liberdade dissertação

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tese

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    INSTITUTO SANTO INCIO

    FACULDADE JESUTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA

    DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA

    JUSSARA FILGUEIRAS DIAS SANTOS LINHARES

    A LIBERDADE COMO

    MISTERIOSO EVENTO SALVFICO DA AUTOCOMUNICAO

    DE DEUS:

    segundo a teologia de Karl Rahner

    Dissertao de Mestrado

    Orientador: Prof. Dr. Ulpiano Vzquez Moro

    BELO HORIZONTE

    2008

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    Agradecimentos

    Um dia, algum, tentando explicar a novidade de meu duplo domiclio disse que eu no

    moro em Belo Horizonte. Aqui, eu somente me demoro. Eu achei isso formidvel. To formidvel

    que no posso deixar de obedecer ao meu corao e dar graas pela presena de tantos mineiros e de

    outros no mineiros que tm adoado esses anos de minha vida, pelo qu, lhes sou eternamente

    grata.

    Quando aqui cheguei, em 2006, morei no Carmelo vizinho at descobrir que o ento

    Instituto Santo Incio uma experincia radical. No se passa por ele. Aqui a gente entra e se

    demora mesmo. pegar ou pegar. Ao concluir o mestrado, agora j na Faculdade Jesuta de

    Filosofia e Teologia FAJE, eu me vejo como algum que se apegou s demoras com um novo e

    surpreendente corao amineirado.

    Eu sou muito grata a todos os funcionrios desta casa. Desde a portaria, onde fica a atenta

    Eliane, passando por todo o corpo administrativo, destacadamente no final do corredor, Dulcinia, o

    verdadeiro anjo da guarda da Teologia desta Faculdade. Descendo as escadas, encontro a Carminha

    e seus fiis ajudantes, todos com um permanente sorriso no socorro aos alunos. A minha gratido

    segue seu caminho e alcana a nossa magnfica biblioteca, a que nos referimos com tanto

    orgulho, a Biblioteca Pe. Vaz, onde encontrei sempre a competncia da Wanda e da Zita que

    contagiam toda a equipe que se torna cmplice da qualidade dos trabalhos aqui desenvolvidos por

    no poucos.

    No posso deixar de agradecer prof. Elizabeth. Suas aulas de francs tornaram possvel o

    meu acesso leitura de grandes textos, leituras que formam o estmulo intelectual de quem tem oprivilgio de passar estes anos dedicados pesquisa teolgica.

    Devo um agradecimento pessoal e muito especial ao prof. Nilo Ribeiro, cujo carinho me

    permitiu freqentar um de seus cursos na graduao, sobre o filsofo E. Levinas, o que tanto fruto

    me permitiu colher agora, na dissertao sobre Karl Rahner, em que lentamente pude tecer um

    paralelo entre esses dois gigantes, que creio unidos pela autocomunicao de Deus.

    Sou grata, tambm, ao grande prof. Konings, Coordenador da ps-graduao da FAJE esuplente na banca examinadora de minha dissertao a quem peo que receba e transmita o meu

    maior agradecimento a todos os demais professores, que me apontaram por seu conhecimento e

    exemplo de vida que possvel percorrer essa caminhada em busca do Cristo.

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    Fao um registro a quem eu responsabilizo no dia de hoje o fecho desta etapa de minha

    vida: a irm Carmelita, ento coordenadora da ps-graduao, que me recebeu nesta casa sem nunca

    haver me visto, e me viu numa folha de papel, que apenas apontava o meu desejo de encontrar a

    Deus tambm por meio da cincia da teologia.

    A ela devo o empenho na minha aceitao como aluna deste prestigiado Instituto que leva o

    nome do santo que me inspira espiritualmente. Devo irm Carmelita o estmulo e confiana com

    que ofereceu o espao para que eu pudesse dispor minhas idias na Revista Convergncia. Mais que

    tudo, agradeo irm Carmelita a escolha do orientador desta dissertao, o professor Ulpiano

    Vzquez Moro, escolha esta que fez toda a diferena nestes anos de crescimento humano,

    acadmico e espiritual em minha vida.

    No posso evitar o desfile de rostos que avoluma diante de mim. A todos esses rostos que

    me cercaram, desde os funcionrios e professores, no citados aqui nominalmente, devo somar os

    rostos e o sorriso de cada um e de todos os colegas, os companheiros, os amigos que este Campus

    possibilitou unir e aprofundar relaes. Muito devo a todos. No somente aos que dividiram as

    aulas na ps-graduao, mas tambm e com carinho todo especial aos leigos, jesutas e a todos os

    alunos que aproveitam esta bela iniciativa que o Curso de Teologia Pastoral, o querido CTP doISI.

    importante para mim a oportunidade de deixar um registro pessoal sobre a banca

    examinadora: estou convencida de esse grupo deve inspirar o sonho do aluno apaixonado pela

    pesquisa. Isto porque o momento da defesa a oportunidade que o dissertante tem de apresentar o

    mundo pelo qual adentrou por alguns anos e que redundou na experincia que se resume nessas

    pginas silenciosas. Por isso, meu dever parabenizar a FAJE pelo equilbrio na composio da

    banca.

    Parto da escolha do professor convidado.

    A professora Maria Clara Bingemer, alm de decana da PUC-Rio a titular das matrias

    relacionadas ao estudo da Trindade naquela Universidade, o que a meu ver trouxe harmonia para a

    banca, como tal. Digo isto porque uma banca composta por meu orientador, o professor Ulpiano

    Vzquez Moro, e presidida por meu modelo de telogo, o prof. Juan Ruiz de Gopegui, recebeu, pelapresena de uma mulher, leiga e inaciana, como eu, um equilbrio que se refletiu na desejvel

    segurana para a dissertante, para os demais presentes ao debate que se quer plural nesta Casa

    obstinada pela excelncia.

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    Alm disso, a presena da professora Maria Clara uniu a totalidade de minha experincia de

    estudo na teologia. Na professora Maria Clara eu vi e me vi no 5 andar da PUC, no bar das freiras,

    no Centro Loyola, no Auditrio Anchieta. A sua presena fez presentes nesta solenidade os meus

    amigos, os meus colegas e todos os professores da PUC-Rio, que nunca se ausentaram destes anos

    de minha vida.

    Passo ao professor que me honrou com sua presena na Presidncia nesta banca. Pe.

    Gopegui.

    Pe. Gopegui um telogo de uma lucidez mpar. Conhecimento de Deus e evangelizao.

    Este meu livro de cabeceira, pe. Gopegui, deveria ser reeditado com prioridade. Acho que o li maisque o Curso fundamental da f! Se no o li tanto, foi l, certamente, que consegui a estrutura de

    pensamento necessrio para compreender o Grundkurs des Glaubens.

    Por conta deste livro, que a tese doutoral do pe. Gopegui, eu atirei o meu corao na

    evangelizao. Apaixonada. A minha experincia na Igreja da Imaculada, da Parquia So

    Francisco Xavier, j est no segundo ano e a cada nova semana eu sinto vontade de testemunhar aos

    alunos do pe. Gopegui que ele no sonhou teologia. Ele a vive. E mesmo que ele assim tivesse

    sonhado, coisa que a histria da vida dele desmente, eu garanto: o sonho da evangelizao

    gopeguiana possvel. Eu o vejo acordada.

    Para mim, o pe. Gopegui um gigante da teologia por sua unio de saberes dogmtico e

    bblico. Inesquecvel Marcos !!! Mas inesquecvel, tambm, a viso de Igreja que ele semeou no

    meu corao.

    O pe. Gopegui assim: vida e obra inseparveis da f. O seu modelo de vida e a sua posturadiante do mundo me dizem ser possvel o cristianismo. Principalmente por sua noo aguada do

    agora. To aguada que di. A serenidade com que vive a alegria e os sofrimentos da misria do

    mundo so, no pe. Gopegui, o exemplo de atuao mais eficaz e silenciosa que j conheci.

    No posso imaginar honra maior para um estudante como eu do que ter seu trabalho lido e

    examinado por algum to grande quanto o senhor. Que Deus o proteja.

    Com imensa gratido, agora me volto a um grande jesuta: Ulpiano Vzquez Moro, o

    professor orientador desta dissertao.

    Devo dizer que com este professor, eu conheci uma teologia absolutamente original.

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    Com o orientador, eu percebi que Ulpiano Vzquez Moro motivo de larga e silenciosa

    admirao, admirao no somente minha, mas de muitos alunos com que venho cruzando.

    Ulpiano Vzquez Moro um curioso escravo de sua agenda. Nunca vi igual domnio daelasticidade do tempo, toda vez que se trata de atender uma alma angustiada, um aluno com uma

    questo, uma dvida teolgica, sem dizer na grandeza que descobri do grande filsofo que mora

    nele e que doma o tempo e a vida para deixar lugar privilegiado orao e escuta dos sinais que

    nos cercam.

    Houve um tempo em que eu me somei a um lamento sobre a pena de Ulpiano Vzquez

    Moro pouco escrever. Mas chegar um pouco perto de Ulpiano Vzquez Moro me fez perceber que

    antes de eu me lamentar era mais importante que eu o lesse.

    Digo isso porque h textos. Digo isso porque cada pargrafo de seus textos - que podem

    variar de uma conferncia internacional, a uma apostila costurada por anos de experincia trinitria,

    um editorial, ou uma rica meditao, enfim, uma variada gama de preciosos e inspirados textos

    sobre a sua experincia e a espiritualidade inaciana, o que resulta num acervo de extrema valia para

    quiser aprender a pensar.

    Hoje, eu aguardo serena, junto de todos os seus leitores, cada nova linha a ser por ele escrita,

    com a pacincia que somente a releitura atenta de seus escritos me proporcionam, por serem textos

    de inesgotvel originalidade e complexidade.

