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Download Leonardo de Medeiros Garcia - Direito Do Consumidor - Código Comentado, Jurisprudência, Doutrina e Questões - 6º Edição - Ano 2010

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  • DIREITO DONSUMIDOR

    L E O N A R D O D E M E D E I R O S G A R C I A

  • Leonardo de Medeiros Garcia

    DIREITO DOCONSUMIDOR

    Cdigo Comentado Jurisprudncia Doutrina Questes Decreto 2.181/97

    6a edio, revista, ampliada e atualizada pelas Leis na 11.989/2009 e nfl 12.039/2009,

    que alteram o CDC, e pelas novas Smulas do STF e do STJ

    Niteri, RJ 2010

  • 2010, Editora Impetus Ltda.

    Editora Impetus Ltda.Rua Alexandre Moura, 51 - Gragoat - Niteri - RJ CEP: 24210-200 - Telefax: (21) 2621-7007

    P r o je t o G r f ic o : Ed it o r a Im p e t u s Lt d a .

    E d it o r a o E l e t r n ic a : SB N ig r i Ar t e s e T e x t o s Lt d a .

    C apa : E d u a rd o P ina

    R e v is o d e P o r t u g u s : C a r m e m B ec k e r

    Im p r e s s o e en c a d ern a o : P r o l E d it o r a G r fic a Lt d a .

    G216dGarcia, Leonardo de Medeiros.Direito do consumidor : cdigo comentado, jurisprudncia,

    doutrina, questes, Decreto n 2.181/9? / Leonardo de Medeiros Garcia. 6. ed. rev., ampl. e atual, peias Leis n 11.989/2009 e 12.039/2009.- Niteri: Impetus, 2010.568 p.; 16 x 23 cm.

    ISBN: 978-85-7626-398-2

    1. Defesa do consumidor - Legislao - Brasil. 1. Ttulo.

    CDD: 343.81071

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - proibida a reproduo, salvo pequenos trechos, mencionando-se a fonte. A violao dos direitos autorais (Lei n2 9.610/98) crime (art. 184 do Cdigo Penal). Depsito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto nD 1.825, de 20/12/1907.

    O autor seu professor; respeite-o: no faa cpia ilegal.A Editora Impetus informa que se responsabiliza pelos defeitos grficos da obra. Quaisquer vcios do produto concernentes aos conceitos doutrinrios, s concepes ideolgicas, s referncias, originalidade e atualizao da obra so de totai responsabilidade do autor/atualizador.

    www.editoraimpetus.com.br

  • "Toda e qualquer legislao de proteo ao consumidor tem, portanto, amesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relao de consumo, seja reforando,quando possvel, a posio prticas no mercado.

    do consumidor, sejaproibindo ou limitando certas

    Ada Pellegrini Grinovere Antnio Herman de Vasconcellos

  • 1)1 DIC A f O K I A

    A Deus, a quem tudo devo e Senhor da minha vida.Aos meus Pais, Antnio Jos Garcia e Maria Christina de Medeiros Garcia,

    pessoas que me sustentaram nos momentos mais difceis, possibilitando a elaborao desta obra.

    Ao meu irmo, Roberto de Medeiros Garcia, exemplo para mim.

  • Ao meu irmo Tlio de Medeiros Garcia, Procurador da Fazenda Nacional, pessoa a qual tenho profundo respeito e admirao pelo notvel saber jurdico e que tanto colaborou na elaborao desta obra.

    A minha esposa Germana Monteiro de Castro Ferreira, amor da minha vida, pela considervel contribuio para esta obra.

  • Procurador do Estado do Esprito Santo. Ex-Procurador Federal com exerccio no Gabinete do Advogado-Geral da

    Unio (AGU) com atuao especfica perante o STF. Especialista em Economia y Derecho dei Consumo pela Universidad de

    Castilla la Mancha/ Espanha. Advogado e scio do Escritrio Garcia & Chagas Advogados. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Esprito Santo - EMES. Professor da Escola Superior do Ministrio Pblico do Estado do Esprito

    Santo - ESMP. Professor do Curso Praetorium (Rede Sat e Presencial). Professor e palestrante da Escola Superior da OAB/ES. Professor do Curso Alcance/RJ. Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).1 Autor do livro Direito do Consumidor - Lei nfi 8.078/1990 - Coleo Leis

    Especiais para Concursos - vol. 1., Ed. JusPodivm. Autor do livro Direito Ambiental. Ed. JusPodivm, 2009. Coautor do livro Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor.

