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R.C.Lewontin Genes,ambiente e organismos AntesdaSegundaGuerraMundialeporalgumtempodepoisdela (emconseqüênciadaimensanotoriedadedoprojetodabombaatômica e dapromessadeenergianuclear),afísicaea químicaeramasciências demaiorprestígio,representandomesmoaimagemdaquiloqueaciên- cia naturaldeveriaser.Quandoosamericanoseramquestionadosa res- peitodo prestígiorelativodasdiversasocupações, colocavamosquími- cos e cientistasnuclearesacimade todosos outrosramosdo saber.E atéprofissionaisdedisciplinas"leves"comoa psicologiae a sociologia levavama palmaaosmerosbiólogos.1A filosofiada ciênciaeraessen- cialmenteafilosofiadafísica;enaobracapitalsobresociologiadaciência, ScienceandlheSocialOrder, BernardBarberpodiaescrever que"abiologia aindanãoelaborouumesquemaconceitual desuperiorgeneralidade como odasciênciasfísicas.Portanto, émenosadequada comociência".2 Nós conseguimosmudartudó isso.Agoraé a biologiaqueenche as colunas científicasdos jornais nacionais,e o fascínioda televisão com os bilhões e bilhões de estrelascedeulugar ao estudoda vida sexualde milharesde espéciesanimais.A filosofiadaciênciaconstitui em nossos dias, de um modoamplo,o examede questõesbiológicas, especialmenteossuscitadospelateoriagenéticaeevolucionária. Oses- tudantesde ciênciamaissagazespreferematualmentecarreirasnoâm- bito da genéticamoleculare nãono da físicanuclear,e é de suporque mais pessoastenhamouvidofalar deWatsone Crick do quede Bohre SchrOdinger. Emparte,essenovelprimadodabiologiadeve-seànossapreocu- paçãocom a saúde,mas muito mais à reivindicaçãoda biologia de

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Page 1: LEWONTIN. Genes, Ambiente e Organismos

R.C.Lewontin

Genes,ambientee organismos

AntesdaSegundaGuerraMundiale poralgumtempodepoisdela(em conseqüênciada imensanotoriedadedo projetoda bombaatômicae dapromessadeenergianuclear),a físicaea químicaeramas ciênciasde maiorprestígio,representandomesmoa imagemdaquiloquea ciên-cia naturaldeveriaser.Quandoos americanoseramquestionadosa res-peitodo prestígiorelativodasdiversasocupações,colocavamos quími-cos e cientistasnuclearesacimade todosos outrosramosdo saber.E

atéprofissionaisdedisciplinas"leves"comoa psicologiae a sociologialevavama palmaaosmerosbiólogos.1A filosofiadaciênciaeraessen-cialmentea filosofiadafísica;e naobracapitalsobresociologiadaciência,ScienceandlheSocialOrder,BernardBarberpodiaescreverque"abiologiaaindanãoelaborouumesquemaconceitualdesuperiorgeneralidadecomoo dasciênciasfísicas.Portanto,émenosadequadacomociência".2

Nós conseguimosmudartudó isso.Agoraé a biologiaqueencheas colunas científicasdos jornais nacionais,e o fascínioda televisãocom os bilhões e bilhões de estrelascedeulugar ao estudoda vidasexualde milharesde espéciesanimais.A filosofiadaciênciaconstituiem nossos dias, de um modoamplo,o examede questõesbiológicas,especialmenteos suscitadospelateoriagenéticae evolucionária.Oses-tudantesde ciênciamaissagazespreferematualmentecarreirasnoâm-bito da genéticamoleculare nãono da físicanuclear,e é de suporquemais pessoastenhamouvidofalardeWatsone Crickdo quedeBohreSchrOdinger.

Emparte,essenovelprimadodabiologiadeve-seà nossapreocu-pação com a saúde,mas muito mais à reivindicaçãoda biologia de

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ter-setornadouma"ciênciaadequada",capazdeatenderà demandadeBarberpor "umesquemaconceitualdesuperiorgeneralidade".No níveldasmoléculas,todavidaé igual.OADN,em suasváriasformas,trans-portaa informaçãoquedeterminatodosos aspectosdavidadetodosos

organismos,do perfil desuascélulasaoperfil deseusdesejos.Ocódi-go doADNé "universal"(ouquase):istoé,a mesmamensagemdeADNserá traduzida na mesmaproteínaem qualquerespécieviva. No nível

dos organismos,a aparenteprolixidadede formase desempenhos,denutriçãoe fornicação,é explicadacomosoluçõesideaisde problemascolocadospelanatureza,soluçõesquemaximizamo númerodegenesaserdeixadoparaaspróximasgerações.

Mesmo os defeitosacidentaisaparentespOdemser explicados

pela lei universalda otimizaçãoda reproduçãopor meiodaseleçãona-tural. O leitor desavisadoacharáque um buracono troncoda árvoreé

um defeito,maso biólogoevolucionistanosasseguraráqueé um recur-

so daevolução,graçasaoquala árvoreatrairáesquilosque,emsegui-da,disseminarãosuassementespor todaparte.Nãohánenhumaadver-sidadequenãotenhasidoaproveitadaparaa seleçãonatural.