    So textos que a gente l e sente profunda necessidade de reler e reler para deixar a palavra

    do autor Ulpiano Vzquez Moro adentrar por completa na nossa mente, por certo no to brilhante,

    mas com a cumplicidade de quem percebe que a bondade que seu corao extravasa por toda a sua

    vida, est para muito alm das muitas letras, mas brotam de sua vida vivida e sorvida na Palavra deseu Pai querido.

    Aprendi a guardar alm das letras escritas por Ulpiano Vzquez Moro. Guardo as palavras

    de Ulpiano Vzquez Moro como guardaria a bondade de seu corao. Um tesouro no vaso de barro

    da minha experincia de discpula ad-referendumdele.

    Eu, que me propus estudar a liberdade, no posso deixar de dizer desse tema diante da

    minha experincia com Ulpiano Vzquez Moro, que possui uma capacidade de escuta insupervel,no s com os que tm o privilgio de o ter por pai espiritual, mas, tambm aos que fizeram a

    experincia, como eu, de ser por dois anos acompanhada academicamente por ele.

    Impressiona.

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    Ulpiano Vzquez Moro impressiona porque nunca sabendo qual a dificuldade que eu lhe

    traria, eu nunca vi tamanha pacincia em ouvir, em permitir que um aluno desenvolva o seu

    pensamento, mesmo que, como muitas vezes eu me sentia, tentando tematizar o impossvel, ou

    buscando uma compreenso de Rahner que a minha pobre teologia havia deixado escapar.

    A beleza que gostaria de deixar do meu depoimento sobre Ulpiano Vzquez Moro que

    nunca sa de sua sala como entrei. Ele sempre me apontou um ensinamento, uma correo de rumo,

    uma leitura, ou me deu uma aula que algumas vezes me deixava louca de alegria pelo conhecimento

    vivo que emanava em nossas conversas e, junto disso, uma culpa horrvel porque sabia que o tempo

    perdido comigo estava espremendo a sua agenda sempre lotada.

    Devo ao orientador Ulpiano Vzquez Moro o maior aprendizado desta tese: ouvir. Ouvir

    sempre. O que quer que seja dito pelo outro. E com a seriedade de quem est sempre tentando

    aproveitar alguma coisa ou alguma idia por mais estpida que s vezes eu parecesse a mim

    mesmae tirar s vezes da prpria estupidez do aluno um mote para ensin-lo a sair da estupidez

    para a luz.

    A Ulpiano Vzquez Moro, o professor, o orientador, o vigrio, s posso agradecer

    oferecendo a ele a minha gratido e a minha amizade pessoal, pelo respeito que tenho pelo exemplode jesuta que nele vejo; pela sua profunda vida de orao que transborda em todas as suas

    atividades; pelo gigante intelectual que esta experincia de mais dois anos me permitiu perceber e

    silenciosamente admirar e mais que tudo: agradeo no a voc, Ulpiano Vzquer Moro, mas

    agradeo a Deus que lhe permitiu acolher a bondade do nosso querido Pai, agradeo a Deus por esta

    sua vida vivida na fidelidade incondicional a nosso Senhor, entrego a Ele os seus cigarros e dedico

    ao nosso Senhor Jesus Cristo o meu trabalho.

    Quero, ainda, agradecer aos meus pais que me deram a vida, em especial a minha me que

    vem suportando com muito carinho as minhas demoras, as minhas irms, ao meu cunhado e

    sobrinhos, pela compreenso e apoio ao meu afastamento.

    Finalmente, fao aqui a memria saudosa de meu marido, que deu em vida, a vida de nossos

    filhos, que agora j se somam s vidas das minhas noras, eles que, juntos, me deram razes para que

    eu acolhesse o oferecimento inesgotvel do Amor de Deus.

    Belo Horizonte, abril de 2008.

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    Sinopse

    A dissertao analisa a liberdade crist, sob a tica do telogo alemo, o jesuta Karl Rahner

    (1904-1984). O trabalho acompanha a estrutura do Smbolo dos Apstolos e se apia no axioma

    fundamental da teologia trinitria de Rahner, cujo pensamento soube fazer retornar experincia

    existencial a concepo do Deus cristo, que Pai, Filho e Esprito Santo. Ao longo dos Captulos,

    vo se entrelaando diversos temas da gigantesca teologia de Rahner, em especial o relativo

    teologia da criao por indissocivel do tema da salvao, sem o qu desaba a coerente estrutura de

    sua avanada teologia que prope a existncia crist como a totalidade da nossa prpria existncia,

    numa viso do homem como o evento da livre e indulgente autocomunicao de Deus.

    Palavras-chave: Deus, liberdade, criao, autocomunicao, salvao.

    Abstract

    The dissertation focuses the Christian liberty, on Karl Rahner (1904-1984), a German Jesuit.

    Divided in three main Parts, it follows the structure of the ApostlesCreed, grounded on Rahners

    fundamental axiom. This Trinity theology of him was willing and able to bring to our existential

    experience the conception of the Christian God, who is Father, Son and Spirit. Through the

    chapters, some of the various themes from Rahners huge theology are mixed, specially the related

    to the theology of creation that cant stay apart from the theme of Salvation, without ruining the

    coherent structure of his theology that suggest the Christian existence as the totality of our own

    existence, in a mind-set where man is the event of the free and indulgent self-communication of

    God.

    Key-words: God, liberty, creation, self-communication, salvation.

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    SUMRIO

    ABREVIATURAS.................................................................................................................................. 13I - Obras Gerais ................................................................................................................................................ 13II - Obras sobre Karl Rahner ..................................................................................................................... ..... 13

    III - Obras de Karl Rahner .................................................................................................. ............................ 13IV - Artigos de Karl Rahner ............................................................................................................ ................ 13

    IINTRODUO..................................................................................................................................... 141A liberdade crist em Karl Rahner ............................................................................................................. 15

    1.1A proposta que o estudo persegue .......................................................................................................... 151.2A estrutura metodolgica que se utiliza ............................................................ ..................................... 161.3A propsito da autocomunicao da Trindade divina .......................................................... ................ 18

    2 - O incansvel autor e seu agitado caminho .................................................................................................. 182.1Comeos ................................................................................................. ................................................... 182.1.1a marca da espiritualidade de Incio de Loyola ................................................................. ................ 192.1.2a marca de Rahner no mundo .............................................................. ................................................ 202.1.3a marca do mundo de Rahner .............................................................. ................................................ 222.2Caminhos ........................................................................................................... ....................................... 242.2.1do professor que marca com a sua teologia ............................................................... ......................... 242.2.2do pastor marcado na guerra por sua teologia ................................................................... ................ 252.2.3do telogo que marca o Conclio Vaticano II... ................................................................... ................ 252.3Marcas da caminhada ..................... ................................................................... ..................................... 27

    3 - O esprito de Rahner na teologia e o Curso fundamental da f ................................................................... 28

    3.1O autor desafiante ............................................................. .................................................................. ..... 283.2Um olhar desafiado .................................................................................................................. ................ 293.3Um mtodo desafiador e o desafio da sntese......................................................................... ................ 30

    IIOAMOR EM NOME DO PAI,DO FILHO E DO ESPRITO SANTO:

    CREDERE I N DEUM............................................................................................................................. 34PRIMEIRA PARTE:

    ALIBERDADE QUE FUNDAMENTA A NOSSA RELAO COM DEUS PAI.............................................. 35

    CAPTULO I-CONCEPO DE DEUS PAI........................................................................................... 381 - O significado do monotesmo cristo do AT ao NT ................................................................................... 39

    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 391.1O novo conhecimento de Deus ................................................................................................ ................ 391.2A frmula monotesta do AT e do NT perpassa a idia de typosda economia basiliana ................... 411.3A volta do religioso como idolatria que ameaa o monotesmo cristo........................................... 42Concluso .......................................................................................................................................................... 43

    2 - o significado de um Deus pessoal que Pai, Filho e Esprito Santo........................................................... 44

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    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 442.1O homem que experiencia a pessoa de Deus Pai ....................................................... ............................ 442.2O homem que nomeia Deus ......................................................... ............................................................ 452.3Pessoa e personalidade de Deus na teologia trinitria grega............................................................ 46Concluso .......................................................................................................................................................... 49

    3 - o significado de um Deus que quer agir.................................................................................................. 49Introduo ......................................................................................................... ................................................ 493.1O Deus que quer ................................................................ ................................................................ ....... 503.2O Deus que quer um nico milagre: autocomunicar-se ....................................................................... 513.3O Deus que Pai em si o Amor e quer amar criando ................................................................. ....... 51Concluso .......................................................................................................................................................... 52

    CAPTULO IICONCEPO DE HOMEM:UMA DOUTRINA DA CRIAO.......................................... 531O significado da relao de Deus com o homem ....................................................................................... 54

    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 541.1Vaticano I: a questo do Deus da razo natural e o Deus da Revelao ............................................. 541.2Vaticano II: a questo do ecumenismo no Deus da Revelao............................................................. 551.3A preocupao da dogmtica a realidade da criao ......................................................... ................ 56Concluso .......................................................................................................................................................... 59

    2 - o significado de na radical dependncia de Deus estar a genuna autonomia do homem ........................... 59Introduo ......................................................................................................... ................................................ 592.1A ab-soluta distino de Deus ................................................................................................................. 602.2A radical dependncia a genuna realidade do homem ......................................... ............................ 612.3A autonomia do homem e a dependncia: uma proporo divina ....................................................... 62Concluso .......................................................................................................................................................... 63

