letramento e educação na sociedade pós-moderna: por outras

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UNISAL Tatiane de Oliveira Biason Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras gramáticas de compreensão de mundo Americana 2013

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Page 1: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

UNISAL

Tatiane de Oliveira Biason

Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna:

por outras gramáticas de compreensão de mundo

Americana

2013

Page 2: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

UNISAL

Tatiane de Oliveira Biason

Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna:

por outras gramáticas de compreensão de mundo

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Maria Luisa Amorim Costa Bissoto.

Americana

2013

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Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB 104/2012

UNISAL: Unidade de Ensino de Americana

B475l Biason, Tatiane de Oliveira. Letramento e educação na Sociedade Pós- Moderna: Por outras gramáticas e compreensão de mundo. / Tatiane de Oliveira Biason. – Americana: UNISAL, 2013. 24f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo Orientador (a): Profa. Dra. Maria Luisa Amorim Costa Bissoto. Inclui Bibliografia. 1. Pós- Modernidade. 2. Letramento. 3. Linguagem 4. Educação Sociocomunitária I. Título. II. Autor CDD - 370.115

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Autora: Tatiane de Oliveira Biason Título: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras gramáticas de compreensão de mundo

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação do curso de Mestrado em Educação Sociocomunitária do Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido em 06/03/2013, pela comissão julgadora: ____________________________________ Professora Doutora Claudia da Silva Santana Unimep – Piracicaba/SP ____________________________________ Professor Doutor Antonio Carlos Miranda Unisal – Americana/SP ___________________________________________ Professora Doutora Maria Luisa Amorim Costa Bissoto Unisal – Americana/SP

Americana 2013

Page 5: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus pela oportunidade e pela conquista

deste sonho, pela proteção durante as viagens e por me dar forças para

superar as dificuldades que permearam o meu caminho.

Aos meus pais, meus ídolos, que sempre me apoiaram nos estudos e

nunca mediram forças para que eu pudesse realizar meus sonhos. Em especial

a minha mãe que compreendeu as minhas ausências nas reuniões de família e

sempre me apoiou nos estudos, e ao meu pai “in memoriam” que não pode

acompanhar de corpo presente o decorrer desta trajetória, mas com certeza

está orgulhoso dessa minha conquista.

Ao meu marido, Luiz Fernando, pela paciência, compreensão e

companheirismo, sempre me auxiliando nas dificuldades e me encorajando a

enfrentar os obstáculos do caminho.

A todos os professores que acompanharam a minha trajetória,

incentivando e guiando os meus passos, favorecendo o meu desenvolvimento

pessoal e profissional.

A minha orientadora, Professora Doutora Maria Luisa Amorim Costa

Bissoto, por todo conhecimento compartilhado, pelo incentivo, pela

disponibilidade nos atendimentos, por dividir comigo a responsabilidade e o

compromisso durante o desenvolvimento desta pesquisa.

Em especial a minha amiga Érica por dividir alegrias e angústias, por

compartilhar os meus desabafos me incentivando e me apoiando em todos os

momentos.

A todos os meus colegas pelas trocas de experiências e pela parceria

desenvolvida no decorrer do curso.

Page 6: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

“Conseguir-se-á mais com um olhar de bondade com uma palavra animadora,

que encha o coração de confiança, do que com muitas repreensões que só

trazem inquietações e matam a espontaneidade.”

Dom Bosco (1815 – 1888)

Page 7: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

Resumo

Este trabalho tem por objetivo discutir as concepções de alfabetização e

letramento possíveis de emergir no contexto da sociedade pós-moderna, em

especial em relação às características das múltiplas linguagens, do apelo ao

multiculturalismo e de produção do conhecimento, que parecem próprias a

essa sociedade, buscando compreender a atuação que a escola pode ter

nesse contexto. Acredita-se que seja possível favorecer a educação dos

sujeitos na sociedade pós-moderna refletindo-se sobre as diferentes

gramáticas de mundo dessa emersas e a necessidade de uma formação

escolar e sociocomunitária, que compreenda a leitura como forma

emancipatória de se fazer sujeito. Metodologicamente, consiste em um estudo

teórico de caráter conceitual, a partir de pesquisa bibliográfica e de um estudo

de livros didáticos voltados para a alfabetização e o letramento, que buscou

analisar como esses trazem para a escola a apropriação da linguagem escrita

dentro das categorias: concepções de alfabetização/letramento, multi e

interculturalismo e diversidade de linguagens. A base epistemológica utilizada

para guiar essa análise foi a teoria histórico-cultural, por possibilitar a discussão

do letramento enquanto linguagem socioculturalmente construída,

compreendendo-a como elemento organizador de mundo. Como resultados

alcançados têm-se que a instituição escolar ainda continua privilegiando uma

visão monoculturalista de mundo/sujeitos, restrita em relação à diversidade e

possibilidades linguísticas e, assim, à interpretação do real. Ainda há um longo

caminho a percorrer para que a escola se constitua, de fato, como

favorecedora de outras gramáticas de compreensão e transformação do

mundo.

Palavras-chave: Pós-modernidade, Letramento, Linguagem, Educação

sociocomunitária.

Page 8: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

Abstract

The present study aims to discuss the possible concepts of “alfabetização”1 and

“letramento”2, literacy, to raise in the context of postmodern society, particularly

relating to the characteristics of multiple languages appealing

to multiculturalism as well as knowledge production, which seems peculiar

to this society, seeking to understand the role that schools can play in

that context. It is believed that it is possible to favor the education of

the subjects in postmodern society reflecting on the different grammars and the

need for education and socio-community that understands reading as a way of

making the subject emancipated. Methodologically, it consists of a theoretical

study of conceptual nature, from literature and a study of textbooks focused

on literacy. It also examined such books bringing the acquisition of written

language to school within the categories: conceptions of literacy, multi and inter-

culturalism and diversity of languagesThe epistemological basis used to

guide this analysis was the cultural-historical theory, which made the

discussion of literacy as socioculturally constructed language possible,

understanding it as an organizing element of the world. As a result,

schools still favor a vision of monoculturalism of the world/subjects, restricted in

relation to linguistic diversity and possibilities, and thus the interpretation of

reality. There is still a long way to go until the school constitutes itself, in fact, as

favoring other grammars of understanding and transforming the world.

Keywords: Postmodernism, Literacy, Language, Education Sociocommunity.

1 Alfabetização: individual that can read and write.

2 Letramento: status or condition assumed by that individual that knows how to read and write

(usage of the language).

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Ansiedade 56

Figura 02: Sujeito-leitor-autor-tecnológico 57

Figura 03: Cadeira de três pés 58

Figura 04: Urso 59

Figura 05: Atividade de produção de texto – Bilhete 84

Figura 06: Atividade de produção de texto – Curiosidade 91

Figura 07: Atividade oral – Dê a sua opinião 101

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Modernismo e pós-modernismo 20

Quadro 02: Culturas populares e culturas dominantes 65

Quadro 03: Guia para análise dos aspectos interacionais 78

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1 – PÓS-MODERNIDADE E LINGUAGEM: POSSIBILIDADES

INTERPRETATIVAS 17

1.1 – Caracterização do período pós-moderno 22

1.2 – O contexto educacional pós-moderno 33

1.3 – A linguagem na pós-modernidade 35

2 – A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO 39

2.1 – Alfabetização e letramento: concepções e dilemas 39

2.2 – As concepções de alfabetização e letramento 41

2.3 – Os processos de ensino e aprendizagem na

formação de sujeitos letrados 46

2.4 – O letramento, a escolarização e as práticas sociais 53

2.5 – O letramento e a linguagem na pós-modernidade 57

3 – LETRAMENTO E PÓS-MODERNIDADE: CONSTRUINDO NOVAS

GRAMÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO DE MUNDO – UM DESAFIO PARA A

EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA 61

3.1 – A gramática e por outras gramáticas 61

3.2 – A cultura e a educação no mundo globalizado 63

3.3 – O desafio da educação frente ao multiculturalismo da sociedade

contemporânea 66

3.4 – As práticas escolares frente ao multiculturalismo e à linguagem

intercultural 70

3.5 – Análises de livros didáticos 74

3.5.1 – Contextualização da pesquisa 74

3.5.2 – Análise das coleções quanto às atividades de letramento e

alfabetização 79

3.5.3 – Análise dos dados 102

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4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 105

REFERÊNCIAS 108

Page 13: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

12

INTRODUÇÃO

A sociedade atual, denominada por alguns autores como pós-moderna,

requer uma educação que corresponda às novas exigências sociais. Crianças

e adolescentes são educados em meio a uma diversidade de estímulos e

experiências, potencializados por um avanço tecnológico desenfreado, em que

as mudanças acontecem a cada instante e a acessibilidade aos mais diferentes

meios de comunicação está cada vez mais facilitada. O reflexo disso pode ser

sentido nas dificuldades postas hoje à formação dos jovens, que se mostra

muitas vezes confusa e pouco adequada, colaborando para um viver social

conflituoso, pouco capaz de buscar estratégias para solucionar os seus

próprios problemas.

Segundo Pourtois:

[...] a educação atual está em crise. Crise de sentido, crise de complexidade. Ela se confronta com o desafio de responder as necessidades das crianças e dos adultos que vivem num mundo caracterizado pela exaltação da mudança, pela perda de sentido e de certeza, pela falta de referências. [...].(POURTOIS, DESMET, 1999, p.19).

Em contrapartida a essa situação encontra-se o mercado de trabalho,

que exige formação escolar aprimorada, excelência profissional e qualidade

total do seu desempenho.

Nesse quadro encontra-se a escola, com o papel precioso de formar

cidadãos críticos e ativos, capazes de intervir e transformar a sociedade em

que vivem, e que atualmente não conseguem inovar as suas práticas e

recursos pedagógicos, tornando-se obsoletas em seus discursos e

desconectas com as necessidades de formação da sociedade contemporânea.

Percebe-se que em meio às desordens, rupturas e crises da sociedade

pós-moderna a escola apresenta-se persistente em moldes fixados, os quais

foram muito relevantes para a sociedade tradicional (“mecanizada, analógica”)

à qual serviu, mas ineficaz para a sociedade atual: “virtual e/ou digital”.

Continua a empregar recursos “estáticos”, como o giz, a lousa e o livro didático,

com vistas à preparação do cidadão para atuar e viver numa sociedade onde

os recursos audiovisuais, as redes sociais, a interatividade, enfim, as múltiplas

linguagens emergentes da era digital predominam no meio social. E que,

Page 14: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

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embora tantas vezes desconsideradas pela escola, em especial a escola

pública, se mostram essenciais para a compreensão e atuação do sujeito no

mundo, e na busca de uma transformação social e da emancipação humana. A

formação do sujeito social, crítico e político depende da compreensão dessas

diferentes linguagem, e da formação do pensamento crítico do sujeito em

relação ao meio em que vive.

Há um contraste entre a formação escolar- anacrônica- e a formação de

cidadãos para viver e fazer frente aos desafios e contradições existentes na

sociedade pós-moderna. A escola continua em seu processo de transmissão

do conhecimento, desconsiderando as circunstancialidades de cada sujeito em

formação, a cultura e o meio social de cada indivíduo é influenciado e moldado

pela cultura e sociedade imposta pela escola, a qual historicamente foi

construída com o propósito de atender o povo da elite. Este contraste requer

uma reflexão profunda sobre o papel da escola e da educação nessa

sociedade e, ao mesmo tempo, sobre os conceitos atuais de alfabetização e

letramento, bases primordiais no processo de formação e inclusão social do

indivíduo.

Neste sentido, esta pesquisa pretende discutir primeiramente os

conceitos de modernidade e pós-modernidade, com o intuito de caracterizar o

período no qual nos encontramos, compreender as transformações das novas

organizações e estruturas sociais emergentes na pós-modernidade, visando

pensar sobre como preparar o sujeito para os novos cenários que se

apresentam, as possibilidades de uma atuação social efetiva, para discutir e

“dar conta” das necessidades desta sociedade; sujeito ativo e transformador

do meio no qual encontra-se inserido. Estes objetivos de formação não são

especificamente desse período denominado como pós-moderno, são

decorrentes desde a modernidade, porém esta pesquisa visa compreende-lo e

discuti-lo no contexto social contemporâneo, com a intenção de aprimorar os

procedimentos educacionais com vistas a adequá-los socialmente aos sujeitos.

Posteriormente, a discussão tratará sobre os conceitos de alfabetização

e letramento, visando à compreensão e distinção de ambos, com o propósito

de ampliação do conceito de letramento, entendendo-o não como somente a

utilização social da língua escrita em sua norma culta, mas sim como o

Page 15: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

14

conhecimento e a utilização das diferentes linguagens emergentes da cultura

pós-moderna.

A linguagem Moderna é representada sob um sistema de normas

denominado pelo conceito de gramática, que a orienta e a padroniza de forma

unilateral, e pela qual todo o sistema de ensino se baseia. O que freia o estudo

de novas possibilidades de linguagens, através de regras impostas que

impedem o pensamento crítico e a compreensão de novas estruturas

contemporâneas de dizer o mundo, de se organizar, enfim, os diferentes

sistemas simbólicos existentes, que proliferam na pós-modernidade.

Através deste estudo pretende-se discutir o conceito de alfabetização,

entendida como regrada exclusivamente pela gramática da língua culta e,

assim, inerentemente limitadora de formas de pensamento e expressão, e a

necessidade de introduzir o multiculturalismo, através do letramento, com o

propósito de compreender esse como não somente vinculado à leitura-escrita,

mas como possibilidade de domínio dos diferentes sistemas simbólicos

existentes na sociedade contemporânea e, dessa forma, como importante

agente organizador e emancipador de mundo. A problemática que se coloca,

nesse sentido, é então: Como a escola pública, em especial aquela da

formação inicial, vem tratando a questão do acesso à linguagem? Práticas

reprodutoras de exclusão social vêm sendo mantidas pela concepção de “letrar

alfabetizando”, embora os discursos contemporâneos sejam outros? Pode a

escola desenvolver o acesso à linguagem de forma a emancipar

socioculturalmente os sujeitos?

Não tenho a pretensão de responder todas essas questões, mas penso

que elas são importantes para a reflexão dos educadores e para a construção

de uma educação de qualidade.

Diante destas considerações a pesquisa refletirá sobre a educação

contemporânea, analisando as diferentes possibilidades de transformação da

prática escolar com vistas a uma educação promotora da leitura etno-política

de mundo, possibilitando ao aluno as capacidades de conhecer, interpretar,

discutir e se apropriar dos diferentes sistemas de linguagens, decorrentes da

cultura pós-moderna.

Neste contexto a educação e o aprendizado sistematizado das

linguagens passa a ser compreendida como formação do sujeito capaz de

Page 16: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

15

gerenciar as incertezas e imprevisibilidades da sociedade contemporânea. Ou

seja, apropriar-se das transformações nas formas de produzir e organizar o

conhecimento, considerando como relevante a atuação da escola, mas

entendendo que esse é um processo que se estende para além dessa.

Essa pesquisa consiste de um estudo conceitual, desenvolvida através

da análise crítica e reflexiva sobre a educação na sociedade pós-moderna e do

letramento, objetivando a reflexão desse como organizador das diferentes

possibilidades da linguagem da contemporaneidade, importante fundamento

para a emancipação do sujeito. As referências bibliográficas compreendem

obras de autores conceituados nos temas abordados, como Lyotard, Giddens,

Hall, Bauman, Boaventura Souza Santos, Vygotsky, Magda Soares, Tfouni,

Kohl, Saviani, entre outros.

Objetiva-se analisar as condições atuais do processo de educação na

sociedade pós-moderna, fazendo um levantamento das concepções de

educação vigentes, da multiplicidade de linguagens e da queda das barreiras

entre conhecimento disciplinares; argumentando-se a necessidade de

voltarmos o olhar para o processo de formação educacional inicial, nas

questões vinculadas à alfabetização e ao letramento. Processo este primordial

tanto pelo acesso que favorece a cultura científica como para que a escola

desempenhe seu potencial papel como formadora de cidadãos críticos e ativos

na sociedade.

No mundo pós-moderno torna-se essencial o entendimento das muitas

possibilidades linguísticas abertas graças aos recursos multimidiáticos, assim

como da linguagem escrita e das múltiplas formas de produzir e divulgar

conhecimentos, bem como o domínio dos recursos tecnológicos existentes e a

utilização dos mesmos no cotidiano, favorecendo a atuação do sujeito na

sociedade circundante.

Portanto, a função educativa assume maior importância nessa nova sociedade; terá uma meta: formar sujeitos com identidade sólida que embora possam encontrar-se em situação difícil, se definirão como pessoas autônomas, responsáveis, capazes de engajar-se e respeitar os compromissos, inventivos, com auto-imagem positiva e aptos a assumir papéis sociais. [...]. (POURTOIS & DESMET, 1999, p.14).

O presente estudo enquadra-se na linha de pesquisa “A intervenção

educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis”; visando

Page 17: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

16

contribuir com o processo educacional através das análises das concepções

atuais de educação dos professores e da sociedade, da discussão sobre o

conceito de letramento, com foco nas diferentes linguagens da sociedade pós-

moderna, e a formação oferecida pela instituição escolar.

Considera-se que a pesquisa se justifica por favorecer o enriquecimento

e a adequação no processo de formação do indivíduo, trazendo para discussão

questões que, entende-se aqui, não vem sendo endereçadas. Como resultados

espera-se elaborar um material conceitual que leve à reflexão sobre as

necessidades de formação educacional na sociedade pós-moderna e as

mudanças necessárias à instituição escolar para atender a essas

necessidades, considerando o letramento como “porta de entrada” para a

constituição de novas gramáticas sociais.

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17

1. PÓS-MODERNIDADE E LINGUAGEM:

POSSIBILIDADES INTERPRETATIVAS

Para iniciar a discussão proposta para esse capítulo considera-se

necessário apresentar uma reflexão sobre as contraposições que podem ser

traçadas entre modernidade e pós-modernidade. A interpretação dos conceitos

de modernidade e pós-modernidade percorrem amplas esferas de posições

teóricas, que vão desde a negação do conceito de pós-modernidade em si até

as defesas de definições mais contundentes, transformando e reinterpretando

as diferentes situações do real. Abaixo, se encontram as ideias de filósofos,

sociólogos e pesquisadores, as quais foram relevantes na compreensão e o

entendimento de ambos os termos, ampliando os questionamentos e

possibilitando uma reflexão diversificada sobre este assunto.

Em relação à compreensão da modernidade, o autor pós-moderno

Lyotard (1993, p.21), define: “A modernidade, seja qual for a época que date, é

sempre inseparável do enfraquecimento da crença e da descoberta do pouco

de realidade da realidade, associada à invenção de outras realidades”. O autor

refere-se à modernidade como parte da pós-modernidade: segundo ele não há

modernidade sem pós-modernidade, a modernidade é o nascimento, o

conhecimento primeiro, o presentificável, e a pós-modernidade é o sublime, o

sentimento não presentificável e de difícil exemplificação.

Para Petrônio (2007), o termo “pós” em pós-modernidade, dá ênfase a

uma visão de algo novo, levando à ideia de sucessão cronológica do “novo”

visto como mais válido, preferível em relação ao velho e ao tradicional,

afirmando porém que a pós-modernidade nada mais é do que a mesma

modernidade.

A nossa cultura se desenvolveu com o intenso preciso de transformar o passado em “papel branco”, de modificar definitivamente as coisas. Cultura de ruptura, que se fez acreditar e impor como “nova” (adjetivo, como dito, hoje sinônimo de bom, antes, de melhor), que combate e aniquila o “antigo”. Para não ver se esvair, com o tempo, essa sua essencial razão de ser, terminou por fixar de uma vez por todas os cânones do moderno, especificando-lhes de maneira que coincidissem exatamente com os próprios e tornando-se, assim, perenemente nova, perenemente jovem, perenemente Moderna. (PETRÔNIO, 2007, p. 26).

Page 19: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

18

Nesta concepção acredita-se na pós-modernidade como um nome novo

para definir e especificar uma situação já existente, oferecendo a ela um status

especial por ser determinada como nova. Assim, para este autor, a pós-

modernidade se configura na extensão, na continuidade da modernidade,

enquanto que para Lyotard os períodos são distintos, porém interdependentes.

Na visão de Goergen (2005) a modernidade se conceitua através do uso

da razão pelo homem para a solução dos problemas, substituindo uma cultura

teocêntrica e metafísica por uma antropocêntrica e secular. O moderno se

caracteriza pela fé na racionalidade e no progresso, buscando a união da razão

e da verdade. O autor considera que a modernidade, embasada na razão,

deixa de acreditar apenas na divindade para a conquista da salvação e passa a

tentar descobrir os segredos da natureza, as suas regularidades, para

disponibilizá-la ao homem através da tecnologia e assim alcançar a “redenção”.

Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos (2003, p.76): “o

paradigma cultural da modernidade constituiu-se antes de o modo de produção

capitalista se ter tornado dominante e extinguir-se-á antes de este último deixar

de ser dominante.” Em sua obra destaca que não há como definir pós-

modernidade se nos encontramos em um período de crise, de transição,

adjetivos que muitos outros autores empregam quando tem se referido à pós-

modernidade como “ruptura” de época. No entender de Santos a pós-

modernidade está totalmente imbricada ao período moderno.

A concepção de Petrônio (2007) e Boaventura Sousa Santos (2003) se

relacionam, ambos defendem a pós-modernidade como uma extensão do

período moderno, ou melhor, que nos encontramos em um período de

transformação da modernidade, desconsiderando assim a utilização do termo

pós-moderno.

A interpretação de Lyotard em relação à modernidade encontra-se

relacionada com a compreensão das belas artes e da literatura, por permitirem

uma reflexão social, histórica e unilateral de ambos conceitos. O autor defende

que a arte e a literatura favorecem um sentimento do sublime, exemplificado

por ele como um sentimento impresentificável. Ele considera como arte

moderna favorece o reconhecimento de algo presentificável, o que faz ver e

conceber o que não se pode ver. Segundo Lyotard (1993, p.24), “Uma obra só

pode ser considerada moderna se primeiro for pós-moderna. O pós-

Page 20: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

19

modernismo, entendido assim, não é o modernismo no seu estado terminal,

mas no seu estado nascente, e esse estado é constante”. O moderno e o pós-

moderno imbricam-se pois o moderno baseia-se na estética do sublime, na

capacidade de expressar de forma presentificável o prazer e a dor, e o pós-

moderno seria o que o moderno considera como impresentificável na própria

presentificação. “Pós-moderno devia ser entendido segundo o paradoxo do

futuro (pós) anterior (modo)”. (LYOTARD, 1993, p.26).

As ideias de Goergen se fundamentam no viés do controle da ordem

social pela Igreja, exercido anteriormente à modernidade, função que passa a

atribuir-se à política, enquanto instituição social, na modernidade. De acordo

com Goergen (2005, p.16): “A modernidade é o processo de desencantamento

da organização religiosa no mundo. O desencantamento representa a dispensa

de uma ordem transcendental legitimante”. A ordem social deixa de ser

controlada pela religião e passa para a política, com o indivíduo participando

mais autonomamente dos rumos da sociedade, tendo por objetivo não

satisfazer uma ordenação divina de caminho para a eternidade, mas sim a

emancipação do ser humano através da ciência e da tecnologia.