A explicaçãode todosos fenômenosbiológicos,do molecularao

social,comocasosespeciaisdeumaspoucasleisabrangentes,é o ápi-ce de um programaparaa mecanizaçãodos fenômenosvivos queco-meçouno séculoXVIIcoma publicação,em 1628.da obra Exercitatio

demotucordisetsanguinisin animalibus("Domovimentodocoraçãoedo sanguenos animais"),de William Harvey,na quala circulaçãosan-gUíneaé explicadaemtermosdeumabombamecânicadotadadetubos

e válvulas.A elaboração,por Descartes,da metáforade umamáquinageral para os organismos,na ParteV do Discurso,fez largo uso dotrabalhodeHervey,aoqualse referecoma típicaaltaneriafrancesanos

seguintestermos:"Ummédicoda Inglaterraa quemdevemoslouvarporter abertoo caminhonessaárea".Masa metáforada máquinacria um

programageralparaa pesquisabiológicaqueficacircunscritoporaque-las propriedadesqueos organismostêmemcomumcomas máquinas,objetoscompartesarticuladascujos movimentossãodesenhadosparadesempenharcertasfunções.Assim,o programaparaa biologiameca-nistaconsistiuem descreveros parafusose peçasdamáquina,mostrar

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comoaspeçasseencaixavame semoviamparafazerdamáquinaumtodoorgânico,edistinguirastarefasparaasquaisamáquinaforaconcebida.

Esseprogramateveimensosucesso.Conhecemosa estruturadosorganismosvivosnosmínimosdetalhe's,suascélulase moléculas,em-boraaindaestejamemabertoalgumasquestõesimportantes:porexem-plo, umadescriçãoadequadadasconexõesno cérebrodosorganismossuperiores,comonós.Tambémsabemosbastantesobreasfunçõesdosórgãos,tecidos,célulase inúmerasmoléculasquenosconstituem.Nemhárazãoparasuporqueo aindadesconhecidonãosejareveladograçasàs mesmastécnicase conceitosquecaracterizarama biologianos últi-mos trezentosanos.O programade Harveye Descartes,elaboradopararevelaros detalhesda bête machine,funcionou.O problemaé que ametáforada máquinadeixaalgumacoisade fora, e a ingênuabiologiamecanista,quenadamaisé quea físicaoperadapor outrosmeios,ten-tou incluir tudo à força,em detrimentode uma imagemverdadeiradanatureza.

Os problemasda biologia nãosão unicamenteos problemasdeuma descriçãoacuradada estruturae funçãodas máquinas,mastam-bémo desuahistória.Osorganismostêmhistóriaemdois níveis.Cadaum de nós começaa vida como um único óvulo fertilizado,o qual vaisofrendoprocessosde crescimentoe transformaçãoparaproduzirumassinantede TheNewYorkReviewof Books.Taisprocessoscontinuarãoe nós nos transformaremosconstantementena forma do corpo e damente,atéencerrar"essaestranhahistóriacheiadeperipécias".Alémdesuasbiografiasindividuais,os organismospartilhamumahistóriacole-tiva quecomeçouhátrês bilhõesdeanoscomaglomeradosrudimenta-res demoléculas,os quaisjá agoraestãonomeiodo caminho- deze-nasdemilhõesdediferentesespécies- e chegarãoao fim deledentrode mais três bilhões de anos, quandoo Sol consumira Terranumatremendaexpansão.Obviamente,tambémas máquinastêm histórias,maso conhecimentoda históriada tecnologiaou da fabricaçãode má-quinas individuaisnão representaparteessencialda compreensãodeseupapel.Osprojetistasdoscarrosmodernosnãoprecisamconsultarodesenhooriginalde Daimlerparaum motordecombustãointerna,nemo meumecâniconecessitasabercomofuncionaumamontadoradeauto-

móveis.Ao contrário,a perfeitacompreensãodos organismosnãopode

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prescindirdesuahistória.Assim,o problemadecomoo cérebrofuncio-na na percepçãoe na memóriaequivaleexatamenteao problemadecomo as conexõesneuraisse formaramna origem por influênciadevisões,sons,caríciase golpes.

O reconhecimentoda naturezahistóricados processosbiológicosnãoé novo.A questãode incluir as históriasindividuaise coletivadosorganismosnumagrandesíntesemecânicajá representouum conjuntoimportantede indagaçõesna biologia do séculoXVIII e na obra dosenciclopedistas.3A biologiado séculoXIXmergulhouno problemae osdois monumentosmáximosdessaciêncianaqueleséculoforamo es-quemadarwinianodaevoluçãoe o adventodaembriologiaexperimentalgraçasà escolaalemãdaEntwicklungsmechanik.

A dificuldadebásicade inseriressesfenômenosnasíntesemecâ-

nica provémde umapropriedadeinconvenientedos processoshistóri-cos,a saber,suacontingência.Ossistemasnosquaisa históriaé importan-te são sistemassobreos quais as influênciasexternasdesempenhampapelde relevoquantoà determinaçãode sua função- portanto,namedidaemqueessasforçasexternasvariam,variatambéma históriadopróprio sistema.Nãoé necessárioassumira posiçãoanárquico-extre-mistadeTolstoiparaaceitarqueo desfechodabatalhadeBorodinonãofoi determinadonempelonascimentodeNapoleãoou Kutusovnempeladisposiçãodesuastropasnodia 7 desetembrode1812.Todaconside-raçãodeacontecimentoshistóricosexigenecessariamentequeconfron-temosa relaçãoentreo sistemaobjetodenossoestudoea penumbradecircunstânciasna qual ele se insere- o queestádentroe o queestáfora.A relaçãoentreo dentroe o fora nãovemaocasoparaa máquina,excetopelo fato de o que estáfora poder interferircom seufunciona-mentonormal.Mudançasde temperaturae vibraçõesviolentasda baseondeestámontadoperturbamos movimentosregularesdo relógioe porisso o Almirantadoofereceuumarecompensaconsiderávela quemde-senhasseum cronômetronavaldealtaprecisão.O projetode incluirasbiografiasdos organismosno modelomecânicoexige,pois, quea inte-ração dentro/foraseja encaradasem comprometimentodo programacartesianodeterminista.Embriologistase evolucionistaselaboraramduasabordagensbemdiferentesà interaçãoentreo interiore o exterior,o queresolveuo problemadecriardisciplinas"desuperiorgeneralidade