    3 - o significado da afirmao de que o homem o ser da transcendncia ...................................................... 64Introduo ......................................................................................................... ................................................ 643.1O homem a pergunta para a qual no h resposta............................................................................. 653.2O homem sujeito e pessoa ......................................................... ............................................................ 663.3O homem no pode tornar possvel o impossvel....................................... ....................................... 66Concluso .......................................................................................................................................................... 66

    CAPTULO III-CRIADOR E CRIATURA:O ENCONTRO DE DUAS LIBERDADES.................................. 681 - O significado da liberdade absoluta do Criador .......................................................................................... 68

    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 681.1A natureza da liberdade ser livre.................................. ................................................................ ....... 691.2O mistrio da liberdade que Deus nos doa.......... ................................................................... ................ 691.3O mistrio da liberdade transcendental como capacidade para algo total .................................. ....... 70Concluso .......................................................................................................................................................... 70

    2 - O significado da liberdade profunda de Jesus de Nazar ............................................................................ 70Introduo ......................................................................................................... ................................................ 702.1A liberdade no Deus-homem ................................................................ ................................................... 712.2A liberdade como evento do eterno ........................................................................................ ................ 712.3A auto-realizao da pessoa livre diante de Deus se chama Salvao ................................................. 72Concluso .......................................................................................................................................................... 72

    3 - O significado da liberdade contingente do homem ..................................................................................... 72

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    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 723.1A liberdade como a faculdade da subjetividade ........................................................ ............................ 733.2A liberdade do sujeito constri o que somos e o que nos tornamos ..................................................... 733.3A liberdade, a responsabilidade e a culpa .................................................................. ............................ 74Concluso .......................................................................................................................................................... 75

    SEGUNDA PARTE:ALIBERDADE ABSOLUTA QUE REVELA AO HOMEM O PAI,

    POR SEU FILHO E NOSSO REDENTOR................................................................................................. 77

    CAPTULO ICONCEPO DE REVELAO..................................................................................... 801O carter tanto transcendental quanto histrico da Revelao ................................................................... 81

    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 811.1O limite ao ilimitado questionar do homem: a ilimitada graa da autocomunicao de Deus ......... 811.2As historicidades da Revelao: graa de Deus e ao apostlica do homem..................................... 831.3A utopia intra-mundana e a escatologia crist: unidade e diversidade ............................................... 84Concluso .......................................................................................................................................................... 86

    2O carter tanto essencial quanto existencial no contedo da Revelao .................................................... 86Introduo ......................................................................................................... ................................................ 862.1O conhecimento originrio de Deus ................................................................ ....................................... 872.2Os nomes do inominvel: o Aonde e o Donde que porta a transcendncia ......................................... 89

    2.3O mistrio evidente .................................................................................................................. ................ 90Concluso .......................................................................................................................................................... 92

    3Deus se expressa em Jesus, portador da ltima e insupervel palavra ....................................................... 92Introduo ......................................................................................................... ................................................ 923.1A pobre tematizao do saber originrio do homem ............................................................ ................ 933.2O ouvinte de Deus: uma antropologia teolgica ........................................................ ............................ 943.3O ouvinte Deus: a unidade da antropologia e da teologia na cristologia .......................................... 95Concluso .......................................................................................................................................................... 96

    CAPTULO IICONCEPO DE REDENO..................................................................................... 971A unidade entre Redeno e Criao ......................................................................................................... 98

    Introduo ......................................................................................................... ................................................ 981.1Os pares de realidades: a unidade no mundo ............................................................... ......................... 981.2A unidade da realidade plural e hierrquica .......................................................... ............................ 991.3O homem e o xito do Deus-homem ................................................................ ..................................... 101Concluso ........................................................................................................................................................ 103

    2O locuscristo, numa viso evolutiva do mundo ..................................................................................... 103Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1032.1A graa e a glria: meta da autocomunicao de Deus ............................................ .......................... 1042.2A graa pressupe a natureza: uma ontologia teolgica .......... .......................................................... 1052.3A graa e a natureza: uma unidade histrica inacabada, periclitante e oculta ................................ 107Concluso ........................................................................................................................................................ 109

    3 - Graa e liberdade: a tenso de uma doutrina ............................................................................................ 109

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    Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1093.1A graa sem a liberdade: uma heresia ....................................................................... .......................... 1113.2A graa e a liberdade: a causalidade salvfica .................................................................................. ... 1133.3A graa da liberdade libertada: a Redeno e a justificao ............................................................. 114Concluso ........................................................................................................................................................ 115

    CAPTULO IIICONCEPO DE SALVAO.................................................................................. 1171A Tua f nos Salvou ................................................................................................................................. 118

    Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1181.1A unidade da experincia apostlica da ressurreio e a nossa prpria ressurreio ..................... 1191.2Relao de f existente de fato .................................................... .......................................................... 1211.3Relao com Jesus como absoluto portador da salvao ................................................................ .... 121Concluso ........................................................................................................................................................ 123

    2Cristologia transcendental ........................................................................................................................ 123Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1232.1O que significa ser Filho Eterno de Deus ............................................................................................. 1252.2 - O que significa Deus se fez homem ........................ ................................................................. .............. 1262.3O que significa ressurreio ........................................................ .......................................................... 127Concluso ........................................................................................................................................................ 128

    3Cristologia existencial .............................................................................................................................. 131Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1313.1A necessidade de uma cristologia existencial................................................................................... 132

    3.2A reflexo teolgica descendente e a ascendente ................................................................... .............. 1333.3A unidade entre o amor concreto ao prximo e o amor a Jesus ................................ ........................ 134Concluso ........................................................................................................................................................ 135

    TERCEIRA PARTE:ALIBERDADE NA UNIDADE DO ESPRITO SANTO........................................................................... 137

    CAPTULO ICONCEPO TRINITRIA DE ESPRITO DE DEUS..................................................... 1411O significado de causa santificadora do Esprito numa doutrina sistemtica da Trindade ...................... 142

    Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1421.1 Ouvir a Escritura ............................................................................................ ................................... 1431.2 Pscoa e Pentecostes ................................................................. .......................................................... 1441.3 O batismo no Esprito e a Santa Eucaristia ....................................................................... .............. 146Concluso ........................................................................................................................................................ 147

    2O significado de causa perfectiva do Esprito em dois milnios de evoluo do dogma ......................... 147Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1472.1A verdade e o erro: a tradio e os dogmas ................................................................ ......................... 1482.2A tradio e a evoluo do dogma ................................................................................................... ..... 1492.3A evoluo do dogma e a realidade da palavra ................................................................................... 151Concluso ........................................................................................................................................................ 152

    3O significado de causa universalizadora do Esprito na autocomunicao divina ................................... 155

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    Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1551.4 O ponto de partida: conceito sistemtico de Trindade econmica ................................................. 1563.2A expresso trinitria da Igreja .............................................................. .............................................. 1573.3A suspeita do mito ............................................................. .................................................................. ... 158Concluso ........................................................................................................................................................ 159

    CAPTULO IICONCEPO TRINITRIA DE AUTOCOMUNICAO E A F.................................... 1621O significado de autocomunicao de Deus......................................................................................... 162

    Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1621.1O relacionamento interno - - entre as maneiras de autocomunicao de Deus ...................... 1641.2 Os duplos aspectos da autocomunicao de Deus .............................................................. .............. 1651.3A natureza do destinatrio e a unidade interna da autocomunicao ................................ .............. 167Concluso ........................................................................................................................................................ 168

    2O significado das breves frmulas ........................................................................................................... 169Introduo ......................................................................................................... .............................................. 1692.1Uma breve frmula teolgica ................................................................ ................................................ 1712.2Uma breve frmula antropolgica............. ................................................................. .......................... 1722.3Uma breve frmula futurolgica ..................................................................... ..................................... 174Concluso ........................................................................................................................................................ 174

    IIICONCLUSO..................................................................................................................................... 176

    BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................. 183I - Obras Gerais .............................................................................................................................................. 183II - Obras sobre K. Rahner ......................................................................................... ................................... 184III - Obras de K. Rahner ........................................................... .................................................................. ... 185IV - Artigos de K. Rahner ......................................................... .................................................................. ... 187

    ANEXO.............................................................................................................................................. 189

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    ABREVIATURAS

    I - Obras Gerais

    ATS A teologia do sculo XX (R. Gibellini).DH Denzinger-Hnermann: compndio dos smbolos, definies e declaraes da f e da moral.EE Ejercicios Espirituales. Ignacio de Loyola(introduo C. Dalmases).MAN Manresa.MYS Mysterium Salutis.SAC Sacramentum Mundi.TES Tratado sobre o Esprito Santo (Baslio de Cesaria).

    II - Obras sobre Karl Rahner

    ATI Abstracts of KarlRahners Theological investigations1-23 (D. Pekarske).EDV Karl Rahner: experiencia de Dios en su vida y en su pensamiento (H. Vorgrimler).ITT Karl Rahner: itinerrio teolgico (B. Sesboe).TCF Karl Rahner: the content of faith. The best of K.Rs theological writings(K. Lehmann).

    III - Obras de Karl Rahner

    CFF Curso Fundamental da F.

    CSM Encyclopedia of Theology: the concise Sacramentum Mundi.DTH Dictionary of Theology(H. Vorgrimler; K. Rahner).MEG Misso e Graa.ODR O dogma repensado.SZT Schriften zur Theologie.TLJ The Love of Jesus and the Love of neighbor.THI Theological investigation.

    IV - Artigos de Karl Rahner

    CDM Conceito de mistrio, inODR.EHS Experience of the Holy Spirit, inTHI, XVIII.ODT O Deus trino, fundamento transcendente da histria da salvao, inMYS.RMC A realidade da redeno no mundo criado, inMEG I.TDL Teologia da liberdade, inTeologia da liberdade.TDT Observaes sobre o Tratado De Trinitate, in ODR.TED Tentativa de esboo para uma dogmtica, in ODR.TNT Theos in the New Testament, in THI, I.

