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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO KARLLA MARIA MARTINI LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA: AS DUAS FACES DA CIDADANIA AMBIENTAL CURITIBA 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

KARLLA MARIA MARTINI

LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA: AS DUAS

FACES DA CIDADANIA AMBIENTAL

CURITIBA 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

KARLLA MARIA MARTINI

LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA: AS DUAS

FACES DA CIDADANIA AMBIENTAL

Dissertação a ser apresentada em Banca Pública para aprovação no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Dr. José Edmilson de Souza Lima. Co-orientadora: Professora Dra. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr

CURITIBA 2014

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KARLLA MARIA MARTINI

LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA: AS DUAS FACES DA

CIDADANIA AMBIENTAL

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do Título de Mestre em

Direito pelo Centro Universitário Curitiba.

Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Presidente:

_____________________________

Prof. Dr. José Edmilson Souza - Lima

___________________________________

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr

___________________________

Profa. Dra. Katya Regina Isaguirre

Curitiba, 09 de junho de 2014

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Dedico este trabalho à memória de minha

querida avó, Jandira Ferreira Gödke.

E também à pequena e doce Ana Clarah, razão

do meu viver.

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AGRADECIMENTOS

À Maria, mãe de Jesus, que me acompanha todos os dias. Sou

eternamente grata por ter me abençoado ao longo destes dois anos, até aqui.

Aos meus pais, Antonio Carlos Martini e Regina Maria Martini, por todo o

amor que nutrem por mim.

Às minhas queridas irmãs, Karin Regina Martini e Kristiany Jandira

Martini, companheiras para além desta vida.

Ao meu orientador, Prof° José Edmilson de Souza-Lima, por quem devoto

um enorme carinho e uma profunda admiração. Agradeço imensamente as suas

lições, em especial o aprendizado de amor à pesquisa.

Às minhas irmãs de coração, Regina Maria Bueno Bacellar, mulher

guerreira que me inspira a trilhar os caminhos do Direito Ambiental; Patrícia Dittrich

Ferreira Diniz, com quem diariamente divido alegrias e tristezas e Rejane Mara

Sampaio D´Almeida, pessoa encantadora que a vida me presenteou.

Aos colegas do mestrado, pelo excelente convívio ao longo destes dois

anos. Em especial aos grandes amigos Amarílio Hermes Leal de Vasconcellos e

Neusa Maria Carta Winter.

À Profª Katya Regina Isaguirre, da Universidade Federal do Paraná, por

ter acolhido gentilmente o convite para compor a minha banca.

A todos os professores do Curso de Mestrado em Direito Empresarial e

Cidadania do UNICURITIBA, através de sua brilhante coordenadora Profª Viviane

Coêlho de Séllos-Knoerr, que também me honrou com a sua presença em minha

banca examinadora.

Não poderia deixar de registrar um agradecimento especial ao Prof°

Mateus Eduardo Bertoncini, pois sempre gentil e disponível.

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EPÍGRAFE

A conjuntura que hoje vivemos sugere que a humanidade volte a envolver-se com a natureza, em exata oposição ao que o desenvolvimento propõe. Como salienta o filósofo José de Ávila Aguiar Coimbra, “a escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e da diversidade da vida.” Portanto, passemos imediatamente e com todo o fervor possível a nos envolver com a construção da cidadania ambiental séria, justa e consequente. Não só o Brasil agradece, como a Terra inteirinha também!1

1 Maurício Waldman. Natureza e Sociedade como espaço de Cidadania. In PINSKY, Jaime, PINSKY,

Carla Bassanezi (org). História da Cidadania. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2005.

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RESUMO

Enquadrada na área de concentração Direito Empresarial e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, a presente Dissertação é proposta no âmbito da Linha de Pesquisa Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade, voltada à noção de que a atividade empresarial tem limites de suportabilidade físicos e éticos quanto ao manejo e controle de opções socioambientais. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa consiste em verificar em que medida a audiência pública realizada em processo de licenciamento ambiental de obras ou atividades de significativo impacto ambiental constitui-se como um espaço para o exercício da cidadania ambiental. No que se refere à metodologia empregada, far-se-á uso do método de abordagem indutivo e do método de procedimento bibliográfico e estudo de caso. Palavras-chave: cidadania; meio ambiente; democracia.

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ABSTRACT

Framed in the area Direito Empresarial e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, this Dissertation is proposed under the line of reserch Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade, focused on the notion that business activity has physical and ethical supportability limits as regards the management and control of environmental options. In this context, the objective of this research is to verify to what extent the public hearing held in the environmental licensing process works or significant environmental impact activities constitutes itself as a space for the exercise of citizenship. As regards the methodology employed, will make use of the inductive approach method and the method of bibliographic procedure and case study. Keywords: citizenship; environmental; democracy

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 ANTECEDENTES DO AMBIENTALISMO E O DEBATE ACERCA DA CRISE

SOCIOAMBIENTAL ............................................................................................... 16

1.1 O INFORME DO CLUBE DE ROMA ............................................................ 16

1.2 A DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO ........................................................... 19

1.3 A CONFERÊNCIA RIO-92 ........................................................................... 31

1.4 A CONFERÊNCIA RIO+10 EM JOANESBURGO ........................................ 35

1.5 A CONFERÊNCIA RIO+20 .......................................................................... 37

2 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA ................................. 40

2.1 A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – LEI N° 6.938 DE

31.08.1981 ......................................................................................................... 40

2.2 Aspectos Gerais do Licenciamento Ambiental no Brasil: histórico, conceito,

espécies de licenças E procedimento legal. ....................................................... 48

2.3 A AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL – AIA ....................................... 55

2.4 A AUDIÊNCIA PÚBLICA .............................................................................. 66

3 CIDADANIA ........................................................................................................ 73

3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SEU LEGADO ........................................ 73

3.2 CIDADANIA E MEIO AMBIENTE ................................................................. 78

3.3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO À INFORMAÇÃO - MEIOS

INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA AMBIENTAL ................... 88

4 ESTUDO DE CASO .......................................................................................... 101

4.1 DESCRIÇÃO .............................................................................................. 101

4.2 JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DO EMPREENDIMENTO ............... 103

4.3 A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL DO EMPREENDIMENTO

“CONDOMÍNIO PORTUÁRIO SUSTENTÁVEL”: UMA ARENA SOCIAL ......... 111

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 125

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 130

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INTRODUÇÃO

É imperioso, diante de um quadro crescente de escassez de recursos

naturais, que se discutam os temas da cidadania e do meio ambiente.

Trata-se, na realidade, de um dever político. Mais do que isso, um dever

ético. Um dever de cada cidadão.

Faz-se necessário o enfrentamento de questões relacionadas à

segregação social, econômica e de injustiça ambiental que a grande maioria dos

cidadãos mundiais estão expostos, considerando, para tanto, que tal cenário é

resultante de interesses de grupos hegemônicos que ocupam o poder e da forma

desigual de apropriação da natureza pelos seres humanos.

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,

um terço da população mundial consome hoje cerca de dois terços de toda a energia

gerada e dos recursos naturais do planeta.2

Não se vislumbram soluções para celeumas ambientais graves como da

privação de acesso de milhares de cidadãos a recursos e serviços básicos como

água, alimentos, energia, tratamento de esgoto, coleta de resíduos. Para a grande

maioria das pessoas que vivem nas cidades, não há disponibilidade sequer de uma

simples coleta de dejetos.

Como consequência disso assistimos diariamente a proliferação,

especialmente entre as pessoas menos favorecidas economicamente, de doenças

como a cólera, desidratação e diarreia, inclusive levando à morte precocemente

muitas crianças e jovens.

Estes mesmos desfavorecidos, diante da falta de políticas públicas sociais

efetivas, ocupam espaços que vocacionalmente deveriam ser preservados para a

proteção do meio ambiente natural. Tal fenômeno ocorre na zona rural, porém, mais

fortemente nas cidades, como é o caso das favelas e barracos espalhados pelos

grandes centros. Aqui, os moradores ficam expostos a todo o tipo de risco de

acidentes, desmoronamentos e deslizamentos de terras, o que é reiteradamente

objeto de notícia na imprensa mundial.

2 RIBEIRO, Wagner Costa. Em busca da qualidade de vida. In PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla

Bassanezi (orgs). História da Cidadania. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2005.

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Há aqueles, ainda, que sem nenhuma opção, tornam-se sem tetos ou

transformam as ruas em residência, muitos dos quais acabam se envolvendo em

atividades criminosas, especialmente o tráfico e consumo de substâncias tóxicas.

Sem esquecer, ainda, daqueles problemas que afetam diretamente a

saúde do nosso Planeta, como o aquecimento global, a camada de ozônio e o

intensivo e desenfreado processo de desmatamento.

Trazemos a baila apenas alguns exemplos, pois certamente há muitos

outros, para justificar o objeto de estudo da presente pesquisa, na medida em que a

combinação de cidadania e meio ambiente parece-nos uma fórmula que

acreditamos possa auxiliar na escolha, pelos seres humanos, de outro modo de

vida, afastando-se do atual sistema de exclusão da maioria da população mundial de

acesso e uso dos recursos naturais.

Por certo que a discussão acerca da segregação social, econômica e

ambiental, conforme acima retratamos, não é nova. Tal debate teve avanços mais

significativos na década de 1960, com a divulgação do relatório do Clube de Roma,

intitulado Limites para o Crescimento, na medida em que tal estudo científico

divulgou o inevitável processo de escassez de recursos naturais, diante da

manutenção do padrão de produção e consumo eleitos pelo capitalismo.

Os debates, em âmbito internacional, tiveram reflexo no Brasil durante os

anos 80, quando foi registrada uma grande mobilização nacional que culminou com

o movimento pela Assembleia Constituinte e a consequente elevação do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado ao status constitucional.

A constitucionalização do meio ambiente, entendido aqui como o

ambiente sociocultural e biofísico, ocorreu com o advento da Constituição da

República, promulgada em 05 de outubro de 1988, seguindo a influência do direito

constitucional comparado e mesmo do direito internacional.

Ela representou um extraordinário avanço na busca da contenção da

atividade devastadora do Homem, a qual passou a ser objeto de maior atenção e

cuidado a partir do fim da década de 1960, pois elevou o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado ao status de direito constitucional fundamental.

A Constituição, ao fazer alusão ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, qualifica-o como bem de uso comum do povo e, justamente em função

disso, atribui ao Poder Público e a toda a coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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Trata-se do disposto no artigo 225, caput, a seguir transcrito:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Por sua vez, em seu § 1°, inciso IV confere status constitucional ao

denominado Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA, já previsto no ordenamento

pátrio desde 1981, na Política Nacional do Meio Ambiente.

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

O ordenamento jurídico pátrio contém um considerável número de

elementos e mecanismos voltados para a proteção do meio ambiente. No caso do

EIA, tem especial destaque a audiência pública, cuja principal função é dar

publicidade aos estudos, por meio da participação popular.

Aliás, o princípio da participação popular não está adstrito à simples

publicidade dos atos praticados ao longo do processo administrativo de

licenciamento ambiental. Trata-se, na realidade, de uma efetiva e real participação

cidadã, pois inserida em um regime democrático participativo, conforme desejo

expresso do Constituinte na Carta Política de 1988.

Ora, considerando os indicadores que demonstram a existência de uma

crise socioambiental diagnosticada a partir da metade do século XX, justifica-se a

necessidade de instrumentos que sejam eficazes e capazes de promover a

utilização dos recursos naturais de forma racional, bem como assegurar o controle

social por meio da participação cidadã.

Neste cenário, destaca-se a Lei n° 6.938/81 que instituiu a Política

Nacional do Meio Ambiente, recepcionada pela Constituição da República e que

elegeu algumas ferramentas a fim de propiciar a preservação, melhoria e

recuperação da qualidade ambiental, dentre as quais têm destaque o processo de

licenciamento ambiental, no qual está inserida a audiência pública para debate com

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os cidadãos dos estudos de impacto ambiental de empreendimento de significativo

impacto ambiental.

O licenciamento ambiental tem se firmado como um dos mais importantes

instrumentos de regulação ambiental pelo Poder Público. Por outro lado, é alvo de

inúmeras críticas quanto a existência de discricionariedade na sua condução, sob a

alegação de que os agentes licenciadores introduzem entraves burocráticos

desnecessários e realizam análises técnicas questionáveis, constituindo-se, desta

maneira, como um percalço ao desenvolvimento e crescimento econômico do país.

A título ilustrativo cita-se resultados de análise estatísticas elaboradas

para o Estado de São Paulo, onde o parque industrial é maior, na qual foram

identificadas evidências de que os burocratas são influenciados por interesses

eleitorais e o número de aprovações de licenças ambientais em anos eleitorais

cresce significativamente de acordo com interesses eleitorais.

Segundo tais dados, em anos de eleições para prefeitos há maior número

de licenças objetivando inauguração de obras e, por consequência, o início de

operação de empreendimentos especialmente nos municípios em que os prefeitos

pertencem ao mesmo partido do governador. Já em eleições para Governo do

Estado, há mais licenças aprovadas nos municípios onde os governadores têm

margem de vitória prevista nas pesquisas de eleições.3

Este exemplo, a despeito de outros que certamente possam existir,

demonstram a evidente importância do estudo do licenciamento ambiental como

instrumento previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente responsável por,

primeiramente, garantir a proteção dos direitos socioambientais e, sendo possível,

autorizar o desenvolvimento de atividades que venham a utilizar recursos naturais.

No Brasil, as normas que regulamentam o licenciamento ambiental

condicionam a legitimidade da decisão quanto à viabilidade de empreendimentos ou

atividades de significativo impacto ambiental à elaboração do Estudo Prévio de

Impacto Ambiental - EIA e à participação da sociedade civil no processo, por meio

da realização de audiências públicas, a fim de propiciar, assim, o exercício da

cidadania ambiental.

3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, MORITA, Dione Mari, FERREIRA, Paulo. Licenciamento

Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Neste cenário, a audiência pública em processos de licenciamento

ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental tem, ao menos

textualmente, papel fundamental na promoção e incentivo ao exercício da cidadania

ambiental e da democracia participativa.

É justamente neste ponto que surgiu a inquietação que moveu a presente

pesquisa: a audiência pública realizada no processo de licenciamento ambiental de

empreendimentos de significativo impacto ambiental constitui um espaço para o

exercício da cidadania ambiental?

O objetivo geral desta pesquisa, portanto, é verificar em que medida a

audiência pública realizada em processo de licenciamento ambiental de obras ou

atividades de significativo impacto ambiental constitui-se como um espaço cidadão.

A realização do estudo tem como objetivos específicos: (a) verificar como

se dá, na prática, a participação popular no âmbito das audiências públicas

realizadas em processo de licenciamento ambiental de empreendimento de

significativo impacto ambiental; (b) avaliar os fundamentos constitucionais da

democracia participativa, com especial relevo à participação popular, o direito à

informação e à educação ambiental, como meios indispensáveis a possibilitar o

exercício da cidadania ambiental; (c) estudar as regras e normas que orientam o

licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, em

especial a audiência pública como fórum de apresentação e debate acerca do

estudo de impacto ambiental – EIA/RIMA.

Para tanto, partiu-se da hipótese que, as normas que regulamentam as

audiências públicas em processos de licenciamento ambiental de empreendimentos

de significativo impacto ambiental, na prática surtem os efeitos desejados no que se

refere à concretizar a participação popular cidadã.

O trabalho está dividido em quatro capítulos sendo que no primeiro é

apresentado um panorama histórico do surgimento do ambientalismo e dos

principais indicadores de uma crise que tem rebatimentos civilizatórios e que, por

isto, pode ser caracterizada como uma crise socioambiental.

O segundo capítulo consiste na análise dos principais aspectos jurídicos

do licenciamento ambiental, do estudo prévio de impacto ambiental e da audiência

pública, essenciais para a decisão administrativa que concederá ou não a licença

ambiental a um empreendimento.

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No terceiro capítulo é analisado o tema da cidadania, com especial

destaque à cidadania ambiental, a qual é considerada no presente trabalho como

corolário do direito à informação e à educação ambiental.

No último capítulo é realizado o estudo de caso, que consistiu no

acompanhamento in loco de uma audiência pública.

Para o alcance do objetivo desta dissertação, o procedimento

metodológico desdobrou-se em dois momentos.

O procedimento técnico inicial aplicado foi a pesquisa bibliográfica.

A construção da contextualização e do referencial teórico foram feitos

com fundamento em pesquisa bibliográfica em bibliotecas, acervo particular e

diversos sites da internet, como por exemplo, Scielo e páginas de órgãos e entidade

públicas, levantamento legislativo e pesquisa dos marcos legais.

Paralelamente à pesquisa bibliográfica, foi realizado estudo de caso que

consistiu no acompanhamento in loco da audiência pública referente ao projeto

denominado “Condomínio Portuário Sustentável” que o empreendedor Novo Porto

Terminais Portuários Multicargas e Logística Ltda pretende implantar no lugar

denominado “Imbocuí”, área inserida na Zona de Expansão Portuária – ZIEP do

Município de Paranaguá, Estado do Paraná.

O município de Paranaguá, localizado no litoral do Estado do Paraná é

histórica e internacionalmente conhecido por sua vocação portuária, razão pela qual

tem enfrentado, ao longo dos anos, toda a sorte de problemas socioambientais.

Trata-se de um exemplo vivo de uma cidade que espelha condições

adversas, impactos e riscos decorrentes de uma lógica de urbanização pouco

planejada, flagrante degradação ambiental e uma intensa queda na qualidade de

vida de sua população, em especial devido ao relacionamento pouco harmonioso

entre a cidade e a atividade portuária ali desenvolvida.

Portanto, a escolha da audiência pública do processo de licenciamento

ambiental do empreendimento “Condomínio Portuário Sustentável” localizado no

Município de Paranaguá, justifica-se pelo fato de que os problemas socioambientais

da área urbana não só nas grandes cidades como também naquelas de médio e

pequeno porte têm gerado consequências negativas ao meio ambiente e a

população local.

A opção por realizar-se a pesquisa de campo juntamente com a pesquisa

bibliográfica tem como fundamento a superação dos métodos tradicionais de

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pesquisa, os quais vêm sendo costumeiramente aplicados no campo jurídico,

especialmente no Direito Ambiental.

As questões ambientais, considerando que envolvem diversas

circunstâncias e aspectos específicos e concretos que nem sempre podem ser

conhecidos antecipadamente, não podem ser reduzidas à instrumentalidade do

positivismo jurídico tradicional.

Para que fosse possível, então, responder ao problema proposto e testar

a hipótese elencada foi imperioso quebrar as barreiras da mera sistematização

bibliográfica.

Além disso, para a compreensão do alcance e as limitações das normas

que regulamentam a audiência pública em processos de licenciamento ambiental, é

importante para o pesquisador dialogar com outras áreas do conhecimento, como a

sociologia.

Não por outra razão, as peculiaridades do estudo de caso desenvolvido

exigiram o empréstimo ou adaptação do conceito de arenas sociais desenvolvido por

John A. Hannigan4, no artigo intitulado Formulação dos Riscos Ambientais.

Foi justamente esta interdisciplinaridade que contribuiu para a análise

crítica da realidade, na qual as normas que tratam da audiência pública em

processos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto

ambiental, em especial aquelas que almejam a participação popular cidadã, estão,

na prática, surtindo os efeitos desejados pelo Estado Democrático Participativo

inaugurado pela Constituição de 1988.

4 In Sociologia Ambiental: a formação de uma perspectiva social. Lisboa: Instituto Piaget, 1997

[cap. 5].

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1 ANTECEDENTES DO AMBIENTALISMO E O DEBATE ACERCA DA CRISE

SOCIOAMBIENTAL

1.1 O INFORME DO CLUBE DE ROMA

A existência de problemas ambientais não é uma novidade, como aponta

Ribeiro (2005, p. 400-401), ao citar passagem do inglês John MacCormick,

docente da Universidade norte-americana de Indiana.

Há cerca de 3.700 anos, as cidades sumérias foram abandonadas quando as terras irrigadas que haviam produzido os primeiros excedentes agrícolas do mundo começaram a tornar-se cada vez mais salinizadas e alagadiças. Há quase 2.400 anos, Platão deplorava o desmatamento e a erosão do solo provocada nas colinas da Ática pelo excesso de pastagem e pelo corte de árvores para lenha. Na Roma do século I, Columela e Plínio, o Velho, advertira que o gerenciamento medíocre dos recursos ameaçava produzir quebras de safras e erosão do solo. Por volta do século VII, o complexo sistema de irrigação da Mesopotâmia, construído quatrocentos anos antes, começava a sucumbir sob o peso da má administração. (...) A construção de embarcações para a frota do Império Bizantino, Veneza, Gênova e outros estados marítimos italianos reduziu as florestas costeiras do Mediterrâneo. A poluição do ar pela queima de carvão afligia tanto a Inglaterra medieval que, em 1661, o memorialista e naturalista John Evelyn com a “Corte de Vulcano...ou os Subúrbios do Inferno, ao invés de uma Assembléia de Criaturas Racionais.

No Brasil, Silva (2002, p. 27) conta que, em 1635, foram criadas as

primeiras Conservatórias que tinham o objetivo de proteção o pau-brasil,

considerado como de propriedade da realeza, enquanto que somente em 1797, foi

assinada a primeira Carta Régia sobre a conservação das florestas e madeiras.

O mesmo autor aponta que em 1861 D. Pedro II tomou a decisão de

plantar a Floresta da Tijuca, visando garantir o suprimento de água para o Rio de

Janeiro, o qual estava seriamente ameaçado em função do desmatamento nas

encostas dos morros.

A despeito disso, a dimensão ambiental como elemento indispensável

para a continuidade da existência humana no Planeta, bem como a percepção de

que a busca descomedida pelo crescimento econômico a qualquer custo

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acompanhada da demanda cada vez maior por bens de consumo resultariam na

exaustão do ambiente biofísico demoraram a ser reconhecidas.

Le Prestre (2005, p. 159) divide em três fases distintas os ensaios para

uma nova conscientização ambiental. A primeira inicia-se no fim do século XIX à

Conferência da UNESCO ocorrida em 1968. A segunda, a partir de 1960, quando

identificou-se um período de ativismo intenso que perdurou até aproximadamente

1986. Por fim, desde 1987 observa-se um ressurgimento do debate acerca das

questões ambientais.

Já Ribeiro (2005, p. 402) aponta como primeiro momento do

ambientalismo a segunda metade do século XIX a partir daqueles que desejavam

proteger espécies em extinção, especialmente na Inglaterra.

O segundo momento, afirma o Autor, é identificado após a Segunda

Guerra Mundial, a partir de quando as demandas sociais e políticas se juntam a

causas eminentemente naturalistas. Já na década de 1960 tem início o

questionamento mais contundente à sociedade de consumo, a partir de quando o

ambientalismo ganha força e divide-se em diversas correntes, como os radicais ou

ecologistas profundos; os desenvolvimentistas e os ecocapitalistas. (2005, p. 402-

403)

Depreende-se, assim, que o debate acerca da possibilidade de

instauração de uma crise nas perspectivas para o futuro da humanidade teve

maiores avanços a partir de 1960, o que fez com que Chefes de Estado, líderes

políticos, grandes industriais e banqueiros, assim como estudiosos de diversas

áreas se reunissem em abril de 1968, num pequeno vilarejo próximo a Roma, na

Itália.

Este encontro ficou conhecido, em âmbito mundial, como a Reunião do

Clube de Roma e teve como principal objetivo analisar e discutir medidas de longo

prazo que deveriam ser postas em prática em âmbito global, a fim de superar o

pensamento nacional ou regional que costuma nortear as políticas públicas em

geral.

O fundador do Clube de Roma, Aurélio Pecci, era à época um dos

principais executivos das empresas Fiat e Olivetti, o qual em 1966 anunciou o

intento de realizar um estudo global sobre os problemas mundiais, batizado de

“Projeto 1969”.

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Em 1971 o Clube de Roma tornou público o seu Relatório que foi

intitulado “Limites para o Crescimento”5 (The Limits to Growth), relatado por Donella

H. Meadows, Jorge Randers e William W. Behrens III, realizado por uma equipe de

cientistas de diferentes nacionalidades do Massachusetts Institute of Technology

(MIT), sob a direção de Dennis Meadows, à época professor do MIT e com o apoio

financeiro da Volkswagen Foundation.

A literatura reconhece inegavelmente que de todos os estudos realizados

à época, o relatório divulgado pelo Clube de Roma foi o que teve maior difusão e

repercussão, pois o seu conteúdo gerou contribuição ímpar ao debate instaurado

acerca das consequências da busca pelo crescimento ilimitado e a utilização

irracional dos recursos naturais, inclusive sob o viés político.

Para a realização deste estudo os cientistas lançaram mão de um modelo

de informática sofisticado, o qual era capaz de simular a inter-relação de inúmeras

variáveis que “mostraram como, no caso de se manterem inalteradas as taxas de

crescimento da população, da utilização de recursos não renováveis, da produção

de bens industriais e de alimentos e do aumento da poluição, o mundo seria

arrastado, na segunda metade do século XXI, a incontroláveis cataclismos, ou por

falta de alimentos, ou por envenenamento da água e do ar, ou, mais provavelmente,

pela falta de recursos não renováveis.”, segundo Nascimento (2002, p. 47.)

O argumento principal trazido pelos estudiosos à época é que o ritmo de

crescimento econômico empreendido seria incapaz de ser sustentado em função do

esgotamento dos recursos naturais no prazo de algumas décadas.

Assim, haveria uma tendência à degradação, razão pela qual seria

necessária a mudança das técnicas e modos de produção utilizados de forma a se

alcançar um modelo de “crescimento zero”.6

Esse debate teve avanços na década de 1960, quando foi divulgado o relatório do Clube de Roma intitulado Limites para o crescimento, que destacou a impossibilidade em manter o padrão de produção e consumo da população dos países ricos para toda a população do planeta, porque não há, por exemplo, minério de ferro suficiente para fabricar carros para os mais de seis bilhões de habitantes da Terra. O referido documento divulgou o que já era conhecido de uns poucos estudiosos das questões ambientais: a perspectiva da escassez de

5 MEADOWS, Donella H, et al. Limites do Crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de

Roma sobre o Dilema da Humanidade. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978. 6 MEADOWS, Donella H, et al. Limites do Crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de

Roma sobre o Dilema da Humanidade. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.

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recursos naturais para a reposição da base material da existência humana a ser mantido o padrão capitalista de produção de mercadorias. (RIBEIRO, 2005, p. 405)

O Clube de Roma concluiu, portanto, que a degradação ambiental era

resultado do descontrolado crescimento populacional e da demanda de recursos da

Terra causada pelo mesmo e apontou como solução possível para minimizar os

efeitos negativos dessa prática consumir menos ou, até, não consumir determinados

produtos para assim diminuir a produção.(MEADOWS et al, 1978)

A despeito de, posteriormente, restar verificado que os prognósticos

apontados no informe ao Clube de Roma não se mostravam integralmente

acertados, especialmente no que se refere às projeções de taxas de crescimento,

fato é que a este relatório é conferido o mérito de trazer à tona o debate acerca do

crescimento econômico ilimitado, em total desconsideração à inquestionável

constatação de que os recursos naturais são finitos.

Muito embora tenha sofrido duras críticas, especialmente por aqueles que

diziam que o estudo apresentava falhas profundas por ter desconsiderado, dentre as

suas variáveis, eventuais crises econômicas ou inovações tecnológicas que

pudessem alterar a necessidade de utilização dos recursos naturais (RIBEIRO,

2005, p. 405), o estudo Limites para o Crescimento teve tão significativa importância

que influenciou diretamente os primeiros estudos apresentados para a Conferência

de Estocolmo, a qual aconteceu nesta mesma época e que será tratada a seguir.

1.2 A DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO

Em 03 de dezembro de 1968 por meio da Resolução n° 2.398 (XXIII)

aprovou uma recomendação do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) prevendo a

convocação de uma Conferência Internacional do Meio Ambiente. (SOARES, 2003,

p. 41).

O convite feito pelo Governo da Suécia foi aceito pela ONU no ano

seguinte, ocasião em que fora criada uma Comissão Preparatória, da qual o Brasil

fez parte.

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Cabe aqui observar que neste período o Brasil vivia o seu chamado

“milagre econômico”, com taxas de crescimento que ultrapassavam 10% ao ano, o

que ironicamente correspondia também ao período de maior repressão política na

história brasileira. (LAGO, 2006, p. 115)

Assim, o país expressava grande preocupação com os debates que

adviriam da Conferência de Estocolmo, especialmente se os mesmos tivessem o

propósito de estancar o crescimento de nações ainda em desenvolvimento,

conforme apontado por Pedroso (1984, p. 29) ao mencionar parte discurso do chefe

da delegação brasileira realizado na Primeira Sessão do Comitê Preparatório, em

Nova Iorque, o Embaixador João Augusto de Araújo Castro.

Obrava a delegação brasileira no sentido de reorientar os trabalhos preparatórios da Conferência, ampliando o escopo inicialmente previsto, de forma a que incluísse o tema desenvolvimento como elemento positivo de solução de problemas ambientais. Dessa forma, evitar-se-ia que a Conferência constituísse exercício meramente conservacionista, de interesse apenas para os países desenvolvidos. Travava-se uma batalha para impedir que os interesses conservadores dos países desenvolvidos, no sentido de manutenção do status quo econômico mundial, se valesse da via ambiental para tentar justificar procedimentos e estratégias imobilistas.

