projetos de HIS pela
cidade, torna-se ainda mais difícil a formação de técnicos para essa
prática.
Helena Silva, em seu depoimento identifica esse problema:
131
“Eu acho que é um limite no programa sim. Há muito que avançar na
capacitação das assessorias técnicas. Acho que estamos tendo
problemas, e precisamos avançar mais. Estamos tentando
desenvolver isso através de seminários, dos seminários que a gente
fez, parte delas compareceu, estamos conseguindo levantar um
pouco os problemas da reforma, mas eu acho que ainda tem o
problema de projeto”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso
favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta
Suplicy).
Já para o arquiteto ex-integrante de assessoria técnica, Joel Felipe,
a qualificação dos quadros técnicos é suficiente para os trabalhos
necessários para uma produção massiva e de qualidade de HIS no
centro:
“Acho que não há o problema de ‘quadro técnico suficiente e
qualificado’ no poder público. Principalmente se se pode contar com
a ampliação do quadro com o trabalho dos escritórios de Assessoria
Técnica”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica
AD).
Um dado é certo. O número de técnicos qualificados para
desenvolver os projetos de moradia popular na região central de São
Paulo na quantidade e qualidade necessárias é insuficiente. Como
observa Antônio José, do Movimento Nacional de Luta por Moradia,
através do depoimento de Caio Amore, na abertura dessa seção:
“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em
Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já acumulamos,
técnicos nós não temos muito, mas temos o suficiente, mas mesmo
assim eu não conheço nenhum bairro, nenhuma região da cidade, que
tenha sido construída segundo os preceitos da reforma urbana, que
os movimentos defendem’. Se há um número de técnicos suficiente?
Há o número de técnicos na estrutura das assessorias, que aglutinam
esses técnicos, que estão interessados em produzir desta forma. (...)
As assessorias, do jeito que estão estruturadas não resolveriam o
déficit habitacional, bem como o poder público, do jeito que se
estrutura, dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa
dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e participação
popular’”.(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do
gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru)
tecnologia:
haveria um novo ‘ovo de Colombo’?
Por diversas vezes a falta de uma tecnologia nacional para a
produção das moradias populares é apontada como uma das
barreiras à sua produção. Dentre os depoimentos coletados, e as
experiências estudadas nas disciplinas de tecnologia da construção,
este tem se demonstrado um ‘limite dependente’. Ou seja, é fato
que dispomos de técnicas suficientes para o enfrentamento das
questões tocantes à construção civil, mas também é fato que por
diversas vezes elas não são aplicadas.
O que nos parece é que se trata mais de uma questão de
dependência da política, ou da economia política, a sua não livre
difusão entre as obras civis. Talvez royaltes e concentração de renda
excessiva imponham a falsa idéia de que ‘o que falta é tecnologia’,
132
como se para a edificação das moradias de alta renda ela também
faltasse.
Trata-se de um amplo campo de estudo, que infelizmente não
poderemos por hora abordar, pois não dispomos de dados e
informações suficientes.
O depoimento Joel Felipe, da assessoria técnica AD, aponta para
esta mesma conclusão:
“Sobre Tecnologia, permita-me expressar a minha ojeriza por esse
debate, uma vez que permanece a preocupação dentro da
universidade de ficar formando arquitetos-Colombos que precisam
criar ovos (de pré-fabricados de concreto ou argamassa armada, de
adobe, cascas autoportantes, de aço, de solo-cimento...) que possam
reproduzir alojamentos em massa. Como se esse fosse o problema da
habitação popular... Então vamos virar o disco, né?”. (depoimento
de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria
técnica AD).
A faceta da ‘falta de tecnologia’, compreendida como um ‘limite
dependente’ é revelada em trechos de depoimentos destacados
abaixo. As colocações versam sobre as dificuldades técnicas para
intervenções em edificações já existentes, ou a reciclagem de
edifícios para habitação, devido ao costume das empresas
construtoras em apenas edificar novas unidades e pouco reutilizar
imóveis já erguidos:
“Mas tem também o problema da industria e das construtoras, as
indústrias de componentes que não está acostumada. Temos de fazer
um esforço maior aí para melhorar a tecnologia da reforma, sem a
menor duvida”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela
do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
Como há o limite de custos para a produção da moradia social,
devido às questões tratadas na seção limites da política formal, item
falta de recursos: o discurso da limitação financeira do estado, as
reformas de imóveis podem tornar-se um empecilho para a moradia
social, pois durante as obras há sempre a possibilidade de alterações
orçamentárias devido aos imprevistos de projeto, como nos
explanam Marco Antônio e Kennedy, atores envolvidos no projeto
Riskalah Jorge:
“Dentre os dificultadores (...) em terceiro: chegar ao produto ideal
(muito complicado); (...) a insegurança muito grande com relação ao
orçamento apresentado. Como são prédios na maioria bem antigos
da década de ’40, ’50 em alguns sequer tínhamos a planta original
dele lá atrás. Tínhamos que fazer mais um trabalho de prospecção.
Alguns lugares, com alguma planta antiga de estrutura que você
tinha, achava que tinha um pilar passando num lugar; quando você ia
mexer, não era lá, aparecia em outro lugar. Lugar que você achava
que não tinha uma viga, aparece. Então tudo isso fazia com que seu
orçamento previsto desse um furo grande. Então acho que hoje ainda
a dificuldade grande nossa é poder fazer um orçamento bem
detalhado das interferências que nós vamos ter que fazer”.
(depoimento de Marco Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge,
técnico da CEF, PAR, gestão Luiz Inácio Lula da Silva)
“A dificuldade maior foi na questão de verba, né? Por que a gente
tinha orçado o valor e estourou esse valor, por que reforma você
133
tem muito imprevisto pelo caminho, você não sabe o quê que vai
aparecer, você começa a quebra uma parede e caem três ou quatro,
esse é o grande problema entendeu? O problema financeiro foi um
obstáculo grande para a gente. No PAR não há aditamento, e você
tem valor fixo, que fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou
com os custos que teve extra aí, e está arcando até hoje. Por que
tem algumas manutenções, as vezes é uma água que vaza, está tendo
manutenção, e a tendência de manutenção é piorar, pois o pessoal
vai começar a morar, e os problemas vão aparecendo. Obra sempre
tem problema, ainda mais reforma”. (depoimento de Kennedy,
engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos
Imobiliários).
134
4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas
“Há uma pesquisa, realizada pela Poli, que nos dá o custo da unidade considerando
a máquina. Eles estudaram quantas unidades são produzidas, qual o valor dela,
somado às folhas de pagamento do órgão, entre outros gastos. (...) A conclusão que
eles chegaram é que o custo da unidade da Cohab é uma coisa extremamente cara.
Você tem uma estrutura enorme lá, e quantidade de unidades produzidas ridícula.
Isso chegou a um valor tal (em dinheiro, lógico que não em política) que valia mais
a pena ter apenas um escritório que comprasse unidades produzias pelo mercado, e
repassasse para o pessoal, do que uma máquina montada para fazer as coisas”.
(depoimento de Caio Amore, arquiteto, assessoria técnica Peabiru)
operacionalização:
estrura ineficiente na gestão das ações
A escala de produção responsabilizada aos órgãos públicos que tem o
papel de gerir e executar as políticas habitacionais é enorme. As
dificuldades enfrentadas por estes órgãos em fazer cumprir sua
importante missão, de não apenas produzir unidades habitacionais
em quantidade suficiente, mas de dar-lhes um caráter de ‘política
pública’, com a qualidade inerente a cada cidadão não tem se
mostrado uma tarefa fácil.
Os órgãos públicos estão suficientemente organizados para cumprir
essas responsabilidades?
Segundo a bibliografia visitada, e os depoimentos coletados, a
resposta é não. Temos aí um novo limite, a falta de organização e
de estrutura dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas de
habitação social, especificamente as voltadas para a região central.
Muitas vezes o problema é estrutural. A máquina pública
historicamente nunca foi pensada para trabalhar com estes
objetivos. Seu arcabouço organizacional está começando a ser
montado, como demonstra o depoimento de Cláudio Manetti para a
dissertação de Francisco Comaru:
“(...) no começo de 90 começaram a pensar na coisa de um programa
de cortiços, me colocaram como coordenador (...) Não tinha sala,
tive de serrar o cavalete na mão para poder apoiar uma prancheta,
coisas assim, não tinha secretária. E o nosso desconhecimento da
administração pública. (...) lá na prefeitura nós tivemos essa coisa
assim: precisa de um projeto dessa ordem? Custa x. Qual é a classe
de licitação que ele vai cair? Então monta lá. Quem monta? Bola
pingando na área” (Cláudio Manetti, in: “Intervenção Habitacional
em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”.
Comaru, 1998:137).
Quando questionada se a Cohab está atualmente preparada para
uma produção massiva e de qualidade de unidades habitacionais de
interesse social no centro, Margareth Uemura, técnica do órgão
respondeu:
“Acho que não, a gente vai se estruturar para isso. E por isso, todo o
resto a CoHAB já faz, a avaliação... todo esse procedimento é um
procedimento que entra na linha da COHAB. Qual é o procedimento
que a COHAB não tem? (vamos dizer assim, não tem por que a gente
vende a unidade habitacional ), é mais a tutela. Por que tá cheio de
inadimplência... então, no fundo, a COHAB já faz um trabalho via
135
assistentes sociais, nos empreendimentos que são ‘dívida em dívida’.
Só que como a gente acha que a operação para locação social é muito
mais assistida, tem que ser muito mais acompanhada, a COHAB está
querendo montar uma estrutura especial para o acompanhamento.
Então estamos contando que a HABI se encarregue de toda a parte
social, e toda a parte financeira e administrativa a COHAB faz o
acompanhamento. HABI também já tem uma avaliação que também
já dá conta disso. Então qual é o grande trunfo que a gente tá
querendo trabalhar? É capacitar a ponta, que são os moradores, para
fazer a gestão. É lógico que isso tudo é uma perspectiva de melhorar
a operação. Agora isso não exime a COHAB de convocar o que é dela,
manutenção vai ter que ter. Então não tem estrutura hoje pra isso,
ela vai ser montada”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de
caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
Suplicy).
Outros órgãos mereceriam uma revisão em sua organização
operacional, segundo a arquiteta Isabel Cabral, da assessoria técnica
Ambiente, contratada para a realização de diversos projetos para a
CDHU, órgão em questão:
“Eu acho que eles têm corpo para isso, é o que me parece, mas eu
acho que às vezes, por um lado tem pouca gente, por que a coisa não
anda, e por outro lado, em outros momentos eu acho que é
superdimensionada. Está sobrando e está faltando, eu acho que ela
tem de ser revista, tem de ser reorganizada”. (depoimento de Isabel
Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).
Diante da grande escala de produção desses órgãos, eles enfrentam
questões quanto à massificação e estandardização de suas soluções
projetuais, o que tem levado a soluções muitas vezes sem
qualidade, como veremos na seção limites arquitetônicos. Os
técnicos destes órgãos aprovam apenas projetos de arquitetura que
possam ser facilmente fiscalizados e aferidos. Qualquer alteração
das normas, ou um desenho diferenciado é visto com maus olhos:
“Fazer um piso de qualidade, já que vai abrir para a cidade:
propusemos um piso orgânico. E a Cohab disse: ‘poxa, mas isso daqui
como é que executa?’, aí e explicamos como executar. (...) A gente
sabe aqui como é a Cohab, a construtora, no começo, fala que faz
aquilo, e aí chega no final, a construtora está desgastada, já pediu
mil aditamentos, e acaba que fica ruim. E a Cohab não consegue
acompanhar isso. Aí discutimos, para que então toda a estrutura da
Cohab, a final de contas, que só está aí para avaliar projeto,
contratar e acompanhar obra. Se não vai fazer isso, se vai depenar
de novo o projeto, para que serve a Cohab?”. (depoimento de Caio
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica
Peabiru).
136
relação inter-secretarial intra-governamental:
atomização setorial e falta de integração
Uma nova barreira ao eficiente funcionamento dos programas de HIS
no centro é a falta de um relacionamento e, conseqüentemente, de
ações integradas entre as diferentes secretarias de um mesmo nível
de governo. As pastas não se articulam para potencializar os
resultados e o alcance das políticas habitacionais, que muitas vezes
ficam fragilizadas por suas ações isoladas.
Podemos apontar, apenas como exemplo da existência desse limite,
que se mostrou presente nos quatro programas estudados, o
depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC. Ele nos relata a
falta de integração entre as frentes de trabalho promovidas pelo
Governo do Estado, geridas pela Secretaria do Emprego e Relações
do Trabalho, e o Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela
CDHU. Se os programas fossem integrados, certamente o nível de
inadimplência no pagamento das prestações das unidades
habitacionais não seria tão elevado81, pois as famílias não sofreriam
de desemprego e de salários baixos.
Reproduzimos abaixo dois trechos de depoimentos que tratam do
tema, como breve identificação de sua existência. São depoimentos
de Margareth Uemura, técnica da Cohab, e de Caio Amore, arquiteto
da assessoria técnica contratada para a realização do projeto
executivo dos edifícios da favela do gato.
Segundo Uemura, a ação inter-secretarial no programa de Locação
Social é um ‘modelo’ que deve ser seguido pela gestão de Marta 81 Os dados exatos da inadimplência nos empreendimentos do PAC não foram fornecidos pela CDHU, mas o depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC, nos informou que ‘são altos’.
Suplicy na PMSP, mas que para sua efetivação tem enfrentado uma
série de ‘desafios’. Identificamos abaixo as dificuldades para sua
implementação.
O depoimento de Caio Amore recai sobre o mesmo programa, qual
acredita funcionar aquém de um trabalho inter-secretarial:
“A favela do gato, que é uma das primeiras áreas de locação social a
entrar em obra, tem uma especificidade de tratar a favela do gato
como um todo, não só a parte habitacional, então ela tem um terço
de área habitacional e os outros dois terços ocupados com outros
usos. E eu acho que o grande desafio da favela do gato é para a
gente conseguir fazer a área toda. (...) E a gente tem uma
dificuldade de gestão, porque a gente tem várias secretarias atuando
lá para se tornar esse projeto o modelo que a gente quer. Que é ter
habitação, área verde, a revitalização do espaço do CDM, que
queremos dar outro uso, e inserir aquela área no Bom Retiro, que é
outro desafio, e que a gente tem um projeto viário com a Siurb”.
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
“No gato, a Cohab está de um lado e Habi do outro. Uma faz o
projeto e a obra e a outra faz o social. O quê é essa integração? É
cada um fazer o seu papel, ou é pensar o problema junto? Cada
poderia trazer sua ótica, e fazer uma discussão disso, junto com a
população local. (...) Falou-se que o gato seria o plano inter-
secretarial, mas eu como projetista nunca participei de reuniões com
outras secretarias. (...) Parece que houve reuniões antes de
fazermos o projeto. (...) Deve-se qualificar o que é essa integração.
(...) Não há uma coordenação do projeto que seja integrada. Por
exemplo, ter reuniões periódicas dessa comissão, e transformar isso
137
em trabalho, mesmo”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso
favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru).
O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato
exprime sua desconfiança em relação às ações intersecretariais de
geração de em prego e renda, prometidas pela PMSP:
“Eles [PMSP] falam que vão resolver o problema de trabalho, vão
fazer cooperativas. Mas como vai saber quanto vai ganhar isso aí, às
vezes vale mais a pena ser mesmo carroceiro. Mas como até agora é
tudo papo, a gente não sabe. A gente não sabe que emprego que
é”.(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança
popular, morador da favela do gato).
bases de dados:
por onde e com quem começar? Para a organização e o embasamento das ações do poder público
faz-se necessária uma base de dados acerca da demanda por
moradia na região, dos imóveis encortiçados em que ela se
encontra, do valor dos imóveis e das condições de operação do
mercado, dentre outras informações. Segundo os depoimentos
coletados e a bibliografia visitada, a prática da organização de
dados pelos órgãos do poder público para intervenções habitacionais
tem se mostrado falha, ou até inexistente.
Nos programas estudados, a falta de dados não se apresentou como
uma barreira limitadora à produção da moradia social no centro,
devido à presença de problemas mais amplos e estruturais. Caso o
poder público dispusesse das bases de dados necessárias, não
teríamos uma significativa alteração da atual escala e qualidade de
produção. Se as barreiras mais centrais à produção deixarem de
existir, os efeitos da não existência de bases de dados poderiam ser
mais bem observados. O que ocorreria seria uma melhor aplicação
dos recursos públicos, a fim de potencializar sua aplicação, pois
desta forma os órgãos públicos poderiam planejar onde, quando,
com quem e como intervir.
Como identificado em outros itens, a falta de uma base de dados
não se trata de um limite estanque, mas de mais um dificultador,
que se não existisse facilitaria e potencializaria o alcance dos atuais
programas habitacionais.
Cada programa, segundo sua lógica de funcionamento necessita de
mais ou menos dados para a operacionalização de suas ações. Há
dados em falta, bem como dados em excesso. Segundo depoimentos
coletados há um mau planejamento acerca de quando e quais dados
são realmente essenciais à condução desses programas, pois:
“(...) não adianta ter uma grande base de dados, se não for ter
investimentos naquela área. Estamos pensando assim, onde formos
investir, é preciso conhecer melhor a área a se investir”.
(depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,
engenheiro civil, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
138
“Eu acho que é importante ter base de dados, agora eu acho que tem
horas não vale a pena. A realidade do centro é dinâmica, então não
adianta você ter levantamentos muito detalhados, num determinado
momento. Acaba se gastando muito em levantamentos, e depois não
os mantém”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do
gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
“Falta uma discussão um pouco mais séria de qual a base que se
precisa. Por que senão vai sempre justificando: ‘não fazer por que
não tem uma base’. O Morar Perto foi um pouco isso: ‘antes vamos
fazer um levantamento’, aí demorou dois anos para contratar os
levantamentos, para ter uma base que no final do levantamento já
está desatualizado, por que a dinâmica do mercado imobiliário é
louca. Aí chega no final e fala: ‘ah, essa base já não funciona, então
vamos fazer de novo’. Então ficaremos só fazendo bases de
levantamento e não se atua no programa. Falta uma discussão mais
qualitativa, sobre qual base de dados de cortiços seria estratégica
para as intervenções nos cortiços”. (depoimento de Caio Amore,
estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru).
Segundo Joel Felipe, o Funaps Comunitário, em sua atuação na
região central através do Programa de Habitações da Região Central
de São Paulo, não dispunha de dados precisos acerca das carências e
potencialidades da região. Quando eles começaram a ser tratados
com maior cuidado, não puderam mais ser utilizados, devido a
mudança de gestão, como vimos na seção limites da política formal,
seção o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral
e o apagar da história adversária.
É certo que, como já comentado acima, se a PMSP dispusesse de
mais dados os resultados do programa não sofreriam significativa
alteração:
“Não [não havia uma base de dados]. Quase no final do governo, se
não me engano, foi contratada por HABI uma consultoria de Maura
Veras Pardini (PUC-SP) para o trabalho sobre dados do IBGE para a
definição do déficit de moradias em cortiço. Mas acho que já não foi
utilizado para nada”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, assessoria técnica AD).
O programa PAC, da Cdhu, dispõe de levantamento socioeconômico
das famílias moradoras em cortiços e físico, dos imóveis em que
habitam, realizado pela fundação Sead, em 2000. Esses dados foram
coletados nos setores básicos de intervenção, divisão territorial que
organiza o programa. O programa não dispõe de dados sobre o
mercado imobiliário suficientes para a aquisição dos imóveis, como
relatado por integrantes dos movimentos de moradia do centro em
reuniões da coordenação da UMM.
A CEF dispõe de dados pontuais acerca do mercado imobiliário de
locação da região, pois suas agencias estão em parte localizadas em
imóveis alugados. Outras informações são normalmente adquiridas
através de consultorias específicas, também pontuais.
Os banco de dados da Cohab, órgão executor do programa de
locação social está em fase de construção, e atualmente tem se
utilizado de dados produzidos por entidades privadas. Segundo
139
Margareth Uemura, a PMSP pretende organizar um ‘observatório’ do
mercado imobiliário da região, mas que atualmente encontra-se em
fase de projeto.
“Não [há uma base de dados]. Na verdade essa base [de dados] está
sendo construída. Acho que tem um avanço em organização de dados
no centro, que o pró-centro já vem fazendo há algum tempo. Hoje, a
COHAB conta com uns dados que estamos recolhendo via alguns
organismos como o SECOVI, CRECI, que estão se dispondo a abrir
esses dados. Uns dos projetos do Pró-Centro é ter um observatório.
Então os dados hoje estão em montagem, servem para uma análise,
uma discussão, mas não é ainda o que se deseja. A falta desse
observatório é um nó. É um nó”. (depoimento de Margareth Uemura,
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
estoque de terras:
não há uma política fundiária favorável
Muitas vezes uma política de terras é reivindicada pelos movimentos
de moradia, e é tida como inexistente. Partimos do pressuposto que
atualmente há uma política de terras em implementação pelos
poderes públicos, mas que não tem se mostrado favorável à
produção da moradia social no centro. Vejamos como se dá essa
política, de forma breve:
“A dificuldade hoje é não ter um banco de terras”. (depoimento de
Luiz Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,
integrante da ULC).
“O governo não tem um banco de terras, não tem áreas próprias, ou
de imóveis no centro, pois depois os custos recaem sobre as costas
das famílias”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
Os depoimentos acima reproduzidos identificam a falta de um
planejamento por parte do poder público no que se refere à
consolidação de um banco de terras, ou um estoque público no
centro que subsidie as ações dos programas habitacionais.
Historicamente os estoques de terra para as políticas públicas de
habitação têm se localizado nas franjas da cidade, nas distantes
periferias, como vimos na seção limites ideológico – culturais, item
pré-coceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio-
espacial.
A consolidação de um estoque de terras públicas no centro é
necessária para que a escala da produção habitacional passe das
intervenções pontuais a uma produção massiva. Devido a questões já
tratadas nos limites da política formal, como o pouco empenho de
recursos para a implementação dos programas, a não realização de
um estoque de terras resulta em entraves estruturais nos programas
habitacionais, que sofrem de falta da matéria prima essencial para a
produção das unidades: terra.
O Programa de Habitações da Região Central de São Paulo, da PMSP
gestão Luíza Erundina, sinalizou algumas ações que levariam a
criação do que poderia se chamar de um estoque de terras, mas que
foi limitado por sua escala, pequena:
140
“Timidamente, havia um estoque de terras, através do Sub-programa
de Cortiços. Foi criada uma linha que destinava recursos
diretamente a Associações de Moradores de cortiços para a aquisição
dos imóveis onde moravam para a reforma ou produção habitacional.
Acho que foram somente 5 ou 6 terrenos bem pequenos (em torno de
1.000 m²)”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, assessoria técnica AD).
A CEF tem até então efetuado apenas a compra dos imóveis
destinados ao PAR, não realizando um estoque prévio, capaz de
interferir nos preços do mercado da região. Além de, por lei, ser
obrigada a efetuar as transações imobiliárias segundo os preços
estabelecidos pelo mercado. Portanto, se o mercado trabalha com
valores irreais, como visto na seção limites ideológico-culturais,
item especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema
econômico, a CEF tem de segui-los.
A arquiteta Lia Ferreira, técnica da CDHU, nos informou que para a
produção das 5.000 unidades da primeira etapa do PAC, a companhia
está desapropriando imóveis na região, mas não dispunha da
quantidade e o valor específico das desapropriações e nem de sua
localização. Não encontramos dados que nos indiquem ou não a
realização de um estoque de terras pelo Governo do Estado. Temos
aí uma lacuna de informações para que possamos classificar com
segurança a não realização de estoques de terras públicas como um
limite geral a todos os programas. Estamos certos que tais dados
seriam necessários para estudos mais detalhados e aprofundados, o
que não é o caso da presente pesquisa. Desta forma identificamos e
classificamos o limite em questão como geral a todos os programas,
segundo os depoimentos das lideranças dos movimentos populares
logo acima reproduzidos, e a falta de informações acerca da
realização de um estoque de terras pela CDHU, ou seja, pelo
Governo do Estado, gestão de Geraldo Alckmin.
As entrevistas realizadas com técnicos da PMSP nos informaram que
a atual gestão não pretende realizar uma política de estoque de
terras específica do centro. Há uma política geral, para toda a
cidade. Normalmente assim é feito, e quando comparados os valores
dos imóveis, por toda a cidade, normalmente o poder público opta
pela compra da terra aparentemente mais barata, na periferia,
como vimos na seção limites ideológico-culturais, item preconceito
e discrimnação, escala urbana: a segregação sócio espacial.
O depoimento de Margareth Uemura, arquiteta da Cohab, é que nos
informa da situação:
“Não, não chega a ser uma política de estoque. Não, não chega a ser
mesmo por que não tem recurso pra isso. A COHAB tem uma política
de estoque de terra, por que a COHAB agora não tem mais estoque.
Tem uma política de estoque de terras, mas ela é ampla, geral e
irrestrita. Pra cidade toda, ninguém diz que é pro centro. O projeto
do centro não tem uma política de estoque. O que a gente tem feito,
é usando o que tem de informação organizada pelo pró-centro, e as
informações que recebemos via movimento, ou via CRECI, ou via
quem for; estamos tentando montar os potenciais. Tendo o
orçamento, a idéia é ir negociando. Como esses processos são longos,
hoje nós temos 1.600 unidades no programa de locação social. Agora,
141
a primeira pesquisa é dentro da prefeitura, sobre os terrenos
municipais, pra não ter despesa na compra da área.” (depoimento de
Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Segundo Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, a criação de
um estoque de terras no centro seria fundamental para os programas
habitacionais do centro, pois ‘com a valorização imobiliária que está
aí’, a produção de HIS num médio prazo vai ser inviabilizada.