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    I

    Introduo

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    1A liberdade crist em Karl Rahner

    Este trabalho quer tratar a liberdade crist na tica de Karl Rahner, o que implica o desafio

    de libertaro conceito de liberdade das redues em que a palavra se encontra hoje aprisionada.Nesse sentido, libertara liberdade significa retirar-lhe o peso do efmero, que talvez seja a marca

    do homem da chamada ps-modernidade e que, no extremo, o que escraviza impeditivamente o

    entendimento da liberdade crist como evento do eterno1.

    Mas no s. Cuidar da liberdade que crist implica perceber a liberdade como uma

    misteriosa experincia, por seu carter indissocivel da relao do ser humano com Deus. Por isso,

    a liberdade que pretendemos des-cobrir nessas linhas tem sua origem encoberta no mistrio

    absoluto a que chamamos Deus2.

    Tal relao somente ser entendida no contexto hodierno se perseguir o exato sentido que

    ora a presente pgina assim delimita:

    a tarefa de pensar o cristianismo atravs da sua configurao na cultura pluralparece-me fadada superficialidade meramente morfolgica do fenneno cristo[...] se ns no nos perguntssemos pela idia, ou pela essncia, ou pelo ato queproduz a forma ou a figura crists como absolutas. Ab-solutas, no sentido rigorosodo termo, isto , livres da relao, livres na relao; livres, assim, para a livrerelao3.

    1.1A proposta que o estudo persegue

    Assim que esse estudo encontra a liberdade como a realidade da experincia

    transcendental. quando o sujeito experimenta a sua prpria ao no como um evento objetivo,

    mas como um evento subjetivo, que o homem experiencia um acontecer salvfico, na medida em

    que o exerccio da liberdade no se reduz a uma escolha efmera, mas implica o evento, cujo objeto

    valorado o prprio homem. Nas palavras de Rahner,

    quando se entende realmente a liberdade, compreende-se que ela no a faculdadede fazer isto ou aquilo, mas a faculdade de decidir sobre si mesmo e construir-se asi mesmo4.

    1KARL RAHNER. Curso fundamental da f: introduo ao conceito de cristianismo, 2 ed. SP: Paulus, 1989, 121. Asprximas referncias ao autor se faro como RAHNER e a esta obra pela abreviatura CFF.2CFF 23.3U. VZQUEZ MORO.A configurao do cristianismo numa cultura plural, Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte,no70, 363-364, set./dez. 2003.4CFF 54.

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    esta a perspectiva que faz do exerccio da liberdade um evento salvfico e que, por isso

    mesmo, implica trazer a concepo de salvao para a concepo de criao. Em sua sabedoria,

    Rahner defende que o homem, quando se aceita real e serenamente como criatura, se aceita como

    ser da liberdade e da responsabilidade, como o ser da diferena entre o que ele e o que deve ser.

    Essa diferena pede ao cristo uma superao e, portanto, um noa alguma coisa e um sima

    outra coisa, a uma coisa melhor5.

    Desse modo no exerccio da sua misteriosa liberdade que o homem, num tempo nico que

    lhe dado pelo Criador, vai-se construindo, na histria, na superao da diferena entre um no e

    um sim, ou seja, entre a preguia do seu esprito e o seu egosmo, por um lado, e a luz da

    verdade, do amor, da fidelidade e do desinteresse, por outro

    6

    . diante disso que o tema daliberdade e o tema da criao se entrelaam de tal maneira no cristianismo que se tornam

    indissociveis na compreenso que se pretenda alcanar do que seja o homem.

    1.2A estrutura metodolgica que se utiliza

    Neste ponto impe-se esclarecer a estrutura deste trabalho, que marcada pelo

    entrelaamento e pela complexidade de suas questes, porque assim nos impe a realidade do

    cristianismo, tal como o percebeu o autor sob estudo. Por isso, no perseguir esta complexa trama

    incorreria cair numa temvel simplificao, conformea advertncia de Rahner:

    Quem leva em considerao apenas uma parte dentro de um estado de coisascomplexo, pode falar de um modo claro. Sua clareza, contudo, to-s a de umtemvel simplificateur (simplificador). Quando o objeto no permite que a suarealidade seja simplificada, inevitvel certa complicao na linguagem7.

    Rahner recomenda ao leitor que v penetrando na trama das reflexes que ele reconhece,

    tambm lhe foram difceis. A ressalva pertinente porque se observarmos os captulos que seapresentam, poderia parecer que seus ttulos, por si, apontam uma impermeabilidade, apontam uma

    seqncia estanque em que o primeiro traria a liberdade como mistrio do Pai; o segundo trataria a

    liberdade como um evento salvfico e, portanto, discorreria sobre o Filho; e o terceiro encerraria a

    segunda parte, apresentando a misso do Esprito Santo, na autocomunicao de Deus ao ser

    humano.

    5CFF 472.6CFF 473.7RAHNER.InPublik-Forum, 23 de fevereiro de 1979, n 4, 13. ApudH. VORGRIMLER. K. Rahner: experiencia deDios em su vida y en su pensamiento. Santander: Sal Terrae, 2004, 23. Traduo brasileira:Karl Rahner: experincia deDeus em sua vida e em seu pensamento. SP: Paulinas, 2006, 25-6. As prximas referncias a esta obra se faro pelaabreviatura EDV, segundo a edio em Espanhol.

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    Tal no corresponde ao que se pretende porque como nos diz a clareza de Rahner, assim

    no pode ser8. E no pode mesmo, pois quando o Pai se nos d a si prprio em absoluta

    autocomunicao mediante o Filho no Esprito Santo, a, est dada a experincia da Trindade da

    histria da salvao e revelao, e na qual fazemos a experincia da Trindade imanente, ou seja, de

    como a Trindade em seu ser mais ntimo, donde este trabalho pressupe a ao da Trindade desde

    aqui e por todas as linhas at a concluso, que melhor expor a premissa trinitria que desde j se

    exps.

    Dito isso, a partir da afirmao de que a liberdade no se pode dissociar do tema da

    criao, que esta Primeira Parte luta por dar significado a uma teologia da criao que responda

    alguns problemas cruciais que desafiam a f crist individual ou coletivamente, no que tange concepo de Deus, de ser humano e o papel desempenhado pela liberdade diante de ambos.

    Nesse sentido, ser impossvel reter a Primeira Parte apenas na anlise da Primeira pessoa

    trinitria, ou seja, o Pai, uma vez que o cristianismo se funda na Revelao do Filho, que nos deixa

    seu Esprito, para que possamos atualizar a mensagem crist de modo a que ela alcance os confins

    do mundo, sob a inspirao do Esprito de Jesus Cristo. Nesta Parte, desponta a liberdade como o

    mistrio fundamental da relao entre Deus Pai e o ser humano, com o qu se espera tirar

    conseqncias do pensamento rahneriano para a experincia e a vivncia crist nos dias que correm.

    Na mesma linha, se o ttulo pode sugerir que a Segunda Parte se exaure no exame da

    Segunda pessoa, ou seja, no Filho, o estudo mostrou-nos, de novo, o papel da liberdade de Deus Pai

    que quer revelar-Se por seu Filho, e nisso revela-Se por nosso Redentor. As implicaes dessa

    revelao redentora, para a teologia da criao de nosso autor, desembocam no caminho de questes

    tais como o conhecimento de Deus, o encontro com o Deus homem e o significado a se atribuir ao

    mundo, histria e ao tempo, diante do misterioso evento salvfico que se d na liberdade absoluta

    da autocomunicao de Deus pelo Logos.

    Finalmente, a Terceira Parte aborda a autocomunicao existencial pelo Esprito Santo

    mantendo o tema da autocomunicao. Portanto, carregando a misso do Filho e do Esprito Santo

    numa volta liberdade transcendental, que deve ser entendida no como um conceito, mas como a

    experincia que permite ao homem, numa abrupta ruptura de si, a busca do caminho de Deus que se

    confunde com o bem que se expressa no amor ao prximo.

    8 RAHNER. O Deus Trino, fundamento transcendente da histria da salvao. Mysterium Salutis II/1,Petrpolis:Vozes, Cap. 5, seo I, 290. As prximas referncias a este artigo se faro pela abreviatura ODT.

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    1.3A propsito da autocomunicao da Trindade divina

    A partir dos prximos pontos adentramos lentamente na compreenso trinitria de Rahner.

    Vamos caminhar por pargrafos em que nos perceberemos efetivamente filhos da f crist, eis quesomos criados por Deus Pai, redimidos por seu Filho eterno e santificados pelo dom do Esprito

    Santo.

    Com isso, as trs partes sob anlise vo apontar em nossas vidas que da liberdade

    transcendental que resulta o mistrio da autocomunicao do Deus trino com o ser humano. Essa

    liberdade, que o cristo recebe por absoluta Graa, exercida no confronto com ummundo do qual

    o cristo se distingue por pensamentos e aes, num tal exerccio que perdure a totalidade de sua

    existncia assim vivida em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo.

    2 - O incansvel autor e seu agitado caminho

    As idias aqui desenvolvidas surgiram do pensamento de Karl Rahner, um alemo da

    Floresta Negra, que assim falou reticentemente de si e de sua biografia:

    Se eu disser que nasci a 5 de maro de 1904 em Friburgo, filho de um professor

    primrio, e que cresci numa famlia crist, catlica convicta, qual uma me desete filhos imprimiu carter, que fiz os estudos normais at acabar os estudossecundrios em 1922, com bons resultados, absolutamente normais... que sei eudos meus comeos? Pouco, e este pouco desaparece cada vez mais num passadosilencioso coberto pelo esforo quotidiano. Em 1922 entrei na ordem dos jesutas.Passados 44 anos, acerca deste comeo sabe-se que foi bom, que me foi fiel e quetambm lhe posso ser fiel. E pouco mais9.