Observa-se, assim, que o Brasil defendia que o crescimento econômico

dos países em desenvolvimento não deveria ser limitado por medidas de restrição

ambiental, as quais deveriam ser imputadas primeiramente aos países

desenvolvidos.

A despeito disso, em 1972 realizou-se entre os dias 05 a 16 de junho em

Estocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento

Sustentável, que se constituiu como o primeiro encontro mundial com o objetivo de

discutir a questão ambiental. Neste evento participaram 113 países, inclusive o

Brasil, ocasião em que as discussões tiveram foco na relação entre meio ambiente e

desenvolvimento.

Não houve a participação da então União Soviética e dos países do leste

europeu em protesto pela ausência da Alemanha Oriental, que não foi credenciada a

participar por não ser membro da ONU, o que, por sua vez, não enfraqueceu o

objetivo maior da Conferência.

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A decisão de realizar-se este encontro em âmbito mundial levou em conta

o acelerado crescimento econômico e, via de consequência, o significativo aumento

da degradação ambiental.

Segundo Le Prestre (2005, p. 174-175)

a) o aumento da cooperação científica nos anos 1960 nos níveis internacional e não governamental. Em 1964, o Cius tinha iniciado o PIB, que sensibilizou a comunidade científica no referente às ameaças à biosfera. Outros grandes programas lançados nos anos 1960 – o Decênio da Água, o Programa de Pesquisa da Atmosfera Mundial – atraíram a atenção para os problemas da quantidade e da qualidade das águas disponíveis e para as mudanças climáticas; b) a publicidade crescente dos problemas ambientais, em particular por motivo de certas catástrofes, cujos efeitos foram muito visíveis. O movimento ecologista se desenvolveu nos países industrializados e as personalidades científicas se comprometeram com ele. O desaparecimento de territórios selvagens, a modificação da paisagem e, sobretudo, os acidentes, como as marés negras, mobilizaram os públicos. Em alguns países, destacam-se os jornalistas interessados nesta questão (não tanto a população). Em 1969, é criada a Associação Francesa dos Jornalistas e Escritores Especializados em Natureza e Ecologia. Os governos endossam rapidamente estas novas inquietações a fim de obter o apoio das populações; c) o rápido crescimento econômico, o qual tem duas consequências: uma transformação profunda das sociedades e dos modos de vida tradicionais, em particular o êxodo rural, e uma regulamentação introduzida sem suficiente preocupação com questões de seu custo a longo prazo;

d) os cientistas e o governo sueco identificaram, no fim dos anos 1960, alguns problemas mais importantes, que não podiam ser resolvidos senão pela cooperação internacional: chuvas ácidas, poluição do mar Báltico, acumulação de metais pesados e de pesticidas impregnando peixes e aves.

Por sua vez, Lanfredi (2006, p. 14-15) expõe outros motivos tais como a

água enquanto recurso esgotável, e, por isso, será objeto de disputas entre as

diversas nações; o ar, na medida em que cada vez mais poluído, representa um

enorme perigo ao efeito estufa que contribui diretamente com o aquecimento global;

o solo que vem cada diz mais sendo entregue a severas formas de deterioração; a

fauna devido à falta de proteção aos animais e, por fim, o desmatamento das

florestas.

À luz deste cenário, os países em desenvolvimento que ali estavam

mostraram-se um tanto quanto descontentes com as razões que fundamentaram o

encontro, pois diferentemente dos anos de 1960 e 1970, nos quais o

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desenvolvimento fora o foco principal, as preocupações com o meio ambiente a

partir de então poderiam representar um freio ao crescimento imposto pelos países

já industrializados aqueles que tinham perspectivas de desenvolvimento.

A defesa feita pelos países em desenvolvimento foi interpretada pelas

nações industrializadas, em alguns momentos, como um comportamento não

cooperativo.

Fato é que para contornar tais percalços foi de suma importância a

atuação do Secretário – Geral da Conferência, Maurice Strong7, o qual procurando

uma solução para tais questões teve êxito em fazer com que os Estados

reconhecessem a existência de um problema e a necessidade de agir. (LE

PRESTRE, 2005, p. 176)

E, apesar dos obstáculos, a Conferência de Estocolmo apresenta-se

como o marco histórico-normativo inicial da proteção ambiental, na medida em que

disseminou mundialmente a noção de viver em um ambiente equilibrado e saudável

como um direito de todos os cidadãos, tomando a qualidade do ambiente como

elemento essencial para uma vida humana com dignidade e bem-estar.

Fruto deste encontro foi a criação do Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente – PNUMA, bem como a ampliação do conceito de meio ambiente a

fim reconhecer a interdependência entre os problemas sociais e do meio ambiente; a

aprovação da “Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente” contendo 26

princípios orientadores de ações futuras das comunidades internacionais; a adoção

de um “plano de ação” contendo 109 recomendações; a criação de um fundo

voluntário para financiar os programas e a pesquisa e a criação de um mecanismo

institucional para coordenar as atividades da ONU neste âmbito a ser zelado pelo

PNUMA. (LE PRESTRE, 2005, p. 177)

No próprio Preâmbulo da Declaração de Estocolmo encontra-se o registro

de que os dois aspectos do meio ambiente humano – natural e artificial – são

essenciais ao bem-estar e ao gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o

direito à vida.

7 Nasceu em 1929, em Oak Lake, na província canadense de Manitoba. Foi Vice-Presidente da Dome

Petroleum, companhia a cuja fundação contribuiu; Presidente da Power Corporation e Presidente da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional, posto que deixou em 1970, a fim de preparar a Conferência de Estocolmo. Foi nomeado primeiro diretor executivo do Pnuma e participou das deliberações que deram origem ao Relatório de Brundtland. Em 1990 retomou a chama de Estocolmo e a tarefa enorme de conduzir ao sucesso a Conferência do Rio. Seu nome é citado regularmente como candidato possível ao posto de secretário-geral da ONU. In LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica Internacional. 2ª ed. São Paulo: Senac, 2005, p. 155.

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1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. 2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos e de todo o mundo e um dever de todos os governos.8

Enquanto que no seu Princípio9 1° ficou definido que:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e adequadas condições de vida, num ambiente cuja qualidade permita uma vida de dignidade e bem-estar, e tem a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente, para a presente e as futuras gerações. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.10

Ademais, esta Declaração trouxe em seu bojo a cooperação internacional

para a proteção do meio ambiente como um princípio geral norteador do direito

internacional ambiental, embora com ênfase no livre intercâmbio de experiências

científicas e na tecnologia ambiental (MILARÉ, 2011, p. 1511), o que está

formalmente prevista em seu Princípio 20, in verbis.

Devem-se fomentar em todos os países, especialmente nos países em desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento científicos referentes aos problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre intercâmbio de informação científica atualizada e de experiência sobre a transferência deve ser objeto de apoio e de assistência, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais. As tecnologias ambientais devem ser postas á disposição dos países em desenvolvimento de forma a favorecer

8 Direitos Humanos na Internet. Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano – 1972.

Disponível em <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 06 nov 2013. 9 Os princípios da Declaração de Estocolmo são referentes a comportamentos e responsabilidades

destinados a nortear ações futuras relativas ao meio ambiente. 10

Direitos Humanos na Internet. Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano – 1972. Disponível em <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 06 nov 2013.

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sua ampla difusão, sem que constituam uma carga econômica para esses países.11

Importante observar que o contido no Princípio 20 é fruto de uma das

inúmeras reivindicações dos representantes do governo brasileiro, os quais, desde

os trabalhos preparatórios para a realização da Conferência defendiam que seria

dever das nações desenvolvidas investir em pesquisas sobre as questões

ambientais e promover a difusão dos resultados frutos destes estudos aos países

em desenvolvimento.

Aliás, a redação final do documento continha uma das mais importantes

vindicações brasileira que era justamente levar em conta, quando da análise dos

problemas ambientais, os fatores econômicos, assim como reconhecer a existência

de responsabilidades diferenciadas atribuíveis aos países desenvolvidos e em

desenvolvimento.

Transcrevemos, a seguir, alguns Princípios que acolheram as pretensões

do Brasil e tornaram a sua política externa ambiental fortalecida.

Princípio 8 O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida. Princípio 9 As deficiências do meio ambiente originárias das condições de subdesenvolvimento e os desastres naturais colocam graves problemas. A melhor maneira de saná-los está no desenvolvimento acelerado, mediante a transferência de quantidades consideráveis de assistência financeira e tecnológica que complementem os esforços internos dos países em desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam requerer. Princípio 12 Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento do meio ambiente tendo e conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de medidas de conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistência técnica e financeira internacional com este fim. Princípio 21 Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano

11

Direitos Humanos na Internet. Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano – 1972. Disponível em <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 06 nov 2013.

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de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentre de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional.12

Desta forma, faz-se obrigatório reconhecer que a Conferência de

Estocolmo, especialmente pela celebração da Declaração de Estocolmo, propiciou a

consolidação das bases à moderna política ambiental que foi adotada pela maioria

dos países em seus ordenamentos jurídicos.

Esta Declaração é apontada pela maioria dos estudiosos como sendo o

despertar da consciência das nações da crise ambiental, fazendo surgir assim

diversos movimentos ecologistas e preservacionistas, o que refletiu nos textos

constitucionais de inúmeras nações. (PASSOS, 2009)

Citem-se inicialmente as novas Constituições dos países europeus que se

libertavam de regimes ditatoriais, como é o caso da Constituição da Grécia de 1975,

a Constituição Portuguesa no ano de 1976, a qual foi seguida em 1978 pela

Constituição Espanhola. De igual forma, mas já num segundo momento, ocorreu

com a Lei Fundamental Alemã, objeto de reforma constitucional no ano de 1994 e as

Constituições da Colômbia em 1991, da África do Sul em 1996, da Suíça em 2000 e

já no século XXI a Constituição Francesa em 2005, a Equatoriana no ano de 2008 e

a Constituição Boliviana de 2009. (SARLET e FENSTERSEIFER, 2009, p. 90)

Portanto, a mudança na estrutura constitucional de alguns países

europeus, a qual se estendeu também a outros, está diretamente relacionada à crise

ambiental e, por certo, ao resultado da Conferência de Estocolmo. (BENJAMIN,

2008, p. 60)

Especificamente no Brasil a constitucionalização do meio ambiente foi

promovida pela Magna Carta de 1988 com destaque ao contido no artigo 225 que

define o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem prejuízo de

inúmeros outros dispositivos relacionados à temática ambiental, inspirada, mesmo

que um pouco mais tarde, pelos resultados da Conferência de Estocolmo.

Como apontado por Milaré (2011, p. 1512).

12

Direitos Humanos na Internet. Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano – 1972. Disponível em: <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 06 nov 2013.

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No que tange à legislação brasileira, a Declaração de Estocolmo foi uma das bases para a redação do art. 225 da CF/1988, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Além disso, após a participação do Brasil na Conferência o Secretário

Geral do Ministério do Interior – Henrique Brandão Cavalcanti – instituiu a Secretaria

Especial de Meio Ambiente, com a função de traçar estratégias visando a

conservação do meio ambiente e a utilização racional dos recursos naturais.

(JACOBI, 2009, p. 07)

Este mesmo autor destaca a importância da Conferência de Estocolmo

como mola propulsora na definição de papéis na militância socioambiental no país.

Vejamos.

Configura-se, portanto uma dinâmica bissetorial, entre agências ambientais estatais e algumas entidades ambientalistas, caracterizando uma relação dialética entre as agências ambientais e as entidades ambientalistas baseada no conflito e na cooperação. O primeiro decorre da percepção, por parte das entidades, da pouca eficiência dos controles da poluição exercido pelas agências. A principal crítica é a excessiva tolerância com as indústrias pela poluição provocada e a morosidade dos processos de fiscalização. Para as agências, por sua vez, as entidades têm uma postura ingênua e não possuem o conhecimento necessário para entender as complexas relações entre indústria e meio ambiente. A cooperação ocorre na medida em que existe uma certa cumplicidade entre esses dois atores por duas razões. Primeiro, porque vários dos funcionários que atuam nas agências também exercem atividades nas entidades. Segundo, devido serem praticamente os únicos defensores de uma política ambiental em um contexto onde esta política é relegada a um segundo plano. No fundo, a dualidade observada na relação das agências com as entidades representa a dialética existente no país entre Estado e sociedade. Na ausência de uma interação com as entidades da sociedade civil, a ação do Estado é pautada por medidas paternalistas ou autoritárias. (JACOBI, 2009, p. 07)

A despeito desta evolução, a extensão das medidas de proteção e de

cooperação internacional na questão ambiental, após a realização da Conferência

de Estocolmo, mostraram-se mais complexas do que o imaginado. As razões das

dificuldades são apontadas por Le Prestre (2005, p. 78).

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a) a natureza dos conhecimentos sobre os problemas ambientais e sobre problemas pertinentes se demonstrou mais incerta do que se pensava. Sabe-se menos do que se acreditava e o avanço dos conhecimentos é mais complexo;

b) logo se constataram custos importantes ligados à proteção do meio ambiente. Novas prioridades internacionais, sobretudo econômicas, atenuaram o ardor inicial. Se a cooperação aumentou no Norte, que se concentrou nos próprios problemas de poluição, o Sul continuou, em grande medida, a ignorar tais problemas.

c) emanando, em parte, dos pontos precedentes, a tendência das OIGs a se fixar fins irrealistas, especialmente sob a forma de programas grandiosos, e a tendência a influenciar todas as fases da política pública, desde a identificação do problema até a avaliação das políticas.

Assim, objetivando aprofundar os debates, à Conferência de Estocolmo

se seguiram três conferências mundiais conduzidas pelo PNUMA. A primeira

aconteceu em 1976 que teve como objetivo cobrir os estabelecimentos humanos, a

segunda e a terceira em 1977 sobre desertificação e a água. Mas, infelizmente, as

mesmas tiveram seu alcance limitado em virtude do conflito árabe-israelense e as

tensões Leste-Oeste. (LE PRESTRE, 2009, p. 178)

Em 1980 ocorre a publicação do estudo norte-americano intitulado Global

2000, o qual segundo Le Prestre (2009, p.180).

retomou as reflexões da ONU sobre as inter-relações entre meio ambiente, população e recursos naturais, tentando estabelecer projeções a longo prazo a respeito do crescimento demográfico, o recursos naturais e do meio ambiente, até o ano 2000. Embora sofresse de uma falta de coerência entre dados e modelos, e explicasse a destruição do meio ambiente grandemente em termos de pressões demográficas, este relatório contribuiu para manter tais questões na ordem do dia e salientou o grau de ignorância geral em face dos impactos da exploração dos recursos naturais e a extensão de sua degradação.

No mesmo ano a FAO, a UNESCO e o WWF lançaram a “Estratégia

Mundial da Conservação”, a qual estava direcionada para a ação e definição das

medidas nacionais e internacionais que permitiriam deter a destruição dos recursos

naturais, as quais poderiam ser aplicadas imediatamente. (LE PRESTRE, 2005, p.

180-181)

Já em 1983, diante do agravamento da exploração econômica dos

recursos naturais, a Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução de n°

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38/16 da Assembleia Geral, instituiu a chamada Comissão Mundial para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, a qual ficou conhecida como Comissão de Brundtland

por ter sido presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland e

cuja missão era avaliar as questões palpitantes relacionadas ao meio ambiente

global e, ao final, sugerir ações exequíveis para enfrentá-las, com especial atenção

às formas de cooperação internacional.

Apesar dos esforços e mesmo cientes dos limites dos recursos naturais e

das mazelas sociais decorrentes do modelo econômico praticado até então, a crise

econômica que atingiu diversas nações neste período, contribuiu decisivamente para

que os cidadãos passassem a dar uma importância menor às questões ambientais,

tanto nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e diversos membros da

Comunidade Europeia, como nos países subdesenvolvidos que optaram por

priorizar a recuperação econômica em detrimento de ações concretas para a

redução dos problemas ambientais.

Preocupada com as questões econômicas internacionais, com as tensões Leste-Oeste e com o controle dos armamentos, decepcionada pela ausência aparente de impacto das conferências mundiais, nas condições de falta de uma direção firme de certos Estados – em particular, os Estados Unidos -, a comunidade internacional parecia afastar-se das preocupações ambientalistas da década anterior. (LE PRESTRE, 2005, p. 182)

Em 1987 foi publicado o relatório intitulado como Nosso Futuro Comum e

conhecido como Relatório de Brundtland, pois resultante do trabalho realizado pela

Comissão Mundial para o Meio Ambiente, o qual foi avaliado pelo PNUMA e

posteriormente aprovado pela 42ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

A principal conclusão deste estudo foi de que o crescimento econômico

deveria obrigatoriamente estar alinhado com a proteção ambiental e a equidade

social, porém, com um tom bem mais diplomático do que os documentos produzidos

até então, conforme apontado por Leff (2009, p. 19).

Nosso Futuro Comum reconhece as disparidades entre as nações e a forma como se acentuam com a crise da dívida dos países de Terceiro Mundo. Busca entretanto um terreno comum onde propor uma política de consenso, capaz de dissolver as diferentes visões e interesses de países, povos e classes sociais, que plasmam o campo conflitivo do desenvolvimento. Assim começou a configurar-se uma estratégia política para a sustentabilidade ecológica do processo de

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globalização e como condição para a sobrevivência do gênero humano, através do esforço compartilhado de todas as nações do norte. O desenvolvimento sustentável foi definido como um processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender as gerações.

Além disso, o Nosso Futuro Comum aponta, pela primeira vez, um

conceito para desenvolvimento sustentável como sendo “aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem as suas próprias necessidades”.13

E justamente o ano de 1987, quando da publicação do Relatório de

Brundtland, é apontado por Le Prestre (2005, p. 182-183) como um ano de transição

na institucionalização da proteção conferida ao meio ambiente em âmbito mundial.

Sob múltiplos aspectos, 1987 foi um ano de transição. Várias evoluções tiveram influência profunda na natureza da nova ecopolítica: a) a publicação do Relatório Brundtland, o qual propôs uma

redefinição do problema e uma reconciliação da promoção do desenvolvimento e da proteção ambiental em torno da noção de “desenvolvimento durável”;

b) a assinatura do Protocolo de Montreal agregado ao Tratado de Viena sobre a rarefação da camada de ozônio, afirmando a nova importância dos problemas em escala mundial e introduzindo novos princípios jurídicos para orientar a sua resolução;

c) a aprovação pelo Banco Mundial de uma nova política ambientalista, iniciativa que se seguiu ao papel pioneiro da US-aid. Nos anos seguintes, a maioria das IFIs adotará a políticas visando integrar parâmetros ambientalistas nas políticas de desenvolvimento, enquanto as agências bilaterais reformam seus critérios de empréstimo e reavaliam suas prioridades.

E quais as razões levaram ao retorno vigoroso das questões ambientais

em âmbito internacional?

Primeiramente, a constatação de que o meio ambiente nos países

industrializados havia melhorado, enquanto que nos países subdesenvolvidos o

fenômeno fora totalmente contrário. Outra razão foi o aumento da criação de ONGs

– Organizações Não Governamentais, inclusive em países como os Estados Unidos

e no continente europeu. Por fim, a alteração da agenda diplomática decorrente do

13

CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.

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desaparecimento da URSS que atenuou a preocupação excessiva com segurança e

controle de armamentos. (LE PRESTRE, 2005, p. 184)

E o Brasil, como enxergava a questão ambiental neste período?

O comemorado “milagre brasileiro” que inspirou a participação do país na

Conferência de Estocolmo acabou vencido pela crise do petróleo, pela dívida

externa e pela inflação, com o consequente declínio da situação econômica

brasileira.

O país assistia ao fim do regime militar que, a despeito das dificuldades

econômicas, propiciou mudanças especialmente no que se refere ao aumento da

participação da sociedade civil que, por sua vez, trouxe à tona a gama de problemas

sociais que estavam longe de ser resolvidos apenas com o retorno do regime

democrático: má distribuição de renda e o aumento crescente da criminalidade

passaram a ser a marca registrada do Brasil.

Especificamente em relação às questões ambientais, o retorno da

democracia propiciou um aumento no interesse dos cidadãos sobre o meio

ambiente, inclusive com o surgimento de diversas ONGs e maior participação da

comunidade científica.

No âmbito jurídico, ainda sob a inspiração da Conferência de Estocolmo,

houve inegável progresso na legislação ambiental, especialmente pela promulgação

da Constituição de 1988 que elevou o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado

ao status de direito fundamental.

O Brasil, no entanto, não dava conta sequer dos problemas básicos que

afligiam a sua população, como apontado por Lago (2007, p. 12).

A sociedade brasileira, no entanto, não havia resolvido os problemas básicos da população como saúde, educação ou alimentação, identificados como pré-condições para que uma sociedade passe a ter o meio ambiente como prioridade. Com isso, a questão ambiental entrou em uma longa lista de dívidas sociais e colocou-se com novos elementos, no contexto descrito pelo historiador José Augusto de Pádua como “a convivência no Brasil desse duplo movimento: uma rica tradição de simpatia cultural e o elogio laudatório da natureza, de um lado, e, do outro, uma história de contínua agressão contra as principais manifestações”.

E justamente neste cenário, o Brasil apresenta a sua candidatura junto à

Organização das Nações Unidas - ONU para sediar a planejada Conferência de

1992, ao lado de candidatos como a Suécia e o Canadá.

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Segundo Silva (2002, p. 37) a candidatura do Brasil causou espanto em

um primeiro momento, mas os motivos para tanto foram especialmente dois: “provar

aos demais países que o Brasil participa das preocupações ecológicas; e aproveitar

a oportunidade para mobilizar no Brasil a opinião pública em todos os níveis da

administração, federal, estadual e municipal, a fim de criar uma consciência

ecológica sadia”.

Assim, pela Resolução 44/228, de 22 de dezembro de 1989, a

Assembleia Geral da ONU decidiu convocar os Estados para mais uma Conferência

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a se realizar em 1992, na cidade

do Rio de Janeiro.

1.3 A CONFERÊNCIA RIO-92

Em 1992 realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), conhecida como Eco92 e também

chamada de “Cúpula da Terra”, por ter dedicado os seus dois últimos dias às

ponderações dos Chefes de Estado e de Governo, a qual reafirmava a Declaração

da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em

1972 em Estocolmo.

Importante observar que o mundo passava por um momento histórico de

extrema relevância, considerando que três anos antes da realização da Rio 92

houve o fim da Guerra Fria, acompanhada da queda do muro de Berlim e do fim da

divisão do planeta em dois blocos antagônicos.

Neste contexto, a realização desta Conferência, a maior de todas já

realizadas pela ONU, representou indubitavelmente um grande avanço no

tratamento das questões ambientais sob o auspício da participação e cooperação de

todos os países. (CLIQUE RIO)

O evento reuniu 178 países, oito mil delegados, três mil representantes de

ONGs credenciadas, mais de mil ONGs num fórum paralelo, nove mil jornalistas

Chefes de Estado e de Governo (LE PRESTRE, 2005, p. 203) e seus antecedentes

foram tratados no item 2.2.

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Houve uma preparação prévia bastante cuidadosa e novamente sob a

direção de Maurice Strong, que atuou em Estocolmo, foi criado um processo ainda

mais complexo do aquele utilizado em 1972, com inúmeros encontros paralelos, mas

inter-relacionados, bem como o emprego da Internet e de outras redes eletrônicas.

Segundo Le Prestre (2005, p. 203), a Rio 92 contou com quatro eixos

principais de debates e negociações, quais sejam:

a) um eixo político, segundo o qual os governos deveriam chegar a um acordo sobre a agenda, o modo de negociação, os princípios políticos que fundamentariam todos os acordos, e o conteúdo dos documentos aprovados. Este eixo tinha dois componentes: a reunião de comissões preparatórias da Cnumad e os esforços dos governos e OIGs para desenvolver posições regionais ou comuns;

b) um eixo científico, segundo o qual os representantes dos governos e especialistas de OIGs, assistidos por certas ONGs e especialistas independentes, tentariam definir os problemas científicos e as opções possíveis;

c) um eixo civil, segundo o qual as ONGs ambientais, as ONGs desenvolvimentistas e as ONGs sociais tentariam influenciar a agenda, contribuir com sua habilitação e propor suas soluções;

d) as negociações em curso tendo por tema convenções sobre a diversidade biológica, as mudanças climáticas e as florestas, que deviam ser assinadas no Rio, mas eram negociadas em paralelo.

Com este formato, a Conferência tinha como foco nove problemas

ambientais principais, elencados na própria Resolução 44/228: (i) a proteção da

atmosfera no que se refere à rarefação da camada de ozônio e às mudanças

climáticas; (ii) a proteção das águas doces; (iii) a proteção dos oceanos e dos mares

e a gestão racional de seus recursos; (iv) a proteção e a gestão dos solos (luta

contra o desmatamento, a desertificação e a seca); (v) a preservação da

biodiversidade biológica; (vi) a gestão ecologicamente racional das biotécnicas; (vii)

a gestão ecologicamente racional dos dejetos; (viii) as condições de vida das

populações mais pobres; (ix) a proteção e a promoção da saúde. (Le Prestre, 2005,

p. 214)

Além disso, a Resolução 44/228 indicou os 26 objetivos oficiais do

encontro, dentre os quais se destacam: examinar o estado do meio ambiente e as

mudanças ocorridas depois da Conferência de Estocolmo; estudar as estratégias

nacionais e internacionais a fim de chegar a acordos e compromissos específicos

sobre ações precisas com vistas a resolver os problemas ambientais; examinar a

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relação entre degradação do meio ambiente e o clima econômico internacional e

estudar as estratégias visando a reforma da ordem econômica internacional a fim de

favorecer o desenvolvimento durável. (LE PRESTRE, 2005, p. 214)

Depreende-se, assim, que o principal objetivo da Conferência, inspirado

no Relatório de Brundtland, foi buscar a (re) conciliação entre desenvolvimento e

proteção ambiental.

Novamente, como ocorreu em Estocolmo, verificou-se uma divisão de

interesses entre os diversos países ali representados, visando impedir acordos

acerca de pontos que fossem contrários aos seus interesses político-econômicos.

Tal foi o caso dos países produtores de petróleo quando se tratou do capítulo das opções em resposta às mudanças climáticas. Ou ainda dos Estados Unidos, os quais, por ocasião das negociações sobre CCC, desejavam evitar reduções de emissões dentro de um cronograma rígido, bem como despesas novas ou acesso automático à tecnologia. (LE PRESTRE, 2005, p. 214)

Resultante da Rio 92 foram celebrados os seguintes documentos: a

Agenda 21, a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre Florestas, a

Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro sobre Mudanças

Climáticas.

Tais documentos, em especial a Agenda 21 e a Declaração do Rio, foram

responsáveis pela definição dos contornos de políticas públicas voltadas à

implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável.

A Declaração do Rio é um documento de consenso, composto de um

preâmbulo e de 27 artigos, os quais têm como objetivo guiar o comportamento dos

Estados e mobilizar as sociedades. (LE PRESTRE, 2005, p. 219)

Aqui importante mencionar que o objetivo inicial do secretariado dos

países do Norte, exceto dos Estados Unidos, era aprovar uma Carta da Terra, na

medida em que uma das recomendações do Relatório Brundtland era a criação ode

uma Declaração Universal de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,

na forma de uma nova Carta contendo princípios orientadores às nações rumo ao

desenvolvimento sustentável.

Foi proposta então, pelo secretário Maurice Strong, a criação da Carta da

Terra, nos moldes sugeridos pela Comissão Brundtland. Mas, não foi possível

chegar à um consenso entre os Estados, razão pela qual a Declaração do Rio foi

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utilizada como documento guia temporário, pois não contemplou uma visão mais

ética e inclusiva, conforme era o esperado.

Justamente por isso, em 1994 Maurice Strong une-se à Mikhail

Gorbachev, à época presidente da Cruz Verde Internacional a fim de lançarem uma

nova iniciativa da Carta da Terra, com financiamento do governo holandês. Em 1995

o embaixador da Algéria – Mohamed Sahnoun – foi designado como primeiro diretor

executivo do projeto, enquanto que Mirian Vivela, brasileira, tornou-se coordenadora

das atividades da Carta da Terra, em 1996. Já no fim de 1996 foi formada a

Comissão da Carta da Terra para acompanhar um esboço, liderada por Strong e

Gorbachev, que perdurou três anos. (CARTA DA TERRA)

A elaboração da Carta da Terra contou com centenas de organizações e

milhares de pessoas, tendo sido conduzidos diálogos ao redor do mundo e pela

Internet, além da realização de conferências regionais em todos os continentes. O

Comitê, responsável pela redação, trabalhou juntamente com a Comissão de Direito

Ambiental da União Internacional para Conservação da Natureza, sendo que a Carta

da Terra é responsável por ampliar leis internacionais ambientais e reconhecer a

importância da democracia participativa e deliberativa para o desenvolvimento

humano e proteção ambiental. (CARTA DA TERRA)

A aprovação do texto final da Carta da Terra ocorreu em março de 2000,

em um encontro da Comissão da Carta da Terra na sede da UNESCO, Paris e é

composta pelo preâmbulo, 16 princípios principais, 61 princípios de apoio e uma

conclusão com o seguinte título: “O Caminho Adiante”. (CARTA DA TERRA)

A Agenda 21, por sua vez, foi considerada como coração da Cnumad,

pois constitui como observa Le Prestre (2005, p. 221).