    Ed. Verbatim. Coautor do livro Contratos em Espcie. Contrato de Know how. Ed. Movi

    mento Editorial da FDUFMG. 2000.

    www.leonardogarcia.com.br

  • O objetivo deste livro apresentar, de forma concisa e clara, o universo que permeia o Direito do Consumidor. A busca incessante de apresentar uma obra que pudesse servir de guia a facilitar e, ao mesmo tempo, estimular o estudo do direito do consumidor foi minha principal meta e principal desafio. Tanto na advocacia, como na preparao para concursos pblicos, senti falta de material que tivesse abordagem direta e que, ao mesmo tempo, apresentasse jurisprudncia e doutrina autorizadas, importantes no dia a dia do operador jurdico e do estudante e, principalmente, fundamentais para quem quer conhecer o tema.

    Diante da empreitada, apliquei em cada artigo os pontos-chave e as informaes mais relevantes, para que o estudante e, tambm, o estudioso do direito possam se sentir aptos a enfrentar, com segurana, as discusses atuais referentes matria. Apresento ao final de alguns artigos, pela importncia do tema e pela intensidade em que so cobrados, uma parte denominada Pontos Importantes. Essa sesso do livro visa fixar o estudo definitivamente, alm de oferecer breve esquema para leitura rpida.

    Fao ainda, quando necessrio, um paralelo com o novo Cdigo Civil. Isto se torna importante, pois, o novo Cdigo Civil trouxe vrios institutos e princpios contemplados no Direito do Consumidor, tais como: institutos da leso, da onerosidade excessiva, da oferta, da desconsiderao da personalidade jurdica, o princpio da boa-f objetiva, dentre outros.

    Muitos destes institutos e princpios somente ganharam importncia, principalmente em nossos tribunais, quando confrontados com os respectivos do Cdigo Civil. Como exemplo, verifica-se o princpio da boa-f objetiva que, de uma hora para outra, virou a grande vedete de artigos e livros jurdicos nos ltimos trs anos, embora j estivesse enunciado desde a dcada de 1990.

    Sendo assim, o leitor deve sempre atentar para a correlao desses institutos, pois, embora possuam a mesma essncia, so disciplinados e aplicados de forma diferente.

    E no para por a! Para cada infrao penal contida no Cdigo, fiz a sua correlao com o artigo que prev o direito material a ser tutelado {ex.: arts. 8a ao 10, com os arts. 63 ao 65), o que facilita a anlise e permite ao estudante uma viso mais completa do sistema.

  • Alm disso, foram ressaltadas as principais linhas doutrinrias referentes a cada artigo, assim como o entendimento de nossos principais tribunais, em especial, o STJ e o STF,

    Estou certo de que este livro ser instrumento til e de grande valia para o conhecimento mais aprofundado de matria to instigante, que o Direito do Consumidor, servindo, principalmente, como ferramenta segura na preparao para superar qualquer debate ou questo sobre o tema.

    Comentrios, sugestes e crticas sero sempre bem recebidos. So eles que iro proporcionar melhoria e qualidade nas edies futuras. Escrever um livro tarefa que jamais termina. Como Procurador Federal em Braslia, tive a oportunidade de ouvir de um amigo uma frase do ilustre Professor Cezar Fiza, que diz: Um livro voc nunca termina (...) simplesmente abandona.

    Bom estudo!

    Leonardo de Medeiros Garcia [email protected]

  • Para esta edio foram includas as duas leis de 2009 que alteraram o CDC. A Lei na 11.989/ 2009, que inseriu o pargrafo nico ao art. 31 e a Lei na 12.039/ 2009, que inseriu o art. 42-A.

    Alm disso, foram introduzidas diversas Smulas do STJ publicadas em 2009. Em decorrncia do sistema de recursos repetitivos, vrios julgados foram transformados em Smulas.

    No tocante ao art. 51 (clusulas abusivas), foi sistematizado o entendimento do STJ com relao aos contratos bancrios e aos contratos de planos de sade. A inteno facilitar ainda mais a compreenso do leitor sobre o posicionamento do STJ sobre tais temas.

    Como de praxe, foram inseridos importantes julgamentos e informativos publicados pelo STJ e STF, no s dentro dos comentrios, mas, principalmente, na parte Principais Jurisprudncias e Informativos do STF e STJ. Alguns comentrios foram reformulados em razo da alterao do posicionamento do STJ e do STF sobre o tema. Destaco a Smula n2 381 do STJ que proibiu o magistrado de declarar, de ofcio, as clusulas abusivas, e, tambm, a interpretao dada pelo STF sobre a palavra terceiros contida no art. 37, 6a, da CF. Para o STF, alterando posicionamento anterior, a responsabilidade perante os usurios e no usurios ser objetiva, no mais.prevalecendo a orientao que diferenciava a responsabilidade do usurio (objetiva) e do no usurio (subjetiva).