Silva também comenta a impossibilidade da realização de um
estoque através do PAR - CEF, bem como dos problemas causados
pelas ocupações dos movimentos populares, que muitas vezes
ocupam imóveis que seriam destinados para uma renda maior,
atropelando o planejamento do poder público. É interessante notar
a transferência da responsabilidade pela produção pontual de
unidades para os movimentos populares em vez do próprio poder
público:
“Para mim essas duas coisas seriam essenciais. Uma política
fundiária, que se compõe de instrumentos adequados,
operacionalização muito mais eficiente e recursos específicos para a
política fundiária. (...) Eu tenho falado muito do problema do
estoque, do estoque. Agora, para você pensar numa produção de
larga escala, que vai dialogar com o processo de revalorização que já
está aí, e vai ser muito maior, você tinha que estar realmente
mobilizando recursos em estoque de habitações. Agora, neste
momento, nós não temos linhas de recursos, de financiamento para
fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode fazer estoque. O PAR só
pode negociar o prédio no final da linha. Quer dizer, quando você já
está com tudo fechado, projeto aprovado, proprietário e etc. Então
o PAR, do ponto de vista da relação com a valorização imobiliária ele
é a pior coisa possível. Ele é um programa que tem muito dinheiro, e
não consegue, não vai conseguir fazer um programa de larga escala,
por que ele está sendo atropelado pela valorização imobiliária.
Agora, o problema do estoque também, ele dependeria de um acordo
com o movimento social muito claro em relação a isso. Da maneira
que nós estamos atuando hoje, que é o meu projeto e meu projeto...
Quer dizer, você não consegue trabalhar, você só vai conseguir
discutir o problema do estoque numa discussão mais ampla com o
movimento popular, do quê que é programa de curto prazo. Que
parcela investir no estoque. Por que se você investe mais no
estoque, você tem menos para a produção. Como dialogar com a
questão do médio prazo, com a questão dos compromissos, e que o
estoque não seja, não entre também na linha de ‘bom vamos ocupar
o estoque enquanto ninguém faz nada’. Se a gente não tiver o
mínimo de lógica de planejamento na região central, de gestão, e
dos atores todos entendendo. Os financiadores, os promotores, o
pessoal do projeto e da produção, e os movimentos sociais se
entendendo sobre isso, vai ser muito difícil passar da situação de
projetos pontuais. Essa questão do projeto pontual, nós já tínhamos
apontado naquele seminário de 2000. A gente já tinha falado muito
sobre isso, que os da Luíza Erundina tinham sido pontuais. Eu receio
que realmente a gente continue com coisas pontuais com o PAR, se a
gente não conseguir definir essas questões maiores”. (depoimento de
Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab –
Pró centro, gestão Marta Suplicy).
O depoimento de Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica
Peabiru confirma a política da PMSP de não direcionar recursos para
142
a consolidação de um estoque de terras na região central, e é crítico
quanto a isso:
“(...) Pois como que a reforma urbana é vista, como que é tratada a
política para áreas públicas, tanto de consolidação de um estoque de
terras, quanto as que já tem, como que se trata tudo isso, é um
problema. (...) Uma política de estoque mesmo, eu não conheço.
Parece que os hotéis, hoje de moradia provisória, parece que
poderão possivelmente ser requalificados, com recursos públicos,
caixa ou CDHU. É aquela história, a PMSP tem construído essa
política sem recursos próprios, só articulando recursos externos”
(depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do
gato, assessoria técnica Peabiru).
143
4.1.4.1.6 limites arquitetônicos
“Nossos projetistas,
ao invés de aumentar o banheiro,
querem diminuir o nenê!”
Suzana Pasternak82,
Apresentamos abaixo os limites arquitetônicos à moradia social no
centro de São Paulo. O fazemos por último dentre os limites gerais a
todos os programas, pois observamos que o projeto arquitetônico é
decorrente de todos os limites anteriormente identificados. Trata-se
da materialização possível aglutinadora de todas as dificuldades
mapeadas. O projeto de arquitetura sozinho não tem o poder de
‘milagrosamente’ resolver a falta de qualidade e a insuficiência
quantitativa das moradias populares no centro. Necessariamente, os
diversos limites visitados, de ideológicos a legais, de políticos a
profissionais, irão imprimir, cada um deles, uma condicionante
plástica aos projetos de arquitetura.
Por exemplo, o limite da renda baixa das famílias incide sobre a
obrigatoriedade de edificação de unidades de baixo custo, o que,
segundo os limites ideológicos vigentes significa casas de pouca
área, com materiais de baixa qualidade, e localizadas em terrenos
de implantação desfavorável.
Temos novamente, um ‘limite dependente’.
82in: relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:45)
casas de baixo custo:
apertadas, mal iluminadas e superadensadas Há uma dificuldade enorme entre os arquitetos em projetar
moradias que arquitetonicamente imprimam uma qualidade de vida
necessária para uma vida saudável diante de todas as condições
limitantes à produção da moradia social no centro. São casas
pequenas, sem dependências básicas, como área para secar roupas,
sem ventilação e iluminação suficientes.
Se as famílias que habitam as unidades aqui estudadas, tivessem a
possibilidade de habitar em outro lugar certamente já teriam o
teriam feito. Mas como é de se imaginar, a necessidade as obriga a
habitar em tais condições. Desta forma, consideramos os projetos
arquitetônicos estudados, idealizados para as famílias de baixa
renda, como a materialização do limite por hora abordado.
Os apartamentos abordados nos estudos de caso não são moradias
‘de qualidade’, não ‘resolvem’ a produção da moradia colocada no
objetivo da presente pesquisa: identificar os limites à produção da
moradia social no centro, em quantidade e qualidade necessárias
para as famílias de baixa renda.
A característica dos projetos de arquitetura é a materializar as
condições impostas à sua realização. Portanto, se mantidos todos os
limites, barreiras, problemas e dificuldades à produção da moradia
social no centro, o tipo de moradia que buscamos não se fará
possível. Trata-se de um conjunto de questões, que se encontram
intrinsecamente amarradas e inter relacionadas.
144
Observemos os relatos:
Reproduzimos abaixo trechos dos depoimentos de Luiz Cavalcanti e
Gegê, lideranças de movimentos populares de luta por terra e
moradia que acompanharam o desenvolvimento dos projetos:
“Para algumas famílias não foi de acordo [o tamanho da unidade],
aceitou por que não tinha outra opção, mas pela quantidade de
filhos, não dá, tem uns aí que tem cinco seis filhos, então realmente
não dá, é pequeno. (...) Tem família aqui que tem oito filhos, oito
filhos num apartamento desse aqui, como é que fica? Não dá. (...)
Mas comparando como era antes no cortiço, aí mudou para esse
espaço aqui e ficou melhor”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC).
“A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,00 para dar certo83,
ou fazia mais de 20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu isso,
metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da
estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na
estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.
Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,
não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por
isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,
fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela
política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito
aquém do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC). 83 Na época da realização do projeto o limite de custos por unidade do PAR era de R$20.000,00.
As áreas de serviço das unidades são pequenas, e às vezes até
inexistentes, como verificamos no edifício Riskalah Jorge:
“O único problema que eu vejo ali, que o pessoal vai ter que ser bem
educado, é que por ser muito pequena a área de serviço, é o pessoal
não ficar pendurando toalha na fachada do prédio. Isso eu acho que
é uma coisa que vai ficar deplorável se o pessoal não tiver uma
educação, não começar a doutrinar. O único problema do centro que
eu vejo é esse, de o prédio ficar muito fantasiado na parte de fora,
com roupa, toalha. Isso que vai pegar, pois a área de lavanderia é
muito restrita”.(depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso
Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos Imobiliários).
interior de apartamento de aproximadamente 28 m²,
145
edifício Riskalah Jorge: PAR – CEF.
O mesmo edifício apresentou problemas sérios de iluminação nas
unidades voltadas para o interior da quadra. O imóvel teve seus
apartamentos divididos em diversas unidades menores, sendo que
algumas delas ficaram com a área antes utilizada como área de
serviço. O depoimento do engenheiro responsável pela obra de
reforma do edifício nos indica a ‘fatalidade’:
“Sobre os apartamentos escuros? Isso não tem nem que discutir
muito é a sorte do cara que pegar esse apartamento para morar,
(...) o problema é a luminosidade, que tem alguns que é muito
falha, né? Mas nada inabitável, dá para viver tranqüilamente desse
jeito, por ser um prédio alto, ele ventila bem, então não tem
problema de mofo e essas coisas”. (depoimento de Kennedy,
engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos
Imobiliários).
janela da sala de uma unidade ‘dos fundos’, Riskalah Jorge.
Para as famílias moradoras da favela do gato, outro
descontentamento é a tipologia adensada em blocos de
apartamentos que desagradam os anseios das famílias. Sassá,
liderança das famílias é que faz essa consideração:
“Já imaginou num terrenão desse, se fossem casinhas, e cada um
pagando trinta ou quarenta anos, a gente estaria de bom tamanho.
Aí seria a revitalização do Centro. Sem exclusão social. Ia gastar
menos e o pessoal ficava mais animado”. (depoimento de Sassá,
liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela
do Gato).
Passaremos agora a discorrer sobre os limites identificados na
produção da moradia social no centro apenas em alguns programas
habitacionais. Ou seja, aqueles que foram identificados desta forma
não são consideramos ‘estruturais’, ou gerais a toda a produção de
HIS no centro.
146
4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos
Neste grupo de limites apresentaremos os limites ou barreiras
identificados em programas habitacionais específicos. Trata-se de
um grupo de questões inerentes a um ou mais programas, e que não
constituem uma barreira sistêmica ou universal. São problemas
pontuais, que certamente poderiam ser minorados, ou até
eliminados se alteradas as práticas que levam a estas condições. Ou
seja, se um dos quatro programas não apresentou este limite, é
certo que os programas que o manifestaram poderiam ao menos
‘aprender’ com os que não o apresentaram.
4.1.4.2.1 limites ideológico - culturais específicos
especulação produtiva:
normalidade da exploração do operário da construção
“Acredito ser de fundamental importância que a população possa exercer cada vez
mais,
e muito de perto, o gerenciamento de qualquer projeto que lhe diga respeito.
Sem dúvida esse é o grande exercício da cidadania,
normalmente praticado apenas por alguns setores sociais,
que dispõe de espaços de manifestação reconhecidos
e que conseguem influir mais diretamente nas decisões do Estado” .
(Reginaldo Ronconi84).
Novamente discorremos sobre as dificuldades impostas aos
programas habitacionais originárias na esfera da ideologia e da
cultura. Na produção das unidades habitacionais, há uma idéia que
beira o senso comum em nossa cultura construtiva, trata-se da
forma de construção das moradias em estudo. Esta idéia, ou
ideologia nos afirma que os empreendimentos habitacionais devam
ser realizados por empresas construtoras. Seu modo de produção,
muitas vezes imbuído por anseios especulativos, de gerar lucro e
renda a partir da edificação de uma unidade habitacional, resulta
em unidades habitacionais 20% mais caras (no mínimo) do que as
produzidas em autogestão85. Este ‘sobrecusto’, ou lucro, tem muitas
vezes impossibilitado o acesso às unidades pelas famílias de renda
mais baixa.
O depoimento de Gegê, liderança do MMC, é esclarecedor quanto à
posição do movimento em que atua frente ao funcionamento das
empresas construtoras:
“O problema é que ainda há um setor da sociedade que se beneficia
com o Programa, e não é quem vai morar. Quem é esse setor? São as
84 in: “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:53. 85 Para uma melhor apreensão das obras realizadas em autogestão na cidade de São Paulo, visitar: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995. e Comaru, “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, 1998.
147
empreiteiras. Enquanto continuar esta lógica de que quem tem que
construir o PAR, são as empresas gericada86 pela CEF, o cartel das
empreiteiras continuará ativo. Isso pode não ser intenção da CEF,
mas desta forma, ele se mantém. (...) Sem pensar no lucro, eu
poderia chamar um amigo aqui para fazer a reforma daqui do
ouvidor. Apesar de entendermos por que a CEF faz isso. Mas de
qualquer modo um incentivo às pequenas empresas deveria existir.
(...) Poderia ser em autogestão, que para mim significa o homem
controlando o dinheiro, sem pensar no lucro. Pensou no lucro, deixou
de ser autogestão. Já virou um empreendimento imobiliário
qualquer. Parte do dinheiro deveria também servir para a formação
político - ideológica da população, lazer, direito à vida”.
(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah
Jorge, integrante do MMC).
Além de ‘se beneficiarem’ dos programas as obras realizadas por
empreiteiras tem apresentado qualidade inferior àquelas
gerenciadas através da autogestão. Verônica Krol, do Fórum dos
Cortiços, participante de obras autogeridas, nos coloca as diferenças
qualitativas entre os modos de produção:
“A construtora, ela não faz de uma boa qualidade, (...) eu acredito
que tanto na Pirineus, como na Maria Paula, se nós tivéssemos a
86
Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de ‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações realizadas pelo banco.
autogestão, seria feito com melhor qualidade. Claro que ficou
bonito, mas aqui, ali deu umas escorregadas, que não era o que a
gente queria que tivesse feito. Como é pela construtora, qualquer
coisinha ela está aditando. Como nós acompanhamos de perto, a
gente queria saber por quê esse aditamento, questionava. Mas, se
deixava liberado, eles fazem aditamento, e quando você vai ver,
ficou num custo muito alto. (...) A Maria Paula, mesmo no PAR, nós
discutimos o projeto. E quando não estava a coisa bem feita, no
projeto (...) Então eu sempre brigo com o Dr. Paulo [CEF], que se nós
tivéssemos o dinheiro na mão, nós tínhamos terminado o prédio em
muito melhor qualidade que está, e não tinha gastado os R$
800.000,00 com aquela reforma, com certeza. Então tem essa
diferença, da autogestão para a construtora. A construtora visa o
lucro dela. O quanto que ela vai ganhar por metro cúbico de
concreto, eu vi muito claro essa diferença”. (depoimento de
Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum de Cortiços).
A falta de qualidade, indicada por Verônica, e de cuidado com a
escolha dos materiais nas obras realizadas por empreiteiras não tem
ocorrido nas obras por autogestão, como constatou Reginaldo
Ronconi, em sua dissertação de mestrado, para a Escola de
Engenharia de São Carlos:
“Nesses projetos [mutirão do Funaps] foram empregados materiais
que tradicionalmente não são utilizados em projetos para essa
população, ou por ela, seja por que as construtoras em busca da
ampliação dos lucros e fiscalizadas precariamente pelo
empreendedor (geralmente público) empregam material de péssima
qualidade, seja por que a população, quando pratica a auto-
construção, dificilmente encontra no comércio da periferia, material
148
normatizado e de boa qualidade, para todas as etapas da obra”.
(Reginaldo Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento
pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de
mutirão”. 1995:135).
Outra diferença é o menor desperdício de material na obras de
autogestão. O que repercute diretamente em seu custo final:
“Essa é uma coisa importante da auto-gestão: se incorpora por um
lado uma vantagem que é do capitalismo, da iniciativa, do benefício
pessoal e ao mesmo tempo está beneficiando uma produção social,
uma produção apropriada pelo trabalhador e pelo consumidor. E aí
vem todos os outros ganhos: a redução do desperdício que pode
acontecer numa obra desse tipo, que precisa ser melhor
quantificada. Uma coisa é um trabalhador de numa empresa, se ele
não desperdiçar a massa, se ele quebrara menos bloco, se ele não
deixar a areia escorrer quando chove, etc. a vantagem é do patrão;
outra coisa é a vantagem ser dele por que ele também o beneficiário
daquela produção. Essa é uma coisa fundamental: a não alienação do
trabalhador em relação ao produto do trabalho, a questão do
desperdício, a questão da qualidade”. (depoimento de Nabil Bonduki,
in: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:254).
A diferença de custo entre as obras em autogestão e empreiteira
gira em média entre 20 a 40%. O exemplo destacado pela arquiteta
Isabel Cabral, no projeto Pirineus, pelo PAC – CDHU, nos dá um valor
de 27%, como se pode ver:
“O terreno custou 175 mil reais, a construção estava me 17.000 reais
por unidade, em mutirão, hoje eu sei que está em torno de 23.000 a
unidade, por construtora. (...) Eles devem ter dado de BDI em torno
de 17 a 15%, bem baixo, pois queriam ter cadastro, foi oportuno
para eles”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria
técnica Ambiente).
Já no caso estudado por Francisco Comaru em sua dissertação de
mestrado que aborda o mutirão Celso Garcia, pertencente ao mesmo
programa habitacional do mutirão Madre de Deus, na gestão de
Luíza Erundina na PMSP, podemos notar a economia gerada pela mão
de obra mutirante. Este valor é de 10,33% do custo global do
empreendimento, calculados pelo custo médio da mão de obra
aplicada pelas famílias, sem compararmos com os acréscimos de BDI
das construtoras:
“Como aspecto específico das obras realizadas através do sistema de
mutirão, devemos destacar a “economia” realizada pela mão de obra
mutirante. Esta economia tem influência direta nas contas públicas
voltadas à produção habitacional. Computando todas as horas
trabalhadas durante a construção dos edifícios, e dando-lhes um
“valor de mercado”, como pago nas obras de construção civil, e
retirando-lhe 20% de seu valor, devido à sua produtividade
relativamente mais baixa, encontra-se o valor de US$ 283.067,71, se
o valor de cada hora custar US$ 2,26. Dividindo o valor total pelo
número de famílias, cada uma contribuiu com US$ 1.583,81 para a
construção de sua casa. Esse valor, considerado “não pago” pela
PMSP, representa 14,91% do custo de construção, ou 10,33% do custo
global do empreendimento (incluindo terreno). Certamente, se
realizadas as obras por empreiteiras, as unidades teriam um custo
149
mais alto. Para aferir a produtividade da mão de obra (incluindo a
contratada), de maneira comparativa com as médias realizadas nas
obras realizadas por construtoras, chega-se aos valores de 34h/m2
no mutirão e 37h/m2 nas obras tradicionais. Os custos finais da obra
apresentam valores próximos aos realizados em obras da CDHU
localizados na periferia. O valor de construção e do terreno por m²
foi de US$ 310,14”. (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, 1998).
O ‘BDI das construtoras’, acima mencionado significa ‘Bonificação e
Despesas Indiretas’, que incute no valor da obra uma porcentagem
voltada para custos diversos e principalmente, o lucro das empresas.
Wagner Germano, técnico da Cohab nos exemplifica seu cálculo e
sua lógica de funcionamento nas licitações públicas da Cohab:
“No gato, quando fizemos o orçamento chegamos num valor da
unidade, e a Cohab fala: ‘põe 25% de BDI’, então aumenta em ¼ o
valor da unidade para a licitação. Na licitação, a empreiteira vai
baixar um pouco esses preços, pois a base utilizada para orçamento é
feita, sobretudo sobre valores unitários de tabela, pois eles
negociam esses valores em escala, e com garantia de fornecimento.
Então nessas negociações, item por item, eles conseguem baixar
bastante. Enquanto que a Cohab parte dos valores unitários e 25% de
BDI. A empreiteira consegue baixar isso e capitaliza os recursos, é o
lucro, né? E se comparar com o mutirão, se eles conseguirem algum
desconto no valor dos materiais, ou se reverte isso na qualidade da
moradia, ou o mutirão pode optar por devolver os recursos,
barateando o valor a ser pago pelas unidades. Então essa história do
BDI vira uma caixa preta mesmo. Ninguém sabe o que é Benefício de
Despesas Indiretas, que pode ser qualquer coisa, eles põem tudo lá”.
(depoimento de Wagner Germano, arquiteto, estudo de caso favela
do gato, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão
Marta Suplicy).
Nas palavras de Cláudio Bernardes, empresário da construção civil,
podemos notar a diferença de 20% entre o custo real das unidades e
valor de sua colocação para o mercado pela empresa que é
proprietário, na compra, reforma e venda de um edifício na região
central de São Paulo:
“O custo da compra e reforma de cada unidade foi de R$ 40.000,00
em média, já sua venda foi de R$ 50.000,00 em média, em sua
maioria financiados individualmente pela CEF, com prazo de
pagamento em torno de 20 anos, e prestações máximas de R$ 140,00.
O custo da reforma foi de R$ 118,00 o metro quadrado”. (Cláudio
Bernardes, diretor do secovi, in: “relatório do encontro: Habitação
no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau
Usp, 2000).
As obras, quando realizadas em autogestão, são acompanhadas por
escritórios de assessoria técnica aos movimentos de moradia,
entidades sem fins lucrativos contratadas pelas associações
responsáveis pelas obras. O depoimento de Ronconi nos elucida a
existência de preconceitos ideológico - culturais contras essas
entidades, configurando a raiz do limite em abordagem:
“As assessorias técnicas tinham que enfrentar uma cultura
estabelecida de projeto, uma cultura estabelecida de relações
comerciais, uma cultura estabelecida de relações técnicas, com Crea
150
e etc... (...) Nessa história, a assessoria precisava de assistente
social, advogado, às vezes de biólogo, era uma composição
interdisciplinar muito múltipla”. (depoimento de Reginaldo Ronconi,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps
Comunitário, gestão Luíza Erundina).
O programa habitacional que, segundo seus princípios iniciais de
funcionamento, não suportaria obras autogeridas seria o de locação
social, pois o imóvel construído é de propriedade do estado, como
aponta Wagner Germano:
“Há o impedimento para a autogestão, por que o proprietário é o
estado, não é o cara que vai morar lá. (...) Para possibilitar o
programa de LS, temos de fazer primeiro o ‘arroz com feijão’, que é
isso, o estado vai ser proprietário, é gestor dessa encrenca, ele tem
que produzir e oferecer o imóvel para a população interessada, de
baixa renda, que precisa morar no centro. Depois de realizadas as
primeiras ações, aí serão discutidas outras alternativas. Que possam
até aumentar o número de unidades”. (depoimento de Wagner
Germano, arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
Cohab, gestão Marta Suplicy).
o sonho da casa própria:
por que pagar por aquilo que não é meu?
Desde os anos de governo ditatorial no Brasil é presente o discurso,
ou a idéia, de que em nossas vidas devemos necessariamente
realizar um sonho: morar em nossa ‘casa própria’.
Inseridos na lógica da cidade capitalista, ao observarmos os valores
dos imóveis na região central e a renda da população alvo dos
programas, chegamos a uma conta que ‘não fecha’, como já
abordado na seção limites da economia política. Diante desta
‘equação aberta’, torna-se necessária a inserção do fator ‘poder
público’, que insere recursos próprios, ou subsídios (das formas mais
variadas), na produção destas unidades habitacionais.
A partir dos estudos dos programas habitacionais de HIS no centro,
nos deparamos com deferentes formas de enfrentamento da questão
do subsídio e da propriedade dos imóveis. Foram identificadas
diferentes barreiras, de maior ou menos intensidade, em cada
programa.
Antes de apresentar as barreiras identificadas, observemos de forma
bastante breve algumas questões que permeiam o tema.
A questão da propriedade das unidades habitacionais é alvo de
controvérsias ideológicas profundas. Há setores que defendem que a
propriedade dos imóveis deva ser estatal, compreendendo que a
moradia é um direito universal, portanto deveria ser tratada como
mais um dos serviços públicos básicos à sobrevivência humana, como
educação e saúde. Esta idéia foi, e ainda é, muito combatida
durante os governos ditatoriais no Brasil, pois consideravam essa
prática no mínimo inoportuna à sociedade:
“Era la época del trinunfo de la revollución cubana [anos sessenta] y
de los moviminetos de esquerda em Latinoamérica. La influencia de
la Alianza para el progresso, favoreció que los programas se
orientaram a la vivienda en propriedad, y dejaram fuera a los de
151
vivienda en alquiler por considerar-los ideológicamente perigosos”.
(Audefroy Jr, “Vivir em los centros históricos”, 1999:14).
Diante do pouco espaço que dispomos para a apreciação da histórica
imposição ideológica do ‘sonho da casa própria’, limitaremos-nos
apenas a seguir os objetivos iniciais da presente pesquisa, que busca
identificar os limites à produção da moradia social, certos que este
trabalho se trata de uma pesquisa de base, e de que haverá outros
momentos e indivíduos que poderão realizar essa importante
‘conversa’ com o merecido cuidado. Desta forma, apontamos abaixo
trechos bibliográficos e de depoimentos coletados demonstrativos
das diferentes conseqüências de cada modelo de propriedade
adotado.
No programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão Luíza Erundina,
houve um intenso debate sobre o modelo de propriedade a ser
adotado pelo programa. A forma encontrada foi a concessão de um
‘termo de permissão de uso’ provisório às famílias, devido a
questões legais pela demora para a regularização do imóvel,
desapropriado pela PMSP, segundo Cláudio Manetti:
“Outra coisa importante, que não conseguiu se fazer, conseguir ter
clareza, de quem era dono de quê. Tinha uma corrente que achava
que as habitações públicas deveriam ser como equipamentos, já que
há uma alta rotatividade de famílias, isso não era de ninguém, era
público, você tinha um gestor público, (...) Tinha gente que achava
que deveria vender mesmo, tinha gente que achava que não era uma
coisa e nem outra. Pela figura de Habi e pela própria desapropriação
[do terreno], foi a tal da permissão de uso, por tantos anos, não deu
para desafetar”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
Devido à interrupção do programa pelas duas gestões conseguintes,
o modelo de propriedade dos imóveis ainda é alvo de debates entre
a PMSP e os movimentos de moradia, como nos apresenta Luiz
Cavalcanti, liderança da ULC:
“Aqui mesmo, isso [barreira do enquadramento financeiro das
pessoas] se dá aqui no caso do Madre de Deus, (...) hoje nós estamos
discutindo a questão do contrato, e é a dificuldade que nós estamos
enfrentando. Pois quando nós entramos aqui era de zero até cinco
salários mínimos, isso era o que nós sabíamos desde o início do
governo de 89 a 91, e essa era a política. Quando chegou agora, eles
descartaram quem ganha de zero a três salários mínimos. Só estão
considerando a renda familiar de três salários mínimos para cima. E
o que acontece com aqueles que ganham menos? Esse apartamento
que a gente fez, é nosso, por que nós construímos, foi com dinheiro
público, mas ele é nosso, por que nós fizemos em mutirão. É claro
que a gente vai pagar, o dinheiro que entrou a gente vai pagar para
a prefeitura, que é um dever nosso pagar. Só que para aqueles que
tem renda maior que três eles consideram donos e aqueles que não
tem essa renda, não é dono, daí acontece que vai ter uma TPU, vai
morar lá dez, quinze anos, mas não é seu, e você que construiu ele,
você acabou construindo ele, você fez isso todo dia. Agora um
exemplo, eu ganho mais de três salários mínimos e tenho direito de
compra e venda do meu imóvel, enquanto que outro companheiro
que teve a mesma mão de obra, fez o mesmo serviço que eu fiz, e
ele não tem direito de compra e venda, por que ganha menos de três
152
salários mínimos? Essa que é a questão. Estamos debatendo isso, que
as famílias tem fez e ganha um, ganha três, ganha cinco, ganha dez,
tem que ter o mesmo critério. Inclusive tem um encontro sábado, e
depois uma reunião com a Cohab”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC).
Como se pode notar, a formatação de um modelo que agrade os
anseios do ‘sonho da casa própria’, ideologicamente consolidados
nas mentes das famílias de mais baixa renda não é tarefa fácil, pois
segundo a lógica do sistema econômico a que estamos submetidos,
essas famílias não conseguirão pagar pelos imóveis com recursos
próprios. Bem, mas aí a PMSP poderia entrar com subsídios a fundo
perdido e quitar a diferença faltante? Sim. Mas como já
deflagramos, trata-se de uma questão que envolve diversas questões
políticas, e aqui, ideológicas. Limitaremos-nos novamente a apenas
identificar mais esta barreira.
Já o programa PAC - CDHU, segundo as lideranças de movimentos
ouvidas, o modelo de propriedade proposto não tem causado
discordâncias com os anseios das famílias:
“Cinco anos é locação social [arrendamento], e depois você tem a
compra. De alguma forma, eu acho que é uma proposta boa, por que
assim, tem muitas pessoas que ficam no movimento, lutam, lutam, e
aí pegam uma casa, como um apartamento desses da Pirineus, e às
vezes a pessoa pega e vende a troco de dois, três mil reais, quatro
mil, e volta para o cortiço de novo, vai para a favela, ou vai querer
voltar para o movimento de novo. Nós tivemos casos, a gente sabe
disso. Então, talvez cinco anos, a pessoa sabe se ela quer morar ali
ou não, pagou, não deve nada para a CDHU, nem a CDHU para ela e
está pronto”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
integrante do Fórum dos Cortiços).
Segundo técnicos da CDHU esse modelo de propriedade é adotado,
pois a companhia considera que os subsídios são direcionados
especificamente a cada família. Daí, se uma família vende sua
unidade para ‘comê-la’, esse subsídio seria apropriado por uma
outra família talvez de renda não tão baixa quanto a que se deseja
subsidiar.
O mesmo ocorre com o PAR – CEF que tem os subsídios embutidos
nos juros de 6 % (abaixo dos 12% normalmente cobrados pelo
mercado de financiamento habitacional). Daí o arrendamento para
as famílias por 15 anos e a posterior opção de compra do imóvel,
considerado o valor já pago na locação do imóvel durante os quinze
primeiros anos.
O modelo de propriedade que mais tem gerado polêmicas e
enfrentado resistências por parte das famílias beneficiadas pelo
programa, é o da locação social. Neste programa, a propriedade é
do Estado, da PMSP, e é alugado às famílias de baixa renda, segundo
a renda de cada família, a partir de um cálculo de porcentagem,
segundo a tabela na página seguinte:
153
tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo
da renda familiar.
renda familiar
número de
pessoas por
família
comprometimento
máximo de renda
até 2 salários mínimos
(até R$ 480)
qualquer
quantidade 10%
de 2 a 3 salários mínimos
(R$ 480 a R$ 720)
1 a 4 12%
5 a 7 11%
8 ou mais 10%
acima de 3 salários * (mais
de R$ 720,00)
3 a 4 15%
5 a 7 14%
8 ou mais 13%
* permitido apenas famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo (R$240,00)
Fonte: Cohab – SP, 2003.
A posição das famílias moradoras da favela do gato é a seguinte:
“Eu não concordo com o aluguel social, por que é uma coisa que a
gente vai pagar, estar pagando, todo mês vai ter que tirar aquele
dinheiro, e aquele imóvel nunca vai ser nosso. Eu acho que isso não é
um futuro. Ele nunca vai ser da gente. Se fosse nosso, todo mundo ia
pagar. No Cingapura, todo mundo faz um esforço lá para pagar, os
carnezinhos, todo mês. Mas sabe que um dia aquilo vai ser da
pessoa. Aí a pessoa ainda se anima, ela está pagando ali sabendo que
é um futuro. Mas pagar um aluguel social, que a pessoa sabe que
aquilo nunca vai ser dele. Não tem condição.(...) E o carroceiro, que
ganha pouco, vai pagar parte desse pouco, para nunca ser dele? Sou
contra a locação social. Nem que fosse um financiamento de trinta
anos. (...) A maioria é de opinião iludida, com os problemas
enfrentados nos alojamentos, e a locação social, pois falaram que a
gente ia ter um apartamento, uma coisa de cada um, e acaba nisso...
o apartamento que nós vamos mudar nunca vai ser nosso. (...)
Mesmo assim, vai para o aluguel social, e vem o mês de frio ou de
chuva, e ele não vai poder sair na rua, não vai poder pagar, e a
prefeitura põem eles na rua, e vai para outra favela. (...) É uma
meia exclusão ainda, sabe. É meio bom para quem tem emprego
fixo, mas poucos aqui têm”. (depoimento de Sassá, liderança
popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).
“Quando eles apresentaram o projeto, eles falaram que ia ser da
gente. Que ia fazer um carnê para a gente pagar uma prestação todo
mês. E a gente ficou feliz com isso. Só que nessa reunião de agora,
que fizeram, saiu todo o mundo revoltado com esse negócio de
aluguel social. (...) Vai pagar aluguel o resto da vida para a
prefeitura? E nunca vai ser da gente? É igual aluguel. Só que se não
pagar vai para o olho da rua. Acho que ninguém gostou aqui...
Mesmo que sejam dois dormitórios, não ajuda, se eu colocar cinco
crianças, e as outras, que tenho dez?”. (depoimento de Cláudia,
liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela
do gato).
Apesar de serem alvo de um programa que possibilita o acesso à
moradia de famílias de renda muito baixa, e até sem renda, com um
comprometimento de renda aceitável, as famílias ainda se negam a
concebê-lo como viável. Como fazer para que essas famílias possam
154
acessar suas ‘casas próprias’ tão sonhadas? É certo que sua renda
pode, e deve, ser melhorada, mas por quê tamanha dificuldade de
se habitar algo que apenas juridicamente não se tem a propriedade?
Luiz Kohara, técnico de Habi, responsável pela criação do programa
de locação social pondera acerca da questão:
“A discussão da locação social no Brasil é antiga, mas a
implementação nunca ocorreu. Nós vemos toda essa ideologia da
casa própria. O direito da propriedade muitas vezes foi superior ao
direito à moradia, e muitas vezes ao direito à vida: você vê o que
acontece com os sem-terra...”. (depoimento Luiz Kohara,
engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi,
gestão Marta Suplicy).
“Acho que devemos explicar [a favela está contra a locação], por que
eles seriam o público que ficaria excluído de um programa de
financiamento. Outra fantasia que se tem, é que o CINGAPURA é de
propriedade ‘deles’. Não é. Até hoje ninguém tem propriedade de
nenhum CINGAPURA, por que também não é permitido. Fora a
questão da regularização. Na verdade, eles têm uma concessão do
CINGAPURA ( até deu a maior confusão...). Acho que na verdade o
aluguel social procura ser mais transparente: se é locação, é locação.
È um parque público, onde vai se concentrar investimento social,
usando como base a moradia. A gente sabe que não adianta investir,
se não há uma referência à moradia. Quando se dá moradia e
estabilidade [econômica], há uma melhoria social. (...) Às vezes a
pessoa não tem condição de pagar, mas ela quer ter uma mercadoria
para ser comercializada (apesar de não ser dela). Nós achamos que
não, que isso tem que mudar. Nós queremos dar estabilidade para
aquela família. (...) O problema muitas vezes não é a forma de
acesso, é o quanto se gasta para morar naquela unidade e a
estabilidade [econômica]. Esses dois referenciais são mais
importantes do que a forma de acesso. (...) Seria estranho se o
pessoal aceitasse de primeira, se tivesse clareza. Por que é uma
coisa nova, que vai contra a ideologia de nossa sociedade. Mas temos
que ter a convicção de que essa é uma forma possível também. É o
jeito que se tem para garantir o acesso [à moradia] a eles. Tanto é
que o grande problema do PAC é que ninguém consegue pagar. (...)
O que muita gente diz: ‘ Por que faz locação social? Por que não dá
de graça? Eu vejo assim: estamos numa sociedade capitalista. Então
muitas vezes receber de graça, não é receber. Aquilo acaba não
sendo um valor. Por que eles querem um contrato que eles
paguem... existe toda uma pedagogia, onde você sente
responsabilidade. Outra coisa é ter um parque público, onde quando
as pessoas não precisarem mais da locação, possam passar àqueles
que precisam. Acho que a locação [social] é a alternativa na falta
das alternativas. Sabemos que vamos enfrentar diversas
dificuldades, sem dúvida”. (depoimento de Luiz Kohara, engenheiro,
estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta
Suplicy).
Essas ‘dificuldades’ mencionadas por Kohara também já foram
enfrentadas nas negociações com o órgão financiador do programa,
o Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID:
“Primeiro que a nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de
locação social, (...) ela demorou muito tempo, foi uma batalha
enorme. As pessoas não têm idéia do que foi o desgaste que a gente
teve aqui dentro, por que o BID tem todo aquele discurso da análise
155
neoliberal sobre os programas de habitação da Europa e outras. Ele
acha que tem que se privatizar mesmo os parques europeus. Então
por que estar criando um programa de locação social aqui, quando a
tendência em todos os países, que fizeram reformas liberais, por
exemplo, a Inglaterra, foi desfazer os parques de locação social, por
que se tornaram guetos de população pobre com vários problemas
socais, urbanos e etc... então foi muito difícil de convencer que o
programa de locação social, primeiro ele não é único, ele é um
programa que acompanha outros programas, então ele está
destinado a uma população específica, que ele apóia um programa, e
que ele era a única maneira de evitar um processo geral de
gentrificação na área central, que não interessa para ninguém.
Primeiro que as pessoas não vão embora, elas vão ficar aqui, e vão
voltar, vão ficar no cortiço ou na rua, se valorizar. (...) Uma coisa
que fica clara, é que não se vai conseguir fazer na área central
abaixo de uma certa faixa de renda, com casa própria. Eu acho que
duas coisas a gente avançou muito no programa de locação social.
Uma foi montar na prefeitura e ter financiamento, uma outra é a
atitude do movimento com relação à locação social, eu acho que está
extremamente positiva, e eu acho que se a gente tiver uma parceria
com o movimento na gestão, que é a coisa mais difícil, pode dar
certo”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso
favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
O depoimento de Helena Silva considera que os movimentos de
moradia estão de acordo com a forma de acesso à moradia através
da locação social, apesar das famílias que habitam a favela do gato,
desorganizadas enquanto movimento, não concordarem com a
proposta. Essa disparidade de posições e de nível de participação
nas discussões inerentes ao programa será tratada com maior
cuidado na seção limites de gestão dos programas específicos, item
participação popular nos programas: necessidade de melhor
qualificação da prática.
relação estado – associações:
dificuldades de uma relação parietária
Temos aqui um limite ideológico – cultural identificado
especificamente no programa Funaps Comunitário, estudo de caso
Madre de Deus. Os técnicos coordenadores do programa tinham
como um dos objetivos estabelecer parcerias com as associações das
famílias mutirantes e suas assessorias técnicas, indo além da simples
participação popular, tema que será debatido na seção limites de
gestão dos programas específicos, item participação popular nos
programas: necessidade de melhor qualificação da prática. Para
tanto se estabeleceu um convênio entre poder público, Associação
Comunitária para o Mutirão Madre de Deus e assessoria técnica AD,
onde a produção das unidades foi realizada por todos, como
parceiros, ou sócios, cada qual com suas responsabilidades.
O objetivo de uma relação de co-responsabilidade na produção das
unidades não foi atingido por uma série de mutirões. Os
movimentos, acostumados com uma relação de produtor – cliente,
não se comportavam como parceiros do poder público. O mesmo
ocorria com alguns técnicos da PMSP, que se viam no papel de
prestadores de um serviço às famílias.
Pudemos identificar essa dificuldade de postura e de
comportamento na parceria estabelecida entre poder público e
associações de moradores, no programa Funaps Comunitário, a
156
partir do depoimento de Ronconi, coordenador do programa, gestão
Luíza Erundina:
“Acredito que um problema complicado era a organização dos
movimentos, que agiam segundo a possibilidade de atendimento de
uma demanda reprimida, que era muito grande, através de uma
pressão direta, política. Isso até deixou de lado um importante
momento de avançar na própria organização, para se qualificar para
o programa e daí pressionar não tanto esperando uma resposta como
um cliente, mas induzindo a resposta como um parceiro.
No fundo o programa propunha, a coordenadoria do funaps
comunitário, uma parceria entre poder público, assessoria técnica e
comunidade. A gente propunha o entendimento de que a comunidade
deveria ser um dos empreendedores deste processo.
Agora, este entendimento não era claro nem no poder publico, nem
na comunidade. O poder público queria agir como um executor e
para a comunidade era fácil se deixar levar como aquele que estava
recebendo um atendimento, que era historicamente o que o Funaps
fazia. Essa tensão perdurou durante o programa inteiro.
Claro que isso não dá para generalizar que todos os movimentos
agiram dessa forma, e acho que todos eles foram evoluindo nesse
processo, mas a tensão dessa evolução estava um pouco nisso, que
era de conquistar o status de parceiro, não o status de atendido.
Quer dizer, até que o poder público e o movimento conseguissem
evoluir na compreensão de que o valor da hora trabalhada de cada
um poderia ser entendido como um dinheiro que estava sendo
bancado ali pelo empreendimento, era difícil. Pois para o poder
público parecia ser obrigação deles trabalharem, e para o
movimento, não percebia o valor das horas de trabalho, pois não os
recebiam diretamente. Então para ele visualizar àquela hora
trabalhada como moeda mesmo, colocada no empreendimento, era
mais difícil. Para o movimento, e igualmente para o poder público,
talvez com interesses diferentes, situações e entendimentos
diferentes, mas toda vez que você afirmava que o movimento era
sócio do empreendimento, você tomava pau nas esferas da
prefeitura, e alguns eram sócios a ponto de eles terem comprado o
terreno. Era terreno deles que estava sendo colocado para o
financiamento da prefeitura”. (depoimento de Reginaldo Ronconi,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps
Comunitário, gestão Luiza Erundina).
157
4.1.4.2.2 limites políticos específicos
4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico
clientelismo:
servir apenas aos meus eleitores
A prática do favorecimento de grupos políticos alinhados às gestões
governamentais, demonstrou-se presente em apenas um dos
programas habitacionais. Apenas dois depoimentos identificaram a
existência dessa prática, relatando como ela pode interferir
negativamente no cumprimento dos objetivos dos programas.
A partir da metodologia empregada: coleta de depoimentos dos
agentes participantes do processo de produção habitacional dos
programas públicos, estamos certos de que o clientelismo
dificilmente poderia ser identificado, pois é tema que pode causar
constrangimentos aos entes envolvidos. Desta forma, não temos
como nos certificar da presença ou não desta prática em outros
programas, que não apenas naquele aqui citado.
Reproduzimos abaixo trechos de depoimentos que demonstram a
presença do clientelismo, e como ele se dava, no Programa Funaps
Comunitário, gestão de Luíza Erundina da PMSP:
“Uma terceira dificuldade interna, complicada de se falar até, é
uma prática do clientelismo batendo no poder público. E é interna
porque, claro, trata-se de uma resposta a uma pressão externa.
Eram vereadores, eram líderes de comunidades, querendo conseguir
ali pavimentar melhor o seu caminho para obter o financiamento. E
isso era complicado, pois encontrava eco na máquina. Então você não
conseguia criar de uma vez por todas um único portão por onde
passasse qualquer movimento que tivesse organizado dentro dos
parâmetros que você estava ditando, e este era nosso objetivo. Pelo
menos da coordenadoria do Funaps Comunitário, que estava sob
minha responsabilidade. Era construir um portão que criasse ali uma
lista de pré-requisitos que um movimento devesse possuir, e que não
importava muito qual a origem deste movimento, pois entendíamos
que eram sempre movimentos carentes por habitação,
independentemente de sua filiação política. O que não era o
entendimento de todo mundo. Então sempre tinham ali as pressões
clientelistas e seus reflexos dentro da máquina. Sendo este um
problema complicadíssimo dentro da Superintendência de
Habitação”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza
Erundina).
Abaixo, o depoimento de Salles identifica o mesmo problema, o
considerando como uma ‘restrição’ a uma produção em maior escala
das unidades habitacionais:
“Um terceiro aspecto: a questão da pontualidade e da escala.
Acredito que tem a ver um pouco com a visão política que
preponderava em habi naquela época, ou seja, primeiro a questão
dos movimentos organizados. Segundo, os movimentos organizados
estarem mais ou menos filiados a uma corrente político-partidária.
Então isso gerava uma certa seleção, um certo filtro, que também de
certa maneira entrava como um certo limite. Não sei se exatamente
como uma dificuldade, mas era um critério que de certa maneira
158
restringia, até estrategicamente para aquele momento,
demonstrativo mesmo, e que de certa maneira limitava uma
produção maior”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
Como já mencionamos, esta ‘restrição’ aqui identificada é
específica ao programa referido, o que não impede que a mesma
prática também possa ocorrer nos outros programas habitacionais
em estudo, pelos motivos de seu compreensível ‘sigilo’.
159
4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico
cadastro de seleção das famílias:
mecanismo de exclusão sócio econômica
Como pudemos observar na seção limites da economia política, item
baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação,
parte das famílias de baixa renda não possuem rendimento
suficiente para a compra de unidades habitacionais. Desta forma, há
programas habitacionais que lançam mão de formas de seleção das
famílias de maior renda e conseqüente exclusão das famílias de
renda inferior.
Isto tem ocorrido nos programas PAR – CEF e PAC – BID. Os
programas geridos pela PMSP, seja o Funaps Comunitário ou o de
Locação Social, não possuem mecanismos de seleção das famílias por
renda insuficiente. Todas as famílias inscritas que comprovarem
baixa renda participam do programa. O que ocorre é que as de
renda inferior a três salários mínimos não serão proprietárias do
imóvel.
Segundo lideranças dos movimentos populares filiados a UMM, o PAR
– CEF, quando implementado no centro de São Paulo, tem
possibilitado a inscrição de famílias apenas com renda acima de 5
salários mínimos. No empreendimento Fernão Sales, desenvolvido
pelo MSTC com a assessoria técnica Grão, apenas dez por cento das
famílias que atualmente ocupam o imóvel foram aceitas pelo
sistema de seleção de famílias da CEF. Ou seja, quando finalizada a
reforma do edifício, apenas 10% das famílias poderão habitá-lo. Os
outros 90% deverão necessariamente buscar outro local de abrigo.
Já o PAC – BID tem atendido famílias de menor renda, mas aquelas
sem renda, ou com renda de até um salário mínimo não são
contempladas pelo programa. Segundo Eduardo Trani, técnico da
Cdhu, em seminário organizado pelo órgão em maio de 2003, essas
famílias ‘não poderão habitar no centro’, a não ser que consigam
habitar em uma das futuras unidades do programa de locação social
da PMSP.
O depoimento de Verônica Krol, Sidney Eusébio e Luiz Kohara
ilustram de modo breve a situação enfrentada por essas famílias:
“Hoje a CEF e a CDHU não exigem que você esteja registrado, que
comprove renda, essas coisas, mas ainda tem o raio do cadastro que
é feito lá. É uma ficha cadastral, em que fazem umas cinqüenta
perguntas para a pessoa, que a pessoa acaba ela mesmo se
excluindo. Por que quanto mais coisa você paga, menos chance de
entrar no projeto você tem. Por que se tivesse um subsídio, isso não
iria acontecer, de precisar excluir a família por conta disso”.
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
Fórum dos Cortiços).
“O governo não tem o bom senso de uma mudança nos critérios de
seleção das famílias”. (depoimento de Sidney Eusébio, estudo de
caso 21 de Abril, liderança popular, integrante da ULC).
160
“Por que dentro dos critérios do PAC - BID grande parte da população
dos cortiços tá fora. Por que de novo, aquele problema que tem na
CEF e na CDHU. A história de comprovação de renda é um critério
rigorozíssimo, não vai atender [a demanda]”. (depoimento de Luiz
Kohara, engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
Habi, gestão Marta Suplicy).
161
4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos
lei 8666:
limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público
A lei de licitações promulgada em 1993 pelo então presidente em
cargo, estabelece regras para o relacionamento comercial do Estado
com a sociedade, nos atos de compra de bens ou serviços acima de
um valor determinado, exigindo que todas essas transações
comerciais devam ser efetivadas através da licitação pública.
A referida lei é popularmente conhecida como ‘lei 8666’, e tem
como objetivo, segundo os princípios do ‘Estado gerencial’, tentar
impedir qualquer forma de favorecimento de empresas ou outros
grupos econômicos privados nas transações comerciais Estado –
sociedade.
Como já abordado na seção limites jurídico-legais, item uso misto:
programas públicos não o comportam, os imóveis de HIS edificados
por programas públicos, têm de inicialmente ser de propriedade
estatal. Para tanto o Estado tem de adquiri-los cumprindo os
ditames da ‘lei 8666’.
A tentativa de aplicação desta lei na compra de imóveis de forma
direta pelo poder público tem se demonstrado juridicamente difícil,
segundo o depoimento de Fernando Aith, advogado da Cohab, em
seus trabalhos recentemente realizados:
“O artigo 24 inciso 1870 da lei 8.666 autoriza a compra direta de
imóveis quando é um imóvel que atende às especificidades. Em tese
a gente até poderia comprar, com base nesse artigo da lei de
licitações, direto. Em que escolhemos, e pela falta de imóveis, é
geralmente o único que tem disponível, e compramos, justificamos.
Essa é uma das possibilidades. A outra é fazer um processo
licitatório falando ‘A COHAB quer comprar imóveis com tais
características, quem quiser vender, venha’, é uma licitação, com
competição, e tal. E a outra é a desapropriação. A gente [COHAB] só
está usando a via da desapropriação, judicial ou amigável, conforme
for. Por que tem dado muito problema junto ao tribunal de contas e
ministério público a compra direta. Essa justificativa de dizer que
deve ser tal imóvel é uma dificuldade convencê-los da necessidade
daquele imóvel. E um procedimento licitatório é quase impossível de
se fazer um critério objetivo de classificação, dizendo por que
imóvel x é melhor do que y. Tem dois imóveis, como vou saber qual é
melhor? A gente até tentou elaborar um edital, mas paramos no
meio por que é muito difícil. A desapropriação é mais simples,
envolve todo esse mesmo trabalho que envolveria uma compra
direta. Mas aí você faz um decreto de necessidade social, interesse
social etc. Homologa-se judicialmente um acordo. Então os gestores
públicos não compram direto por medo. Por que tem muito
problema, ou pra justificar o imóvel escolhido, ou pra justificar o
preço pago, sempre inventam algum problema. Se você faz pela via
87 “para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)”
162
judicial, acaba tendo homologação judicial que supera todos os
questionamentos, por que o juiz acompanha, tem laudo judicial”.
(depoimento de Fernando Aith, advogado, estudo de caso favela do
gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
Apesar de considerar a desapropriação, ou DIS - decreto de Interesse
Social, ‘mais simples’ que a compra direta ou a licitação, sua
aplicação tem se mostrado problemática e demorada pelas
companhias Cohab e Cdhu.