(...) um compromisso político firme, uma ordem do dia que ligaria os Estados – senão juridicamente, ao menos politicamente – em prol da perseguição vigorosa dos objetivos indicados nos níveis nacional e internacional, e que guiaria e inspiraria as ações regionais, nacionais e locais das organizações implicadas na sua implementação. A Agenda 21 se dirige aos governos, aos organismos da ONU, às outras OIGs, às ONGs, às comunidades diversas e a todos aqueles que deverão tomar parte em sua execução.

No entanto, a concepção de desenvolvimento sustentável abraçada pela

Agenda 21 impunha mudanças profundas no sistema de valores e processos

institucionais vigentes. Por tal razão, a Assembléia Geral das Nações Unidas

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instaurou uma sessão especial – conhecida como Rio + 5 – visando revisar a

implementação da Agenda 21 e demais deliberações tomadas na Conferência Rio

92, ocasião em que foram identificadas várias lacunas, especialmente atinentes à

dificuldade de se alcançar a equidade social e reduzir a pobreza. (CLIQUE RIO)

Mas, como apontado por Silva (2002, p. 27) “os resultados foram

modestos: havia decorrido relativamente pouco tempo para que mudanças de

mentalidade e comportamento – importantes e necessárias para impulsionar a

economia mundial em transformações de vulto – já se encontrassem em curso.”.

1.4 A CONFERÊNCIA RIO+10 EM JOANESBURGO

Passados dez anos da tão festejada Rio 92, constatava-se que os

documentos assinados no Rio de Janeiro, poucas mudanças provocaram na

realidade, até então.

Os dados foram relevados pela ONU no relatório “Desafios Globais,

Oportunidades Globais”, divulgado um pouco antes do início da Cúpula Mundial

sobre Desenvolvimento Sustentável, convocada pela Resolução 55/199 da ONU e

ocorrida em Joanesburgo, na África do Sul conhecida como Rio + 10, na qual

estiveram presentes aproximadamente 20 mil pessoas, advindas de 193 países.

- Em 2002, 40% da população mundial enfrentava escassez de água. O relatório aponta que o consumo de água aumentou seis vezes no último século, o dobro do crescimento populacional no mesmo período. Enquanto a agricultura representava 70% do consumo de água no planeta naquele ano, 60% desse total eram desperdiçados devido a sistemas ineficientes de irrigação. Com isso, a ONU alertou que se os padrões de consumo continuassem os mesmos, metade da população mundial (3,5 bilhões de pessoas) sofreria com a falta de água em 2025. - Estima-se que 90 milhões de hectares de florestas forma destruídos na década de 1990 – uma área maior que o tamanho da Venezuela, representando 2,4% da área total de florestas do planeta. Com isso, 9% das espécies de árvores estavam ameaçadas à época da Cúpula de Johanesburgo. - A cada ano, 3 milhões de pessoas morriam de doenças causadas pela poluição. - A falta de saneamento básico vitimava 2,2 milhões de pessoas por ano;

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- Embora os países ricos tenham se comprometido em Estocolmo a destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto anualmente para que os países pobres enfrentem os problemas da miséria e da degradação do meio ambiente, a ajuda concreta – que era, em média, de 0,36% do PIB em 1992 – caiu para 0,22% do PIB anual em 2002. - A proporção de pessoas que ganhavam menos de US$ 1 por dia caiu de 29% para 23% da população mundial. No entanto, em números absolutos representavam mais de 1,2 bilhões de pessoas, 75% delas nas zonas rurais. (CLIQUE RIO)

Além disso, às vésperas da Conferência os cientistas depararam-se no

continente asiático com uma imensa camada de poeira que cobria uma área de 25

milhões de quilômetros quadrados, resultante de um conjunto de gases poluentes e

das queimadas nas florestas da região, bem como inundações de proporções

inéditas na Europa. (CLIQUE RIO)

Neste cenário, eclodiram protestos que buscavam chamar a atenção dos

líderes políticos mundiais para que a Cúpula de Johanesburgo tratasse

adequadamente os problemas ambientais. A comoção foi tão grande que atingiu até

resultado das eleições na Alemanha, onde restou vitorioso o candidato apoiado pelo

Partido Verde. (CLIQUE RIO)

Mas, as reuniões preparatórias já deram o tom da falta de vontade política

dos países considerados como ricos em arcar com suas responsabilidades, o que,

de imediato, gerou o pessimismo quanto a resultados efetivos que pudessem advir

do encontro.

Um exemplo refere-se à participação dos Estados Unidos da América,

cujo governo desde o início das discussões buscou obstruir os avanços e questionar

acordos já celebrados no Rio de Janeiro, em 1992, como o “princípio das

responsabilidades comuns, mas diferenciadas” e a meta de contribuição dos países

ricos aos países em desenvolvimento, além do fato do então Presidente George W.

Busch não ter comparecido ao evento, o que esvaziou em parte os objetivos da

Conferência, dado o poder norte-americano nas negociações de âmbito

internacional. (CLIQUE RIO)

Da Rio + 10 resultaram apenas dois documentos oficiais: a Declaração

Política e o Plano de Implementação, pois o objetivo maior do encontro seria definir

as medidas necessárias para a execução da Agenda 21 e implementação efetiva

daquilo que fora definido em 1992. (CLIQUE RIO)

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A Declaração Política, intitulada “O compromisso de Joanesburgo sobre

Desenvolvimento Sustentável” está dividido em 06 partes e possui 60 parágrafos e

trata-se tão somente de um compromisso político, sem metas. Já o Plano de

Implementação, contendo dez capítulos e 148 páginas tem como mote o alcance de

três objetivos: a erradicação da pobreza, a mudanças nos padrões insustentáveis de

produção e consumo e a proteção dos recursos naturais e faz menção a questões

que não eram tratadas em 1992, como por ex., a globalização. (CLIQUE RIO)

Desde a Rio + 10 inúmeros eventos e encontros focados em temas

relacionados ao meio ambiente em todos os aspectos vêm sendo realizados por

organizações públicas e privadas de todo o mundo.

1.5 A CONFERÊNCIA RIO+20

Em 2012 o Rio de Janeiro foi, uma vez mais, palco de tais discussões ao

sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a

Rio+20. Ela foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro.

A Rio + 20 foi assim conhecida porque marcou os vinte anos de

realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento

sustentável para as próximas décadas.

A proposta brasileira de sediar a Rio + 20 foi aprovada pela Assembleia-

Geral das Nações Unidas, em sua 64ª Sessão, em 2009.

O objetivo da Conferência foi a renovação do compromisso político com o

desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na

implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e

do tratamento de temas novos e emergentes. Foram discutidos dois temas

principais: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da

erradicação da pobreza; e a estrutura institucional para o desenvolvimento

sustentável.

A Rio + 20 foi composta por três momentos. Nos primeiros dias, de 13 a

15 de junho, aconteceu a III Reunião do Comitê Preparatório, no qual se reuniram

representantes governamentais para negociações dos documentos adotados na

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Conferência. Em seguida, entre 16 e 19 de junho, foram programados os Diálogos

para o Desenvolvimento Sustentável.

De 20 a 22 de junho, ocorreram o Segmento de Alto Nível da

Conferência, para o qual foi confirmada a presença de diversos Chefes de Estado e

de Governo dos países-membros das Nações Unidas.

A Resolução n° 64/236 da Assembleia-Geral das Nações Unidas

determinou a realização da Conferência, seu objetivo e seus temas, além de

estabelecer a programação das reuniões do Comitê Preparatório (conhecidas como

“PrepComs”). O Comitê realizou sessões anuais desde 2010, além de “reuniões

intersessionais”, importantes para dar encaminhamento às negociações.

Além das “PrepComs”, diversos países realizaram “encontros informais”

para ampliar as oportunidades de discussão dos temas da Rio + 20.

O processo preparatório foi conduzido pelo Subsecretário-Geral da ONU

para Assuntos Econômicos e Sociais e Secretário-Geral da Conferência,

Embaixador Sha Zukang, da China.

Os preparativos foram complementados pela Mesa Diretora da Rio + 20,

que se reuniu com regularidade em Nova York e decidiu sobre questões relativas à

organização do evento. Fizeram parte da Mesa Diretora representantes dos cinco

grupos regionais da ONU, com a co-presidência do Embaixador Kim Sook, da

Coréia do Sul, e do Embaixador John Ashe, de Antígua e Barbuda. O Brasil, na

qualidade de país-sede da Conferência, também esteve representado na Mesa

Diretora.

Os Estados-membros, representantes da sociedade civil e organizações

internacionais tiveram até o dia 1º de novembro para enviar ao Secretariado da

Conferência propostas por escrito. A partir dessas contribuições, o Secretariado

preparou um texto-base para a Rio + 20, chamado “zero draft” (“minuta zero” em

inglês), o qual foi negociado em reuniões ao longo do primeiro semestre de 2012.

A despeito de um dos resultados da Rio + 20 ter sido o relatório “O Futuro

que queremos”, este se limitou a (re) definir os conceitos sobre a Economia Verde

como centro do desenvolvimento sustentável.

Não houve o enfrentamento de questões essenciais relacionadas ao

modelo de desenvolvimento econômico escolhido pelo Brasil e por grande parte das

grandes economias mundiais. Optou-se, nesta Conferência, por não se tratar, por

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exemplo, dos recursos hídricos, em especial a sua inter-relação com o tema cáustico

da produção de energia.

Ora, o nosso País entre as décadas de 1960 e 1970 elegeu como modelo

de geração de energia a hidroeletricidade como principal fonte geradora. Ou seja,

estudos apontam que atualmente mais de 90% da energia gerada no Brasil é de

origem hidráulica.

Waldmann (2012, p. 553) ao tratar da necessidade de que o Brasil

dispense maiores cuidados e estabeleça uma política efetiva de preservação dos

seus recursos hídricos, aponta a problemática socioambiental decorrente da geração

de energia hidroelétrica.

Um primeiro problema relacionado com a hidroeletricidade é a própria construção desses gigantescos empreendimentos, pois a inundação das terras desloca grandes grupos de população, que só é reassentada ou indenizada quando se mobiliza com esse fim (desta situação decorre o surgimento de movimentos de resistência à construção de hidrelétricas, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, MAB, atuante desde o final dos anos 80).

Portanto, é preciso reconhecer que o documento final resultante da

Conferência não apresentou grandes avanços às discussões que já vinham sendo

travadas e nem trouxe maiores compromissos. Aliás, muitos destes foram deixados

para um debate futuro, quando, segundo apontam alguns estudiosos e

pesquisadores, já poderá ser tarde demais.

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2 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E AUDIÊNCIA PÚBLICA

2.1 A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – LEI N° 6.938 DE 31.08.1981

Considera-se para este trabalho que o movimento ambientalista tratado

no Capítulo anterior e a edição da Política Nacional do Meio Ambiente, que dentre

os seus instrumentos elegeu o licenciamento ambiental e a avaliação de impacto

ambiental e, posteriormente, a constitucionalização da Audiência Pública nos

processos de licenciamento ambiental para os quais será obrigatório o Estudo de

Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA) e a

construção da cidadania ambiental que serão tratados nas próximas páginas, são

elementos históricos que compõem um processo correlato de estabelecimento das

relações dos seres humanos com o ambiente e de regulação do exercício das

atividades que degradam este meio.

Tanto é verdade, que como resultado dos intensos debates travados

mais fortemente a partir da Conferência de Estocolmo, diversos organismos

financiadores internacionais passaram a solicitar novos mecanismos de aferição

como pré-requisito para o financiamento de projetos utilizadores de recursos

naturais, dentre os quais a exigência de estudos ambientais.

Justamente em função disso, alguns projetos desenvolvidos no Brasil no

início da década de 1980 foram submetidos a estudos ambientais realizados de

acordo com as normas das agências internacionais.

Em 1981, ainda sob a égide da Constituição de 1969 e em um período de

declarado autoritarismo político-administrativo, o Brasil visando não mais submeter-

se às normas estritamente internacionais, editou a Lei n° 6.938, a qual instituiu a

Política Nacional do Meio Ambiente, apontada por grande parte da doutrina como

sendo um grandioso e importantíssimo passo na alteração da realidade pátria no

que se refere à proteção do meio ambiente.

Tal Lei foi inspirada na própria Declaração de Estocolmo, que em seu

Princípio n° 21 dispôs que “os Estados têm direito soberano de explorar seus

próprios recursos, de acordo com a sua política ambiental”.

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Milaré (2011, p. 405) bem demonstra e exalta esse caráter de vanguarda

da Lei n° 6.938/81.

De fato, na história da nossa evolução política, as ações governamentais obedeciam mais a impulsos do momento ou a tendências de um determinado governo do que a planos, programas e projetos devidamente articulados. Imperavam, por assim dizes, as leis da improvisação e do curto prazo, vítimas fáceis da descontinuidade administrativa. É claro que a partir dos anos 50, após a Segunda Guerra Mundial, foram sendo adotados “planos de metas”, “planos de governo”, “planos de desenvolvimento” e ferramentas análogas. Com tudo, tais recursos não tinham a estabilidade, o alcance e as perspectivas de uma política orgânica e de longo prazo, em âmbito federal ou estadual, que corresponde melhor à índole dos Estados modernos. Isto explica o caráter inovador da Política Nacional de Meio Ambiente. Sua implementação, seus resultados, assim como a estabilidade e a efetividade que ela denota, constituem um sopro renovador e, mais inda, um salto de qualidade na vida pública brasileira. Seus objetivos nitidamente sociais e a solidariedade com o planeta Terra, que, mesmo implicitamente, se acham inscritos em seu texto, fazem dela um instrumento legal de grandíssimo valor para o País e, de alguma forma, para outras nações sul-americanas com as quais o Brasil tem extensas fronteiras.

De outra banda Silva (2007, p. 212), de igual maneira afirma que “a

concepção de uma Política Ambiental Nacional foi um passo importante para dar

tratamento global e unitário à defesa da qualidade do meio ambiente no país”.

Importante observar que, apesar de sua importância, a Lei n° 6.938/81

carece de uma melhor técnica legislativa e apresenta certa confusão conceitual ao

definir os objetivos, as metas, os princípios e diretrizes. Mas, em uma leitura mais

acurada faz-se possível interpretá-la adequadamente e à luz do contexto em que

fora editada.

Aquilo que Milaré (2011, p. 414) chama de objetivo geral da Política

Nacional do Meio Ambiente encontra-se descrito no caput, artigo 2°, in verbis.

Art. 2°. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios (...).

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Por sua vez, este objetivo geral somente poderá ser atingido se forem

realizados os objetivos específicos (MILARÉ, 2011, p. 415) que se encontram

descritos no artigo 4° da Lei.

São eles:

Art. 4°. A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II – à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; III – ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV – ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais; V – à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Silva (2007, p. 215-217), por sua vez, afirma que o artigo 2° da Política

Nacional do Meio Ambiente usa a palavra “objetivo” em sentido diferente daquele

contido em seu artigo 4°, pois o objetivo no artigo 2° faz referência ao “objetivo

último”, à “finalidade” da Política. Já o artigo 4° revela “metas concretas” que a

implementação da Política visa a realizar como pressuposto para o alcance de sua

finalidade.

O próprio artigo 2°, após estabelecer a finalidade maior da Política

Nacional do Meio Ambiente, define os princípios que deverão nortear as ações,

muito embora neste ponto haja sérias deficiências conceituais, como bem aponta

Milaré (2011, p. 409)

Seja porque faltasse uma assessoria legislativa especializada, seja porque o assunto a ser regulamentado fosse novidade para a sociedade e o próprio legislador, a formulação desses princípios

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resultou muito ambígua, visto que vários itens apresentados como princípios são, na realidade, programas, metas ou modalidades de ação. A enunciação de princípios é normalmente construída em forma de oração, em que o verbo indica a natureza e o rumo das ações, ao passo que as metas são substantivas.

Os princípios14 contidos na Lei da Política Nacional são os seguintes e

deverão orientar toda e qualquer ação da União, dos Estados e dos Municípios que

tenham como finalidade a preservação, melhoria e recuperação da qualidade

ambiental e do equilíbrio ecológico: i) consideração de que o meio ambiente é um

patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o

uso coletivo; ii) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; iii)

planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; iv) proteção dos

ecossistemas; v) controle e zoneamento das atividades potencial e efetivamente

poluidoras; vi) incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologia orientada para o uso

racional e a proteção dos recursos ambientais; vii) acompanhamento do estado da

qualidade ambiental; viii) recuperação de áreas degradadas; ix) proteção de áreas

ameaçadas de degradação; x) educação ambiental.

Além disso, esta Lei traz em seu bojo importantes conceitos, os quais são

indispensáveis para a adequada compreensão das questões ambientais, conforme

se apreende do artigo 3°. Senão vejamos:

Art. 3°. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante da atividade que direta ou indiretamente: a)prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b)criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c)afetem desfavoravelmente a biota; d)afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e)lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais, subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

14

Art. 2° da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981.

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44

Já no artigo 9° da Lei em comento, encontram-se previstos os

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, por meio dos quais caberá ao

Poder Público buscar a realização concreta da finalidade precípua do diploma, qual

seja, a preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente e do equilíbrio

ecológico.

São eles: (i) padrões de qualidade ambiental; (ii) zoneamento ambiental;

(iii) avaliação de impactos ambientais; (iv) licenciamento ambiental de atividades

efetiva ou potencialmente poluidoras; (v) incentivos à produção e instalação de

equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia; (vi) criação de espaços

territoriais especialmente protegidos; (vii) sistema nacional de informações; (viii)

cadastro técnico federal de atividades e instrumentos de defesa ambiental; (ix)

penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas

necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental; (x) relatório de

qualidade do meio ambiente; (xi) garantia da prestação de informações relativas ao

meio ambiente; (xii) cadastro técnico federal de atividades potencialmente poluidoras

e/ou utilizadoras dos recursos ambientais e (xiii) instrumentos econômicos –

concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.

No que se refere especificamente ao licenciamento ambiental de

atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, o qual será tratado neste estudo em

Capítulo próprio, é necessário observar, desde já, que o mesmo possui uma inter-

relação com os demais instrumentos previstos pela Lei e deverá ser aplicado de

maneira integrada com outras ferramentas de proteção ambiental. (FARIAS, 2007, p.

44)

É justamente por isso que a presente dissertação tratará do licenciamento

ambiental de atividades e empreendimentos de significativo impacto ambiental, o

que inclui as valiosíssimas ferramentas da avaliação de impacto ambiental e da

audiência pública.

Tecidas tais considerações, faz-se imperioso reconhecer o valor e o

pioneirismo da Lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a despeito de

suas limitações conceituais e operacionais, impostas justamente pelo momento

político que o Brasil atravessava à época, o que, em hipótese alguma, diminui a sua

importância como instrumento legal valioso para orientar e delimitar as intervenções

no meio ambiente.

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45

Tais constatações positivas, no entanto, não significam que a Política

Ambiental se baste em si mesma, pois é necessário, para que haja de fato sua

efetivação concreta, que a sua finalidade e seus objetivos sejam parte integrantes

das políticas públicas governamentais.

O que se tem visto, por ora, visando a formulação de uma Política

Ambiental Nacional, é a atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA15, órgão superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA16,

editando normas de grande relevância em matéria ambiental, especialmente para o

fim de disciplinar o processo de licenciamento ambiental, bem como os estudos

ambientais e audiências públicas.

A própria Política Nacional do Meio Ambiente em seu artigo 5° já definiu

que as suas diretrizes deverão ser formuladas em normas e planos específicos, a

fim de orientar a ação da União, dos Estados e dos Municípios com vistas à

proteção ambiental e defesa do equilíbrio ecológico, bem como para orientar o

exercício das atividades empresariais públicas ou privadas.

O conteúdo de tal dispositivo é de relevância ímpar, pois vinculará a

orientação protecionista do meio ambiente aos planos de ordenação territorial e de

desenvolvimento econômico e social, cuja competência é da União17.

Não é outro o entendimento esposado por Silva (2007, p. 213)

Não cumpre a Constituição o governo federal que não formule as diretrizes da Política Ambiental em consonância com as diretrizes e objetivos do planejamento nacional, até porque aquelas hão de servir de normas-guias destas outras, visto como defesa do meio ambiente, que elas traduzirão, constitui um dos princípios da ordem econômica (Constituição, art. 170, VI).

Inexiste, no entanto, um plano de ação que venha a integrar a União, os

Estados e os Municípios, a fim de promover ações conjuntas e unificadas para a

preservação do meio ambiente.

15

Art. 6°, II da Lei n° 6.938/81 “órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”. 16

Art. 6° da Lei n° 6.938/81 “Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (...). 17

Art. 21, IX e 174, § 1° da Constituição da República.

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46

Ademais, não é possível falar em planejamento ambiental isolado do

planejamento socioeconômico, pois o conceito de meio ambiente não engloba tão

somente os recursos naturais18.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e os instrumentos por ela

instituídos revelaram-se valiosos como orientadores das intervenções do ser

humano no meio ambiente. Mas por outro lado, é imperativo ressaltar que a mesma

foi promulgada em uma época em que o Brasil encontrava-se submetido a um

rigoroso regime político-administrativo autoritário, quando ainda encontrava-se

vigente a Constituição de 1967 alterada pela Emenda Constitucional n. 01 datada de

17 de outubro de 1969, subscrita pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército

e da Aeronáutica.

Este sistema constitucional tinha como objetivo maior a organização do

Estado Nacional e seus poderes, não havendo espaço para preocupações

relacionadas à dignidade da pessoa humana, o que fez com que o meio ambiente

fosse compreendido tão somente como a fauna e a flora, constituindo-se estes

recursos ambientais como os únicos destinatários das normas de direito ambiental

até então existentes.

No entanto, com a instituição de uma ordem econômica, social e

ambiental inauguradas com a promulgação, em 1988, da Constituição Federal da

República, representativa da inauguração do que vem sendo cunhado de Estado de

Direito Socioambiental19, é imperioso que a aplicação do contido na Política Nacional

do Meio Ambiente seja feita à luz deste novo cenário.

A legitimação constitucional de todos os instrumentos de gestão

ambiental trazidos pela Lei n° 6.938/81, está contemplada no artigo 225, caput a

Magna Carta, à medida que preceitua que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, assim como condiciona o exercício da livre iniciativa –

fundamento da ordem econômica – à proteção do meio ambiente, nos exatos termos

do artigo 170, IV.

18

Neste sentido José Rubens Morato Leite, in Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, p. 95-96. 19

Tal denominação é apontada por Sarlet e Fenterseifer (2011, p. 94). Os autores preferem o termo “Socioambiental”, tendo em vista a imperiosa convergência das agendas social e ambiental em um mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano – expressão essa adotada por este estudo.

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47

Neste sentido, a implementação da Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente - recepcionada pela Constituição Federal de 1988 em quase todos os seus

aspectos -, desempenha papel fundamental na tutela deste direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, previsto no texto constitucional e deverá ocorrer à luz

do novo paradigma constitucional calcado em uma sustentabilidade que só se

materializa à luz de elementos constitutivos do social, do econômico e do ambiental,

compondo deste modo o desejo maior do Poder Constituinte de realização de uma

sustentabilidade socioambiental.

Isso se constitui como uma tarefa árdua, pois exige uma nova abordagem

do direito ambiental e dos seus instrumentos, além de vontade política para tanto,

como bem observa Milaré (2011, p. 408) ao tratar das dificuldades para a

formulação de uma Política Ambiental de caráter nacional.

Não é possível planejar o uso de qualquer desses recursos apenas sob o prisma econômico-social ou somente sob o aspecto da proteção ambiental. Ora, o planejamento integrado das políticas públicas ainda não existe no Brasil, mercê da excessiva setorização e verticalização dos diferentes Ministérios. A isso acresce a inexistência de efetivas definições políticas por parte dos partidos políticos e dos governos, em geral.

Portanto, para que as intenções contidas na valiosa Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente possam se materializar principalmente à luz dos

preceitos inaugurados com a Magna Carta de 1988, faz-se necessária a modificação

de paradigmas calcados exclusivamente na livre concorrência e na busca irracional

pelo lucro, a fim de que o ambiental, o social e o econômico possam convergir em

agendas públicas e políticas voltadas para a proteção do meio ambiente em seu

sentido amplo, o que inclui a consecução da dignidade humana.

Qualquer institucionalização das demandas ecológicas deve passar

necessariamente pelo debate em torno dos direitos sociais, como premissas para

uma condição cidadã e afirmando a própria dimensão integrativa e interdependente

de tais direitos na conformação de uma tutela integral da dignidade da pessoa

humana no horizonte político-jurídico de um socioambientalismo. (SARLET;

FENSTERSEIFER, 2011, p. 95-96)

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2.2 ASPECTOS GERAIS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL:

HISTÓRICO, CONCEITO, ESPÉCIES DE LICENÇAS E PROCEDIMENTO LEGAL.

O licenciamento ambiental surge no Brasil na década de 70, mais

especificamente no Estado do Rio de Janeiro com a promulgação, em 1975, do

Decreto-Lei n° 134, seguindo por São Paulo que editou legislação que disciplinava o

controle de poluição.

Em âmbito nacional, somente passou a ser exigido a partir de 1981, com

a Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a qual contém as

diretrizes gerais do licenciamento ambiental e foi regulamentada pelo Decreto n°

99.274/1990.

Uma das principais preocupações deste regramento, como já

mencionado, era compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a

preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

Portanto, é justamente a Política Nacional de Meio Ambiente, em seu

artigo 10, alterado recentemente pela Lei Complementar n° 140 de 08.12.201120,

que indica a necessidade de utilizar-se previamente de um mecanismo com o

objetivo de harmonizar o crescimento econômico e social com a manutenção da

qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico.

A construção, instalação, ampliação, modificação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recurso ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental.

A nova redação trazida pela Lei Complementar n° 140/2011 suprimiu o

texto que se seguia ao termo “licenciamento” e que dizia: “de órgão estadual

competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em

caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”. A supressão deu-se em

20

Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei n

o 6.938, de 31 de

agosto de 1981.

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virtude da reformulação do exercício da competência supletiva do IBAMA e pela

alteração da centralização do licenciamento dos recursos ambientais pelos Estados.

(MACHADO, 2012, p. 322)

De forma categórica, esta nova ordem impôs a obrigatoriedade do

licenciamento ambiental prévio para toda e qualquer obra ou atividade que utilizasse

recursos naturais ou fosse capaz de alterar as suas características.

A matéria é tratada, também, por várias outras normativas legais,

especialmente as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA

n° 001/86 e 237/97.

Embora seja inegável a importância de todos os instrumentos previstos na

Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, é inegável também que o licenciamento

ambiental se confirmou como um dos mais importantes na defesa dos recursos

ambientais e na busca da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A Resolução CONAMA n° 237/97, por sua vez, trata detalhadamente do

licenciamento ambiental e em seu artigo 1° o conceitua como o “procedimento

administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização,

instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de

recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas

que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as

disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso” 21

Já a licença ambiental é ali definida como sendo o “ato administrativo pelo

qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas

de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa

física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou

atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou

potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar

degradação ambiental”.22

Vê-se assim, que o licenciamento ambiental é o instrumento eleito pelo

Estado Brasileiro para avaliar se o desenvolvimento de certa atividade ou

empreendimento está em consonância com os padrões ambientais permitidos. É por

meio dele que a Administração Pública – na pessoa do órgão licenciador – identifica

21

Resolução CONAMA 237/1997, art 1°, I. 22

Resolução CONAMA 237/1997, art 1°, II.

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os impactos ambientais da obra ou atividade pretendida e regula a atuação do

empreendedor com vistas a impedir a ocorrência de danos, ou se impossível, ao

menos minimizá-los, conforme disposto no art. 2° da Resolução CONAMA 237/97 in

verbis.

A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental23, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

O licenciamento ambiental é ato uno, de caráter complexo, em cujas

etapas podem intervir vários agentes (MILARÉ, 2009, p. 421) e que deverá ser

precedido de estudos técnicos que subsidiem sua análise24, inclusive de EIA/RIMA,

sempre que constatada a significância do impacto ambiental25.

Aliás, importante reiterar que o objeto do licenciamento ambiental é a

atividade, a obra ou o empreendimento, o que nos leva, por lógica, a concluir que o

procedimento administrativo deverá avaliar a atividade, a obra ou o empreendimento

como um todo.

Veja que a Resolução CONAMA n° 01/86 ao tratar do Estudo de Impacto

Ambiental que deverá preceder o licenciamento de empreendimento de significativo

impacto ambiental determina, no teor de seu artigo 5°, II, que o estudo deverá

abranger “a área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos,

denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia

hidrográfica na qual se localiza”.

Machado (2012, p. 343) trata com maestria acerca do licenciamento

ambiental e a sua necessária unicidade, afirmando que se o mesmo não for

compreendido como ato uno perderá a força.

Licenciar por partes pode representar uma metodologia ineficiente, imprecisa, desfiguradora da realidade, e até imoral: analisando-se o projeto em fatias isoladas, e não sua totalidade ambiental, social e econômica, podendo ficar ocultas as falhas e os danos potenciais,

23

Degradação da qualidade ambiental é a alteração adversa das características do meio ambiente (art. 3°, II da Lei 6.938/81). 24

Resolução CONAMA 237/1997, arts. 1°, III, e 3°, parágrafo único. 25

Art. 225, IV da Constituição da República.