De acordo com Goergen (2005, p.35) “... a controvérsia modernidade

versus pós-modernidade reflete uma contradição da própria realidade atual.” O

autor acredita que não basta uma interpretação da realidade anunciando o fim

da história, como relatam os pós-modernos, mas diante das transformações da

atualidade garantir ao ser humano a possibilidade de interferir nos rumos de

história individual e coletiva. Nessa concepção, enquanto a modernidade é

marcada pela razão, a pós-modernidade é uma crítica às metanarrativas, uma

ruptura de época, uma negação à história. Se antes a modernidade era

marcada pelo domínio e exploração da natureza, hoje a pós-modernidade se

efetiva pelo domínio e manipulação da própria vida humana.

Considera-se que tal situação encontra-se firmada na atualidade, através

da presença das máquinas, que estão no mercado de trabalho em substituição

à atividade humana, com custos reduzidos, precisão nos resultados e processo

rápido de produção. Infelizmente, o homem não percebeu que estava criando o

seu próprio substituto moderno.

No entender de Boaventura Souza Santos (2003) a modernidade,

enquanto projeto sociocultural é demarcado como o período que transcorre

Page 21: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

20

desde o século XVI e finais do século XVIII. Posteriormente, o trajeto histórico

da modernidade encontra-se ligado ao capitalismo e ao desenvolvimento da

industrialização nos países centrais, e mesmo estando ligado ao

desenvolvimento circunstancial de cada país, o autor ainda faz a distinção de

três períodos modernos: capitalismo liberal, capitalismo organizado e

capitalismo desorganizado. Segundo o autor, nos encontramos atualmente no

terceiro período, em que há a necessidade de outros paradigmas para tentar

que se cumpra o que ficou a desejar na modernidade. O autor justifica e

defende que a modernidade se assenta em dois pilares principais, o da

regulação e o da emancipação, cada um com suas próprias especificidades e

com autonomia de expandir-se infinitamente, gerando inúmeras contradições

com vistas à vinculação de ambos para a obtenção da racionalização global da

vida coletiva e da vida individual.

Percebe-se que segundo Boaventura de Souza Santos, o projeto da

modernidade foi marcado por excessos de transformações com o propósito de

concretizá-lo, transformações estas consideráveis para a compreensão da

atualidade, em que diferentes situações de ordem política, social e religiosa

encontram-se vinculadas ao período moderno, tornando assim inconsistente a

negação deste e reforçando a ligação de interdependência entre a

modernidade e a pós-modernidade.

Para Petrônio (2007), a escolha de um nome para designar uma época

favorece a sensação de um ser novo, dinâmico, aberto à mudança; essa

vontade representativa tem a finalidade de se impor e representar-se como

novo, ganhando consistência e poder perante o antigo, e tornando-se uma

representação da realidade. Mas a “realidade” pós-moderna não deixa de ser a

mesma modernidade, que como o próprio nome diz encontra-se sempre

atualizada- moderna.

Connor (2004) explicita o quadro representativo de Hassan, que

possibilita visualizar as oposições entre o modernismo e pós-modernismo,

baseado na fundamentação literária:

Modernismo

Romantismo/simbolismo

Forma (conjuntiva/fechada)

Pós-modernismo

“Patafísica”/Dadaísmo

Antiforma (disjuntiva, aberta)

Page 22: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

21

Propósito

Projeto

Hierarquia

Domínio/Logos

Objeto de arte/Obra acabada

Distância

Criação/Totalização

Síntese

Presença

Centração

Gênero/fronteira

Paradigma

Hipotaxe

Metáfora

Seleção

Raiz/Profundeza

Interpretação/Leitura

Significado

Lisible (Legível)

Narrativa/Grand Histoire

Código dominante

Sintoma

Genital/fálico

Paranoia

Origem/causa

Metafísica

Determinação

Transcendência

Espontaneidade

Acaso

Abarquia

Exaustão/Silêncio

Processo/Performance/Happening

Participação

Descriação/Desconstrução

Antítese

Ausência

Dispersão

Texto/Intertexto

Sintagma

Parataxe

Metonímia

Combinação

Rizoma/ Superfície

Contra a Interpretação/Desleitura

Significante

Scriptible (Escrevível)

Antinarrativa/Petit Histoire

Idioleto

Desejo

Polimorfo/Andrógino

Esquizofrenia

Diferença-Diferença/Vestígio

Ironia

Indeterminação

Imanência

Quadro 01: Modernismo e pós-modernismo (CONNOR, 2004, p. 94)

A análise de cada item acima relacionado favorece a compreensão das

características específicas de cada período, distinguindo o domínio e as

particularidades dos períodos moderno e pós-moderno.

Page 23: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

22

Embora os pesquisadores não cheguem a um consenso em relação aos

conceitos modernidade e pós-modernidade, as suas controvérsias possibilitam

uma nova forma de compreensão da realidade, ampliando os campos de

pesquisa e as discussões sobre a formação da sociedade.

A presente pesquisa usará o termo pós-moderno para caracterizar o

período atual no qual nos encontramos, sem desconsiderar a consistência e a

importância das ideias dos autores modernos, mas pensando na relevância das

transformações ocorridas nas últimas décadas para a constituição atual da

sociedade. Tema que será tratado a seguir.

1.1. Caracterização do período pós-moderno

Lyotard (1993) destacou três pontos para conceituar o “pós”, referente ao

conceito pós-moderno, com o propósito de extinguir as divergências e

confusões sobre os conceitos modernidade e pós-modernidade.

O primeiro ponto destaca o desaparecimento da relação do moderno

com a emancipação da humanidade no aspecto global. A universalidade e o

progresso racional da humanidade são desconsiderados na pós-modernidade,

a qual se alimenta de repetições e extensões de fragmentos do projeto

moderno. Pensando assim, o autor conclui que o pós-moderno encontra-se

intrinsecamente ligado ao moderno, há uma sucessão em ambos os períodos,

que nos permite caracterizá-los e distingui-los, mas sem desconsiderá-los

como existentes.

O segundo ponto refere-se ao declínio da ideia de um progresso geral da

humanidade, o qual se fundamentava na concepção de que as descobertas só

seriam validadas se contribuíssem para a emancipação da humanidade. A

evolução das tecnociências contribuíram para a desestabilização do homem,

que em vez de usufruir dela para a sua emancipação, tornou-se obrigado a

“correr atrás” das inúmeras novidades, se tornando escravo desse processo de

complexificação social. Nesta concepção a humanidade perdeu a simplicidade

e encontra-se dividida entre a complexidade e o desafio da sobrevivência.

A nossa procura de segurança, de identidade, de felicidade, que provém da nossa condição imediata de seres vivos, e até de seres sociais, parece hoje não ter qualquer pertinência com essa espécie

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23

de obrigação em complexificar, mediatizar, numerizar, e sintetizar qualquer objeto, modificando-lhe a escala. Estamos no mundo tecnocientífico como se fôssemos Gulliver, umas vezes demasiado grandes, outras demasiado pequenos, nunca numa escala apropriada. (LYOTARD, 1993, p.96).

O terceiro ponto, que segundo o autor é o mais complexo, relaciona-se

com a pós-modernidade e as expressões do pensamento: arte, literatura,

filosofia e política, as quais encontram-se presentes e marcantes em toda

trajetória histórica humana e são de extrema relevância para a compreensão

do período pós-moderno.

A pós-modernidade consiste num período marcado pelos grandes

conflitos sociais, nos quais a humanidade parece se encontrar perdida, e nos

quais diversas vezes perdemos a nossa identidade como seres em humanos.

Período marcado por tragédias ambientais e sociais oriundas do

comportamento humano e do desrespeito a si próprio e ao outro, em que o

individualismo é a primazia, e a busca pelo prazer ultrapassa todos os limites

da ética. Ética que transcorre longe da compreensão humana, pela qual se

aspira à liberdade como prazer imediato e individual. Sem os limites e as

regras que provem da ética o homem se perde no emaranhado das relações

sociais e o respeito ao próximo e a si próprio, base de toda relação, se tornam

inexistentes, gerando assim os conflitos.

Goergen (2005, p.08)

A capacidade de intervir através dos recursos da ciência e da tecnologia na natureza e na vida, de invadir os espaços mais íntimos e influenciar os destinos individuais e os rumos da sociedade, de formar opiniões e manipular vontades, desacoplados dos verdadeiros interesses humanos e sociais tornou novamente e tragicamente atual a discussão do tema da ética.

A atualidade vem sofrendo mudanças consideráveis de padrões éticos e

morais, os padrões que antes eram regidos por normas religiosas estão sendo

desconsiderados em prol de uma busca constante pela satisfação e felicidade,

ultrapassando assim todas as regras e limites antes impostos pela sociedade, e

criando novas maneiras de viver e conviver, novas regras, novos caminhos,

novas estruturas familiares, enfim, novas concepções de vida. O prazer de

saber, de ter, de conhecer, de possuir, de ir além do que se considera possível,

de ultrapassar barreiras proibidas, de competir, leva o homem à destruição de

si próprio e do meio em que vive.

Page 25: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

24

Os avanços tecnológicos contribuíram efetivamente para o

desenvolvimento da sociedade, porém, agregados a eles surgiram novos

problemas, os quais vêm se agravando e desafiando o conhecimento humano.

Considera-se que o meio ambiente seja o grande desafio do homem da

atualidade. Cuidar e preservar o meio em que vive está sendo uma tarefa difícil

de ser cumprida, a incansável busca por soluções eficazes dão origem a um

grande mercado de ideias, que inovam a cada instante, mas não conseguem

se concretizar. A busca por recursos renováveis, técnicas de reaproveitamento,

reciclagem, enfim, a política ambiental está no topo dos assuntos emergentes

que precisam ser resolvidos em nosso país e no mundo, e transcendem todo o

setor político, econômico, cultural e educacional de nossa sociedade, tornando-

se um marco desse período.

Pode-se afirmar que a cultura pós-moderna se caracteriza, então, pelas

constantes transformações sociais, éticas e econômicas que perpassam os

diferentes setores organizacionais da sociedade. A heterogeneidade, a

fragmentação e a velocidade das transformações são responsáveis pela

condição na qual a sociedade se encontra, ou melhor, tenta se encontrar.

A cultura pós-moderna é um elemento de reflexão constante por permear

a estabilidade do sujeito enquanto identidade cultural e suas relações com o

social. Apresenta-se marcada pela “crise da modernidade”, entendida como o

período da desordem, de um volume de transformações sem precedentes, e

em contradição a esta crise surge a pós-modernidade, como “restauradora” da

ordem social.

As mudanças experimentadas pelas sociedades contemporâneas, nos últimos tempos, alteraram as formas como os homens sentem e representam para si mesmos o mundo onde vivem. Há uma enorme dificuldade de sentir e representar o mundo contemporâneo, pois a sensação vigente é de irrealidade, de vazio e de confusão. A capacidade de representação da razão humana estaria se esvaziando progressivamente. Estaríamos diante do predomínio de um princípio esvaziador que atuaria em todas as esferas do mundo e da sociedade moderna, envolvendo suas instituições e suas formas simbólicas e imaginárias. (EVANGELISTA, 2001, p 30.)

A cada dia é mais comum detectarmos alguns dos traços considerados

próprios da cultura pós-moderna, o descentramento de valores, a

indeterminação de “verdades”, a descontinuidade, o individualismo, o consumo

incessante, e a inesgotável geração de informação marcam o nosso cotidiano e

Page 26: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

25

permeiam todas as práticas sociais contemporâneas. A mídia de massa

contribui, em geral, com a transformação da cultura e da economia em

mercadorias, fortalecendo assim o sistema capitalista e, automaticamente,

limitando as raízes de um aprofundamento cultural, modo de oposição ao

consumo desenfreado, provocando mudanças nos hábitos, atitudes de

consumo e nas relações entre os sujeitos.

Com a expansão do mercado de consumo os hábitos familiares se

transformaram, tudo o que antes era produzido no meio doméstico passa a ser

produto de consumo, gerando assim a dependência humana do mercado em

busca da satisfação e do bem estar humano. Neste contexto as mercadorias

apresentam-se como possibilidades de realização de sonhos e fantasias dos

consumidores, visando apenas à satisfação dos mais diversificados desejos,

que podem ser consumidos. A mídia de massa atua fortalecendo os desejos

infindáveis dos consumidores por diferentes bens e experiências, que julgam

serem capazes de suprir os descontentamento e o vazio oriundos do

esvaziamento da vida cotidiana, tornando o consumo reificado e característica

essencial da sociedade pós-moderna (BAUMAN, 1998).

Nessa sociedade do consumo incessante as relações de poder se

configuram hierarquicamente, quem consome mais apresenta maior prestígio,

assim a futilidade do ter e da aparência apresentam-se como elementos

predominantes da contemporaneidade. O homem tenta se satisfazer pelo

consumo, mas ao mesmo tempo promove a insatisfação e a ansiedade

decorrente do vazio que permeia o seu cotidiano. O que Bauman (1998) define

como o mal-estar da pós-modernidade.

Para Connor (2004, p. 149),

Na cultura popular, como em outros campos, a condição pós-moderna não é um conjunto de sintomas simplesmente presentes num corpo de evidência sociológica e textual, mas um complexo efeito do relacionamento entre prática social e a teoria que organiza, interpreta e legitima as suas manifestações.

As práticas culturais são representativas da sociedade, são elementos

das múltiplas diferenças nela existentes. Na cultura pós-moderna, por exemplo,

o rock e a moda surgem como elementos representativamente pós-modernos,

considerados como articuladores de identidades culturais dos marginalizados e

favorecedores da multiplicidade estilística e da mobilidade genérica (CONNOR,

Page 27: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

26

2004). Diante disso a cultura da pós-modernidade é apresentada como uma

forma de inclusão do diferente, do marginalizado, através da reciclagem de sua

própria história, ou seja, da negação dessa, da inovação sem originalidade

autentica em favor da comercialização, do fluxo rápido do consumo do

momento.

Em termos mais amplos, deve-se reconhecer, o rock pode ser considerado a forma cultural pós-moderna mais representativa. Isso porque ele personifica à perfeição o paradoxo central da cultura de massas contemporânea: o seu alcance e influência globais unificadores, de um lado, combinados com a sua tolerância e criação de pluralidades de estilos, de mídia e de identidades étnicas, do outro. (CONNOR, 2004, p.151)

Através do rock, como acima exemplificado, é possível a celebração da

subculturas, oportunizando às camadas populares a se expressarem e

oferecendo oportunidades de visibilidade, a fim de expandirem a pluralidade de

experiências culturais e étnicas. Dando a impressão de que essa pluralidade é

respeitada quando, em verdade, trata-se de mais um modo de expansão da

ideia de nulificação das diferenças. A moda, que por sua vez é entendida como

uma forma de linguagem representativa, que marca a identidade do sujeito,

encontra-se totalmente vinculada ao capitalismo, na pós-modernidade. Através

dos diferentes estilos e da mistura deles gera-se a “inovação”, marcada pela

desordem e estimulada pela rebeldia ao consumo.

Na moda, na música, na arte, na escrita, a maneira obvia de resistir a essa condenação à invisibilidade pareceu ser a insistência do grupo marginal em ser visto (e ouvido). Assim, o estilo cult ou subcultural é um meio de alcançar ou proclamar formas de visibilidade de grupo que dependem, para terem seu efeito radical ou desestabilizador, de sua atrevida abertura à visão. (CONNOR, 2004, p. 158).

A visibilidade dos grupos marginalizados, tanto no rock como na moda,

apresentam-se interligados aos grupos dominantes, que agem sobre a indústria

da publicidade, favorecendo assim a mercantilização cultural e promovendo a

dependência em vez da libertação dos sujeitos. Ainda segundo Connor (2004,

p. 158): “Boa parte da teoria cultural contemporânea apresenta-se como um

empreendimento partidário, falando em nome da dignidade e do valor de toda

uma gama de práticas e experiências que podem ser ignoradas por relatos

dominantes da cultura de elite.”

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27

Neste sentido, a cultura pós-moderna que deveria ser representativa da

identidade cultural de um grupo, se firma como um elemento mediado e

administrado através da visibilidade em favor da cultura do consumo. A pós-

modernidade apresenta os seus elementos culturais como mercadorias,

prontas para saciar a insaciedade do sujeito pós-moderno.

Em relação às estruturas organizacionais da sociedade percebe-se que

a família, a religião, a política, a economia e a educação são elementos

primordiais para o desenvolvimento social e necessitam de um olhar

investigativo sobre as suas transformações e as consequências destas na

sociedade pós-moderna.

A família, base de sustentação das experiências do indivíduo com o

mundo, permite que o sujeito aprenda a se relacionar e a conviver com o outro;

é através do respeito às normas e condutas que os indivíduos conseguem se

socializar e conviver em grupos. As aspirações coletivas da família são

traçadas geralmente pelos pais, representantes do poder e da autoridade no

grupo, e devem ser comuns a todos os seus integrantes. De acordo com

Romanelli (1995, p. 75):

É no processo constantemente reposto da convivência doméstica que a família se constitui efetivamente como grupo, tanto na prática quanto na representação de seus integrantes. Como grupo organizado para assegurar a manutenção de todos, pais e filhos podem pensar a família como coletividade cuja coesão deve ser mantida para a consecução de objetivos comuns.

Através da vivência no grupo familiar os sujeitos aprendem a

compreender as relações do presente e programar o futuro, com vistas à

emancipação familiar. Os pais acompanham o desenvolvimento dos filhos e

cuidam da manutenção do grupo, direcionando a ordem e a determinando

funções e papéis de cada elemento do grupo.

[...] a ação da família, como grupo de convivência, é marcada por uma dinâmica intensa, que demanda de seus integrantes um constante exercício de repensar o presente e o futuro, o que os leva a reorganizarem continuamente suas estratégias. (ROMANELLI, 1995 p.76).

Os genitores, antes da pós-modernidade, tinham esses seus papéis bem

definidos de sustentar e cuidar de sua prole, respaldando-os com valores

essenciais para o bom relacionamento com o mundo, servindo como âncoras

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28

de sustentação nas necessidades e dificuldades apresentadas no decorrer do

desenvolvimento humano. Hoje, apresentam-se como figuras representativas

na busca pelo poder, educa-se para os desafios e para o valor de vencê-los, e

por esta determinação ensinam o ultrapassar todos os limites impostos

socialmente. Ensina-se a quebrar as barreiras éticas e morais, relativizando-as

em busca da satisfação individual, a qual nunca é alcançada em plenitude.

Com as transformações oriundas do cultura pós-moderna a reestruturação

familiar tornou-se constante e ao mesmo tempo frágil, e o indivíduo encontra-se

na permanente busca de novos meios de se adaptar, de novos modelos de

vida, enfim, de uma forma de se estabelecer no mundo.

Os vínculos familiares pautados pelo cuidado e pelo amor hoje tornam-

se sustentados pelo capital, sendo que todos os cuidados necessários para a

formação do indivíduo são repassados a terceiros, que ganham para

desenvolverem tal trabalho, assim, os membros das famílias se encontram

cada vez mais distante e desconhecedores dos próprios problemas e da

formação de seus filhos. O que gerenciava a estrutura das organizações

familiares era a hierarquia, permeada pela distribuição do poder entre os seus

membros. A religião atuava como fortalecedora desta organização,

empoderando esta conceitualização através da utilização de doutrinas

religiosas, que reforçavam tal posicionamento, com o propósito de manter a

ordem social. Enquanto esta organização se mantinha os conflitos tornavam-se

mais fácil de serem controlados, camuflados e omitidos, gerando assim uma

sensação de controle de tal ordem.

No período denominado como pós-moderno e caracterizado pela

desordem social, os conflitos emergem a todo momento, diante das mais

diversas situações e sempre com o caráter de novo, devido às mudanças no

contexto no qual se desenvolvem, as resoluções destes estão sempre

recorrendo a novas estratégias, com o intuito de amenizar tal situação, em prol

de favorecer o desenvolvimento de uma “cultura pacificadora”. Mas que

mascara as razões dos conflitos, pela anulação das identidades envolvidas.

Em meio a uma sociedade marcada por conflitos constantes encontram-

se os educadores, que aspiram à emancipação humana através da pacificação,

a qual é consolidada camuflando e evitando os conflitos, que são emergentes

das relações sociais. Em vez de optar por uma cultura de resolução de conflitos

Page 30: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

29

percebe-se que a escola atua no sentido oposto, evitando e inibindo-os, a fim

de “pacificar”, e esquecendo que as aprendizagens são decorrentes dos

conflitos existentes no meio no qual o indivíduo encontra-se inserido. O ser

humano em seu processo de aprendizagem precisa ser instigado a sair de sua

área de conforto, o que ocorre através dos conflitos, para buscar novas

possibilidades de solução dos problemas, o que resulta em novas

aprendizagens.

A educação necessita de atualizações, tanto pedagógicas como

estruturais, para tornar-se interessante, atrativa e desafiadora, a fim de

estimular os discentes e os docentes na busca pelo conhecimento, o qual é

capaz de transformar e emancipar o homem e o meio em que vive, o qual faz

emergir no ser humano novos conhecimento e com intuito de transformar o

mundo, tornando-o mais adequado às necessidades sociais. A sociedade pós-

moderna, no âmbito geral, conceitua a educação como instrumento de

transformação social, embora a participação, os investimentos e contribuições

ao ensino sejam escassos. É preciso saber de que transformação se fala.

Na contemporaneidade, a escola é vista como um estudo formal

obrigatório, o qual é rotulado, por uma política que prega a igualdade de

direitos, como “escola para todos”. Que igualdade desejamos, aquela de um

padrão “neutro”, estabelecido na volatilidade de valores, que caracteriza a pós-

modernidade, ou a da oportunidade de conviver, respeitar e valorizar as

diferentes culturas? Por que se está sempre querendo impor um padrão de

cultura aos mais desfavorecidos? Por que um país tão rico em diversidade

cultural escolariza e padroniza os diferentes saberes, tornando-os

uniformizados, com base numa didática conteudista, chave de todo

aprendizado formal? Por que não formamos cidadãos aptos para atuarem nas

comunidades em que vivem, buscando recursos, organização social e

ajudando a superar as necessidades das mesmas?

O padrão de ensino instaurado pela escola da contemporaneidade

facilitou o controle sobre os conteúdos do ensino, fornecendo uma base

mínima de parâmetros curriculares no país, porém trouxe consequências

negativas como o enquadramento de todos os estudantes nas mesmas

necessidades de aprendizagem, desconsiderando assim as

circunstancialidades de cada indivíduo, o individualismo acentuado promovido

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30

pela escola, a dificuldade em se trabalhar as relações sociais, promovendo

assim o desenvolvimento do saber lidar com conflitos, com a atenção às

necessidades coletivas, dentre outros.