Já na gestão de Luiza Erundina, anterior a aprovação da Lei 8.666, o
acesso aos imóveis do Programa Funaps Comunitário no centro se
deu através do DIS. Desde então este processo tem se mostrado
moroso e mais caro, quando comparado com a compra direta do
imóvel pela associação das famílias moradoras, como realizado no
‘subprograma’, também gerido pela PMSP, Sehab – Habi, na gestão
Luíza Erundina:
“O tempo que nós levamos para obter os imóveis foi um tempo muito
longo, por quê nós não encontramos outro meio, a não ser por
desapropriação. A idéia que nós tínhamos, e eu acho que é a idéia
mais interessante, é a idéia de se fazer uma permuta. (...) de uma
certa maneira, a gente iria gastar muito menos dinheiro que
desapropriar. Por que o juiz estabeleceu, junto com o perito, o valor
potencial que é o preço lá na frente. Então você comprava o imóvel
degenerado, que valia aquilo, por um valor lá na frente, como se
fosse um imóvel muito bom. Com base nisso, desenvolvemos um
subprograma que passaria os recursos para as famílias comprarem
diretamente os imóveis (...) negociando com um valor de mercado
real”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, PMSP, Sehab –
Habi, gestão Luíza Erundina).
Atualmente, a Cohab retornou à aplicação do DIS, que tem durado
por volta de três meses, apenas quando amigável, ou seja, quando o
proprietário do imóvel concorda com sua desapropriação. Quando
este não concorda, os prazos têm durado tempo maior. Segundo
Margareth Uemura, técnica do órgão, não tem sido ‘ruim’ o método:
“O que a COHAB conseguiu foi fechar tudo em três meses. O
problema é que os três meses é o prazo ideal, se o proprietário não
negar, se o juiz não pedir perícia, se ele... várias coisas; aí você
consegue fechar esse processo num período curto. (...) A DESAP diz
que demorava um ano pra fazer isso. O fato da COHAB poder
operacionalizar a desapropriação não é ruim. E se for amigável, acho
que não é problema. E tem sido amigável”. (depoimento de
Margareth Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP,
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
A Cdhu também tem aplicado o DIS para a aquisição de imóveis, o
que tem tomado, segundo Lia Ferreira, tempo considerável dos
empreendimentos de HIS da companhia, que o caracteriza como
‘moroso’:
“A CDHU, também como agente promotor, não apenas no PAC, um
dos grandes problemas é o acesso a terra. Por sermos uma empresa
pública, a gente não tem nenhuma compra direta. São todas
concorrências, portanto não existe a possibilidade de a gente
comprar diretamente qualquer coisa, e dentro disso, os terrenos.
163
(...) Portanto a maneira que encontramos de ter acesso a terra foi
através do DIS, Decreto de Interesse social.
Este processo, independentemente do órgão publico, é moroso.
Então nós realizamos um diagnostico da área, mapeamos as
oportunidades, simulamos uma intervenção conforme as regras do
PAC e observamos sua viabilidade. Se o empreendimento atender
nossa demanda então realizamos o DIS. O DIS tem um processamento
meio lento, antes ele era mais moroso, agora já houve a supressão
de algumas instâncias, então ele foi agilizado, apesar de ainda
requerer um certo tempo. Antes ele durava em torno de dois anos,
atualmente ele foi reduzido para um tempo inferior, que não saberia
dizer qual é. Mas ele é sim a forma que nós encontramos para
realizar os procedimentos. É realizado então um laudo de avaliação,
como qualquer outro laudo existente no mercado, com um
responsável que faz a avaliação. É a partir desta avaliação que
fazemos então a simulação, estando viável, a gente envia então para
DIS com este valor avaliado pelo mercado”. (depoimento de Lia
Ferreira, arquiteta, Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
Segundo lideranças dos movimentos populares de luta por terra e
moradia, as atuais gestões governamentais (PMSP e Gov. Est.) não
têm possibilitado a compra de imóveis diretamente pelas
associações das famílias moradoras. O acesso aos imóveis através do
DIS resulta em valores superiores à compra direta. A diferença entre
os valores, logicamente, tem ser paga pelas famílias, em prestações
mais caras:
“O governo não deixa o movimento negociar os edifícios, que muitas
vezes conseguem negociar diretamente com os proprietários por
preços menores, favorecendo o próprio governo. Mas quando vai
diretamente o governo (...) eles põe o preço lá encima, e aí não se
viabiliza nada. Nem para o movimento, nem para o governo, ficando
lá o imóvel fechado, mais anos e anos”. (depoimento de Sidney
Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, integrante da
ULC).
“O cinema da Moóca e o prédio da São João88, cujos valores ficaram
tão caros que certamente não permitirão que as famílias de
encortiçados possam morar neles. Os movimentos precisam ter
autonomia para comprar e podem fazer isso bem” (p.52). (Verônica
Krol, integrante do Fórum dos Cortiços, in: “relatório final do
encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?”. 2001:52).
Diferentemente da Cohab e CDHU, a Caixa Econômica Federal pode
realizar a compra direta de imóveis. Essa possibilidade tem se
mostrado um fator de sucesso do programa, neste item específico,
quando comparado aos outros programas em estudo. Verônica Krol,
liderança do Fórum dos Cortiços nos apresenta o ‘salto’ da CEF:
“E a outra questão, que esbarra quando você fala que vai fazer
moradia, entra a desapropriação. A desapropriação de terra é
inviável. Então eu acredito que a CDHU, tanto a PMSP, e a CEF já fez
isso, é sair fora da desapropriação. Os governos têm de acreditar nas
entidades que estão fazendo essa luta pelo movimento. Então não
adianta. Nós vimos o exemplo do Hotel São Paulo, o tanto que
demorou. A Joaquim Murtinho, pelo governo do estado, demorou
88 Empreendimentos habitacionais do PAC atualmente em fase de projeto.
164
dois anos para desapropriar um cortiço. A desapropriação em si, é
muita burocracia que trava. A CEF, conseguiu dar esse salto, quando
ela criou esse programa que diz: ‘vocês negociam o valor do prédio,
faz o projeto, aprova e compra o prédio junto com a construtora’.
Mas aí o que acontece? A PMSP e Gov. do estado, tem a tal da lei
8666. Essa lei deveria ser revista, essa lei é que entrava tudo. Então
eu acredito que o governo federal, o senado, o congresso, deveriam
rever essa lei. Por que enquanto existir essa lei, para fazer política
de moradia para a população pobre, eles não vão ter acesso mesmo a
nada. (...) Parece que essa lei virou um bicho para a gente. (...) O
PAC é um programa bom que nós temos do governo do estado,
infelizmente são as leis que os deputados votam. O que demora
mesmo é a desapropriação, é difícil. Se a CDHU tivesse a autonomia
de fazer como a CEF faz, de nós achar um predinho ali, (...) em
qualquer órgão, se fugir da questão da desapropriação, a habitação
vai andar mais rápido. O que pega tudo é a terra, tem que ter uma
outra forma de comprar a terra sem ser desapropriação”.
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
Fórum dos Cortiços).
Marco Antônio, técnico da CEF nos apresenta a questão, que tem
sido resolvida ‘sem problema algum’:
“A relação é de compra. A CEF nem tem poder para desapropriar
ninguém, o único órgão que pode desapropriar seria a PMSP. Mas nós
[CEF] não. É um contrato de aquisição normal, uma relação
comercial, sem problema algum. (...) Em alguns casos os movimentos
até trouxeram os proprietários aqui, sentaram conosco na mesa (...).
Se a CEF tem interesse mesmo em fazer aquilo que o movimento está
se propondo, a gente até esclarece, explica, como é que funciona. Aí
eu acho que ajuda o movimento também um pouco, nesse sentido,
né? Com respaldo da CEF
eles têm o pode de fogo muito maior (...)”. (depoimento de Marco
Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF, PAR, gestão
Luiz Inácio Lula da Silva).
Desta forma, parece-nos clara a presença da barreira imposta pela
lei 8.666, que imprime custos maiores à aquisição dos imóveis, além
da morosidade dos processos burocráticos, quando comparada com a
compra direta por órgão público ou por associação das famílias
moradoras.
lei 8666:
limites à contratação de assessorias técnicas
Da mesma forma que a lei de licitações conduz o acesso aos imóveis
para o DIS, com valores mais altos que a compra direta, o mesmo
tem ocorrido com a contratação de escritórios de assessoria técnica
para a execução de projetos e acompanhamentos de obras através
da auto-gestão. A lei 8.666 tem também dificultado a contratação
desses escritórios pelas associações de moradores. Se realizadas as
obras através da auto-gestão com a parceria das assessorias
técnicas, os imóveis seriam mais baratos que os desenvolvidos por
empresas construtoras, como vimos na seção limites ideológico-
culturais específicos, item especulação produtiva: normalidade na
exploração do operário da construção civil.
165
O depoimento de Verônica Krol aponta para a existência desse
limite, imposto pela lei 8.666, no programa PAC – BID, gerido pela
CDHU. Nos últimos meses o órgão tem se mostrado aberto à
apresentação de propostas pelos movimentos para que o programa
possa também funcionar através da auto-gestão, com a contratação
dos escritórios de assessoria técnica, o que não tem se mostrado
fácil:
“(...) a única droga [do PAC – BID], para falar a verdade, é a
licitação, que tem que ser aberta. Não pode fazer um convênio com
a associação, que era a nossa reivindicação também, que o projeto e
a obra fosse feito em auto-gestão e que o projeto fosse feito um
convênio com a associação para contratar assessoria. E aí isso estava
no PAC, e quando entrou em vigor o diacho da lei 8666, acabou
tirando essas famílias nossas, se não fosse a questão dessa lei, o PAC
seria o programa ideal para a gente, por que atenderia a família
dentro do cortiço, poderia fazer convênio com associação e fazer a
auto-gestão. O que pegou foi aí. Hoje estamos rediscutindo a carta
de crédito com esse subsídio de fazer o PAC reforma, por exemplo,
em auto-gestão. A CDHU deu autonomia para a gente discutir isso, e
agora nós vamos apresentar, e acredito que agora é o momento de
nós fazermos isso”.(depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
integrante do Fórum dos Cortiços).
A atual gestão da PMSP também tem buscado alternativas de
produção dos imóveis de HIS no centro através da auto-gestão, pelo
programa de carta de crédito coletiva, mas tem enfrentado
dificuldades jurídicas para sua implementação. O depoimento de
Helena Silva, técnica do Pró Centro, nos esclarece as dificuldades
enfrentadas pela Cohab:
“Eu acho que a carta de crédito coletiva é excelente para trabalhar
com auto-gestão. Aliás, ele foi pensado nisso, e toda nossa
preocupação, é que não estamos conseguindo criar condições para
operacionalizar esse instrumento, para empreendimentos de porte
médio a pequeno. Está exposto conceitualmente da seguinte forma:
Uma associação adquire um imóvel, seja um terreno, seja um prédio,
e à partir de um projeto de construção ou de reforma. Pode-se pagar
um arquiteto e etc. ela pode fazer uma gestão dessa obra. O que
está esbarrando exatamente, é por que você tem vários empréstimos
sucessivos, e o pessoal do jurídico está encontrando, que em algumas
partes, está se ferindo a lei de licitação, que isso seria escapar da
nova lei de licitação. A autogestão, não necessariamente seria
mutirão, a associação formada estaria contratando uma empresa. O
problema é de ela contrata uma empresa sem licitação, na prática
você está passando um recurso público para uma empresa, sem
licitação. Então o que nós estamos tentando dar um nó no pingo
d´água é fazer uma licitação em que se faça uma seleção de
associações, com renda dentro três e seis salários. E aí vinculasse o
projeto, como no PAR, onde há um terreno e uma empresa. Então
haveria associações pré-selecionadas, que vem oferecendo um
determinado produto para aquele terreno. Que é uma empresa que
pode construir um determinado projeto. A dificuldade é a seguinte,
se você tem uma associação só, perfeito, certamente os preços dela
vão estar mais baixos, se você tiver duas, qual o melhor projeto? Se
você tiver dois projetos, você vai ter que analisar projeto, então
partimos do seguinte: partimos de um projeto de reforma para um
projeto já realizado por nós, e abrimos uma licitação para ver que
166
associação (pré-selecionada) que oferece o menor custo, para
executar aquela obra. Se tiver três, tudo bem, eu seleciono aquela
que ofereceu o melhor preço. Essa pode ser uma modalidade. Então
nós estamos fechando a maneira de poder não ferir a legislação.
Acredito que para o ano que vem isso já vai estar podendo
funcionar”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso
favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão de Marta Suplicy).
O Programa de Arrendamento Residencial, gerido e financiado pela
CEF tem atualmente impossibilitado a contratação de empresas
menores para a condução das obras dos edifícios, bem como sua
realização através da auto-gestão. O programa atravessa um período
de alterações em suas regras de funcionamento, sendo que o atual
modelo impede a participação de assessorias técnicas e de empresas
não ‘gericadas’89, o que tem impedido a produção de unidades de
menor custo.
Novamente, Helena Silva é que nos indica a presença dessa barreira,
que alimenta a produção de unidades por um custo maior do que
outras formas de produção, que não se valem da lucratividade
imperante nas empresas construtoras:
“Além do mais no PAR, há a história do Geric, que só lida com
empresas grandes, e quando começar a lidar com empresas menores
89 Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de ‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações realizadas pelo banco.
ele pode reduzir o custo, aí poderia se fazer o PAR sem lucro, com
muito pouca reforma. A proposta para auto-gestão, se ela for
voltada para prédios menores, ou para grupos de prédio menores,
casarões, enfim, pode ser interessante”. (depoimento de Helena
Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Pró
Centro, gestão Marta Suplicy).
Esta barreira à produção de unidades a preços menores foi aqui
classificada como limite específico, pois o programa Funaps
Comunitário de atuação no centro, gestão de Luíza Erundina
possibilitava a contratação de assessorias técnicas e obras em auto-
gestão, o que resultou em unidades habitacionais significativamente
mais baratas, como visto na seção limites ideológico-culturais
específicos, item especulação produtiva: normalidade na exploração
do operário da construção civil.
167
4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos
“Se há uma política de se cercear os direitos do povo, aí sim é um limite.
O governo Maluf, Pitta e agora, do PSDB, em São Paulo, têm esse limite.
É dificultar os direitos de participação e de conquista do povo”.
(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).
participação popular nos programas:
necessidade de melhor qualificação da prática
Diversos depoimentos coletados indicam a falta de participação das
famílias moradoras na elaboração das diretrizes de ação dos
programas habitacionais bem como em sua implementação. Cada
programa demonstrou tratar a questão da participação popular de
forma diferente. Há aqueles que travam uma relação constante
entre movimentos populares e técnicos, desde a formatação dos
programas, até a materialização das unidades, e outros que
estabelecem contatos pontuais, o que tem gerado maiores ou
menores dificuldades para a produção das unidades habitacionais.
De certa forma, acreditamos que uma maior integração entre
moradores e poder publico tende a facilitar a condução dos
programas, pois possíveis discordâncias seriam sanadas no decorrer
do processo, e concordâncias seriam potencializadas, numa soma de
esforços mútuos para o enfrentamento dos diversos limites outros
identificados na presente pesquisa.
Um dos programas que não apresentou dificuldades significativas no
que tange a participação popular, foi o Funaps Comunitário,
especificamente o que atuou na região central. Sua condução se deu
através de convênios de parceria entre poder público, movimento
popular e assessoria técnica. Segundo o depoimento de Joel Felipe,
da assessoria técnica AD, responsável pela execução da obra, a
participação do movimento popular ULC foi central e indutor na
criação e formatação do programa.
“Sim, os movimentos foram protagonistas, uma vez que os
moradores que então eram representados pela ULC – Unificação das
Lutas de Cortiços (que deu origem aos atuais MMC, MSTC, Fórum de
Cortiços e o que restou da ULC) forçaram o surgimento uma política
para cortiços. No primeiro semestre de 1989 foi apresentado um
projeto para o Casarão da Celso Garcia à prefeitura, baseado no
trabalho de um TFG de Selma Scarambone, então membro da AD”.
(depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica AD).
O Programa de Arrendamento Residencial da CEF, em sua
elaboração (1998), passou por períodos de participação dos
movimentos populares do centro de São Paulo, mas por medidas
políticas foi alterado e implementado sem a incorporação das
questões debatidas com as lideranças. Verônica Krol, do Fórum dos
Cortiços é que nos esclarece como se deu o processo:
“Na verdade, nós [movimentos do centro] discutimos o PAR, com o
Sérgio Cutoudo [ex - diretor da CEF] (em 1998). Aí, eu não sei por
quê, tiraram o Sérgio, e colocaram outro diretor, que já veio com
essa proposta do PAR, que a gente não discutiu, pois para a gente
168
atender as famílias de baixa renda é muito difícil. O outro que nós
discutimos, sim ele atendia, porque tinha condições de fazer
autogestão. Deram um fim no programa nosso, tínhamos discutido
com o pessoal do Belém. O que a gente queria e não queria, dentro
do programa. E aí por nossa surpresa, quando nós amanhecemos sem
o Sérgio, sem o programa, aí veio esse, de goela abaixo socado na
goela da gente, e aí a gente tem tentado trabalhar, o que é muito
difícil para nós”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
integrante do Fórum dos Cortiços).
O depoimento de Gegê, do MMC, nos indica como se deu a
‘apresentação’ do PAR pela CEF aos movimentos, que já ‘chegou
pronto’ para implementação:
“Sem políticas públicas com participação popular, pode governar
Jesus Cristo, que não vai melhorar. Essas políticas não devem ser
apenas de conhecimento dos governantes. Parece que o povo deve
apenas usufruir as políticas, não é preciso que o povo tenha
entendimento. (...) O programa chegou pronto, criado pela caixa.
Não houve participação. A gente ia ser despejado de um prédio da
Caixa, na Roberto Simonsem, mas para eles não nos despejarem, eles
nos apresentaram o PAR, e nós apresentamos o Fernão Sales”.
(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah
Jorge, integrante do MMC).
A participação dos movimentos no PAR CEF ocorre em momentos
pontuais de implementação do programa, como na escolha dos
imóveis, elaboração do projeto arquitetônico e indicação das
famílias moradoras. Todas essas ações devem ser enquadradas nas
diretrizes e restrições impostas pelas regras antes estabelecidas pela
Caixa Econômica Federal.
Na elaboração do Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela
Cdhu, também houve momentos de participação das lideranças dos
movimentos populares, que exigiram a participação das
comunidades na condução do programa:
“O PAC, em jan de 1999, nós ficamos quatro dias dentro da CDHU, os
movimentos do centro e o BID, discutindo a sua proposta do PAC.
Então cada um colocou seu ponto de vista. Aí a partir dessas
propostas formuladas, que a CDHU começou a formular o PAC,
enviou para Brasília assinar. Com o PAC nós tivemos uma
participação mesmo com esse governo. O que conseguimos arrancar
desse PAC BID é que tem que ter a participação da comunidade. (...)
O PAC demorou, foi uma coisa demorada, mas teve a participação”.
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
Fórum dos Cortiços).
Há uma significativa diferença entre participação e parceria na
elaboração e condução dos programas habitacionais. Sidney Eusébio,
liderança da ULC reconhece que houve participação dos movimentos
na elaboração do programa, mas que suas reivindicações não foram
atendidas. Segundo ele, uma parceria se faz necessária, e afirma
que buscarão alterações no programa que contemplem suas
necessidades ‘na porrada mesmo’:
“A primeira dificuldade é: quando os movimentos elaboram um
programa de uma forma, mas ao chegar nas mãos do governo, estes
169
alteram tudo, suas cláusulas, fazem mudanças que em vez de
beneficiar, vêm a dificultar o acesso da população de baixa renda.
(...) Esse não é o programa que a gente queria, não é o Programa de
Atuação em Cortiços. (...) Nós não temos abertura neste governo, e
o que eles fazem não nos contempla em nada o que nós queremos.
(...) Falta vontade política e parceria com os movimentos. O
programa só funcionaria só com a parceria com os movimentos
populares. (...) Se tem uma coisa que a gente sabe fazer, é bater,
quando é preciso. E a gente vai bater mesmo. Se não sair [as
alterações do programa] por compromisso com a população, vai sair
por dor, vai sair na porrada mesmo, a gente vai ter que arrancar
mudança deste governo, do Geraldo Alckmin”. (depoimento de
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC).
Um dos indícios da falta de parceria entre associações de moradores
ou movimentos e órgãos do poder público (aqui no caso a Cdhu) é o
depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança da ULC, que demonstra
desconhecimento total acerca de informações básicas do
empreendimento Cinema da Mooca, qual tem acompanhado pelo
movimento:
“Ficam dizendo, ah estamos revendo o projeto, que inicialmente era
de 180 famílias, mais ou menos, e aí disseram que eram poucas
famílias para o valor do terreno, então não dava, e iam aumentar
para duzentos e pouco, para baratear mais o custo do terreno. (...)
Isso são eles que falam. E esse último estudo agora ficou com
trezentas unidades, só não sabemos o valor dos apartamentos, não
sabemos como foi feito esse cálculo, quantos prédios vão ser, de
quantos andares, tudo isso a gente não sabe, pegamos essas
informações essa semana”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC).
Segundo Lia Ferreira, técnica da CDHU, a dificuldade de acesso a
informações do programa PAC pela população alvo dos
empreendimentos se tornou um dos limites à produção da moradia
social no centro. Há dificuldades de compreensão do funcionamento
do programa e das ações que necessariamente precisam ser
realizadas pelo órgão, o que tem gerado mal entendidos entre
população alvo e poder público:
“Um limite é o nosso público alvo, a população a quem a gente se
direciona entender todos os passos desse processo. Uma forma de
intervenção junto ao nosso público alvo, de deixar claro quais são os
procedimentos, para que depois não haja talvez um mal entendido
na compreensão das ações de uma agente financeiro, promotor ou de
comercialização, do porque de isso tudo”. (depoimento de Lia
Ferreira, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est, CDHU, PAC, gestão
Geraldo Alckmin).
A elaboração do programa de Locação Social da PMSP, gestão Marta
Suplicy teve a participação dos movimentos de moradia do centro
em reuniões e seminário entre poder público municipal, movimentos
e técnicos estrangeiros de países onde a locação social é comum. Já
para a gestão do programa, a PMSP instituiu um fórum de
acompanhamento dos programas municipais de habitação no centro,
onde participam técnicos do poder público, movimentos e suas
assessorias técnicas, e se reúne a cada quinze dias.
170
O depoimento de Margareth Uemura comenta brevemente a
existência do fórum e seu funcionamento. O trecho que se refere às
limitações de atendimento da demanda por habitação no centro
diante da ‘pouca área’, demonstra a utilização deste espaço como
mesa de negociações de locação de demandas reprimidas dos
movimentos, bem como possível espaço de cooptação destes, pois aí
‘cada um sede um pouco para acontecer o programa’:
“Instituiu-se um fórum, que eu tenho esperança que seja o local de
debate, de participação da população, e de unificação do
conhecimento sobre o programa (estabelecer critérios...). Como ele
[o programa] está em processo de montagem, é um espaço
importante para aparar as arestas. Vai ter sempre discussão entre os
movimentos, mas é um pouco pra não ter disputa, por que como eu
disse tem pouca área pra muita demanda. Se o critério estabelecido
fica de comum acordo, acho que fica mais fácil de discutir essa
limitação. E aí, cada um sede um pouco pra poder acontecer o
programa”. (depoimento de Margareth Uemura, arquiteta, estudo de
caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
O depoimento de Caio Amore, arquiteto responsável pelo projeto
executivo do empreendimento Favela do Gato, estudo de caso da
presente pesquisa e parte integrante dos projetos da PMSP no
centro, pondera acerca da representatividade dos movimentos de
moradia do centro diante das famílias da região e a forma que esta
participação tem se dado. Segundo Amore os movimentos
reivindicam projetos pontuais e isolados no centro, deixando de lado
uma ação articulada, o que configuraria uma política urbana
integrada:
“Não é uma participação da população moradora, mas é do
movimento. Isso é uma diferença fundamental de se fazer. Por que
você entra nessa discussão de quanto que o movimento representa a
população moradora. É uma questão, sim. Como é? Três por cento da
população encortiçada é ligada ao movimento. (...) Teve uma
participação do movimento na elaboração do programa. Falta
qualificar essa participação. Teve reuniões com lideranças dos
movimentos, o que não gerou alteração de sua participação, que é
de resultados, de número de unidades. Ficando na história da
reivindicação pontual de edifícios. (...) Mudar essa lógica é difícil,
trazer os movimentos para a discussão de política urbana, mais
abrangente, dos movimentos se colocarem como população
moradora, por exemplo, que tem também outras demandas que não
moradia. É um salto difícil de ser dado, devido à lógica de atuação
dos movimentos. Eles fazem sim essa discussão, posteriormente à
conquista da moradia, como por exemplo, nos mutirões”.
(depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do
gato, assessoria técnica Peabiru).
Sassá, liderança das famílias atualmente alojadas na favela do gato,
e futuras locatárias do programa, confirma a pouca participação das
famílias, demonstrando não possuir informações a respeito da
distribuição das famílias nos imóveis. Ele nos informa também as
poucas vezes que formam ‘chamados’ a receber informações acerca
do projeto e do programa:
“A nossa preocupação é saber quem vai ter direito a um, a dois
quartos, a quitinete. É que eles estão estabelecendo um critério.
Isso é muito dúbio. De repente ela tem três filhos, e um é casado. Se
171
ele vai ficar junto? Não tem condições. (...) A gente só foi chamado
duas vezes, na primeira apresentaram o projeto e na segunda
falaram da locação. Foram mais de cem pessoas, eles queriam que
fosse um a cada dez, mas acabou indo mais gente”. (depoimento de
Sassá, liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da
favela do Gato).
participação popular na concepção arquitetônica dos projetos:
pontual e deficiente
Apenas um dos programas habitacionais visitados teve a participação
das futuras famílias moradoras na concepção do projeto
arquitetônico90.