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não se podendo saber se as soluções parciais propostas serão realmente aceitáveis.

Importante mencionar que cada etapa do empreendimento exige uma

licença específica, as quais estão previstas na Resolução CONAMA n° 237, artigo 8°

e Decreto 99.274/199026, artigo 19. São elas:

a) Licença Prévia (LP): ato pelo qual o administrador aprova a localização e a concepção do empreendimento ou atividade, atestando a sua viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nos próximos passos de sua implementação; b) Licença de Instalação (LI) expressa consentimento para o início da implementação do empreendimento ou atividade, de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes; c) Licença de Operação (LO) manifesta concordância com a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta nas licenças anteriores com as medidas de controle ambiental e condicionantes então determinadas. (MILARÉ, 2009, p. 422)

Na etapa prévia de licenciamento, o interessado manifestará a sua

intenção de iniciar determinada atividade potencialmente poluidora, ocasião em que

o órgão responsável avaliará a localização e concepção do empreendimento com

vistas a assegurar a sua viabilidade ambiental, bem como, caso necessário, definir

os requisitos básicos obrigatórios – condicionantes – para a próxima etapa do

licenciamento.

Verifica-se, assim, a importância da fase de licenciamento prévio no que

se refere à proteção ambiental, pois será neste momento que o órgão licenciador

determinará a localização do empreendimento, bem como avaliará detalhadamente

eventuais consequências que a implantação e operação do empreendimento

licenciado acarretarão ao meio ambiente.

Após a análise, a discussão e a aprovação desses estudos de viabilidade a instância administrativa responsável pela gestão ambiental do caso em questão poderá conceder a licença prévia que, por ser a primeira licença ambiental, deverá funcionar como um alicerce para a edificação de todo o empreendimento. Assim, cabe à licença prévia aprovar a localização e a concepção da atividade, bem

26

Regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente

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como atestar a sua viabilidade ambiental. (MACHADO, 2012, p. 106-107)

Caso seja expedida a licença prévia, faz-se necessária a elaboração do

denominado Projeto Executivo, o qual, somente se aprovado, ensejará a emissão da

licença de instalação que deverá conter as especificações técnicas para a guarda do

meio ambiente.

Depois de instalada a atividade, obra ou empreendimento caberá à

autoridade ambiental promover uma vistoria no local a fim de constatar se todas as

condições preestabelecidas nas fases anteriores encontram-se atendidas, para que

então seja possível a concessão da licença de operação, quando então a atividade

iniciará o seu funcionamento propriamente dito.

Importante mencionar que este rol de licenças não é taxativo, pois há

dispositivos legais que disciplinam outras espécies de licenças ambientais. Cite,

como exemplo, a denominada licença prévia de perfuração, aplicável à indústria do

petróleo e gás natural e disciplinada pela Resolução CONAMA n° 23/94.

Isto posto, considerando tratar-se de um procedimento, ao longo do

licenciamento ambiental será necessário ultrapassar pelo menos oito fases, quais

sejam:

a) definição pelo órgão licenciador, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida; b) requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade; c) análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA quando necessárias; d) solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do Sisnama, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação, caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; e) audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente; f) solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; g) emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;

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h) deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.27

A Constituição de 1988 não prevê expressamente em seu texto o

licenciamento ambiental, o que, porém, não autoriza a conclusão de que a mesma

não conferiu importância a tal ferramenta.

Em seu art. 225, caput a Magna Carta preceitua que todos têm direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

à sadia qualidade de vida.

As referências ao meio ambiente não param por aí, constando, inclusive,

do Título VIII que trata da “Ordem Social”. Tal introito ressalte-se, também contém

menção à obrigação do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o

meio ambiente para as futuras gerações, preceito, este, que informa e norteia todo o

direito ambiental pátrio.

Portanto, o licenciamento ambiental como instrumento da Política

Nacional do Meio Ambiente e amplamente aplicado pelos órgãos licenciadores no

Brasil, desempenha, sem sombra de dúvidas, papel fundamental na tutela deste

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no texto

constitucional.

E não é somente com o caput do artigo 225 que o licenciamento

ambiental possui escorreita relação, pois o inciso I ao dispor que para assegurar a

efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado incumbirá ao

Poder Público “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover

o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” nada mais diz que aquelas

atividades que coloquem em risco processos ecológicos essenciais e o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas não poderão receber a licença ambiental. De

igual forma é o contido no inciso II, pois as atividades que sejam dedicadas à

pesquisa e manipulação de material genético deverão obrigatória e previamente ser

licenciadas pelo órgão ambiental competente. O inciso III segue o mesmo propósito

ao falar em “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão

permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”, pois caso uma determinada

27

Resolução CONAMA n° 237/1997, art 10, caput.

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54

atividade tenha a intenção de instalar-se dentro ou no entorno de uma unidade de

conservação ou em área de preservação ambiental, somente o poderá fazer depois

de instaurado um procedimento de licenciamento com o fim de atestar a viabilidade

ambiental ou não de funcionamento naquele local.

Segue o inciso IV que trata do denominado Estudo Prévio de Impacto

Ambiental - EIA, o qual servirá de subsídio para que, em um processo de

licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o

órgão licenciador competente decida pela concessão, ou não, da licença ambiental

pleiteada pelo interessado.

Por fim, o inciso V ao afirmar que “incumbe ao Poder Público a proteção

da fauna e da flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco a

sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à

crueldade”, afirma que os órgãos ambientais também deverão se utilizar do

licenciamento ambiental para regular as atividades econômicas que venham a afetar

negativamente a flora e a fauna de determinado local.

É correto concluir, assim, que mesmo não encontrando previsão expressa

na Constituição, o licenciamento ambiental constitui-se como uma exigência

constitucional dirigida a todo empreendedor, privado ou público, nacional ou

estrangeiro vinculada à instalação de obras ou quaisquer atividades potencialmente

causadoras de degradação do meio ambiente.

Trata-se de uma ferramenta instituída pela Política Nacional do Meio

Ambiente destinada a monitorar todas as atividades que utilizem recursos

ambientais de maneira efetiva ou potencialmente poluidora, capazes, sob qualquer

forma, de causar degradação ambiental, constituindo-se, assim, um dos mais

importantes instrumentos destinados a dar efetividade ao comando constitucional

contido no artigo 225 da Constituição.

A cronologia da legislação que rege o licenciamento ambiental no Brasil é

didaticamente demonstrada por Fiorillo et al (2011, p.82).

Base Legal Data Instrumento ambiental

Lei n° 6.938 Agosto 1981 Art. 9° III – Avaliação de Impacto Ambiental IV – Licenciamento V – Tecnologia Art. 10. Licenciamento

Resolução Conama

Janeiro 1986 EIA-RIMA

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55 n° 1

Constituição Federal

Outubro 1988

Art. 23. Competência Concorrente Art. 225, IV: significativa degradação – Estudo Prévio de Impacto Ambiental

Decreto federal n° 99.274

Junho 1990 Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação

Resolução Conama n° 237

Dezembro 1997

O anexo define a lista de atividades

Tabela 1 - Cronologia da base legal do licenciamento ambiental.

Não é possível deixar de mencionar, além do contido no quadro

supracitado, a Resolução Conama n° 001/86, pois responsável pelo estabelecimento

das diretrizes básicas para a elaboração dos estudos de impacto ambiental, além de

ter reafirmado o direito de cada cidadão de receber informações acerca de projetos

que possam comprometer a qualidade ambiental. Estamos a nos referir justamente à

previsão de realização de audiências públicas, que tem por objetivo garantir a

participação de toda a sociedade em debates acerca de projetos com potencial de

degradação ambiental. (SILVA-SÁNCHEZ, 2000, p. 86)

As audiências públicas foram disciplinadas pela Resolução Conama n°

009/87, a qual dispôs acerca da obrigatoriedade de realização das audiências

públicas quando requeridas por entidade civil, pelo Ministério Público ou cinquenta

ou mais cidadãos, tema este que trataremos no item 3.4, deste Capítulo.

2.3 A AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL – AIA

Dentre os instrumentos eleitos pela Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente visando uma gestão ambiental de caráter preventivo está a Avaliação de

Impacto Ambiental – AIA, assim como o licenciamento ambiental que tratamos

anteriormente.

Estas duas ferramentas têm uma relação intrínseca e indissociável, pois o

Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

(RIMA) constituem-se como pressuposto indispensável para que seja possível o

licenciamento ambiental de atividades ou obras que apresentem significativo

impacto ambiental.

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56

Portanto, aquele que pretenda estudar o licenciamento ambiental de

empreendimentos com potencial de apresentar impactos de grande significância,

jamais poderá deixar de lado os estudos ambientais, como é o caso EIA/RIMA. E,

mas ainda, quando o objetivo principal do estudo é a audiência pública no processo

de licenciamento ambiental.

Como veremos adiante, a audiência pública somente ocorrerá no

licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, os

quais, por sua vez, estão obrigados a passarem pelo crivo do EIA/RIMA.

Benjamin (1992) é quem melhor descreve esta interdependência ao dizer

que:

O direito ambiental tomou de empréstimo ao direito administrativo o procedimento de licenciamento, conforme veremos, em detalhe, mais adiante. E, como requisito deste, em certos casos de “atividades modificadoras do meio ambiente”, passou a exigir um estudo preliminar das implicações ambientais do projeto: o EIA. (...) Nota-se, pois, que o EIA não é um fim em si mesmo, isolado, inserindo-se, ao contrário, em um processo decisional mais complexo, articulado em fases. E o licenciamento ambiental, por seu turno, é – ou deveria ser – parte de um fenômeno mais amplo: o planejamento ambiental. (...) Há, portanto, uma interdependência absoluta, no sistema brasileiro, entre o licenciamento e EIA, sendo que aprovação deste é “pressuposto indeclinável para o licenciamento, influindo no mérito da decisão administrativa, e constituindo-se na bússola a guiar o rumo norte da confiabilidade da solução.

A utilização de estudos ambientais teve o seu nascedouro nos Estados

Unidos da América na década de 1970, sendo posteriormente adotado por inúmeros

outros países.

A lei norte-americana National Environmental Politic Act, conhecida como

NEPA trouxe como principal instrumento uma proposta de análise sistêmica com

vistas a prevenir impactos sobre o meio ambiente, o que é apontado por muitos

estudiosos como o embrião da avaliação de impactos ambientais.

O progresso da aplicação de estudos ambientais em âmbito internacional

é assim sintetizado por Sadler, citado por Fiorillo et al (2010, p. 87-88)

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Período Aspectos da Inovação

Antes de 1970 . Projetos analisados segundo aspectos técnico-econômicos . Pouca consideração às questões ambientais

1970 - 1975 . NEPA – Introduz avaliação ambiental . Princípios da participação popular . Estabelecimento de exigências . Estabelecimento de padrões para análise dos impactos . Vários países implementam as AIAs . Maiores incentivos à participação popular

1975 - 1980 . Formulação de regulamentações . Incorporação da AIA em países em desenvolvimento . Incorporação da avaliação ambiental estratégica e análise de riscos . Ênfase em modelagem matemática, previsão e avaliação . Incorporação da participação da sociedade no EIA

1985 - 1990 . Comunidade europeia estabelece os princípios básicos e sistemas de AIA nos Estados-membros . Incorporação de impactos cumulativos . Mecanismos de monitoramento (monitoramento, auditoria, gestão dos impactos) . Agências internacionais de financiamento exigem EIA para aprovação de projetos

Década de 1990 . Alguns países estabelecem sistema de avaliação estratégica . Incentivo ao uso de tecnologia de informação . EIA é utilizado em projetos e atividades de desenvolvimento internacionais . Crescimento de capacitação na elaboração de EIA, redes de apoio e cooperação

Tabela 2 - Evolução da avaliação ambiental.

Assim como ocorreu com o licenciamento ambiental, a avaliação de

impacto ambiental foi introduzida no Brasil pela Política Nacional do Meio Ambiente

– Lei n° 6.938/81, conforme artigo 9°, inciso III28.

Esta lei silenciou quanto ao disciplinamento da forma de aplicação da

avaliação de impacto ambiental, assim como os procedimentos, competências,

requisitos formais, dentre outros. Foi conferido ao Conselho Nacional do Meio

Ambiente – CONAMA a competência para determinar, quando julgar necessário, a

realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de

projetos públicos e privados, bem como requisitar informações necessárias para

apreciação de EIA/RIMA, no caso de obras ou atividade de significativo impacto

ambiental.

Como já mencionado anteriormente, a Lei n° 6.938/81 atualmente é

regulamentada pelo Decreto Federal n° 99.274/90, que substituiu o revogado

Decreto Federal n° 88.351/83, regulamento este que definiu aspectos estritamente

28

São instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente: (...) III. a avaliação de impactos ambientais.

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gerais da Avaliação de Impacto Ambiental e reproduziu a competência do CONAMA

já estatuída no diploma legal regulamentado.

Foram os decretos regulamentares que estabeleceram a avaliação de

impacto ambiental como estudo necessário para fins de licenciamento ambiental de

um empreendimento potencialmente poluidor, bem como definiram o seu conteúdo

mínimo.

É este o conteúdo do artigo 17 do Decreto Federal n° 99.274/90.

Art. 17. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem assim os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente integrante do Sisnama, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. § 1°. Caberá ao Conama fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, contendo, dentre outros, os seguintes itens: a) diagnóstico ambiental da área; b) descrição da ação proposta e suas alternativas; e c) identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos.

2° O estudo de impacto ambiental será realizado por técnicos habilitados e constituirá o Relatório de Impacto Ambiental – Rima, correndo as despesas à conta do proponente do projeto. 3° Respeitada a matéria de sigilo industrial, assim expressamente caracterizada a pedido do interessado, o Rima, devidamente fundamentado, será acessível ao público. 4° Resguardado o sigilo industrial, os pedidos de licenciamento, em qualquer das suas modalidades, sua renovação e a respectiva concessão de licença serão objeto de publicação resumida, paga pelo interessado, no jornal oficial do Estado e em um periódico de grande circulação, regional ou local, conforme modelo aprovado pelo Conama. (grifo nosso)

A despeito do contido na Política Nacional de Meio Ambiente, bem como

no Decreto Federal que a regulamentou, fato é que o principal diploma que

normatiza a avaliação de impacto ambiental ao estabelecer as definições,

responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais para uso e implementação

deste instrumento é a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA n° 01 de 23.01.1986, editada em consonância com a competência que foi

conferida aquele órgão pela Política Nacional do Meio Ambiente.

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Esta Resolução foi a responsável por detalhar tecnicamente o instrumento

eleito pela Lei n° 6.938/81, batizando-o de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório

de Impacto Ambiental, popularmente conhecido como EIA/RIMA29.

A importância do Estudo de Impacto Ambiental é tão grande que com a

promulgação da Constituição da República de 1988, o mesmo foi erigido a

instrumento constitucional, conforme preceito contido no artigo 225, § 1°, IV da

Magna Carta.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (grifo nosso)30

No ano seguinte, os Estados-membros em observância ao artigo 11 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias promulgaram as suas respectivas

Constituições Estaduais e, quase à unanimidade, trouxeram o Estudo de Impacto

Ambiental.

Cite-se, por exemplo, a Constituição do Estado do Paraná de 05.10.1989,

que igualmente à Constituição Federal dedicou tratamento especial ao meio

ambiente, inclusive com menção expressa de obrigatoriedade de realização de

estudo prévio de impacto ambiental para atividades ou obras que causem

significativa degradação do meio ambiente, ao qual deverá ser conferida

publicidade, nos termos do seu artigo 207.

As razões pelas quais levaram o legislador Constituinte a eleger o Estudo

de Impacto Ambiental como uma ferramenta constitucional aliada na busca de

melhoria da qualidade de vida são expostas por Derani (2008, p. 157).

29

Para Édis Milaré o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é uma modalidade de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), o que se depreende do art. 3°, § único da Resolução CONAMA n° 237/97. 30

A Constituição de 1988 corrigiu o equívoco técnico cometido pela Resolução CONAMA n° 01/86 ao definir o EIA como instrumento de avaliação ambiental de obras ou atividades capazes de provocar significativo impacto, e não de obras ou atividades simplesmente modificadoras do meio ambiente.

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A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é responsável por estratégias preventivas e antecipadoras da política ambiental. Isto é, ao mesmo tempo que serve a um dos princípios básicos da política ambiental – e, consequentemente, do direito ambiental – que é o princípio da precaução, termina a AIA por criar em cada resultado uma nova política ambiental específica para cada ambiente avaliado. Política esta que, uma vez em acordo com os princípios e normas do direito, tem aplicabilidade imediata, podendo ser exigida a sua execução. A Avaliação de Impacto Ambiental engloba esforços para melhor informar sobre os possíveis impactos ambientais, e deve permitir a tomada de ações mais apropriadas antes de que o dano ocorra. Neste sentido, a AIA pode ser classificada como parte de uma política ambiental preventiva, fundada no planejamento das atividades humanas. Portanto, o processo de avaliação de impacto ambiental não têm como objetivo impor barreiras àquilo que seria um procedimento habitual. É ele o foro para ponderações e contribuições. Sua realização não se manifesta como um óbice, uma paralisação, mas como um processo constitutivo, seja pela conformação de uma atividade, seja pela formação de uma política, ou seja, na produção de um planejamento. Nele não se encontram somente interesses diversos, mas também encontram-se manifestos conhecimentos

diversos a serem observados, procurando uma composição. (...)

Verifica-se, assim, que o principal objetivo da realização do EIA/RIMA é a

sua vocação de instrumento preventivo, atuando como um “verdadeiro freio da

atividade discricionária do Estado em matéria ambiental, ao exigir uma motivação

explícita ou implícita da decisão administrativa na busca de uma decisão ótima em

termos de proteção do meio ambiente”.

Nas palavras de Benjamin (1992).

Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano, antes de sua manifestação, que se criou o EIA. Daí a necessidade de que o EIA seja elaborado no momento certo: antes do início da execução, ou mesmo de atos preparatórios, do projeto.

De igual forma leciona Prieur (1991, p. 59).

É de simples percepção o objetivo final do EIA: evitar que um projeto (construção ou atividade), justificável no plano econômico ou em relação aos interesses imediato de seu proponente, venha, posteriormente, a se revelar nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Trata-se, em síntese, de adaptação ao direito ambiental de um velho ditado popular: é melhor prevenir que remediar os danos ambientais (“mieux vaut prevenir que guérir”)

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Considerando que a Política Nacional do Meio Ambiente estabeleceu

como a sua principal finalidade a “compatibilização do desenvolvimento econômico-

social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”,

no que foi seguida pela Constituição de 1988 ao estabelecer em seu artigo 170, IV, a

necessidade de compatibilizar o direito à livre iniciativa com a necessária defesa do

meio ambiente, o legislador pátrio a fim de não tornar o EIA um entrave à liberdade

de empreender, além do seu alto custo e complexidade, o reservou para as

atividades ou obras causadoras de significativa degradação ambiental.

Ou seja, o pressuposto para que seja necessária a confecção do

EIA/RIMA é o vislumbre de significativa degradação que o empreendimento possa

causar ao meio ambiente.

Como já mencionado anteriormente, a Lei n° 6.938/81 trouxe em seu bojo

diversos conceitos, dentre os quais o conceito de degradação da qualidade

ambiental como sendo a alteração adversa das características do meio ambiente.

Mas, mesmo com fundamento em tal conceito há enormes dificuldades

em estabelecer-se o que seria significativa degradação, termo vago e impreciso que

foi igualmente apreendido pela Constituição de 1988.

Em função disso, o legislador brasileiro elaborou uma lista contendo as

obras e atividades que presumidamente apresentam maior potencial e significância

de provocar degradação ambiental. Estamos a nos referir ao elenco trazido pela

Resolução CONAMA n° 01/86, art. 2°.31

Em relação a tal rol, parte da doutrina pátria comunga do entendimento de

que as atividades ali descritas estão regidas pelo princípio da obrigatoriedade32, ou

seja, naquelas hipóteses o órgão licenciador deve determinar a elaboração do

EIA/RIMA. Trata-se de uma presunção absoluta, portanto, o rol constante no art. 2°

da Resolução CONAMA n° 01/86 poderá ser ampliado, mas nunca reduzido.

A Lei 6.938/1981 já houvera dado à Administração Pública ambiental o direito de exigir a elaboração do EPIA. A vantagem de se arrolarem algumas atividades no art. 2° obriga também a própria Administração Pública, que não pode transigir, outorgando a licença e/ou autorização sem o EPIA. (MACHADO, 2012, p. 275)

31

Art. 2°. Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – Rima, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Sema em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: (...) 32

Neste sentido: Paulo Affonso Leme Machado, Herman V. Benjamin, Sílvia Capelli, Elna Leite Ávila e Ione Monteiro.

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Por outro lado, há quem defenda a tese da relatividade da presunção de

significativo impacto ambiental das atividades descritas no art. 2° da Resolução

CONAMA n° 01/86. Neste caso, caberá ao órgão ambiental exigir a elaboração do

EIA/RIMA e transfere-se ao empreendedor o ônus de provar que a atividade,

embora listada no art. 2° da Resolução CONAMA n° 01/86, não será causadora de

significativo impacto ambiental.

Assim preleciona Milaré (2009, p. 484).

A presunção relativa (juris tantum), com se sabe, tem o condão de inverter o ônus da prova, de sorte que o Administrador, à vista de um caso listado, determinará a elaboração do EIA. O empreendedor, querendo, poderá produzir prova no sentido de que a obra ou atividade pretendida não provocará impacto ambiental significativo. Portanto, em vez de o agente público ter de provar a significância do impacto, é o empreendedor quem deve provar sua insignificância. (...) Destarte, com base em todos esses atos normativos e ideias que referendam a tese da relatividade da presunção de significativo impacto ambiental das atividades relacionadas no art. 2° da Resolução 001/1986, é possível concluir que o órgão de controle mantém certa dose de liberdade para avaliar dito pressuposto do EIA/RIMA, isto é, o significativo impacto ambiental. Evidenciada, porém, por regular prova técnica, a insignificância do impacto, torna-se inviável a exigência do estudo. Com isso, obvia-se a transformação de um instrumento tão importante como o EIA em mera exigência formal, imposta sem critério, e que, muitas vezes, pode inviabilizar obras necessárias – pense-se, por exemplo, num pequeno aterro sanitário, em área desprovida de especial interesse para o meio ambiente -, em razão dos altos custos a serem incorridos com a sua contratação.33

No entanto, a doutrina tem sido unânime no que se refere ao cunho

exemplificativo do rol contido no art. 2° da Resolução CONAMA n° 01/86, razão pela

qual ao órgão ambiental licenciador, caso esteja diante de atividade não constante

daquele rol, mas capaz de promover significativo impacto ambiental, é conferido o

poder de determinar a confecção do EIA/RIMA.

Milaré (2009, p. 481) traz em sua obra o exemplo do que ocorreu com o

plantio de sementes geneticamente modificadas, que embora não estivesse dentre

as atividades previstas no art. 2° da Resolução CONAMA n° 01/86, foi exigido

judicialmente a confecção do EIA/RIMA pelo Poder Judiciário, em razão de ainda

não se saber, com segurança, os efeitos deste tipo de plantio. Esta discussão

33

Neste sentido: Yara Maria G. Gouvêa.

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originou a edição da Resolução CONAMA n° 305/2002, que dispõe sobre o

licenciamento ambiental, estudo de impacto ambiental e relatório de impacto no

meio ambiente para atividades e empreendimentos com organismos geneticamente

modificados e seus derivados.

Outra questão importante é a confusão feita entre o Estudo de Impacto

Ambiental - EIA e o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, como se fossem

sinônimos, o que não são.

O Estudo de Impacto Ambiental – EIA é de maior abrangência do que o

Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, pois contém um aprofundamento técnico,

com literatura, análise legal, pesquisa de campo e o próprio conteúdo do RIMA.

Portanto, este último está englobado no primeiro.

O Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, por sua vez, deverá conter as

conclusões obtidas pela análise realizada através do EIA, como bem aponta

Benjamin (1992).

O EIA é o todo: complexo, detalhado, muitas vezes com linguagem, dados e apresentação incompreensíveis para o leigo. O RIMA é a parte mais visível (ou compreensível) do procedimento, verdadeiro instrumento de comunicação do EIA ao administrador e ao público.

Dada esta complexidade, o artigo 11 da Resolução CONAMA n° 237/97 a

elaboração do EIA/RIMA ficará a cargo de uma equipe multidisciplinar, ou seja,

deverá ser composta por profissionais habilitados de diversas áreas de

conhecimento.

A Resolução CONAMA n° 237/97 revogou os arts. 3° e 7° da Resolução

CONAMA n° 01/86.

Especificamente o art. 7° prescrevia que “o Estudo de Impacto Ambiental

será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou

indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos

resultados apresentados.”.

Este dispositivo foi substituído pelo art. 17, § 2° do Decreto 99.274/90,

segundo o qual “o Estudo de Impacto Ambiental – EPIA será realizado por técnicos

habilitados e constituirá o Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, correndo as

despesas à conta do proponente do projeto”.

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Verifica-se, portanto, que foi excluída a obrigação da equipe

multidisciplinar ser independente do empreendedor, o que, na compreensão de

Machado (2012, p. 292), representou um enorme retrocesso.

Observa o referido doutrinador que:

A revogação do aludido art. 7° foi a culminância de uma longa luta no CONAMA, de pessoas e de grupos que se insurgiram contra a possibilidade de alguma independência na elaboração do EPIA. Não só grupos privados, mas entidades paraestatais queriam atribuir a realização do estudo a seus próprios empregados. É um grave retrocesso na legislação ambiental brasileira. A independência da equipe multidisciplinar nunca foi total diante do empreendedor, que a contratava e pagava. Deveria ter sido tentado o seu aperfeiçoamento, e não sua extinção.

De outra banda, Milaré (2009, p. 489) aponta que a independência da

equipe responsável pela elaboração do EIA/RIMA sempre foi ilusória, na medida em

que as consultorias vinham sendo contratadas pelo interessado na realização do

projeto, a encargo de quem corriam as despesas relativas ao estudo, conforme

previsão do art. 8° da Resolução CONAMA n° 01/86.

Sempre duvidamos da pertinência de tal desígnio, tendo mesmo escrito, ainda sob o império do comando legislativo anterior, que a contratação para a elaboração de um estudo de impacto ambiental estabelece, de imediato, um forte vínculo de dependência econômica e jurídica entre contratante e contratado, circunstâncias que a Resolução quis impedir. Até já se noticiou a existência de contratos com cláusulas exoneratórias de pagamento das despesas com o EIA/RIMA em caso de não aceitação do projeto pelo órgão de controle ambiental.

A despeito da revogação do art. 7° da Resolução CONAMA n° 01/86, não

é possível afirmar que a Resolução CONAMA n° 237/97 não se preocupou com o

tema relacionado à necessidade de independência dos profissionais responsáveis

pela elaboração do EIA/RIMA, mesmo que o empreendedor seja o responsável pelo

pagamento das despesas decorrentes do estudo em questão.

Tanto é verdade, que em seu artigo 11, § único assim dispôs:

Art. 11. Os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor.

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Parágrafo único. O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais. (grifo nosso)

Ora, o EIA/RIMA constitui-se como documento público, integrante de um

processo administrativo denominado licenciamento ambiental, fundamental para a

busca da preservação do meio ambiente.

Como tal, em decorrência do princípio da moralidade administrativa

previsto no art. 37 da Constituição, deverá conter informações verdadeiras.

Está claro, portanto, que mesmo sendo difícil crer na independência da

equipe em relação ao interessado no projeto, fato é que se os profissionais

responsáveis pela elaboração do EIA/RIMA agirem com comprovada má-fé omitindo

dados, impactos ou informações relevantes ou distorcendo a realidade técnica

estudada, agindo, portanto, com dolo, imprudência, imperícia ou negligência,

deverão sofrer as sanções cabíveis juntamente com o próprio empreendedor como

corresponsável.

A Lei n° 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais – impõe como conduta

criminosa em seu art. 69-A “elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão

florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório

ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”.

Desta redação infere-se que o EIA e o RIMA estão dentre os documentos

protegidos legalmente contra informações falsas ou enganos, pois como já

demonstrado, integram o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos

de significativo impacto ambiental.

Aquele que incidir nesta conduta criminosa estará sujeito à pena de

reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Caso fique demonstrada a conduta foi

culposa, ou seja, naqueles casos em que não houve a intenção do agente, a pena

será de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. E, se houver dano significativo ao meio

ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa a

pena poderá ser aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).

Além da responsabilidade criminal, poderá ser imputada ao (s) agente (s)

a responsabilização no âmbito civil que, pelo disposto na Lei n° 6.938/81, é objetiva

e independe da apuração de dolo ou imperícia, negligência ou imprudência na

elaboração do EIA/RIMA.

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2.4 A AUDIÊNCIA PÚBLICA

A audiência pública constitui um momento de participação direta da

sociedade, seja nos planos administrativos ou legislativos, em todos os níveis

governamentais, aberto aos cidadãos individualmente considerados ou organizados

em associações, os quais poderão exercer os direitos de informação e participação

popular.

Esta ferramenta teve a sua origem no Direito Anglo-Saxão, sob a

denominação public hearings.

