letra escarlate versao final

8/7/2019 Letra Escarlate Versao Final

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"A Letra Escarlate" da Recuperao Judicial

Wesley Roberto de Paula (*)

A dinmica gil do universo empresarial tem ensejado nos maisdiversos segmentos, a criao de novas legislaes e adaptaes dasexistentes para amoldar o universo jurdico aos paradigmas propostos.

Um dos segmentos do Direito Empresarial Brasileiro que necessitava deadequao, diante do j instalado novo paradigma, foi o DireitoConcursal. Assim, foi promulgada em 9 de fevereiro de 2005, comvigncia a partir de junho do mesmo ano, a Lei 11.101 cuja finalidade regular a Recuperao Judicial, a Extrajudicial e a falncia doEmpresrio e da Sociedade Empresria.

Visando atender a uma nova perspectiva, o diploma institui aRecuperao Judicial em substituio a Concordata, cria uma novadinmica para convolao da falncia, valoriza o papel dostrabalhadores da empresa em crise, dentre outras inovaes. Valeressaltar a nova teleologia, que privilegia alm do credor, o fim social daatividade empresarial e sua importncia na sociedade visando mant-laem atividade. Corroborando essa nova teleologia, destacamos o art. 47,a saber:

"A recuperao Judicial tem porobjetivo viabilizar a superao dasituao de crise econmico-financeira do devedor, a fim depermitir a manuteno da fonte produtora, do emprego dostrabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim apreservao da empresa, sua funo social e o estmulo atividade econmica".

Quando falamos em paradigmas j instalados, no incorremos em erro,

pois diversos foram os casos anteriores a nova lei, que aps oabandono da empresa por parte do empresrio, o juiz autorizou acriao de cooperativas de trabalhadores para que esses pudessemcontinuar a atividade da empresa. Assim, uma prvia do que viria a sero art. 50, inciso VII, da lei em estudo.

Com a leitura do art. 47, entende-se que a nova lei busca dar condiesde recuperao ao empresrio infeliz, mas honesto, para que possacontinuar a atividade empresarial. O que, ao revs, refletiria em

prejuzos para toda sociedade, com a dispensa de empregados, nopagamento de credores, etc., trazendo reflexos negativos no s para


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os imediatamente envolvidos, mas a todos que indiretamente dependemda empresa em dificuldade.

Porm, a legislao (que j completar um ano de promulgao), como

diversas outras do ordenamento jurdico, no veio em sua plenitudeacertada ao anseio jurdico, esperanoso de uma lei que de fatopropiciasse condies reais de recuperao para as empresas emdificuldades.

Nesse contexto, o tema do nosso trabalho o procedimento final darecuperao judicial institudo pelo art. 69 in verbis:

Art. 69 Em todos atos, contratos e documentos firmados pelodevedor sujeito ao procedimento de recuperao judicial deverser acrescida, aps o nome empresarial a expresso emRecuperao Judicial.

E mais, seu pargrafo nico:

"O juiz determinar ao Registro Pblico de Empresas a anotaoda recuperao judicial no registro correspondente".

Feitos esses esclarecimentos e para uma melhor compreenso danossa proposta, vale uma incurso no mundo da dramaturgia e daliteratura norte americana a fim de identificar a problemtica dessepreceito, sem o intuito de aqui tecermos comentrios acerca de toda aobra, o que no nosso objetivo.

Em 1995, foi lanada uma compilao cinematogrfica do livro deNathaniel Hawthorne, cujo ttulo "A Letra Escarlate1.

Do gnero dramtico, o filme retrata a histria da Sra. Hester Prynne.Uma bela jovem casada, recm chegada ao novo mundo(Massachussetts, Bay Colony, 1666) fugindo da perseguio religiosainglesa. Ela tem a incumbncia de encontrar um lar para o casal em seunovo pas.

A bela mulher, que vivia presa a um simulacro de casamento, resultadode um pagamento de dvidas contradas pelo pai, chega primeiro queseu marido (ou seria comprador?), e choca os habitantes daquela

pequena localidade por possuir hbitos e comportamento diferentes dosesperados para mulheres daquela poca.


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A questo central do drama, portanto, se esvai ao adultrio,conseqncia de uma paixo recproca entre ela e um reverendo local.Ela no o pratica em desrespeito ou afronta a seu marido, mas por ter

recebido a notcia da sua possvel morte aps um ataque indgena embarcao a qual ele se encontrava. A morte do seu marido ento alibertaria do ttulo de esposa, transportando-a para o de viva.

Ocorre que do adultrio (naquela sociedade, enquanto houvesse lutodeveria ser respeitada a memria do falecido), resulta-se uma gravidez.A mulher, ento, condenada pelo direito consuetudinrio local prisoe, posteriormente, a trazer estampado em seu peito visivelmente a letra"A", de Adltera, como forma de punio e reprimenda. Tudo para queficasse evidente o crime por ela cometido, sujeitando-a s retaliaes esanes previstas naquele ordenamento.

Com isso, podemos igualar a norma do art. 69 da lei concursal ao queocorreu com a mulher tema do drama acima citado.