J

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como a dasciênciasfísicas"- mas isso à custade sériadistorçãodenossavisãoda naturezaviva e do bloqueio,no fim de contas,dasolu-

çãodos própriosproblemasqueaquelasciênciassuscitaram.O termotécnicoparao processode mudançacontínuaduranteo

períododevidadeum organismoé desenvolvimento,cujaetimologiajárevelaa teoriasubjacentea seuestudo.Literalmente,"desenvolvimento"

significadesdobramentooudesenrolamento,metáforamaistransparenteem seusequivalentesespanhol,desarrollo,e alemão,Entwicklung(de-senovelamento).Sobesseaspecto,a históriadeum organismoé o des-dobramentoe desvelamentodeumaestruturapreexistente,tal como,ao"revelar"umafotografia,revelamosa imagemqueestavalatentenofilme

exposto.Oprocessoé completamenteinternoaoorganismo,restringin-do-se o papeldo mundoexteriorao ensejamentode condiçõesfavorá-veis nas quais possa o processoavançarnormalmente.No máximo,uma condiçãoexternaespecífica,digamosa temperaturaacimade umdeterminadomínimo, podeser necessáriaparaacionaro processodedesenvolvimento,queemseguidaprosseguegraçasà suapróprialógicainterna,como a imagemlatentese manifestaquandoo filme é mergu-lhadonasoluçãode revelação.

Umacaracterísticadasteoriasdedesenvolvimento,tantodocorpo

quantoda alma,é queelassãoteoriasde etapas.O organismoé vistocomo se passassepor umasériedeetapasordenadas,sendoo cumpri-mento bem-sucedidoda etapaanteriora condiçãoparao início da se-

guinte.Asdescriçõesclássicasdaembriologiaanimalfazem-seemter-mos de etapasdistintas,a "etapabicelular",a "etapaquadricelular",a"etapablástula[boladecélulas],a "etapanêurula[cristadenervos]"etc.Háentãoa possibilidadededesenvolvimentoparalisado,como sistemase detendonumaetapaintermediária,incapazdecompletarseuciclo devida normalem virtudede umafalha internada máquinaou de sabota-

gem do mundo exterior.As teoriasde desenvolvimentopsíquicosãoclássicasteoriasde etapa.As criançasdevempassarsucessivamente

pelasdiversasetapaspiagetianasparaaprendera lidarcomos fenôme-nos do mundoqueascerca.A teoriafreudianasupõequeaanormalida-de é conseqüênciade fixaçãona faseanal ou oral antesquese tenhaatingido o erotismo genital normal. Segundotodas essas teorias, omundoexteriorpodeapenasacionarou inibir o desdobramentoregular

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de uma seqüênciaprogramadainternamente.Portanto,a biologia e apsicologiado desenvolvimentoescamoteiamo problemada interaçãoentreo interiore o exteriornegandoa estetodopapelcriativo.

A reivindicaçãode hegemoniadasforçasinternassobreas exter-nas,nodesenvolvimento,temsido umcompromissointelectualdesdeoinício dessetipo debiologia.Asdisputasquantoa teoriasrivaisdeem-briogeniaderam-sesemprea partirdessacosmodivisão.A mais'famo-sa foi o debate,ao final do séculoXVIIIe começodo XIX,entreprefor-macionismoe epigênese.4Os preformacionistas,de uma perspectivaque noschocaqualse fosseumasuperstiçãomedieval,afirmavamqueo organismoadultoestavajá presentesobformadehomúnculono óvu-lo fertilizado(emverdade,noesperma)e queo processodedesenvolvi-mentoconsistiatãosó nocrescimentoesolidificaçãodaminiaturararefeita.

Osepigenesistas,cujavisãoprevaleceunamodernabiologia,sus-tentavamqueno ovoexistiaapenaso planoidealdo adulto,um projetoque se materializavagraçasao processode construçãodo organismo.Excetopelofatodehojeidentificarmosesteplanocomentidadesfísicas,os genesconstituídosdeADN,poucacoisamudounateoriaduranteosúltimos duzentosanos. Todavia,entreum preformacionismoconcretoque dizia haverum homenzinhoem cadaespermatozóidee um prefor-macionismoidealistaquevia umaespecificaçãocompletado adulto jápresenteno óvulofertilizado,esperandoapenaspelamanifestação,nãoexistegrandediferença,a nãoser nos pormenoresmecânicos.Umdosmaioresbiólogosmolecularesdo mundo,co-descobridordocódigoge-nético,declarounumacerimôniacomemorativado centenárioda mortede Darwinque,setivesseum computadorsuficientementepoderosoe aseqüênciacompletado ADNde um organismo,poderiacomputaresseorganismo:temosaí ecosdo séculoXVIII.O problemacom a metáforado "desenvolvimento"é queelaforneceum quadroimprecisodaverda-deira determinaçãoda biografiados organismos.O desenvolvimentonão é simplesmentea efetivaçãode um programainterno;não é umdesdobramento.Aqui,o exteriortambémconta.