Num escorço explicativo em relação à sociedade pós-moderna,

considera-se aqui que essa se fundamenta em quatro pilares: a pluralização de

comportamentos, ideias, informações, recursos tecnológicos, empreendimentos

econômicos, enfim, das esferas da vida social; a base econômica neoliberal; a

desconstrução de identidades e as novas formas de produzir, organizar e

difundir o conhecimento, representada pela emersão da multiplicidade de

linguagens. Esses pilares serão mais bem analisados abaixo:

a) Pluralização

De acordo com Teixeira (2010), a pluralização é compreendida pela não

aceitação do absoluto e é marcada pelas inúmeras opções de escolha, que

norteiam o caminho do homem. As considerações moralistas são entendidas

como violação dos direitos se transformando em preconceito e intolerância, e a

unificação de uma verdade produz revolta, gerando conflitos por falta de

opções. A religião neste contexto é entendida como uma das verdades, não

sendo considerada como absoluta: tudo é discutível e as escolhas são

permitidas. A sexualidade também não é padronizada, mas sim uma opção,

uma escolha livre e que deve ser respeitada. A evasão da obrigatoriedade é

decorrente do pensamento de que tudo é relativo, baseado na visão utilitarista

da vida.

Na sociedade pluralizada as questões éticas, que antes eram

formadoras da ordem, são desconsideradas: tudo é permissível e aceitável; os

valores são temporários e diversidade de ideias, comportamentos, informações

são renováveis a cada instante, gerando assim uma instabilidade social

fundada por uma exaltação insaciável pelo novo, pelo ter e pelo poder.

b) Neoliberalismo

O neoliberalismo é marcado pela globalização comercial que interfere

diretamente na expansão comercial, influenciada pela cultura do consumo

desenfreado. Apresenta-se fortalecido pelo desenvolvimento das empresas que

a cada dia ampliam o fluxo de produção e comercialização de serviços,

caracterizando como uma nova fase do desenvolvimento social marcada pelas

políticas comercial e financeira, onde os recursos tecnológicos são relevantes

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31

para a expansão do comércio e o desenvolvimento do mercado. Nos termos de

Carcanholo e Baruco (2008, p.11):

O neoliberalismo, enquanto discurso e posicionamento político-ideológico também parte da afirmação que a sociedade viveria uma nova era. Este novo mundo, sob a denominação de globalização, seria caracterizado pelo aumento no fluxo internacional de bens e serviços (globalização comercial), expansão das empresas transnacionais e de suas operações em distintos países, afirmação de uma nova (a terceira) revolução tecnológica (estes dois últimos aspectos conformariam a globalização produtiva), e a maior integração e interpenetração dos mercados financeiros (globalização financeira).

Neste aspecto o neoliberalismo apresenta-se como parte do contexto

histórico do capitalismo e como um caminho único de inserção no mundo

globalizado.

Para Bauman (2001), o neoliberalismo aumentou as incertezas,

favoreceu o individualismo, e provocou a desordem, tudo passou a ser

desregulado, passamos da modernidade sólida para a líquida, na qual o poder

perde a centralização e passa a ser de todos, possibilitando aos indivíduos a

liberdade de escolha e ao mesmo tempo a responsabilidade por suas escolhas;

o sistema de estrutura da sociedade passa a ser interpretado como um sistema

de redes, no qual todos encontram-se interligados e os planejamentos

apresentam-se de forma imediatista, suprindo apenas a necessidade do

momento.

c) Desconstrução de identidades

O período pós-moderno, marcado pelas desconstruções e reconstruções

constantes, também interfere no processo de identidade do sujeito, a partir do

momento em que o indivíduo se perde no emaranhado de informações, sem

conseguir se organizar, sem uma referência de base, a qual “antigamente” era

imposta pela estrutura familiar, passa a não mais se identificar, perdendo assim

a noção de suas bases e buscando novos referenciais e novas bases para se

firmar no mundo; com isso a sua identidade encontra-se num constante

processo de construção e reconstrução.

De forma a perceber o tempo, o espaço, o outro e o mundo ao entorno,

Harvey (1992) cita que a obsessão pela desconstrução e a deslegitimização de

incessante pode levar à destruição de toda base racional, promovendo assim a

desorientação humana e, consequentemente, a destruição social.

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32

d) Novas formas de produção do conhecimento

As transformações nas formas de agir, de pensar e de atuar no mundo

contemporâneo trazem a necessidade de se pensar em novas maneiras de

produzir e organizar o conhecimento, de forma que o mesmo seja instigante e

útil, tanto para o aprendente como para a sociedade em geral, proporcionando

assim uma maior eficiência no sistema de ensino.

Enquanto a escola busca a objetividade e a universalidade do

conhecimento, mantendo-se no paradigma das “grandes narrativas”

explicativas de mundo, sociedade pós-moderna, na qual a escola se encontra

inserida, encontra-se pautado nas “micronarrativas”, nas explicações de

contextos particularizados, de elogio da diversidade de recursos, informações,

e nas inúmeras opções de escolhas, que se colocam aos indivíduos. Nesse

contexto a escola encontra-se situada em meio a tantas transformações e

inovações tecnológicas e sociais, mas ainda mantém como base orientadora

um currículo uniforme e unilateral, que não atende às reais necessidades do

viver e do pensar do mundo contemporâneo.

A escola é reconhecida como uma instituição de produção de

conhecimentos necessários para o ser humano viver, compreender, se

relacionar e atuar na sociedade, contudo, encontra-se atualmente arraigada a

costumes e tradições não condizentes com as necessidades da sociedade

atual, perdendo assim a sua credibilidade enquanto instituição de ensino e

passando a representar local de perigo, violência e agressividade, bem como

de exclusão social.

Neste sentido faz-se oportuno pensar em uma educação significativa,

que transforme o sujeito em favor de sua emancipação social. Ribeiro Silva

(2008) descreve esta relação da educação da sociedade pós-moderna

destacando:

Pensar a educação na atualidade exige, essencialmente, pensar a sociedade de que ela faz parte e os princípios que regem essa sociedade e seus processos educativos. Nesse raciocínio, compreende-se uma relação intrínseca entre globalização, o discurso da pós-modernidade e suas influências para a educação também pensada conforme a mudança das estruturas sociais. Requer, desse modo, pensar a lógica da competitividade, da produtividade e do desempenho que permeiam as atitudes educativas e que trazem a possibilidade de interrogações sobre o sentido da educação no limite que se impõe ao vincular seus processos, meios e finalidade à legitimação da sociedade capitalista em transformação,

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33

modernização e globalização, e não do pensamento sobre essas mudanças e a constituição dos indivíduos que se formam em seu interior. (RIBEIRO SILVA, 2008, p. 368).

Considerando que a pós-modernidade, em termos educacionais, é

também marcada pela transformação nas formas de produzir, organizar e

distribuir o conhecimento, na multiplicidade de linguagens e na queda das

barreiras entre conhecimento disciplinares, percebe-se a necessidade da

escola enquanto instituição de ensino de rever suas práticas com vistas a uma

educação que represente formação integral do ser humano, incluindo os

aspectos éticos e morais presentes em nossa sociedade, e favorecendo a

produção de conhecimentos essenciais para o viver humano, tornando-o apto a

atuar, analisar e pensar criticamente a sociedade contemporânea.

1.2. O contexto educacional pós-moderno

As transformações que marcaram a passagem da modernidade para a

pós-modernidade se basearam no desenvolvimento do capitalismo e na

revolução industrial, trazendo mudanças tanto a nível ambiental, como de

organização social e de avanços tecnológicos. Todas estas transformações

geraram uma nova cultura, estruturada em diferentes valores e com

necessidades distintas.

Estamos em um período em que há inúmeras transformações e ao

mesmo tempo parece que não temos criações, não temos a presença de algo

realmente novo. Será que realmente estamos transformando nossa sociedade

ou apenas substituindo rótulos e conceitos, aperfeiçoando relações de

domínio? Redescobrindo a roda...

Em relação à escola o que se tem de concreto é uma estrutura

enrijecida, que se fecha em seus próprios muros, acentuando, em seus

currículos e metodologias a fragmentação do conhecimento e a

individualização dos modos de agir. Desde o nosso nascimento somos parte

de um grupo, mas a escola mantém uma educação que incentiva o

desenvolvimento de cada aluno, fortalecendo indivíduos na premissa de

favorecer o coletivo. Estamos contra as nossas próprias origens de

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34

organização social, vivemos em grupo, mas educamos para o individual. O que

queremos com essa educação formal?

A escola, como representante da cultura social pós-moderna, encontra-

se no papel de reprodutora cultural, fortalecendo a ausência de criatividade e a

monocultura de mentes, principalmente por negar-se a abrir-se a aspectos

outros que, também existindo nessa cultura pós-moderna, poderia constituir

outros sujeitos.

Como instituição de ensino deve(ria) buscar caminhos fazer uma

transformação de mentalidades e para que isto ocorra faz se necessário

recorrer ao uso de novas metodologias educacionais. Destaco, neste sentido,

as metodologias ativas, as quais favorecem o desenvolvimento da agência

humana, colocando o sujeito como centro de suas ações, mas compreendendo

o caráter coletivo dessas, e promovem a autonomia do sujeito imbricadamente

àquele do seu grupo social. Nesta metodologia o poder pelos rumos da

aprendizagem centra-se na relação do professor com o aluno, e nas situações

de aprendizagem que emergem no cotidiano escolar, mas consideram que o

conhecimento escolar, acadêmico, só existe coligado à vida que corre fora da

escola.

Acredita-se que as metodologias ativas abram o caminho para novas

formas de pensar a educação, e que através delas possamos favorecer o

desenvolvimento humano para um rol de atitudes mais responsáveis e

eficientes, contribuindo assim para o avanço intelectual de nossa sociedade.

A pós-modernidade trouxe grandes mudanças para o contexto

educacional e muitas ainda precisam ser pensadas e discutidas em prol de

uma educação de qualidade. Tanto na escola como na sociedade percebemos

a necessidade do ser humano em formar grupos, cada um com suas

características específicas, em favor de suprir necessidades implícitas em cada

indivíduo.

O sistema capitalista no qual a sociedade encontra-se organizada

promove uma cultura do individualismo, na qual as pessoas evitam ou

possuem dificuldades em se manter e conviver em grupos, gerando assim

inúmeros conflitos, os quais, quando não trabalhados, levam à destruição do

viver coletivo.

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35

A fragilidade existente na dinâmica dos grupos e na organização coletiva

do viver é uma característica marcante na sociedade brasileira atual e

necessita ser repensada constantemente a fim de ser trabalhada.

A escola é, enquanto instituição escolar, um dos meios possíveis para

tornar a sociedade menos individualista. Este é um dos grandes desafios da

educação na sociedade pós-moderna, o qual devemos focar, visando uma

emancipação social mais sadia e dinâmica, capaz de se compor e recompor,

trabalhando com as diferentes forças e discutindo os conflitos com vistas a uma

educação efetiva e não a um tipo idealizado de ser humano.

Outro fator relevante para o processo educacional é a atualização

constante do professor, principalmente no que se refere ao desenvolvimento da

comunicação por meio dos aparelhos tecnológicos, destacando que estamos

educando um público que nasceu na era digital, do “click”, em que as cartas

escritas a mão acabam sendo substituídas pelo e-mail, e que na maioria das

vezes não estão inclusos como recursos de atividade escrita e de comunicação

nos planejamentos escolares. O professor é responsável pelo elo entre o

desenvolvimento individual e social, e, no entanto espera-se que conheça e

acompanhe as transformações sociais para que possa contribuir na inserção

do sujeito. Os recursos tecnológicos acredita-se que seja um dos caminhos de

compreensão das linguagens emergentes da atualidade e promotoras da

compreensão de mundo, porém não é único. Pensar em novas estratégias

metodológicas e em uma nova didática é um dos grandes problemas da

contemporaneidade no qual devemos refletir: até que ponto as atividades

propostas/impostas pelas escolas aos alunos contemplam, de fato, o contexto

social real do aluno? Educar para a participação social é uma proposta de

alteração de forças para tornar a sociedade mais equitativa. Processo no qual a

linguagem, marca de expressão e identidade da multiplicidade cultural, se torna

determinante.

1.3. A linguagem na pós-modernidade

A pós-modernidade, marcada essencialmente pelas novas possibilidades

de construção e reconstrução constante de sentidos de mundo, principalmente

Page 37: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

36

com relação à disponibilidade de diversificados recursos tecnológicos, os quais

permitem, ao toque dos dedos, a realização de comandos e ações, apresenta-

se com um fluxo de linguagem amplo. Oriundos da era digital, possibilitam à

escola repensar suas práticas e ações em prol de considerar todas as

linguagens do contexto social, trazidas pelo aluno, e que são emergentes da

sociedade pós-moderna.

As variadas linguagens apresentam-se vinculadas à construção social da

realidade e transpassam rapidamente vários dos acontecimentos cotidianos,

numa ruptura com temporalidade e territórios. Reconstroem-se cotidianamente,

devido à velocidade de transformações tecnológicas e à dimensão da

acessibilidade a estes recursos. Com isso, as capacidades de expressão, de

gerar ideias e informações, de divulgar crenças diversas, ampliam-se e as

incertezas humanas acentuam-se, marcadas pela transitoriedade, levando à

produção de outras novas linguagens e modos de ser, com o propósito de

atender às necessidades construídas socialmente.

A linguagem constitui-se no meio de interação do sujeito com o mundo,

favorece a compreensão da pluralidade cultural emergente na pós-

modernidade, bem como as relações entre as mesmas, e neste processo de

interação ocorre simultaneamente a transformação da identidade humana.

Discutindo as relações de identidade da modernidade e pós-modernidade Hall

(2006, p.01) afirma:

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isto está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados.

A “crise de identidade”, fator relevante da sociedade pós-moderna,

emerge da mudança, da quebra do estável, do abalo aos quadros de

referência, que ancoram a estabilidade do indivíduo no mundo social. A

identidade como forma de interação entre o sujeito e o mundo sofreu

transformações devido às mudanças dos mundos culturais, da estrutura social,

tornando o sujeito fragmentado, deixando de possuir uma única identidade e

passando a se constituir de várias identidades, por vezes contraditórias ou não

resolvidas. (HALL, 2006). A figura do indivíduo começa a dar lugar àquela do

Page 38: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

37

multivíduo, ou seja, do indivíduo múltiplo, capaz de gerenciar as diversas

informações e linguagens decorrentes da sociedade pós-moderna.

Esse processo de viver com identidades provisórias, marcado pelas

construções históricas e culturais da sociedade, é uma das características

relevantes do sujeito definido como pós-moderno.

À medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2006, p.03).

Neste sentido, à medida que ocorrem as transformações sociais, o

sujeito, enquanto parte da sociedade, também se transforma, com o propósito

de se adequar e interagir socialmente.

A língua, meio de interação do sujeito com o social, encontra-se marcada

pelas características de cada época, intrinsecamente relacionada às

necessidades e especificidades de cada contexto social, o qual proporciona a

historicização do sujeito situando-o neste mundo transitório.

A linguagem artística, por exemplo, é um importante recurso educacional

que possibilita a criação e inovação das ideias e conceitos, mas que

atualmente encontra-se em segundo plano no sistema de ensino,

principalmente no que se refere às questões do letramento. Através da arte

pós-moderna é possível discutir as diferentes linguagens do cotidiano, de

acordo com a relação do espectador com a obra, a multiplicidade de sensações

que uma obra possibilita ao sujeito sentir e interpretar, de acordo com sua

circunstancialidade, é uma das características da arte pós-moderna. Outro fator

relevante é a liberdade de criação e recriação do artista através da liberação do

uso de qualquer tipo de material, ampliando assim o rol de criação.

De acordo com Connor (2004), tanto a pintura como a arquitetura

possibilitam a releitura/reinterpretação do passado, favorecendo a mistura de

estilos antes considerados como incompatíveis, permitindo a possibilidade de

“aldeia global”, ou seja, o retorno ao estilo e tradições, marcados pela

característica pós-moderna. O autor destaca também alguns pontos de

contraposição entre arte moderna e pós-moderna, os quais são de fácil

percepção em nossa cultura, tais como: singularidade x pluralidade,

conservadorismo x criticidade, anonimato x autoria, originalidade x reprodução.

Page 39: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

38

Partindo da ideia de uma educação voltada para a formação do sujeito

apto a atuar no mundo pós-moderno faz-se necessário o uso dos diferentes

tipos de linguagens, que o permeiam: saber compreender imagens, interagir

com o ambiente, apreciar o diferente e reaproveitar o antigo, são

características que marcam a contemporaneidade. Além disso, é relevante

saber lidar com os aspectos como atemporalidade, instabilidade, mutabilidade,

variabilidade, dispersão e desconfiança; todos esses elementos precisam estar

presentes no ambiente escolar e incluídos no contexto educacional vigente,

pois são decorrentes do contexto social no qual as crianças encontram-se

inseridas e, no entanto, acredita-se na sua relevância no universo escolar.

Diante da reestruturação social e cultural constante no contexto pós-

moderno, torna-se necessário discutir o sistema de linguagem e os códigos

linguísticos nos aspectos construtivos e normativos, para além da língua escrita

regrada historicamente pela cultura elitizada, transpassando assim a cultura

educacional escolarizada e considerando os processos construtivos de

linguagens oriundos do meio social.

Partindo deste contexto a educação necessita se pautar na pluralidade

etno-cultural, considerando as diferentes linguagens que emergem dos

variados contextos sociais como fonte de identificação cultural e individual, e

deixando de buscar fixar padrões unidirecionais de linguagem como

representação da cultural nacional. O que continuará a ser discutido no

próximo capítulo, através das questões originadas pelas concepções atuais de

letramento e alfabetização.

Page 40: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

39

2. A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO

2.1. Alfabetização e letramento: concepções e dilemas

O termo letramento apresenta definições distintas entre os educadores.

Em geral, a palavra letramento aparece como sinônimo de alfabetização,

constituindo, na argumentação aqui defendida, um equívoco, o qual tem

influenciado as metodologias educacionais e refletido negativamente no

processo de ensino e de aprendizagem, bem como no processo de formação

de professores.

Os educadores que entendem a alfabetização e o letramento como

sinônimos não tendem a se preocupar com as novas tendências educacionais,

apenas se restringem em aperfeiçoar as suas técnicas de mecanização e

decodificação dos códigos linguísticos em favor de uma maior rapidez no

processo de aprendizagem; visam resultados e intensificam a produção em

massa de sujeitos alfabetizados, porém não letrados. Essa concepção,

persistindo em promover a cultura da quantidade e não da qualidade dos

conhecimentos, desconsidera o papel que a escola deve ter em ensinar o

sujeito a lidar com o conhecimento para o bem coletivo, e não para acumulá-lo

e/ou empregá-lo como forma de instrumentalizar para o trabalho. O principal

papel da escola, nesse sentido é através da discussão e reflexão sobre o

conhecimento, formar um sujeito crítico e transformador da sociedade na qual

se encontra inserido.

De acordo com Soares (2011) necessitamos buscar a conceitualização

de ambos os termos, alfabetização e letramento, para que seja possível

estabelecer atributos, propriedades e condições em relação ao que constituiria

a criança alfabetizada, sem utilizar o termo amplamente e nem restritivamente,

promovendo assim a qualidade da alfabetização e do letramento. A mesma

autora destaca que a escola pode levar a criança à desaprendizagem, através

do desenvolvimento de atividades práticas escolarizadas, sem conexão com o

contexto social, voltadas apenas para a aquisição do sistema de escrita. Além

disso, as avaliações que medem o nível de alfabetização e letramento no país

apresentam-se confusas em relação a ambos os termos, mostrando-se

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40

intrinsecamente relacionados com atividades de escrita e não com a utilização

social da escrita, são focadas apenas na decodificação linguística e obtém

como resultados parâmetros que medem a alfabetização e não

necessariamente o letramento; temos como exemplo as avaliações do

SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São

Paulo), e a Prova Brasil, realizada pelo INEP/MEC (Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação.

Essas avaliações são realizadas a nível estadual e nacional, no entanto

os seus padrões de letramento e alfabetização são amplos e geralmente

concentram-se em atividades focadas no sistema de aquisição da escrita

(alfabetização). Percebe-se que ainda não se estabeleceu um meio eficiente de

se medir o letramento, o uso da língua escrita em situações sociais e o

desenvolvimento do pensamento crítico. Acredito que para atingirmos este grau

de avaliação ainda temos um longo caminho para percorrer, e somente através

desta evolução poderemos obter uma avaliação eficiente, que reflita as

características e pontualidades sociais existentes em cada instituição de

ensino. A padronização de instrumentos avaliativos favorece a verificação de

dados perante o poder público, porém resulta em perdas das individualidades

históricas e culturais de cada contexto social, principalmente no que se

concerne as questões do letramento. Acredita-se que a avaliação seja um

elemento importante e necessário desde que venha a considerar o sujeito

como um todo, um sujeito social, emocional e intelectual. (HOFFMANN, 1998).

No cotidiano escolar ainda é muito forte a concepção dos educadores

que acreditam no letramento como mais um nome “bonito e/ou diferente” para

representar o processo de alfabetização. Isso acarreta implicações para o

sistema de ensino como um todo, pois a fixação na concepção de alfabetização

como “decodificação simbólica” afeta as condições de aquisição e domínio da

escrita, o que é fundamental para o desenvolvimento consistente desse

sistema. O qual também não demonstra conseguir fazer tal diferenciação entre

estes termos em seus documentos oficiais, e muito menos nas avaliações

nacionais para verificação do nível de analfabetismo no país.

Percebe-se que os professores, em geral, costumam orientar as suas

práticas pedagógicas da mesma maneira pelo qual foram formados, ou seja,

orientam as suas ações como educadores baseados nas ações de seus

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41

professores, deixando assim de perceber a evolução sócio histórica da

humanidade e as diferentes necessidades oriundas do contexto

contemporâneo, tornando-se reprodutores de práticas escolares unidirecionais.

Que, na temática aqui discutida, se refere mais ao alfabetizar do que ao letrar.

A conceitualização adequada destes termos permite ao educador o

desenvolvimento de metodologias e práticas apropriadas, em favor de uma

educação para a vivência e emancipação social, aprimorando o discurso e

atuação críticos do sujeito com o meio em que vive.

A distinção entre estes termos faz-se necessária para que haja a

transformação das práticas educativas e também de todo o contexto escolar,

considerando que a maior afinidade com um termo ou outro significa mais do

que uma opção metodológica. Implica em assumir um projeto de sociedade,

com vistas a uma educação verdadeira, que prepare o indivíduo para viver e

atuar para melhorar as condições de vida de sua comunidade. Abaixo, discute-

se mais profundamente a importância dessa distinção e as concepções

epistemológicas correlatas a ambos os termos.

2.2. As concepções de alfabetização e letramento

A alfabetização se caracteriza pelo processo que proporciona ao

educando o domínio e aquisição dos códigos da escrita e das habilidades de

leitura, adquirido geralmente através de técnicas escolarizadas inerentes à

educação formal, considerado pelos educadores como etapa primordial para a

formação do sujeito.

A alfabetização pode ser compreendida sob dois aspectos, como um

processo de aquisição individual de habilidades de leitura e escrita ou como

uma representação dos diferentes objetos existentes em nosso cotidiano

(TFOUNI, 2004). Para Tfouni (2004), o termo processo leva a pensar em algo

inacabado, caracterizando a alfabetização em sua incompletude, mas nas

práticas escolares, a escolarização, termo que pode significar a alfabetização,

no sentido de introdução às letras e aos modos de comportamento apropriados

ao ser letrado, se constitui sob a forma de objetivos instrucionais, confundindo-

Page 43: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

42

se assim com os objetivos escolares a serem atingidos pelos sujeitos, numa

determinada fase do programa de ensino. Dessa forma

[...] a concepção que em geral se faz a respeito da aquisição da linguagem escrita (alfabetização) corresponde a um modelo linear e positivo de desenvolvimento, segundo o qual a criança aprende a usar e decodificar símbolos gráficos que representam os sons da fala, saindo de um ponto “x” e chegando a um ponto “y”. (TFOUNI, 2004, p. 20).

