li youko - perse · tengu, semelhantes a corvos, possuindo cabeça de ave e asas ... ataque, mas...

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~ Li Youko ~

Mitos e Lendas Japonesas

1ª Edição

Rio de JaneiroBL Projeto Editorial

2015

Organizadora

Copyright © by Li Youko, Yume Vy, Josy Alves, Juliane Ivanow, F M Vagabond e Sion Dias

Todos os direitos reservados.

– É PROIBIDA A REPRODUÇÃO –

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por escrito, da autora. Os infratores serão

punidos pela Lei nº 9.610/98.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor.

Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

1ª Impressão/ 2015

Organizadora: Li YoukoProjeto Gráfico e diagramação: Yume Vy

Capa: Giselle VieiraFoto Capa: Kristino0702 |DepositphotosFoto Contracapa: Multik |Depositphotos

Preparação de Texto: Josy AlvesRevisão: Silvana Ferreira de Jesus

[Youko, Li]

Mitos e Lendas Japonesas/ Li Youko [org] – Rio de Janeiro/2015

Vários Autores. Registro na Biblioteca Nacional: 014030_1/6.

1. Literatura Brasileira – Antologia | I. Li Youko II. Título2. Contos | 3. Lendas Japonesas | 4. Boy’s Love (Yaoi)

Apresentacao

Quem nunca se questionou sobre a existência dos mitos e das lendas que cercam cada país? Ler sobre algo e imaginar, fantasiar… Você já leu, ou assistiu algo,

sobre as lendas do Japão?

Quando eu era pequena, ainda criança, meu primeiro contato com o Japão, conhecido por muitos como Terra do Sol Nascente, foi uma agenda antiga, repleta de fotografias dos mais variados jardins, e com alguns templos. Eu era uma criança e não fazia ideia do que de fato era aquilo, mas gostei e guardei com muito carinho. Era meu pequeno tesouro.

Anos se passaram e novamente estava com aquela agenda em mãos, revendo cada página e novamente me

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encantando. Daquele ponto em diante, minha curiosidade me fez buscar mais informações e consequentemente indo em busca das histórias fascinantes de um povo que vive em uma terra muito distante do nosso Brasil. Um país com uma cultura tão diferente da nossa, e igualmente tão rica de lendas e seus mitos.

Com toda essa curiosidade, somado a vontade de escrever, de recriar histórias usando como base os ícones desta terra tão distante, surgiu a Mitos e Lendas Japonesas. Uma antologia que, a cada conto, apresenta ao leitor uma visão única e diferenciada apresentada por cada autora participante. Não foi uma tarefa fácil, mas o resultado final foi extremamente gratificante.

Convido a você leitor, adentrar esse vasto universo que está a sua frente, se deixando envolver por cada conto aqui escrito. Apresentamos uma fantástica viagem a um mundo repleto de histórias maravilhosas.

Sumario

Apresentação....................................5

O Guardião.......................................9Youkai............................................25Um Grito na Neve..........................43Nogitsune.......................................65O Revoar Das Borboletas...............83O Fio Vermelho Do Destino...........101As Autoras...................................131

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O Guardiao

Li Youko

O grupo de jovens acampados próximo à densa floresta nas imediações do Monte Kurama* ria imaginando o teste que pregara em um dos seus integrantes. Era

de conhecimento que alguns colégios ainda promoviam testes de coragem para algumas séries, mas tais testes eram monitorados por professores e seus auxiliares e realizados geralmente nas proximidades do colégio ou da cidade. No entanto, aquele grupo pensara em algo mais emocionante para aquela noite.

Eles, já com seus 17 anos e quase concluindo os estudos, escolheram acampar por uma noite e integrar um pouco mais o amigo, alvo do teste, nas tradições japonesas. Portanto, enquanto estavam bem acomodados, jogando conversa fora em volta da fogueira e com suas barracas já montadas, o colega penava com a prova escolhida pelo grupo.

Guilherme Nijima Ogata era nissei, filho de pais japoneses, nascido no Brasil. Passou boa parte de sua vida ouvindo as histórias que sua mãe e seu pai contavam sobre a terra natal e o quanto sentiam saudades da parte da família

* O Monte Kurama fica ao norte da cidade de Kyoto. É um local com história, literatura, arte e natureza, mas também um local de veneração, onde há vários templos, cada um com a sua divindade.

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que havia ficado no Japão. Os Nijima buscavam manter boa parte das tradições, mesmo morando em um país distante. Graças a isso, quando surgiu a oportunidade de seus pais retornarem à Terra do sol nascente, sua adaptação não foi difícil como pensou. Estava morando há sete meses no país e usava o seu nome japonês, Eiji Nijima Ogata, participava do clube de futebol e fizera alguns amigos. Amigos estes que o haviam posto em um teste de coragem, fazendo-o subir uma trilha no Monte Kurama.

— E ainda dizem que brasileiro é maldoso com pegadinhas. Os japoneses não ficam pra trás! – resmungou enquanto afastava mais alguns galhos, apontando a lanterna para o mapa em suas mãos.