Emprimeiro lugar,aindaqueos organismosapresentem"etapas"claramentedistintas,elasnãose seguemnecessariamenteumasàs ou-trasnumaordempredeterminada:o organismo,emseuperíododevida,pode repetiretapasconformeos sinais exteriores.As vinhastropicais

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que crescemnasflorestasdensascomeçama vidacomo sementeger-minadano solo. Na primeiraetapadecrescimento,a vinhaé positiva-mentegeotrópicae negativamentefototrópica- isto é, apega-seaosolo e afasta-seda luzrumoà escuridão.Comisso,a vinhaachega-seàbasede umaárvore.Encontrandoali umtronco,torna-senegativamentegeotrópicae positivamentefototrópicacomo tantas outras plantas,esobe pelo tronco em demandada luz. Nesseestágio,começaa lançarfolhasdeformacaracterística.Quandoavinhaseachabemalto naárvo-

re, ondemaioré a intensidadeda luz,a formadasfolhase a distânciaentreelasmuda,eas floresaparecem.Maisaltoainda,a extremidadedaplantamove-selateralmenteao longodeum galho,mudandooutravezaformadasfolhas,e voltaa serpositivamentegeotrópicae negativamentefototrópica:debruça-sedo galhoecomeçaa crescerparabaixo,nadire-çãodo solo. Seatingeoutrogalhoinferior,iniciaumestágiointermediá-rio; massealcançao solo, recomeçao ciclo. Dependendoa intensidadeda luze daaltura,avinhaoperadiferentestransiçõesentreasetapas.

Em segundolugar, o desenvovimentode certos organismoséconseqüênciade uma interaçãosingularentreseu estadointernoe omeio externo.Emtodos os momentosda biografiade um organismoexistea contingênciadedesenvolvimento,desortequeo próximopassodependado estadoatualdo organismoe dos sinais ambientaisque oestejamafetando.Muito simplesmente,o organismoé o resultadoespe-cífico tantode seusgenesquantoda seqüênciatemporaldeambientespelos quaiselepassou.Enãohácomosaberdeantemão,pelaseqüên-cia do ADN,a formaque o organismoassumirá.excetoem termosge-rais. Emqualquerseqüênciadeambientesqueconhecemos,leõesgeramleõesecarneirosgeramcarneiros,masosleõesnãosãotodosiguais.

Oefeitodessacontingênciasobrea variaçãodosorganismosindi-viduais é ilustradopor umaexperiênciaclássicaem genéticabotânica.5Seteexemplaresda plantadenominadaAchilleaforamcoletadosnaCa-lifórnia e cadaexemplarfoi cortadoem três pedaços.Um pedaçodecadaplantafoi replantadoem sítio poucoelevado(trintametrosacimado nível do mar),outro em elevaçãomédia(1.400metros)e outro,en-fim, nasSierras(3.050metros).Ospedaçosse transformaramentãoemnovasplantas.Osresultadosaparecemna ilustraçãocorrespondente.Orenqueinferior do desenhomostracomo os pedaçosdas seteplantas

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50 Elevação alia '10

,.

IS, Elevação média

Elevação baixas', "I .. ~~ ~ 'i" 1:.'t4 .......J ~.......J '/ ~

~""~--C~c ~ ~

,~~ .J'. .-\Jí . "i1"' ~1~ -23 24

Plantas-mães (o I 6r gens dos cor!es)

50

Reações-padrão na altura de sete diferentes plantas Achilfea(setediferentes genótipos). Uma incisão em cada planta provecou um crescimento baixo, médio e elevado na altura.(Carnegie Institutionof Washington)

Genes, ambiente e organismos 101

cresceramem baixaelevação,dispostosna ordemdecrescentede suaaltura final. Osegundorenquemostraospedaçosdasmesmasplantasem elevaçãomédiae o renquesuperioré resultadodo crescimentoemelevaçãoacentuada.As três plantasem qualquercolunaverticalsãoemgeral idênticasporquecresceramde trêspedaçosdamesmaplantaori-ginal,carregandopor issoos mesmosgenes.

Ficaclaro que não podemospredizero crescimentorelativodasdiferentesplantasquandoo ambientemuda.A plantamaisaltaembaixaelevaçãoapresentao menorcrescimentono nível intermediárioe nemconsegueflorescerali. A segundademaioralturanaelevaçãoacentuada(planta9) tem alturaintermediárianaelevaçãomédia,masé a segundamais baixanaelevaçãosuperior.Comoum todo, simplesmentenão háprevisibilidadequandose passadeumambientea outro.Nãoexisteumtipo genético"melhor"ou "maior". Emboranão possamospicar sereshumanose fazê-Ioscrescerde novoemdiferentesambientes,em todo

organismoexperimentalondeé possívelduplicara constituiçãogenéticae avaliaros indivíduosresultantesem ambientesdiversos,o resultado

geralé idênticoaoobtidocomasAchillea.A interaçãoentregenese ambientenãoesgotaas fontesdevaria-