Este percurso, pelo qual transcorrem as práticas inerentes ao processo

de alfabetização, torna o saber a língua escrita cada vez mais domínio da

escola e menos vinculado ao contexto social, transformando-o em uma

aprendizagem mecânica com o único intuito de aprender a sistemática da

língua escrita, deixando de compreender o impacto que o processo de

aquisição e domínio da linguagem escrita tem no desenvolvimento do sujeito

em sua amplitude de ser social.

Para Solé (1998) considerar a alfabetização como apenas um processo

de aquisição dos procedimentos de leitura e escrita é algo restritivo e

enganoso. Aprender a ler e a escrever são procedimentos que vão além da

representação da linguagem oral por meio da escrita, pois favorecem o domínio

da linguagem oral, da consciência metalinguística e dos processos cognitivos.

A oralidade favorece a escrita bem como a escrita desenvolve a oralidade, e

ambas necessitam da intervenção de um adulto ou de um meio social para se

desenvolverem. Neste contexto, a utilização social da leitura e escrita também

é considerada como parte do processo de alfabetização. Solé (1998) considera

a alfabetização como um processo amplo, que vai além da aquisição da leitura

e escrita, chegando a compreender a formação de leitores eficientes, que são

capazes de fazer uso proficiente da leitura e da escrita em suas atividades

cotidianas. Ela não faz referência ao termo letramento, mas acredita que as

práticas sociais são inerentes ao processo de alfabetização e favorecem o

desenvolvimento de outros aspectos que promovem a inserção do indivíduo no

meio social, defendendo que o desenvolvimento da oralidade e da escrita

ocorre de forma interdependente, e são essenciais para a relação do sujeito

com o mundo.

Discordando desta última concepção, Soares (2011, p. 15) escreve:

Não parece apropriado, nem etimologicamente nem pedagogicamente, que o termo alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto o de seu

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43

desenvolvimento: etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria negar-lhe a sua especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar.

Nesta perspectiva, o conceito de alfabetização deve ser específico,

compreendendo a aquisição do código escrito e as habilidades de leitura e

escrita. Os processos de aquisição e desenvolvimento da língua oral e escrita

são distintos, a aquisição prevê uma meta atingível, porém o desenvolvimento

é permanente e nunca interrompido (SOARES, 2011).

Percebe-se que os autores acima descritos são favoráveis a um

aprendizado da linguagem escrita que ultrapasse a “aquisição” de um sistema

de escrita, porém há divergências em relação às definições das terminologias

utilizadas para designar a completude deste processo.

No entendimento de Soares (2011) e Tfouni (2004) há diferenças entre

as terminologias Alfabetização e Letramento. A alfabetização apresenta-se,

como explicitada anteriormente, reduzida ao domínio de habilidades de leitura

e escrita, desenvolvidas geralmente na educação formal. O letramento focaliza

os aspectos sócio-históricos da leitura e da escrita e a condição de

desenvolvimento de quem se apropriou destas e incorporou tais práticas.

Desse modo esses termos não devem ser utilizados como sinônimos, o que

vem acontecendo atualmente entre os educadores.

Soares (2010) em seus estudos sobre o sentido etimológico da palavra

letramento, concluiu que o termo originou-se de uma tradução da palavra

inglesa literacy, littera (palavra latina = letra) com o sufixo cy (indica qualidade,

estado ou condição), cuja tradução se denota no estado ou condição que

assume o sujeito que aprendeu a ler e a escrever e as suas implicações

culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas no meio social no qual

se encontra inserido.

O termo letramento é relativamente recente em nosso país. Surgiu no

final do século XX, devido à necessidade de se conceituar um novo fenômeno

educacional, e a sua tradução, muitas vezes errônea, acaba por gerar

divergências interpretativas. A origem desta palavra derivou-se de traduções de

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44

estudos na área da educação, que explicitavam um processo educacional para

além da aquisição e decodificação dos códigos linguísticos, promovendo uma

“releitura” da condição humana associada ao uso da linguagem escrita como

ferramenta de domínio do mundo. Entende-se como condição uma mudança

na ação social do indivíduo, ou seja, no seu comportamento e interação com o

meio, bem como na forma de utilização da língua falada e escrita,

características estas que ajudam a identificar os sujeitos letrados.

A diferenciação entre alfabetização e letramento aparece bem

esclarecida no estudo de Soares (2010, p. 47):

ALFABETIZAÇÃO: ação de ensinar/aprender a ler e escrever LETRAMENTO: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita Exerce = responde as demandas sócias de leitura e escrita

Desse modo, o letramento ultrapassa as fronteiras escolares,

promovendo consequências positivas em relação à evolução e à transformação

social. Ou seja, deixa de ser um elemento unicamente próprio ao ambiente

escolarizado, limitado a uma época e situação da vida e passa a ser entendido

como um processo que se desenvolve no decorrer da vida e um elemento

relevante para a emancipação social.

O letramento não pode ser considerado como uma extensão da

linguagem escrita, pois ele transcende a leitura e a escrita formalizada,

solidificando-se em ação: no uso de signos e símbolos da linguagem escrita, ou

mesmo visualmente baseados, como os símbolos estilizados de rótulos de

produtos comerciais, como forma de fazer sentido interpretativo do mundo.

Vale ressaltar que a escrita não é uma condição prévia para o letramento, ou

seja, o ato de saber ler e escrever favorece o envolvimento do sujeito com o

mundo, porém não é um caminho unilateral de aquisição dos conhecimentos

sociais. Estudos como os de Tfouni (2006) acerca do letramento comprovam

que é possível a existência de sujeitos analfabetos, que não fazem uso da

linguagem escrita, e que se relacionam de forma letrada com o mundo

circundante3. Por exemplo: pessoas analfabetas que conhecem as funções da

3 Estudo de TFOUNI (2006) Adultos não-alfabetizados: em uma sociedade letrada. Ed. Cortez.

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escrita e delas fazem uso através do ditado de uma carta para outra pessoa

redigi-la, interpretação de notícias lidas por outro, entre outros. Há também

pessoas alfabetizadas e que não são letradas, ou seja, conhecem o código

escrito, mas não o utilizam socialmente, como forma de apropriação de mundo.

Em relação a este conceito, Tfouni (2004) defende que o letramento é

um processo mais amplo do que alfabetização, mas que se encontra

intrinsecamente relacionado com o código escrito. Embora o sujeito não faça

uso da linguagem escrita tem que conhecer as características do discurso (oral

e escrito) e ser autor do seu próprio discurso para se relacionar socialmente.

Sobre a autoria e o discurso escreve:

[...] tomar a questão da autoria como critério para exame do letramento enquanto processo sócio-histórico implica também o compromisso de mostrar que o discurso oral do analfabeto pode estar perpassado por características do discurso escrito, ou seja: que a função autor não é prerrogativa possível apenas para aqueles que aprendem a ler e escrever, mas, antes, é uma função ligada a um tipo de discurso – isto é, o discurso letrado – que, por ser social e historicamente constituído (como, aliás, todos os discursos o são), pode estar também acessível àqueles que não dominam o código escrito. (TFOUNI, 2004, P. 38).

O letramento passa, então, a ser entendido como uma condição do

indivíduo de se relacionar com e intervir no mundo, através do conhecimento

das funções da oralidade e da escrita nas relações sociais, e da autoria do

próprio discurso, não tendo como requisitos prévios a aquisição da linguagem e

dos códigos escritos. O ser letrado é capaz de interagir com os diferentes

portadores de leitura e escrita, diferenciar os gêneros textuais e envolver-se

nas práticas sociais de leitura e escrita.

No contexto escolar detectamos as confusões oriundas destas

terminologias, e das intenções e práticas da escola em relação ao aprendizado

contemporâneo da língua escrita. Embora alfabetização e letramento sejam

termos que estejam longe de um consenso, há consequências que a

indefinição de propósitos acarreta, prejuízos no entendimento dos educadores

sobre o que realmente se espera que façam, refletindo negativamente na

escolha das metodologias e no desenvolvimento das práticas educativas.

Diante destas divergências considero necessário destacar que esta

pesquisa fará uso do termo alfabetização e letramento diante da concepção

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46

exposta por Soares e Tfouni, como acima referidas, entendendo o primeiro

como o domínio da linguagem escrita, o indivíduo que aprendeu a ler e

escrever, e o segundo como o estado ou a condição do sujeito que faz uso

efetivo da linguagem oral e escrita como ferramentas de domínio, compreensão

e transformação no seu contexto de vida. E sobre esse último termo é que as

reflexões farão referência à questão proposta aqui, de buscar compreender o

fenômeno do letramento no âmbito de uma sociedade denominada de pós-

moderna, que se mostra cada vez mais icônica e simbolicamente baseada em

diferentes formas de linguagem.

2.3. Os processos de ensino e aprendizagem na

formação de sujeitos letrados

Considera-se importante que, antes de discutir os conceitos de

alfabetização e letramento, analisem-se algumas concepções de aprendizagem

e de ensino, pois essas estão na base da compreensão dos processos de

aquisição, ou de apropriação, dependendo da vertente estudada da língua

escrita.

A abordagem das conceituações de ensino e aprendizagem aqui

elencadas terão por fundamento a teoria construtivista da aprendizagem, como

teorizada pela psicologia sócio-histórica, pois essa sustenta com mais

propriedade as argumentações quanto às necessidades de pensarmos em uma

educação que tenha como pressuposto a interação do sujeito com sua cultura.

Inicialmente, trataremos com maior ênfase do processo de aprendizagem,

ressaltando as diferentes maneiras que o ser humano utiliza para apreender a

materialidade do seu entorno e, posteriormente, desenvolveremos o conceito

de ensino e suas implicações no desenvolvimento humano.

O ser humano, por ser praticamente desprovido de instintos inatos,

necessita desde seu nascimento de aprender e reaprender constantemente,

como forma de se pôr no mundo. A aprendizagem ocorre em sentidos, graus e

formas diferentes, e é considerada a mais importante ação humana, pois

abrange todo o percurso da vida. Quando o ser humano deixa de aprender,

automaticamente deixa de existir.

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47

Esta aprendizagem se constitui inicialmente por meio do grupo social no

qual o ser humano encontra-se inserido, composto geralmente pela família, e a

organização e a cultura deste grupo moldam as ações e influenciam

diretamente no comportamento e atuação deste indivíduo no mundo.

Em relação ao conceito de aprendizagem, Galperín (2009, p. 113) o

define como: “Llamaremos aprendizaje a toda actividad cuyo resultado es la

formación de nuevos cualidades a los conocimientos y las habilidades a que ya

se poseían.”. A relação interna que ocorre entre a atividade e os novos

conhecimentos se transforma em habilidades, resultando em novos conceitos,

considerados como aprendizagem. Assim, as ações isoladas cotidianas se

integram, formando as habilidades que posteriormente se constituirão em

novos conhecimentos. (GALPERIN, 2009, p. 113).

Para que este processo de aprendizagem seja eficiente, em se

pensando no ambiente escolar, é necessário que haja um preparo do professor

em relação ao que ele deseja que o aluno aprenda, e um planejamento

minucioso das etapas de desenvolvimento do aluno, que ele prevê para esta

aprendizagem. Ressalto que conhecer o processo de desenvolvimento

humano, bem como o desenvolvimento cognitivo, são conhecimentos que

devem estar inerentes à formação inicial do professor, anterior a sua atuação

prática.

O desenvolvimento e a aprendizagem, para a teoria histórico-cultural são

processos inter-relacionados e ocorrem desde o primeiro dia de vida, muito

antes da criança frequentar a escola, aprender a falar, formular perguntas, etc.

Imitar os adultos são algumas das habilidades que aprendemos nesta fase e

que aprimoramos com o decorrer de nossa vida (VYGOTSKY, 1994).

Esta concepção se contrapõe com a ideia da aprendizagem humana

enquanto simplesmente reativa, que se baseia em estímulos e respostas; e que

sustenta a compreensão de que a aquisição da linguagem escrita pode se

basear em assimilações e decodificações de símbolos linguísticos e na

memorização e automatização desses pelo uso de atividades

descontextualizadas, ou seja, distantes do contexto social do sujeito, pois nela

o aprender se refere a construir e reconstruir nossa cognição enquanto nos

apropriamos das bases culturais de nosso grupo social.

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48

Vygotsky (1994, p.111) argumenta contra a concepção de que o

desenvolvimento humano, e assim, a capacidade de aprendizagem transcorre

por períodos etários (periodização), defendendo uma compreensão do

desenvolvimento e do aprendizado como processos imbricados, pautado em:

nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial.

Estes níveis determinam as atividades que a criança consegue realizar

sozinha (nível de desenvolvimento real), e as atividades que ela consegue

desempenhar através do auxílio de outros sujeitos com conhecimento mais

avançado (nível de desenvolvimento potencial), entre estes níveis encontra-se

o conceito de zona de desenvolvimento proximal, definida por VYGOTSKY

(1994) como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração de companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1994,p. 112)

A zona de desenvolvimento proximal possibilita conhecer o

desenvolvimento “atual” da criança, conhecer o que ela já domina e o que

posteriormente poderá dominar, e que atualmente encontra-se em processo de

apropriação:

[...] o nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos finais do desenvolvimento. Se uma criança pode fazer tal e tal coisa, independentemente, isso significa que as funções para tal e tal coisa já amadureceram nela. [...] A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. (VYGOTSKY, 1994, p. 113).

Cada sujeito, criança, jovem ou adulto, nessa perspectiva, possui as

suas especificidades e necessidades de aprendizagem, que variam de acordo

com os contextos social, cultural e histórico no qual se encontram inseridos, e

com o seu nível de desenvolvimento individual, já construído nas mediações

entre o sujeito e esses contextos.

Todo conhecimento é compreendido como fruto da interação do homem

com o meio, e se torna, com a complexificação dos processos cognitivos, mais

elaborado, servindo de plataforma para novos conhecimentos, que se

manifestam e se transformam em ações do sujeito com o seu entorno. A

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49

observação, a realização de uma tarefa e o registro destas ações auxiliam no

processo de apropriação e de transformação dos elementos culturais que

mediam a interação sujeito/entorno.

A partir das análises entre as teorias de Piaget e Vygotsky, Souza e

Kramer (1991, p. 75) destacam que:

Para Piaget, o pensamento é estrutura lógica de raciocínio, e o conhecimento resulta da construção científica feita pelo homem; portanto a estrutura do pensamento é vista apenas como correlata ao conhecimento lógico-matemático da realidade. [...] por outro lado Vygotsky discute a relação linguagem e pensamento não priorizando o pensamento em detrimento da linguagem: sua análise parte da interrelação entre ambos.

Ambos os autores desenvolveram seus estudos com o propósito de

superação de correntes radicais, embasadas no racionalismo, porém os vieses

destes estudos permearam caminhos distintos: Piaget marcado pelo

desenvolvimento biológico, e Vygotsky baseado no materialismo histórico

dialético.

Direcionando a análise para o foco do ensino cabe ressaltar, como

destaca Soares, 2011, dois enfoques fundamentais e de grande influência

neste processo de apropriação da cultura escrita, o primeiro referente ao

conflito do ensino da língua com a conquista da escolarização pelas camadas

populares, e o segundo a análise das determinantes teóricas da prática

pedagógica desse ensino.

Com as transformações sociais transcorridas no Brasil a partir da

década de 1970, a escola passou a atender a população das classes mais

populares: o direito a todos pela educação e o acesso à escola resultou em

uma transformação no processo de ensino. Passou-se, de uma escola de

acesso restrito à elite, que tinha como propósito o ensino da língua materna,

baseado na gramática, e adequava-se à cultura e ao discurso da burguesia,

para uma escola para todas as classes sociais; ao menos, oficialmente.

Posteriormente, a escola passou a atender a uma maior diversidade cultural,

embora mantendo, em linhas gerais, a mesma perspectiva metodológica de

abordar o ensino da língua escrita, ou seja, privilegiando componentes

curriculares prioritariamente voltados para a elite cultural, gerando assim um

conflito cultural e linguístico, devido às diferenças entre as culturas e o discurso

das camadas populares e burguesas. De acordo com Saviani (1999), a escola

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50

na década de 70 era influenciada pela tendência crítico-reprodutivista e neste

período tentou-se subordina-la ao desenvolvimento econômico, tornando-a

funcional ao sistema capitalista e reforçando as relações de exploração,

favorecendo a classe dominante.

Diante de tais transformações, e com os entraves provocados à

aprendizagem, gerando o fenômeno do fracasso escolar, é que muitos estudos

sobre métodos e práticas pedagógicas de ensino foram sendo criados, com o

intuito de garantir atingir a qualidade educacional, e o os programas de

alfabetização se intensificaram. Isso resultou num ensino com referências

orientadoras tênues das ações pedagógicas, com adesão às tendências

pedagógicas “do momento”, muitas vezes sem ao menos compreendê-las em

profundidade. De acordo com a minha experiência na rede pública de ensino,

percebo que a escola encontra-se desestruturada pedagogicamente, a sua

linha direciona-se principalmente aos “métodos”, ao invés de filosofias

educacionais. Age como reprodutora de práticas oriundas de contextos

escolares diferentes do nosso, acreditando-se que podem “dar certo”. Os

modelos educacionais oriundos de países como Portugal, Espanha, Estados

Unidos e França, por exemplo, são modelos influenciadores de várias

instituições de ensino brasileiras da atualidade, numa reprodução dos métodos

usados nesses países, esquecendo-se, porém, de considerar o contexto e a

estrutura organizacional daquelas sociedades, em relação à brasileira.

Percebe-se que em nossa cultura há uma preocupação em buscar novos

métodos que deram resultados positivos em outras realidades, porém esquece-

se de analisar a cultura junto a qual tal método foi desenvolvido, ressaltando

que o que se mostrou bem sucedido em determinada cultura pode não sê-lo

em outra. No fundo, essa crença na importação de métodos reflete a

concepção que tem sido criticada aqui, a de que para aprender basta

compreender a “lógica” da mecânica dos conhecimentos. Contextualizações

em relação às circunstancialidades culturais dos sujeitos seriam

desnecessárias, dado o caráter “neutro” e racional do conhecimento.

Esta falta de preparo da escola para atender às demandas oriundas das

camadas populares resultou no contexto atual no qual nos encontramos: uma

escola do modismo, sem uma concepção, ou uma opção, epistemológica

Page 52: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

51

consistente em relação aos processos de ensino e aprendizagem, e que busca

constantemente se estabilizar enquanto estrutura educacional4.

De acordo com Valente (2007), o Brasil não tem pedagogia, mas sim um

misto de modelos pedagógicos sobrepostos e sem sequencia, priorizando o

modismo da época.

Atualmente, a educação em nosso país tem se referenciado pelas

teorias construtivistas, geralmente num misto de epistemologia genética com o

sociointeracionismo. O sujeito é considerado elemento primordial e ativo no seu

processo de aprendizagem e o professor atua como mediador, intervindo nas

atividades com o propósito de promover o desenvolvimento e ampliar os

conhecimentos do seu alunado. Contudo, essa tendência às teorias

construtivistas inclina-se a tratar às vertentes epistemológicas de matriz

construtivista, acima mencionadas, como se fossem similares, ignorando-se, no

mais das vezes, as importantes diferenciações que as caracterizam. Com o

resultado de acabar-se criando um ecletismo metodológico, que pouco

colabora para o aperfeiçoamento e a efetividade da aprendizagem do aluno.

Uma opção epistemológica pelo construtivismo requer um profissional

capacitado, com condições de compreender e discutir seus fundamentos, que

empregue esse conhecimento na análise do desenvolvimento humano,

detectando as individualidades e especificidades de aprendizagem de cada

sujeito. E, assim, com saberes adequados para agir de forma a promover

avanços nessa aprendizagem. Esse ainda é um dos principais desafios da

escola contemporânea, a qual busca incessantemente a capacitação e

formação dos seus profissionais, com vistas a uma educação de qualidade,

mas que ainda encontra obstáculos na consecução desse objetivo.

4 As metodologias de ensino, nas últimas cinco décadas, ao menos, partiram do ” tradicional”,

baseadas no ensino fonético e mecânico, passando pela interpretação errônea do construtivismo, acreditando-se que as crianças aprendiam sozinhas, e chegaram nas metodologias voltadas para a aprendizagem na linha sociointeracionista. Nesse percurso, o professor desenvolveu seu papel como autoridade do saber, como mero observador do desenvolvimento, e como mediador do processo de ensino e aprendizagem. E diante de tantas “novidades” não sabem qual caminho seguir. Encontramos na escola professores que defendem e praticam a metodologia tradicional, baseada na transmissão de conhecimentos; temos os construtivistas que acreditam na construção do conhecimento pelo aluno por si só, ou que o mesmo necessita estar cognitivamente “maduro” para desenvolver determinada habilidade e temos também os sociointeracionistas, que acreditam na interação e mediação como meio de aprendizagem.

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52

Um dos principais saberes que o professor deve ter em mente, desde a

sua formação inicial, aparece citado por Freire (1996, p. 25): “(...) ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou

sua construção”. Nesta referência, o autor demonstra a sua posição, contrária

às metodologias tradicionais, nas quais o professor é concebido como “dono do

saber” e o aluno como algo “vazio”, prestes a ser preenchido pelo

conhecimento a ser “depositado” nele pelos professores, e acentua a

importância do papel desse profissional na teoria construtivista, como mentor

na criação de possibilidades, mediador das atividades, enfim, conhecedor dos

processos de ensino e aprendizagem. Ainda nesta mesma obra, Freire revela

que a aprendizagem e o ensino, por serem processos interligados, se auto-

favorecem simultaneamente, assim enquanto ensino aprendo, e enquanto

aprendo também ensino.

Segundo a hipótese de Vygotsky (1994, p. 118) “os processos de

desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado”. O

desenvolvimento, segundo este autor, ocorre de forma mais lenta, sempre

anteriormente ao aprendizado, e tem medição diferente, assim evidenciando a

necessidade de atuação do professor na zona de desenvolvimento proximal, na

qual o ensino se tornará mais eficiente e atenderá as peculiaridades de cada

indivíduo.

Em relação ao trabalho de Vygotsky, Oliveira (1997, p.62) explicita:

O processo de ensino-aprendizado na escola deve ser construído, então, tomando como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança – num dado momento e com relação a um determinado conteúdo a ser desenvolvido – e como ponto de chegada os objetivos estabelecidos pela escola, supostamente adequados à faixa etária e ao nível de conhecimentos e habilidades de cada grupo de crianças. O percurso a ser seguido nesse processo estará balizado também pelas possibilidades das crianças, isto é, pelo seu nível de desenvolvimento potencial.

As crianças, quando são colocadas em situações de interação na

realização de atividades, colocam em jogo tudo o que sabem a respeito do

assunto que está sendo estudado, trazendo experiências de seu contexto

social, e com isso possibilitam as trocas de experiências, que resultam em

novas aprendizagens. Primeiramente, a criança interage com o entorno

sociocultural, observando o conhecimento interpessoal, a partir daí

interpretando esse conhecimento dentro de si, nos níveis intrapsíquicos, e

Page 54: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

53

através da reflexão se apropria dos conhecimentos, transformando-os em

novos conhecimentos oriundos destas trocas. Através deste processo a criança

organiza os seus próprios processos mentais.