    2.1Comeos

    Nada na vida do jovem Karl indicaria a sua futura fama10

    . Era um jovem que gostava deescalar as montanhas de sua terra e, na escola, foi um aluno mdio, que achava as aulas chatas. Seu

    professor de religio, ao saber da deciso de se tornar um jesuta disse: isto no vai durar; isto no

    para Karl. Hoje, a opinio do telogo norte-americano Modras de que os historiadores ainda

    9www.triplov.com/espirito/frei_bento/dogmas.htm,acesso em 17.01.2006.10Rahner foi jesuta por 62 anos, sacerdote por 52 anos e levou uma vida teolgica por quase 45 anos. Recebeu 14ttulos de doutor honoris causa, sendo chamado por seus discpulos de o silencioso movimentador da Igreja CatlicaRomana e de o Pai da Igreja no sculo XX. Cf. K. LEHMANN; A. RAFFELT (ed.), Karl Rahner: the content of

    faith. The best of Karl Rahners theological writings, NY: Crossroad, 2000, xi. As prximas referncias a esta obra sefaro pela abreviatura TCF.

    http://www.triplov.com/espirito/frei_bento/dogmas.htmhttp://www.triplov.com/espirito/frei_bento/dogmas.htmhttp://www.triplov.com/espirito/frei_bento/dogmas.htmhttp://www.triplov.com/espirito/frei_bento/dogmas.htm
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    elencaro Karl Rahner ao lado de gigantes da teologia como Orgenes, Agostinho e Toms de

    Aquino11.

    Karl viveu uma Europa em busca de sua prpria identidade. Aos 10 anos sofreu a Primeiragrande guerra mundial. Aos 14 anos, viu os tratados de paz modificar a geografia poltica do

    mundo. Aos 18 anos, em 1922, na mesma ustria em que o judeu Sigmund Freud lanava os

    escritos maduros de sua elaborao da psicanlise, Rahner iniciou a formao de jesuta:

    espiritualidade de Incio de Loyola e filosofia.

    2.1.1a marca da espiritualidade de Incio de Loyola

    Sabemos que o grande tema do mundo teolgico de Rahner nasce da sua obstinao em

    pensar a f e a experincia de Deus - que ele mesmo fez ao deixar-se conduzir pela espiritualidade

    do mestre Incio de Loyola e que ele busca justificar com honradez intelectual12 ao longo da

    batalha de sua vida de grande telogo e mstico do sculo XX.

    Foi quando o jovem jesuta fez os Exerccios Espirituais de santo Incio13pela primeira vez,

    depois de dois anos no noviciado, e antes de dar incio a seus estudos formais de filosofia, que

    Rahner assina seu primeiro artigo, publicado com o ttulo: Porque rezar indispensvel14

    e, aocontrrio do que se poderia esperar do ento inexperiente autor, l est o tema da autocomunicao

    de Deus, a constante que sua teologia nunca deixar de perseguir, e que se alimenta de sua prpria

    experincia espiritual com os EE. No artigo, encontram-se referncias aos EE, em especial

    anotao no1515, em que Incio afirma ser

    [...] mais conveniente e muito melhor que, buscando a divina vontade, o mesmoCriador e Senhor se comunique sua alma devota, abrasando-a em seu amor elouvor e dispondo-a pela via que melhor poder servir-lhe adiante. De modo que o

    que d (os exerccios) [...] deixe obrar imediatamente o Criador com a criatura e acriatura com o seu Criador e Senhor.

    Durante a formao, o jesuta estudou os manuais neo-escolsticos, mas, como herdara do

    pai um grande amor pela histria e, igualmente influenciado por Hugo, seu irmo tambm jesuta,

    11RONALD MODRAS.Ignatian Humanism: a dynamic spirituality for the 21 stCentury,Chicago: Loyolapress, 2004,

    204.12CFF 23.13 IGNACIO DE LOYOLA, Ejercicios Espirituales: introduccin, texto, notas y vocabulrio por Cndido de

    Dalmases, Santander: Sal Terrae, 1987. Os Exerccios Espirituais de santo Incio de Loyola sero mencionadosdoravante pela abreviatura EE e os textos a ele referidos so traduo livre desta edio em Espanhol.14RAHNER. Warum uns das Beten nottut: [S.l.: s.n], republicado inHerbert Vorgrimler, ed., Karl Rahner, Sehnsuchtnach dem Geheimnisvollen Gott,Freiburg: Herder, 1990, 77-80, apudR. MODRAS, op. cit., 204-328.15EE [15] 48.

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    Rahner dedica muito do seu tempo ao estudo da Patrstica. Sabe-se que ele leu todos os pais da

    Igreja do segundo sculo, em busca do que cada um tinha a dizer sobre a experincia mstica e

    sobre como cada um experimentou Deus. Nesta poca, nosso autor publica, em francs, dois artigos

    de espiritualidade, em que estuda Orgenes16e Boaventura17, respectivamente. Ao mesmo tempo,

    Rahner reconhecia que os Pais da Igreja no haviam encontrado os desafios do agora e que cada

    poca tem suas prprias questes. No podemos esperar que os nossos Pais resolvam as nossas

    novas questes para ns18.

    2.1.2a marca de Rahner no mundo

    Rahner, defensor de que a revelao de Deus se expressa para alm da teologia cientfica,foi sentindo as novas questes na histria da cultura de seu tempo em que explodiram uma srie

    de movimentos de ruptura, que refletiam as guerras nos limites humanos:

    [...] Finalmente, acresce a variada manifestao no-cientfica da vida do espritona arte, na poesia e na sociedade, multiplicidade to vasta que nem tudo que aaparece mediado quer pelas filosofias quer pelas prprias cincias pluralistas e,contudo, representa uma forma do esprito e da autocompreenso humana com quea teologia tem que ver de alguma forma19.

    Neste mundo, ento o centro das inovaes, surge uma vanguarda que escandaliza, que

    prega a renovao da sociedade por meio da guerra e a convivncia com o contraditrio. No que

    o mundo que Rahner viu parecesse louco: o que Rahner viu, foi a reao que fez surgir o

    antimoderno e que obrigou o esforo quotidiano de suas idias fazer dialogar o cristianismo com

    os expoentes da filosofia, da poltica, das cincias e da cultura de ento, a partir do belo arrazoado

    que ele mesmo d:

    Eu no sou apenas uma idia; eu no posso abandonar a histria nas mos dasminhas idias. Por isso, eu sei que a histria de Jesus no pode derrotar-me edeixar-me abandonado, ainda que, naturalmente, ela se encontre carregada de todo

    16RAHNER. Le dbut dune doctrine des cinq sens spirituals chez Origne, Revue dAscetique et de Mystique 13(1932), 113-145. O artigo foi republicado como Die geistlichen Sinne nach Orgenes. Schriften zur Theologie, XII,Einsiedeln: Benziger, 1975. As prximas referncias a esta obra se faro pela abreviatura SZT, seguida do nmero do

    volume, e como TheSpiritual Senses according to Origen,Theological Investigations, XVI, NY: Seabury, 1979, 81-103. As prximas referncias a esta obra se faro pela abreviatura THI, seguida do nmero do volume.17RAHNER.La doctrine des sens spirituels au Moyen-Age en particulier chez St. Bonaventure,Revue dAscetique etde Mystique 14 (1933), 263-299. O artigo foi republicado como Die Lehre von den geistlichen Sinne im Mittelalter:der Beitrag Bonaventuras,SZT, XII, e como The Doctrine of the Spiritual Senses in the Middle Ages, THI, XVI,104-134.18R. MODRAS, op. cit., 209.19CFF 19.

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    o relativismo do histrico e com todas as obscuridades do conhecimento dos fatosconsumados20.

    Assim, atento, Rahner manteve em sua vida pessoal amizade com escritores, como a

    novelista Luise Rinser21, ensastas e poetas catlicos, que lhe renderam demonstraes desse seu

    cuidado na observao do mundo que o cercava, o que foi perenizado na edio de livros

    comemorativos de vrias datas natalcias suas. Na passagem de seus 60 anos22, a edio conta com

    textos de Heinrich Bll23e de Gertrud von Le Fort24, alm do filsofo M. Heidegger, dos telogos

    protestantes ecumnicos, K. Barth, R. Bultmann e G. Ebeling25, dentre centenas de outros nomes.

    Esta marca de sua teologia e de sua prpria personalidade fruto de toda a sua formao.

    Graas a um professor de seu escolasticado, Rahner conheceu mais do que o tomismo medieval.Estudou filosofia em Feldkirch e depois em Pullach, de 1924 a 1927. Leu I. Kant e descobriu o

    pensamento de seu colega jesuta belga, Joseph Marchal, que tentara correlacionar a teoria do

    conhecimento em santo Toms com o mtodo transcendental de Kant. Marchal desenvolveu o que

    se chamou de tomismo transcendental, que atraiu o pensamento de Rahner.