ção no desenvolvimento.Todosos organismos"simétricos"desenvol-vem assimetriasquemudamde direçãoconformeo indivíduo.É possí-vel distinguir as impressõesdigitaisdamãodireitae da mãoesquerdade qualquerser humano.Umamosca-das-frutas,do tamanhoda pontade um lápis, desenvolvendo-seno interior de um frasco de cultura,apresentanúmerodiferentede pêlossensoriaisnos ladosdireito e es-querdo (algumasmoscastêm mais do ladodireito,outrasdo lado es-querdo).Alémdisso,essavariaçãolateralé tãograndequantoa diferen-ça entreas diversasmoscas.Noentanto,os genesem um e outro ladosãoos mesmos,parecendoabsurdosuporquea temperatura,a umidadeou a concentraçãodo oxigêniotenhamsido diferentesà direitae à es-querdado insetoem desenvolvimento.A variaçãoentreos ladosresultade eventoscasuaisno momentoda divisãoe movimentodas células

individuaisqueproduzemos pêlos,o chamadoruídodedesenvolvimen-to. Esseruídoconstituitraçouniversaldadivisãoe do movimentocelu-lar,e semdúvidadesempenhaalgumpapelnodesenvolvimentodenos-so cérebro.Comefeito,umateoriaprestigiosado desenvolvimentodo

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sistemanervosocentralcolocao crescimentoaleatórioe o engancha-mentodascélulasnervosasnabasede todoo processo.6Nóssimples-mentenãosabemosquantodadiferençanafunçãocognitivaentrediver-sos seres humanosse deve à discrepânciagenética,quanto dessadiferençase pOdeatribuir às variadasexperiênciasde vida ou ao ruídoaleatóriodedesenvolvimento.Eunãosei tocarviolacomoPinchasZuc-

kermane duvido muito que o saberiamesmose tivessecomeçadoaestudaro instrumentoaoscincoanosde idade.Elee eutemosconexões

nervosasdiferentes,e algumasdessasdisparidadesestavampresentesno momentodo nascimento- o quenãoquerdizer,porém,quea esserespeitosejamosgeneticamentediferentes.

Apesardaevidênciadevariaçãoambientalealeatóriaemtodapar-te,a biologiado desenvolvimento,comociência,fazprogressoconside-rável insistindona metáforado desdobramentoao restringiro âmbitodosproblemasporelacontempladosapenasàquelesquepOdemignoraro externoe o indeterminado.Osbiólogosdo desenvolvimentoconcen-tram-seno motivopeloquala partefrontaldeum animalé diferentede

suapartetraseirae porqueosporcosnãotêmasas- problemasquepodem,de fato, ser abordadosde dentrodo organismoe que dizemrespeitoa certaspropriedadesgeraisdomecanismo.Porquantoa elabo-ração de "esquemasconceituaisde superiorgeneralidade"é sinal dosucessode umaciência,quebiólogose afastarádaestradade Estocol-mo parachafurdarno lamaçaldavariaçãoindividual?Assim,as limita-ções de nossos esquemasconceituaisditam não apenasa forma denossasrespostasa perguntas,mastambémqueperguntastêmo direitodeser"interessantes".

OmaiortriunfodabiologiadoséculoXIXfoi, éclaro,aelaboraçãoda explicaçãomecanistae materialistaparaa históriadavidacomoumtodo. A palavra"evolução"tem a mesmaraiz de "desenvolvimento"esignifica, ao pé da letra,o desdobrarde umahistória imanente.Comefeito,algumasteoriaspré-darwinianascorrespondiamà metáfora,sen-do a maisinfluentedelasa deKarlErnstvonBaer,quefundiua embrio-

logiaea evoluçãoemseuconceitoderecapitulação.Nesseesquema,osorganismosavançados,emseudesenvolvimentoindividual,passamporumasériedeetapascorrespondentesaosadultosdesuasformasances-

trais menosevoluídas.Querdizer,o desenvolvimentodelesrecapitula

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suahistóriaevolucionária.Portanto,a evoluçãoprogressivaconsistenoacréscimode novasetapas,mastodaespéciepassarápor todasas eta-pasantigasem suajornadado ovoaoadulto.Écomefeitoverdadequenum estágioembrionárioanteriornóstivemosguelrascomo os peixes,conexõesintracardíacascomoos anfíbiose rabinhoscomoos cães,tra-ços quedesapareceramà medidaquefomosamadurecendo:assim,comcerteza,trazemosem nossashistórias individuaisos traços de nossaevolução.

A teoriadarwinianarompeuradicalmentecom essavisão interna-lista. Darwinaceitavaa contingênciadaevoluçãoe alinhavouumateoriaem quetantoasforçasinternasquantoas externasdesempenhavamseupapel - mas de forma assimétricae aleatória.O primeiro passo dateoria é a completaseparaçãocausalentreo internoe o externo.Nolamarckismo,ocupadocom a hereditariedadedoscaracteresadquiridose a incorporaçãodo exteriorao organismoemconseqüênciados esfor-ços deste,nãoháseparaçãoclaraentreo queestádentroe o que estáfora.A diferençacapitalentreDarwine Lamarcké suanítidadelimitaçãodo dentroe do fora,do organismoe doambiente,bemcomosuaaliena-ção dasforçasatuantesno interiordo organismodasforçasoperantesno mundoexterior.Segundoo darwinismo,existemmecanismosinter-nosaos organismosqueos levama variarentresi quantoàscaracterís-ticas herdadas.Emtermosmodernos,sãomodificaçõesdos genesquecontrolam o desenvolvimento.Taisvariaçõesnão são induzidaspeloambiente,mas produzidasao acasoem obediênciaàs imposiçõesdomundo exterior.Há lá fora um mundo independentee construídoporforçasautônomasquenãosofrea influênciadosorganismoseestabele-ce as condiçõesparaa sobrevivênciae reproduçãodasespécies.O in-terno e o externose confrontamapenaspor intermédiodo processoseletivode reproduçãoe sobrevivênciadiferenciaisdaquelasformasor-gânicasquearrostam,por acaso,o mundoexteriorautônomo.As queoarrostamsobreviveme se reproduzem,o restoé eliminado.Muitossãoos chamadose poucosos escolhidos.