As percepções das crianças ocorrem de forma distinta, diante de uma

mesma instrução, a interpretação e o entendimento de determinada mensagem

ocorre de acordo com a experiência que a criança possui, experiências estas

de leitura de mundo, leitura de códigos escritos, de uso da linguagem, dos

valores, entre outros; assim, o compartilhamento de ideias e informações

propiciado durante as relações no trabalho em conjunto, bem como a mediação

do professor, são fatores relevantes para a apropriação do conhecimento

significativo pela criança.

Na concepção de Vygotsky, o que a criança realiza hoje com o auxilio de

outro sujeito, ela desenvolverá futuramente sozinha, assim cabe à escola

refletir sobre o processo de aprendizagem em sua essência e desenvolver

desafios possíveis para que se possibilite uma aprendizagem eficiente.

2.4. O letramento, a escolarização e as práticas sociais

Na perspectiva do letramento podemos detectar características distintas

entre o letrado pelo discurso, que se constitui nos sujeitos não-alfabetizados, e

os letrados pela narrativa e pelo discurso, que são os alfabetizados e letrados

socialmente.

Os sujeitos letrados pelo discurso se apoiam em fatores históricos,

baseados em suas crenças e cultura, para sustentar a sua interpretação e

materialização dos objetos, provérbios populares, relatos de experiências de

vida, e conhecimentos passados de geração para geração marcam

acentuadamente esse processo, sustentando a sua apreensão do mundo e

empoderando-os em relação ao conhecimento.

Com relação às diferenças entre o sujeito letrado pelo discurso e o

letrado pelas práticas sociais da escrita e do discurso, Tfouni (2004), descreve:

[...] o discurso lógico-verbal, altamente letrado, e diretamente relacionado com a escrita, produz sentidos e desencadeia atividades interpretativas e dialógicas que são diferentes do discurso não-letrado, em que se insere o sujeito não-alfabetizado, discurso este que tem na narrativa sua materialização mais específica. [...] As

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54

práticas instituídas pelo discurso da escrita, apesar de estarem próximas dos não-alfabetizados, (visto que em uma sociedade letrada quase todas as atividades se organizam com a mediação da escrita), não estão, no entanto, ao seu alcance. (TFOUNI, 2004, p. 77). formatação

No âmbito social percebe-se a restrição das relações do sujeito letrado

pelo discurso, o qual por se encontrar em meio a uma sociedade cada vez mais

letrada, possui as suas relações com o meio restrita, acaba sendo excluído de

algumas práticas sociais, que exigem o domínio da modalidade escrita. Suas

interpretações de mundo, nesse sentido, bem como suas ações escritas, são

monopolizadas e dependem do outro. O sujeito letrado no âmbito do discurso e

da escrita apresenta-se potencialmente mais autônomo e reflexivo, possui

visão de mundo ampla, enxerga diferentes possibilidades de resolução dos

problemas e busca novos caminhos de atuação social.

Cabe ressaltar a importância da instituição escolar em promover um

letramento voltado para as práticas sociais, embasadas na leitura e na escrita,

bem como na interpretação e análise do discurso. O papel da escola em

alfabetizar é de extrema relevância na formação para o letramento, em sua

amplitude.

[...] saber ler e escrever torna as pessoas mais fortes. A capacidade para suspender as regras, colocá-las fora de si, não está ligada ao raciocínio lógico, mas à escrita. O uso da escrita é que possibilita o poder de abstração, e a abstração, por sua vez, é a “verdadeira arma simbólica” que permite a eficácia, tanto do ponto de vista enunciativo quanto do ponto de vista histórico-discursivo.(TFOUNI, 2004, p.83).

O letramento, em sua completude, compreende os processos de leitura

e escrita e as práticas sociais. Torna-se importante ressaltar que há níveis de

letramento, os quais definem a fase e/ou etapa do letramento, em que o sujeito

se encontra. O sujeito letrado e alfabetizado apresenta-se a um nível mais

elevado de domínio do entorno, do que o sujeito letrado e não-alfabetizado, a

inserção social e o acesso aos conhecimentos ocorrem de forma distinta para

ambos, promovendo a inclusão ou a exclusão social.

Na escola observa-se que as práticas pedagógicas se configuram em

escrever ou produzir textos embasados nos conteúdos determinados pelo

currículo, algumas até buscando uma ligação com elementos da vida real,

como a associação com suportes de texto presentes na realidade, por

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55

exemplo, bulas de remédio, mas, na maioria das vezes, sem considerar as

experiências reais do sujeito com esses suportes, compreendendo a valoração

desses em suas circunstancialidades, ou mesmo o desejo (ou as atividades-

guia, direcionadoras do desenvolvimento) do aluno. Atualmente, a concepção

da função social da escrita encontra-se presente no vocabulário docente e nos

documentos oficiais, porém distante da ação pedagógica. Diferentes atividades

de alfabetização são elaboradas e reproduzidas com o objetivo de atender à

diversidade cultural, buscando aproximar-se da função social da escrita, mas

se tornando na verdade atividades escolarizadas, sem sentido social real,

presentes somente no âmbito escolar.

Um exemplo comum que se pode observar com frequência no ensino

fundamental, mais precisamente nos anos iniciais, é o contexto de produção de

um bilhete. Geralmente, ensina-se as partes que compõem o texto, a estrutura,

e, posteriormente, o educador cria um interlocutor qualquer (imaginário) com o

intuito de tornar a prática de escrever um bilhete, social. Mas se este

interlocutor não existe, então, na verdade, o que o educador deseja é saber o

grau de aquisição dos conhecimentos elaborados pelo sujeito diante do

conteúdo trabalhado. Em outras palavras, avaliar se o sujeito adquiriu os

conteúdos trabalhados. Do ponto de vista do escritor a atividade torna-se

cansativa e descontextualizada. Se com um destinatário real a escrita pode já

ser um processo árduo, dependente de conhecer o objetivo com que se

escreve, a pessoa a quem se escreve, e como se escreve; sem ele torna-se

uma atividade puramente mecânica. Perdendo-se também a riqueza de

conhecimento em relação ao que pensa, sente e interpreta do mundo o aluno,

o que poderia advir da mesma atividade direcionada a uma situação/sujeito

real.

A escolarização das funções sociais da escrita corre o risco de

desconsiderar as circunstancialidades de cada sujeito, a sua história pessoal e

social, a sua construção de sentido para a vida, destruindo com isso a

expectativa em relação ao ato de ler e escrever, e tornando este processo

longo e traumático.

A insistência e a persistência da escola em levar os alunos a usar a escrita com funções que privilegia, insistência e persistência que têm, como principal instrumento, as condições de produção da escrita na escola e a avaliação dessa escrita, são, na verdade, em processo de

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56

aprendizagem/desaprendizagem da funções da escrita: enquanto aprende a usar a escrita com funções que a escola atribui a ela, e que a transformam em uma interlocução artificial, a criança desaprende a escrita como situação de interlocução real. (SOARES 2011, p. 73).

O termo desaprender, citado acima, descreve as preocupações da

autora em não preparar o sujeito para o mundo, para o viver e se relacionar em

sociedade. Percebe-se que a ênfase das atividades escolares está centrada na

aquisição dos processos de leitura e escrita, mas a utilização destas

habilidades no mundo social ao qual o sujeito encontra-se inserido fica em

haver.

O sujeito quando se depara com o universo social, fora do contexto

escolar, se torna ansioso por não saber como coordenar e responder aos

inúmeros estímulos presentes em nossa sociedade. O que ontem era

novidade, hoje se encontra ultrapassado devido à velocidade das

transformações. O universo comunicacional precisa ser de em muito dominado,

pelo sujeito, para que ele consiga fazer frente às demandas com as quais se

encontra envolvido.

Figura 01 – Ansiedade

http://igormadeira.wordpress.com/category/conversa-informal/

Na atualidade torna-se inaceitável desenvolver um trabalho voltado

apenas para o funcionamento do sistema de escrita enquanto que a os apelos

da cultura contemporânea são relativos ao engajamento ativo do sujeito em

práticas sociais letradas, considerando determinados fatores como exigência

para a verdadeira condição de sobrevivência e da conquista de cidadania.

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57

A escola valoriza a ordenação dos conhecimentos: desenvolvimento da

linguagem oral, assimilação do sistema de escrita e posteriormente o uso

desses códigos linguísticos; necessita, porém conceber o processo de ensino e

aprendizagem como uma possibilidade de expressão e comunicação,

necessários para o desenvolvimento do sujeito e sua atuação no meio social,

promovendo assim uma evolução emancipatória da sociedade.

Analisando o atual contexto escolar, pode se deduzir que a escola

continua a exercer as suas atividades de disseminadora de conhecimentos,

promovedora da alfabetização em massa, porém ineficiente na sua função de

formar sujeitos letrados, aptos a atuar e transformar a sociedade circundante.

2.5. O letramento e a linguagem na pós-modernidade

As características socioculturais da pós-modernidade permitem a

visualização do conceito de letramento em um aspecto mais amplo. A

tecnologia digital, o espaço virtual, o excesso de informações consumidas

instantaneamente, a inclusão digital, são elementos que favorecem a utilização

de outros tipos de linguagem e consequentemente nos remete a repensar o

letramento a nível conceitual.

Figura 02 – Sujeito-leitor-autor-tecnológico

http://www.nutricaoemfoco.com.br/pt-br/site.php?secao=belezaesaude&pub=7355

Page 59: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

58

Como representado na figura 2, o sujeito contemporâneo deixou de ser

apenas leitor ou consumidor “passivo” de textos e informações, e passou a

atuar como sujeito-leitor-autor-tecnólogico, ou seja, necessita e faz uso da

compreensão da linguagem, inclusive a digital, para se por/impor no mundo.

A linguagem na pós-modernidade apresenta-se diversificada, pautada

pelo uso de imagens, sons e códigos peculiares, por releituras de códigos, pela

quebra de barreiras entre arte, linguagem, tecnologia, que permitem ao sujeito

se mover nas diferentes conexões hipertextuais.

A escola, no seu ensino padronizado, provavelmente teria dificuldade em

aceitar, por exemplo, representações visuais como as representadas pelas

figuras 3 e 4, provavelmente insistiria em afirmar que as cadeiras devem ter

quatro pés, ou que o “ursinho” apresenta características “desviantes”;

mantendo assim a sua postura tradicional e desrespeitando o caráter criativo

do sujeito, enquanto ser em construção. É neste aspecto que reitero a

importância da discussão quanto à relevância de se reconsiderar o conceito do

letramento com o intuito de abranger as novas linguagens contemporâneas.

Figura 03 - Cadeira de três pés

http://zoonzum.blogspot.com.br/2011_01_01_archive.html

Page 60: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

59

Figura 04 – Urso

Postmodern-Pooh-Frederick-Crews/dp/0865476543

A escola, enquanto promotora do conhecimento, necessita voltar o

ensino para essa outra compreensão e modos de fazer o discurso, orientando

os alunos em relação ao consumo de informações disponíveis socialmente,

promovendo o seu debate e a sua produção.

A linguagem, neste contexto, necessita ser considerada em seu

processo construtivo, como algo que se transforma constantemente,

ressaltando o seu caráter histórico e cultural e a sua importância na exploração

dos sentidos. Assim, a educação escolar precisa focar-se no processo de

transformação da linguagem, imbricadamente marcado pelas transformações

da sociedade pós-moderna, deixando de encarar a sua relação com a

linguagem como reprodutora autêntica de uma norma linguística/gramática, e

possibilitando a reflexão e a reestruturação desta pelas linguagens que provem

da cultura pós-moderna. A escola não deve se manter alheia ao

desenvolvimento cultural da sociedade, mas discuti-lo.

Neste sentido, cabe ressaltar a importância da gestão educacional com

vistas à emancipação do sujeito, tornando-o apto a conviver e se relacionar

autonomamente, utilizando os recursos de forma intencional e organizada, e

consequentemente desenvolvendo uma política educacional focada na

qualidade da formação, onde os procedimentos, gestos, métodos e práticas

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60

servem ao ensino e ao indivíduo em seu processo de crescimento,

promovendo uma educação de qualidade. (PARO, 2008)

A instituição escolar deve remeter-se aos significados de educação, a

qual considera o sujeito em seus contextos histórico e cultural, e vivenciar isto

em sua prática administrativa e pedagógica, entendendo-a como fundamental

para o desenvolvimento humano. De acordo com Paro:

Considerada como apropriação da cultura historicamente produzida, a educação se configura como a mediação que torna possível ao indivíduo fazer-se historicamente humano, a exemplo do que acontece com a própria espécie humana. Considerada a cultura como o conjunto de conhecimentos, valores, crenças, filosofia, arte, ciência, tudo enfim que é criado historicamente pelo homem como transcendência da mera necessidade natural, é por meio de sua apropriação (educação) que o ser humano se atualiza histórica e culturalmente, construindo sua personalidade histórica e diferenciando-se de sua condição estritamente natural presente no momento de seu nascimento. Educar-se é, pois, fazer-se humano-histórico. (PARO, 2008, p. 05)

Dessa forma as práticas de letramento são consideradas em seu sentido

amplo, o qual possibilita ao sujeito não somente o domínio da língua culta e a

sua utilização, mas sim o reconhecimento das diferentes linguagens presentes

na sociedade, a sua utilização social e o repensar de novas gramáticas: para

fazer outros sentidos de mundo.

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61

3. LETRAMENTO E PÓS-MODERNIDADE: CONSTRUINDO

NOVAS GRAMÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO DE MUNDO - UM

DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA

3.1 A gramática e por outras gramáticas

A gramática é compreendida como organizadora da língua, pois é ela

que regula as normas e padrões da linguagem falada e escrita, e possibilita o

estudo da composição de uma dada língua.

De acordo com o dicionário Aurélio (1975, p. 697), a gramática é “o

estudo ou tratado dos fatos da linguagem, falada e escrita, e das leis naturais

que a regulam”.

Neste caso, a gramática é então compreendida por normas que visam

estabelecer o “certo e o errado” da língua, padronizando e impondo uma

tradição linguística. Há diferentes tipos de gramática tais como aquela

normativa, internalizada e descritiva; cada um com características teóricas

próprias.

A necessidade pelo registro da linguagem oral surgiu diante daquela dos

seres humanos em transporem sua cultura, seu conhecimento, e suas

experiências para uma forma fixa de suporte, que permitisse a permanência, o

compartilhamento e a reflexão sobre os conteúdos produzidos; aspectos que

se tornam em muito dificultados pelos relatos orais. A sistematização desse

processo resultou no que hoje designamos como língua escrita.

A língua, enquanto parte representativa de uma cultura necessita ser

respeitada em sua construção natural, dentro do meio no qual é utilizada,

buscando compreender as representações da realidade que emergem através

dela, em suas possíveis variações. No entanto, percebe-se que com a eleição

de uma padronização gramatical, por parte de determinado grupo social, a

gramática se materializa como normatização imposta, agindo como “limitadora

de ideias”, de possibilidades de representar a realidade, deixando assim de

atuar como elemento descortinador de mundos. Desconsiderando, assim, as

especificidades de cada construção cultural e bloqueando todo o processo de

criação. (BARTHES, 1978).

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62

A língua normatizada pela gramática é toda demarcada por regras que

são impostas e seguidas- a considerada norma culta. A escola, enquanto

promotora e divulgadora do conhecimento científico, e, dessa forma, veículo da

norma culta, também necessita, contudo, compreender a diversidade de

linguagem emergente das diferentes culturas, que constituem a população

brasileira. E respeitá-la, a fim de promover a expressividade dos sujeitos e das

suas estruturas interpretativas de mundo.

De acordo com Mariguela (2006), as línguas se moldam na própria

oralidade, na comunicação e expressão das relações sociais: são instrumentos

de simbolização do ser humano, representando a identidade de um povo. A

transposição para a escrita requer, entretanto, uma ordem mais estruturada,

uma ordem gramatical. Em seus estudos sobre a linguagem e a gramática de

Portugal, a autora descreve:

A gramática não é uma sistematização precisa e acabada, nem tão pouco uma formalização rígida de normas e regras do falar e do escrever português, mas um registro dos moldes de linguagem, de falares, de impressões e ações do povo português. (MARIGUELA, 2006, P. 70).

Neste contexto a gramática reafirma a marca de um povo, sua origem,

sua cultura, e é neste sentido que devemos pensar no termo gramática, não

como regrada, mas sim como novas possibilidades de registro de uma cultura,

não negando a expressividade do sujeito, mas sim constituindo a sua história.

Sabe-se da importância do uso do padrão culto da língua em alguns

ambientes ao qual o sujeito tem acesso, mas isso não pode ser motivo de

imposição de uma norma culta como único meio de expressividade

culturalmente validada: o sujeito tem o direito de se expressar e tematizar suas

ideias, de se relacionar com o mundo, por fazer uso da língua de diversas

formas.

Segundo Castilho (1998), a fala familiar do aluno não deve ser

discriminada pela escola, considerada como “fora da realidade culta”, mas sim

como o início de um processo de comunicação e interpretação de mundo, o

qual o levará a compreender que cada situação requer uma variedade

linguística, e, consequentemente, reconhecerá a necessidade de também

conhecer e usufruir da norma culta.

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63

A Gramática não deve ter como finalidade ultima impor as maneiras de falar como formas externas, mas deve através de regras (de bons costumes) e normas transmitir a linguagem de homens com o intuito de aprimorar sua melodia e seu conhecimento. (MARIGUELA, 2006, P.97).

O termo “por outras gramáticas” advém da ideia de produção de novas

línguas, considerando a historicidade das culturas, e as modificações da

linguagem cotidiana, marcada pela comunicação e expressão dos sujeitos em

suas relações com o mundo.

O que se discute nesta pesquisa é a valorização e o reconhecimento das

linguagens do aluno, respeitando e disseminando o conhecimento em relação

às diferentes culturas linguísticas. Nesse sentido, compreende-se a gramática

como agente organizador dos inúmeros estímulos percebidos pelo sujeito em

seu viver, que redundam em diferentes manifestações linguísticas, sendo

função da escola auxiliá-lo a coordenar e a compreender essas diferentes

formas de linguagens. Tarefa que percebemos ainda mais necessária diante da

multiplicidade de contextos informacionais presentes na Pós-Modernidade,

considerando as experiências individuais e quebrando o modelo hegemônico e

padronizadamente elitizante de se pensar o mundo e construir o conhecimento.

3.2 A cultura e a educação no mundo globalizado

O mundo contemporâneo apresenta-se marcado pelo constante

redimensionamento do cenário educativo, cultural e econômico, devido às

inúmeras transformações tecnológicas, culturais e sociais, e às novas formas

de distribuição e organização da informação no tempo e no espaço.

A globalização, tema em ênfase na atualidade, consiste na quebra de

barreiras e na reconstrução diária dos setores político, econômico, educacional

e social, gerando uma nova ordem mundial e possibilitando diferentes formas

de gerenciamento destas estruturas.

Para seus defensores, a globalização no plano econômico é um processo de desfazer fronteiras, de pensar o mundo como um todo comunicável por regras e práticas comuns, que deve ser adotadas por todos, indistintamente. [...] um mercado sem limites entre as nações, ideal de liberdade máxima, que se auto-regula, abrindo inúmeras perspectivas para os países de todos os “mundos”. (CANDAU, 2002, P.14).

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64

A ideia de adotar práticas comuns, nos aspectos econômicos e cultural,

de forma a “unificar as formas de se pensar o mundo”, como citado acima,

ainda é muito questionada e contestada, por favorecer a substituição das

expressões particulares por linguagens gerais e uniformes, desconsiderando

assim as circunstancialidades de cada sujeito/grupo social. (CANDAU, 2006).

Porém, as mudanças desenfreadas e o ideal de máxima liberdade para todos e

em tudo, são questões pertinentes à atual sociedade, em que se observa um

discurso de “unificação de oportunidades”, ao mesmo tempo em que se vive

concretamente situações globais de exclusão social.

O contraste de realidades, que emerge na/da sociedade pós-moderna, é

decorrente das inúmeras transformações que ocorrem dentro de um mesmo

grupo social, e entre grupos sociais, ao se transporem ideologias, e

concepções culturais, sem considerar-se o percurso histórico e as condições

contextuais em que essas surgiram. É uma transposição superficial de valores,

costumes e crenças; que não ajuda a compreender coisa alguma em

profundidade. Assim, a cultura, que antes era considerada como identidária

de um determinado grupo social, torna-se fragilizada, fragmentada e

enfraquecida por inúmeras desestruturações e desconstruções, e, ao mesmo

tempo, torna-se múltipla, marcada por novos valores e conceitualizações,

recursivamente pelas inúmeras reconstruções sociais da contemporaneidade.

Toda essa transformação social encontra-se presente no contexto

escolar, e traz muitos questionamentos com relação à formação que seria mais

adequada dos educadores, para atender às necessidade dos “sujeito pós-

moderno”. Enfrentar essa realidade pede a reestruturação global da escola

com relação à organização do tempo e do espaço pedagógicos, ao currículo

vigente e às necessidades de aprendizagem dos alunos, com vistas a

desenvolver um trabalho real, que possa efetivamente transformar o sujeito,

tornando-o apto a lidar com as múltiplas linguagens e formas de conhecimento

emergentes da contemporaneidade.

O que se percebe é que a escola não vem conseguindo acompanhar as

transformações nas formas e modos de produzir e divulgar/expressar o

conhecimento, e ainda encontra-se pautada nos modos e formas de conhecer

vinculados ao tradicionalismo de um determinado viés, sobretudo aquele

relacionado à cultura elitizante, que favorece o monoculturalismo e a

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65

centralização do poder, e, consequentemente, desconsidera a diversidade de

saberes das culturas populares.

A relação entre a cultura popular e a cultura dominante fica mais

compreensível ao examinarmos o quadro elaborado por Grignon (1995):

Culturas Populares Culturas Dominantes

Autarquia / Isolamento Suprematismo, expansionismo

Autoprodução Moeda

Economia de base doméstica e

familiar, local, à margem do mercado

Troca, Ajuda mútua

Mercado cada vez mais amplo

Economia-mundo

Dependência em relação às

imposições do meio físico.

Domínio do meio físico

Habilidade manual. Utensílios

Ferramentas

Utilização das ciências, das técnicas

aperfeiçoadas, das máquinas

Cultura técnica prática Cultura técnica teórica

Adaptação e capacidade de

adaptação do meio local às

imposições

Universalismo das soluções técnicas

Tempo medido em função da duração

das tarefas (Thompson, 1967)

Tarefas medidas em função do

tempo-padrão do relógio

Predominância do oral

Tradição não-fixa

Memória curta e incerta

Costume, usos

Línguas vernáculas

Grandes possibilidades de

interpretação e de improvisação

Predominância do escrito

Línguas nacionais e internacionais

escritas

Literaturas

Leis, regulamentos

Acumulação e concentração de

saberes (cultura culta, Igreja, Escola)

Quadro 02: Culturas populares e culturas dominantes (GRIGNON, 1995, P. 179)

Ao analisar esse quadro pode-se constatar que a educação reforça as

características da cultura dominante, bloqueando e enfraquecendo a cultura

popular, reafirmando a uniformidade e conduzindo ao monoculturalismo,

prevalecendo a acumulação e concentração de saberes, a sua expressão

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66

conforme a padronização da gramática como norma culta, a quantidade e o

acúmulo de informações e desconsiderando a diversidade cultural.