A doutrina é unânime ao tratar da finalidade da audiência pública, como a

de promover um diálogo entre o Poder Público e/ou entes privados e os cidadãos,

possibilitando que os primeiros prestem informações acerca da decisão que

pretendem tomar e que os segundos manifestem suas críticas, sugestões e dúvidas

acerca da decisão a ser tomada.

Esta troca de informações que ocorrerá em decorrência do debate público

resulta, ainda, do princípio da transparência que deve nortear as decisões

administrativas e políticas, considerando sempre o interesse público, o que não é

diferente quando estamos a tratar das questões ambientais.

Portanto, a audiência pública para o licenciamento ambiental de

empreendimentos de significativo impacto ambiental pode ser caracterizada como

uma espécie do gênero “audiência pública” e encontra-se prevista na segunda parte

do art. 11, § 2°, da Resolução CONAMA n° 01/86.

A Resolução CONAMA n° 09 de 03.12.1987, por sua vez, veio a

disciplinar a matéria, mantida a fase de comentários prevista no art. 11, § 2°, da

Resolução CONAMA n° 01/86.

O artigo 1° da Resolução CONAMA n° 09/87 dispõe acerca da finalidade

da audiência pública

Art. 1°. A Audiência Pública referida na Resolução Conama 1/1986 tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido Rima, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito.

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A Resolução CONAMA n° 237/97, por sua vez reafirmou a audiência

pública como parte integrante do processo de licenciamento ambiental, conforme

disposto em seu artigo 3°, in verbis:

Art. 3°. A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/Rima), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

A instituição da audiência pública no processo de licenciamento ambiental

está calcada no cumprimento dos princípios da publicidade e da participação

popular, ambos presentes no art. 225, §1º, IV da Constituição da República, que

determina ao Poder Público dar publicidade ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental,

bem como, no art. 3º da Resolução CONAMA n° 237/97, que obriga o Poder Público

dar publicidade ao EIA/RIMA, garantida a realização de audiências públicas.

Assim igualmente dispõe art.10, V da Resolução CONAMA n° 237/97 in

verbis:

Art. 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas (...) V – Audiência Pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente (...) (grifo nosso).

A audiência pública constitui o momento de apresentação à sociedade do

conteúdo do EIA e seu RIMA, já tratados anteriormente, ocasião na qual serão

esclarecidas dúvidas e colhidas sugestões e críticas. Para o órgão licenciador é o

momento no qual será realizada a aferição das repercussões junto à sociedade do

empreendimento, obra ou atividade pretendida.

Segundo entendimento de Machado (2012, p. 304), na audiência pública

há uma dupla caminhada, “o órgão público presta informações ao público e o público

passa informações à Administração Pública”.

Para Silva-Sánchez (2000, p. 86) a audiência pública ambiental “constitui

um espaço de negociação social no processo de tomada de decisão, possibilitando

uma “gestão democrática do meio ambiente”.

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O conteúdo do EIA/RIMA, portanto, jamais poderá ficar escondido da

sociedade, salvo nos casos de sigilo imposto quando, nos termos do artigo 5°,

XXXIII da Constituição for “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”,

assim como nas hipóteses de “sigilo industrial”34.

Neste sentido, conforme bem anota Mello (2011, p. 114).

Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1°, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

Além de conferir o direito à publicidade dos estudos, a audiência pública é

o momento de materialização do direito constitucional de participação popular no

processo de licenciamento ambiental de empreendimentos, obras ou atividades de

significativo impacto ambiental.

A audiência pública realizada no decurso do licenciamento ambiental é

legitimada justamente pela idéia de participação da sociedade em temas

relacionados ao meio ambiente, especialmente porque a implantação de um

empreendimento utilizador de recursos ambientais e potencialmente poluidor

certamente poderá gerar consequências na vida daqueles que serão atingidos direta

ou indiretamente por aquela atividade.

Portanto, ela constitui-se como o foro que deverá possibilitar a todos que

tenham interesse a oportunidade de questionar, condenar ou apoiar a instalação

daquele empreendimento que poderá trazer mudanças significativas na sua vida e

na das demais pessoas que sofrerão qualquer tipo de influência decorrente do

funcionamento daquela atividade ou obra.

Assim, o órgão responsável pela condução do licenciamento ambiental, a

partir da data que receber o RIMA, anunciará pela imprensa local35 por meio de

edital a abertura de prazo para que seja realizada audiência pública. Tal prazo será

de, no mínimo, 45 dias entre a publicação do respectivo edital e o encerramento do

prazo para requerimento da audiência pública36.

34

Art. 11 da Resolução CONAMA n° 01/86. 35

O entendimento que prevalece acerca de “local” é não somente o Município que sediará o projeto, mas também todos os Municípios que estejam na área de influência do projeto, bem como na bacia hidrográfica onde ele se localiza (art. 5°, III, da Resolução CONAMA n° 01/86). 36

Art. 2°, § 1° da Resolução CONAMA n° 01/86.

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Apesar de ser apontada como o principal instrumento de participação

popular no processo de licenciamento ambiental que requer EIA/RIMA, a sua

realização não é obrigatória e poderá ser convocada em quatro situações, as quais

estão dispostas no artigo 2° da Resolução CONAMA n° 09/87, a seguir transcrito:

Art. 2°. Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por cinquenta ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública.

Pelo contido, a audiência pública quando cabível constitui-se como

requisito formal essencial (MILARÉ, 2011, p. 499) para a validade do processo de

licenciamento ambiental, pois, caso não ocorra nas hipóteses previstas no art. 2° da

Resolução CONAMA n° 09/87, as licenças ambientais posteriormente expedidas não

terão validade. (MACHADO, 2012, p. 304)

Mas, considerando o objetivo constitucional de que a participação

popular, inclusive nos debates socioambientais, ocorra de maneira efetiva, é

imperioso que se compreenda a obrigatoriedade de realização da audiência pública

no processo de licenciamento ambiental para além das hipóteses definidas no artigo

2° da Resolução CONAMA n° 09/87.

A audiência pública deve ser entendida como obrigatória à luz do objetivo

constitucional da participação popular, espírito este que deverá nortear a

hermenêutica de toda e qualquer lei ou norma infraconstitucional.

E, mais do que isso, a sua realização obrigatoriamente deverá ocorrer

para que o processo de licenciamento ambiental, como ato administrativo complexo,

esteja juridicamente perfeito.

O ato administrativo, seja ele qual for, deverá ser composto

obrigatoriamente pelos elementos de conteúdo e forma, sob pena de “inexistir o

próprio ser que se designa pelo nome de ato jurídico” (MELLO, 2011, p. 397).

O conteúdo, segundo Mello (2013, p. 397) é “aquilo que o ato dispõe, isto

é, o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica”. Ou

seja, é o “próprio ato, em sua essência”.

A forma, por sua vez, é conceituada por Mello (2013, p. 398) como o

“revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela a

sua existência”.

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Ora, a audiência pública objeto deste estudo é o meio de exteriorização

do licenciamento ambiental e dos estudos ambientais apresentados pelo

empreendedor.

A audiência pública, portanto, constitui-se como um elemento obrigatório

para a produção e validade do ato administrativo praticado no licenciamento

ambiental, razão pela qual não poderá ser afastada em nenhuma situação.

E, para que a sociedade possa ter, de fato, acesso aos estudos

ambientais e, desta forma, condições para efetivamente participar da audiência

pública, “o RIMA será acessível ao público”37 e “suas cópias permanecerão à

disposição dos interessados”38 para consulta.

Ademais, “os órgão públicos que manifestarem interesse, ou tiverem

relação direta com o projeto, receberão cópia do Rima, para conhecimento e

manifestação”39.

Neste ponto, é importante observar que a Resolução em comento dispôs

que somente o RIMA deverá ser acessível ao público previamente à realização da

audiência pública, dispositivo este que é criticado por Machado (2012, p. 305), a

quem nos filiamos integralmente.

Parece-nos que a Resolução 9/1987-CONAMA merece ser completada – ou pelo próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente, ou pelos Estados, para que seja normatizado o acesso do público ao EPIA/RIMA. Poderá não atingir sua autêntica finalidade, uma audiência para a qual não se deu concreta oportunidade de se conhecer – na sua inteireza – o EPIA. Assim, é preciso que se estabeleçam regras indicando quantos exemplares dos

EPIAS/RIMAS ficarão disponíveis para consulta, a possibilidade dos exemplares serem ou não retirados para extração de cópias, o local ou locais e horários de consultas. A ausência desses pormenores pode conduzir ao fracasso da audiência, que lamentavelmente, sempre será tentado pelos que – de modo franco ou sub-reptício – destroem ou querem destruir o meio ambiente.

E, por constituir-se ato público, a audiência deverá ocorrer em local

acessível40, ocasião em que será permitida a presença de qualquer pessoa ou

entidade. Ela será realizada sempre no Município ou na área de influência em que o

37

Art. 11 da Resolução CONAMA n° 06/86. 38

Art. 11 da Resolução CONAMA n° 06/86. 39

Art. 11, § 1° da Resolução CONAMA n° 06/86. 40

Art. 2°, § 4° da Resolução CONAMA n° 09/87.

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empreendimento funcionará, com prioridade ao Município ou na área de influência

com impactos negativos de maior significância. (MILARÉ, 2011, p. 511)

Há situações em que poderá haver necessidade de mais de uma

audiência pública, dada a complexidade do projeto, o tamanho da área de influência,

a dimensão do empreendimento ou a localização geográfica dos solicitantes41.

Para Machado (2012, p. 306)

A resolução não obrigou o órgão público ambiental a fazer mais do que uma audiência, mas orientou-o, com sabedoria, que estando os solicitantes me locais diferentes ou sendo a matéria complexa haveria utilidade ou seria aconselhável mais de uma audiência. O órgão público tem em suas mãos o poder discricionário, mas não arbitrário, de decidir pela realização de uma ou mais audiências. Mas na opção que fizer, deverá mostrar os motivos de sua decisão e analisar os dois fatores do art. 2°, § 5°, referidos. (grifo nosso)

O responsável por conduzir a audiência pública será o representante do

órgão licenciador42 competente. Deverá ser feita a exposição objetiva43 do projeto e

do RIMA, momento em que terão início as discussões com aqueles que estiverem

presentes.

Embora a legislação nada fale a respeito, parece-nos que a linguagem

utilizada na exposição, seja pelo órgão ambiental ou pela equipe multidisciplinar,

deverá ser eleita com cautela, considerando que as informações deverão ser

compreendidas por todos os cidadãos presentes, sob pena de descumprimento do

princípio da publicidade e da participação pública norteadores da audiência pública.

Neste ponto Moura (2002, p. 53) aponta que a audiência pública deverá

ser realizada com dois objetivos.

Informar o público sobre o projeto e seus impactos, de modo que os interessados (população próxima à empresa e outros) tenham oportunidade de expor suas dúvidas sobre o empreendimento e vê-las esclarecidas. Informar aos responsáveis pela decisão e ao proponente do projeto as expectativas e eventuais objeções do público (para serem consideradas como um dos critérios de decisão).

41

Art. 2°, § 5° da Resolução CONAMA n° 09/87. 42

Art. 3° da Resolução CONAMA n° 09/87. 43

A Resolução não indica a quem incumbirá a exposição, razão pela qual ela poderá ser feita pelo próprio representante do órgão ambiental ou por representante da equipe multidisciplinar responsável pela confecção do EIA/RIMA. Quanto a isso, Paulo Affonso Leme Machado entende que a exposição não poderá ser feita pelo proponente do projeto ou requerente do licenciamento, pois partes interessadas a uma decisão favorável.

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Outra formalidade relativa à audiência pública encontra-se disposta no

artigo 4° da Resolução CONAMA n° 09/87, segundo o qual “ao final de cada

audiência pública será lavrada uma ata sucinta”, e, “serão anexados à ata todos os

documentos escritos e assinados que forem entregues ao presidente dos trabalhos

durante a seção.”.

A importância da ata da audiência pública e da juntada dos documentos

está no fato de que os mesmos servirão de base, juntamente com o RIMA, para

análise do órgão ambiental licenciador quanto à aprovação ou não do projeto

pretendido.44

Apesar disso, a audiência pública para o licenciamento ambiental não tem

caráter decisório, sendo apenas de natureza consultiva. Mas é um ato oficial e deve

ter os seus resultados levados em consideração, como determina o art. 5º da

Resolução CONAMA n° 09/87, já citado, sob pena de nulidade do licenciamento

ambiental.

Isto posto, restam estabelecidos os contornos jurídicos-legais da

audiência pública no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos

causadores de significativo impacto ambiental.

Mas, para que a teoria não se sobreponha à aplicação de algo que, no

campo prático, não se materialize, cabe, a partir de agora, analisar a seguinte

problemática: em que medida a audiência pública realizada no processo de

licenciamento ambiental de obras, atividades e empreendimentos de significativo

impacto ambiental constitui-se como um espaço para o exercício da cidadania

ambiental?

44

Art. 5° da Resolução CONAMA n° 09/87.

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3 CIDADANIA

3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SEU LEGADO

A construção de uma democracia no Brasil ganhou corpo a partir de 1985,

com o fim da ditadura militar.

Este processo, como bem apontado por Carvalho (2001, p. 7), teve como

característica fundamental a força assumida pela palavra cidadania.

Observa o autor que:

Políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retórica política. Não se diz mais “o povo quer isto ou aquilo”, diz-se “a cidadania quer”. Cidadania virou gente. No auge do entusiasmo cívico, chamamos a Constituição de 1988 de Constituição Cidadã.

E foi justamente com a Constituição Federal, promulgada em 05 de

outubro de 1988, que se inaugurou um novo modelo de Estado Social. Trata-se do

Estado Democrático de Direito, nos exatos termos do artigo 1° da Carta Política.

Art. 1°. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Assevera Silva (1997, p. 119) a extrema importância do artigo 1° da

Constituição de 1988 ao afirmar que a República Federativa do Brasil se constitui

em um Estado Democrático de Direito, pois muito além de uma promessa, ali o

Constituinte proclama e funda este novo modelo.

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E segue o autor ressaltando que a democracia inaugurada pela ordem

constitucional de 1988 significa um processo de convivência social numa sociedade

livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo e deverá exercido em

proveito deste povo, direta ou indiretamente por meio de representantes,

participativa, porque deverá fomentar e propiciar a participação do povo nos

processos decisórios e na formação dos atos de governo; pluralista, além de

promover o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de

convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; um

processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende

apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais,

mas especialmente da vigência de condições econômicas sustentáveis de favorecer

o seu pleno exercício. (SILVA, 1997, p. 120)

Quanto a isso é importante observar que já no Preâmbulo da Constituição

de 1998 há a expressa instituição do Estado Democrático.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Como bem assevera Bonavides (2008, p. 40) o preâmbulo é “a diretriz

normativa e espiritual da Constituição. Nele o constituinte de primeiro grau, fixou em

termos absolutos e irrefragáveis, a linha de valores que hão de reger o

ordenamento.”.

E mais do que um Estado Democrático, o Preâmbulo da Carta de 1988

estampa a opção do Constituinte pela democracia participativa.

Aliás, o Preâmbulo ocupa lugar de destaque na teoria constitucional da

democracia participativa, como orientador e guia para o hermeneuta constitucional.

Segundo Bonavides (2008, p. 40).

Com a democracia participativa, porém, traduzida como democracia de valores e princípios, entende-se que o Preâmbulo, de uma parte, é a suma dos preceitos básicos por onde se governa a Constituição;

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de outra parte, o patamar mais alto a que pode subir a materialidade normativa dos princípios, ali enfeixados e cristalizados em síntese para servirem de bússola ao sistema e de luz e de critério à aferição da juridicidade derradeira dos conteúdos constitucionais e, ao mesmo passo, de texto onde o espírito da Constituição foi construir a sua morada.

Muito embora o conceito de democracia45 não seja imutável, pois a mercê

da história e suas variações, inegável que em sua essência ela tem como principal

característica a possibilidade de participação cidadã. Tal compreensão, aliás, é que

move a presente pesquisa.

Podemos afirmar, filiando-se à concepção de Silva (1997, p. 127) que “a

democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo,

há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo”.

Segundo Rodrigo; Augusto Júnior (2012, p. 128).

Pedra angular da institucionalização da participação no Brasil, a Constituição Federal de 1988 resultou das mencionadas pressões da sociedade civil. Podemos asseverá-lo na medida em que a carta impõe, em diversos de seus dispositivos, constrangimentos a que todos os entes da federação brasileira promovam a participação da população na elaboração, discussão e deliberação das políticas públicas. Trata-se de um sistema legal híbrido, que combina elementos de representação e participação democráticas (AVRITZER, 2006). Um resultado visível é a multiplicação de conferências e conselhos gestores de políticas públicas com a presença obrigatória da sociedade civil e suas organizações.

Aliás, no comando constitucional do artigo 1° está insculpido o princípio

participativo, o qual se encontra igualmente assegurado por inúmeros outros

dispositivos da Constituição. Cite-se, a título exemplificativo, a abertura da iniciativa

popular de leis (art. 14, III) e da realização de plebiscitos e referendos (art. 14, I e II),

a participação de trabalhadores e empregados em colegiados de órgãos públicos de

seu interesse profissional ou previdenciário (art. 10), a participação das associações

representativas no planejamento municipal (art. 29, XIII), a participação dos

contribuintes na fiscalização financeira municipal (art. 31, § 3°), a participação dos

usuários na administração pública direta e indireta (art. 37, § 3°), a participação na

45

Como apontado por Norberto Bobbio, in O Futuro da Democracia pág. 34 “A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade, isto é, da concepção para a qual – contrariamente à concepção orgânica, dominante na idade antiga e na idade média, segundo a qual o todo precede as partes – a sociedade, qualquer forma de sociedade, e especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade dos indivíduos”.

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administração da seguridade social (art. 194, VII), a participação nas ações e

serviços públicos de saúde (art. 198, III), a participação na gestão do ensino público

(art. 206, VI), a participação pela via do exercício do direito de petição (art. 5°,

XXXIV, “a”) e pelas vias de ação popular (art. 5°, LXXIII), da ação direta de

inconstitucionalidade (art. 103) e da ação civil pública (art. 129, III e § 1°). (MIRRA,

2010, p. 73).

Estes exemplos demonstram que, ao menos textualmente, a opção da

nova ordem constitucional foi por um Estado de Direito Democrático e Participativo.

Ou seja, a participação popular deverá ocorrer preferencialmente pela

intervenção e atuação direta dos cidadãos e entidades representativas, seja na

tomada de decisões ou no controle de políticas públicas que possam afetar a

sociedade.

Como já mencionado inicialmente, é este o conteúdo do artigo 1°, § único

da carta constitucional, quando afirma que “todo o poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)”.

Compartilhamos do entendimento de Bonavides (2008, p. 40) no que se

refere ao estado gestacional, em nosso país, de uma democracia participativa, cujo

embrião teórico está no corpo da Carta Constitucional.

No Direito Constitucional positivo no Brasil já existe um fragmento normativo de democracia participativa; um núcleo de sua irradiação, um germe com que fazê-la frutificar se os executores e operadores da Constituição forem fiéis aos mandamentos e princípios que a Carta Magna estatuiu.

Segue o autor destacando a relevância dos artigos 1°, § único e 14 da

Constituição, a fim de demonstrar que, de fato, este modelo de democracia já se

encontra positivado. Trata-se, como destaca Bonavides (2008, p. 41) do “começo de

uma antecipação material da democracia participativa, democracia de liberdade e

libertação.”.

Com efeito, essa democracia ora em fase de formulação teórica, e que é, num país em desenvolvimento como o nosso, a única saída à crise constituinte do ordenamento jurídico, já se acha parcialmente positivada, em termos normativos formais, no art. 1° e seu parágrafo único, relativo ao exercício direto da vontade popular, bem como no art. 14, onde as técnicas participativas estatuídas pela Constituição,

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para fazer eficaz essa vontade, se acham enunciadas, a saber: o plebiscito, o referendum e a iniciativa popular.

Não é outra a conclusão de Mirra (2010, p. 102) em tese de doutoramento

apresentada à Faculdade de Direito a Universidade de São Paulo, sob o título

“Participação, processo civil e defesa do meio ambiente no direito brasileiro”.

Efetivamente, em termos gerais, como visto, o modelo de organização de Estado projetado pelo constituinte de 1988, é do Estado Democrático-Participativo, direcionado à implantação da democracia participativa no País, por meio da qual se pretende aproximar e submeter o Estado à vontade concreta do corpo social e permitir a este tomar parte nas decisões de interesse geral e controlar o exercício do poder pelos agentes públicos e privados. públicas e provadas que afetas toda a sociedade.

A importância do controle social direto é igualmente destacada por

Isaguirre (2009, p 6-7), no artigo intitulado “A importância da participação popular na

gestão urbana sustentável: os Conselhos de Cidade enquanto instrumentos para

uma cidadania ativa”.

De fato, é essencial que toda a coletividade possa participar não só do controle dos gastos públicos; mas sim, na formação dos processos decisórios que criarão políticas que interessam a população. Nas cidades, assim como em outras esferas do conhecido “controle social”, a participação da população ainda apresenta resultados pouco significativos, mas que podem ser aperfeiçoados com o tempo. Sua inserção na gestão pública deve ser interpretada de modo positivo, ainda mais quando considerado o pouco tempo de exercício de democracia no Brasil. Mesmo que a participação popular ainda se configure de modo singelo, deve-se reconhecer que os espaços para este exercício foram e estão sendo criados no pós-1988. E este aprendizado pode ser utilizado de modo a impulsionar a defesa dos direitos fundamentais e a condução do objetivo maior de criação de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme preconiza o art. 3° da norma constitucional.

Importante observar que não se está aqui a ignorar e desmerecer a

necessária e importante representação política-eleitoral, até porque irrenunciável em

determinadas tarefas por força do disposto na própria carta constitucional.

De outra banda, no entanto, é preciso reconhecer que o Estado

Democrático Participativo, inaugurado pela Constituição de 1988, tem como projeto

promover e fomentar uma maior participação da sociedade civil nas decisões

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estatais, inclusive com a atuação direta e individual da população, propiciando “a

ampliação da representação política, para além da representação eleitoral, mediante

a admissão de novas instâncias representativas e de novos representantes”.

(MIRRA, 2010, p. 102).

Até porque é evidente o fracasso já apresentado pela democracia de

caráter meramente representativo. Costa (2010, p. 262-2623) trata disso com

maestria.

Não são ‘todos’, ou mesmo os ‘muitos’, a decidir, mas os ‘poucos’, os membros das elites. Os mesmos partidos que, como novas organizações de massa, mudaram o quadro oitocentista da representação, exprimem e repetem em seu interior a lógica elitista que caracteriza todo o sistema político. O mecanismo democrático-representativo é, assim, apenas uma simulação legitimante: não dá voz ao povo soberano, mas simplesmente oferece um método eficaz para a formação da classe dirigente (para uma «simples designação» de «capaz», como já havia afirmado Vittorio Emanuele Orlando), além de permitir sua troca de maneira ágil e indolor”.

Mas, para isso, “sair da letargia e restaurar, assim, as bases da

autoridade confiscada ao povo é o primeiro dos deveres a ser cumprido na cartilha

cívica da democracia participativa”. (BONAVIDES, 2008, p. 41).

3.2 CIDADANIA E MEIO AMBIENTE

Como já mencionamos no Capítulo 1, como resultado da crise ambiental,

a qual teve seu destaque a partir da segunda metade do século XX, diversos países

passaram a albergar em seus diplomas constitucionais fundamentos jurídicos

específicos para a proteção ambiental, caracterizando-os como verdadeiros direitos

fundamentais. Há em tal constatação, segundo Benjamin (2008, p. 61),

um aspecto que impressiona, pois na história do Direito poucos valores ou bens tiveram uma trajetória tão espetacular, passando, em poucos anos, de uma espécie de nada jurídico ao ápice da hierarquia normativa, metendo-se com destaque nos pactos políticos nacionais.

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A Constituição da República Portuguesa, a qual foi aprovada e decretada

pela Assembleia Constituinte em 02 de abril de 1976, assumiu uma posição de

vanguarda e dedicou um artigo específico ao meio ambiente e à qualidade de vida.

Art. 66° (Ambiente e qualidade de vida) 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida (IMPRENSA OFICIAL).

Aliás, cumpre mencionar a observação feita por Dotti (p. 1108) de que no decorrer dos trabalhos da Assembleia Constituinte Portuguesa, ao ser discutido o tema relacionado ao ambiente e à qualidade de vida, o Deputado então representante do Partido Socialista – Alberto Andrade – declarou que a matéria ali tratada naquele momento tinha “dignidade e importância para um capítulo e até para um título da Constituição” que estava sendo ali elaborada. Citou, ainda, René Dumont, autor da obra Utopia ou Morte (citado por Dotti, p. 1108), quando afirma que a natureza acaba onde o Capitalismo começa: tecnologias avançadas, agricultura química, pesticidas e inseticidas, produção desregrada de proteínas animais, implantação desordenada de indústrias altamente poluentes, aumento desbragado do parque de automóvel, morte criminosa de cursos de água doce, poluição marinha atingida pelos mais diversos e satânicos processos,

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conduzirão fatalmente e em breve ao maior surto de fome de todos os tempos.

Já a normativa Espanhola inspirou-se na Declaração de Estocolmo de

1972, mas principalmente na Constituição de Portugal. Assim dispõe o seu artigo 45

Art. 45 1. Todos tienen el derecho a disfrutar de uno medio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo; 2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose em la inexcusable solidariedade colectiva; 3. Para quienes violen lo dispuesto em el apartado anterior, em los términos que la ley fije se estabelecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado. (BENJAMIN, 2008, p. 62)

Naquele contexto proteção do ambiente não estava dentre as

preocupações dos Governos e da população, pois a importância estava voltada

exclusivamente para o crescimento econômico. Mas, como ressaltado por Alexandra

Aragão (2008, p. 17) a partir dos anos 70 os diversos países europeus de economia

extremamente industrializada passaram a ter cada vez mais problemas com a

poluição. Segundo ela:

Os graves acidentes ecológicos, com sérios impactos ambientais, económicos e humanos (como naufrágios de petroleiros e as consequentes marés negras, ou explosões em instalações industriais e fugas de produtos tóxicos para a atmosfera), trouxeram o tema do ambiente para o centro do debate político, obrigando os Estados a tomar medidas destinadas a minorar os seus efeitos. (...) As primeiras iniciativas internacionais a alertar a opinião pública europeia para os problemas ecológicos decorrentes do desenvolvimento económico, pondo em causa os valores apregoados pela sociedade de consumo, foram a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, celebrada em Estocolmo, em Junho de 1972, e a publicação, na mesma época, do relatório do “Clube de Roma”, sobre os limites do crescimento.

Portanto, a mudança na estrutura constitucional de alguns países

europeus, a qual se estendeu também a outros, está diretamente relacionada à crise

ambiental, delineada pelas palavras de Benjamin (2008, p. 60).

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Crise ambiental essa que ninguém mais disputa na sua atualidade e gravidade. Crise que é multifacetária e global, com riscos ambientais de toda ordem e natureza: contaminação da água que bebemos, do ar que respiramos e dos alimentos que ingerimos, bem como perda crescente da biodiversidade planetária. Já não são ameaças que possam ser enfrentadas exclusivamente pelas autoridades públicas (a fórmula dos nós-contra-o-Estado), ou mesmo por iniciativas individuais isoladas, pois vítimas são e serão todos os membros da comunidade, afetados indistintamente, os de hoje e os de amanhã, isto é, as gerações futuras. São riscos que à insegurança política, jurídica e social acrescentam a insegurança ambiental, patologia daquilo que o legislador brasileiro, com certa dose de imprecisão, chama de meio ambiente ecologicamente equilibrado, e por vezes, de qualidade ambiental.

Este alerta em relação aos riscos é, para muitos estudiosos, o indicativo

da necessidade de superação dos modelos de Estado Liberal e Social, os quais não

conseguiram responder com êxito à crise apontada mais criticamente a partir de

1970, substituindo-os então pelo modelo de Estado que vêm sendo cunhado por

alguns estudiosos como Estado Pós-Social, Estado Constitucional Ecológico, Estado

de Direito Ambiental, Estado do Ambiente, Estado Ambiental do Direito, Estado de

Bem-Estar Ambiental e Estado Ambiental e Estado de Direito Socioambiental.46

Para Morato Leite (2008, p. 149), o Estado de Direito do Ambiente é

fictício e abstrato, e mais do que isso, trata-se de um conceito que transcende o

direito, pois tem incidência na análise da própria sociedade e da política.

O Autor ressalta que:

Diante de um mundo marcado por desigualdades sociais e pela degradação em escala planetária, construir um Estado de Direito Ambiental para ser uma tarefa de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo existentes.

Com preocupações similares às de Morato Leite, Santos (1994, p. 42)

argumenta que:

O Estado de Direito Ambiental é, na realidade, uma utopia democrática, porque a transformação a que aspira pressupõe a

46

Tal denominação é apontada por Sarlet e Fenterseifer (2011, p. 94). Os autores preferem o termo “Socioambiental”, tendo em vista a imperiosa convergência das agendas social e ambiental em um mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano – expressão essa que foi adotada por este estudo, como já mencionado anteriormente.

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repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e coletiva, incluindo nela uma Carta dos direitos humanos da natureza.