    Em 26 de julho de 1932, ordena-se, na Igreja So Miguel de Munique, o padre Rahner que,

    sobre sua vocao, declarou:

    20RAHNER. SZT, vol. XIV (1980), 17-18. Citado inEDV 16.21Luise Rinser (1911-2002) uma das maiores novelistas e contistas do sculo passado, vendeu mais de cinco milhes delivros em alemo, fora as tradues em vinte outros idiomas. Alem, nascida na Bavria, catlica, teve a vida marcada

    por desafios: feminista, pacifista, lutou contra armas nucleares e protestou contra as guerras. Fez campanha por WillyBrandt e em 1984 concorreu presidncia do ento jovem Partido Verde. Casou-se com o msico Gnther Schnell ecom ele teve duas filhas. Com a ascenso do Nazismo e a recusa do casal em colaborar com o regime, teve seu maridomorto em 1943 e ela, sob igual condenao foi presa e escapou da morte com o fim da Guerra. Em 1954, casou-se com

    o j ento famoso compositor de Carmina Burana (1927), Karl Orff, de quem se divorciou em 1959. Rinser, amigapessoal de Rahner, trocou com ele uma imensa correspondncia epistolar. Dividiu sua vida entre Roma e Munique,onde morreu aos 90 anos, deixando uma polmica entorno publicao de sua correspondncia pessoal com Rahner,que com ela se relacionou at o final de seus dias. Nesse perodo, ambos discutiram sobre a oportunidade de

    publicarem-se essas cartas, o que, ao final, Rahner decidiu-se contra e, num gesto de confiana, devolveu-lhe as cartasque ela lhe havia endereado. Aos 82 anos de idade, Luise muda de opinio e publica a volumosa correspondncia numlivro que para ela seria o dirio ntimo de Rahner, contra o que se voltaram no somente seus herdeiros, comotambm seus mais prximos seguidores, para quem a publicao das cartas mais pareceu uma manobra com a intilinteno de iluminar o monumento de Rahner com uma lanterna de bolso para que ela mesma pudesse assim brilharcom a luz dele refletida.InEDV. p. 114-116.22Ao completar 60 anos, Rahner recebeu esta homenagem em dois volumes de 667 e 964 pginas, respectivamente. Ottulo, Deus no mundo. A Tbula gratulatria inclua 14 cardeais, 2 patriarcas, 24 arcebispos, 150 bispos, numerosostelogos protestantes, alm de 564 pessoas de todos os mbitos imaginveis. Rahner considerou esta impressionante

    lista de nomes como um tipo de escudo protetor.InEDV 121.23Heinrich Bll(1917-1985),ganhador do Prmio Nobel de Literatura em 1972, deixou uma vasta obra cuja tnica aluta contra a omisso, a injustia e a opresso. Defensor implacvel dos direitos humanos, antimilitarista convicto e umdos primeiros ativistas em defesa do meio ambiente, pela sua postura inabalvel, pelo seu papel na divulgao dosideais democrticos e o seu ativo engajamento nas causas pacifistas, Bll foi eleito o smbolo da integridade humana.24Gertrud von Le Fort (1876-1971), protestante convertida ao catolicismo, a poetiza alem autora de vrios livros,tendo alguns deles sido reescritos para o teatro e o cinema.25EDV 121.

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    Sempre quis ser padre, sempre quis tornar-me religioso por qu? No saberiadizer ao certo. [...] evidente que devem ter existido motivos pensados;certamente foram motivos religiosos, ligados problemtica de uma certa filosofia qual se deseja pertencer. Mas as razes de um jovem se apagam e no so maisbalizveis na seqncia da existncia. Isso, alis, no necessrio. Se meperguntarem se desejaria novamente ser jesuta, responderia: se eu fosse o que euera ento, evidentemente, e no lamento nenhuma das conseqncias que issoteve26.

    2.1.3a marca do mundo de Rahner

    No centro da luta pela hegemonia, Rahner viu o mundo na Primeira Guerra Mundial apagar

    10 milhes de vidas (quase 2 milhes de alemes) e pagar com 20 milhes de feridos o preo do

    duelo entre Reino Unido e Alemanha. Em 1933, Adolf Hitler torna-se chanceler de sua ptria. Como nazismo, os jesutas passaram a viver sob severa vigilncia. Alguns jesutas alemes foram

    sentenciados a campos de concentrao e outros condenados morte. Dentre eles destaca-se Alfred

    Delp27, aluno de Rahner de 1927 a 1929, perodo em que lecionou latim a seus confrades no

    juniorado de Feldkirch28. Delp e o telogo Luterano Dietrich Bonhoeffer, que participaram da

    resistncia contra Hitler, foram enforcados em Berlim, em 1945.

    De 1933 a 1934, Rahner encerra seu percurso de formao, completando sua terceira

    provao em Krnten, na ustria, sendo destinado a um doutorado em filosofia em sua cidade natal.

    Ali acompanha durante dois anos, com seu companheiro jesutaJohannes B. Lotz (1903-1992), as

    aulas de Martin Heidegger (1889-1976). Por vrias vezes, Rahner se expressou sobre sua relao

    com Heidegger29, como a seguir:

    Gostaria [...] de dizer que Heidegger, o filsofo propriamente dito de 1934-1936,era bem diferente do Heidegger mais tardio. O Heidegger que freqentei era o deSein und Zeit, o do apelo ao combate, talvez at mesmo o da metafsica. Era umHeidegger com o qual aprendi um pouco a pensar, e sou-lhe muito grato por isso.

    Em minha teologia, na medida em que ela filosfica, certamente no poderiafalar de uma influncia sistemtica de sua parte que chegue at o contedo, massim de uma vontade e de uma capacidade de pensar que Heidegger realmente nos

    26J. B. METZ. K. Rahner, Le courage du thologien, Paris: Ed. du Cerf. 1985, 170, apud B. SESBOE, K. Rahner:itinerrio teolgico, So Paulo: Loyola, 2004, 10. As prximas referncias a esta obra se faro pela abreviatura ITT.27O plo da dissidncia civil do nazismo estava constitudo em Berlim pelos adeptos do chamado Crculo de Kreisau,que se reuniam em torno de algumas figuras de alto calibre moral e religioso. Faziam parte intelectuais, socialistas,telogos e membros da Igreja Luterana, e alguns jesutas, como o padre Alfred Delp, redator da revista Stimmen der

    Zeit, o padre Augustinus Rsch, provincial da Baviera, com seu secretrio, padre Lothar Knig, alm de ex-sindicalistase ex-expoentes do Zentrum, o velho partido de centro de inspirao crist. Com a tentativa de golpe de Estado de 20 de

    julho de 1944, quase todos os membros do Crculo e seus simpatizantes foram detidos, torturados e punidos. O primeirofoi o conde Peter Yorck, pendurado em ganchos de aougue em 8 de agosto de 1944. O mesmo coube ao telogoluterano Dietrich Bonhoeffer em 9 de abril de 1945. Padre Alfred Delp subiu ao patbulo em 23 de janeiro daquele ano,ao lado do conde Von Moltke. Cf. emhttp://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=7981.Acesso em 23.01.2008.28Cf. ITT 15.29ITT 16.

    http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=7981http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=7981
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    inspirava. Naquela poca estudei at certo ponto o que chamado de modo vago egeral de filosofia existencial e a teologia existencial, o que, em sentido estrito, notem necessariamente relao com Heidegger o que eu j havia feito devido minha origem marechaliana. Devo dizer que Martin Heidegger foi o nicoprofessor pelo qual experimentei o respeito de um aluno diante do grande mestre30.

    Era uma poca em que seria impensvel que um religioso fosse orientado num doutorado

    por Heidegger. Rahner trabalhou, ento, com o professor Martin Honecker (1988-1941)31. A

    questo central de sua tese a de saber quais so, segundo Toms de Aquino, as condies a priori,

    isto , a estrutura fundamental do esprito humano. A tese foi recusada pela universidade de

    Friburgo e, como afirmou o prprio Rahner, a rejeio se deu porque, segundo Honecker, a

    dissertao se inspirava demasiado em Heidegger. Mas Rahner assim se justificar:

    Talvez se diga: Mas voc oferece uma interpretao de Santo Toms embebida nafilosofia moderna!. Longe de considerar essa apreciao como uma crtica, oautor a aceita como um elogio. Pois, afinal de contas, eu pergunto: Santo Tomspode me interessar se no for em funo das questes que se agitam em meuesprito e que agitam a filosofia de hoje?32

    Em 1936, Rahner vai para Innsbruck onde publica esta tese de doutorado em filosofia com o

    ttulo: Oesprito no mundo: a metafsica do conhecimento finito segundo Santo Toms de Aquino,

    reconhecidamente a sua primeira grande obra. Mais tarde, em 1957, no prefcio segunda edio

    organizada por seu discpulo J. B. Metz, o telogo esclarece que o que visava era principalmente

    isto: deixar de lado em grande parte o que se chama neo-escolstica para voltar ao prprio Santo

    Toms, aproximando-me justamente dos problemas formulados filosofia do nosso tempo33. Em

    1974, ao completar 70 anos, na oportunidade em que conferido a Karl Rahner o ttulo de Doutor

    honoris causapela Universidad Pontifcia Comillas, o professor Alvarez Bolado, que traduzira a

    obra para a lngua espanhola, assim d seu testemunho:

    No se h de buscar a unidade da obra de Rahner em obras sistemticas, masprecisamente no desenvolvimento incessante desta intuio germinal, O esprito nomundo, em cujo horizonte ele empreende a tarefa no interrompida [...] dereinterpretar os dogmas cristos. Esta interpretao contnua fez de Rahner umtelogo incmodo, porque a sua vida e o seu pensamento tm sempre apelado Igreja para que ela no se enclaustre em si mesma, e nem forme uma imagem idealdo que significa ser cristo. A menos que ajude aos homens aqui e agora, na

    30J. B. METZ, op. cit., 37 (apudITT 17).31M. Honecker era um tradicional historiador da filosofia catlica, identificado com Toms de Aquino. Ele exercia,ento, o que se chamava Ctedra do Acordo, acordo esse feito entre o Vaticano para difuso da filosofia crist na regiode Baden.32 H. MULLER; H. VORGRIMLER,K. Rahner, Paris: Fleurus, 1965, p. 16.33 RAHNER, Spirito nel mondo(2aed. 1957), XXIII, apudR. GIBELLINI,A teologia do sculo XX. SP: Loyola, 2002,224. As prximas referncias a esta obra se faro pela abreviatura ATS.