Para que se possa pensar em uma educação de qualidade acredita-se

que se faça necessário partir dos conhecimentos oriundos do sujeito

aprendente, de seu meio social e cultural, considerando suas crenças e seus

valores, construídos ao longo de sua história de vida, favorecendo a troca de

informações e experiências entre os diferentes sujeitos, com o propósito de

crescimento e emancipação social. Partindo deste principio percebe-se a

necessidade em transformar a escola monoculturalista e elitizada, para a

escola multiculturalista, que considera a diversidade sociocultural e favorece as

diferentes formas de linguagem como diferentes lentes de interpretação do

mundo/da realidade.

3.3 O desafio da educação frente ao multiculturalismo da

sociedade contemporânea

O conceito de multiculturalismo é polissêmico, e como o próprio termo

indica, propicia um rol de possibilidades de interpretação e de pluralidade de

sentidos. Há entendimentos diferenciados em relação ao que seria

multiculturalismo e ao que seria interculturalismo. Alguns autores consideram

como multiculturalismo a afirmação dos diferentes grupos culturais na sua

diferença e o interculturalismo como as interrelações entre os diversos grupos

culturais, outros, porém, utilizam o termo como sinônimos. (CANDAU, 2011).

O que se nota é que esse termo vem sendo muito utilizado nos últimos

tempos, permeando todo o campo educacional com questionamentos

marcados pela questão diferença/identidade e, ao mesmo tempo, disseminado

por uma política cultural de igualdade.

O multiculturalismo, enquanto um fenômeno de nosso tempo, traz para o campo da educação uma série de questionamentos e desafios, tais como o respeito à diversidade cultural e o redimensionamento das práticas educativas, a fim de se adequar às recentes demandas por uma escola mais democrática e inclusiva. (SOUZA, 2002, P.156).

Enquanto as políticas públicas reforçam o discurso de igualdade nos

deparamos com a presença constante das diferenças em nosso cotidiano,

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67

diferenças de raça, sexualidade, identidades, origens, entre outras; as quais se

refletem nas relações entre os sujeitos, tornando-os inclusos ou excluídos de

um determinado grupo social. A temática da “indiferença e da intolerância”

encontra-se muito presente na sociedade contemporânea e se expande para

dentro do universo escolar, embora o discurso pela igualdade tente omitir a

existência das diferenças.

Os sujeitos buscam incessantemente uma posição, um lugar no tecido

social, e para isso promovem disputas em busca de garantias de direitos, de

constituição de identidades, enfim, agem em favor do ter voz e vez;

principalmente entre grupos tradicionalmente alvos da exclusão, representados

pelo negro, mulheres, homossexuais, indígenas, jovens da periferia, dentre

outros; em relação a outros grupos, que se articulam e definem “regras para o

mundo”, exercendo-as pelo poder. (SOUZA, 2002).

O multiculturalismo não pode ser resolvido apenas por legislações que

coordenem o problema da diferença, baseadas numa base política que

privilegia um determinado grupo considerado como ideal, e automaticamente

descaracteriza e exclui a universalidade das diferenças humanas. Mas, sim,

através de uma reflexão sobre os problemas de indiferença presentes no

cotidiano e na busca de uma nova epistemologia multicultural, um novo olhar

sobre os fatos, uma nova versão do assunto, uma análise crítica sobre os

outros lados dos problemas, considerando todos os envolvidos com o mesmo

grau de importância, e, assim, de compartilhamento das ações de poder.

O fato do multiculturalismo poder atuar como um elemento questionador

e crítico da epistemologia monocultural promove uma insegurança na ordem

estabelecida, uma negação do universal e igualitário, um novo olhar sobre o

projeto de uma sociedade.

O monoculturalismo é algo perturbador, que tira a segurança, que questiona idéias e concepções que oferecem garantia e sustentação para muitos aspectos da vida social. A teoria multicultural traz à tona as contradições da sociedade ocidental que se professa universalista e igualitária, mas que, diante dos questionamentos multiculturais, descobre-se monocultural e profundamente marcada pela desigualdade. (SOUZA, 2002, P.159).

No campo educacional a presença do monoculturalismo ainda é muito

presente, e vencer este obstáculo é um dos grandes desafios propostos à

educação, no contexto social contemporâneo. Embora as politicas públicas

Page 69: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

68

zelem pela igualdade de direitos e pela inclusão, percebe-se que estas omitem

e ocultam a presença da diferença e da diversidade, contribuindo assim para a

emancipação e o empoderamento de parte do grupo social, considerado como

idealizado, e para a exclusão dos que ficam, os quais são colocados à margem

deste grupo.

Diante deste quadro detecta-se a necessidade de se trabalhar ambos os

conceitos no universo escolar, tanto aquele da diferença quanto aquele da

igualdade, a pluralidade e a universalidade, articulando ambos a fim de

promover o respeito ao próximo, considerando-o e compreendendo-o para que

possamos nos relacionar e conviver socialmente. Desafio que se refere

primordialmente à escola, pois é através dela que convivemos com as

diversidades de ser, pensar e agir de cada sujeito, temos contato com

diferentes culturas e valores, enfim ampliamos o nosso contato com o mundo e

as tantas possíveis formas de interpretar o viver.

O esquema de James A. Banks (1999 apud CANDAU, 2002, p. 90),

propõe um modelo próprio de educação multicultural:

Page 70: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

69

Banks (1999 apud CANDAU, 2002, p. 90).

Através da análise do esquema de Banks é possível detectar uma

educação pautada na construção do conhecimento, em que os sujeitos

desenvolvam habilidades e atitudes para que possam atuar dentro de seus

grupos culturais e também no contexto social da cultura mais ampla,

interagindo com suas origens e com a diversidade cultural presente na

contemporaneidade. (CANDAU, 2002).

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Visa entender em que medida os professores ajudam os alunos a entender, investigar e determinar como os pressupostos culturais implícitos, os quadros de referência, as perspectivas e os vieses dentro de uma disciplina influenciam as formas pelas quais o conhecimento é construído.

EDUCAÇÃO MULTICULTURAL

L

INTEGRAÇÃO DO CONTEÚDO

A integração de conteúdo lida com as formas pelas quais os professores usam exemplos e conteúdos provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar os conceitos-chave, os princípios, as generalizações e teorias nas suas disciplinas ou áreas de atuação.

PEDAGOGIA DA EQUIDADE

Uma pedagogia da equidade existe quando os professores modificam sua forma de ensinar de maneira a facilitar o aproveitamento acadêmico dos alunos de diversos grupos sociais e culturais. Isto inclui a utilização de uma variedade de estilos de ensino, coerente com a diversidade de estilos de aprendizagem dos vários grupos étnicos e culturais. A integração de conteúdo

REDUÇÃO DO PRECONCEITO

Esta dimensão focaliza atitudes dos alunos em relação à raça e como elas podem ser modificadas através de métodos de ensino e determinados materiais e recursos didáticos.

UMA CULTURA ESCOLAR E ESTRUTURA SOCIAL QUE REFORCEM O EMPODERAMENTO

DE DIFERENTES GRUPOS

Seria um processo de reestruturação da cultura e organização da escola, para que os alunos de diversos grupos étnicos, raciais e sociais possam experimentar a equidade educacional e o reforço de seu poder na escola.

Page 71: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

70

Neste contexto, o reconhecimento e respeito ao outro encontram-se

intimamente vinculados. A didática e a construção do conhecimento surgem

como elementos ligados ao referendar circunstancial de cada cultura, através

de seus valores, símbolos e comportamentos, que necessitam ser

compreendidos em sua essência, na origem. A promoção da equidade, a

redução do preconceito, o respeito às diferenças, reforçam o empoderamento

dos vários grupos existentes numa sociedade. E tudo isso passa

fundamentalmente pelo reconhecimento e valoração das diferentes linguagens,

emergentes de diferentes culturas, significando as múltiplas formas de

conceber o conhecimento e a oportunidade de discuti-las.

Para Banks a escola apresenta uma visão reducionista da educação

multicultural, focando-se apenas em atividades isoladas, principalmente através

de festividades culturais, que pouco favorecem uma educação multicultural que

mereça esse nome. . (CANDAU, 2002).

No contexto escolar contemporâneo nota-se que o multiculturalismo

ainda não foi compreendido como uma possibilidade de educação que visa a

transformação do sujeito. A escola ainda encontra-se construída de forma

hierarquizada, hegemônica, cultivando uma única cultura, ou melhor, um

caráter monocultural.

Considerar o universo cultural do sujeito e as diferentes linguagens

ainda é um ponto de muita tensão, que necessita ser analisado, repensado e

reorganizado pela escola, a fim de propiciar espaços e atividades promotoras

da diversidade cultural, com contribuições e perspectivas favoráveis aos

diferentes grupos étnicos e culturais, com o intuito de desenvolver a educação

de forma inclusiva, transformadora e que ultrapasse os muros da escola.

3.4 As práticas escolares frente ao multiculturalismo e à

linguagem intercultural5

A linguagem se forma e transforma de acordo com as modificações que

são inerentes ao meio social e cultural, se reorganizando e se adaptando- e

5 Interculturalidade: sua especificidade está em colocar a ênfase na interação entre distintos grupos

socioculturais, favorecendo o diálogo entre seus sujeitos, seus saberes, e práticas sociais. (CANDAU, 2011, p. 22).

Page 72: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

71

reorganizando, imbricadamente, os mais diferentes contextos, com o propósito

de possibilitar a comunicação, seja esta visual, sonora, escrita, sensitiva, entre

outras.

Com o avanço tecnológico oriundo da pós-modernidade houve também

as inovações que se fizeram necessárias para a comunicação: a cada dia

surgem novos aparelhos eletrônicos, softwares e programas de multimídia, que

contribuem favoravelmente para o desenvolvimento da comunicação, e fazem

parte do cotidiano das pessoas.

Essa difusão tecnológica, juntamente com os paradigmas socioculturais

da pós-modernidade, requer uma nova compreensão de mundo, a qual

necessita ser redefinida principalmente no que se refere ao contexto

educacional. A escola, no entender dessa pesquisadora, precisa incluir em seu

currículo, e principalmente em suas práticas cotidianas, os diferentes tipos de

linguagens, que emergindo na sociedade pós-moderna, revelam as formas de

pensar de seus sujeitos.

Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que ela está cada vez mais desenraizada da sociedade. [...] A educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno. [...] Mas o mundo mudou e continua mudando rapidamente sem que a escola esteja acompanhando tais mudanças. (VEIGA NETO, 2003, p. 110).

Atualmente, a escola atende um público diversificado em termos da

riqueza de estímulos. Desde a educação inicial percebe-se que as crianças já

dominam alguns recursos tecnológicos por vivenciarem a utilização dos

mesmos em seu cotidiano, as informações variadas, que lhes chegam via

programas de tv, filmes, desenhos e jogos, e costumam levar esse

conhecimento comum à elas para a escola. Que não parece encontra-se

preparada para lidar com esse tipo de conhecimento, e com as novas formas

de pensar e agir a esse atreladas. E acaba por bloquear tudo isso, não

permitindo ou nem sabendo como empregar os recursos tecnológicos em sala

de aula ou em outros espaços do ambiente escolar, negando os

questionamentos dos alunos, enquadrando os conhecimentos “externos”,

trazidos pelos alunos nos limites do currículo ou do conhecimento do professor.

O que poderia ser utilizado como instrumento de apropriação do conhecimento,

Page 73: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

72

ou o próprio aprofundamento desse, passa a ser entendido como elemento

desestabilizador da aprendizagem.

Diante deste contexto surgem os conflitos entre as reais necessidades

de aprendizagem do sujeito contemporâneo e as práticas de escolarização

desenvolvidas e reforçadas pela escola. Paradigmas diferentes que se colocam

em embate, e que necessitam se converter repensados, para que uma nova

realidade educacional e social possa ter lugar.

De acordo com Candau (2010), faz-se necessário reinventar a educação

escolar para que as propostas sejam significativas para os sujeitos em

formação e adquiram relevância no contexto contemporâneo: uma proposta

didática que eleve o pensamento crítico, atual, de forma consistente.

Ensinar a resolver problemas, a tomar decisões, a fazer escolhas, e

coordenar as diversas linguagens, são hoje elementos primordiais para a

sobrevivência humana em meio às múltiplas informações, opções e

necessidade de fazer escolhas do mundo contemporâneo.

Neste contexto, o desafio da educação se pauta na revisão de suas

práticas a fim de torná-las mais adequadas às necessidades do sujeito e da

sociedade como um todo; precisamos de uma educação real, que prepare o

indivíduo para a vida em sociedade- o que não se faz possível quando a ênfase

está fixada em “embutir” conteúdos nos sujeitos.

Não pretendo com esta pesquisa desconsiderar toda a organização do

currículo escolar, sabe-se que muitos dos conteúdos presentes no currículo

são de importância para a formação do sujeito, porém, cabe repensar a

didática no ensino destes conteúdos, sua seleção e as lacunas de formação

docente encontradas neste processo, direcionando o olhar para uma educação

mais adequada aos enfrentamentos de nossa sociedade.

Esta transformação da educação, na qual se pauta esta pesquisa, é

ampla e requer a transformação de todo um sistema de ensino, pautando-se na

ideia de que a educação de qualidade é aquela da qual o sujeito faz uso em

sua vida cotidiana, em seus diversos âmbitos. Neste sentido, cabe aos

educadores em geral se conscientizarem da necessidade de mudança e de se

proporem a conhecer novas propostas de ensino, bem como estar aptos para

refletir sobre elas, e analisando-as em relação à sua prática.

Page 74: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

73

O que se presencia hoje nas escolas é um grande número de

profissionais insatisfeitos com o próprio trabalho ali realizado e sem uma

orientação precisa e concisa de como atuar. Cada um sobrevive como pode,

gerando assim o aumento do número de doenças profissionais, principalmente

emocionais, no magistério. Os professores, que antes eram respeitados pelo

domínio do saber, hoje são instigados e testados pelos alunos e pelo sistema

de ensino no qual se encontram inseridos; diariamente se deparam com

questionamentos em relação a sua prática, ao seu conhecimento de mundo e

ao domínio das informações. Com isso acabam muitas vezes se sentindo

incapazes de realizar a atividade do magistério, a orientação para o trabalho

acaba sendo entendida como uma avaliação constante, que resulta em

insegurança e tensão, deixando os profissionais sob pressão contínua.

Reconhecem que o que faziam antigamente e era válido hoje não causa efeito,

porém não conseguem visualizar uma saída para tal situação.

Atualmente, a rapidez e o fácil acesso ao conhecimento possibilitados

pela era digital e disponibilizados por todas as esferas sociais, trazem para a

sala de aula os mais diversos assuntos, emergentes da sociedade. O professor

necessita de estratégias para coordená-los, com o propósito de transformar a

sala de aula em um meio de conhecimento ativo, que valorizem o caráter social

da aprendizagem e, ao mesmo tempo, instigue à busca por mais

conhecimentos, como interpretá-los e relacioná-los/empregá-los na vida

cotidiana. O grande desafio é: como fazer isto?

De acordo com Candau (2011), as diferenças são relevantes para

configurar a realidade, e a reflexão aqui feita pretende enfatizar o caráter

histórico e sociocultural da construção das diferenças, considerando estas

como a base das relações sociais.

Neste horizonte de preocupações afirmamos a necessidade de ressignificar a perspectiva crítica no âmbito da educação e da didática. Não se trata de negá-la, muito de nós, em os quais me situo, estamos arraigados nesta tradição, mas sim de favorecer um processo de reconfiguração em que propomos que a perspectiva intercultural constitua um eixo fundamental. (CANDAU, 2011, p. 20)

A perspectiva intercultural tem como propósito o respeito às diferenças,

quebrando o elo de poder entre as pessoas e, consequentemente, favorecendo

as relações sociais e um viver democrático. Neste sentido a educação se

Page 75: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

74

concebe como emancipação imbricada do sujeito e do seu grupo social, como

um todo.

Para que haja a transformação da prática escolar, primeiramente é

necessário que ocorra a interpretação e reconhecimento das diversidades

culturais presentes na escola e na sociedade, e, posteriormente, a

disponibilidade do educador e do sistema ao qual o mesmo se encontra

inserido, de trabalhar com tais diversidades. O que requer a revisão de

métodos de ensino, as concepções quanto ao que é e para que serve o

conhecimento, de práticas e ações docentes, e análise reflexiva do currículo.

No âmbito dessa pesquisa, que trata do letramento, como essa transformação

pode ocorrer? O lidar com a linguagem, em qualquer de suas formas, é

essencial para pensar-se numa educação intercultural/multicultural. A

linguagem cria o mundo social, “materializa” a realidade, pois dá expressão às

formas de pensar. Como a aquisição e a prática da linguagem vem sendo

trabalhadas na escola, em termos de letramento?

Para tratar dessas questões analisaremos, a seguir, alguns livros

didáticos- considerando-os, principalmente, como uma importante forma de

efetivação das diretrizes curriculares oficiais e também dos discursos

educacionais vigentes na sociedade “dominante”- com o intuito de averiguar: a)

como são abordadas as diversidades das linguagens nas atividades de

letramento, b) se há uma forma de linguagem predominante, c) quais seriam as

possibilidades de desenvolvimento do letramento (como definido em capítulos

anteriores) dessas atividades, considerando o contexto multicultural da

sociedade contemporânea.

3.5 Análises de livros didáticos

3.5.1 Contextualização da pesquisa

A ideia da análise de livros didáticos é decorrente da tentativa de

compreensão da ação do professor em sua prática docente e das razões da

Page 76: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

75

persistência do que percebemos como uma “monocultura” presente na

educação contemporânea.

Os livros didáticos aqui usados são todos materiais “gratuito”, distribuído

pelo MEC6 em todo o país, através do PNLD7. Constituem-se, assim, como de

fácil acesso para os professores e alunos, e veículos para as ações do

currículo escolar. Trata-se de um material minuciosamente selecionado e

avaliado por uma equipe de especialistas do MEC, sendo que essa avaliação

tem como propósito apresentar uma relação de livros didáticos de qualidade,

para que as escolas possam fazer a sua escolha quanto a qual

material/coleções didáticas será usado num determinado ano letivo.

Considerando que o foco principal dessa pesquisa está posto sobre o

letramento, decidiu-se por analisar especificamente os livros do 2º ano8 da

disciplina de língua portuguesa, os quais vêm a abordar diretamente as

questões de alfabetização e letramento.

A escolha das três coleções a serem aqui analisadas foi baseada na

seleção realizada em 2012 pelas escolas que possuem o ensino fundamental-

anos iniciais- da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no município

de Piracicaba, para o PNLD de 2013. Dentre as coleções selecionadas pelos

professores foram escolhidas três, tomando-se por critério a “popularidade”

dessas nas escolhas feitas pelos professores.

O guia de livros didáticos PNLD 2013, de língua portuguesa, considera o

letramento e a alfabetização como “eixos orientadores” para a reorganização

curricular, tanto em relação à formação docente quanto as avaliações oficiais

do rendimento escolar; tendo como objetivo central “inserir a criança, da forma

mais qualificada possível, na cultura da escrita e na organização escolar,

garantindo sua plena alfabetização[...].” (GUIA DE LINGUA PORTUGUESA

PNLD, 2012)

[...] o que está em jogo é o contato sistemático, a convivência e a familiarização da criança com objetos típicos da cultura letrada, ou

6 Ministério da Educação e Cultura

7 Programa Nacional do Livro Didático – MEC.

8 Destaco que com a legislação do ensino de 9 anos instituída no Estado de São Paulo, o segundo ano se

refere a antiga primeira série.

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76

seja, o seu (re)conhecimento das funções sociais, tanto da escrita quanto da linguagem matemática; das letras, da série alfabética e do sistema da escrita; dos algarismos e da notação matemática; etc. (PNLD 2013 LÍNGUA PORTUGUESA ANOS INICIAIS, 2012, p. 10)

Nestes dois trechos acima descritos percebe-se que quanto à

compreensão da alfabetização e do letramento, o primeiro trecho apresenta-se

focado na cultura escrita, enquanto o segundo propõe o contato da criança com

a cultura letrada, possibilitando assim as práticas de uso da linguagem como

prioritárias nas propostas dos livros didáticos.

O Guia de Língua Portuguesa do PNLD 2013 dos anos iniciais apresenta

uma preocupação com a formação do sujeito e com a formação do professor,

porém não abole a preocupação quanto às avaliações oficiais. Neste sentido os

conteúdos curriculares das coleções que compõem este guia são norteados

pelo currículo vigente, com ênfase nas expectativas de aprendizagem

solicitadas pelas avaliações externas, como meio de garantir o aumento dos

índices da Educação Nacional (IDEB9 e IDESP10). Diante disso percebe-se que

o foco do ensino se descentraliza, deixando de considerar a formação do sujeito

com vistas à sua cultura e o seu meio social, para uma formação com vistas a

atender as demandas exigidas pelas avaliações oficiais. Embora, nos discursos,

essas preocupações estejam “alinhadas” não é isso que se manifesta na

prática, como a breve análise dos materiais didáticos aqui feita permitirá

vislumbrar.

Os princípios e critérios para a avaliação e seleção das coleções de

Língua Portuguesa dos anos iniciais para a coletânea do GUIA PNLD 2013,

consideraram as demandas de comunicação linguística inerente à vida em

sociedade, principalmente no que diz respeito à cidadania, e as orientações

expressas nos documentos oficiais, tais como os PCN (Parâmetros Curriculares

Nacionais), e as diretrizes educacionais para a educação básica (MEC),

organizando-se com vistas a garantir:

o desenvolvimento da linguagem oral e a apropriação e desenvolvimento da linguagem escrita, especialmente no que diz respeito a demandas básicas oriundas seja de situações e instâncias públicas e as formais de uso da língua, seja do próprio processo de ensino-aprendizagem escolar;

9 IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

10 IDESP: Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

Page 78: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

77

o pleno acesso ao mundo da escrita e, portanto, às práticas de letramento associadas a diferentes formas de participação social e ao exercício da cidadania. (PNLD 2013 LINGUA PORTUGUESA ANOS INCIAIS, 2012, P.12)

A organização proposta pelo Guia do PNLD 2013 prioriza a alfabetização

e o letramento nos três primeiros anos do ensino fundamental e o seu

aprofundamento nos dois anos subsequentes. As orientações do GUIA do

PNLD 2013 consideram a funcionalidade tanto da escrita quanto das práticas

de reflexão, compreendendo a relevância da cultura e do meio social ao qual o

sujeito encontra-se inserido, ressaltando também a importância das diferentes

linguagens.

Esse material relata os critérios para seleção das coleções, os princípios

norteadores da educação, os objetivos da língua materna no ensino

fundamental, o perfil geral das coleções, enfim, diferentes características

apresentadas pelas coleções, porém não traz uma definição concreta dos

termos alfabetização e letramento. Ambos os termos aparecem o tempo todo

nos textos do PNLD, mas com conceitos implícitos, sempre baseados nos

objetivos e diretrizes educacionais. O entendimento da análise aqui feita é de

que as atividades relacionadas à sistematização da escrita são consideradas

como processo de alfabetização e as atividades de produção de texto, reflexão

e utilização da língua escrita são consideradas como letramento.