As dificuldades, e até a impossibilidade de participação das famílias
de baixa renda na definição do desenho arquitetônico da moradia
que irão habitar trata-se de uma manifestação do limite ideológico –
cultural identificado na seção limites ideológico-culturais, item pré-
conceito e discriminação, escala da unidade habitacional: a idéia de
‘habitação popular’. Pois, para realizar projetos ‘individualizados’
horas de trabalho de prancheta são necessárias, o que significaria
custos indesejados aos projetos.
Por outro lado, a participação de famílias de alta renda na definição
de questões arquitetônicas de suas futuras moradias é tida como
ideal aos projetos de arquitetura. Sua participação é muitas vezes
essencial, e sua prática é considerada ‘louvável’.
90 Compreendemos como ‘concepção do projeto arquitetônico’ a definição do programa das unidades, seu dimensionamento, técnica construtiva, materiais empregados e, finalmente, sua concepção estética.
Já na produção de HIS pelo poder público essa etapa é, em via de
regra, simplesmente subtraída, como se fosse desnecessária.
A falta de participação das famílias de baixa renda na concepção
arquitetônica de suas residências não é um limite determinante à
produção da moradia popular no centro. Ela não impossibilita sua
produção, mas impede que as unidades sejam erguidas com
qualidade. Compreendemos como ‘moradia de qualidade’ aquela
moradia que cumpre as necessidades das famílias moradoras,
incluída aí concordância com seu projeto arquitetônico.
A argumentação recorrente é de que não há tempo hábil para uma
discussão de projeto, e que a produção de HIS não pode ser
individualizada. Temos aí um falso paradigma, como veremos mais
adiante.
Observando os estudos de caso de cada programa habitacional
podemos verificar as diferentes formas de tratamento da questão:
No item anterior vimos a importante participação das famílias do
edifício Madre de Deus na elaboração do programa habitacional e de
sua implementação, mas na elaboração do projeto arquitetônico, a
participação das famílias na discussão do projeto arquitetônico foi
considerada ‘pouca’. Segundo Joel Felipe, um dos arquitetos
responsáveis pela obra do edifício, em sistema de mutirão
autogerido, a participação foi restrita a questões pontuais de
projeto e de técnica construtiva:
172
“Houve pouca participação [dos mutirantes]. Foi montado um GT-
Cortiços em Habi, sob coordenação de Cláudio Manetti (...). As
discussões com a comunidade se reduziram à apresentação da
proposta do GT em assembléia e a proposta de algumas alterações
(tanque no interior da unidade, p. ex.) e a técnica construtiva
sugerida pela Assessoria”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto,
assessoria técnica AD).
Apesar da possibilidade de poucas interferências no projeto Madre
de Deus, como nos relatou o arquiteto Joel Felipe, Luiz Cavalcanti
ainda considera que através do sistema de mutirão, ‘a qualidade é
outra’:
“Com o empreiteiro você não participa de nada, você só recebe a
chave, se não consegue nem opinar sobre nada, sobre se o material é
de primeira ou de segunda, você não pode falar. Se ele põe uma
porta aqui de isopor, você não pode falar nada, se põe uma janela
aqui do jeito que eles querem, não pode falar nada. Aqui, nós
escolhemos tudo, a qualidade é outra”. (depoimento de Luiz
Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,
integrante da ULC).
No projeto do edifício Riskalah Jorge, do PAR – CEF, a participação
das famílias chegou ao debate da concepção arquitetônica do
projeto, mas como já vimos na seção limites arquitetônicos, item
casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas, o
projeto de arquitetura é dependente de muitos dos limites
identificados em nossos estudos. Daí, neste projeto, onde houve
uma interferência das famílias na projetação das unidades, pudemos
conferir pouca (ou nenhuma) materialização dos anseios dessas
famílias, sendo o resultado final muito aquém do por elas requerido.
Reproduzimos abaixo novamente o trecho do depoimento de Gegê,
liderança do MMC, onde podemos melhor compreender como as
pressões externas (dos diversos limites) resultam na impossibilidade
da materialização construtiva dos ensejos arquitetônicos reais
dessas famílias, quando estas são chamadas a opinar diante dos
projetos.
Desta forma, à partir das condições impostas pelo sistema a que
estamos submetidos, nós nunca saberemos, de fato, como é o
desenho, o projeto, a forma, a plástica de uma habitação popular
em sua essência projetual. Não sabemos como quer, nem como
gostaria de morar o povo paulistano no centro da cidade.
Seriam apartamentos grandes, com diversos quartos, e banheiros?
Haveria uma lavanderia? E um lavabo? Nem eles sabem, pois não
podem nem pensar em saber. Vejamos:
“A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,0091 para dar certo,
ou fazia mais de R$20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu
isso, metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da
estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na
estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.
Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,
não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por
isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,
fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela
91 Na época da concepção do projeto de arquitetura o limite do financiamento por unidade pelo PAR era de R$ 20.000,00.
173
política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito aquém
do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
Os projetos arquitetônicos do programa PAC – CDHU, são realizados
por escritórios de arquitetura contratados através da lei 8.666, e
devem ser realizados para famílias genéricas, segundo o ‘termo de
referência’ elaborado pela companhia. Trata-se da prestação de um
serviço, considerado apolítico e impessoal, segundo a concepção de
um Estado gerencial. Não importa quem irá habitar essas unidades,
a participação dos futuros moradores não ocorre e é evitada pelo
termo.
A arquiteta Lia Ferreira, uma das responsáveis pelo projeto, nos
esclarece da postura da companhia diante da não participação
popular na concepção arquitetônica do projeto:
“Voltando à lei 8.666, que é a lei de licitação. A gente vai comprar
um serviço [projeto de arquitetura], é uma compra. É feita então
uma licitação, é feito o termo de referência, que é o que nós
queremos, com o programa. É feita a licitação, e nós acompanhamos
o desenvolvimento do projeto. É a compra de um serviço. (...) Tanto
no Hospital92, como em outros projetos, a CDHU comprou o imóvel
vazio. Eles não eram moradores do imóvel, é uma postura diferente.
Ele foi ocupado93 e houve uma concessão da companhia para essa
população morar nesse imóvel. Então, dentro das regras de
92 O estudo de caso referente ao programa PAC é uma intervenção em um terreno anteriormente ocupado por um hospital. 93 Há dois movimentos populares de luta por terra e moradia que ocupavam o imóvel, a ULC e o MSTRC.
financiamento junto ao BID, essa população não morava no imóvel,
pelo fato de tê-lo comprado vazio. Acredito ser essa a situação desse
endereço. Não serão necessariamente essas pessoas que irão morar
neste imóvel, pois há as regras de acesso. Se dentre o valor do
imóvel e o valor da obra, há uma equação que temos de atender, se
a família tiver renda, ela pode pleitear. (...) Nós ainda não temos
ainda o formato de escolha das famílias, mas é certo que ficarão
dentro do setor básico de intervenção, pois é característico dessas
famílias não querer sair do centro, então ela tem que ter esses pré-
requisitos para ter acesso ao financiamento. Se vai ser sorteio ou
não, eu desconheço, não foi feito ainda, não sei como foi feito no
Pari94, que é uma outra situação. Isso ainda não está concluído. Há
algumas formas, mas ainda não está concluído.” (depoimento de Lia
Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est., CDHU –
PAC, gestão Geraldo Alckmin).
Na concepção do projeto arquitetônico das novas moradias da favela
do gato, integrantes do programa de locação social, a participação
da população se deu apenas em uma reunião, onde o projeto (já
pronto) foi apresentado às famílias. Wagner Germano, arquiteto
projetista dos edifícios, justifica a metodologia adotada, devido à
‘insegurança’ política para sua realização. Ele afirma que se as
famílias tivessem questionado e discordado do projeto, eles teriam
realizado as alterações possíveis. Logicamente segundo as restrições
limitantes já observadas por nossos estudos:
94 Empreendimento do PAC – BID edificado, localizado nom Pari, onde suas unidades formam (a contragosto da companhia) ‘fatiadas’ entre os movimentos de moradia do centro, após ocupação política do imóvel.
174
“Não tiveram uma participação muito efetiva no processo de
concepção do projeto. Obviamente, quando fizemos o estudo, eu
venho dessa escola, que está acostumada a fazer projeto discutindo
com a população, então para mim isso é complicado, fazer o projeto
da nossa cabeça. Ao mesmo tempo, nesses dez anos de Usina95, nessa
linha de trabalho, nos sensibiliza muito nessas questões. Então,
obviamente, que a minha postura em relação ao projeto, ela
contempla, ela observa algumas questões que dizem respeito a essa
expectativa, a esse diálogo com a população. Não era possível a
gente fazer um projeto participativo. Tinha uma dificuldade, até por
que a gente tinha tantas dúvidas em relação a esse empreendimento.
Se ele seria realizado ou não, (...) achavam [técnicos da Sehab] um
absurdo, colocar essa população para morar ali. Mas, não, essa
população já mora ali, eles já moram ali e a reivindicação é para não
sair dali. Mas tinha algumas pessoas que não entendiam isso, viam
isso de uma forma muito crítica, então, tinha toda uma ‘construção’
que tinha que ser feita, dentro até do próprio poder público. Esse
projeto, quando fizemos os estudos na Cohab, o fizemos por
encomenda do próprio Paulo Teixeira96, que recebeu a população:
‘olha precisamos dar uma resposta para a população’ (...). [contatos
com outras secretarias, costuras internas ao poder público que
demoraram, em dado momento ficou em ‘banho maria’, dúvidas. Até
que se falou ‘vamos fazer’, e tocamos a parte hab. (Peabiru),
enquanto se articulava os trabalhos paralelos] (...) Foi um processo
que não teve um ritmo, uma linearidade, então por isso também era
complicado trazer a população, por que a gente tinha uma
insegurança de dizer ‘traz a população para discutir’ e levantar uma
95 Assessoria técnica aos movimentos de moradia, onde os projetos de arquitetura provêm de uma ampla discussão com os moradores das unidades. 96 Secretário da Habitação PMSP gestão Marta Suplicy.
expectativa, e em dois ou três meses, deveríamos voltar tudo atrás
por causa de uma alteração no projeto que se alterava devido
discussões com outra secretarias da PMSP. E meio que fomos levando
a coisa. E obviamente, assim que concluímos o estudo (...) chamamos
a população para apresentar a proposta, e discutir com eles e ver
como é que era a aceitação e tal. Mas estávamos sabendo que
corríamos o risco de levar uma vaia e de ter de rever, e se assim
fosse reveríamos. Quando chamamos a população, a aceitação foi
total. A gente também trabalhou com conhecimento do perfil da
demanda, do perfil familiar (...) vimos que tinha um número
considerável de pessoas que moravam sozinhas, por isso que fizemos
as quitinetes (...). Há um trabalho de Habi constante na favela, e
quando a obra for encaminhada, vão fazer um recadastramento para
ver a evolução da população”. (depoimento de Wagner Germano,
arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab,
gestão Marta Suplicy).
O arquiteto Caio Amore, da assessoria técnica contratada para a
realização do projeto executivo dos edifícios, participou da reunião
de apresentação do projeto, referida por Wagner Germano, e nos dá
maiores detalhes do ocorrido, confirmando seu relato:
“Quando a gente [técnicos da assessoria técnica Peabiru] foi fazer a
sondagem, nem entramos na favela, a gente teve de entrar pelo
alojamento, onde parte dos prédios vai ficar. E entramos nos
clubes97. O outro contato que tivemos com a população foi uma
apresentação que teve em uma salinha da PMSP, para um grupo de
moradores, de 60 pessoas (mais ou menos). (...) tinha uma
97 A implantação dos blocos habitacionais do conjunto favela do gato se dará onde hoje há CDM´s, Clubes Desportivos Municipais.
175
maquetinha eletrônica da escola, que a gente acabou levando, foi
tudo meio assim. Disseram [técnicos da Cohab] antes para
prepararmos o material, por que não estava no contrato, então foi
meio improvisado. (...) Foi mais explicar como é que era o prédio,
quantos prédios seriam, uma explicação bem rápida. Não foi uma
discussão, com aprovação, nada. Foi uma mera apresentação do
produto mesmo. (...) As perguntas, na verdade ficaram mais
dirigidas à história da obra. Quando que vai fazer, qual o prazo. Mas
não questionando o projeto. Eu não me recordo de nenhuma
pergunta nesse sentido”. (depoimento de Caio Amore, arquiteto,
assessoria técnica Peabiru).
O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato,
que também participou da mesma reunião relatada por Germano e
Amore, nos informa que no momento da reunião qualquer alteração
do projeto tornava-se difícil. Considera ainda que seria ‘melhor’ se
tivessem os convocado para uma discussão do projeto:
“Em nenhum momento fomos chamados para discutir o projeto. A
gente conheceu a Maquete e a planta, numa reunião. O projeto já
estava pronto, e não tinha jeito de mudar, já estava até em
concorrência. (...) Seria melhor se tivessem chamado, aí cada um já
dava a sua opinião certa”. (depoimento de Sassá, liderança popular,
estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).
moradias transitórias:
pequenas e de má qualidade
Segundo a ideologia e a cultura operante, observada na seção
limites ideológico – culturais, item pré-conceito e discriminação, escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’, é
‘normal’ a falta de qualidade nas moradias das famílias de baixa
renda. Daí, como pressuposto, ‘normal’ seria se os alojamentos para
elas erguidos seguissem a mesma lógica.
As famílias desalojadas pelo incêndio ocorrido em 2001 na favela do
gato foram alvo dessa prática, possivelmente alimentada pelo
referido limite.
Essa prática deflagra a existência de mais um limite, agora
específico, ao programa de locação social em implementação pela
PMSP, gestão Marta Suplicy.
Ele se manifesta como uma barreira à produção massiva e de
qualidade de moradias na área central, compreendida a produção
em todas suas etapas, inclusive as moradias transitórias.
Os depoimentos reproduzidos abaixo identificam com clareza a
presença desse limite:
“E a gente vai ter que fazer outra mudança... isso ñ está certo.
Dessa forma assim, tudo descontrolado, a gente vai sem saber se vai
para um lugar melhor ou pior! (...) Imagine só, já colocaram a gente
em barracos apertados, se mudarmos para um menor ainda... não
está certo. (...) Sem saber quando que estes prédios estarão
prontos... eles dizem um ano. Mas se for como nos alojamentos, que
176
nos prometeram que sairíamos em seis meses, e já estamos lá a dois
anos? (...) Eles prometeram ainda que teria segurança, que não
seríamos jogados, largados aqui... e que fizeram? Segurança
nenhuma! Você nem imagina os riscos que corremos aqui... quantos
coitados tiveram de deixar aqui por causa disso..., deixar tudo para
trás”. (depoimento de Sassá, liderança popular, estudo de caso
favela do gato, morador da favela do gato).
alojamentos provisórios favela do gato
foto: Pedro Arantes, 2001.
Uma produção habitacional de moradias de qualidade não pode
deixar de lado as famílias durante o processo de produção das
unidades, logicamente compreendendo como parte do processo, já
de responsabilidade da PMSP, as moradias transitórias. Cristina,
moradora da favela do gato complementa o depoimento de Sassá,
reafirmando as condições dos barracos transitórios:
“E agora que vai mudar para um alojamento de dois andares.
Imagina o pessoal que trabalha, ninguém consegue dormir à noite.
(...) Eles [PMSP] não poderiam fazer um pouco maior? Esses aí que
não cabe nada, mal cabe a cama e um fogão, nem uma geladeira,
que não tenho, não teria condição de por”. (depoimento de Cristina,
liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela
do gato).
177
4.2 análise da promoção residencial pelo mercado
4.2.1 capitalismo sem mercado
A presente pesquisa tem como objetivo identificar quais são as
barreiras à produção da moradia social no centro. Como já antes
mencionado, não de qualquer produção, mas aquela realizada
segundo as qualidades necessárias à boa habitabilidade das famílias
moradoras. Buscamos entraves à produção de habitações
minimamente humanas.
Se estudarmos toda a produção habitacional para as famílias de
baixa renda no centro, certamente estaríamos adentrando nas
pensões, quartos, cortiços, favelas e casebres. Formas de habitação
que são mais regra que exceção no centro de São Paulo. Abrigos sem
qualidade para o bom desenvolvimento das atividades humanas
caseiras.
Ao nos depararmos com a questão, de como se daria a produção de
unidades voltadas para essas famílias, mas ‘de qualidade’, tivemos a
primeira notícia de que essa produção só seria possível através de
programas públicos de habitação. Pois, como vimos na seção limites
da economia política, item baixos salários e desemprego: não há
renda que pague a habitação, a renda dessas famílias é
extremamente baixa, e o acesso à moradia só seria possível com o
aporte de recursos do Estado. Pusemo-nos então a observar como se
dá o processo de funcionamento dos programas públicos e a
identificar por que mal funcionam esses programas. Em determinado
momento de nossos estudos deparamo-nos com uma barreira que
transcendia a produção habitacional de promoção pública. Tratava-
se do extremamente concentrado mercado imobiliário paulistano,
resultante do fato de que apenas um pequeno número de famílias
tem a possibilidade de adquirir suas casas ‘de qualidade’.
Este ‘extremamente concentrado’ mercado imobiliário realiza uma
forte pressão de valorização das unidades habitacionais ‘de
qualidade’ produzidas pelo poder público para as famílias de baixa
renda. Diante de um grande número de famílias de renda média que
também não conseguem acessar moradias habitacionais ‘de
qualidade’, pelos motivos que veremos mais adiante, as unidades
alvo da primeira parte de nosso estudo podem ser rapidamente
transferidas para as famílias de renda média, num processo análogo
ao da gentrificação, abordada na seção limites da economia política,
item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda, só que
desta vez, pontual: unidade a unidade é passada a famílias de renda
maior. Ao mesmo tempo em que as famílias de renda menor voltam
para suas antes má condições de habitação.
Partimos do pressuposto de que todas as famílias têm o direito ao
acesso à moradia digna, mas diante de uma sociedade
extremamente estratificada, desigual e de renda absurdamente
concentrada, seria possível um normal funcionamento de uma
economia de mercado? Para que todos possam participar deste
mercado, que tem como regra de funcionamento a competição entre
seres humanos, estes devem estar dotados de condições
minimamente igualitárias. Temos então um nó. É de identificar o
atamento desse nó mercadológico que se trata esta breve segunda
178
etapa da presente pesquisa: Como funciona o já antes mencionado
‘capitalismo sem mercado’?
179
4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais
pelo mercado
Antes de adentrarmos nos depoimentos de agentes envolvidos na
produção habitacional de interesse social através do mercado, faz-se
necessário um breve sobrevôo sobre a produção habitacional
paulistana privada em geral: O quê e onde o mercado produz?
Para uma breve análise desta questão, é que elaboramos algumas
tabelas compostas por dados gerais dos lançamentos residenciais
pelo mercado na região Metropolitana de São Paulo, de janeiro de
1992 a setembro de 2002. Essas informações foram extraídas de um
banco de dados elaborado pela EMBRAESP – Empresa Brasileira de
Estudos de Patrimônio, fornecido pela PMSP.
A partir deste banco de dados organizamos uma primeira tabela, que
nos informa a quantidade de unidades habitacionais lançadas pelo
mercado segundo faixas de valor de lançamento98. Nela, podemos
observar o total de unidades lançadas no período, que é de 350.469
unidades, dentre residências unifamiliares horizontais e verticais.
Deste total, apenas 2,78% são de imóveis de até U$ 20.000,00 (R
$56.800,0099), accessíveis através de financiamento bancário por
famílias de renda de mais de 10 salários mínimos, como veremos
mais adiante, na página 194 (quando compreenderemos por quê uma
casa de R$ 60.000,00 só pode ser acessada por uma família de renda
de 10,8 salários mínimos, através de financiamento da CEF). Isso nos
98 Atenção, pois as faixas de valor não estão subdivididas de forma proporcional. 99 U$ 1,00 = R$ 2,84 , câmbio de 16 de outubro de 2003
indica que o mercado habitacional privado praticamente não
atende, através de financiamentos, as classes de renda inferior a
esses 10 salários mínimos, o que representa mais de 80% da
população brasileira.
180
Tabela 8 : Lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor
de lançamento
lançamentos habitacionais na RMSP
por faixas de valor
1.000 U$ unidades hab % do total
0 a 10 0 0,00
10 a 20 9.732 2,78
20 a 30 41.578 11,86
30 a 40 52.967 15,11
40 a 50 49.467 14,11
50 a 60 43.495 12,41
60 a 70 25.342 7,23
70 a 80 25.649 7,32
80 a 90 18.312 5,22
90 a 100 14.397 4,11
100 a 125 22.285 6,36
125 a 150 14.417 4,11
150 a 175 8.759 2,50
175 a 200 5.514 1,57
200 a 300 10.778 3,08
300 a 400 3.755 1,07
400 a 500 1.643 0,47
500 a 750 1.493 0,43
750 a 1.000 397 0,11
continuação
1.000 U$ unidades hab % do total
1.000 a 1.500 237 0,07
1.500 a 2.000 192 0,05
2.000 a 3.000 60 0,02
total 350.469 100,00
Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.
181
Com o objetivo de identificar a localização dos imóveis lançados
pelo mercado no centro da cidade, área de nosso estudo, é que
elaboramos a tabela abaixo. Pode-se notar que apenas 8.821
unidades foram lançadas na região, totalizando 2,52% dos
lançamentos em toda a RMSP. Destacamos o dado de que 4.167
unidades, quase metade do total lançado na região encontram-se
em áreas consideradas ‘nobres’, onde atualmente há interesse em
realização de empreendimentos residenciais, ou seja, onde ‘há
mercado’:
Tabela 9 : localização dos empreendimentos e unidades
habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.
localização lançamentos unidades
barra funda 14 1.516
brás 5 812
bela vista 52 3.003
cambuci 7 1.065
consolação 13 1.164
liberdade 2 174
pari 2 156
santa cecília 10 703
sé/republica 2 228
total centro 107 8.821
total RMSP 5.000 350.469
% da RMSP 2,14 2,52
Fonte: EMBRAESP, jan de 1992 a set 2002.
Para melhor espacialização destes distritos elaboramos mapa
simplificado contendo as principais vias de circulação:
fonte: sítio da PMSP:
http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spse/mapas/0001
Para identificação dos valores dos imóveis lançados na região
central, elaboramos uma tabela de cruzamento dos dados das faixas
de valor pela localização dos imóveis (uma tabela que separe por
distrito as faixas de valor dos imóveis também foi elaborada, mas
encontra-se nos anexos, devido sua dimensão avantajada). Á partir
da tabela abaixo verificamos que há uma similaridade nas
proporções de lançamento de unidades no centro e na RMSP. Ou
seja, para cada faixa de valor, as porcentagens são próximas, por
exemplo, o lançamento de unidades de valor até U$ 20.000 (R
182
$56.800,00100) é parecida: 2,2% no centro e 2,76 na RMSP, e assim
por diante, com algumas diferenças em determinadas faixas de
valor. Na tabela localizada em anexo, identificamos que 85% dos
lançamentos localizados no distrito da bela vista são de valor
superior a U$ 30.000,00, acessíveis apenas pelas camadas de renda
mais alta, demonstrando ser a parte do centro que encontra-se ‘no
mercado’.
tabela 10 : unidades lançadas no centro por faixas de valor de
lançamento
valor UH centro RMSP
por 1.000 U$ UH % UH %
0 a10 0 0 0 0
10 a 20 195 2,2 9.684 2,76
20 a 30 909 10,3 41.626 11,88
30 a 40 1.340 15,2 52.807 15,07
40 a 50 688 7,8 49.627 14,16
50 a 60 2.332 26,4 43.466 12,40
60 a 70 720 8,2 25.371 7,24
70 a 80 1.328 15,1 25.649 7,32
mais de 80 1.309 14,8 102.239 29,17
totais 8.821 100 350.469 100
fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2003.
100 todas os cálculos de dólar para real estão na cotação de U$ 1,00 = R$ 2,84 , câmbio de 16 de outubro de 2003
Algumas outras considerações podem ser feitas a partir de nossa
visita ao banco de dados da EMBRAESP, mas que não podem ser
visualizadas nas tabelas apresentadas. A primeira delas é a
constatação de que o mercado formal de habitação não consegue
produzir unidades de valor inferior a U$ 12.750,00, ou R$ 36.210,00
, mas cabe informar sua localização e área útil: Itaquaquecetuba,
com 48,46 m². Logicamente distante das áreas mais valorizadas da
cidade.
Outra consideração relevante é acerca da amplitude do mercado de
habitação e de suas disparidades, a ponto de termos uma produção
de 826 unidades habitacionais de valor superior a U$ 1.000.000,00,
num período próximo de dez anos. Desta forma, elaboramos uma
tabela complementar a nossos estudos, de relevância certa para a
compreensão das disparidades sócio-econômicas a que estamos
submetidos.
183
É interessante notar a coluna do meio, que nos indica o fator de
proporção diferencial, ou seja, quantas vezes a maior unidade
habitacional é maior que a menor unidade habitacional lançada ao
mercado:
Tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção
habitacional pelo mercado
quesito valor uni// fator quesito valor uni//
mais caro 3.000.000,00 U$ 235 mais barato 12.750,80 U$
maior área 800 m² 38 menor área 21 m²
mais qtos. 5 uni//s 10 menos quartos 0,5 uni//s
mais wc´s 6 uni//s 6 menos wc´s 1 uni//s
mais vagas 8 uni//s menos vagas 0 uni//s
m² mais caro 2.670,23 U$ 17 m² mais barato 154,87 U$
Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.