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    dispora no sistematizvel da realidade, a encontrar Deus que ama o mundo e otranscende de dentro dele34.

    Com a ida para Innsbruck vem nova tese de doutorado, em teologia, que leva o ttulo: O

    pensamento patrstico sobre o Corao traspassado do Salvador como fonte da Igreja35.

    2.2Caminhos

    2.2.1do professor que marca com a sua teologia

    Rahner inicia, ento, sua carreira acadmica na Faculdade de teologia de Innsbruck, onde

    leciona de 1937 a 1964, com exceo ao parntese da guerra. Seu primeiro curso sobre a graa. A

    faculdade estava empenhada na elaborao de um projeto de teologia querigmtica, que estivesse a

    servio da pregao e da pastoral, formalmente distinta da teologia cientfica. Rahner, ento jovem

    docente, no concorda com tal orientao e, mais tarde se encarrega da instncia pastoral, inserindo-

    a num projeto mais amplo de renovao da teologia catlica, em que, quanto mais aderente ao seu

    tema a teologia, tanto mais querigmtica36, como ele sustenta no programtico artigo: Tentativa

    de esboo para uma Dogmticae seu conseqente Esboo de uma Dogmtica37:

    O mal entendido prtico mais importante da chamada teologia da pregao oufomentado ao menos por ela foi precisamente a opinio, nascida como suposto,de que a teologia cientfica podia continuar como estava, e que a nica coisa querestava a fazer consistia em constituir ao lado uma teologia querigmtica. Talteologia consistiria, essencialmente, em dizer o mesmo que a teologia cientficaescolstica j tinha elaborado, porm de maneira um tanto distinta, maisquerigmaticamente, e emdisp-la de modo mais prtico. Na realidade, a teologiamais rigorosa, entregue de maneira apaixonada e nica ao seu objeto, numinterrogar-se constante sempre novo, a teologia mais cientfica a maisquerigmtica38.

    34A. VARGAS-MACHUCA, Teologia y mundo contemporaneo: homenaje a K. Rahner em su 70 cumpleaos, Madrid:Ed. Cristiandad, 1975, 32. Nessa oportunidade (p. 35), K. Rahner confirma o comentrio: meu primeiro livro foidedicado metafsica do conhecimento em Santo Toms. [...] Os pontos de vista que ali defendo marcaram a orientaoe ainda do frutos em todo o meu trabalho teolgico posterior, ainda que eu mantenha a esperana de que a aventura

    teolgica de minha vida no se tenha encerrado com este primeiro livro.35 Esta tese no foi publicada na poca, somente vindo a pblico postumamente em RAHNER, Smtliche Werke, III,Friburgo: Herder, 1999, 3-84 (apudITT 19, nota 22).36Cf. ATS 223-4.37 K. RAHNER. Tentativa de esboo para uma dogmtica, in O dogma repensado, SP: Paulinas, 1970, 106-152.Publicado originalmente sob o ttulo Ueber den Versuch eines Aufrisses einer Dogmatik, em SZT, I, 9-47 e no THI, I, 1-37. As prximas referncias ao artigo se faro pela abreviatura TED e a O dogma repensadopela abreviatura ODR.38TED 113-114.

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    Como mestre, o nosso telogo era tido por seus alunos como um professor carismtico, que

    lhes inspirava lealdade e afeto, e como um pensador altamente questionador que ia de uma questo

    a outra, sempre procurando o sentido, a plenitude e o propsito da vida.

    2.2.2do pastor marcado na guerra por sua teologia

    Em 1938, a ocupao dos edifcios dos jesutas pela Gestapo faz fechar a faculdade de

    teologia de Innsbruck e leva Rahner a residir em Viena onde trabalha em um instituto pastoral. A

    ele se interessa pela formao teolgica dos leigos e lhes d cursos.

    Aos 37, em 1941, Rahner publica O ouvinte da palavra recolhendo, assim, as 15

    conferncias por ele realizadas nas Semanas universitrias de Salzburg no vero de 1937 .A ele

    retoma a sua intuio bsica de Esprito no Mundo e aprofunda Marchal, no que o parafraseia

    numa nova terminologia, parcialmente tomada de Heidegger39. Ouvinte da palavra completa o

    discurso iniciado por Esprito no mundo: o homem como esprito no mundo o ouvinte de uma

    possvel revelao histrica de Deus.

    Rahner deixa Viena e, em 1944, pela primeira vez em sua vida exerce um ministrio

    pastoral no meio rural, junto aos refugiados. Na poca da capitulao alem, vive o drama de seupovo. De 1945 a 1948, permanece em Munique e ensina em Pullach, em meio a uma intensa

    atividade pastoral. Com a reconstituio da faculdade de teologia em Innsbruck, em 1948 ele l

    retoma o ensino da teologia, oferecendo cursos sobre a criao, o pecado original, a graa e a

    justificao, as virtudes teologais, os sacramentos da penitncia, da ordem e da extrema-uno.

    Entre 1954 e 1984, Rahner rene os principais artigos e ensaios que havia escrito e d incio

    srie de seus Escritos Teolgicosque, mesmo em sua variedade e descontinuidade, representam

    uma biblioteca teolgica que alinhou dezesseis volumes com mais de 8.000 pginas40.

    2.2.3do telogo que marca o Conclio Vaticano II

    Na vida de Rahner, um telefonema, no incio da dcada de 60, vira histria. Franz Knig,

    ento arcebispo de Viena, 30 anos depois recordava esse telefonema em que dizia que o Papa Joo

    39RAHNER.Hearer of the Word. Laying the Foundation for a Philosophy of Religion.Traduzido por Joseph Donceel,da primeira edio, publicada em Munich, 1941, sob o ttulo original de Zur Grundlegung einer Religiosphilosophie.

    NY, 1994. Em 1963, o Ouvinte da Palavra, revisto por J. B. Metz , com ele, reeditado. Nessa publicao, Rahnerdesenvolve as linhas de uma filosofia da religio numa perspectiva teolgica como antropologia teolgica fundamental.40ATS 224-5.

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    XXIII anunciara sua inteno de convocar um novo Conclio. Surge o Vaticano II. Cada arcebispo

    podia contar com um assessor e Knig convida Rahner, que responde com a seguinte frase:

    Como voc pode imaginar uma coisa dessas? Eu nunca fui a Roma na minha vida.L, eles suspeitam do que eu ensino e do que escrevo. O que os romanos diro seeu, de repente, apareo como um telogo conciliar?41.

    Rahner estava certo. Ele tinha crticos, mas tambm tinha admiradores. Quando em junho de

    1962, o Geral da Companhia de Jesus foi informado de que Rahner teria que submeter seus escritos

    futuros censura prvia do chamado Santo Ofcio, que era, depois do papa, a instncia suprema da

    f e dos costumes, seus admiradores tanto na hierarquia da Igreja quanto na academia protestaram

    diretamente ao papa pelo insulto ortodoxia de Rahner42. O papa Joo interveio pessoalmente e

    no houve, assim, censura prvia ao trabalho de Rahner pelo restante de sua vida.

    Nesse meio tempo, o arcebispo Knig entregou a Rahner as primeiras pilhas de documentos,

    ainda na fase preparatria ao Conclio. Entre janeiro e setembro de 1962 Rahner oferece um

    informe contendo sete respostas ou tomadas de postura de sua teologia diante dos documentos

    recebidos. Segundo Vorgrimler, estas respostas at hoje no foram publicadas na ntegra. Em seu

    testemunho, revela que Rahner se viu

    horrorizado ante o tom escolar e magisterial dos esquemas das comisses,totalmente alijados da vida real, alm de j condenar telogos e filsofos assimcomo de antemo j propunha novos dogmas. Diz que o primeiro conselho deRahner foi: fazer todo o possvel para evitar o pior43.

    Mas Joo XXIII abre o Vaticano II com um discurso que eletrizou os bispos, entrevendo um

    conclio pastoral que substitusse a severidade e a condenao de erros do passado por uma

    medicina de misericrdia. Rahner foi nomeado pelo Papa peritus do Conclio e membro da

    influente Comisso Teolgica. De suma importncia foram as conferncias que ele dava de tarde a

    variado grupo de bispos sobre os diversos tpicos da agenda conciliar. Apesar de pouco aparecer

    nas sesses gerais do conclio, Rahner foi considerado o mais poderoso homem no Conclio, mas

    sua influncia foi exercida por detrs das cortinas. No que respeita a sua participao, ele afirmou

    que:

    41R. MODRAS. op. cit., 230.42Como nem o Geral dos jesutas nem Rahner foram informados das razes para essa atitude, Rahner ameaou nadamais publicar dali em diante e numerosas personalidades, entre elas os ento cardeais Knig, Dpfner e Frings(Presidente da Conferncia Episcopal Alem poca), alm de 250 figuras da cincia e da poltica, se dirigiram ao papae lhe solicitaram que retirasse essa medida.InEDV 109.43EDV 109.

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    Quando aqui e ali se afirmou sem o meu consentimento que eu teria sido umdos telogos mais influentes do Conclio Vaticano II, essas coisas so,naturalmente, um mero exagero, que no encontra na realidade qualquerfundamento real44.