O que analisaremos posteriormente é se estes conceitos de alfabetização

e letramento, bem como os seus propósitos de ensino, encontram-se presentes

também nas coleções e nas atividades dos livros didáticos.

Optou-se nesta análise por nomear as coleções em coleção 1, coleção 2

e coleção 3, não fazendo uso dos nomes das coleções e nem das editoras,

mantendo assim a ética perante o material a ser analisado.

Esta análise encontra-se pautada nas seguintes categorias: letramento e

alfabetização, compreendendo-os como processos distintos, embora

conjugados, no qual a alfabetização se relaciona com os processos de

aquisição do sistema de escrita, e o letramento relaciona-se com a

funcionalidade do uso da língua, em seus aspectos socioculturais, os quais

resultam nas ações do sujeito com relação ao efetivo uso social da língua

(SOARES, 2011); multiculturalismo e o interculturalismo, os quais

compreendem e valorizam a pluralidade cultural, em sua diversidade de

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78

culturas, etnias, costumes, e linguísticas, considerando-as como fundamentais

no processo de formação e inserção do sujeito no mundo (CANDAU, 2002); e a

diversidade de linguagens, considerando as diferentes linguagens e

conhecimentos emergentes da sociedade pós-moderna bem como suas

diferentes gramáticas de mundo, quebrando o modelo hegemônico e elitizado

de conceber a linguagem, o qual segundo Barthes (1978), atua como

“limitadores de ideias”, interferindo negativamente no processo de criação.

Dentro dessas categorias foram utilizados os critérios de alternância de

códigos, contexto, e conhecimento de mundo. Para uma compreensão mais

específica de cada critério, farei uso de parte do Guia para análise dos aspectos

interacionais (LEÃO; MELLO, 2007 apud CHIDID, 2009, p.74):

Alternância de código

Alternâncias de códigos são passagens do uso de uma variedade lingüística para outra, em que os participantes de uma interação, de alguma forma, percebam como distintas. Nisto podemos incluir mudanças de sotaque, de escolhas lexicais, de postura etc. Apesar de tais aspectos já terem sido considerados em outras oportunidades, aqui aparecem como pontos de articulação êmica, em que a alternância de um código para outro deve ser entendido como uma demarcação de grupo cultural.

Conhecimento de mundo

Conhecimento de mundo se refere a um conhecimento tácito, baseado em crenças, hábitos e costumes compartilhados, teorias do senso comum, experiências vividas, fatos e dados sociais, econômicos, políticos e de outras naturezas, que os interagentes têm acerca dos mais variados aspectos e, por esperarem, conscientemente ou não, que os seus interlocutores também tenham, o dão por certo.

Contexto

Por contexto aqui assumimos qualquer conhecimento – de um fato ou situação, uma informação, experiência etc. – alçado, direta ou indiretamente, voluntariamente ou não, ao ambiente interacional.

Quadro 03: Guia para análise dos aspectos interacionais (LEÃO; MELLO, 2007, apud CHIDID, 2009)

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79

Pretende-se através destes critérios investigar as linguagens trabalhadas

no cotidiano escolar, considerando que perpassam questões relevantes na

formação e atuação do sujeito na sociedade contemporânea.

3.5.2 Análise das coleções quanto às atividades de

letramento e alfabetização

Coleção 01

A coleção apresenta-se organizada em quatro unidades temáticas, sendo

que o fio condutor vem marcado pela presença do gênero textual proposto por

cada unidade, que neste caso são: “marchinhas de carnaval”, “contos de

encantamento”, “regras de brincadeiras” e “contos de animais”; ao fim de cada

unidade há uma atividade de produção de texto.

As seções que compõem esta coleção são: “De olho no texto”,

envolvendo atividades de compreensão e organização textual; “Você sabia”,

trabalha as definições sobre o gênero textual em questão; “Atividade

permanente”, compreende atividades de alfabetização, produção de texto e

linguagem oral; “Padrões da escrita”, com atividades de ortografia,

segmentação do texto em palavras, frases e sílabas, emprego de letras

maiúsculas e minúsculas, regras de concordância, paragrafação, entre outros;

“Para ler mais”, com mais um texto do mesmo gênero trabalhado com o

objetivo de ampliar o repertório do aluno; “De olho no seu texto”, que trabalha

com produção e revisão textual.

O livro traz como orientações ao professor um “manual do professor”, o

qual apresenta como trabalhar cada unidade e algumas concepções de ensino

e aprendizagem vinculados à proposta didática a ser trabalhada.

As concepções de alfabetização e letramento apresentam-se

aparentemente relacionadas à questão social, assim como nos textos dos

documentos oficiais:

Para concretizar o propósito de formar todos os alunos como praticantes da cultura escrita, é necessário reconceituar o objeto de ensino e construí-lo tomando como referência fundamental as práticas sociais de leitura e escrita. Pôr em cena uma versão escolar

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80

dessas práticas, que mantenha certa finalidade à versão social (não escolar, requer que a escola funcione como uma micro-comunidade de leitores e escritores. (LERNER, 2002, p17)

Esse trecho do livro de Delia Lerner (2002) é apresentado no manual do

professor como justificativa às escolhas metodológicas do material, assim

outros autores, como Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, aparecem descritos por

diversas vezes para justificar que o processo de alfabetização se baseia na

reflexão sobre o sistema de escrita, a qual deve ser mediada pelo professor,

pautadas em situações sociais.

Para alfabetizar, o aluno precisa refletir sobre a escrita e compreender o funcionamento do sistema alfabético. O aprendizado desse conteúdo complexo requer a organização de sucessivas etapas de interpretações e aproximações. [...] é preciso que os alunos participem de situações de uso da leitura e da escrita, principalmente aqueles que têm poucas oportunidades de conviver em ambientes onde estas são pouco usuais. [...]. Por isso a proposta metodológica deste livro baseia-se na concepção de que a alfabetização só pode contribuir para formar alunos usuários competentes da leitura e da escrita se as práticas de alfabetização garantirem um espaço de reflexão sobre como funcionam as coisas no mundo da escrita: quais as situações em que se escreve e se lê, quais os materiais em que se lê, de que formas os adultos leem e escrevem, o que dizem os rótulos dos produtos que circulam em casa etc. (RECORTE DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÂO 1)

A compreensão do processo de letramento é entendido por esta coleção

como inerente ao processo de alfabetização, ou seja, o letramento como

extensão “natural” do processo de alfabetização. A ênfase está na reflexão em

“como funcionam as coisas no mundo da escrita”. Percebe-se que os autores

utilizados neste manual são os mesmos que fundamentam o trabalho com o

projeto “Ler e escrever”, da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo,

tornando-se assim um material formatado com as mesmas concepções

metodológicas desta secretaria.

Para uma melhor análise do material foi feito um levantamento sobre as

quantidades de atividades de cada segmento, e para isso elaborada uma

tabela dividida com as seções apresentadas no livro, conforme abaixo:

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Alfabetização 17

Produção de texto 16

Compreensão de texto 09

Organização do texto 05

Linguagem oral 07

Padrões da escrita 09

Para ler mais 05

Práticas de linguagem 01

Constata-se que estas atividades quando relacionadas à alfabetização,

como processo de aquisição do sistema de escrita, e ao letramento como

compreensão e utilização da língua nos diferentes contextos sociais,

apresentam-se em uma nova configuração de grupo, apresentada na tabela

abaixo como “atividades de alfabetização” e “letramento”. Todas as atividades

próprias de estudo da língua culta foram consideradas como atividades de

alfabetização, e as atividades que exploravam uma reflexão e/ou utilização da

linguagem para além do contexto escolar foram consideradas como letramento.

Page 83: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

82

Atividades de alfabetização Atividades de letramento

Alfabetização – padrões da escrita –

Produção de texto - Linguagem oral -

compreensão de texto - organização

para ler mais – práticas de linguagem

Total sessenta e três atividades Total de seis atividades

Entende-se, aqui, como poderá ser visto nos “recortes” do livro,

apresentados abaixo, que no que toca ao critério alternância de códigos, como

explicitado anteriormente, que esse se relacionaria importantemente com o

letramento, porém, na proposta deste material isso não acontece. Não há

ênfase posta numa reflexão sobre a propriedade ou possibilidade de

modificações dos códigos nas práticas de linguagem propostas: prioriza-se o

estudo da norma culta, desconsiderando a variedade social e cultural existente

nas situações sociais e nos diversos grupos da nossa sociedade, e as

demarcações nas interpretações de mundo propiciadas por esta variedade.

Com relação ao critério contexto percebe-se que nas propostas deste

material o contexto é determinado pelo professor: sempre apresenta-se

moldado, formatado, e imposto como “social”, devendo o aluno “interagir” com

os modelos dados. Esse falso contexto resulta em uma falsa interação,

dificultando assim a compreensão de mundo do sujeito e o papel que a

linguagem aí desempenharia. Esse contexto falseado, criado pela escola, é o

que se parece compreender como “função social da escrita”, vindo a ser

considerada como “letramento”.

Quanto ao critério conhecimento de mundo, as experiências prévias do

sujeito, aparecem como “relevantes” na proposta desse material. Contudo, as

atividades geralmente sondam o que o aluno já sabe sobre determinado

conteúdo: não se estende o conhecimento desse saber prévio para além dos

muros da escola- quais são as práticas da cultura do aluno em relação a tal

tema, o que ele pensa de tal tema, no que acredita, quais os valores que ele e

sua família atribuem ao que está sendo tratado... O direcionamento está

sempre posto para a aprendizagem da norma culta e para o ambiente escolar,

Page 84: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

83

numa idealização desse aliás, pois não há a discussão das diferentes tensões

que caracterizam esse.

Esses critérios podem ser pensados em termos das atividades de

compreensão e produção de texto, que em sendo compreendidas como

atividades de letramento pela proposta do livro analisado, encontram-se neste

material claramente focadas na aquisição do sistema de escrita (alfabetização).

Observe-se o exemplo a seguir:

Page 85: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

84

Figura 05 – Atividade de produção de texto - Bilhete

Neste caso a proposta de produção de um bilhete apresenta-se vinculada

a um texto trabalhado anteriormente, uma situação imaginária, mas

descontextualizada em relação ao modelo proposto- que trata de uma situação

Page 86: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

85

cotidiana- e rompendo, de certa forma, com a própria definição do que seria um

“bilhete”: uma forma de comunicação entre pessoas, com a função social de

trocar informações, cumprimentos, agradecimentos.... Temos, então, uma

dificuldade na alternância de códigos, dada a impossibilidade de trocas reais

entre o autor e o receptor/intérprete da comunicação, um contexto impingido ao

aluno pelo professor/livro e praticamente não se indaga/deixa emergir o

conhecimento de mundo do aluno em relação a um importante veículo de

comunicação escrita. Letramento ou alfabetização? Onde há preocupação com

a diversidade, e possibilidades de escrita, abertas pela sociedade pós-

moderna? Onde a preocupação com o multi/interculturalismo?

Para esta proposta de produção textual, neste caso um bilhete, poderia

ser sugerido, por exemplo, a construção de um texto destinado para os pais,

informando os horários das aulas de arte, educação física, “reforço”, etc; ou

referente aos materiais que os alunos necessitam trazer nestas aulas; ou

outros temas do cotidiano escolar, como: um bilhete sobre o cardápio da

merenda de determinada semana, sobre a reunião de pais, sobre a

organização diária dos materiais dos alunos, sobre as tarefas escolares, ou

mesmo sobre situações familiares, mensagens afetivas, pensamentos, etc.

Neste caso, o vínculo com situações do cotidiano possibilitaria uma

aprendizagem mais significativa e contextualizada para o educando, em que a

situação de uso da linguagem ultrapassaria os limites da sala de aula,

chegando até os familiares e resultando em trocas sociais possivelmente mais

autênticas. Lembrando que mesmo que os pais/familiares não dominem a

leitura isso também poderia ser discutido e adaptado à escrita do bilhete,

estendendo-se ainda mais as possibilidades de letrar o educando em relação

às possibilidades da linguagem grafada.

O multiculturalismo e a diversidade de linguagens são restritos nesta

coleção, as atividades, em sua maioria, apresentam-se focadas para a língua

culta, e os padrões culturais são pré-definidos, desconsiderando as

circunstancialidades de cada sujeito, prejudicando a construção de novos

contextos e o conhecimento de mundo.

Page 87: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

86

Coleção 02

Esta coleção se organiza em oito unidades temáticas, das quais quatro

são finalizadas por um projeto denominado “Fazer e aprender”, o qual propõe

uma exposição dos trabalhos dos alunos através de apresentações orais,

exposição de curiosidades, produção de livros e roda de histórias. Cada

unidade temática se relaciona a um gênero textual e são definidas da seguinte

maneira: “Tem cor, sabor e alimenta!”, “Passo a passo para montar”,

“Perguntas e respostas curiosas”, “Informação por toda parte”, “Palavras para

encantar e rimar”, “Sustos e suspense no ar”, “Histórias de todos os tempos”, e

“Aprendendo com os animais”. Os gêneros textuais propostos por cada

unidade são: receita, instruções de montagem, curiosidade, texto expositivo,

poema, conto de assustar, conto tradicional e fábula.

Cada unidade apresenta-se dividida em seções, e neste material foi

possível perceber uma regularidade na organização: todos os capítulos são

compostos por duas leituras e todas estas leituras apresentam o estudo do

texto; em todos os capítulos há “estudo da língua”, que compreende o estudo

do alfabeto, letras e sílabas, frase e pontuação, masculino e feminino, singular

e plural, pontuação e acentuação; “produção de texto”, com atividades de

construção de texto no gênero proposto por cada unidade temática, há

propostas de escrita coletivas em duplas e individuais; “estudo da escrita”,

compreende as atividades de ortografia, emprego do p/b, t/d, e f/v, o espaço

entre as palavras (segmentação), o uso do r e rr, do s e ss, do c e ç, do m

antes do p e b, o estudo dos sons nasais e dos encontros consonantais;

“descubra como”, com atividades denominadas como: consulta ao dicionário,

leitura de sumário, escrita de legendas, ler um poema em voz alta, registrar

para contar histórias, escrever um diálogo em tiras, fazer uma ficha de leitura;

“antes de continuar”, propõe mais um breve estudo do gênero proposto por

cada unidade; nos capítulos pares aparecem os itens “fazer e aprender”, que

trabalha com as atividades de exposição; e nos ímpares “rever e aprender”,

que trabalha com a revisão de alguns conteúdos apresentados pela unidade.

Todos os capítulos possuem o mesmo modelo estrutural e a mesma sequência

das seções.

Page 88: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

87

Este livro apresenta um “Manual para o professor” com respostas das

atividades, fundamentações teórico-pedagógicas, sugestões sobre como

trabalhar cada unidade, encartes para apoiar as atividades dos alunos,

sugestões de livros de literatura e uma bibliografia de orientação ao trabalho do

professor.

As concepções de alfabetização e letramento explícitas no manual do

professor apresentam-se relativamente vinculadas à cultura e ao meio social do

sujeito, com propostas que contemplam o ensino da língua materna; tais

concepções são fundamentadas, neste material, pelos PCNs.

A criança possui um repertório de conhecimentos sobre o falar, o ler e o escrever que foi sendo construído ao longo de seu desenvolvimento, com diferentes interlocutores, e a partir do qual as situações de ensino e aprendizagem devem ser dimensionadas. (TRECHO RETIRADO DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÃO 2)

As orientações previstas no material enfatizam a importância do professor

considerar os conhecimentos prévios dos alunos e a sua atuação como

mediador das aprendizagens e justifica essas ações se fundamentando nos

PCNs:

É pela mediação da linguagem que a criança aprende os sentidos atribuídos pela cultura às coisas, ao mundo e às pessoas; é usando a linguagem que constrói sentidos sobre a vida, sobre si mesma, sobre a própria linguagem. (BRASIL, PCN DE LINGUA PORTUGUESA, 1997, p.67)

Este livro adota a perspectiva socioconstrutivista (Vygotsky e

colaboradores) e prioriza a prática pedagógica resultante da interação entre

professor, aluno, e objeto de ensino, atreladas ao meio social, e para isso

ressalta o ensino da língua materna, conforme descreve a seguir:

Contemplar o ensino da língua materna com base nesse cenário significa atrelar-se a um conjunto particular de pressupostos teóricos que, implicados à prática docente, favorecerão a constituição de saberes e fazeres capazes de ampliar a vivência efetiva dos alunos nas diversas práticas sociais orais e escritas, sejam elas mais ou menos formais. Dessa forma, a proposta didático-pedagógica desta coleção foi concebida com base no entendimento de que a sala de aula deve promover contextos de uso da língua e da linguagem de modo a garantir ao aluno a participação social e o acesso aoa saberes linguísticos fundamentais ao exercício da cidadania. (RECORTE DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÃO 2)

Page 89: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

88

As concepções de alfabetização e letramento expressas no manual do

professor conferem com os conceitos definidos por Magda Soares (2011), e

consideram as peculiaridades de cada sujeito, enfatizando a sua cultura e meio

social. O que nos resta saber é se as atividades propostas no material

possibilitam/materializam esse tipo de aprendizagem e os seus discursos

norteadores.

Os textos de apoio e orientações para o professor desse material são

baseados nos autores: Magda Soares, Emilia Ferreiro, Ana Teberosky, Artur

Gomes de Morais, Sônia Kramer, Roxane Rojo, entre outros, além dos

documentos oficiais como os PCNs. Pode-se observar aí um problema

recorrente, que é aquele das indefinições epistemológicas, pois o anúncio da

proposta é sociointeracionista, mas vários dos autores citados nas

fundamentações teóricas se alinham à Epistemologia Genética. E embora

ambas as correntes acentuem o caráter “social” da língua, seus pressupostos

epistemológicos são muito diferentes. Tal indefinição, sem despertar a

consciência do professor para tanto, termina por confundir ainda mais a

profundidade do que seria letrar, do que significa apropriar-se da linguagem

escrita, enfim, todo o trabalho escolar.

Para a análise do material foi realizado um levantamento sobre as

quantidades de atividades de cada segmento, e para isso elaborada uma

tabela dividida com as seções apresentadas no livro.

Estudo do texto 16

Estudo da língua 08

Produção de texto 08

Estudo da escrita 08

Descubra como 08

Page 90: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

89

Antes de continuar 08

Fazer e aprender 04

Rever e aprender 04

Diante de cada seção está descrita a quantidade de atividades de cada

uma das seções, para uma compreensão mais ampla do material a ser

analisado. A seguir estão relacionadas as atividades, separando-as entre

atividades de alfabetização e letramento, de acordo com o inferido nos

pressupostos teóricos do material analisado:

Atividades de alfabetização Atividades de letramento

Estudo do texto – estudo da língua –

estudo da escrita – antes de continuar

– rever e aprender.

Descubra como – fazer e aprender –

produção de texto.

Total de 44 atividades Total de 20 atividades

Nesta perspectiva, é possível notar que o número de atividades de

alfabetização ainda é predominante nesta coleção, sobrando poucos espaços

possíveis para o trabalho com o letramento.

Com relação ao inter/multiculturalismo foi possível analisar que a

diversidade cultural e social dos alunos são citadas em alguns momentos, de

acordo com o assunto proposto, porém o trabalho de exploração dessas

diferentes culturas fica a desejar. Tudo o que deve ser discutido em sala de

aula já vem como proposta pronta e se restringe, geralmente aos assuntos do

universo infantil referente à uma dada cultura: aquela urbana, de padrão

aquisitivo economicamente favorecido, de etnia branca. Novamente há

prevalência de um discurso monoculturalista.

Page 91: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

90

No que se à diversidade de linguagens foi possível perceber a

predominância do ensino da norma culta, não que ela não seja necessária,

mas cabe ressaltar a importância de reconhecer as variantes da linguagem

como representativas de uma cultura, e marca de um povo, e assim, relevantes

para a construção de outras linguagens e construção de outras

representações/interpretações de mundo.

Os critérios de alternância de códigos, contexto e conhecimento de

mundo são bastante restritos nesta coleção: a unidirecionalidade dos

conteúdos e a imposição de uma cultura escolar de “classe média” ainda são

bem presentes nos materiais de apoio ao professor, neste caso o livro didático.

Este material destaca em sua proposta a importância de se trabalhar com a

cultura e o meio social do aluno, destacando a importância da língua materna,

em suas diversas expressões, porém, na prática, o vinculo com as questões do

letramento são bastante restritos.

A proposta de atividade denominada como produção de texto, que

geralmente são vinculadas ao processo de letramento, apresenta-se nesta

coleção voltada para a aquisição do sistema de escrita, embora haja uma

tentativa de relação com o meio social. O objetivo principal ainda é a

alfabetização, a proposta é vinculada a uma exposição que demarca a função

social da linguagem, mas ao mesmo tempo restringe-se ao universo escolar.

Veja a seguir um exemplo dessa proposta.

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91

Figura 06 – Atividade de produção de texto - Curiosidade

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92

Page 94: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

93

A atividade organiza-se com momentos de estudo, planejamento,

escrita, revisão e reescrita; todos estes procedimentos estão voltados para o

desenvolvimento do comportamento de escritor. Embora no início da proposta

Page 95: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

94

haja uma sugestão de elaboração de um cartaz coletivo, construído pelos

alunos da sala, o vínculo com o uso e função da linguagem encontra-se restrito

ao ambiente escolar, a disseminação da linguagem, através do cartaz e de sua

exposição, enquanto meio de informação e acesso aos demais alunos

constituem-se parte do letramento. Considera-se também que a ideia de

avaliação e reescrita da atividade se constitua em uma proposta de letramento,

por permitirem pensar na produção realizada e adequá-la ao propósito de

aproximá-la do público com o qual irá ser compartilhada. Porém, para além

desses requisitos mínimos para contemplar perspectivas de “letramento”, a

atividade poderia ser realizada de outra forma, possibilitando uma maior

reflexão do aluno, o que poderia iniciar-se com a própria discussão quanto a

que tipo de informação/conhecimento “desperta a curiosidade”. Todas as

atividades apresentam-se como pré-definidas, o aluno não tem a opção de

argumentar e/ou trabalhar outro assunto de seu interesse. As escolhas do

assunto a ser trabalhado, bem como a construção do texto, aparecem como

uma sequência de perguntas e respostas pré-determinadas, sendo que o papel

do aluno é apenas optar por uma delas, ou procurar no texto uma informação,

restringindo-se a função de leitura às opções trazidas pelo material e

localização de informação no texto. Indicativo dessa direcionalidade do

pensamento do aluno está na sugestão da atividade 4: o texto deve iniciar com

a questão “você sabia que...”, como se não houvessem outras formas,

socialmente vigentes, de “despertar a curiosidade”.