184
4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo
mercado
Observada a produção habitacional privada, voltada mais
especificamente às classes sociais de maior renda, buscaremos a
seguir, também de forma rápida, coletar alguns dados relevantes à
compreensão do universo específico da produção de HIS pela
iniciativa privada. Quantos são esses empreendimentos? Onde se
localizam na RMSP?
Antes de adentrarmos nas informações que buscam responder as
questões colocadas, algumas ressalvas e considerações acerca da
formatação do material coletado são necessárias, pois até agosto de
2002 não havia há dados específicos acerca da produção de HIS pelo
mercado. Devido ao fato de até então não haver um sistema de
armazenamento e tabulação dessas informações pela PMSP, ou por
qualquer outra entidade de pesquisa. As planilhas elaboradas pela
EMBRAESP aqui utilizadas não diferenciam a característica de
aprovação dos lançamentos imobiliários, se são HIS ou não. Desta
forma, utilizamos a metodologia elaborada por Carolina Pozzi de
Castro, em sua dissertação de mestrado: “A Explosão do
autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos
90”, no qual realizou uma aproximação de quais empreendimentos
dos fornecidos pela EMBRAESP podem ser considerados de Interesse
Social. Esta aproximação foi possível pela seleção das unidades que
se enquadram nos parâmetros de caracterização de HIS segundo a
legislação que regulamenta a Habitação de Interesse Social. O
decreto considera os empreendimentos que podem usufruir dos
benefícios fiscais e urbanísticos aqueles que possuírem área total
máxima de até 72 m², apenas um banheiro, máximo de uma vaga de
estacionamento descoberta por unidade, áreas máximas de lote de
100m² quando unifamiliar e 20.000m² quando multifamiliar, e,
finalmente, as famílias que podem ter acesso a essas unidades
podem ter renda de até 12 salários mínimos101.
Desta forma temos as unidades de ‘HIS’, que servirão de base para
nossos estudos. Essa aproximação é suficiente para a busca das
informações necessárias para a presente pesquisa. Apenas para
aferir o valor dos imóveis do universo de ‘HIS’ encontrado,
observamos que o imóvel de ‘HIS’ de maior valor de lançamento
encontrado segundo a metodologia apresentada é de U$ 61.122,24
ou R$ 173.546,00. Para aferir sua ‘veracidade’, o comparamos com o
valor máximo de um imóvel que pode ser comprado por uma família
de renda de 12 salários mínimos (como vimos na lei de HIS), e
comprometimento de renda de 20% para o pagamento das
prestações do financiamento, com juros de 8%, e chegamos a uma
habitação de R$ 170.400,00. O que nos parece suficientemente
próximo.
101 segundo o decreto lei de 26 de maio de 1992
185
A seguir podemos identificar o universo de ‘HIS’ lançadas na RMSP,
no período de jan de 1992 e set de 2002:
Tabela 12 : lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP
lançamentos res. RMSP
HIS' total RMSP %
empreendimentos 146 5.000 2,92
unidades 16.216 350.469 4,63
Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.
Apenas como informação complementar, apresentamos abaixo o
número de HIS aprovadas pela PMSP de agosto de 2002 a julho de
2003. Atentamos aqui que estes dados da produção de HIS são os
únicos que podemos tratar como certos ou exatos, pois foram
extraídos do banco de dados recentemente elaborado pela PMSP102,
em Aprov, órgão da Sehab responsável pela aprovação de
edificações.
Devido sua recente criação, não o utilizaremos para subsidiar as
questões por hora trabalhadas, mas sim apenas para aferir e
comparar com os dados de ‘HIS’ extraídos do banco de dados da
EMBRAESP.
Segundo o referido banco de dados de Aprov, foram aprovadas 3.792
unidades habitacionais de HIS em todo o município de São Paulo no
102 Este banco de dados foi elaborado em agosto de 2003, momento qual me foi dada a possibilidade de contribuir em parte de sua elaboração inicial como parte dos trabalhos de campo da presente pesquisa.
período de um ano (agosto de 2002 a julho de 2003). Se
compararmos com os imóveis de ‘HIS’ lançados e documentados pela
Embraesp, e fizermos uma média de quantas unidades são lançadas
por ano, chegaremos a 1.520 imóveis de ‘HIS’/ano. Esta diferença
pode talvez ser explicada pelo crescimento verificado nessa
modalidade de produção durante o período utilizado como base de
estudo. Há, por exemplo, no ano de 1992, 874 unidades de ‘HIS’
lançadas; já em 2001, o mercado lançou 2002 unidades.
Tabela 13 : empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela
PMSP durante o período de um ano
empreendi/os unidades
ago/02 11 1246
set/02 6 324
out/02 4 185
nov/02 7 222
dez/02 4 123
jan/03 3 224
fev/03 3 165
mar/03 3 308
abr/03 1 36
mai/03 7 218
jun/03 12 501
jul/03 9 240
total 70 3792
localizados no centro 0 0
fonte: PMSP, Sehab – Aprov banco de dados.
186
Dos empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP elencados na
tabela anterior (tabela 13) nenhum deles localiza-se no centro de
São Paulo. Mas se observarmos os imóveis de ‘HIS’ lançados pelo
mercado no centro, segundo a Embraesp, veremos que totalizam 993
unidades, o que significa 6,12% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a
RMSP.
Tabela 14 : localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no
centro
lançamentos de ‘HIS’ no centro
empreendi/os unidades ‘HIS'
barra funda 14 1.516 210
brás 5 812 0
bela vista 52 3.003 0
cambuci 7 1.065 0
consolação 13 1.164 404
liberdade 2 174 0
pari 2 156 0
santa cecília 10 703 151
sé/republica 2 228 228
total centro 107 8.821 993
total RMSP 5.000 350.469 16.216
% da RMSP 2,14 2,52 6,12
Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.
187
4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais
autofinanciadas
A produção habitacional por cooperativas foi pela primeira vez
regulamentada em 1964, com o advento do golpe militar, e a
criação do BNH. Anos após, são criados os INOCCOPS, entidades civis
sem fins lucrativos que então incubariam cooperativas habitacionais
por todo o país. Desde sua regulamentação muitas alterações em
suas regras de funcionamento foram estabelecidas, como a
obrigatoriedade de incursão de agentes do governo central militar
em suas estruturas com o objetivo de ‘fiscalizá-las’.
Á partir da constituição de 1988, uma nova onda de produção de
unidades por cooperativas habitacionais se deu nas cidades
brasileiras, e em nosso caso, em São Paulo. É deste período da
produção cooperada de habitações que iremos de forma muito breve
tratar mais adiante. Para um maior aprofundamento acerca desse
tema, pós 1988, da produção habitacional por cooperativas, visitar a
dissertação de Mestrado de Carolina Pozzi de Castro: “A Explosão do
autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos
90”.
Há dados que indicam uma intensa produção habitacional por
cooperativas autofinanciadas em toda a RMSP. Entre janeiro de 1992
e setembro de 2002, foram lançadas ao mercado 67.702 unidades,
ou 19,32% de todos os lançamentos residenciais na RMSP. Trata-se
de uma produção significativa, mas pouco presente na região central
de São Paulo, onde houve o lançamento de apenas 496 unidades, ou
0,7% do total produzido pelas cooperativas na RMSP.
Antes de compreender o por quê da presença maciça de
cooperativas apenas nas regiões menos centrais, vejamos alguns
dados e características de sua produção:
tabela 15 : dados de exemplos da produção de cooperativas
habitacionais de autofinanciamento
quadro resumo da produção de cooperativas habitacionais de
autofinanciamento
coop. UH
prod. localiz. Q
area
útil
uni//
custos (R$)* financiam/o
m² uni// m² prestaç.
Inocoop
- SP 115 RMSP
2 57,86 69.000,00 1.192,53 487,00 CEF, Bancos
Privados e
Autof. 3 71,85 79.500,00 1.106,47 550,00
Coop.
Hab
Piratin.
714 Zona
NO MSP 2 61,68 65.704,32 1.065,25 456,28 Autof.
Bancoop 2.598 RMSP e
litoral
1
a
3
37 a
67
38.000,00
a
147.900,00
753,00 a
1.613,00
300,00 a
1.200,00 Autof.
Coop.
Hab. do
Estado
de São
Paulo
4.200 RMSP
1
e
2
indef.
38.480,00
a
71.500,00
indef. 313,00 a
706,00 Autof.
*valores de agosto de 2002
188
fonte: material apresentado por cooperativas habitacionais no Seminário “Como
ampliar o mercado de habitação popular? : construindo uma agenda”, promovido
pela Sehab/PMSP e LabHab Fau Usp, em novembro de 2002.
Na tabela ao lado podemos ver a quantidade de imóveis produzidos
por faixa de valor de lançamento, onde se pode notar um maior
volume de lançamentos nas faixas de 30 a 40 mil U$, ou R$
85.200,00 a R$ 113.600,00, totalizando quase a metade dos
lançamentos da faixa em toda a RMSP: 49,62%. Essas unidades
voltam-se às rendas mensais familiares de oito a dez salários
mínimos, caracterizando a produção de unidades de cooperativas
habitacionais como uma forma massiva de produção habitacional
para a classe média paulistana.
Vale ainda ressaltar os extremos da produção cooperativa, que
produz unidades de U$ 16.938,00 (R$ 47.535,00) no Tremembé, com
45,5 m² de área útil, e U$ 117.790,00 (R$ 334.523,00) em Cotia,
com 184 m² de área útil, demonstrando a amplitude das faixas de
renda que atende.
tabela 16 : lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP
por faixa de valor do imóvel.
lançamentos habitacionais RMSP
preço UH cooperativas total RMSP
por 1.000 U$ UH
% das
coop
% das UH total
RMSP UH %
mais de 80 160 0,24 0,16 102.239 29,17
70 a 80 575 0,85 2,24 25.649 7,32
60 a 70 1.770 2,61 6,98 25.371 7,24
50 a 60 9.441 13,94 21,72 43.466 12,40
40 a 50 19.823 29,28 39,94 49.627 14,16
30 a 40 25.573 37,77 48,43 52.807 15,07
20 a 30 9.112 13,46 21,89 41.626 11,88
10 a 20 1.248 1,84 12,89 9.684 2,76
0 a10 0 0,00 0,00 0 0
totais 67.702 100 19,32 350.469 100
fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.
189
Aprofundando um pouco mais a caracterização da produção
habitacional por cooperativas autofinanciadas, vejamos a tabela
abaixo, que nos fornece dados acerca dos lançamentos cooperados
de ‘HIS’, totalizando 6.634 unidades: 9,79% da produção por
cooperativas na RMSP, e 40,91% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a
RMSP.
tabela 17 : lançamentos residenciais de cooperativas
habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’e ‘HIS’ em geral.
lançamentos residenciais RMSP
total coop coop 'HIS'
total 'HIS'
RMSP
total
RMSP
quanti//
% do
total
RMSP
quanti//
% do
total
'HIS'
RMSP
quanti//
% do
total
RMSP
quanti//
empreendi/os 194 3,88 31 21,23 146 2,92 5.000
UH 67.702 19,32 6.634 40,91 16.216 4,63 350.469
fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.
A localização das cooperativas habitacionais pode ser observada
abaixo. Como se vê, há apenas 496 unidades lançadas no centro, das
quais 208 localizam-se no distrito da consolação, rua Bela Cintra,
por U$ 38.628,47 (R$ 109.704,85) e US 52.083,33 (R$ 147.916,66) e
do Brás, rua Ipanema, por U$ 73.890,51 (R$ 208.890,51).
tabela 18 : localização dos lançamentos residenciais por
cooperativas autofinanciadas
lançamentos residenciais por cooperativas
coop no centro coop no MSP
total
coop
RMSP
quanti//
% do
total
coop
RMSP
quanti//
% do
total
coop
RMSP
quanti//
empreendimentos 3 1,5 108 55,7 194
unidades 496 0,7 30.268 44,7 67.702
fonte: Embraesp, jan 1992 a set 2002.
190
4.2.5 limites à produção residencial privada
4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados
A. cooperativas habitacionais autofinanciadas
- William Kun Niscolo, advogado, presidente da Fecoohesp.
B. construtoras
- Celso Luiz Petrucci, engenheiro, diretor do Secovi.
- Orlando de Almeida Filho, corretor de imóveis, presidente do
Sciesp.
191
4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas
autofinanciadas
Como relatado no início desta etapa acerca da produção privada de
HIS, a presença de um mercado estreito, ou de um regime de
‘capitalismo sem mercado’, acaba por se tornar mais uma barreira à
produção da moradia social no centro.
Alguns depoimentos e trechos bibliográficos coletados já apontaram
para este fato. Antes de apresentarmos as considerações dos
agentes diretamente envolvidos na produção de HIS pelo mercado,
vejamos alguns trechos de depoimentos dos agentes inseridos no
processo de produção de HIS pelo poder público acerca do tema.
Margareth Uemura, técnica da Cohab, nos indica algumas das
barreiras à produção privada de HIS no centro. Trata-se da falta de
incentivos aos empreendimentos, falta de punições dos proprietários
que não cumprem a função social de seus imóveis, bem como a
inexistência de uma política nacional de investimentos em
habitação:
“Não há incentivos [a produção privada de HIS no centro], por um
lado por que não se pune, por outro lado também não há incentivos
de reabilitar. Há também a questão da política financeira no Brasil.
O investimento no mercado financeiro é o que traz retorno, muito
maior do que fazer investimento no mercado imobiliário. Então
gastar 5o mil para fazer reforma num predinho de apartamentos, na
hora de locar, o retorno é muito menor”. (depoimento de Margareth
Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
Cohab, gestão Marta Suplicy).
Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, PMSP, também
considera a falta de incentivos, e de financiamento, como barreiras
à produção privada, considerando-as tão relevantes quanto os
instrumentos do Estatuto da Cidade, já aplicados na região central
nas ZEIS 3103, que buscam incentivar a produção de HIS. Ou seja,
Silva conclui que de nada adianta a presença destes instrumentos se
não há incentivo e financiamento:
“Em função da questão fundiária, nós definimos o instrumento Zeis,
foi um avanço, é muito importante. Mas a Zeis, assim como qualquer
instrumento do Estatuto da Cidade, ele não funciona sozinho,
nenhum instrumento urbanístico, por melhor que ele seja, ele
funciona se ele não for acompanhado de gestão, de promoção
mesmo, de mobilização que o poder público faz dos agentes
envolvidos, e se não tiver financiamento para responder. Ontem eu
discuti essa questão, também noutro Seminário do Ministério das
Cidades. Por exemplo: em todas as áreas de zeis 3, você tem o
instrumento da urbanização com edificação compulsória, que tem a
taxação progressiva. Vamos falar da urbanização compulsória. Ela
serve para quê? Quando você sabe que se o proprietário, ele não
fizer aquilo [destinar algum uso ao seu imóvel], depois de um certo
tempo, ele vai ter o imposto progressivo. E depois de mais algum
tempo ele vai ter a desapropriação por títulos da dívida. Bom para
que serviria isso? O proprietário, ele vai raciocinar, e vai ver que o
103 Os imóveis inseridos nas áreas delimitadas como Zeis 3 no plano diretor estratégico de São Paulo, devem, dentre outros requisitos, reservar nos novos empreendimentos 50% de sua área construída voltada para HIS.
192
imposto dele vai aumentar muito, e que vai ficar caro aquele
terreno, e muito melhor seria ele vender. Uma das idéias da
urbanização compulsória é aumentar a oferta, ela aumenta, mas ela
tem de ser aproveitada por alguém. Então para o poder público
aproveitar a oferta, ele tem que ter recurso para adquirir. Para o
setor privado também aproveitar, ele também tem que ter recurso
para adquirir para uma demanda, que é aquela que nos interessa
colocar nas zeis. Se você não tiver recursos para produzir habitação
de interesse social, você corre o risco de estar congelando,
imobilizando zonas, por que você não tem saída. Não adianta você
ter instrumentos, dos quais você não tem uma saída de viabilidade.
Então a questão da política é uma política fundiária, que conta com
instrumentos operacionais e que conta com recursos: é base para
que os instrumentos funcionem. Se não é discurso, é demagogia, e o
movimento fica achando que o programa vai andar e não anda. Por
que primeiro você tem a propriedade privada, a propriedade
privada. (...) Agora, outra coisa, é também a parceria entre os
construtores e os proprietários de terreno. Então o poder público,
ele pode até entrar com um pouco de recursos, mas ele tem que
entrar muito é mostrando como os instrumentos funcionam. Que é,
por exemplo, o que estamos fazendo na Cúria104”. (depoimento de
Helena Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
104 O Pró Centro, através do ‘escritório antena’ (grupo de técnicos voltados à atuação em um perímetro pré-definido do centro) tem realizado reuniões sistemáticas com a Cúria Metropolitana, proprietária de imóveis em um dos perímetros delimitados, para que lá possam realizar uma parceria público-privada de investimentos, onde 50% da área construída deverá ser de unidades de HIS. Isto ocorre no PRIH – Luz (Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat, localizado na região da Luz).
Ermínia Maricato, professora da Fau Usp, em participação no
encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?”, considerou que se faz necessária a criação de um programa
nacional de financiamento habitacional especificamente voltado à
produção de HIS nas regiões centrais das grandes cidades, segundo
consta no ‘Projeto Moradia’, proposta de política habitacional
nacional organizada pelo Instituto da Cidadania:
“Precisamos de Um programa nacional de financiamento voltado
para a moradia social em áreas centrais de grandes cidades. Algo que
tem sido discutido e está no Projeto Moradia, é a questão dos
subsídios escalonados. Toda faixa de renda tem alguma capacidade
de poupança. Alguns podem até autofinanciar suas moradias, como
revelou a pesquisa da Fipe sobre a capacidade de poupança de um
terço dos entrevistados” (Ermínia Maricato, in: relatório final do
encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?”, Lab Hab Fau Usp, 2000:59).
Maricato teceu estas considerações a partir de estudos que indicam
como barreira à produção habitacional pelo mercado a falta de um
modelo de financiamento compatível com a realidade econômica da
maior parte das famílias brasileiras. Vivemos sob um modelo
produtivo que não foi criado para produzir para estas pessoas:
“Nos anos 90, o financiamento habitacional oferecido pelo mercado
privado ilegal, ou seja, pelos bancos, não atinge aqueles que ganham
menos de 10 salários mínimos, de modo geral. Algumas cooperativas
associativas como é o caso da Cooperativa do Sindicato dos
bancários, em São Paulo, chegam com seus produtos à faixa mínima
193
de 8 salários mínimos (1999). Essa, entretanto, não é a regra. Para
dar uma idéia de grandeza, na região metropolitana de São Paulo
apenas 40% das famílias, aproximadamente, tem renda de dez
salários mínimos para cima. Ou seja, quase 60% da população da
metrópole paulistana estão excluídos do mercado legal privado de
moradia”. (Maricato, in: “A cidade do pensamento único,
desmanchando consensos”, 2000:156).
Para compreender melhor o porque da não inclusão destes 60% da
população paulistana na produção habitacional pelo mercado,
realizamos uma entrevista com um dos diretores do Secovi -
Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração
de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo, Celso Luiz
Petrucci. Engenheiro e responsável pela diretoria de produção
habitacional voltada aos 60% excluídos do mercado: a produção de
HIS pública e privada. Possui, portanto, olhos treinados para
observar a produção de HIS pela ótica empresarial, compreendendo
suas dificuldades e carências.
Petrucci inicia sua explanação sobre o tema apontando como
deveria funcionar o financiamento habitacional para uma sociedade
estratificada e marcada pelas desigualdades: de forma desigual. As
famílias de renda acima de dez salários mínimos devem acessar
maiores vultos de dinheiro (o que resulta em casas maiores e
melhores) diretamente das cadernetas de poupança dos bancos
privados. As famílias de renda até 10 salários, recursos razoáveis da
maior ‘poupança pública’, o FGTS, com juros mais baixos que os de
mercado (resultando em casas suficientemente boas para
habitação), e as de até três salários, recursos subsidiados pelo OGU –
Orçamento Geral da União (que produziriam unidades mais baratas e
simplórias).
Petrucci, ao comparar o modelo supra citado com o atual
funcionamento do sistema de financiamento habitacional, afirma
que há muitas diferenças. Entre elas é a “dificuldade de critérios de
aprovação de financiamento: elitizando a aplicação dos recursos do
FGTS: a caixa é seletiva na aplicação dos recursos”.Daí, “quem
poderia ter recursos do SBPE (acima de 10) utiliza o FGTS, que é
subsidiado, perde-se o subsídio para até os 10 salários, e quem
toma é quem tem bem mais condições”.
Atualmente o FGTS assiste famílias com até 4.500,00 de renda (18
salários mínimos). Petrucci reivindica formas de “trazer este
funding (FGTS) para uma classe mais baixa, de 2.400, 3.500,00,
vendo se despreciona os recursos do FGTS para quem realmente
precisa”.
Petrucci lista as maiores barreiras à produção de HIS privada no
centro, muitas delas comuns à produção pública, já vistas nas seções
anteriores:
1: alto custo da terra: “Falta disponibilidade de terra a um preço
compatível com o preço que tem que ter o imóvel”.
194
2: desconhecimento dos incentivos existentes: “Falta um pouco de
conhecimento para os nossos empresários, da Operação Urbana
Centro105, por que ela traz uma série de incentivos”.
3: demora na aprovação dos projetos pela PMSP: “Apesar de todas
as iniciativas, do pessoal de Aprov on-line106, nós ainda temos uma
demora muito grande para aprovação de projetos. Ainda é, a gente
houve muitos empresários que tem dificuldade. A gente vê a
dificuldade que é para se detectar uma oportunidade, e sair dessa
oportunidade até a aprovação do projeto e a incorporação”
4: falta de um banco de dados de demanda e ofertas: “Os
programas que tem, o PAR, por exemplo, são bastante burocráticos,
você tem uma exigência de memorial descritivo muito forte, e você
tem os números deles, que são muito apertados para você trabalhar.
(...) Se torna muito difícil você detectar oportunidades no centro.
Para o Cláudio Bernardes107, eu tenho a certeza que as pessoas
oferecem as coisas, por que como ele fez dois projetos no centro, ele
acaba tendo ofertas até de terrenos. Mas você não tem um banco de
ofertas imobiliárias, você depende, eu fico pensando: ‘como é que
eu vou prospectar um negócio no centro da cidade. (...) ninguém tem
uma base de dados. Essa era uma idéia de um antigo convênio, (...)
um acordo de cooperação entre a SEDU, no ano retrasado: Sedu, gov.
105 A operação Urbana Centro, criada em junho de 1997, abre a possibilidade de maiores taxas de ocupação para novos empreendimentos imobiliários no centro, além de outros incentivos. 106 Trata-se de uma nova forma de gerenciamento dos processos de aprovação de edificações pela PMSP/Sehab/Aprov, que permita o acompanhamento dos processos pela Internet, e outras facilidades. ver sítio da PMSP: http://plantasonline.prefeitura.sp.gov.br/ 107 Empresário que recentemente realizou dois empreendimentos habitacionais na região central, a partir da compra dos imóveis, reforma e posterior venda.
estado, o município, CEF e sindicatos. Havia um acordo de
cooperação técnica, uma das propostas era montar um banco de
ofertas, e a outra, lógico, era de fazer um banco de demandas. Para
ver se conseguíamos que qualquer nível de governo tivesse acesso às
mesmas informações e procurassem formatar programas mais
integrados. (...) É uma idéia que se tem que conseguir desenvolver,
a gente houve muito: ‘no centro tem não sei quantas mil unidades
desativadas, não sei quantos prédios abandonados’ mas cada um faz
um pedacinho do levantamento. Eu imagino, que no centro deva ter
milhares de metros quadrados parados. Só que ninguém sabe disso,
ninguém sabe quem é o dono, se a propriedade está legalmente
acessível, por serem propriedades antigas”.
5. conjuntura econômica: “Um construtor, um empreendedor vai
para qualquer lugar que tiver oportunidades, se o Cláudio foi lá
mexer nesse prédio, no centro, é por que quando ele fez a conta, no
final dava lucro, se não ele não ia. Só que para começar a pensar em
alguma coisa, nós estamos passando por uma conjuntura tão
complicada que as empresas mal e mal estão dando conta daquilo
que estão fazendo. E tem que ser muito competente nas coisas que
está fazendo, para não piorar a conjuntura da própria empresa,
então eles não têm o tempo para ver se tem alguma opção de
negócio numa região central”.
6. limitação cultural do empresariado brasileiro: “Há uma limitação
cultural, isso deu para perceber quando estivemos outro dia com um
Francês, numa consultoria. Ainda estamos, o empresário nosso, numa
cultura de que construir significa... como a história da nossa
construção é muito engraçada: a maioria das grandes empresas de
hoje começaram quando esses engenheiros eram recém formados na
195
USP, Mauá, e faziam sobradinhos, com o dinheiro do pai (assim
começaram as empresas de engenharia). Essas empresas de
engenharia, que são espacializadas no ramo imobiliário, elas nunca
(São Paulo tinha tanta coisa por se fazer nos últimos anos,
principalmente durante os anos 80) viram o mercado de reforma,
como um mercado empresarial, para se ganhar dinheiro, para se
consolidar uma empresa nesse mercado. E eu acho que esta questão
hoje, ela começa a ser vista de uma outra forma. A partir do
momento que você começa a perceber que aquilo que se investe na
França em reformas, é de 50%. Eu tenho visto no Brasil inteiro que se
começa a pegar uma cultura desse tipo, agora, sempre que a gente
fala isso em termos empresariais, outro dia vi um empresário que
fez uma revitalização no centro do Rio, e fica muito legal, mas veja
só o resultado do negócio: um negócio de um milhão de reais, vamos
dizer que este foi o custo, e no fim que tenha sobrado, um lucro de
200.000 reais, o que é uma rentabilidade boa, mas você pega o
tempo que ele demandou para conseguir isso: conseguir aprovar um
projeto desse, conseguir colocar dentro das diretrizes da prefeitura.