Eis o processode adaptação,graçasao quala coletividadevemaser caracterizadaapenaspelasformasquecasualmenteatendemàs de-mandaspreexistentesdeumanaturezaexterior.A naturezaapresentaaosorganismosproblemasqueelestêmderesolverparanãoperecer.Natu-

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reza:ame-aou deixe-a.De novoa metáforacorrespondeà teoria.Por"adaptação"entendemosa modificaçãoe harmonizaçãode um objetocom vistas a enfrentaruma contingênciajá dada,tal qual os turistasamericanosquelevamum transformadorparafazerseusbarbeadoresesecadoresde cabelofuncionaremnasvoltagenseuropéias.A evoluçãoporadaptaçãoé aevoluçãodeorganismoscoagidospelasexigênciasdeum mundoexternoautônomoa resolverproblemasqueelesnãosusci-taram;sua únicaesperançaé que a força internade mutaçãoaleatóriapossaapresentara solução.Destemodo,o organismose tornao nexopassivode forçasinternase externas.Écomoseelenãofosseo atordesuaprópriahistória.

O ambienteseparadodo organismoera, paraDarwin,um passonecessáriona mecanizaçãoda biologia,substituindoa interpenetraçãomísticade interiore exteriorquenãotinhanenhumabasematerial.Maso queé um passonecessárionaconstruçãodo conhecimento,emdadoinstante,torna-seum obstáculoem outro. EmboraLamarckestivesse

erradoao acreditarque os organismospudessemincorporaro mundoexteriorem suahereditariedade,Darwinnãoo estavamenosaoasseve-rar a autonomiadascoisasde fora.Oambientedeum organismonãoéum conjunto preexistentee autônomode problemasparaos quais osorganismosprecisamencontrarsolução,poisos organismosnãoapenasresolvemproblemascomoos criam.Assimcomonãohá organismosemambiente,nãoháambientesemorganismo."Adaptação"émetáforaerradaetemdesersubstituídaporalgomaisapropriadocomo"construção..

Em primeiro lugar, se de fato existe um mundo exterior inde-pendentede qualquercriaturaviva, a totalidadedessemundonãodeveser confundidacomo ambientede um organismo.Osorganismos,porsuas atividadesvitais, determinamaquilo que é relevantepara eles.Constroemseuambientea partirda justaposiçãode parafusose peçasdo mundoexterior.Emmeujardim hátouceirasdegramasecaao redorde uma grandepedra.Os papa-moscasrecolhema gramaparafazerninhos nasempenasda casa,masa pedranãoé relevanteparaelesenão faz partede seuambiente.A pedra,porém,faz partedo ambientedos tordos, que a utilizamcomo uma bigornaparapartir caramujosabicadas.Nãomuito longevê-seumaárvorecom um grandeburaconotronco que faz partedo ambientede um pica-pau,o qual tem ali seu

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ninho;maso buraconãoexistenomundobiológicodospapa-moscasetordos.Asdescriçõesqueos biólogosoferecemdo"nichoecológico"de

um organismo(por exemplo,um pássaro)têm uma.retóricareveladora.Dizemeles:

.Os pássaroscomeminsetosvoadoresna primavera,masmudamparapequenassementesno outono.Fazemo ninhodegrama,palhae argilaacercadeummetroacimadosolo,numaforquilhadaárvo-re,e nelecriamtrêsouquatrofilhotes.Quandoosdiastêmmenosdedozehoras.voamparao Sul."]

Cadapalavra,aqui, é umadescriçãodasatividadesvitais do pás-saro e não de uma naturezaexternaautônoma.De fato, não se pode

julgar o quesãoos "problemas"colocadospelanaturezasemdescrevero organismoparao qual se afirma que tais problemasexistem.Numcertosentidoabstrato,voarpelosaresconstituium problemapotencial

paratodos os organismos,masesseproblemanão.existeparaas mi-nhocasque, em conseqüênciados genesquecarregam,passama vidametidasnaterra.Assim,tal comoa informaçãonecessáriaparaespecifi-car um organismonãoseachacontidainteiramenteemseusgenes,masem partetambémem seuambiente,os problemasambientaisdo orga-nismo são conseqüênciade seus genes.Os pingüins,que passama

maior parteda vidadentrodaágua,transformaramsuasasasem nada-deiras.Emqueetapadaevoluçãodosancestraisaladosdos pingüinsoato denadarsetornouum problemaa serresolvido?Nãosabemos,mas

é de presumir que essesancestraisjá tivessemfeito da nataçãoum.aspectoimportantedesuasatividadesantesquea seleçãonaturalfavo-recessea mudançadeasasparanadadeiras.Ospeixesnadame asavesvoam.Etambéma origemdovôoapresentaproblemas.Umanimalque

não voa e projetaasasrudimentaresnãoconseguese alçarcom elas,como se podeverificarfacilmenteagitandoum par de raquetesde pin-gue-pongue.A forçade elevaçãoaumentaaos poucosconformeo au-mentodaáreadesuperfíciedasasaspequenas,eabaixodedeterminadotamanhonãoháelevaçãoalguma.Por outro lado,mesmoas diminutasmembranasquepodemsergiradastornam-seexcelentesequipamentos

paradissiparcalor ou absorvê-Io da luz do sol, sendoquemuitasbor-boletasutilizamsuasasascomessafinalidade.Nossahipóteseé queas

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asasnãoaparecerampararesolvero problemado vôo, maseramregu-ladoresdecalorque,aumentandodetamanho,deramao insetoalgumaforçaascensionale,assim,transformaramo vôo num novoproblemaàesperadesolução.