O mapa desenhado por Akira Shigueto, um dos seus colegas de classe, indicava o caminho pelo qual deveria passar para chegar ao local, apontado por uma marcação no papel, onde ele deveria pegar o amuleto e retornar ao acampamento. O teste seria bem-sucedido se ele fizesse todo o trajeto no menor tempo possível, de preferência enquanto ainda fosse escuro.

— Acho que peguei algum caminho errado. Só me faltava essa! – exalou um suspiro. — Meu primeiro acampamento em Kyoto e eu me perco… – e alternava o feixe de luz da lanterna para várias direções em busca de algo que lhe indicasse novamente a trilha.

De fato, saíra da trilha. E se o mapa estivesse certo, ele estaria próximo a um pequeno santuário, local que não conseguia localizar.

— Será que eles desenharam esse mapa direito? – não pôde evitar estreitar ainda mais os olhos ao pensar que os seus amigos poderiam ter feito aquilo de caso pensado. — Eu mato o Akira! – Teve que praguejar alto enquanto dobrava o mapa e buscava o celular. Eram quase dez da noite e o aparelho não pegava sinal naquele lugar.

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Um barulho acabou por chamar atenção de Eiji, vindo da mata a alguns metros atrás dele.

— Naoki? Rapazes, são vocês? – buscou apurar a audição na direção de onde ouvira o barulho. — Melhor aparecerem… – voltou o corpo na mesma direção, apontando a lanterna que começara a falhar.

Novamente um barulho foi ouvido, dessa vez mais parecido com um rosnado baixo. Soava como algum animal, e isso fez com que Eiji se preocupasse de verdade. Estava perdido e perto de algum animal selvagem que poderia atacá-lo. De longe era o que imaginara para o acampamento com os amigos.

O rosnado, antes baixo, aumentou um tom, fazendo com que os pelos da sua nuca se arrepiassem. Ainda mais quando a lanterna, que já apresentava falha, apagou-se de vez.

— Droga! – única palavra que escapou de sua boca segundos antes de começar a correr em direção contrária ao ruído por uma subida íngreme.

A sensação de ser caçado só aumentava o desespero de Eiji. Não havia lido nenhuma notícia sobre animais perigosos naquela região. Até mesmo porque vários turistas iam até o monte para visitar seus templos. Se houvesse lido algo suspeito, tanto ele quanto os amigos não teriam escolhido aquele local para acampamento.

Vez ou outra olhava para trás, por sobre o ombro, mas não conseguia enxergar muita coisa. As copas das árvores não deixavam a iluminação da lua chegar corretamente e mais observava sombras do que qualquer outra coisa, sombras estas que em seu cérebro assustado acabavam se transformando em verdadeiros monstros.

Eiji às vezes se imaginava perseguido por uma pantera, outras vezes por algo que não conseguia distinguir além de olhos vermelhos. Olhos vermelhos assustadores,

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acompanhados de um som alto de rosnado e respiração. Seria a sua ou seria a respiração do que quer que estivesse o perseguindo? Com certeza não pararia para descobrir. Era arriscado demais, e mesmo tendo uma boa preparação física por conta dos anos jogando futebol no Brasil e por ter entrado para a equipe do colégio, seu corpo se tornava mais pesado a cada passo. A corrida era ladeira a cima, difícil, sua mente estava um caos por medo, preocupação e pela ideia de ter que se manter correndo para sobreviver. Essa tensão cobrava bastante do seu corpo, tanto que não percebeu onde estava pisando e só notou que não havia mais chão quando já era tarde demais para brecar o impulso da corrida.

Faltou chão sob seus pés! e logo uma dor excruciante se alastrou por seu corpo em queda, que era atingido – ou atingia – pedras e galhos. Seu último pensamento antes de ouvir o som de seu crânio de encontro a uma superfície dura, por certo uma pedra, foi: Alguém me ajude!

•••

Aquela era a noite da ronda de Yatori. Sojobo, o grande Dai Tengu do Monte Kurama, estava reunido com outros do clã para discutir se deveriam ou não ajudar alguns humanos que vieram ao grande templo do monte, somando isso a outros assuntos importantes para o clã. Há dias os tengus sentiam uma energia densa, corrosiva, conhecida como miasma, rondando as imediações da grande floresta. Isso indicava que algum demônio estava por perto e, como todo demônio, ousava tentar entrar na barreira de energia erguida pelo grande Sojobo apenas para desafiar o poder tengu.

A barreira protegia o caminho para os céus, denominado por muitos como Paraíso. O Monte Kurama era uma das entradas para o céu, e os tengus eram seus

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guardiões. Conhecidos desde Eras antigas como Cães Celestiais, a despeito do nome, de nada se assemelhavam aos caninos.