Deve ter sido em uns 20 meses, por exemplo. Dá 10.000 reais por
mês. E com um empresário nosso da indústria imobiliária, ele está
acostumado com um outro tipo de coisa: É um ‘developer’108 mesmo,
bem no estilo americano. Está acostumado a ver um terreno, ver que
existe uma oportunidade, é o ‘filing’109 dele. Uma pesquisa, um
estudo, diz que ali dá para fazer um bom negócio: ele desenvolve o
produto, aprova o projeto, registra a incorporação, vai a um banco
ou não e lança esse produto no mercado. É muito diferente da
logística que exige você ir ver o prédio que está disponível para
vender, você ter que imaginar o que está por trás das paredes. Ter
108 ‘desenvolvedor’, do Inglês. 109 ‘sentimento’, faro pelo ‘negócio’, enquanto transação comercial, do inglês.
que imaginar a reforma que você vai ter que fazer, saber a
adaptação que você vai ter que fazer, a legislação que mudou (por
que esse prédio tem 30 anos), ou seja, o quê que você vai ter que
fazer para transformar esse prédio numa mercadoria para venda.
Mas eu tenho percebido nos próprios empresários, e aqui em
particular, que já existe um interesse muito grande nesse tipo de
coisa. Eu acho que o que falta ainda é oportunidade. De aparecer
alguém falando: ‘olha, eu tenho ali um hotel que está sendo
desativado. É tudo conta110, para mim é tudo conta: estou vendendo
a mil reais, quantos apartamentos dá para fazer nesse hotel? Dá para
fazer 20 apartamentos de 40.000,00 (dentro dos dez salários), dá
uma receita de R$ 800.000,00, quanto que eu vou gastar para pegar
esse prédio, re aprovar, transformar uma matrícula só em várias
matrículas, numa fração ideal, ir ao registro de imóveis, transformar
isso numa incorporação imobiliária e tal, vou ver se dentro desses R$
800.000,00 dá para fazer tudo isso. Se dá para reformar, e se dá
para ganhar dinheiro, né? Isso aqui hoje é ainda muito, é muito
complicado. As pessoas não estão para isso, ainda que a conjuntura
não permite, elas não estão para perder tempo. Se chegasse alguém
e falasse assim: ‘tenho dez imóveis lá no centro, vamos lá dar uma
olhada para ver se algum interessa e tal, os imóveis estão sendo
vendidos a preço de mercado, eu tenho um terreno, que dá para
fazer uma operação urbana, que me permite um aproveitamento de
seis vezes’. Não existe isso, não existe essa oferta no mercado. Eu
acho que essa informação é hoje muito mais dos poderes públicos,
que da iniciativa privada. Você deve ter esse tipo de levantamento
na Viva o Centro, na Prefeitura, mas ninguém junta isso para dizer:
‘olha ali tem um terreno vazio ali, vamos tentar viabilizar um
110 matemática, equação que informa se o empreendimento imobiliário gera lucro.
196
empreendimento ali, tem um monte de imóvel que dá para fazer
retrofit, e nós vamos ofertar esses imóveis’”.
7. Falta de parceria entre o poder público e a iniciativa privada:
“Tem este exemplo do Rio de Janeiro (é muito complicado você fazer
uma operação imobiliária) onde ele pegou dois imóveis antigos, e
transformou esses dois imóveis comerciais antigos em uns doze
apartamentos. Agora, seria muito mais atrativo, se isso fosse, por
exemplo, uma quadra. Estou falando isso pelo seguinte: se a PMSP
conseguisse fazer no centro o que em Salvador eles conseguiram
fazer, no pelourinho, ou seja, você atrair os proprietários de uma
certa região, mostrando para eles tudo que vai ser feito de melhor
nessa região. Se você melhora aqui, questões de circulação,
estacionamento, colocar serviços, colocar comércio, em regiões hoje
degradadas. Por exemplo, se pegarmos uma quadra da Conselheiro
Crispiniano, onde hoje para andar é complicado. (...) e se você ao
invés de estar trabalhando imóveis isoladamente e estiver
trabalhando numa área um pouquinho maior, você gera
oportunidades, utilizando-se de instrumentos como o recém criado
agora pela medida provisória: os Programas de Parceria Privada, o
tal dos PIPS, e o FIDC da CEF, que é Fundo de Investimento de
Direitos Creditórios, que serve para esse tipo de coisa: eu detecto
uma oportunidade, um terreno numa área que esteja precisando de
desenvolvimento. Eu vou ao poder público e falo ‘vou fazer um
pouco de habitação social, um flat, algumas lojas, um prédio de
estacionamento e tal’, faz um fundo e pulveriza-se isso. É muito
mais fácil do que essa iniciativa isolada, às vezes até quixotesca, de
eu conseguir um imóvel na cidade, fazer um retrofit dele, e ter um
sucesso, e depois virar um ‘case’111 mas que é um ‘case’ que no fim
vai atender aqui doze famílias. Bem diferente do que você ter uma
ação integrada, ás vezes de um dois órgãos do poder público, e
tentar fazer um negócio um pouco mais atrativo”.
8. Morosidade na regularização das antigas escrituras: “O que está
vago e disponível, pode se tornar indisponível por problema de
documentação. Todas as regiões mais antigas você tem isso.
Antigamente as escrituras não tinham uma frase que é muito comum
hoje: ‘um terreno que encerra a área de 250 m²’. Se não tem isso
ele se torna indisponível. Aí você tem que chamar todos os imóveis
lindeiros, e tem que provar que 10x25m dá 250m², e todos os
vizinhos têm que concordar”.
9. Dificuldades na realização de obras na região central: “Entre
você começar alguma coisa num bairro como na Vila Mariana, e
começar uma coisa no centro, eu acho que as pessoas acabam
optando pelo centro, pelas dificuldades todas que tem no centro.
Inclusive pelas restrições para obras, como horários para
determinados serviços, o que pode envolver num aumento de custos
nas obras”.
Acerca da questão anteriormente trabalhada na seção limites da
economia política, item gentrificação: expulsão das famílias de
baixa renda dos limites à promoção pública, que trata das
dificuldades da permanência da população de baixa renda em um
centro em processo de valorização imobiliária, Petrucci considera
esse processo ‘natural’:
111‘Caso’, do inglês, projeto piloto, pontual, exemplo.
197
“Isso [revalorização imobiliária] vale para qualquer região. E eu acho
que o centro fica cada vez mais atrativo. Agora parece que a PMSP
vai lá para o Banespa112, algumas secretarias também. Até a própria
CDHU parece que deve ir para o centro. Eu acho natural que aja uma
valorização. Da mesma forma de quando saiu todo mundo do
centro113, houve uma desvalorização acelerada. Eu acho que a partir
do momento que você começa a voltar, vai haver essa valorização.
Mas eu acho isso natural no mercado. Não acho que isso seja ruim. A
gente vai vendo isso em diversos bairros: Eu, quando era moleque
morava em pinheiros, e era um bairro completamente de classe
média, com as casinhas todas, sobradinhos. Você vai hoje e vê
prédios de altíssimo padrão, coisas caríssimas na Capote Valente, na
Cristiano Viana, a Vila Madalena. Hoje você acha apartamentos de
3.000,00 o m² de área útil. Há uma grande concentração de
intelectuais, bastante coisa de cultura. Então eu acho isso natural, e
eu acho que se voltar para o centro, e eu acho que isso vai
acontecer, da mesma forma que aconteceu em Nova York, da mesma
forma que acontece em outras cidades. Quando você começa a puxar
um bairro, isso é natural, é do ser humano, com certeza”.
Em seguida, o questionamos acerca da população de baixa renda,
público alvo de nossa pesquisa. Como ela habitaria em um centro
‘re-valorizado’?
Petrucci afirma que essas famílias só poderão habitar no centro com
investimentos públicos diretos (apesar de a seu contra-gosto), como
medida mitigadora dos efeitos da alta dos preços dos imóveis:
112 Edifício do Banespa localizado entre o vale do Anhangabaú e a praça do Patriarca, diante do viaduto do Chá. 113 Petrucci deve aqui se referir à classe social de maior renda.
“Eu sou contra propostas que tenham a intervenção pública de
qualquer forma. Mas eu acho que aí, eu acho que se nós temos um
centro da cidade que efetivamente poderia estar morando lá o dobro
da população que hoje mora, e o poder público precisasse investir
zero de infra-estrutura (lá é bem atendido de sistema viário, de
transporte de massa) eu acho que aí se você quer preservar algumas
áreas, para que você possa trazer hoje pessoas que estão morando
em Guaianazes ou em Perus, eu acho que aí só com intervenção
pública que você consegue, (eu ouso dizer). Só com intervenção
pública é que você conseguiria segurar esse tipo de coisa. Ou seja,
não é dentro do meu liberalismo, mas eu acho que se existem não sei
quantos mil prédios parados no centro da cidade, uma das coisas que
podia ser feita é começar a mexer nesses prédios, se pensar em
desapropriação, pensar em maneiras de se fazer retrofit nesses
edifícios. (...) Pois se eu tenho uma população X hoje no centro e eu
acho que poderia ter uma população Y, e quero conseguir fazer que
o poder público possa ocupar toda a infra-estrutura e tirar a
ociosidades, isso vai levar vinte anos. A não ser que eu atraia a
iniciativa privada, e se eu fizer algumas interferências pode ser que
eu consiga fazer isso em cinco anos, em dez anos. Daí eu acho que
valeria a pena se começar a fazer a conta do quê que é melhor para
a cidade, em termos de investimento. Se for melhor fazer isso, do
que fazer infra-estrutura lá em Valo Velho, eu ouso dizer que aí você
precisaria ter intervenção pública para você preservar algumas
possibilidades para se construir HIS na cidade. (...) Mais ou menos
dentro de uma linha para um ‘edge city’114: eu fico pensando muito
na Avenida São Luiz, que teria tudo para ser um lugar maravilhoso
na cidade. Se você for conhecer aqueles prédios lá (é tudo
114do inglês: ‘cidade de fronteira’, ou cidade ‘de vanguarda’, ‘cidade limite’.’
198
apartamento de um andar), onde poderia ser um belo boulevard,
cheio de mesas nas calçadas, um exemplo do que poderia ser feito
ali. Mas com isso eu acho que atraía esse público, eu não afasto a
hipótese de você ter que levar famílias de uma classe de renda
melhor, até para atrair as famílias de renda mais baixa. Em outras
palavras, poderia ser que algum movimento de modismo, como hoje
é a Vila Madalena, de repente virasse moda morar na Avenida São
Luiz. Com certeza seria mais fácil você conseguir viabilizar coisas ali
do lado, na República, na Ipiranga. Agora, sempre com intervenção
pública”.
Segundo Petrucci já há notícias de empreendimentos habitacionais
no centro voltados à classe média, que sofreram considerável
valorização desde seu lançamento. Ele nos dá o exemplo de imóveis
recentemente erguidos no Cambuci, próximos à avenida do Estado:
“Sabe quantos apartamentos a Gafisa vendeu ali? 1100, e vendeu
todos. O mais caro a R$ 80.000,00 (de três dormitórios), e começou
vendendo à vista, por R$ 49.000,00 (de dois dormitórios)”.
Quando questionado se é consensual na sociedade paulistana a
realização de investimentos no centro para a manutenção e
aumento da população de baixa renda na região, Petrucci afirma:
“Eu acho que no centro da cidade tem lugar para todo mundo (...) e
não acho que você está trazendo HIS para o centro, você vai o
desvalorizar (...) apesar de que acho que isso não é consensual, acho
que tem essa visão, é por que tem uma visão elitista, tem uma visão
sectária. (...) Eu acho que pode ter gente que não concorda com
isso”.
Ainda com o objetivo de compreender e identificar os limites à
produção de HIS no centro realizada por entidades privadas, é que
realizamos uma entrevista com William Kun Niscolo, advogado,
presidente da Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais
do Estado de São Paulo.
Niscolo inicia sua explanação respondendo a questão já por muitos
colocada. Por quê não há nenhuma unidade habitacional produzida
por cooperativas na região central de São Paulo?
“O por que as cooperativas não trabalham no centro? É simples, o
nosso problema continua sendo dinheiro. (...) Qual o problema de se
ter dinheiro de um banco, como, por exemplo, da CEF, que vai ter
aqueles 5 bilhões do Lula? É por que um banco quer lucro. (...) E aí,
o grande problema é a capacidade de pagamento do cidadão. (...) Ou
há um subsídio, uma participação dos poderes públicos, ou haverá
sempre gente na favela, sem saúde, sem educação, sem nada. (...) A
falta de cooperativas trabalhando no centro? O problema é
financeiro, 95% das cooperativas habitacionais no Brasil, são auto-
financiadas. As pessoas pagam uma mensalidade, segundo um plano
de pagamento, e vai se construindo segundo a entrada de recursos.
Para eu pegar um prédio aqui no centro para reformar, eu posso até
fazer isso. Fazer um orçamento, com uma construtora, ver quanto
que custa para reformar, criar um plano de pagamento, e fazer com
que as pessoas paguem por mês o necessário para a reforma.
Brasileiro é imediatista, ele quer um prazo curto, quer pagar hoje e
já estar morando amanhã. Então não adianta chegar e cobrar 50
reais por mês de um prédio só de 80 apartamentos, que vai dar um
pagamento de R$ 4.000,00 por mês. Para reformar um prédio
inteiro, não dá nada. É impossível, eu vou ficar anos reformando o
199
prédio, com o pessoal pagando pouquinho, então se for para atender
essa camada que pudesse pagar R$ 50,00 , que é a classe baixa, eu
vou ter uma obra muito lenta, e eles vão demorar muito para morar.
E se cobrar aí 350,00 da classe média, vezes 80 apartamentos, já são
R$ 28.000,00 mês, o que para uma reforma já começa a melhorar,
mas ainda é insuficiente. (...) Ou vem alguém para me ajudar no
lado financeiro, para que eu consiga para dar agilidade na reforma
ou não vai para frente”.
A produção de poucas unidades, como se dá no centro, para uma
cooperativa autofinanciada gera os problemas acima identificados:
uma obra muito lenta, pois arrecada poucos recursos por mês. Seu
funcionamento se dá em empreendimentos de maior escala, como
nos apresenta Niscolo:
“Funciona assim: tem uma construtora, e dentro da projeção
financeira, fazemos um planejamento físico-financeiro e vamos
executando. (...) Hoje nossa forma de produção é como uma escada.
Enquanto um está na fundação, outro está na estrutura e outro está
no telhado. Eu destino os recursos para três prédios. Isso me dá uma
agilidade de entregar um prédio de oito andares a cada três meses. É
uma máquina construtiva. (...) Isso é muito bem administrado. (...)
O cooperativismo moderno, acha um terreno, monta um projeto, vê
quanto custa tudo, monta-se o produto, aí você vai para o mercado,
para chamar os cooperados. A cooperativa hoje nasce com seu
produto, não vai primeiro chamar as pessoas para depois fazer. Há
cooperativas aí que estão a dez anos aí, e não tem nada feito. Tem
que nascer com o produto pronto. (...) Cooperativa é um método que
a gente não visa somente a casa, temos todo o lado social que pode
ser dado de apoio, pode-se organizar esse pessoal para uma
cooperativa de trabalho, tem situações que as cooperativas
poderiam amparar o lado social da classe de baixa renda. Agora
quem tem que amparar financeiramente é o governo”.
A partir desta colocação, Niscolo nos responde a seguinte questão:
se houvesse um aporte de recursos públicos que complementasse a
renda das famílias, as cooperativas poderiam trabalhar no centro?
“Então, o que uma cooperativa habitacional poderia fazer em termos
de centro de São Paulo, para atender a classe baixa? É a aglutinação,
a administração, o caráter social, de educação social, e de ir
administrando o financeiro junto com um órgão público, ou com um
banco que não seja tão feroz na forma de arrecadar juros, de cobrar
em cima do pessoal, por que é uma capacidade de pagamento que
eles não tem”.
Outra dificuldade, já identificada nas seções dos limites à promoção
pública, é o alto valor da terra no centro de São Paulo. Niscolo
discorre também sobre a questão, comparando valores praticados
nos empreendimentos que atualmente tem trabalhado:
“O valor da terra em Cotia, dá R$ 26,00 o m². Já em São Paulo
(risos), em Guilhermina, esse é o único terreno que nós estamos
pagando ainda, é um terreno muito caro. (...) Terreno em São Paulo
é muito caro, há muita especulação com os terrenos, e como nós
pagamos em longo prazo, então o proprietário adicionou juros em
cima. Eu recebo, por exemplo, R$ 100.000,00 (dos cooperados) por
mês e tenho de dirigir R$ 70.000,00 para o terreno e o restante para
a obra. Então o proprietário recebe em 40 meses e vai colocar juros
em cima. Lá foi R$ 416,00 o m², por que teve a desapropriação de
200
uma parte do terreno no meio das obras (CPTM), e não tínhamos
como voltar atrás. (...) Eu recebi uma proposta outro dia de R$
120,00 o metro, o que já é caro para a cooperativa autofinanciada.
(...) O preço de mercado é menor, mas como pagamos em vezes
aumenta mais o valor. (...) Demoramos ainda um ano para começar a
pagar o terreno, que é para juntar os cooperados. Aí, eles
[proprietários dos terrenos] pedem um sinal: ‘sinal é tchau’, não
tem jeito... Ás vezes alguns proprietários aceitam em área
construída”.
Mais adiante, William Niscolo refere-se ao programa PAR – CEF, e
por que não trabalham com os recursos do programa:
“O PAR, da CEF, é interessante, mas depende da vontade da CEF de
investir em um prédio aqui ou ali, e tem que ser construtora
gericada. Tem uma burocracia que às vezes estrangula as ações. Ou
muda-se a lei da CEF, ou cria-se algum método, como em Pelotas
(RS), em que foram realizadas 900 unidades pelo PAR, numa parceria
da prefeitura com as construtoras, empresas de material de
construção, cooperativas de construção: montaram um plano de
atendimento à população de baixa renda. E está dando certo. São
900 unidades em um ano e meio de obras. (...) Estive com o
secretário de habitação de pelotas e estamos conversando para ver
como que ele conseguiu esse apoio da CEF. Ela é muito complicada, é
um banco, e tem seus acionistas. Temos que ver que tem uma
camada da população que tem carência habitacional. Ou se abaixam
os juros, ou utiliza-se de outros métodos. (...) CEF e Cooperativas
Habitacionais nunca deu certo. (...) Eu acho que para a CEF nós não
somos seguros, pois se ela acaba investindo numa cooperativa...
quantos donos tem uma cooperativa? Aqui nós temos 2.000. Então a
CEF tem medo de negociar com 2.000 donos. Ao passo que com uma
construtora, você tem garantias, tem aval. Se der um ‘piripac’ ela
sabe quem acionar: a construtora. Se acontece isso com uma
cooperativa, ela vai acionar pessoas físicas, uma sociedade formada
por pessoas físicas. Então isso não dá segurança, para todo
financiamento. (...) Além do que tem cooperados que não seriam
aceitos pela burocracia da CEF. Numa cooperativa é só entrar e
pagar. Ela [CEF] tem de rever os seus conceitos para atender a
demanda. E eu duvido que vá mudar, pois é um banco, e que visa o
lucro e quer garantias. (...) Por exemplo, se você pegar um crédito
de R$ 50.000,00 num consórcio da CEF, você vai pagar R$ 65.000,00.
Nós lançamos um empreendimento em Cotia em 1996, a R$ 206,00
hoje está a R$ 380, 00, em quase oito anos, aumentou R$ 180,00. Nós
não cobramos os juros, sim a correção monetária, a CUB. (...) Eu
acho que a CEF deveria se transformar num banco social do país, (...)
e deixar os bancos privados fazerem sua especulação, que ganhem
seus lucros, de quem puder pagar”.
As cooperativas também enfrentam dificuldades com a legislação de
HIS, que é diferente em cada município. Outro problema apontado
por Niscolo são os trâmites para a aprovação dos projetos pelas
municipalidades, que são demorados e tratam as cooperativas da
mesma forma que as construtoras:
“Os três projetos nossos são de HIS, e cada cidade da região
metropolitana tem a sua legislação. Que lei rege a produção
imobiliária? É uma pluralidade de leis, (...) deveria se ter uma
padronização mínima, para facilitar para os produtores. (...) Já para
a aprovação dos projetos, é uma briga nossa, de termos
procedimentos mais fáceis para as cooperativas. Pois nós temos o
201
mesmo tratamento, que as construtoras que gasta 25.000,00 para
construir e vende a R$ 120.000,00 , e eu que construo a R$ 25.000,00
vou passar pelos mesmos trâmites. Desde que seja uma cooperativa
filiada a OCESP, constituída, independente, que siga realmente os
princípios, essa poderia ter um tratamento diferenciado. Agora tem
umas construtoras que se fazem de cooperativas para ter
facilidades, aí não. Estamos com um convênio da OCESP com o
ministério público para moralizar as cooperativas, que é um
problema, e temos que limpar. Nós que somos sérios acabamos mal
por parecer estarmos no mesmo barco”.
Uma última barreira apontada é de âmbito cultural. Niscolo queixa-
se que poucos conhecem a produção habitacional por cooperativas,
mais especificamente, os promotores de justiça:
“Quando chega o processo nas mãos de um promotor de justiça, eles
olham e dizem ‘ah cooperativa, isso é loteamento clandestino’. Há
entendimento, aprendizado sobre o que é cooperativa. Estava outro
dia (no seminário da Prefeitura) conversando com o representante
dos cartórios de imóveis, e falamos que cooperativas não precisavam
fazer incorporação, ele não acreditou. (...) É lógico que não, eu não
vendo nada. É rateio de despesa. É diferente de venda, que tem
lucro. Então na incorporação existe sempre um empresário, um
dono, a unidade tem que ser determinada e tem o objetivo de lucro.
Cooperativa: tenho pluralidade de donos, ninguém sabe onde vai
morar, é sorteio, e eu não tenho lucro. Há um dossiê do ministério
público que diz que se é incorporação não é cooperativa e se é
cooperativa, não é incorporação. E na lei, eu tenho redução na taxa
de registro de imóveis. (...) Muitos cartórios não gostam disso daí,
por que vão deixar de ganhar dinheiro”.
Para finalizar, Niscolo coloca ‘o que falta às cooperativas’ para que
sua posição no cenário da produção possa ser de maior escala:
“O que nos falta? É apoio do governo para essa camada da sociedade.
Como o que meche com tudo no mundo capitalista é o dinheiro. Se a
gente conseguisse abrir as portas tanto do governo estadual,para
criar algum subsídio, ou que venha do governo federal, as
cooperativas tem total situação de apoio para desenvolver esse
trabalho. Nós trabalhamos. Se vier o financeiro, a gente une o útil
ao agradável. (...) O que falta é a gente sentar para conversar, a
caixa e os governos: estamos todos aí”.
“Falta uma lei habitacional, que regulamente a produção por
cooperativas. Portugal tem uma lei, o Uruguai tem a sua também. Eu
sempre digo uma coisa: o poder executivo quer saber quanto que eu
faturo para me tributar; o legislativo quer acabar comigo por que as
construtoras têm um lobby muito forte, nós somos uma pedra no
sapato das construtoras; e o judiciário nem sabe que a gente existe,
eles olham: ‘cooperativa? consumo! Então é o código do consumidor’,
mas péra aí, e a lei do cooperativismo? Quando que eles vão
aprender?”.
Como última fonte de informações ‘vivas’ para a redação da
conclusão da presente pesquisa realizamos uma conversa com
Orlando de Almeida Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de
Imóveis do Estado de São Paulo. Dentre as inúmeras questões
tratadas em nosso encontro, destacamos apenas aquelas referentes
202
a sua opinião quanto a não existência de um mercado atuante no
centro.
Almeida Filho afirma ainda “não haver compradores para os
imóveis” da região, não há interesse do mercado pela moradia no
centro “devido principalmente a questões de falta de segurança”:
“as pessoas tem medo de andar por lá”. Caso os investimentos na
área de segurança forem concretizados, Almeida Filho acredita que
pode ocorrer o mesmo que ocorreu na Avenida Paulista, que teve o
valor de aluguel dos escritórios dobrados apenas com a instalação de
mais cabines115 pela Polícia Militar com o patrocínio da Associação
Paulista Viva116, financiada principalmente por bancos e
proprietários de imóveis na Avenida.