Umavez que os organismoscriam seusprópriosambientes,nãopodemoscaracterizaroambienteexcetoempresençadoorganismoqueelerodeia.Utilizandorecursosópticosadequados,é possívelver queexisteumacamadadevaportépidoenvolvendocadaum denóse subindopelasuperfíciedocorpo,projetando-setambémdoaltodenossascabeças.Essacamada,presenteemtodosos organismosquevivemnoar,é resultadodaproduçãodecaloreáguapornossometabolismo.Assim,levamosconosconossaprópriaatmosfera.Quandoo ventosoprae dissipaesseenvoltório,ficamosexpostosao mundoexteriore só entãonosdamoscontado frioquerealmenteestáfazendo.Talosignificadodofatorvento-frio.

A tentativade definir um ambientena ausênciade organismospodeoneraros contribuintese embaraçaros cientistas.OMarsLander,entreoutrosprojetos,levavaumequipamentoparadetectarvidaemMarte.Umadassugestõesparaesseequipamentoeraumaespéciede línguaca-pazdedesenrolar-se,apanharpóe retrair-se,colocandoo póaomicroscó-piocujasimagensseriamdevolvidasparaaTerra.Temosaío testemorfoló-gicodavida.Sesemexesseeapresentasseformasugestiva,acoisaestariaviva.Maso desenhofoi rejeitadoemproldeumtestefisiológico.

OMarsLanderlevavaumaspiradorcontendomisturaradioativa.Umtubosugariao póparadentrodamisturae detetorescaptariama produçãodedióxidodecarbonoradioativoquandoos organismosmarcianosmeta-bolizassemamistura.E,comefeito,houveproduçãodedióxidodecarbonoparaimensa,emborabreve,alegriadosobservadoresdaTerra.Infelizmente,a produçãode dióxidode carbonoparousubtamente,de um modonadacaracterísticonasculturasbacterianas,e apósmuitadiscussãodecidiu-sequeafinaldecontasnãohaviavidaemMartee queasobservaçõesresulta-ramdereaçõesquímicasnasuperfíciedopó.Oproblemacomaexperiênciafoi queela definiaa vidaem Martecriandoum ambienteparaessavidabaseadonosambientesterrestres.Ora,osambientesterrestressãoo pro-duto dos organismosterrestres.Atésabermoscomosãoos organismosmarcianos(se os há de fato),não estaremosem condiçõesde montarambientesaptosaapanhá-Ioseexaminá-Ios.

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Emsegundolugar,todoorganismoe nãoapenasa espéciehuma-naseachaemprocessodemodificarseuambiente,criandooudestruin-do seus próprios meiosde subsistência.Nostermosda filosofia am-bientalista,entre todasas espéciessó o ser humanoestáem vias de

aniquilar o mundo que habita,a naturezaque,não sendoperturbada,encontra-seem harmoniae equilíbrioimutáveis.Nadaháaquia nãoserromantismorousseauniano.As espéciesconsomemseus próprios re-

cursosespaciaise nutricionais,gerandonesseprocessolixo tóxicoparasi mesmase paraseusdescendentes.Todoatodeconsumoé umatodeproduçãoe todo ato de produçãoé um ato deconsumo.Qualquerani-mal,quandoinspirao preciosooxigênio,expirao venenosodióxidodecarbono- venenosoparaele,masnãoparaas plantas,queo aprovei-tam.ConformeobservouMort Sahlcertafeita,por maiscruéise insen-

síveis que sejamos,toda vez que respiramosfazemosuma flor feliz.Todoorganismopriva seussemelhantesdeespaçoe, quandocomeedigere,excretaprodutostóxicosemsuaprópriafreguesia.

Em alguns casos,dentro de suafunçãonormal,os organismos

impedemqueseusdescendentesos sucedam.Quandoas terraspedre-gosasda Nova Inglaterraforam abandonadaspor ocasiãoda corridaparao Oeste,após1840,oscamposincultosforaminvadidospelomatoedepoispor pinheirosbrancos.Nocomeçodadécadade1900pensou-sequeos pinheirosseriamboafontede lucrosemtermosdemadeiraepolpa,maselesnãopuderamsubstituirasi mesmose cederamlugaraomatobravo,imediatamentedepoisdecortadose lentamentequandodei-xadosintactos.O problemaé queos brotosdepinheironãogostamdasombrae nãopodemcrescernumafloresta- nemmesmonumaflo-restade pinheiros.As plantasadultascriam uma condiçãoadversaaseusprópriosdescendentes,de modoquesó podemsobrevivercomoespéciese algumassementesconseguirem,como os filhos dos fazen-deiroseuropeusdos séculosXVIII e XIX,colonizarnovasáreaslivresondenão sejam oprimidaspor seus pais. Entretanto,todo organismo

produztambémas condiçõesnecessáriasà própriaexistência.As avesfazemninhos, as abelhasfazemcolméias,as toupeirasfazemtocas.Quandoas plantaslançamraízes,modificama texturado solo e excre-tamprodutosquímicosqueencorajamo crescimentodefungossimbió-ticos, os quaiscontribuemparasuanutrição.Formigasdevoradorasde

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cogumelosrecolheme mastigamfolhasqueespalhamjuntamentecomos esporosdoscogumelosdevorados.A cadainstanteasespéciesestãocriandoe recriando,benéficaou prejudicialmente,suasprópriascondi-çõesdeexistência,seupróprioambiente.