Tengus eram classificados em duas maneiras: Karassu Tengu, semelhantes a corvos, possuindo cabeça de ave e asas compridas em um corpo humanóide; estes eram grandes causadores de problemas; e os Konoha Tengu, chamados às vezes de Yamabushi Tengu, Monge da Montanha. Estes tinham a capacidade de se transformar em qualquer forma humana. Logo, por estarem mais próximos da humanidade, durante séculos, os Konoha Tengu tornaram-se conhecedores dos sentimentos humanos e assumiram um papel mais protetor para com as pessoas. Por conta dessa interação, sua forma de pássaro arrefeceu, transformando-se em um corpo completamente humano com longas asas e narizes ligeiramente avantajado em vez do bico de corvo.

Yatori, assim como seu clã, era um Konoha Tengu, e sempre buscava de forma discreta ajudar as pessoas que se perdiam na grande floresta, presos, às vezes, entre a névoa que dividia os territórios: o mundo dos tengus e o mundo dos humanos.

Nem todos acreditavam na existência de seres como eles. Eram mitos, lendas de uma terra. E o fato de que poucos humanos podiam vê-los, ajudava esse folclore. Seria perigoso se a ganância e a cobiça instigassem homens de má índole a invadir os domínios de Sojobo, então era melhor que a humanidade continuasse os encarando como lendas.

Seus pensamentos foram interrompidos ao ouvir um som semelhante a um grito. Do alto de uma das árvores, Yatori alçou voo, portando nas mãos um báculo com um leque de penas no topo, usado para possíveis lutas e evocações. O grito viera da mesma direção que a densa energia e provavelmente era algum humano perdido sendo atacado pelo demônio que rondava próximo à barreira.

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Seus olhos vasculharam rapidamente o local, notando que o demônio não conseguia alcançar o seu alvo. Ao se aproximar, pôde ver com clareza que se tratava de um rapaz inconsciente ao fundo do vale. A barreira o protegeu do ataque, mas não da queda.

Rapidamente Yatori girou o corpo no ar, ficando de frente ao demônio, notando a quantidade de ar corrosivo que era exalado por ele. Aquele miasma estava queimando, ressecando toda a vegetação por onde passava. Voou em direção ao ser, com o claro intuito de fazer o seu trabalho. Apesar de ser considerado um monge da montanha, era na verdade um guerreiro.

A luta não demorou mais do que alguns minutos. O demônio aparentemente não possuía conhecimento em estratégias de combate e suas ações selaram os acontecimentos. Podia ser comparado a uma besta que seguia apenas o instinto de matança e poder, sendo facilmente vencido. Agora, Yatori teria que cuidar do jovem desacordado.

O tengu aproximou-se, pousando sem nenhum barulho ao lado do corpo ferido. Vários arranhões cobriam os braços e o rosto do rapaz, e o odor acre de sangue alcançou as narinas de Yatori. O jovem estava bem machucado e ele teria que levá-lo para limpar as feridas e aplicar-lhe unguentos. Alguns minutos depois, Yatori sobrevoava parte da grande floresta com o corpo febril do garoto em seus braços.

Para ter humanos transitando dentro do território do clã, era preciso uma autorização de Sojobo, mas naquele momento o grande tengu não estava acessível. Yatori não queria violar as regras de seu clã, mas também não podia abandonar uma pessoa que carecia de cuidados. Decidido, seguiu para um dos templos menores, que alguns monges humanos às vezes cuidavam e que naquele momento estava vazio. Seria naquele local sagrado que ele cuidaria do jovem.

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O templo, apesar de vazio, estava limpo. Yatori pousou o rapaz em um canto protegido do vento e saiu rapidamente para buscar uma tina d’água, bandagens e a pasta de ervas medicinais. Precisaria arrumar comida para ele e decidiu que faria isso logo após lhe tratar as feridas. Caminhavam para o ápice da noite e tinha que agir o mais breve possível.

•••

Tudo doía. Até o simples ato de respirar fazia sua cabeça doer. E como se a realidade voltasse a si de forma brusca, Eiji arregalou os olhos, segurando um praguejar de dor para então fechá-los novamente. Ainda estava na floresta? Pelo pouco que conseguia sentir, seus braços pareciam enfaixados e sua cabeça também possuía bandagens. Um odor que lembrava menta alcançou suas narinas; aparentemente seus amigos o encontraram.

“Graças a Deus!” Pensou enquanto tentava abrir os olhos, aos poucos se acostumando com a claridade do lugar. Fitou o teto de madeira antiga que possuía símbolos entalhados em alguns pilares. O som agradável dos pássaros era o único naquele local. Seus amigos estariam dormindo? Indagou-se Eiji, e, a propósito, ficara apagado por quantas horas? Continuou a perguntar-se.

Tentou falar, chamar Akira, mas sua garganta travou. Sentia-a arder ressecada, precisava de água.

— Por favor, não se levante. Você ainda está ferido – a voz grave veio baixa, como um alerta. — Vou lhe dar água.

Eiji não reconhecia aquela voz e, ao tentar virar a cabeça, pouco pôde visualizar do homem que lhe falava.

— Tome aqui, vou erguê-lo um pouco para que possa beber sem se engasgar – Yatori calmamente levou o recipiente feito de bambu, que mais parecia um copo longo, aos lábios do jovem.