    Contudo, inegvel que no Conclio Vaticano II, Rahner deixou marcas na preparao das

    Constituies Lumen gentium45,Dei Verbum e Gaudium et spes, afora os decretos sobre a vida

    religiosa, sobre a formao dos presbteros e sobre as misses. Decorrido algum tempo, Rahner

    afirmou que via o Vaticano II apenas como o comeo de um comeo46, que marcou pela primeira

    vez a Igreja catlica como uma igreja para o mundo, por assumir a multiplicidade de culturas e,

    conseqentemente, de teologias.

    2.3Marcas da caminhada

    Em 1964, a chamada para lecionar em Munique representava para Rahner uma passagem

    da teologia dogmtica filosofia da religio, mas ele continuava a ser um telogo, que a

    heterognea assistncia daquela universidade considerava muito difcil, cansativo, pouco atual e

    abstrato47. Decorridos trs anos, Rahner retoma a teologia dogmtica na universidade de Mnster,

    onde encerra sua carreira acadmica (1967-1971).

    Os anos que se seguiram vieram com uma crescente frustrao. Em 1969, o Snodo de

    Bispos Alemes foi particularmente desapontador para Rahner, quando apenas dois bispos apoiaram

    sua sugesto de ordenar homens casados. Para ele, a Igreja oficial no estava colocando nem a letra

    nem o esprito do Conclio na prtica.

    Em seus ltimos anos, Rahner descreve a sua vida como inseparvel do seu trabalho.

    Recusando-se a escrever suas memrias, o mximo que ele concedia eram entrevistas nas quais

    retomava um ou outro evento ou influncia da sua vida pessoal e, desse contexto, extraa algumaspecto para explicar a sua teologia. Nesse perodo, Rahner se queixava dos jesutas no refletirem

    suficientemente sobre as implicaes das intuies espirituais de santo Incio, o que ele tomava

    como uma falta que no tolerou em si e no seu trabalho48. Sabedor de que Incio dedica 85% do

    tempo dos EE contemplao dos mistrios da vida de Cristo, ele questionou:

    44EDV 110.45A influncia de Rahner se refere teologia do sacramento e da penitncia, colegialidade dos bispos e o significadodas igrejas locais, assim como na reinstaurao do diaconato permanente e na incorporao do texto sobre Maria nestaconstituio, ao invs de criar um documento mariolgico distinto.InEDV 112.46EDV 113.47H. VORGRIMLER. Comprendere K. Rahner(1985), 139 (apudATS, 225).48R. MODRAS. op. cit, 208.

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    Onde existem trabalhos teolgicos sobre os mistrios da vida de Cristo? Emespanhol e em francs, existe grosso volume a respeito da ascenso do Senhor,livro completamente cego para todo problema que no caiba dentro da crtica detextos ou da apologtica histrica do acontecimento. O prprio Dictionnaire deThologie Catholique, apesar de sua enorme amplitude, no tem um artigo sobreeste problema. E maior ainda, na teologia atual, a falta de uma reflexo radicalacerca do ser e da significao dos mistrios da vida de Cristo, em geral.Da vida de Cristo, os nicos acontecimentos que interessam dogmtica atual soa encarnao, a fundao da Igreja, sua doutrina, a ltima ceia e morte. Aapologtica trata ainda da ressurreio a partir do ponto de vista da teologiafundamental. Tudo o mais sobre os mistrios da vida de Cristo no se encontramais na dogmtica, e sim na literatura piedosa49.

    Registre-se que, em sua caminhada, estiveram perto de Rahner, especialmente seu irmo

    Hugo, o atual Cardeal K. Lehmann, H. Vorgrimler, J. B. Metz, K. H. Neufeld, A. Raffelt 50, alm

    telogos B. Sesboe, I. Sanna.

    3 - O esprito de Rahner na teologia e o Curso fundamental da f

    3.1O autor desafiante

    Ler Karl Rahner desafiar-se diante de um autor que, ao invs de colocar a questo de Deus

    longnqua e abstratamente, traz Deus para to prximo de ns que O coloca como mistrio santo nocorao do prprio homem. Acredito que para o telogo cristo, interessado no maior conhecimento

    de sua f, ainda imprescindvel o contato com o pensamento de Karl Rahner e penso que isto se d

    inicialmente pelo estudo do seu Curso fundamental da f, contra o que ele mesmo desaconselhou

    certa vez, advertindo queprimeiro proporia a leitura de alguns de seus escritos espirituais51.

    Diante disso, parece que a estaria o mapa da mina do seu pensamento. Mas no basta

    porque o seu pensamento se esparrama pelas questes que seu tempo e que seu mundo lhe

    propuseram, em cuja inquieta busca de resposta encontramos os textos que constituem hoje os seus

    Escritos Teolgicos, lastimavelmente sem traduo para o portugus. Mas ainda mais. Esta marca

    est tambm nos quatro volumes do manual de teologia pastoral, o Sacramentum mundi, no

    49TED 119-120.50O grupo organiza na Alemanha uma edio crtica das obras de Rahner, prevista em 32 volumes, a serem publicadosnum perodo de dez a quinze anos (apudI. SANNA, inTeologia come esperienza di Dio. La prospecttiva cristolgica diKarl Rahner. Brescia: Queriniana, 1997, 5).51M. MAIER.La thelogie des Exercices de K. Rahner, RSR 74 (1991), 536 (apud ITT 31).

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    Dicionrio de teologia querigmtica52, na colaborao para a publicao do Mysterium Salutis:

    dogmtica da histria da salvao53, alm das bases da revista Concilium54.

    Alm de conferencista, este incansvel escritor se desloca por toda Europa participando dasprimeiras reunies entre catlicos e protestantes, d retiros espirituais, participa de programas de

    rdio e da ainda incipiente televiso. Cuidou do dilogo entre telogos e cientistas, da relao do

    cristianismo com as religies no-crists55, sem deixar de dialogar tambm com o marxismo.

    Com o testemunho de B. Sesboe, sabemos que Rahner, alm da atividade intelectual,

    era uma fora da natureza, com uma vitalidade inacreditvel. Seu pensamentoestava sempre em movimento, como seu corpo, alis. [...] Era um incansvel

    lanador de idias, mas tambm um guia incmodo. Ao visitar o escolasticado dePullach disse: Vim aqui para lanar pedras nas guas estagnadas e provocar ondasnessa lagoa tranqila demais!56.

    3.2Um olhar desafiado

    Esse gigante do pensamento teolgico do sculo passado, por volta dos anos 50, na

    maturidade de sua reflexo, diagnostica trs elementos caractersticos da situao cultural e

    teolgica de ento. Este diagnstico sntese de dezenas de artigos que seriam publicados em seus

    Escritos Teolgicos, alm de estarem esparamente tratados por todo o CFF.

    a) vivemos numa sociedade secular e pluralista, na qual os enunciados de f perderam sua

    obviedade, e na qual, no pluralismo das convices e das mundividncias, prprio de uma

    sociedade aberta, torna-se mais difcil transmitir a verdade crist;

    b) relacionado com o pluralismo, preciso registrar um aumento dos conhecimentos em

    todos os campos do saber, que torna difcil fazer snteses, embora o telogo sistemtico deva tentar

    a sntese a propsito das questes ltimas e fundamentais de toda a teologia; e

    c) a essas dificuldades do anncio cristo e do fazer teologia deve-se acrescentar, por outro

    lado, uma espcie de endurecimento e de incrustao dos conceitos teolgicos, que, permanecendo

    52Elaborado em colaborao com J. Danilou, J. Alfaro e C. Colombo, o, ento, telogo do papa (apud ITT 25).53Publicado por J. Freiner e M. Lhrer, edio em 4 tomos e 6 volumes, Einsiedeln: Benziger Verlag, 1965.54Rahner lana as bases da revista com E. Schillebeeckx, tendo Y. Congar, H. Kng e C. Colombo como integrantes docomit diretor inicial (apud ITT 25).55Cf. ITT 22.56ITT 29.

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    imutveis ao longo dos sculos, no correspondem mais situao completamente mudada da vida

    e da cultura do homem moderno57.

    3.3Um mtodo desafiador e o desafio da sntese

    Diante desse quadro, Rahner admite como insuficiente o tradicional mtodo escolstico

    praticado na teologia-de-escolaque procede do alto das formulaes e opera por doutrinaoe

    prope o mtodo antropolgicoque procede de baixo e possibilita uma correspondncia entre vida

    e verdade, entre experincia e conceito. Como defende R. Gibellini58, o telogo alemo prope que

    se pratique em teologia uma abordagem antropolgica, que parta da experincia pessoal do

    homem, tratando-se de um processo metodolgicoque no subordina a f experincia e nocomporta uma reduo subjetivista da f, mas que se torna necessrio para superar o fosso entre a

    revelao e experincia humana.

    No mtodo antropolgico-transcendental, Rahner propugna que o dado da f no seja

    simplesmente transmitido em seus contedos, mas seja posto em correspondncia com a

    experincia que o homem tem de si. Isto mais do que saber sobre a f, implica compreender a vida

    a partir da histria do homem considerado como um sujeito espiritual, que se auto-explica na

    experincia transcendental, numa experincia que humana e que, portanto, no ocorre margem

    dos acontecimentos, mas no seio da vida histrica. Essa auto-explicao categorial do que o

    homem acontece no s nos enunciados antropolgicos, mas em toda a histria do homem, no agir

    e sofrer da vida individual, no que chamamos de histria da cultura, da socializao, do Estado, da

    arte, da religio, do domnio tcnico e econmico da natureza59.

    Resume Gibellini que Rahner passa a praticar o mtodo antropolgico-transcendental,que

    parte de que na experincia do homem preciso distinguir entre um a priori e um a posteriori. Essemundo da experincia humana a posteriori, adquirido e categorial, ou seja, refletido,

    tematizado e passvel de diferentes classificaes; mas esse mesmo mundo da experincia humana