115 “Trata-se da implantação de 40 cabines móveis denominadas "Supedâneos", permitindo um esquema ostensivo de vigilância. Após a instalação das primeiras 15 ao longo da Avenida Paulista foi registrado uma queda de 70% no índice de criminalidade na região. Os policiais estão equipados com modernos e eficientes recursos e estão monitorados por sistema de comunicação inteligente. Para a realização deste projeto, a Prefeitura do Município autorizou o uso da via pública e o Governo do Estado de São Paulo criou o 34º BPOE (Batalhão de Policiamento Ostensivo Especial) que conta com policiais especialmente treinados para, além de combater a criminalidade, auxiliar a população e orientar o turista que circula pela região. Os policiais têm ainda o diferencial de serem bilíngües e utilizam uma braçadeira com a indicação do idioma que o mesmo domina”. : trecho extraído do sítio Associação Paulista viva: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm
116 A Associação Paulista Viva conta com a colaboração de diversos associados da ‘comunidade’ da avenida, dos quais 16 são bancos: “a COMISSÃO PAULISTA VIVA que, mais tarde, em 1996, veio se transformar em associação, cujo mantenedor é o próprio empresariado da região da Avenida Paulista. Até Outubro de 2001, contava com a administração do Dr. Olavo Setúbal, quando passou a ser administrada por
Somando-se este fato, Almeida Filho nos confirma haver uma espera
dos proprietários de imóveis do centro e dos investidores
imobiliários pela consolidação dos investimentos públicos
recentemente anunciados pela PMSP na região: “se ocorrer o que se
promete, o centro vai ficar lindo”, “haverá oferta e procura”, e
conclui: “Daqui a uns três anos vamos ter [no centro] uma
valorização imobiliária muito grande”.
O encontro com Almeida Filho nos proporcionou uma melhor
compreensão dos custos básicos de um empreendimento
habitacional promovido por uma empresa com fins lucrativos em
comparação com um promovido pelo poder público. Desta forma ele
pode nos melhor esclarecer quais as dificuldades enfrentadas pela
promoção privada para a produção de imóveis por valores acessíveis
pelas classes com renda de até três salários mínimos. Como resumo
desta conversa elaboramos a tabela apresentada na próxima página.
voluntários, empresários e executivos de grandes empresas sediadas na região que aceitaram o desafio de manter a AVENIDA PAULISTA como o orgulho maior dos paulistanos”. sítio da associação: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm
203
tabela 19 : custos da construção habitacional – comparação
aproximada entre promoção pública e privada
despesas
custos da produção habitacional
promoção
privada promoção pública
% da
prom.
pública
em
relação
à prom.
privada
valor em
R$
% do
custo
total
comparação
com a
promoção
privada
valor em
R$
terreno 9.000,00 15
mantém-se o
valor dos 15% 9.000,00 100,0
construção 33.600,00 56
mantém-se o
valor dos 56% 33.600,00 100,0
financeiras
(juros) 3.000,00 5 baixa para 2% 869,39 29,0
comercialização 3.600,00 6 inexistente 0,00 0,0
impostos 1.800,00 3 inexistente 0,00 0,0
lucro 9.000,00 15 inexistente 0,00 0,0
total 60.000,00 100 43.469,39 72,4
fonte: conversa com Orlando Almeida Filho, agosto de 2003.
A partir da tabela ao lado, Almeida Filho pondera que a diferença
entre os custos de uma produção e outra é de aproximadamente
30%, se mantido o lucro mínimo de 15%117.
Para exemplificar as proporções propostas por Almeida Filho,
optamos por aplicar um valor de R$ 60.000,00 para a produção
privada para que possamos atingir na promoção pública um valor
próximo dos R$ 42.000,00 atualmente praticados pela Cdhu na
produção das unidades de HIS no centro, através do programa PAC –
BID.
Cabe aqui agora uma importante ressalva: o valor de R$ 60.000,00,
que poderíamos considerar o valor mais baixo para a promoção
privada no centro é exclusivamente apenas o valor de produção das
unidades. Para termos o valor real de acesso desse imóvel para as
famílias, devemos incluir ainda as despesas com os juros do
financiamento, que é de 8,16% ao ano para a carta de crédito da
CEF (mais baixos que os praticados pelos bancos privados, acima de
10% ao ano). Teremos então um valor final de pagamento de R$
116.995,29, quando ela custou R$ 60.000,00 para ser produzida, se
financiada em 180 parcelas, ou 15 anos, resultando em parcelas
(corrigidas) de R$ 649, 97, o que pode ser pago apenas por famílias
de renda superior a 10,8 salários mínimos, se comprometerem 25%
de sua renda.
117 Almeida Filho considera o lucro mínimo como 15% dos custos do empreendimento, pois é o mesmo valor aproximado das despesas com um novo terreno. Base para um novo empreendimento, de modo a ‘fazer girar o capital’.
204
Temos aí, nos juros do financiamento uma das maiores dificuldades
de acesso à moradia pelas famílias de renda média, como se vê na
reprodução da manchete abaixo:
folha de São Paulo, 03.07.2003
É por isso que, segundo Mário Watanabe em artigo ‘O desafio de
privatizar a moradia popular’ na revista ‘Qualidade na construção’
do Sinduscon São Paulo: “Existe um buraco negro no mercado, na
faixa de renda de 6 a 12 salários mínimos”, pois poucas são as
famílias que dispõe de recursos para comprar um imóvel à vista,
tendo de necessariamente de se utilizar dos financiamentos
imobiliários, muito onerosos, ainda que praticados por bancos
públicos como a CEF.
Se observarmos a tabela abaixo, que nos indica o déficit
habitacional da RMSP, por faixas de renda familiar mensal, veremos
que 23% da população não tem meios de acesso à moradia, segundo
os caminhos acima trilhados. Os que necessitam de subsídios
governamentais são nada mais que 72% da população:
tabela 20 : estimativas do déficit habitacional urbano por faixas
de renda mensal familiar na RMSP
faixas de renda mensal familiar (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5
de 5 a
10
mais de
10
total (inclusive
sem renda)
792.466 132.598 100.437 46.994 1.087.316
401.239 81.766 58.661 22.204 577.195
1.193.705 214.364 159.098 69.198 1.664.511
72 13 10 4 100
fonte: Dados básicos: IBGE 2000
elaboração: Fundação João Pinheiro, Centro de Estatísticas e Informações.
205
4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS
pelo mercado
Com o objetivo de melhor compreender as barreiras à produção de
HIS no centro pelo mercado, é que inserimos aqui, como um anexo,
os resultados do Seminário ‘Como Ampliar o Mercado de Habitação
Popular? Construindo uma agenda’, qual participei de sua equipe de
organização, como parte integrante dos trabalhos da presente
pesquisa, através do Laboratório de Habitação e Assentamentos
Humanos da FAU USP, prestador de serviços à Sehab - PMSP.
Este seminário teve como objetivo reunir os setores da produção de
HIS pelo mercado, como construtoras, cooperativas autofinanciadas
e suas entidades representativas para a formatação de uma agenda
que conduza as ações do poder público e iniciativa privada para a
superação dos entraves à ampliação dessa produção.
O produto final do evento, a ‘Agenda para a ampliação do mercado
de habitação popular’, é material que consideramos relevante às
questões trabalhadas na presente pesquisa. Deste modo, aqui a
reproduzimos , para composição dos insumos à elaboração das
conclusões de nossos estudos.
a. aspectos financeiros da produção habitacional
- Estabelecer um novo modelo de financiamento que garanta
uma política ampla de subsídios para os setores de baixa
renda118, inclusive com subsídios diretos para as famílias.
- Adequar as prestações dos financiamentos à capacidade de
pagamento dos beneficiários, para isso desenvolver estudos
específicos sobre a demanda.
- Diversificar os agentes financeiros: companhia hipotecária,
cooperativa de crédito, agente público (não financeiro) de
apoio à estruturação de operações, agentes públicos, entre
outros.
- Utilizar fontes de recursos estáveis, permanentes e com baixo
custo de captação, para a promoção de uma política de
financiamento e sustentação de subsídios, como o FGTS,
Poupança e os orçamentos: federal, estadual e municipal.
Para isso, é necessário que a Lei de Responsabilidade Fiscal
adote uma diferenciação entre investimento e despesa no
cálculo do limite de endividamento dos municípios.
- Incentivar (pela via tributária) os Fundos de Pensão a investir
no mercado habitacional popular
- Criar um agente regulador para o financiamento imobiliário
para substituir o Banco Central que não é considerado o órgão
adequado para exercer tal função.
118 O Projeto Moradia propõe a criação de fundos especiais de moradia nas três esferas de governo, o Fundo Nacional de Moradia seria formado por um Fundo de Aval, um Fundo de Subsídios e um Fundo de Equalização de taxas e juros.
206
- Revisar os critérios de Provisão de Risco da Resolução 2.682 do
Banco Central. Os critérios precisam ser compatíveis com a
demanda popular e com o agente financeiro e não
determinados para todo o mercado.
- Revisar a MP 2.221 referente ao Patrimônio de Afetação a fim
de garantir que novos empreendimentos não sejam afetados
por fracassos antigos.
- Criar incentivos para o mercado secundário por meio da
desoneração tributária.
- Reduzir os juros para o financiamento.
- Criar seguros para os mutuários nos casos de desemprego,
problemas de saúde, entre outros.
- Criar linhas de crédito e financiamento específicas para as
cooperativas e para empreendimentos de HIS e HMP.
- Garantir a vigência das regras contratuais de financiamento
independentemente das mudanças governamentais.
- Explicitar e simplificar os critérios e procedimentos de
aprovação de financiamentos junto a CEF.
- Revisar legislação referente a: execução na Vara de
Habitação, arbitragem, firmeza à alienação, pagamento
principal indiscutível amortizando saldo devedor, dando maior
agilidade ao Judiciário.
2. Padrões habitacionais para os empreendimentos
populares (HIS/HMP)
- Definir padrões urbanísticos e arquitetônicos específicos para
HIS e HMP.
- Desenvolver alternativas regionais e específicas para cada tipo
de problema de moradia, levando em consideração as
características da população local, suas formas de organização
e as suas condições econômicas e urbanas.
- Alterar a legislação para permitir a construção de vilas com
padrões habitacionais diferenciados
- Definir como requisito básico para qualquer intervenção
habitacional a sustentabilidade social, econômica e ambiental.
- Revisar da Lei de Interesse Social, assegurando um nível
adequado de regulação com alguma flexibilização, eliminando
assim o conflito com o Código de Obras e facilitando a
produção habitacional pela iniciativa privada.
- Criar incentivos para o setor privado de construção atuar
também na reabilitação de edifícios precários e promoção
habitacional em áreas centrais e na reurbanização de favelas.
Para tal:
• Incentivar Fundos imobiliários a investir em áreas
centrais
• Criar condições de absorver imóveis desocupados e
estoques existentes.
- Incluir a avaliação pós-ocupação nos empreendimentos
habitacionais HIS/HMP.
207
- Criar mecanismos de participação da demanda e usuários.
c .fluxos e procedimentos: licenciamento e registro de
imóveis
- Criar um Grupo de Trabalho formado por todos os órgãos
municipais e estaduais envolvidos com a aprovação e o
licenciamento de projetos com a finalidade de agilizar e
otimizar os procedimentos e fluxos. Esse GT teria como
atribuições e objetivos:
• Revisar e definir as devidas competências de cada um dos
órgãos municipais e estaduais envolvidos com o
licenciamento de empreendimentos, inclusive o ambiental,
para evitar a repetição e sobreposição de análises técnicas.
• Revisar a legislação vigente, propor alterações
necessárias e tornar compatíveis leis concorrentes.
• Propor alteração da Norma da Corregedoria 211 (item C).
• Revisar, conjuntamente com a Corregedoria dos Cartórios
de Registro de Imóveis, o Provimento 58 referente ao
registro dos conjuntos habitacionais
• Simplificar as exigências (lista de documentos) para o
licenciamento.
• Definir como atribuição do Município a regularização
técnica de conjuntos habitacionais e loteamentos já
implantados.
• Simplificar o processo de anuência do Estado nos casos de
empreendimentos previamente aprovados pelo Município e
dispensá-la nos casos de aprovação de empreendimentos
habitacionais por meio de plano integrado (quando não
ocorre somente o parcelamento)
• Propor a criação de mecanismos específicos para
viabilizar e agilizar a aprovação de empreendimento de HIS
e HMP tendo em vista as dificuldades existentes.
• Verificar a possibilidade de diminuir ou isentar de
emolumentos cartoriais os empreendimentos de HIS e HMP.
d. o mercado de terras e a política urbana.
- Garantir na política habitacional: definição específica do
público alvo, recursos e agentes; regionalização dos
programas, formas alternativas ao financiamento para o acesso
à moradia e integração das políticas nacional, estadual e
municipal.
- Definir uma política fundiária que favoreça o capital produtivo
- Aumentar a oferta de terrenos para a construção de
empreendimentos habitacionais de HIS e HMP.
- Estabelecer metas para implantação de instrumentos119 do
Estatuto da Cidade, previstos no Plano Diretor, no intuito de
aumentar a oferta de terrenos desocupados, inclusive galpões
(vazios ou subutilizados) localizados em áreas industriais que
não tenham mais interesse para esse uso, desde que não
119 ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social; Outorga Onerosa; demarcação de imóveis sub-utilizados; taxação progressiva: IPTU – progressivo no tempo; Operações Urbanas.
208
apresentem riscos para a implantação de empreendimentos
habitacionais.
- Desenvolver programas de habitação na área urbanizada do
município visando ao aproveitamento máximo de terrenos
vazios ou subutilizados.
- Criar um sistema público de gestão para a questão da oferta e
do preço da terra. Para tanto, deve utilizar os instrumentos de
gestão e concertação previstos no Estatuto da Cidade e que
estão no Plano Diretor para a produção projetos habitacionais,
visando a atender o mercado de habitação popular – HMP e o
mercado de Habitação de Interesse Social – HIS.
- Criar e manter atualizado um banco de dados sobre a oferta de
imóveis.
- Criar um sistema de informações sobre moradia que
disponibilize dados sobre os recursos públicos e privados,
investidos e disponíveis, para a produção e o financiamento
habitacional e sobre as características da demanda e dos
beneficiários.
- Promover alteração do zoneamento de glebas de terra
passíveis de utilização para empreendimentos habitacionais
bem como a construção de imóveis de uso misto -
comercial/serviços e residencial - principalmente em
corredores e pólos comerciais regionais.
- Diminuir os custos de taxas, impostos e despesas cartoriais
para negociações de terrenos destinados a empreendimentos
imobiliários residenciais de HMP e HIS.
- Incentivar a formação de técnicos em moradia para a política
urbana e habitacional.
e. produtividade na construção habitacional
- Controlar, pela legislação vigente, os preços de materiais e
insumos básicos oligopolizados.
- Definir padrões urbanísticos para a elaboração de projetos que
garantam a qualidade ambiental com menor custo de infra-
estrutura.
- Fixar parâmetros e exigências para projetos executivos que
viabilizem preços mais precisos e licitações e cronogramas
físico/financeiros mais confiáveis.
- Normatizar os componentes e materiais de construção, além
dos insumos básicos, visando garantir a compatibilização e a
qualidade.
- Estruturar um programa de aumento da produtividade e
qualidade que tenha como foco:
• Analisar a formação de preços da cadeia produtiva para
identificar os fatores que interferem na redução de custos.
• Analisar os fatores que interferem no prazo e,
conseqüentemente, na rentabilidade da construção.
• Estruturar uma rede de conhecimento que informe aos
usuários sobre fatores que interferem na qualidade e
produtividade da construção e forneça índices de produção
para melhorar os orçamentos.
• Unificar as certificações de qualidade nos níveis federal,
estadual e municipal.
• Revisar o pagamento por tabelas estimativas de INSS e ISS
quando as empresas já recolhem pelos dados reais.
209
• Criar um programa de capacitação e valorização
profissional para profissionais liberais, oficiais, serventes,
mestres, técnicos, desenhistas, entre outros.
• Desenvolver um programa de formação gerencial para
empresários e gerentes de pequenas empresas, de
cooperativas e de assistência técnica à autoconstrução
• Incorporar o terceiro setor como instrumento de
participação e controle das políticas públicas
•Adotar princípios éticos que garantam que quem estiver
trabalhando na formulação dos planos e programas não
sejam contemplados na sua implementação operacional
• Articular a Política Habitacional com uma política de
desenvolvimento nacional e geração de emprego.
210
4.3. conclusões finais: limites à produção pública e
privada da moradia social no centro de São Paulo
“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver
essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até
hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”
Maria Nilce Ferreira Souto120
Realizamos a seguir, de forma breve e resumida, algumas
considerações finais acerca do universo visitado nas páginas
anteriores de intensa documentação dos limites impostos à produção
da moradia social no centro.
Mas vejamos antes, como se portava a hipótese lançada na redação
do projeto da presente pesquisa, há mais de ano atrás:
“A hipótese central que norteia esta pesquisa será que a produção da
moradia social na região central de São Paulo tem como um de seus
principais limites: o preço da terra. Esta hipótese fundamenta-se no
relato da apresentação da pesquisadora Helena Silva, no encontro
‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’121, e
120 depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco,
1998:156. 121 LABHAB/FAUUSP, 2000.
na formulação do conceito de localização, proposto por Flávio
Villaça.122
Helena afirma ser “(...) a principal dificuldade para acesso à
moradia na cidade de São Paulo: o preço da terra. Ou seja,
enfrentar a questão do mercado imobiliário. O acesso à moradia nas
cidades brasileiras (...) está determinado pelo mercado. As pessoas
de diferentes faixas de renda decidem sua localização na cidade
conforme o preço que podem pagar pelos imóveis, pela moradia.”123
Essa localização, segundo Villaça é “ a mercadoria mais importante
no mercado imobiliário, (...) e na formação da estrutura intra-
urbana.”124 “ A localização tem profundas implicações sobre os
custos operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a
residencial. (...) Há um preço da localização que é função da renda
da terra, o qual, em última instância, é determinado pela
acessibilidade ao centro da cidade (no caso da terra urbana)”.125
Deste modo, acreditamos que o centro de São Paulo, ainda que
considerado desvalorizado pelo mercado imobiliário, possui imóveis
com custos superiores aos alcançáveis pelos financiamentos dirigidos
à população de baixa renda, principalmente de zero a três salários
mínimos.
A segunda hipótese a ser colocada, trata das dificuldades de
operacionalização da máquina estatal para a produção da
moradia social na região central, causadas pela não priorização
destas moradias nas políticas públicas implementadas pelas gestões
em estudo. Esta hipótese fundamenta-se nos depoimentos dos
movimentos de moradia e assessorias técnicas, realizados nos
122 In: Uso do solo urbano. CEPAM, 1978. 123 Silva, 2000: 41. Grifo nosso. 124 Villaça, 1978: 13. 125 Villaça, 1978: 17. (grifo do autor).
211
encontros e seminários citados no item “Tema e Justificativa” deste
projeto de pesquisa”.126
Bem, nos parece que a hipótese levantada ao menos não ‘errou o
alvo’, mas vejamos por quê acreditamos não ter acertado
diretamente em seu centro:
A resposta para nossa ‘falta de mira’ está no objetivo inicial da
pesquisa, e no método empregado em nossos estudos, somados à
característica dos limites identificados.
Nossa ‘meta’ tratava de apenas identificar os limites à produção da
moradia social no centro. Portanto, não nos propúnhamos a analisar,
hierarquizar, selecionar os mais relevantes limites. E, nos parece
que assim foi feito, e apenas isso, por compreendermos (agora
enquanto metodologia), que se trata de uma etapa primeira, inicial,
ou seja: de base. Um momento de ‘colocar as cartas na mesa’ para
‘ver como jogar’. Um momento de apreensão ‘do estado da arte’,
para preparar ‘um samba’. Para daí, então, em outro momento, nos
debruçarmos, qualquer cidadã(ao), sobre o material coletado, de
forma mais cuidadosa, e ensaiar conclusões mias estratégicas.
Ainda, como relatamos acima, soma-se ao objetivo e ao método
recitados, as características dos limites identificados:
Estes demonstraram um comportamento de inter-relacionamento,
de modo sistêmico. Ou seja, encontram-se interligados, 126 Barros, Francisco. Projeto de pesquisa de iniciação científica: “Limites à produção da moradia social no centro de São Paulo”. maio de 2002:10.
interdependentes, como numa teia. Devemos, portanto, para
compreensão de apenas um limite, observar primeiramente o todo,
o universo: visualizar ‘o baralho completo sobre a mesa’. Por isso
essa necessidade da identificação de todos os limites,
primeiramente, para posteriores incursões localizadas.
Identificados os limites, as incursões mais pontuais sobre apenas
alguns limites devem se dar com certo cuidado. Pois, há
determinados limites que se ‘mexidos’, esbarram n’algum outro.
Vejamos alguns exemplos hipotéticos:
Caso, resolvêssemos agir sobre o limite do preconceito operante.
Trabalhar a vontade coletiva de que a população de baixa renda tem
de morar na periferia, por meio de publicação de mensagens nos
outdoors, esbarraremos na dificuldade financeira de realizar essas
ações. Procuraríamos então o poder público para financiar
campanhas sobre o tema, mas que talvez não possuirá recursos para
tanto, ou simplesmente os funcionários discordariam dessas ações,
que alterariam o ‘bom’ funcionamento da máquina pública.
Então que tal alterarmos as leis que atrapalham a produção de HIS
no centro, como a que impede unidades sem vagas de automóvel, ou
o uso misto. Haveria resistência das montadoras de automóvel, que
se colocariam contra a matéria na Câmara de Vereadores, pois
querem produzir mais, extraindo mais renda dos operários da
indústria automobilística, à luz das empreiteiras.
212
Ou ‘simplesmente resolver ter’ recursos públicos ‘ad eternum’ para
produzir as unidades necessárias para zerar o déficit! Mas como
agirão os funcionários em uma máquina pública burocratizada e
voltada historicamente para outras ações. Lembremos que não há
técnicos preparados para encampar esses trabalhos e a legislação
não permitirá o acesso aos imóveis, a desapropriação tomará muito
tempo, e a população não possui renda suficiente para quitar as
prestações das unidades. Mas então, vamos fazer só locação social!
Os financiadores não aprovarão, pois discordam de ações
estatizantes, e não haverá recursos.
Outro caminho então seria reformar todo o centro, para que possam
ao menos viver numa cidade mais bela, se não se consegue intervir
nos cortiços. Mas essas ações resultarão na demolição dos cortiços, e
as famílias terão de migrar novamente para suas terras de origem
com passagem paga pela PMSP. Mas desta forma não enfrentamos a
questão, voltamos quase aos tempos da cidade escravocrata de
outrora...
A latente dificuldade de encontrar apenas um limite que se
solucionado, não seja anulado pela presença de outro, não significa
que não possamos eleger alguns deles, um grupo, como um foco,
centrais. Seriam limites que amarram e potencializam todos os
outros. Que, se por obra da população alguns destes ‘nós’ do
sistema forem alterados, ou até eliminados, o desmanchar dos
outros limites pode ser facilitado.
Seria esse limite a posse da terra?
Ou melhor, seria ele a especulação sobre a terra?
Pois, se tratada, de fato, como um crime, como consta na
constituição, poderia ser combatida. O que resultaria em valores de
imóveis mais baixos, ao ponto da população de baixa renda poder
ter-lhes acesso. Os imóveis seriam reformados, empregos seriam
gerados, uma cadeia virtuosa se formaria?
Com a aplicação dos instrumentos do estatuto da cidade, talvez isso
tudo ocorreria.
Ou seria também um destes limites nodais, a existência de classes
sociais tão antagônicas, com diferenças sociais tão alarmantes, e a
renda tão concentrada, que impossibilitam as classes de renda mais
baixa de ‘acumular’ o mínimo para sobreviver? Mas como combater
esse limite, sem alterar o sistema econômico a que estamos
submetidos?
Seria este limite, as altas taxas de juros, que se baixadas
aumentariam a produção habitacional como um todo, em tamanha
escala, que o valor dos imóveis baixaria vertiginosamente?
Agora, apesar de corriqueiras e de superficialmente colocadas, as
hipóteses acima, podem, pelo leitor que transpassou por todas as
páginas anteriores, ser mais bem ponderadas e analisadas.
Isto posto, fechamos, então, a ‘casa para balanço’, ou seja, para
uma posterior necessária análise mais profunda do material
coletado. Estão todos convidados.
213
Há ainda mais considerações:
Devido à característica sistêmica dos limites aqui identificados,
concluímos que qualquer ação prática de tentativa de superação das
barreiras à moradia social no centro, deve abranger ‘no mínimo’
uma grande (não sabemos dizer quantas) parte dos limites. Assim,
para uma ação que altere algo ‘sistêmico’, necessariamente deve
ser dada e sustentada por parte da coletividade que opera este
mesmo sistema: trata-se de uma ação coletiva.
Ou seja, na prática, de nada adianta agir sobre apenas um dos
pontos da ‘teia limite’, de forma ‘voluntarista’, por meio de ações
‘iluminadas’. São necessárias ações deflagradas de forma coletiva e
organizada, concomitante e harmônica, de preferência sobre os nós
do sistema, nos pontos que mais o enfraquecem. Daí, a importância
do convite acima: estão todos convidados.
214
6. bibliografia fundamental
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*leituras programadas realizadas no segundo semestre de atividades
Sítios visitados na Internet
218
ASSOCIAÇÃO VIVA O CENTRO. www.vivaocentro.org.br
CAIXA ECONOMICA FEDERAL.
FÓRUM CENTRO VIVO. www.forumcentrovivo.hpg.com.br
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. www.saopaulo.sp.gov.br
OFICINA DEL HISTORIADOR DE LA CIUDAD.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. www.prefeitura.sp.gov.br
SECRETARIA ESPECIAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO – SEDU.
www.planalto.gov.br
Revistas e periódicos consultados
O Estado de São Paulo (OESP)
Folha de São Paulo (FSP)
Jornal do Fórum Centro Vivo, Fórum Centro Vivo.
Revista Istoé.
Urbs, Associação Viva o Centro.
219
7. anexos
I projetos e fotos dos estudos de caso
II tabela dos limites à promoção pública
III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional
IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de
imóvel e localização no centro
V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais
autofinanciadas.