No bojo do debate socioambiental e com intenções de tornar visíveis os

contornos deste Estado em gestação, Sarlet e Fensterseifer (2011, p.42) assinalam

que:

No tocante ao modelo contemporâneo de Estado de Direito, é possível aderir a ideia de superação do modelo do Estado Social (que, por sua vez, já havia superado o Estado Liberal) – pelo menos na sua forma assumida após a Segunda Grande Guerra – por um modelo de Estado Socioambiental, também designado por alguns de Pós-Social, que em verdade não abandona as conquistas dos demais modelos de Estado de Direito em termos de salvaguarda da dignidade humana, mas apenas agrega a elas uma dimensão ecológica, comprometendo-se com a estabilização e prevenção do quadro de riscos e degradação ecológica.

A partir daqui, é fundamental mencionar que a concepção de Estado

Constitucional surge com o Liberalismo, para o qual caberia ao Estado atribuições

mínimas, como por exemplo, assegurar a liberdade individual, porém, sem nela

interferir. Esta forma liberal de organização estatal surgiu em oposição ao Estado

Absolutista.

Nas formulações de Sader (2003, p. 651).

O liberalismo foi sendo consolidado conforme foram sendo constituídas formas republicanas e parlamentares de organização do poder político e foi sendo estendido o processo de mercantilização capitalista, tendo a revolução francesa e a Declaração dos Direitos do Homem a legitimá-lo. A solidariedade e mesmo as contradições entre o liberalismo político e o econômico – diferenciados sabiamente pela teoria política italiana com os termos liberalismo para o primeiro e liberismo para o segundo – produziram muitas ambiguidades, mas não impediram que ambos fossem igualmente vítimas das consequências da crise de 1929.

No entanto, as Constituições Liberais, embora à época tenham se

mostrado como um avanço político restaram insuficientes diante das inúmeras

reivindicações do proletariado, fruto da Revolução Industrial. Inaugura-se, então, a

era do Constitucionalismo Social a partir do século XX, cuja maior bandeira é

atender aos anseios da classe operária, mas sem descuidar da economia. É nesse

contexto que são criados os direitos sociais, tais como previdência, educação,

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saúde, direitos do trabalhador e estabelece-se a necessidade de intervenção do

Estado na economia, tal como destaca Capella (2002, p. 120):

Se deve ter em conta, por último, que já no século XIX em alguns países e, sobretudo no século XX, o estado gendarme experimenta um longo processo de mestiçagem e hibridação, tanto para fazer frente às demandas do movimento obreiro como para fazer-se compatível com as exigências das novas formas monopolistas. O processo desemboca em um modelo estatal distinto que recebe os nomes de estado intervencionista, estado assistencial e ou (muito propagandista e ideologicamente) ´estado de bem estar-social`”.

Mas assim como o Estado Liberal, também o Estado Social emergiu em

uma crise gradual e profunda, sendo, ao longo do tempo, adotado o modelo estatal

cunhado como “neoliberal”, que se constituiu paralelamente a um processo

hegemônico de globalização. No entanto, tal modelo tem sido objeto de incessantes

questionamentos e críticas, à medida que a globalização hegemônica tem

provocado, em todo o mundo, a intensificação da exclusão social e da

marginalização de grandes parcelas da população (SOUSA SANTOS, 2003, p. 457),

sendo, portanto, ineficiente em responder e assegurar as necessidades

socioambientais dos cidadãos.

É inegável que a globalização é responsável pelo desenvolvimento de

novas tecnologias, além do rompimento que propiciou em relação a limites

econômicos, culturais e geográficos, mas é mais inegável ainda que trouxe consigo

um aprofundamento nas desigualdades sociais e uma consequente e ainda maior

degradação da relação Homem-meio ambiente.

Assim, a necessidade de superação deste modelo, a fim de que o debate

e efetivação da segurança ambiental (socioambiental) assumam um papel central no

Estado, tem sido reiteradamente apontada pelos estudiosos.

Destaque à democracia participativa, em especial por sua escorreita

relação com a prática da cidadania ambiental.

Quanto a isso, trazemos à baila as considerações de Bonavides (2008, p.

41), pois aponta com maestria o quão perniciosa é a globalização para a instauração

de processos democráticos.

A teoria da democracia participativa é a teoria do constitucionalismo de emancipação. Teoria radicalmente nacional e patriótica, como convém nesta época de reptos e desafios á sobrevivência da

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República, maiormente numa quadra em que a globalização e o neoliberalismo dissolvem os valores da sociedade democrática e constitucional e conjuram por uma sociedade recolonizada e submissa ao capital internacional.

Segundo Morato Leite (2010, p. 24).

Tanto as ideologias liberais quanto as ideologias socialistas não souberam lidar com a crise ambiental, tampouco inseriram a agenda ambiental no elenco das prioridades do respectivo projeto político. O quadro contemporâneo de degradação e crise ambiental é fruto, portanto, dos modelos econômicos experimentados no passado, não tendo, além disso, cumprido a promessa de bem-estar para todos como decorrência da revolução industrial, mas sim, instalado um contexto de devastação ambiental planetária e indiscriminada.

A despeito das inúmeras compreensões acerca do Estado de Direito

Socioambiental, inclusive no que toca à sua abstração, isso não pode levar à crença

de que não é importante a sua discussão, pois mesmo que abstrato tem o mérito de

constituir-se como, nas palavras de Morato Leite (2008, p. 151) “meta” ou

“parâmetro” a ser atingido, trazendo à tona uma série de discussões que otimizam

processos de realização de aproximação do Estado ficto”.

Aliás, a sua existência vem ao encontro direto do desejo do legislador

constituinte, conforme tratamos amplamente neste Capítulo – 3.1, pois a despeito da

Constituição Federal não ter consagrado expressamente o princípio participativo em

tema de meio ambiente, isso não significa que a participação popular nas questões

ambientais não esteja prevista e assegurada pela carta constitucional.

Especificamente no Brasil a constitucionalização do meio ambiente foi

promovida pela Magna Carta de 1988 ao reservar capítulo próprio à questão

ambiental, o qual se encontra pela primeira vez na história do constitucionalismo

brasileiro inserto no título da “Ordem Social” com destaque ao contido no artigo 225

que define o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem prejuízo de

inúmeros outros dispositivos relacionados à temática ambiental, em especial o artigo

170, VI inserido no título da “Ordem Econômica” que ao admitir a livre iniciativa como

seu fundamento exige também um controle desta liberdade ao definir a defesa do

meio ambiente como um dos seus princípios.

Além disso, como observado por Barroso, “as normas de tutela ambiental

são encontradas difusamente ao longo do texto constitucional” (1992, p. 177).

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Apesar da Carta Política não ter definido expressamente, pode-se afirmar

que o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi alçado à categoria de direito

fundamental e reconhecido como tal. Tal reconhecimento faz-se necessário para

fazer frente às dificuldades e complexidades postas pela crise socioambiental aqui já

apontada e descrita.

Conforme Bobbio (1992, p.6).

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.

Ressalte-se, ainda, que as Constituições brasileiras que precederam à

atual não abordaram o tema meio ambiente de forma específica, pois imbricadas de

forte viés liberal limitavam-se a tratar os recursos naturais como meros recursos

econômicos.

Segundo Silva (2003, p.46).

A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título “Ordem Social” (Capítulo VI do Título VIII). Mas a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional.

De igual forma ressalta Silva-Sanchez (2000, p. 87).

A consolidação dos avanços da política ambiental ocorre com a promulgação da Constituição de 1988, que vai situar o direito ao meio ambiente no mesmo nível dos direitos e garantias fundamentais, ao estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações.

A Constituição Federal de 1988, portanto, neste aspecto superou as

barreiras do paradigma eminentemente liberal que vê o Direito apenas como um

instrumento de organização da vida econômica, unicamente orientado a resguardar

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certas liberdades básicas e a produção econômica, o que reduz o Estado à

acanhada tarefa de estruturar e perenizar as atividades do mercado, sob o manto de

certo asseptismo social (BENJAMIN, 2008, p. 84).

Aliás, é do próprio regime jurídico estabelecido pela Constituição para o

meio ambiente, definindo-o como bem de uso comum do povo, além da

consagração do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

como direito fundamental, e especialmente da imposição à coletividade do dever de

protegê-lo, que resulta garantida a participação pública ambiental no ordenamento

jurídico nacional. (MIRRA, 2010, p. 87-88)

Isso é igualmente apontado por Waldman (2005, p. 546) ao reafirmar o

meio ambiente como um direito difuso.

Ora, um dado básico para discutirmos as implicações de uma cidadania ambiental é que o meio ambiente se configura como um direito difuso, isto é, não dispõe de um corpo específico. O objeto de interesse difuso, nas palavras do jurista Paulo Affonso Leme Machado, “é sempre um bem coletivo, insuscetível de divisão, a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação de todos.” Desta máxima, pode-se concluir que estamos diante de um enfoque bem mais complexo do que os colocados pelos demais movimentos sociais. Assim, se a questão feminista confunde-se com um corpo mulher; a questão do negro, com aqueles definidos como pertencentes à raça negra; e outras tantas temáticas confundem-se com corpos específicos; a questão ambiental confunde-se com todos esses corpos simultaneamente e ao mesmo tempo, e aponta para a superação de todos esses corpos isoladamente.”.

Portanto, considerando o direito ao meio ambiente equilibrado como um

direito difuso fundamental é imperioso uma ampliação radical do conceito de

cidadania na prática da cidadania ambiental, pois esta última implicará no

enfrentamento de problemas e dificuldades de abrangência e resultados globais.

Segundo Silva-Sánchez (2000, p 87).

No processo de discussão e elaboração da Constituição, o movimento ambientalista, enquanto um novo sujeito social, foi efetivamente portador de novas reivindicações e, nesse sentido, definiu novos direitos, ampliando a questão da cidadania: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado representa, evidentemente, a luta por uma melhor qualidade de vida.

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87

Novamente citamos Waldman (2005, p. 547), pois segundo ele é preciso

que por meio da prática da cidadania ambiental seja revista a relação estabelecida,

até então, entre Homem e natureza.

É em função desses arrazoados que a noção de cidadania ambiental solicita novos paradigmas, indispensáveis para um releitura do mundo. Ressalve-se que muitos dos problemas ambientais do mundo atual originaram-se da forma como a representação da natureza terminou construída no imaginário social do mundo europeu a partir da Idade Moderna. Assim sendo, a revisão do entendimento tradicional da relação homem-natureza coloca-se como uma prioridade para a construção da noção de cidadania ambiental.

Quanto a isso, conclui Silva-Sánchez (2000, p 87).

Na verdade, a construção de uma cidadania ambiental faz parte de um processo mais amplo de reconstrução da sociedade civil brasileira, a partir da emergência de setores organizados, capazes de intervir e participar dos rumos e processos de decisão política. Uma sociedade que começa a ser capaz de reivindicar seus direitos e exigir que sejam cumpridos, inclusive no campo ambiental.

Importante que se diga que as demandas ambientalistas foram

responsáveis por inserir no cenário político a participação democrática cidadã nas

decisões que impliquem apropriação e utilização dos recursos naturais, inclusive na

formulação de políticas que tenham como objetivo assegurar a qualidade de vida de

toda a sociedade.

E não poderia ser diferente, pois o Relatório Bruntdland, em 1987, já

apontava que a continuidade da existência humana está diretamente atrelada à

conservação da biosfera, bem como destacava o grave quadro de diferenças sociais

em âmbito mundial resultante dos projetos econômicos que vêm sendo levados a

cabo pelas diversas nações, demonstrando que grande parte dos recursos naturais

disponíveis vêm sendo consumidos e esgotados por uma pequena parcela de

países, enquanto que a maioria permanece na linha da pobreza, miséria e das

doenças (SARLET e FENSTERSEIFER, 2011).

Da década de 1980 em diante a situação se agravou, razão pela qual não

se pode mais conceber a existência de um Estado de Direito reducionista, que

ignore a a necessidade de participação popular e de controle social acerca das

decisões públicas e privadas, bem como das políticas de cunho ambiental.

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Citamos aqui importante contribuição de Mirra (2010, p. 95).

Registre-se, no ponto, a orientação firmada pelo Conselho de Estado da Bélgica, noticiada por Benoit Jadot, a propósito da norma do art. 23 da Constituição belga, garantidora do direito ao meio ambiente sadio, que pode servir de inspiração, igualmente, aos juízes e tribunais brasileiros. De acordo com referida Corte de Justiça Administrativa, o respeito ao direito constitucional à proteção de um ambiente sadio “começa pelo respeito ao direito de participar da gestão ambiental”. Nesse sentido, o direito fundamental à proteção do meio ambiente implica, necessariamente, o direito à participação pública ambiental, não se podendo falar na observância daquele sem a implementação deste.

Daí concluir-se que a participação popular, preferencialmente de forma

direta, nas questões e debates socioambientais – materializada pelo exercício da

cidadania ambiental, em especial nas audiências públicas dos processos de

licenciamento ambiental, pois tema de interesse específico deste trabalho, é

corolário do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos

termos da Carta Política de 1988.

3.3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO À INFORMAÇÃO - MEIOS

INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA AMBIENTAL

Demonstrada, inequivocamente, a importância da participação popular na

definição dos desígnios socioambientais do País, atuação esta que no Brasil está

assegurada pela Constituição de 1988, é necessário avaliar os mecanismos que

permitam o exercício desta forma de cidadania, especialmente pelo que é apontado

por Ascelrad (2004, p. 11).

No caso do Brasil, portanto, o potencial político do movimento pela justiça ambiental é enorme. O país é extremamente injusto em termos de distribuição de renda e acesso aos recursos naturais. Sua elite governante tem sido especialmente egoísta e insensível, defendendo de todas as formas os seus interesses e lucros imediatos, inclusive lançando mão da ilegalidade e da violência. O sentido de cidadania e de direitos, por outro lado, ainda encontra um espaço relativamente pequeno na nossa

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sociedade, apesar da luta de tanto movimentos e pessoas em

favor de um país mais justo e decente. (grifamos)

Importante observar que, no caso brasileiro, a inclusão do tema “meio

ambiente” como direito fundamental, na Carta Política de 1988, veio acompanhado

de instrumentos jurídicos como meios para obter e manter essa situação. Não foi

diferente com a proclamação de um direito à informação ambiental.

Tal direito é assegurado pelo contido no artigo 225, § 1°, IV da

Constituição Federal ao “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade

potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo

Prévio de Impacto Ambiental, a que se dará publicidade”.

Ademais, a informação encontra-se dentre os instrumentos definidos pela

Política Nacional do Meio Ambiente.

Art. 9°. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (...) VII – o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; (...) X – a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama; XI – a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes.

A participação popular – princípio fundamental do direito ambiental – não

será eficaz como prática cidadã concreta sem que seja assegurado aos indivíduos o

direito à informação como criadora de conhecimentos47.

Este problema é agravado no caso da implantação de empreendimentos

de significativo impacto ambiental, na medida em que poderá gerar justiças

ambientais às pessoas atingidas, sem que as mesmas possam participar

concretamente da tomada de decisões no processo de licenciamento ambiental.

Portanto, a informação sobre meio ambiente deverá ser veraz, contínua,

tempestiva e completa, com algumas características essenciais que são apontadas

por Machado (2006, p. 91) como tecnicidade e compreensibilidade.

47

Pautamo-nos, aqui, na obra Direito à Informação e Meio Ambiente (2006, p. 27) do Prof. Paulo Affonso Leme Machado, que ao tratar da informação como criadora de conhecimentos cita Philippe Busquin para quem “importa que o público seja bem informado e participe, com conhecimento de causa, em debates. Promover a cultura científica faz parte de uma “boa higiene democrática” É indispensável para permitir ao público compreender e orientar o progresso”.

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Por certo que a informação ambiental, na maioria das vezes, é formada

por dados e elementos de caráter técnico. Isso é indispensável e essencial para uma

correta e segura definição dos objetivos pretendidos e dimensionamento dos riscos

associados. Mas, tal questão não afasta a obrigatoriedade de que a transmissão dos

subsídios técnicos seja clara e compreensível a toda e qualquer pessoa.

Nas palavras de MACHADO (2006, p. 92).

A clareza deve coexistir com a precisão, não se admitindo a incompletude da informação sobre pretexto de ser didática. Contudo, como arguiu o professor Stewart, as questões ambientais não são sempre simples e nem sempre têm soluções incontroversas. Parece-me que, diante das incertezas que se possam detectar nos dados ambientais transmitidos, cabe ao informante ser imparcial e dar chance de conhecimento, aos informados, de todos os ângulos da questão, sem privilegiar qualquer ponto de vista.

O direito constitucional à informação adequada, no processo de

licenciamento ambiental, tem sido objeto de constante enfrentamento pelo Poder

Judiciário.

Citamos, como paradigma, ementa de acórdão proferido em Embargos de

Declaração em Apelação n° 2001.71.01.001497-1/RS, pela Desembargadora

Federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO EXISTENTE. DESCABIMENTO DOS EFEITOS INFRINGENTES. SENTENÇA ADEQUADA. 1. Deverá ser desentranhada dos autos e devolvida ao ilustre subscritor a peça vertida pelo douto órgão Ministerial Estadual (fls. 302-307), subscrita pelo eminente 1º Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada Dr. Voltaire de Freitas Michel. 2. Não se há de ter uma visão excessivamente burocrática do licenciamento, mas ter os olhos postos na sua nobre finalidade estabelecida constitucionalmente. Segundo Antônio Herman Benjamin (A principiologia do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o controle da discricionariedade administrativa. In: Estudo Prévio de Impacto Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 71, 85-86), o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deve ser um documento científico de coleta de dados de variadas fontes preditores de resultados da introdução de novos fatos no ecossistema, avaliando projeto, construção, operação e abandono. Não é mera técnica, mas deve repercutir diretamente no conteúdo e na qualidade da decisão administrativa final. Deve possibilitar um perfeito conhecimento das condições ambientais preexistentes ao empreendimento, das reais dimensões dos impactos, eficácia das medidas preventivas e mitigadoras propostas. Assim, as

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informações devem ser completas e precisas, e todas as informações devem estar disponíveis antes da outorga da Licença Prévia. 3. O órgão licenciador não está vinculado às conclusões da audiência pública, na decisão, mas deve levar em consideração, na decisão, as colocações que nela são feitas, a finalidade da participação pública no procedimento apenas é atingida se as manifestações foram fundadas e efetivas. O princípio da participação pública assegura ao cidadão o direito de intervir na tomada da decisão devidamente informado, participação desinformada não é participação e o direito à informação deve ser dar no momento adequado, na profundidade necessária e com clareza suficiente. 4. Não há efeitos infringentes a agregar, apenas proclamar o parcial provimento do apelo Ministerial para desentranhar dos autos a manifestação (fls. 302-307) subscrita pelo eminente 1º Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada Dr. Voltaire de Freitas Michel, sendo a mesma devolvida ao ilustre subscritor, bem como esclarecer sobre a necessidade da reelaboração do EIAs.

Outro ponto é se na iminência ou diante de um risco significativo para a

vida humana e para o meio ambiente, a informação deverá ser transmitida

imediatamente. Aliás, tanto as empresas públicas quanto as privadas têm o dever de

informar à Administração Pública a ocorrência de uma situação de risco ou perigo,

bem como a população que eventualmente esteja exposta e toda a sociedade,

utilizando, para tanto, todos os meios de comunicação e atenção disponíveis.

Isso é decorrência, como apontado por alguns autores, do Princípio da

Publicidade, que se encontra em consonância com o próprio Princípio da Precaução,

na medida em que é imperioso que as pessoas tenham conhecimento efetivo dos

riscos, para que possam definir as medidas e tomar as decisões que possam evitar

ou minimizar o problema.

Como exemplo emblemático está a audiência pública no processo de

licenciamento ambiental, a qual constitui objeto desta pesquisa, pois têm como

principal missão conferir transparência, informar e, desta forma, democratizar o

debate acerca da implantação de empreendimentos ou atividades potencialmente

poluidoras.

Aliás, o próprio licenciamento ambiental com assento na Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente, trouxe consigo um grande espaço revestido de

transparência e participação cidadã.

Em seu artigo 10, § 1° a Lei n° 6.938/1981 definiu que “os pedidos de

licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal

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oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande

circulação”.

A efetivação do dever de informar no processo de licenciamento

ambiental, nos termos vincados pela Política Nacional do Meio Ambiente, ganhou

corpo com a publicação da Resolução CONAMA n° 06/1986, cujo conteúdo já foi

tratado no Capítulo anterior.

Há outros exemplos, como o Sistema Nacional de Informações sobre o

Meio Ambiente, igualmente inaugurado pela Política Nacional do Meio Ambiente; o

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituído pelo artigo 21,

inciso XIX da Constituição Federal; o Sistema de Informações para Biossegurança,

nos termos do artigo 19, da Lei n° 11.105/2005, dentre outros.

O meio ambiente sadio e equilibrado, por sua vez, constitui direito difuso e

bem de uso comum do povo, razão pela qual toda a coletividade tem o direito de ser

informada sobre ele. As autoridades públicas desempenham o papel de meras

gestoras dos dados de cunho ambiental, em nome da coletividade.

A própria Política Nacional do Meio Ambiente destaca dentre os seus

objetivos, nos termos do artigo 4°, inciso V, a divulgação de dados e informações

ambientais destinadas à formação de uma consciência pública acerca da

necessidade de preservação ambiental e equilíbrio ecológico.

Citamos, in verbis, o dispositivo em comento.

Art. 4° A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) V. à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico.

Essa gestão pública do meio ambiente é praticada, em especial, pela

exigência de realização do EIA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental, como

instrumento obrigatório que precederá o licenciamento ambiental de atividades de

significativo impacto. Mas, para bem gerir as informações apresentadas pelo

interessado nos estudos ambientais, é imperioso que a própria Administração

Pública – por meio do ente licenciador competente – esteja suficientemente

informada.

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Novamente valemo-nos do magistério de MACHADO (2006, p. 101), em

consonância com o disposto no 9°, XI da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente

Daí decorrem dois comportamentos; o primeiro, da parte dos empreendedores privados ou públicos: devem informar veraz, contínua, completa e tempestivamente a Administração Pública Ambiental; segundo, caso os referidos empreendedores não enviem as informações ou os dados devidos, a própria Administração deve ir ao encontro dos empreendedores, e ela mesma procurar coletar as informações. Nesse sentido, a norma brasileira constante da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente diz: “Art. 9°. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (...) XI – a garantia da prestação de informações relativas ao meio ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes.

Cabe registrar, no entanto, que a despeito do processo de gestão e

transmissão das informações ambientais encontrar-se sob a responsabilidade do

Poder Público, por meio de seus órgãos competentes, estes não são os únicos

canais para obtenção de tais elementos.

O acesso às informações ambientais encontra-se sob a guarda dos

órgãos integrantes do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente – instaurado

pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

O Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA), por

sua vez, instituído pelo artigo 9°, inciso VII da Lei Federal n° 6.938/81, ficou a cargo

da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente, com a atribuição e a

responsabilidade pela coordenação e intercâmbio das informações entre os órgãos

que compõem o SISNAMA.

Importante reconhecer que, apesar da importância do SINIMA, fato é que

desde a sua instituição pela Política Nacional do Meio Ambiente, ainda não foi

proporcionado aos órgãos ambientais e aos cidadãos todos os benefícios

decorrentes do mesmo.

Visando o atendimento dessa garantia, editou-se a Lei n° 10.650, de 16

de abril de 2013 que dispõe sobre o acesso público aos dados e às informações

existentes nos órgãos e entidades integrantes do SISNAMA.

De acordo com o contido em seu art. 2°, in verbis.

Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do SISNAMA, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos

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administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico.

Machado (2006, p. 209) afirma que este diploma legal tem os seus

méritos, “mas não se pode deixar de afirmar que se tornou insuficiente, diante da

velocidade e da intensidade dos fatos poluidores dos ecossistemas”.

Segue o autor::

Precisamos de uma reforma dessa legislação ou, mesmo de uma antecipação voluntária dos órgãos do SISNAMA, propiciando que a Administração Pública Ambiental ininterruptamente bata à porta das cidadãs e dos cidadãos informando-os, via Internet, do estado do meio ambiente. Sem isso a informação se tornará uma partitura chorosa e resignada, a ser executada diante de degradações irreversíveis.

Está claro que o direito à informação ambiental encontra-se protegido por

normas constitucionais e infraconstitucionais, com especial destaque à atuação do

Poder Público como responsável pela sua gestão e compartilhamento.

Mas estas informações, por sua própria natureza, constituem-se como de

interesse público e social, mesmo que estejam em mãos de pessoas ou empresas

privadas, razão pela qual devem preferencial e integralmente estar acessíveis a todo

e qualquer cidadão.

Dahl (2001, p. 111) apresenta sua concepção acerca do tema, a qual vem

exatamente ao encontro do que afirmamos acima.

Diversos critérios democráticos básicos exigem que fontes de informação alternativas e relativamente independentes estejam disponíveis para as pessoas. Pense-se na necessidade da compreensão esclarecida. Como os cidadãos podem adquirir a informação de que precisam para entender as questões se o governo controla todas as fontes de informação? Ou, por exemplo, se apenas um grupo goza do monopólio de fornecer a informação?

Aqui cabe mencionar a atuação dos movimentos sindicais, sociais,

populares e até mesmo individuais, que demonstram que os próprios cidadãos

podem organizar-se para a busca de informações, sem que isso signifique invadir a

atribuição conferida ao Poder Público.

Silva-Sánchez (2000, p. 61) preleciona que:

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O surgimento do movimento ambientalista brasileiro faz parte, evidentemente, desse processo mais amplo de democratização e constituição de uma sociedade civil. Suas lutas e práticas políticas integram um campo de reivindicações formuladas em torno de direitos coletivos, para além da defesa apenas dos direitos individuais. A construção do que estamos chamando aqui de cidadania ambiental, refere-se, portanto, à construção de uma cidadania de caráter coletivo, fundada que está em uma luta marcada por valores maximalistas e globalizantes, que possibilita um novo exercício de cidadania, que vai além das limitações da cidadania construída no marco liberal.

Ascelrad et al (2004) em obra intitulada Justiça Ambiental e Cidadania

traz o artigo de Fernanda Giannasi intitulado “Como os movimentos sociais exercem

a vigilância dos riscos ambientais e como organizam estas informações”, no qual a

autora trata do fenômeno social da constituição dos contrapoderes na luta contra os

riscos ambientais, especialmente no que se refere às vítimas de contaminação por

amianto e poluentes orgânicos persistentes (POPs).

Para tanto, com sustentáculo nas iniciativas espontâneas que são

denominadas em alemão Burgerinitiativen (iniciativas de cidadão), organizadas por

ex-expostos ocupacionais e ambientalmente doentes que não se sentem mais

representados pela grande maioria das entidades e ONGs existentes, a autora utiliza

a doutrina de Time Evers e descreve três destes diferentes tipos de movimentos

contra-hegemônicos, demonstrando assim que é recomendável e salutar a atuação

cidadã, paralelamente ao Poder Público, na busca e propagação de informações

ambientais.

1. Redes de apoio transnacional (transnacional advocay networks): basicamente dedicadas à defesa dos direitos humanos e ambientais. Acreditam que quanto mais divulgada globalmente a informação de um caso de lutas locais, mais poderosa poderá ser a sua defesa e, portanto a nivelação dos poderes sociais. E que ao contrário, quando mais isolado se encontrar um grupo marginalizado, mais impotente estará em relação aos efeitos excludentes da globalização. Se através da ação global, essas causas se tornam públicas, mantendo sua força e caráter particular, existe muito mais possibilidades de que sejam reconhecidas e bem sucedidas (o autor cita o caso de Chico Mendes).

2. Redes transnacionais de trabalhadores e consumidores (transnational consumer/labor networks): “O poder de compra como ferramenta global de uso político local.” O autor cita o exemplo da má publicidade gerada contra a Nike quando se

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tornaram públicas as condições em que seus produtos eram fabricados no Camboja. Da mesma forma ocorreu com a proposta de boicote veiculado na Internet a produtos indonésios para pressionar mudanças nas relações com o Timor Leste. No caso das vítimas do amianto se propôs durante o Congresso Mundial do Amianto em Osasco um boicote na Europa aos produtos da Eternit enquanto não se resolvem as ações de indenizações das vítimas.

3. Movimentos de trabalhadores respondendo a demandas globais (embora mantendo sua lógica reivindicativa tradicional): as experiências têm demonstrado que os trabalhadores dos países desenvolvidos não alcançam melhoras em suas condições de trabalho e salários a não ser que apoiem os trabalhadores de países pobres a desenvolverem ferramentas políticas e econômicas para enfrentar suas precárias condições de trabalho e reivindicar melhorias.

A despeito de algumas críticas feitas a estes movimentos sociais, como

por exemplo, o fato de que resolvidos os seus problemas pontuais, esses

trabalhadores e ex-trabalhadores não estariam mais se organizando, Gianassi

(2004, p. 267-268) conclui que:

(...) o uso controlado do amianto ou do chamado responsible care (cuidado responsável) da indústria química ou outras medidas de vigilância propostas por instrumentos meramente burocráticos-institucionais são ineficazes para impedir o adoecimento da população e que só através da constituição dos contrapoderes ou da globalização contra-hegemônica ou por baixo é que se pode ter a visibilidade da real situação, a transformação das relações de poder, as ações de responsabilização dos verdadeiros culpados e de ressarcimento das vítimas e o banimento definitivo do uso dessas tecnologias desacreditadas. A cidadania construída socialmente por esses ativistas, passa a ser, portanto, a única alternativa possível, a nosso ver, para dar visibilidade real à grave exposição aos processos industriais no Brasil e, em especial, aos agentes cancerígenos e que causam danos não somente aos trabalhadores, mas também à população indireta e ambientalmente exposta, constituindo-se num sério problema de saúde pública.