Estas mesma atividade teria um perfil mais amplo, principalmente no rol

do letramento, se em vez de se apresentar com perguntas de múltiplas

escolhas para os alunos, apresentassem em forma de debate entre eles para a

escolha do tema a ser pesquisado. Por exemplo, poderia proceder-se a uma

pesquisa sobre assuntos que seriam “curiosos”, escolhidos pela classe,

organizar uma lista com o levantamento de informações “curiosas” trazidas

pelos alunos e socializadas com a sala, fazer um estudo sobre a estrutura do

gênero “texto informativo”, organizar a escrita tendo como referência uma

escrita coletiva (tendo o professor como escriba), e, posteriormente, passando

para a escrita em duplas e/ou grupos, e após a avaliação e reescrita trabalhar

na produção do cartaz; considerando que para expor o material é necessário

Page 96: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

95

pensar no público, lugar de circulação, design do material exposto, entre

outros. Esta exposição poderia ser ampliada aos familiares através de um

convite dos alunos aos pais, para que passem pela escola para conhecer o

trabalho. No decorrer da exposição os alunos poderiam elaborar uma pesquisa

para saber o impacto que este cartaz trouxe para o público, se gostaram ou

não, se foi possível aprender algo, se as informações geraram mesmo a

curiosidade, como isso poderia ser avaliado, e o que mudariam. Assim, haveria

uma maior aproximação do vínculo da atividade com o meio social e,

consequentemente, com as questões da função da linguagem e do letramento,

atendendo e respeitando aos interesses dos alunos, suas manifestações

culturais, pensando que dentre os vários grupos sociais que estão

representados numa sala de aula há muitos tópicos que gerariam curiosidades,

trabalhando diversas variedades do uso da linguagem, dentre outros.

Coleção 03

A coleção apresenta-se organizada em treze unidades compostas por

diversas seções, as quais compreendem os diferentes eixos temáticos. Cada

unidade possui um texto principal que determina o gênero a ser trabalhado,

sendo eles: “Nome de gente”, “Corre, cutia!”, “Que lambança!”, “O pinguim

chamado pinguim que tinha pé frio”, “Brincadeiras indígenas”, “Tá nevando?”,

“A festa do jabuti”, “Bichinho de estimação”, “Jogo Linha de quatro”, “Os três

cabritinhos”, “Sumário do livro Os mais belos clássicos infantis”, “Fera em

estratégia”, e “O sufoco do bicho-papão”.

As seções que compõem esta coleção são: “Preparação para a leitura”,

que tem como propósito fazer um levantamento dos conhecimentos prévios

dos alunos sobre o tema e/ou gênero a ser trabalhado; “Texto”, com atividades

que ampliam os conhecimentos do leitor e o seu repertório sobre os diferentes

gêneros textuais; “Estudo do texto”, que trabalha com atividades de

compreensão e interpretação de texto; “Outro texto”, traz mais um texto de

apoio ao gênero trabalhado; “Para se divertir”, envolve atividades lúdicas com

os diferentes usos da linguagem; “Você já leu?”, sugestões de leitura; “Fique

sabendo”, curiosidades e pequenos textos relacionados ao tema; “Hora da

história”, com o objetivo de ampliar o repertório de leituras; “Com que letra?”,

Page 97: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

96

trabalha com atividades que favorecem o desenvolvimento do sistema de

escrita; “Traçando letras”, desenvolve o trabalho com letra cursiva; “Produção”,

com propostas de produção de texto; “Projeto”, com propostas de atividades

que resultam em um produto final pré-determinado; “Estudo da língua”,

compreende as atividades de ortografia, segmentação do texto em palavras,

frases e sílabas, emprego de letras maiúsculas e minúsculas, regras de

concordância, paragrafação, pontuação, acentuação, e adjetivos; “Dê a sua

opinião”, com ênfase no desenvolvimento da oralidade; “Só para lembrar”,

apresenta revisão de alguns conteúdos já trabalhados.

O manual do professor apresenta-se intitulado “Anotações para o

professor”, e contém as respostas e orientações para o desenvolvimento do

trabalho. Além disso traz alguns temas para reflexão e estudo do professor.

Este livro traz como orientações ao professor a importância de se

considerar o contexto social do aluno e de propiciar novas situações a fim de

ampliar o seu repertório cultural e favorecer a participação nas diferentes

práticas sociais.

Ao ingressar na escola, os alunos se deparam com uma diversidade de objetos culturais com os quais, muitas vezes, não estão acostumados ou com práticas sociais diversas daquelas que a família cultiva. Cabe a escola, portanto, promover situações diferentes daquelas que eles habitualmente encontram, ampliando o seu universo cultural. Assim, instrumentalizados, serão capazes de construir novas possibilidades de acesso e de participação nas diversas práticas sociais que compõem a sociedade letrada em que vivem. (TRECHO RETIRADO DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÃO 3)

Contudo, como pode ser percebido nesse que é o primeiro parágrafo do

manual do professor, reforça-se, contrariamente, a ideia de que os

conhecimentos oriundos do universo cultural do aluno são insuficientes para a

sua progressão, necessitando assim de um conhecimento intitulado “escolar”

para se desenvolver e atuar no mundo. Neste sentido, impõe o conhecimento

oriundo do contexto escolar, aquele sistematizado e culto, como primordial para

a inserção do sujeito no mundo. A perspectiva, neste caso, volta-se para a

importância dos conteúdos e formas curriculares, ainda considerando o sujeito

como algo vazio, que precisa ser preenchido/formatado pelos

conteúdos/práticas escolares.

Page 98: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

97

A concepção apresenta-se confusa, ora favorecendo a importância de

práticas com uso social da linguagem, ora focando na essência da aquisição do

sistema de escrita. No trecho a seguir destaca-se a importância de inserir os

alunos em práticas de letramento, demonstrando concordar com tal

procedimento:

O acesso a práticas letradas e a participação nessas práticas não dependem de a pessoa saber ler e escrever, necessariamente. Na verdade, mesmo uma criança pequena, que ainda não sabe ler e escrever, pode participar de uma prática letrada, quando, em companhia de parceiros mais experientes e alfabetizados, ela “faz de conta” que lê e escreve. (TRECHO RETIRADO DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÃO 3)

Percebe-se a tentativa de também aproximar o texto das propostas

oferecidas pelo programa “Ler e Escrever”, da Secretaria de Estado da

Educação de São Paulo, principalmente quando se refere à companhia de

parceiros mais experientes e a inclusão dos não alfabéticos nas atividades

letradas. Porém, a afirmação que a criança “faz de conta que lê e escreve”,

parece indicar uma incompreensão superficial em relação aos processos de

ensino e aprendizagem da linguagem escrita, na perspectiva do letramento. O

“fazer de conta” que leem e escrevem significa uma vivência real, de sujeitos,

participando e pensando ativamente das práticas de apropriação do mundo

escrito.

Neste material a alfabetização é compreendida como um pré-requisito

para o letramento, no entanto, o foco do trabalho apresenta-se na aquisição do

sistema de escrita com algumas associações às práticas sociais. Isso fica bem

explicito no trecho a seguir:

É inegável, porém, que, para acessar as práticas letradas e delas participar, o aluno iniciante precisa, para além da mediação do professor, entender como o sistema de escrita funciona. Alfabetizar-se corresponde a dominar a tecnologia da escrita, o que equivale a compreender como se dá o processo de conversão dos sons em letras e das letras em sons. Alfabetizar-se é, assim, condição necessária para o processo de letramento, embora não seja, evidentemente, condição suficiente. (TRECHO RETIRADO DO MANUAL DO PROFESSOR DA COLEÇÃO 3)

A alfabetização é vista como prioritária neste material desconsiderando a

relevância dos conhecimentos prévios do aluno com relação às práticas sociais

Page 99: Letramento e Educação na sociedade Pós-Moderna: por outras

98

de linguagem oral e escrita, bem como pouco considerando os conhecimentos

culturais e sociais do educando nesse processo.

Todos os textos de apoio ao professor são baseados em recortes dos

PCNs, com o propósito de justificar determinados conceitos, tais como:

alfabetização, letramento, produção de texto, práticas de leitura e oralidade.

Para a análise do material foi realizada um levantamento sobre as

quantidades de atividades de cada segmento, alfabetização e letramento, e

para isso elaborada uma tabela dividida com as seções apresentadas no livro.

Preparação para a leitura 13

Estudo do texto 18

Para se divertir 06

Você já leu 11

Com que letra 12

Traçando letras 04

Produção 12

Projeto 03

Estudo da língua 13

Dê a sua opinião 02

Hora da história 04

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Só para lembrar 08

Esta coleção apresenta mais seções que as analisadas anteriormente,

porém, as atividades são semelhantes, sempre baseadas na leitura e aquisição

“mecanizada” do sistema de escrita. No quadro a seguir estão relacionadas as

atividades, elencando-as como atividades de alfabetização e letramento,

conforme pode ser inferido do material.

Atividades de alfabetização Atividades de letramento

Estudo do texto - para se divertir –

você já leu – com que letra - traçando

letras – estudo da língua – só para

lembrar.

Preparação para a leitura – dê a sua

opinião – hora da história – produção

– projeto.

Total de 72 atividades Total de 34 atividades

As atividades: preparação para a leitura, dê a sua opinião, hora da

história, produção, projeto; foram entendidas como atividades de letramento

por estimular o desenvolvimento da argumentação e da reflexão, fazendo

vínculo com a vivência social do aluno. Através deste levantamento foi possível

identificar que a quantidade de atividades voltadas para o processo de

alfabetização são maioria neste material, reforçando assim a concepção

anteriormente explicitada.

Em análise ao material foi possível observar a predominância do

monoculturalismo, com as temáticas sempre voltadas para a idealização do

universo escolar como espaço padronizado, caracterizado pela neutralidade e

ausência de tensões, abafando a diversidade cultural e social oriunda dos

diferentes contextos de convivência dos alunos. As discussões propostas em

sala de aula são previamente definidas e apresentam temas vinculados a um

contexto social econômomico de indicativo de poder aquisitivo. As ações do

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100

professor são guiadas em favor da disseminação da cultura culta/escolarizada

imposta pelo material.

Com relação à diversidade de linguagens observou-se a predominância

do ensino da norma culta, desconsiderando a importância da língua materna

como representativa de uma identidade cultural e essencial para a formação do

sujeito e sua compreensão de mundo.

Este livro apresenta um ensino unidirecional, em que o professor atua

como “dono do saber” e tem a função de “transmitir” os conhecimentos aos

alunos. Com relação à alternância de códigos percebe-se um bloqueio: não se

considera a variedade linguística de cada região, nem ao menos àquela da

cultura dos próprios alunos/professores, e nem há predisposição para uma

interação entre elas. Tanto o contexto como o conhecimento de mundo do

aluno também são deixados de lado, considerando apenas como relevante os

assuntos pré-definidos por este material, ou seja, as práticas de escolarização.

Veja a seguir um exemplo de atividade:

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101

Esta atividade favoreceria o pensamento crítico através das expressões

de opiniões de assuntos que seriam “pertinentes ao cotidiano infantil”. As

Figura 07 – Atividade oral – Dê a sua opinião

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102

orientações pedagógicas destacadas de vermelho também incentivariam o

desenvolvimento da linguagem, expressão de sentimentos, opinião, e reflexão

sobre a temática discutida. É uma atividade oral, que não necessita do registro

escrito, e que pode ser desenvolvida no decorrer de todo ano letivo com

diferentes temáticas. Questiona-se, contudo, se o tema escolhido para a

discussão, acima exemplificado, representa, de fato, uma preocupação do

universo infantil, e não uma predefinição preconceituosa do mundo adulto

quanto ao que seria “de menino” e “de menina”. Além disso, há questões outras

que poderiam orientar a discussão, como “quem define o que é de qual

gênero”, evitando que potencialize-se a dicotomia entre gêneros sexuais. Os

brinquedos explicitados nas imagens provocaram discussão? Parecem

“unissex”, não há características fortes que os determinem como femininos ou

masculinos. Considera-se importante ressaltar que os brinquedos aqui

apresentados são, com exceção da pipa, de produção industrial mais refinada,

ou seja, próprios a um poder aquisitivo mais alto. Reforça-se assim, acredita-

se, a imposição de uma dada cultura sobre o universo do aluno.

3.5.3 Análise dos dados

Na análise das três coleções foi possível observar que todas trazem

como proposta “de capa”, o termo alfabetização e letramento, porém o trabalho

de letramento ainda não é trabalhado em sua completude, o que, no entender

dessa pesquisa, seria essencial para que a escola acompanhasse as

possibilidades de expressão, produção e interpretação da realidade, que se

encontram no âmbito da sociedade pós-moderna.

De acordo com Soares (2011), a alfabetização é parte importante do

processo de letramento, mas não é somente a decodificação de símbolos e a

aquisição e compreensão do sistema de escrita que garantem o letramento.

Nos estudos de Tfouni (2006), por exemplo, foi possível observar um trabalho

de letramento com pessoas não alfabetizadas. (vide pag.38).

A alfabetização e o letramento são processos distintos e importantes na

formação do sujeito contemporâneo, mas, como podemos observar nos dados

analisados, apresentam-se nas propostas pedagógicas e nos materiais

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103

didáticos, neste caso nos livros didáticos, sempre vinculados e com ênfase no

processo de alfabetização. Com isso os profissionais da educação acabam

muitas vezes por confundir ambos os processos, considerando atividades

especificas de alfabetização como letramento e acreditando que estão

alfabetizando e letrando. Essa indefinição não é de menor importância, pois

obstaculiza importantemente pensar-se num aluno autônomo, valorizado em

sua dimensão cultural, alguém que se apropria do mundo pela apropriação das

possibilidades abertas pela linguagem escrita.

Outro fator que considera-se relevante é a apresentação temática das três

coleções. Todas versaram sobre temas relacionados ao universo infantil,

porém não oferecem abertura de temas voltados ao cotidiano social da criança.

Todos os assuntos, inclusive aqueles que diriam respeito a “projetos e

pesquisas”, que geralmente são temas mais abertos, apresentam-se pré-

definidos, impostos, unidirecionais, no sentido de voltados para dentro dos

muros da escola e/ou para uma dada concepção de realidade- urbana, classe

média, “culta”, “branca”-, desconsiderando assim a relevância do contexto

social, das manifestações e possibilidades da linguagem, e das especificidades

de aprendizagem de cada grupo e/ou sujeito.

Com relação ao manual de orientação do professor, anexado ao fim de

cada livro didático, cabe ressaltar que todos trazem textos sobre a importância

da linguagem oral, da linguagem escrita, dos processos de alfabetização e de

letramento, sempre baseados nos documentos oficiais como os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), o Pró-Letramento do Ministério da Educação

(MEC), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e nos

materiais do Projeto Ler e Escrever da Secretaria da Educação do Estado de

São Paulo (SEE). Além desses textos de aperfeiçoamento profissional trazem

sugestões didáticas a cada capítulo, orientando o professor a como propor as

atividades aos alunos, quais as perguntas que deve fazer, como orientar e

conduzir a conversa para atingir o objetivo proposto pela atividade.

Enfraquecem a autonomia do professor.

Outro fator relevante foi que não se mencionam, e não se propõe, a

utilização de recursos tecnológicos: as atividades apresentam-se sempre

pautadas no uso do caderno, livro, giz e lousa. Nem mesmo nas sugestões de

“ampliação” das atividades trazem referências a recursos tecnológicos. Como

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trabalhar a favor de uma igualdade de acesso a conhecimentos, que

favoreceria a mobilidade social e a compreensão de mundo dos sujeitos, sem

discutir-se ou passar pela perspectiva de uma inclusão digital? É inegável a

abertura de possibilidades de trabalhar a produção de conhecimentos

suportada pelos recursos tecnológicos. Ausência que se agrava com os dados

do censo escolar de 2010 (INEP/MEC) que mostram que nacionalmente

somente 26,7% das instituições de educação infantil e 35,2% daquelas de

ensino fundamental possuem bibliotecas.

Na sociedade contemporânea cabe relembrar que os avanços

tecnológicos fazem parte do universo infantil e estão a cada dia se propagando.

As crianças, os jovens, e também os adultos, se encontram atrelados

diariamente a esses aparelhos, ou vizinhos a esses, aprendendo a interagir

com o entorno e a pensar por meio desses recursos (televisão, celulares,

computadores, etc). Assim, torna-se relevante que a escola trabalhe

explorando o uso destes equipamentos, discutindo sua presença na

formação/vida do educando, buscando compreender como “formatam” as

maneiras de pensar e de se comunicar dos alunos, etc.

No contexto escolar encontramos alguns focos de resistência em relação

aos recursos tecnológicos, entre eles destacam-se a falta de domínio destes

equipamentos por parte de alguns professores, principalmente nos professores

dos anos iniciais; o medo de danificar os bens públicos; a falta de apoio e

incentivo na utilização dos recursos pedagógicos por parte da equipe gestora; e

após esta análise pode-se incluir a falta de incentivo também por parte do

material de apoio aos professores, neste caso, dos livros didáticos.

O trabalho desenvolvido pelo professor é decorrente das orientações

propostas pela escola, da proposta pedagógica vigente, e das orientações

oriundas dos materiais de apoio ao seu trabalho. Acredita-se que seja

necessário e relevante para o professor que nos manuais de orientações

presentes nos livros didáticos encontrem-se sugestões de atividades e práticas

pedagógicas, que estimulem o uso de recursos pedagógicos contextualizados

com as necessidades e possibilidades emergentes da sociedade pós-moderna.

Com relação à linguagem notou-se que prevalece o estudo da norma

culta, suas regras e propriedades, sem salientar- ou reconhecer- a importância

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das diferentes linguagens que emergem das diversas culturas existentes na

sala de aula. Desse modo, o monopólio em relação à língua e à linguagem,

bem como o fortalecimento de uma cultura elitizada, continua presente no

contexto escolar. Não se nega o compromisso da escola com o

desenvolvimento da norma culta, contudo, trabalhar/conceber a norma culta

com base num princípio de “enculturação” não tem se mostrado a melhor

solução para a formação de sujeitos que realmente tenham domínio da

linguagem, em suas diferentes expressões.

Considerar o contexto social do educando e sua identidade marcada pela

linguagem e costumes culturais são essenciais para uma educação

transformadora, que reconheça e respeite as individualidades, bem como as

potencialidades de cada grupo social.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio desta pesquisa centrou-se na aproximação do contexto

escolar com as necessidades emergentes da sociedade pós-moderna,

versando sobre as possibilidades de intervenções pedagógicas reflexivas e

emancipadoras, com o propósito de transformação social.

A sociedade pós-moderna apresenta-se atualmente marcada por

grandes conflitos, principalmente no que se refere às relações sociais, e

compreendê-la favorece a atuação tanto pessoal quanto profissional do sujeito

no meio social.

Este estudo possibilitou a compreensão destas transformações sociais,

bem como a reflexão do papel da escola enquanto agente formador e

socialmente relevante para o desenvolvimento e constituição do sujeito em seu

mundo.

A reflexão sobre a inconstância das transformações presentes na

sociedade pós-moderna, em especial àquela dos valores, dos princípios éticos-

morais, na construção dos saberes, no posicionamento dos sujeitos frente a

questões complexas, que nos atingem cotidianamente, por meio dos canais de

comunicação, com suas diferentes formas de expressá-las, o afloramento da

diversidade cultural, aponta para a compreensão da fragilidade do sistema

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educacional em discutir tais transformações com os alunos, abordando causas,

consequências e possíveis caminhos para tratá-las.

A educação escolar, como importante meio de formação do sujeito,

embora ainda vinculada aos moldes tradicionais de ensino, e focada em

atender às necessidades da sociedade para a qual foi criada, desconsiderando

as transformações sociais dos últimos tempos, é ainda o caminho que

possuímos para a emancipação humana e a transformação social. No entanto,

devemos pensar nas possibilidades de adequação das práticas pedagógicas

na perspectiva de construção de uma escola de qualidade, que forme sujeitos

aptos a atuar criticamente na sociedade, que trabalhe com a perspectiva do

letramento, procurando formar sujeitos capazes de fazerem uso da linguagem

como autores de práticas sociais.

No que se refere às questões do ensino da alfabetização/letramento foi

possível detectar através deste estudo que a prática pedagógica presente nas

escolas ainda encontra-se centrada na aquisição do sistema de escrita, na

alfabetização, tanto nos materiais pedagógicos quanto na atuação do

professor, não favorecendo a relação do sujeito com o mundo circundante de

forma emancipatória, apenas sistematizando técnicas de assimilação do

conhecimento e reprodução das mesmas.

Embora na política educacional atual a perspectiva de alfabetizar/letrar

seja aquela de “inserção social”, foi possível perceber que o discurso de

atender às demandas sociais pela linguagem escrita e inserir o sujeito ao seu

contexto social de convívio é mantido, inclusive nos materiais didáticos, porém,

na prática, revelam-se importantes contradições.

Acredito que a escola precisa rever a sua função social e redefinir o seu

papel com o propósito de assumir um projeto político pedagógico que

considere as circunstancialidades de cada sujeito principalmente com relação

aos aspectos sociais e culturais. De acordo com Nadal (2009):

A apropriação crítica de conhecimentos requer, então, que sempre se considere o aluno uma pessoa, uma identidade em formação, acolhendo as dimensões afetivas, subjetivas, estéticas, culturais a ele inerentes. Por sua vez, essa ideia do “formar” relaciona-se a preocupação da escola para com o desenvolvimento de capacidades de organização, disciplina, autocontrole a fim de que o aluno possa – na trajetória de sua escolarização e de sua vida adulta – trabalhar com seu corpo e seus conhecimentos, visando se autogovernar num

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tempo que exige processamento rápido num espaço complexo, devido à sua amplitude. (NADAL, 2009, p. 30).

A situação atual da educação no Brasil e as políticas públicas buscam

incessantemente por uma universalização do ensino, que a cada dia vem se

constituindo, mas ainda continua com muitas lacunas com relação à qualidade

da educação.

Este trabalho foi pautado na minha experiência como professora

coordenadora dos anos iniciais do ensino fundamental enfocando a questão do

letramento/alfabetização como mostrada atualmente nas escolas da rede

pública de Piracicaba. O estudo baseou-se na análise de três coleções de

livros didáticos, aprovadas pelo MEC (Ministério da Educação), para o segundo

ano do ensino fundamental. A vinculação das questões encontradas nessa

análise com a Educação Sociocomunitária compreende o entendimento desta

como o processo de “escuta” das diferentes “educações”- que são/estão, por

suposto- baseadas em linguagens, que existem numa coletividade, colocando-

as em diálogo. O estabelecimento de um diálogo entre as diferentes

linguagens/educações, que vigoram numa coletividade, é, no entender da

perspectiva de uma educação sociocomunitária, essencial para que o indivíduo

se emancipe das “amarras” das normatizações vinculadas aos jogos de poder

e alienação existente numa sociedade, que se manifestam, em termos da

linguagem/língua, na gramática. O que gera configurações cognitivas limitadas,

formatações de modos de ser. A preocupação com a abertura/emancipação

dos indivíduos à criação e emprego de outras formas de expressão favorece a

convivência com a diversidade, possibilitando os processos de criação e

recriação de novas gramáticas para significar o mundo, construindo outras

formas de pensar e tramar o real.

Espera-se que este trabalho venha a contribuir com as transformações do

processo educacional possibilitando uma reflexão pontual sobre as condições

de aprendizagens exigidas pela sociedade pós-moderna e as atuais práticas

desenvolvidas no contexto escolar, visando uma análise crítica com o propósito

de conscientizar os profissionais da área no que se refere a uma educação de

qualidade.

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