A norma dispe que todos os atos firmados pela empresa submetida aoprocedimento de Recuperao Judicial incluam, aps sua denominao,a expresso em Recuperao Judicial, indicativa do procedimento aoqual ela est sujeita. Ainda, a expresso dever constar de todos os

documentos e atos praticados pela empresa, inclusive no cartrio deRegistro Pblico de Empresas, por dois anos, a contar do deferimentoda Recuperao Judicial.

Porm, a inteno do legislador infra-constitucional, a meu ver,confronta a finalidade da lei, que pretende dar condies empresa dese recuperar.

Analogamente, podemos aproximar os problemas imbudos nesse

regramento historia que alicera nossa anlise. Como poder oempresrio buscar meios de se recuperar trazendo consigo "A LetraEscarlate da Recuperao Judicial, que o condenar perante asociedade? Tal vcio da lei trar empresa, submetida ao procedimentode recuperao judicial, grandes dificuldades para seu funcionamento.

Da mesma forma que a bela protagonista busca uma vida nova em seunovo pas e se depara com uma problemtica realidade, o empresrioao procurar uma oportunidade de se reerguer, por vias da recuperao

judicial, levar consigo a insgnia do fracasso. Na obra, a condenao imposta pela sociedade; em nossa realidade, a condenao imposta


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diretamente pelo legislador. Dessa condenao advir o pr-julgamentoda sociedade e daqueles que no creditaro confiana empresa emrecuperao.

Na histria, em determinado momento ocorre a esdrxula situao emque a bela moa acompanhada por um mancebo tangendo um tamboranunciando sua presena pela cidade, incitando, assim, oachincalhamento pelos seus pares. Em nossa realidade, o fato de umformulrio de apresentao de proposta de servio, nota fiscal ou umacertido emitida por um dos rgos oficiais para a recuperanda,acompanhada da expresso em Recuperao Judicial, far o papel domancebo do enredo utilizado.

No nos valemos aqui somente da nova regra de direito concursal paraexpormos nossa anlise. Diversos outros diplomas jurdicos podem sertomados como parmetro, v.g.,os de Direito Penal e Civil.

sabido por todos as dificuldades dos egressos de casas decumprimento de pena para se restabelecerem na sociedade. Aqueleque foi submetido a uma pena imposta pelo Direito Penal carregarpara sempre uma condenao moral da sociedade. Lamentavelmente,ser rejeitado todo aquele que cumpriu pena, independente do regime edo motivo que o levou a condenao. No mbito da responsabilidade

civil, uma empresa condenada a pagar uma indenizao, o pai que nopaga a devida penso alimentcia, o empresrio falido, ambos serocondenados a usar a maculosa Letra Escarlate imposta pela sociedade.

Diverge a lei ao tornar explcita a condio de recuperanda da empresa,pois vrios obstculos podero ser gerados por essa determinao.Elencando algumas hipteses onde surgiro esses entraves,destacamos dificuldades de fornecimento de produtos e servios,contrao de fornecedores e servios, contratao de mo-de-obra,

dentre outras. Implicar na atividade da empresa, pois o fato dela noconseguir contratar fornecedores de matrias prima, e at mesmo mode obra, gerar problemas com a produo; haver dificuldades emadquirir insumos e utenslios essncias ao seu funcionamento cotidianogerando bices obteno de resultados; prejudicar a oferta dos seusprodutos e servios, uma vez em recuperao despertar nacontratante o receio de que no seja capaz de oferecer o servio ouproduto.

Recuperar pressupe readquirir algo perdido, recobrar, reabilitar-se.Esse verbo, de natureza objetiva, transcreve a situao da empresa:


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est se recuperando. Se recupera, em algum momento esteve emdificuldade e busca meios de se reerguer, trazendo consigo oestandarte da dificuldade. Com tal regramento exaurem-se ascondies dadas a esta empresa de competir no mercado (lembremos

que a livre concorrncia um preceito constitucional, art. 170, inciso IV).Entendemos que essa condio poderia ser uma condio interna aoprocesso, de interesse restrito s partes. irrefutvel que a situaoeconmica da empresa seja de interesse pblico. Torna-secontroverso o preceito do art. 69 em detrimento ao novo paradigmaproposto pela nova lei, quando explicita a dificuldade pela qual aempresa passa.

No se pode avaliar ainda os resultados do novo regramento. Numfuturo breve os casos concretos podero dizer se as premissasnegativas aqui apontadas de fato surgiro, ou se foi acertada a inserodesse dispositivo nova legislao. Temerrio esperar de uma normaque aprovisione dar condies de recuperao s empresas emdificuldades, tache-as de fracassada.

Essa, dentre as diversas outras "Letras Escarlates" do ordenamentojurdico, devem ser repensadas para que no futuro no sejam parteintrnseca de uma lei, tornando-as fortes, concretas e com finalidades

condizentes aos mecanismos utilizados.


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1* - Acadmico do Curso de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Unidade Betim.

Hollywood Pictures. The Escarlet Letter, direo de Roland Joff, produo de Andrew G. Viajna, roteiro de Douglas DayStewart. 1995.

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