Outro exemplo de vigilância dos riscos ambientais por parte de cidadãos

organizados é a história do movimento dos atingidos por barragens – MAB, no

Brasil, iniciado no final da década de 1970 e que teve como fato gerador a

construção da Binacional Itaipu.

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No artigo intitulado “Águas para a vida, não para a morte. Notas para uma

história do movimento de atingidos por barragens no Brasil”, Vainer (2004, p. 189)

faz um importante relato:

16 de outubro de 1978: convocados pela Comissão Pastoral da Terra reúnem-se no pátio da igreja de Sana Helena, 1500 pequenos agricultores cujas terras serão inundadas pela barragem de Itaipu. Eles elaboram um abaixo-assinado, encaminhado ao presidente general Geisel, em que listam 23 problemas enfrentados pelos agricultores ribeirinhos a serem deslocados pelo lago de Itaipu, entre os quais se destacavam: falta de informação e consulta prévia, impactos ecológicos, situação dramática de cidades e vilas afetadas mas não indenizadas, trágica realidade a que seriam lançados os agricultores paraguaios e, sobretudo, preço irrisório das indenizações oferecidas.

É necessário reconhecer tal fato histórico como embrião dos movimentos

socioambientais em nosso país, quando já se destacava fortemente a necessidade

de informação e participação popular cidadã nos debates acerca da apropriação e

utilização de recursos naturais.

Tecidas tais considerações é forçoso concluir que a Constituição Federal

fez uma expressa opção pelo princípio da informação ambiental, acompanhado da

publicidade, o que não poderia ser diferente, pois não há meios para que seja

possível proteger o meio ambiente como direito difuso e fundamental, se houver

segredo.

No entanto, é importante pontuar que práticas cidadãs de proteção ao

meio ambiente somente se tornarão eficazes e concretas se três direitos

caminharem juntos: o direito à participação popular, o direito à informação ambiental

e o direito à educação ambiental, sendo que deste último trataremos a seguir.

A meta de educação ambiental, como apontado por Figueiredo (2012, p.

181) tem seu nascedouro no 19° Enunciado da Declaração da Estocolmo, em 1972,

cuja redação ora transcrevemos.

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas

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evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.

No Brasil, a educação ambiental encontra-se amparada legalmente, como

princípio, desde a edição da Política Nacional do Meio Ambiente, nos exatos termos

de seu artigo 2°, inciso X, in verbis.

Art. 2°. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: (...) X – educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Tal princípio foi alçado à norma constitucional em 1988, nos termos do

artigo 225, § 1°, VI a Constituição Federal define como incumbência do Poder

Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino (...)”,

definindo, desta forma, a obrigação do Poder Público de inserir esta matéria no

processo educacional, considerando, especialmente a sua relevância como

elemento essencial para a preparação das práticas cidadãs e de participação

popular.

Delineado este cenário, teve destaque em 1996 a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional – LDB sob o n° 9394, que apesar de não se referir

expressamente à educação ambiental, tem vários de seus artigos relacionados com

as questões socioambientais. (CARNEIRO, 2012, p. 24)

Aliás, cabe aqui destacar que conforme apontado por Mendes Filho, et al

(2012, p. 40).

Os conceitos tratados na educação ambiental até o início dos anos 90 envolviam com ênfase o aspecto ecológico de forma reducionista, sem destaque para a relação da sociedade com o surgimento dos problemas ambientais. Tal fato possivelmente decorre do pensamento predominante na ciência ecológica, que nesse período concentrava-se na análise do ambiente físico natural. A partir de 1987, com a consolidação do termo “desenvolvimento sustentável”, o componente social tornou-se mais presente nas discussões

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ambientais: importava para o processo econômico de produção o compromisso com a disponibilidade de utilização dos recursos, inclusive para gerações futuras. O viés social, paralelamente, passava a aparecer com maior destaque na educação, no sentido de, em um futuro não muito distante, ser possível afirmar que “na educação ambiental confluem os princípios da sustentabilidade, da complexidade e da interdisciplinaridade” (LEFF, 2001 [1998], p. 247).

. Portanto, dada a relevância do tema, foi promulgada em 27 de abril 1999

a Lei da Política Nacional de Educação Ambiental – Lei n° 9.795, que logo em seu

artigo 1° afirma que “entendem-se por educação ambiental os processos por meio

dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,

habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente

(...)”.

Este diploma legal, além de ter instituído uma Política Nacional de

Educação Ambiental, definiu elencou diversos princípios e ações educativas práticas

voltadas à população, com o fito de que o processo educativo aliado ao acesso à

informação, possam assegurar uma efetiva participação social e cidadã.

É indelével a importância da educação para o desenvolvimento e prática

da cidadania ambiental e, consequentemente, para o exercício da democracia

participativa, tanto que tais preceitos foram acolhidos expressamente como objetivos

da educação ambiental pela Política Nacional de Educação Ambiental.

Art. 5o São objetivos fundamentais da educação ambiental: (...) II - a garantia de democratização das informações ambientais; (...) IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; (...) VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade.

Como bem observado por Pelicioni e Philippi Jr (2002, p. 348)

Esse cidadão portador de direitos e deveres assegurados por uma legislação que é bastante moderna, principalmente pelas leis que envolvem os Crimes Ambientais, a Política Nacional de Meio Ambiente, a Política Nacional de Educação Ambiental, o Estatuto da Cidade, entre outras, precisa adquirir além do conhecimento e de atitudes, as habilidades e competências para interferir positivamente

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sobre a realidade na busca da ética, da equidade e da justiça social, na busca de novas formas de relação entre os seres humanos e destes com todos os seres vivos (...)

Não há dúvidas, portanto, que a educação ambiental juntamente com o

direito à informação constituem indispensáveis meios para capacitar a prática cidadã

ambiental, oferecendo aos indivíduos habilidades para que eles possam,

efetivamente, participar dos debates acerca dos riscos e impactos ambientais

quando da implantação de um projeto potencialmente poluidor. Essa atuação tem

indiscutível relevância como indutora da participação popular no processo de

licenciamento ambiental, com especial ao momento de realização das audiências

públicas.

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101

4 ESTUDO DE CASO

4.1 DESCRIÇÃO

A opção por realizar-se a pesquisa de campo juntamente com a pesquisa

bibliográfica tem como fundamento a superação dos métodos tradicionais de

pesquisa, aplicados especialmente no Direito Ambiental.

Importante observar que as questões ambientais, considerando que

envolvem diversas circunstâncias e aspectos específicos e concretos que nem

sempre podem ser conhecidos antecipadamente, não podem ser reduzidas à

instrumentalidade do positivismo jurídico tradicional.

Ademais, para que fosse possível responder ao problema proposto e

testar a hipótese elencada, foi imperioso quebrar as barreiras da mera

sistematização bibliográfica.

Delineado tal cenário, para a verificação se a audiência pública realizada

no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo

impacto ambiental constitui um espaço para o exercício da cidadania ambiental foi

selecionado, no âmbito do Estado do Paraná, o projeto denominado “Condomínio

Portuário Sustentável”48 que o empreendedor Novo Porto Terminais Portuários

Multicargas e Logística Ltda pretende implantar no lugar denominado “Imbocuí”,

área inserida na Zona de Expansão Portuária – ZIEP do Município de Paranaguá.

48

Segundo informações prestadas pelo empreendedor um “condomínio portuário sustentável” consiste em um modelo de gestão no qual os empreendedores da superestrutura, os operadores portuários e os prestadores de serviços (arrendatários, agentes de navegação, despachantes etc), compartilham a infraestrutura básica necessária para o desempenho de atividades portuárias. No caso ora estudado, o empreendedor afirma que o projeto foi concebido para ser “sustentável”, pois serão mantidas estações de tratamento de efluentes e áreas verdes preservadas, dentre outros aspectos.

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Figura 1 - Esboço do Projeto Condomínio Portuário Sustentável. Fonte: www.iap.pr.gov.br. Acesso em:

27 mar. 2014.

O requerimento de licenciamento ambiental foi protocolado junto ao

Instituto Ambiental do Paraná – IAP, órgão ambiental competente para tanto, em 05

de setembro de 2013, sob o n° 12142195-0.

Em 07 de outubro de 2013 o ente licenciador expediu o Edital de Entrada

de Estudos e Abertura de Prazo para Solicitação de Audiência Pública sob o n°

007/2013/IAP/DLE, pelo qual informou à população que a empresa Novo Porto

Terminais Portuários Multicargas e Logística Ltda apresentou o Estudo de Impacto

Ambiental – EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, referente

ao Condomínio Portuário, bem como, abriu o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias

para solicitação de audiência pública, nos moldes da Resolução CONAMA 09/1986.

Observe-se, que conforme consta no processo de licenciamento

administrativo do licenciamento ambiental ora em estudo, o empreendedor entregou

DVD-ROMs contendo o EIA/RIMA, junto às Prefeituras Municipais de Paranaguá,

Morretes, Antonina, Matinhos, Guaratuba, Guaraqueçaba e Pontal de Paraná, aos

representantes dos Ministérios Público Estadual e Federal de Paranaguá, além do

protocolo de uma via física dos estudos junto à Prefeitura de Paranaguá e a

Biblioteca Pública Municipal Leôncio Correia em Paranaguá. Aos demais

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interessados, os estudos ficaram à disposição no Instituto Ambiental do Paraná –

IAP, bem como em seu sítio eletrônico.49

A divulgação da realização da audiência pública, por sua vez, é de

responsabilidade do órgão ambiental licenciador juntamente com o empreendedor.

Pressupõe um procedimento legal midiático que tem como objetivo principal

fomentar a participação do maior número de pessoas possíveis, com vistas a

esclarecer a população e demais interessados, a respeito dos estudos apresentados

pelo empreendedor e colher as sugestões a fim de subsidiar o processo de

licenciamento ambiental.

No presente caso a audiência pública, solicitada pelo próprio

empreendedor, foi designada para o dia 26 de novembro de 2013, às 19 horas, no

Salão Social do Santuário de Nossa Senhora do Rocio, Praça Padre Thomas

Sheehan, Bairro do Rocio, Município de Paranaguá, Estado do Paraná.

Os interessados foram convocados a participar do debate através da

publicação, em jornais de grande circulação e na imprensa oficial, do Edital de

Convocação n° 003/2013-IAP/GELA, de 07 de setembro de 2013.

Além disso, alguns convites foram encaminhados pelo correio a algumas

autoridades e representantes de órgãos públicos, como por exemplo, Mineropar,

IPHAN, Instituto das Águas, IBAMA, COMEC, COLIT, DER, Copel, Centro de

Estudos do Mar da UFPR, dentre outros.

4.2 JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DO EMPREENDIMENTO

No Brasil são as cidades que estão, cada dia mais, no centro da

problemática socioambiental, pois indissociável a questão ambiental do quadro

desolador de exclusão social que vem se aprofundando nos últimos anos,

especialmente nos conglomerados urbanos.

Como apontado por Waldman (2005, p. 551) “a depredação ambiental é

inseparável do caos urbano nacional”, na medida em que:

49

http://www.iap.pr.gov.br/

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Consequentemente, os problemas urbanos relacionam-se diretamente com um significativo rol de problemas ambientais básicos vivenciados pelo povo brasileiro. Dentre outros, os mais significativos seriam a questão da destinação dos resíduos sólidos, dos recursos hídricos e da poluição do ar. Na ausência dessa compreensão, as proposições ambientalistas tornaram-se simplesmente elitistas e desfocadas dos problemas ambientais que de fato acometem o conjunto da população do nosso país.

Segue o autor (2005, p. 552).

Outra questão relacionada à expansão urbana é do saneamento básico. Os esgotos constituem uma causa de notórios problemas ambientais. Nas grandes e médias cidades, os rios, córregos, lagos, mangues e praias tornaram-se canais ou destino das águas servidas domésticas. Mesmo considerando que esgotamento sanitário atinge 54% dos domicílios em todo o Brasil, no entanto, apenas 10% do total recebe tratamento adequado. O restante é lançado in natura nos rios, contaminando também o solo, os lençóis freáticos e, finalmente, as massas oceânicas.

Gilda Collet Bruna (2002, p. 25), professora e pesquisadora do Núcleo de

Informações em Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo, em artigo

intitulado Meio Ambiente Urbano e Proteção Ambiental faz um alerta acerca da

urbanização crescente e desacelerada, que, segundo ela, atinge proporções em

torno de 80% da população total do Brasil. Isso é preocupante, pois:

(...) a ocupação das áreas urbanas dá-se à revelia de quaisquer planos de desenvolvimento. Poucos municípios têm seu Plano Diretor atualizado e raramente se utilizam deste plano para direcionar o uso e ocupação do território, estimulando, simultaneamente, o controle e a proteção ambiental. Parece haver um conflito, cada vez maior, entre a consciência da necessidade de proteção ambiental urbana e sua efetiva proteção.

É necessário reconhecer, ainda, a urbanização crescente que, nos

grandes centros, vem acompanhada de uma metropolização de cidades e traz

consigo toda a espécie de percalços, para muito além do ambiental. Ou seja, é

acompanhada de inúmeros problemas sociais, como bem demonstra Souza-Lima

(2006, p. 59) ao citar Boaventura Souza Santos.

...metropolização de cidades, tais como Curitiba, pode ser apreendida como uma inexorável <fatalidade>, na medida em que a urbanização descontrolada nunca vem sozinha, mas sempre

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acompanhada de elevadas taxas de desemprego, subemprego e emprego mal pago, além da presença de volantes nas cidades médias e pequenas (SANTOS, 1993).

Para bem demonstrar a assertiva anterior, valemo-nos justamente do

exemplo da capital do Estado do Paraná, a qual a partir dos anos 70 começa a

incorporar o status de capital ecológica, fama esta que, embora em menor escala,

ainda lhe acompanha até os dias atuais.

Com maestria essa questão é tratada por Souza-Lima (2006, p. 76), em

seu artigo intitulado A Construção do Imaginário Ecológico em Curitiba, no qual o

pesquisador expõe dados coletados de reportagens, matérias e propagandas

contrapondo-os com outras matérias que desmistificam o processo de construção do

imaginário ecológico de Curitiba e demonstram as consequências sociais que este

centro urbano, assim como os demais, estão expostos.

Conforme a tabela 4.2, Curitiba – no Brasil – perdia apenas para Rio de Janeiro, São Paulo e Recife; fora, as cidades de Nova Iorque (EUA), Paris (França), Tóquio (Japão) e Madri (Espanha), todas apresentavam indicadores menos violentos que Curitiba. Nesse quadro de violência, de acordo com os dados do PNAD e IBGE, Curitiba também ostentava a segunda posição em número de lesões corporais: são 389 lesões por 100 mil habitantes. É evidente que há uma relação estreita, um elo entre o título de “cidade modelo”, o vexame de ser a quarta capital mais violenta do país e a estratégia de marketing e propaganda.

Conclui o autor.

Conforme o que foi exposto e analisado, houve aumento dos impactos negativos sobre o ambiente à medida que a cidade “inchou” em todos os sentidos. E o que é um “inchaço” social senão um efeito que se torna causa de profundos e, na maioria das vezes, desequilíbrios socioambientais difíceis de serem revertidos a curto ou médio prazos?

Resta claro, considerando que a população brasileira urbanizou-se de

forma muito rápida e pouco planejada, a grande maioria das cidades não têm

conseguido escapar ilesa de estágios avançados de degradação ambiental e riscos

socioambientais, que incluem aumento da violência, ampliação da pobreza e

poluição, trânsito desordenado, ocupação territorial sem planejamento, favelização

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etc. Ou seja, os citadinos estão permanentemente expostos à condições de

vulnerabilidade socioambiental.

Justamente à luz deste cenário fundamentou-se a escolha da audiência

pública para licenciamento ambiental do empreendimento denominado “Condomínio

Portuário Sustentável”50 que o empreendedor Novo Porto Terminais Portuários

Multicargas e Logística Ltda pretende implantar no lugar denominado “Imbocuí”,

área inserida na Zona de Expansão Portuária – ZIEP do Município de Paranaguá.

Historicamente, a cidade de Panaraguá, localizada na região litorânea do

Estado do Paraná, conhecida internacionalmente por sua vocação portuária, tem

enfrentado toda a sorte de problemas socioambientais. Trata-se de um exemplo vivo

de uma cidade que espelha condições adversas, impactos e riscos decorrentes de

uma lógica de urbanização pouco planejada, flagrante degradação ambiental e uma

intensa queda na qualidade de vida de sua população, em especial devido ao

relacionamento pouco harmonioso entre a cidade e a atividade portuária ali

desenvolvida.

A fim de bem elucidar as razões pelas quais elegemos a cidade de

Paranaguá, em especial a sua região portuária, como objeto de estudo, traremos a

seguir dados obtidos por Carlos Roberto Soares, em sua tese de doutoramento “Os

Portos de Paranaguá (PR) e Itajaí (SC): análise comparativa das suas relações com

as cidades de inserção, da estrutura operacional atual e das condições sócio-

ambientais das regiões de entorno”, defendida no ano de 2009 junto ao Curso de

Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento - MADE da Universidade

Federal do Paraná.

A primeira questão refere-se ao considerável aumento da população da

cidade de Paranaguá, o que reflete naquilo que já mencionamos anteriormente, ou

seja, um rápido processo de urbanização que, via de regra, vem acompanhado de

malezas sociais e ambientais.

De acordo com o pesquisador:

50

Segundo informações prestadas pelo empreendedor um “condomínio portuário sustentável” consiste em um modelo de gestão no qual os empreendedores da superestrutura, os operadores portuários e os prestadores de serviços (arrendatários, agentes de navegação, despachantes etc), compartilham a infraestrutura básica necessária para o desempenho de atividades portuárias. No caso ora estudado, o empreendedor afirma que o projeto foi concebido para ser “sustentável”, pois serão mantidas estações de tratamento de efluentes e áreas verdes preservadas, dentre outros aspectos.

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Em Paranaguá, em 1991, a população total era de 107.675 habitantes, dos quais 87,93% viviam na área urbana e 12,07% na área rural. Em 2000, a população passou para 127.339 habitantes, crescendo a taxa de urbanização para 96,09% (CBM/IBGE, 2003). Considerando o total de 133.559 habitantes registrado em 2007 (IBGE, 2008) a população de Paranaguá cresceu 24,04% no período 1991-2007. (2009, p. 44-45)

Além da crescente e desordenada urbanização, a cidade de Paranaguá

tem como principal característica o desenvolvimento de atividade portuária que,

historicamente, tem se mostrado como uma atividade potencialmente poluidora e

indutora de riscos sociais, mas que pouco tem se preocupado com o enfrentamento

destas questões. Isso é igualmente objeto de inquietação no estudo mencionado.

Cunha (2003; 2006a) e Cunha et al. (2007) assinalaram que as dificuldades de regularização das atividades portuárias em relação aos parâmetros ambientais são consequência não apenas da ausência histórica das preocupações ambientais por parte de gestores e operadores destas atividades. Devem ser igualmente reconhecidas e postas em pauta as limitações da política ambiental pública em seu atual estágio de evolução no país, limitações estas tanto mais relevantes quanto se trata de administrar situações e atividades pré-existentes, que não passaram por licenciamentos ambientais prévios. Estas dificuldades se ampliam quando é o caso, típico dos portos, de administrar transformações múltiplas e complexas em ambientes regionais naturais e construídos, diversificados, o que esbarra geralmente na ausência de políticas ambientais integradas e abrangentes em escalas regionais. (2009, p. 34)

Aliás, o grande potencial dos impactos decorrentes da atividade portuária

nas condições e qualidade de vida da população das cidades é destaque na

pesquisa realizada. Importante observar que o estudo aponta que os maiores

beneficiados com o funcionamento do Porto não são os próprios cidadãos

parnaguaras. Destacamos a seguinte passagem.

Quanto aos impactos da atividade portuária nas condições de vida da população do município, Pierri Estades (2003) destaca que as atividades econômicas ligadas ao porto de Paranaguá não revertem proporcionalmente em benefícios para a população permanente. Sua lógica responde e beneficia muito mais a setores externos à região: aos produtores exportadores e aos importadores, a todos os setores vinculados a estes, e às transportadoras, entre outros, que são, fundamentalmente, de outras regiões do Paraná, de outros estados e até mesmo de outros países, como é o caso do Paraguai. Neste mesmo sentido, a FUNPAR (2008) afirma que enquanto o Porto de

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Paranaguá bate recordes de embarque e movimentação financeira, o movimento econômico e a geração de empregos no restante da cidade não evoluem da mesma forma. A modernização, competitividade e desempenho econômico do porto não repercutem, necessariamente, no desenvolvimento da cidade, sobretudo nos últimos anos. Suzuki Jr & Wosh (2000) ressaltam que a adoção de estratégias portuárias visando cumprir metas de competitividade em relação ao sistema logístico como um todo acaba comprometendo negativamente a atividade econômica local. (2009, p. 129)

Outro ponto crucial refere-se a complexidade da implantação da

legislação ambiental na atividade portuária, pois há uma gama de leis, resoluções e

normas subscritas pelas agências e órgãos que regulam o desenvolvimento da

atividade portuária no país.

Uma questão que merece aqui ser mencionada refere-se à dificuldade e

indefinição acerca da competência dos órgãos licenciadores, o que, em última

instância, tem reflexos diretos na falta de fiscalização e controle da atividade. Isso, a

nosso ver, vem ao encontro da necessidade de que o campo jurídico passe a dar

respostas, considerando a complexidade e abrangência dos conflitos

socioambientais que tão acentuadamente têm vitimado populações de cidades como

as brasileiras.

O estudo que utilizamos como paradigma, aliás, destaca falhas graves no

processo de licenciamento ambiental das atividades portuárias desenvolvidas na

cidade de Paranaguá, como a seguir descrito.

Na região portuária de Paranaguá, há uma indefinição com relação ao papel dos orgãos ambientais licenciadores, pois, alguns terminais portuários são licenciados pelo órgão federal (IBAMA), e outros pelo estadual (Instituto Ambiental do Paraná). O CAP, assim, não exerce adequadamente o seu papel, pois deveria fazer com que a Autoridade Portuária cumprisse a legislação ambiental vigente, conforme preconizado pela Lei 8.630/1993, que para Kitzmann & Asmus (2006), não contemplou de forma decisiva a questão ambiental na atividade portuária. A Autoridade Portuária em si, que ainda atua como um operador portuário, possuindo diversos terminais públicos, não possui qualquer licença ambiental. O Tepar e a Cattalini possuem licenças ambientais emitidas pelo IAP, possuindo certificações das ISO’s, enquanto que a Fospar possui licença ambiental do píer emitida pelo IBAMA e o da fábrica de fertilizantes licenciada pelo IAP. A Autoridade Portuária, ao estabelecer contratos de arrendamento dos armazéns e outras instalações situados nas áreas do porto, não incluiu a questão ambiental, sendo que a maior parte dos operadores não possui qualquer licenciamento, principalmente os usuários, ou seja, aqueles

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que utilizam o CMU, mas que não possuem qualquer instalação física no porto, ou mesmo na cidade. (2009, p. 158)

Não esqueçamos que o Porto de Paranaguá tornou-se objeto de notícia

internacional em 2004, quando ficaram expostas as suas fragilidades no que se

refere ao controle e atuação emergencial em caso de acidentes. Estamos a nos

referir ao acidente com o navio Vicuña, que resultou em um grave derramamento de

óleo na região.

Em 15/11/2004 ocorre um sério acidente na região de Paranaguá. O navio Vicuña (de bandeira chilena), quando realizava uma operação de descarga de metanol no píer da Cattalini Terminais Marítimos, sofre duas explosões. Como decorrência, quatro tripulantes morreram, o navio rompeu-se ao meio incendiando-se por completo nos dias seguintes, além de ter causado vazamentos de óleo, que se espalharam pelo CEP, afetando vários ecossistemas e comunidades pesqueiras ribeirinhas. Segundo o IBAMA/IAP (2005), no momento do acidente, milhares de pessoas foram evacuadas da área, pois justamente nesse local e data ocorria uma festa religiosa, dedicada à padroeira do Estado do Paraná, Nossa Senhora do Rocio. O acidente com o Vicuña expôs a deficiência de equipamentos adequados no porto público e nos terminais portuários para o eventual manejo de emergências ambientais na baía de Paranaguá, bem como a ausência de capacitação integrada para ações imediatas, previstas em lei, como o PAM - Plano de Ajuda Mútua (NR-29), PEI - Plano de Emergência Individual (Resolução Conama 293/2001 e 398/2008), Plano de Contingência (Lei 9.966/2000) e o Plano de Área (Decreto 4.871/2003). (2009, p. 143)

O estudo demonstra, ainda, que o Porto de Paranaguá é potencialmente

impactante, principalmente pelo tipo de carga comercializada e precariedade no

transbordo destas cargas. Justamente em função disso que a cidade sofre por ser

lembrada pelo odor fétido, em especial na região portuária.

No CMU, como os granéis sólidos (soja e fertilizantes), ocorrendo perdas significativas, não estimadas no presente trabalho, para o ar e águas do CEP. O elevado fluxo de caminhões e trens que atravessam a cidade gera grande quantidade de perda de cargas, que se acumulam pelas ruas e demais acessos à cidade. Como acentuado por Cunha (2006a), as atividades portuárias estão na origem de amplas transformações dos ambientes regionais, e carregam constantemente associadas a um vasto potencial de impactos. (2009, p. 159)

Destaca o pesquisador:

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No caso de Paranaguá, a expansão portuária promoveu o isolamento físico da cidade, que se encontra praticamente em seus limites de expansão devido às características geográficas da região, cercada de unidades de conservação. Embora em Paranaguá existam boas condições com relação aos modais de acesso ao porto (rodoviário e ferroviário), a perda de cargas ao longo das vias, especialmente de granéis sólidos, como a soja e fertilizantes, acabam por afetar a qualidade ambiental da cidade. (2009, p. 162)

Ênfase a já mencionada dificuldade de harmonização entre Porto e

Cidade, cuja consequência principal é o agravamento das tensões socioambientais.

Em Paranaguá, porto e cidade possuem uma relação conflituosa, de divórcio, tendo administrações distintas ligadas a distintos grupos políticos. Não existe a busca de soluções conjuntas para os problemas existentes, como a construção de um aterro sanitário, a limpeza dos resíduos sólidos gerados pelo trânsito de caminhões que atravessam a cidade para acessar o porto, e a grande quantidade de pombos e ratos, entre outros problemas. (2009, p. 164)

E, como resultado disso, o pesquisador menciona que:

Os indicadores dos Censos Demográficos do IBGE dos anos de 1991 e 2000 relativos ao abastecimento de água para a população, esgotamento sanitário e coleta domiciliar do lixo mostrem bons resultados, do ponto de vista ambiental, é precária a inter-relação porto-cidade no que diz respeito à eventual melhoria da qualidade ambiental da região, tanto nas áreas aquáticas como terrestres. Paranaguá não dispõe de aterro sanitário seu lixão é a céu aberto recebe o lixo doméstico da cidade e os resíduos variados do porto, como grãos e fertilizantes, cujos efluentes gerados são carreados para os rios. (2009, p. 159)

Delineado este cenário, parece-nos que a escolha do estudo de caso

relacionado à audiência pública do projeto denominado “Condomínio Portuário

Sustentável”51 que o empreendedor Novo Porto Terminais Portuários Multicargas e

Logística Ltda pretende implantar no lugar denominado “Imbocuí”, área inserida na

Zona de Expansão Portuária – ZIEP do Município de Paranaguá, resta plenamente

justificada, considerando que, neste caso, em especial, vislumbramos a importância

51

Segundo informações prestadas pelo empreendedor um “condomínio portuário sustentável” consiste em um modelo de gestão no qual os empreendedores da superestrutura, os operadores portuários e os prestadores de serviços (arrendatários, agentes de navegação, despachantes etc), compartilham a infraestrutura básica necessária para o desempenho de atividades portuárias. No caso ora estudado, o empreendedor afirma que o projeto foi concebido para ser “sustentável”, pois serão mantidas estações de tratamento de efluentes e áreas verdes preservadas, dentre outros aspectos.

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indiscutível de que haja uma participação cidadã plena no processo de

licenciamento ambiental.

Como bem destaca Mendonça e Farias (2011, p. 75-76).

As cidades são altamente vulneráveis aos impactos das mudanças ambientais e sociais globais, e têm um grande potencial de instigar soluções inovadoras, apesar de constituírem potenciais espaços geradores de conflitos e contradições socioambientais. As cidades brasileiras constituem, de maneira especial, um instigante campo empírico para estudos e reflexões sociais, econômicas, ambientais, tecnológicas etc., sendo que a abordagem intermultitransdisciplinar sobre as mesmas constitui-se num campo fértil e necessário para compreensão e proposição de soluções aos seus problemas.

Como veremos adiante, o projeto “Condomínio Portuário Sustentável” que

integra o objeto de estudo da presente pesquisa apresenta-se como uma promessa

de solução à uma cidade que, pelos dados acima elencados, clama por mais justiça

socioambiental.