Pode-seobjetarquealgunselementosimportantesdo mundoex-terior são impingidosaos organismospelasleis da natureza.Afinal,a

gravitaçãoseriaumfatoda naturezamesmoqueNewtonnuncahouves-se existido. Masa relevânciadasforçasexternasparaum organismo,mesmose tratandoda gravitação,acha-secodificadaem seusgenes.Somosoprimidospelagravidade,ficamoscom os péschatose as cos-tas curvasemvirtudedenossograndetamanhoe daposturaereta,am-bosconseqüênciasdos genesqueherdamos.As bactériasvivendonummeio líquido,nãoexperimentama gravidade,masestãosujeitasa outraforça física "universal",o movimentobrowniano.Por seremmuito pe-quenas,as bactériassão impelidaspelosmovimentostermaisaleatóriosdas moléculasdo meio líquido,forçaque,felizmente,nãonos atiradeum cantoa outrodasala.As forçasnaturaisoperameficazmentedentrode certosparâmetrosde tamanhoe distânciaa fim de que os organis-mos,à medidaquecresçameevoluam,possammover-sedeumcampode forçasparaoutro.Todosos organismoshojeexistentesevoluírameestãoaptosa sobrevivernumaatmosferacompostapor 18% de oxigê-nio, um elementoextremamentereativoe quimicamentepoderoso.Noentanto,os organismosprimitivosnãotinhamdese havercomo oxigê-nio livre,ausentedaatmosferaaboríginecomsuaselevadasconcentra-çõesdedióxidodecarbono.Osprópriosorganismosé queproduziramo oxigêniopor intermédiodafotossíntese,baixandoo dióxidodecarbo-no a umapercentagemreduzidae oracoletadaem vastosdepósitosdecalcário,carvãoe petróleo.A visãocorretadaevoluçãoé, portanto,a deco-evoluçãodos organismose seusambientes,sendocadamudançanum organismoao mesmotempoa causae o efeitode mudançasnoambiente.O dentroe o fora de fato se intetpenetram,e o organismoétantoo produtoquantoo sítioda interação.

A visãoconstrucionistadeorganismoe ambientetemconseqüên-cias paraa açãohumana.Um movimentoambientalracionalnãopodeser edificadosob encomendaparasalvaro ambiente,queemtodocasosequerexiste.Decertoquenãoqueremosviver nummundomaisfeio e

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malcheirosoqueo dehoje,ondea vidasejamaispobre,sórdida,solitá-ria e embrutecidado quejá é.Todavia,essedesejonãopodeserrealiza-do pelaexigênciaabsurdadequeos sereshumanosparemdemodificaro mundo.Refazero mundoé a tarefauniversaldos organismosvivos,

tarefaqueestáinextricavelmenteligadaà suanatureza.Melhorqueisso,temosde decidirem quetipo demundoqueremosviver e depoistentarcontrolaro processodemudançao máximoquepudermos.

Notas

1. o estudooriginal.emfins dadécadade1940,foi feitoporC.C.Northe P.K. Hatt."JobsandOccupations:A PopularEvaluation",in L. Wilsone W.L.Kolb, Soci%gica/Ana/ysis,HarcourtBrace,1949.Estudosposterioresfor-necerampraticamenteosmesmosresultados.2. FreePress,1952,p. 14.3. EmOsonhodeD'A/embert.deOiderot.tantoasexposiçõesemvigrliado

médicoBordeuQuantoas divagaçõesoníricasde O'AlemberttratamdessasQuestões."QuemsabeQueraçasde animaisnos precederam?QuemsabeQueraçasdeanimaisnossucederão?",indagaO'Alembertemsonhos."Quemdiria Queo velhotedobradosobrea bengala,cegoe trôpego,porémmaisdiferentepor dentrodoQueporfora,é o mesmohomemQueontemsaltitavagalhardo.poucose incomodandocoma cargaQuelevava?",perguntaBor-deu.EssasQuestõesbiológicaspreocupavamtantoa filosofiaQueOiderotfazMadamedeL'Espinassedizersarcasticamente:"Nãohádiferençaalgumaen-treummédicoacordadoeumfilósofoadormecido".4. Parauma visãoacuradae informativadessedebate,ver ShirleyRose,Matter,LifeandGeneration:Eighteenth-CenturyEmbry%gyandtheHaller-WolffDebate,CambridgeUniversityPress,1981.5. J. Clausen,O.O.KeckeW.W.Hiesey,"EnvironmentalResponsesofClimaticRacesofAchilled',CarnegieInstitutionofWashingtonPublication581,1958.6. A teoriaseletivadaformaçãodosistemanervosocentraléexplicadaemG.Edelman,Neura/Darwinism:TheTheoryof Neurona/GroupSe/ection,BasicBooks,1989.7. O sofisticadoobservadorde pássarosnãoreconheceránenhumpássarorealnessabiografiacompósita.