Portanto, de uma importância impar a realização da audiência pública no

processo de licenciamento ambiental deste empreendimento, pois, ante os vários

desafios presente e futuros que se apresentam para o Município de Paranaguá, em

especial para o Porto ali em operação, é cogente a implementação de formas de

gestão cidadãs, ou seja, que se mostrem inclusivas e participativas.

4.3 A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL DO EMPREENDIMENTO “CONDOMÍNIO

PORTUÁRIO SUSTENTÁVEL”: UMA ARENA SOCIAL

O objetivo, nos termos prescritos em lei, foi informar e discutir o projeto

“Condomínio Portuário Sustentável” e seus impactos socioambientais com a

população diretamente afetada, além de coletar opiniões e críticas para a tomada de

decisão acerca do processo de licenciamento ambiental, juntamente com a

comunidade, representantes de organizações não governamentais (ONG’s),

entidades públicas e todos os demais interessados.

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Foto 1 - Local da realização da audiência pública do Projeto Condomínio Portuário Sustentável. Fonte:

elaborado pelo autor.

Qualificamos este fórum de discussão política como uma arena social,

tomando por empréstimo o conceito formulado por Hannigan (1997, p. 134) que

estabelece:

O termo arena social constitui uma metáfora para descrever o estabelecimento político em que os actores dirigem as suas exigências àqueles que estão encarregues das tomadas de decisão, na esperança de influenciar o processo político. Renn concebe diversos “palcos” diferentes que partilham esta arena: legislativo, administrativo, judicial, científico e os meios de comunicação social. Embora essas estratégias de acção tradicional e ortodoxa sejam permitidas, estas arenas são, contudo, reguladas por um repertório estabelecido de normas.

É possível transportar tal conceito às audiências públicas que são

realizadas no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de

significativo impacto ambiental, considerando que tal fórum habitualmente é povoado

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por diversos atores sociais que “dirigem as suas exigências àqueles que estão

encarregues das tomadas de decisão, na esperança de influenciar o processo

político” (HANNIGAN, 1997, p. 134).

Aliás, como apontado por Hannigan (1997, p. 135) “do ponto de vista da

vantagem teatral, as arenas sociais de risco estão povoadas por grupos mistos de

atores”.

Segundo ele, os papéis de atuação destes grupos podem ser

classificados da seguinte forma: portadores do risco (vítimas); defensores dos

portadores do risco (ativistas e organizações não governamentais); geradores de

risco (empreendedores); investigadores do risco (pesquisadores e cientistas);

árbitros do risco (Poder Judiciário) e informadores do risco (meios de comunicação).

E é justamente tal classificação que nos auxilia a compreender a forma de

atuação dos diversos atores sociais, em especial o Poder Público, a comunidade e o

empreendedor, os quais estiveram representados na audiência pública do

“Condomínio Portuário Sustentável”.

A fim de demonstrar essa representatividade estiveram presentes cerca

de 230 (duzentos e trinta) participantes, de acordo com as listas de presença que

compõem o processo de licenciamento ambiental, dentre os quais representantes da

Prefeitura de Paranaguá, do Ministério Público, dos órgãos ambientais (IAP, Colit,

ICMBio, Batalhão da Polícia Ambiental), autoridades do Poder Legislativo, da

Marinha, estudantes, pesquisadores, empreendedores da atividade portuária,

comerciantes da região, representantes da OAB, ONG´s, Associações de Moradores

e a população de Paranaguá e do seu entorno.

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Foto 2 - Participantes da audiência pública do Projeto Condomínio Portuário Sustentável. Fonte:

elaborado pelo autor.

Mas a despeito da presença dos inúmeros atores sociais

exemplificativamente citados - portadores do risco (vítimas); defensores dos

portadores do risco (ativistas e organizações não governamentais, Ministério

Público); geradores de risco (empreendedores); investigadores do risco

(pesquisadores e cientistas); árbitros do risco (Poder Judiciário) e informadores do

risco (meios de comunicação) - o grande problema é se este espaço funciona, na

prática, como uma arena democrática capaz de promover um diálogo cidadão.

O primeiro ponto de atenção refere-se a forma como a audiência pública

se desenvolve. No caso ora estudado, inicialmente todos os presentes receberam

uma espécie de cartilha preparada pelo empreendedor, com o objetivo de

apresentar o projeto, sua justificativa, além de um resumo acerca do diagnóstico

socioambiental e um prognóstico sobre a identificação e avaliação dos impactos

ambientais.

Especial destaque ao contido na conclusão deste material.

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10. CONCLUSÃO De acordo com as análises contidas nos estudos realizados, é possível concluir que a implantação do empreendimento ocorrerá de forma sustentável. A área de implantação do empreendimento encontra-se em zoneamento compatível com o desenvolvimento das atividades pretendidas. A implantação do empreendimento ocasionará, de um modo geral, impactos ambientais que podem ser considerados aceitáveis frente à oportunidade de potencialização dos efeitos positivos, que já se fazem presentes, tais como: adoção de um novo modelo de gestão portuária que poderá ser referência para todo o país, solucionando os atuais entraves logísticos, gerando emprego e renda, tanto diretos quanto indiretos, aumentando o movimento comercial no Município e a arrecadação fiscal, contribuindo para a melhora dos serviços e infraestrutura públicos à comunidade, dentre outros. Da mesma forma, a criação de um Parque Tecnológico pioneiro propiciará o desenvolvimento de inovações para o incremento das atividades portuárias, gerando maiores oportunidades de emprego e renda, bem como buscando sempre atingir uma maior meta de sustentabilidade para o setor. O incremento das arrecadações permite maiores investimentos públicos que poderão significar melhora na qualidade de vida e serviços ofertados à população.

É preciso reconhecer que a linguagem utilizada na conclusão desta

cartilha é bastante tendenciosa, na medida em que retrata o empreendimento como

uma solução indispensável, quiçá única, para a resolução dos celeumas

socioambientais da região portuária do município de Paranaguá. Tal linguagem, que

não se preocupa muito em ser neutra, acaba por não evidenciar os problemas que

estão por trás das questões ali expostas, ressaltando que, apesar dos impactos

socioambientais que poderão advir da implantação do projeto, mesmo assim a

comunidade será beneficiada.

Não se está aqui a colocar em xeque os benefícios que o projeto em

questão possa trazer futuramente à população do Município de Paranaguá. Mas, por

outro lado, é imperioso o emprego de uma linguagem neutra, a fim de se equilibrar a

situação entre empreendedor, Poder Público e comunidade, com vistas a promover

e fomentar um debate democrático efetivo.

Por certo que afirmações em relação a potenciais riscos socioambientais

podem entrar em conflito em áreas ideológicas, como bem ressalta Hannigan (1997,

p. 130), e é justamente por isso que todas as informações positivas e negativas,

cenários, prejuízos e benefícios devem ser amplamente informados à população.

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Assim, o projecto de desvio de um rio que fornece água de irrigação para os agricultores locais (um benefício humano) pode resultar na destruição de um frágil ecossistema de peixes, aves, insetos etc. (um prejuízo biológico). De forma semelhante, o sal na estrada que é considerado tão vital para enfrentar a dureza do Inverno em partes do Canadá e Norte dos Estados Unidos foi declarado pelos cientistas constituir um prejuízo para os lagos, rios e correntes onde é eventualmente depositado. Reciprocamente, as iniciativas ambientais que são declaradas ecologicamente benéficas podem resultar em problemas para os humanos. Por exemplo, a proteção dos lobos é defendida por alguns preservadores da vida selvagem, mas é profundamente contestada pelos rancheiros que temem a perda dos animais domésticos cruciais para a sua sobrevivência econômicas. Sendo o consenso impossível, a base central da contestação passa a ser a presença ou ausência de prejuízo que é gerada por um objeto de risco.

Destacar o empreendimento de maneira tão positiva, como observa-se na

cartilha entregue na audiência pública em estudo, evitando-se o enfrentamento de

questões mais tormentosas, as quais certamente existem, tem influência direta na

forma de percepção individual dos riscos socioambientais. Ou seja, a leitura

individual do trecho conclusivo destacado logo acima, no momento da audiência

pública, poderá ter reflexos diversos na opinião e compreensão por parte dos vários

atores sociais ali presentes.

Para Hannigan (1997, p. 127).

(...) os sociólogos do risco, propuseram um modelo que volta a conceptualizar o problema da percepção do risco tendo em consideração o contexto social em que as preocupações humanas são formadas; isto é, a percepção individual é fortemente afectada por uma panóplia de influências primárias (amigos, família, colaboradores) e secundárias (figuras públicas, meios de comunicação social) que funcionam como filtros na difusão da informação na comunidade.

E não apenas a conclusão, mas o restante do conteúdo desta cartilha é

composto por uma diversidade de dados e figuras técnicas que desafiam, por certo,

o conhecimento de todos os ali presentes.

Em seu texto, Hannigan (1997, p. 139) cita uma passagem bastante

interessante sobre isso, a qual vem ao encontro do que afirmamos acima.

Num encontro, os representantes EPA distribuíram documentos que totalizaram quarenta e quatro paginas. As pessoas que frequentaram esses encontros eram supostas a assimilar uma diversidade de

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dados, tabelas, gráficos, quadros e uma exibição de dispositivos numa rápida sucessão. Ao mesmo tempo, os factos que os residente queriam nunca estiveram disponíveis e não foi dada nenhuma explicação ou interpretação como aconteceu com a informação apresentada pelos cientistas consultores.

Aliás, a escolha da linguagem é bastante representativa ao longo da

realização da audiência pública, pois o domínio da exposição oral acerca do projeto

está concentrado nas mãos do próprio empreendedor, interessado maior em

viabilizar o empreendimento.

Não foi diferente na audiência pública para o licenciamento ambiental do

“Condomínio Portuário Sustentável”, pois a incumbência de apresentar aos

participantes os estudos ambientais ficou exclusivamente atribuída ao

empreendedor, representado, naquele momento, por seus experts detentores de

uma linguagem bastante técnica.

Foto 3 - Apresentação do EIA/RIMA pelo representante técnico do empreendedor. Fonte: elaborado pelo

autor.

Inclusive, como já destacado no Capítulo anterior, a Resolução Conama

09, de 03 de dezembro de 1987, a qual dispõe sobre a questão das audiências

públicas, em seu artigo 3° determina que as mesmas sejam dirigias pelo órgão

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ambiental, o qual deverá fazer uma exposição objetiva do projeto e o seu respectivo

Rima e, posteriormente, abrir as discussões com os presentes.

Portanto, destaca-se como ponto de atenção esta atuação quase que

exclusiva do empreendedor, na audiência pública, pois além de destoar do

dispositivo acima mencionado, poderá macular o direito à informação, indispensável

para que haja uma efetiva participação popular.

A descrição trazida por Hannigan (1997, p. 139) reflete exatamente o que

aconteceu na audiência pública do “Condomínio Portuário Sustentável”, ou seja, “os

residentes foram bombardeados com informação técnica”. Estas informações

técnicas foram, em sua integralidade, apresentadas à plateia pela ótica do

empreendedor.

O estilo de apresentação oral eleito pelo empreendedor foi bastante

abstrato e técnico, embora não tenha demonstrado neutralidade profissional,

considerando que algumas questões foram evitadas e outras bastante ressaltadas.

Ademais, a utilização de uma linguagem demasiadamente técnica e

intelectual tornou impossível o desenvolvimento de qualquer diálogo mais profundo

ou significativo entre a equipe técnica e os presentes.

Tal metodologia, portanto, prejudicou imensamente a instauração de um

diálogo entre os experts e a população ali presente e, consequentemente, abalou o

processo de participação popular esperado e necessário.

Como afirma Hannigan (1997, p. 140) apresentações orais nestes moldes

“permitem aos peritos científicos e os funcionários governamentais dirigirem a

discussão, estabelecer a agenda de riscos e desencorajar a futura participação dos

cidadãos” e são “estrategicamente bem sucedidas se eticamente repreensíveis”.

Por certo que é difícil a compreensão de linguagem rebuscada por todos

os presentes, em especial pelo fato de que a maioria dos atores sociais que ali

estavam, embora possam constituir-se como uma massa crítica, são tecnicamente

leigos.

Neste caso, como apontamos acima, havia aproximadamente 230

(duzentas e trinta) pessoas no local em que foi realizada a audiências pública. Mas,

segundo dados obtidos no processo de licenciamento ambiental, foram

encaminhadas à equipe técnica tão somente 08 (perguntas) por meio do formulário

distribuído para tal finalidade, sendo que destes, apenas 02 (dois) interessados

apontaram a intenção de fazer questionamentos orais.

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A despeito de os participantes terem elaborado perguntas de conteúdo

técnico, o que demonstra um pouco de conhecimento acerca dos impactos advindos

do projeto proposto, este número é claramente irrisório se considerado o número de

pessoas que lá estavam.

Estes dados corroboram o que já mencionamos anteriormente, ou seja, é

evidente o quanto é difícil a compreensão de uma linguagem intelectual, o que cria

uma barreira entre os participantes, muitas vezes intransponível. Poderá, em última

instância, implicar no sepultamento de uma participação popular efetiva neste fórum.

Outra questão que também se apresentou como um limitador à prática da

cidadania ambiental, embora num primeiro momento possa parecer indispensável

para fins de organização da audiência pública, refere-se à utilização de um roteiro

pré-fixado, inclusive com o estabelecimento de tempos, como regra bastante curtos,

para coordenar as falas e ações no decorrer do evento.

No caso em comento, a audiência pública foi instaurada pelo

representante do órgão ambiental licenciador – Instituto Ambiental do Paraná – o

qual, a despeito do disposto no artigo 3° da Resolução Conama 09, de 03 de

dezembro de 1987, limitou-se a promover a leitura literal de todos os dispositivos

legais que fundamentam e orientam a realização da audiência pública. Informou,

ainda, que o tempo do encontro limitar-se-ia a 03 (três) horas de duração.

Ato contínuo foram convocadas algumas autoridades para fazerem uso

da palavra por 02 (dois) minutos, na seguinte ordem: Prefeito Municipal de

Paranaguá ou seu representante legal; o Presidente da Câmara de Vereadores de

Paranaguá ou seu representante legal; o Ministério Público Estadual e Federal; o

representante do empreendedor, o representante do Secretário de Infraestrutura e

Logística do Estado do Paraná e a empresa que realizou o EIA/RIMA do

empreendimento.

Aqui é importante observar que, apesar da convocação ter sido realizada

como acima descrito, estavam presentes tão somente os representantes do

empreendedor.

Nota-se a falta de vozes importantes, em especial os representantes do

Ministério Público Estadual e Federal, cuja atribuição legal, dentre outras, é

justamente acompanhar todo e qualquer debate que envolva questões

socioambientais, especialmente diante da relevância e envergadura do projeto

pretendido.

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Mais do que isso, denota-se que entre as ali designadas autoridades

inexistiram representantes da comunidade. À população, em especial neste caso, foi

conferido o papel de mera coadjuvante, na medida em que o palco foi ocupado

exclusivamente pelo empreendedor, como veremos a seguir.

Após cumprido o rito inicial, passou-se a palavra ao empreendedor que

fez as suas considerações por aproximadamente 30 (trinta) minutos. Em seguida a

apresentação foi realizada pelos representantes técnicos, responsáveis pela

elaboração do EIA/RIMA do projeto, os quais solicitaram aos presentes que

acompanhassem a apresentação por meio do conteúdo das cartilhas a que já nos

referimos anteriormente. O conteúdo também foi disponibilizado por meio de uma

apresentação projetada e posicionada à frente da plateia.

Aliás, aqui cabe destacar que este modelo de apresentação (cartilha e

projeção), associado ao posicionamento em que permaneceram os membros da

equipe técnica, criou aquilo que Hannigan (1997, p. 140) denomina de

“distanciamento físico e psicológico do público”, o que, a nosso ver, é mais um fator

que desencoraja a participação popular.

Foto 4 - Projeção de parte do conteúdo do EIA/RIMA. Fonte: elaborado pelo autor.

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Pelo ora descrito, fica mais uma vez evidente que a voz do empreendedor

acompanhado dos seus representantes técnicos, monopolizou a maior parte da

arena social, debilitando o processo democrático.

Tal estratégia, segundo Hannigan (2007, p. 139) ao citar Kaminstein

(1988), é a denominada retórica da contenção.

Kaminstein (1988) argumenta que na apresentação pública da informação científica, relativamente aos aspectos de saúde e segurança dos depósitos de resíduos tóxicos, está incorporada uma retórica de contenção que restringe a discussão, evita questões difíceis e segue sempre a sua própria ordem de trabalhos.

Após a apresentação realizada pelos representantes técnicos do

empreendedor, foi iniciado um esquema de perguntas por meio de formulários à

disposição dos interessados na plenária, bem como de inscrições para perguntas

orais. Tratamos disso anteriormente, demonstrando a pouca participação dos

presentes neste momento, o qual, para fins do objeto desta pesquisa, deveria ter

constituído o ápice da audiência pública. Não foi isso que ocorreu. Aliás, partilhamos

o entendimento de que esta metodologia é empregada justamente para que se evite

o debate direto entre a comunidade, o Poder Público e o empreendedor.

Mostra-se bastante representativo o fato de que, no momento de resposta

às perguntas feitas pela plateia, foi chamada para ocupar a mesa a equipe

multidisciplinar, composta por vários consultores responsáveis pelos estudos

apresentados, em sua maioria homens, os quais passaram a fazer considerações

técnicas acompanhadas de tabelas, fotografias e, nas palavras de Hannigan (2007,

p. 138) outros adereços.

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Foto 5 - Equipe técnica responsável pelas respostas aos questionamentos feitos pela população. Fonte:

elaborado pelo autor.

A presença massiva de homens na equipe técnica, embora pareça

irrelevante, é apontada por Hannigan (2007, p. 141) como associada diretamente ao

poder, na medida em que “os peritos científicos e os funcionários burocráticos que

praticam a retórica da contenção são geralmente homens, ao passo que os grupos

de cidadãos locais são compostos de forma desproporcionada por mulheres,

faltando a muitas delas poder e autoridade na vida pública”.

Hannigan (2007, p. 141) afirma ainda que esta observação se aplica, de

igual forma, as demais “minorias étnicas e raciais são regularmente dispensados e

desacreditados pelo estabelecimento de risco”, além do que “a relação entre poder,

desigualdade e formulação social do risco é igualmente evidente nas comunidades

que forma marginalizadas por posições de isolamento econômico, geográfico e

social”.

Isto também ficou latente na audiência pública do “Condomínio Portuário

Sustentável”, pois aqueles cidadãos pertencentes às classes menos favorecidas,

seja econômica ou intelectualmente, que comprovadamente estavam presentes,

foram alijados do fórum de discussões, ali permanecendo tão somente como

ouvintes das razões do empreendedor.

Para comprovar tal assertiva, confrontamos as listas de presenças que

descrevem a “entidade/empresa” a que os presentes estão vinculados, com o

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número de perguntas escritas e orais realizadas no momento oportuno, bem como

por quem foram subscritas as indagações, o que está refletido na tabela abaixo:

Algumas identificações lançadas nas

listas de presenças52

Identificações lançadas nos formulários

de perguntas53

Sacadores; Glendha Films;

Estudante/acadêmico; ICMBIO; Cargill;

Envex; Cattalini; Adubos Araguaia;

Sociedade Amigos da Marinha; Imobiliária

José Luiz; CEEP – Dr. Brasílio Machado; H.

Regional; Mater Natura; LDC; Arrumador;

Bavaresco; Comunidade; IAP/Colit;

Empreendedor; HSBC; Mercado Maia;

Ademadan; OAB/Pr; Tecpar; Do bar;

Secretaria de Infraestrutura e Logística;

PRM; Martini Meat; APPA; Gransol;

Brascas; Ecotec; Delta Fertilizantes;

Showphanas; Associação dos Engenheiros;

Live; Pesquisador; Observatório de

Conservação Costeira; INSS; Schneider

Engenharia; Estiva; Benthos; Prefeitura de

Paranaguá; UFPR; Associação Marbrasil;

Marcon; MPPR; particular; CNN; Grupo

Index; Pepsico; Morador; ALL; UFPR

Litoral.54

Prefeitura de Paranaguá/SEMMAS; ICMBio;

Ademadan; Sociedade Amigos da Marinha

do Paraná (Engenheiro Naval); Schneider

Engenharia e Estudos Ambientais.

Tabela 3 - Informações obtidas nas listas de presença da audiência pública do Projeto Condomínio

Portuário Sustentável.

52

Vários participantes não informaram nas listas de presença, a sua qualificação ou o nome da empresa/entidade vinculados. 53

Foram recebidos 08 formulários com questionamentos, dos quais um omitiu completamente a sua identificação e outros dois não informaram a entidade ou empresa eventualmente vinculados. 54

A coleta destas informações foi feita com base exclusivamente nas “listas de presenças”. Foram excluídas as listas de presenças que referiam-se tão somente às “autoridades”.

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Foto 6 - Listas de presença disponíveis aos participantes da audiência pública do Projeto Condomínio

Portuário Sustentável. Fonte: elaborado pelo autor.

Por fim, um ponto que merece ser destacado é que, a despeito do

escasso número de perguntas que foram feitas pela sociedade civil presente, não se

pode ignorar que isso representou uma tentativa de afirmação dos membros do

público naquele local.

Contudo, como bem ressalta Hannigan (2007, p. 140) “as limitações do

processo de audiência tornam normalmente difícil a participação dos cidadãos,

especialmente devido ao facto de a situação ser estruturada por forma a evitar a

argumentação pública e reforçar o poder das instituições”.

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CONCLUSÃO

O processo de licenciamento ambiental tem como elemento central, a

garantia da participação adequada dos cidadãos, cabendo ao Poder Público,

responsável pela condução do procedimento, informar sobre o projeto, sobre a

elaboração do Estudo de Impacto Ambiental, seu conteúdo e, principalmente,

incentivando todos os cidadãos a participarem ativamente em todas as suas fases,

já que se trata de um ato administrativo complexo.

O princípio da participação, por sua vez, não está adstrito tão somente à

publicidade que deverão receber todos os atos praticados ao longo do licenciamento

ambiental, inclusive no que se refere aos estudos ambientais apresentados pelo

interessado em viabilizar um projeto. Trata-se, na realidade, de promover uma

verdadeira participação cidadã, seja ela organizada ou não, a qual exige como

meios indispensáveis a educação ambiental e o acesso à informação.

O ápice do exercício da cidadania ambiental no processo de

licenciamento ambiental, a nosso ver, deveria acontecer quando da realização da

audiência pública para discussão do Estudo de Impacto Ambiental – EIA. Trata-se

de um grande fórum de oportunidade para a construção de uma democracia

participativa, e quiçá, deliberativa, acerca das questões relacionadas à apropriação

dos recursos naturais.

Porém, diferentemente da hipótese que inicialmente partiu esta pesquisa,

a audiência pública realizada no processo administrativo de licenciamento ambiental

de empreendimentos de significativo impacto ambiental, tal como aplicada no caso

do projeto “Condomínio Portuário Sustentável”, no município de Paranaguá, não

constituiu um espaço para o exercício da cidadania ambiental.

Denota-se, ainda, um grande desacerto entre o objetivo da audiência

pública estabelecido na Constituição de 1988 e a sua condução e organização na

prática.

Não houve, no caso estudado, um diálogo com a população, mas sim

uma apresentação extremamente técnica e bastante sucinta das conclusões do

Estudo de Impacto Ambiental – EIA e a coleta de algumas opiniões acerca do

empreendimento que, aliás, foram pouquíssimas.

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A despeito do cumprimento, por parte do Poder Público e do

empreendedor, das normas que disciplinam a realização da audiência pública, os

dados descritos no último Capítulo desta pesquisa nos levam a ter cautela e avaliar

se houve, de fato, uma real intenção do órgão ambiental e do empreendedor de

ouvir as sugestões e críticas dos cidadãos que ocuparam aquele fórum. Ou se, por

outro lado, o EIA/RIMA, o licenciamento ambiental, o direito à participação e à

informação foram utilizados como instrumentos de faz de conta, com o objetivo único

de legitimar uma decisão que já estava tomada.

Estamos a nos referir a velha máxima, expressão esta muito utilizada nos

processos de licenciamento ambiental de grandes empreendimentos, do fato

consumado. Ou seja, independentemente do resultado da audiência pública o

empreendimento será viabilizado, restando, tão somente, a definição acerca de

eventuais compensações ambientais.

A audiência pública como um instrumento do direito ambiental que tem

como principal missão concretizar a participação popular e o exercício da cidadania

ambiental e que, neste trabalho, foi caracterizada como uma arena social, não se

mostrou capaz de promover uma democratização, aqui entendida como um

verdadeiro debate de ideias, acerca da apropriação dos recursos naturais e

celeumas socioambientais que estão em jogo com o desenvolvimento do projeto

“Condomínio Portuário Sustentável”.

Aliás, a audiência pública como a objeto deste estudo, não tem caráter

deliberativo, cabendo ao órgão licenciador avaliar as considerações eventualmente

feitas pelos participantes, e, caso as entenda como não pertinentes, não está

obrigado a considerá-las para a decisão final acerca da expedição das licenças

ambientais.

Isto traz enormes prejuízos à prática da cidadania ambiental,

especialmente porque não há, no licenciamento ambiental, um procedimento que

assegure um retorno à sociedade do que foi discutido na audiência pública, sequer

se os assuntos tratados foram ou não considerados na decisão final, o que,

igualmente pode transformá-la em uma mera encenação.

Descrevemos, a seguir, as causas que identificamos como prejudiciais à

prática da cidadania ambiental na audiência pública realizada no licenciamento do

“Condomínio Portuário Sustentável”:

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Emprego de linguagem demasiadamente técnica e intelectual na

apresentação do EIA/RIMA pelos consultores do empreendedor;

Utilização, como roteiro de apresentação, uma “cartilha” subscrita

pelo empreendedor e entregue a todos os participantes, formatada

com linguagem tendenciosa, na medida em que ressaltou

demasiadamente os benefícios do empreendimento;

Domínio da exposição oral acerca do projeto, pelo empreendedor e

seus consultores, maiores interessados em viabilizar o projeto;

Atuação do órgão ambiental licenciador limitada a leitura de

dispositivos legais orientadores da forma de realização da

audiência pública;

Utilização de roteiro pré-fixado, inclusive com o estabelecimento e

controle de tempos, como regra bastante curtos, para coordenar as

falas e ações no decorrer da audiência pública;

Falta de vozes representativas importantes, em especial o

Ministério Público, Prefeito Municipal e representantes da

sociedade civil. À população, foi conferido o papel de mera

coadjuvante;

O palco foi ocupado exclusivamente pelo empreendedor e seus

consultores;

Distanciamento físico e psicológico entre empreendedor e público,

considerando a metodologia empregada na exposição (cartilha,

projeção e posicionamento da equipe técnica);

Utilização, pelo empreendedor, de “retórica da contenção”. Ou

seja, foram evitadas questões difíceis, seguindo-se sempre a

ordem estabelecida previamente para os trabalhos;

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Baixíssimo índice de participação da sociedade civil, seja por meio

de perguntas escritas ou orais;

Alijamento do debate dos cidadãos pertencentes às classes menos

favorecidas, seja intelectual ou economicamente;

Os poucos questionamentos foram respondidos pela equipe de

consultores do empreendedor, os quais, uma vez mais, fizeram

considerações demasiadamente técnicas.

Ao cotejar teoria e prática, ambicionamos com esta pesquisa estabelecer

uma régua normativa que nos permitisse aferir o quanto a experiência de

participação investigada aproxima-se ou afasta-se dos pressupostos que orientam a

cidadania ambiental, como a teorizamos ao longo deste trabalho.

Concluímos que nos moldes da audiência pública do projeto “Condomínio

Portuário Sustentável”, pelas causas acima identificadas, há um evidente

descolamento entre teoria e prática.

Em outras palavras, o exercício da cidadania em processos de

licenciamento ambiental de grandes empreendimentos, teoricamente positivado, e,

portanto, assegurado pelo arcabouço jurídico vigente, inclusive constitucional,

enfrenta enormes dificuldades e barreiras de se estabelecer na prática.

Mas, mais do que conclusões, a presente investigação sugere diversas

aberturas para a sua continuidade. Uma possibilidade decorre das próprias barreiras

encontradas na realização desta pesquisa, como é o caso, por exemplo, da

impossibilidade de esgotar as tipologias de empreendimentos que estão sujeitos à

realização de audiências públicas em processos de licenciamento ambiental no

Brasil.

Além disso, pesquisas empíricas sobre a cidadania ambiental em

processos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental

são raras no campo jurídico, o que nos impediu de incorporar mais dados e

informações quantitativas, que permitam a comparação entre arenas sociais no

Brasil à luz da teorização aqui desenvolvida.

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Tal quadro, portanto, aponta claramente a necessidade de que sejam

realizados mais estudos pelo campo jurídico, visando um banco de dados denso

para o desenvolvimento de futuras investigações.

Um exemplo bastante rico para novas pesquisas de campo que, pelas

limitações impostas no presente trabalho não nos foi possível desenvolver de forma

mais aprofundada, está nos processos de licenciamento ambiental de grandes

usinas geradoras de energia, cujas arenas sociais são povoadas de experiências,

práticas e lutas consolidadas pela direito de participação popular.

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