    Por fim, ressalta-se tambm o recente entendimento proferido no REsp. t f 1.110.549-RS, Rei. Min. Sidne Beneti, j. em 28/10/2009, em que ficou decidido que ajuizada ao coletiva atinente a macrolide geradora de processos multitudin- rios, suspendem-se as aes individuais, no aguardo do julgamento da ao coletiva.

    Espero mais uma vez que o leitor goste das atualizaes e dos novos comentrios.

    Fiquem com Deus!Dezembro de 2009

    Leonardo [email protected]

    www.leonardogarcia.com.br

  • Para a 5a edio, destaco as duas recentes mudanas que ocorreram no Cdigo de Defesa do Consumidor. A primeira alterao foi introduzida pela Lei na 11.785, de 22 de setembro de 2008, que modificou o 3a do art. 54, dispondo sobre o tamanho da fonte das letras nos contratos de adeso. A segunda, foi introduzida pela Lei nfi 11.800, de 29 de outubro de 2008, que acrescentou pargrafo nico ao art. 33, estabelecendo a proibio de publicidade de bens e servios por telefone quando a chamada for onerosa ao consumidor.

    Foram feitas, tambm, algumas abordagens sobre o Decreto na 6.523, de 31 de julho de 2008, que dispe sobre os servios de atendimento ao consumidor (SACs) dos servios regulados pelo poder pblico federal.

    Ao final de cada artigo, foi substituda a parte Jurisprudncia constante em outras edies p or Principais jurisprudncias e informativos do STF e STJ. Isso foi feito em razo da necessidade atual de se conhecer os informativos publicados pelos tribunais superiores.

    Em alguns pontos, como nos servios pblicos e nos cadastros de consumidores, procurei sintetizar o entendimento do STJ sobre o assunto, de modo a facilitar o entendimento por parte do leitor.

    Vale lembrar, ainda, que em 2008 o STJ editou algumas Smulas referentes s relaes de consumo. So as Smulas de n05 356, 357 e 359. As duas primeiras envolvendo servios pblicos, e a ltima dispondo sobre cadastros de consumidores.

    Espero que o leitor goste das alteraes e inseres feitas. A preocupao por mostrar as teorias atuais e as principais jurisprudncias dos tribunais superiores uma constante.

    Bons estudos!Fiquem com Deus.Janeiro de 2009

    Leonardo [email protected]

    [email protected]

  • Ao atualizar o livro para a 4a edio, posso dizer que, na verdade, acabei fazendo quase que um novo livro. Foi realizada uma releitura de, praticamente, todos os artigos, de modo a contemplar os entendimentos atualizados do STJ e STF sobre os principais pontos, com destaque para os ocorridos no ano de 2007 e incio de 2008. Sempre que necessrio, foram inseridos temas atuais, dando destaque para o duty to mitigate the loss, tratado como dever anexo de cooperao da boa-f objetiva e o dilogo das fontes, teoria importantssima no tocante busca da soluo justa e eficaz nos processos.

    Nesta edio foram abordadas, de forma especial, as sanes administrativas (arts. 55 ao 60J, com a anlise de cada artigo, e o Ttulo IIIdo CDC, que dispe sobre as aes coletivas. A tutela coletiva foi analisada de forma mais detalhada, apontando os princpios que norteiam a matria, tudo de acordo com o novo enfoque do microssistema processual coletivo, abordado no somente no ttulo III do CDC, mas tambm na Lei de Ao Civil Pblica, na Lei de Improbidade Administrativa; na Lei da Ao Popular e em outras leis que possuem a mesma ratio.

    Fiz, ainda, uma breve anlise do Decreto na 2.181/1997, que estabelece as normas gerais de aplicao das sanes administrativas previstas no CDC, pelo fato de estar sendo inserido em alguns editais de concursos pblicos.

    Em alguns momentos, o leitor perceber que foram inseridas questes do CESPE no p de pgina, demonstrando que o tema tratado j foi objeto de concursos pblicos.

    Espero, sinceramente, mais uma vez atender s expectativas do leitor. Agradeo pelos diversos e-m aik de alunos e leitores da obra, que sempre me ajudam na atualizao de cada edio.

    Bons estudos!Fevereiro de 2008

    Leonardo de Medeiros [email protected]

  • Para esta edio, foi aprimorado o estudo sobre o art. 39 (prticas abusivas) e o art. 51 (clusulas nulas), fazendo comentrios sobre cada inciso e, sempre que possvel, dando a interpretao jurisprudencial sobre o assunto, principalmente do STJ.

    Ademais, foram inseridos temas atuais e relevantes com enfoque no direito constitucional. Assim, destaco a aplicao dos direitos fundamentais nas relaes privadas (eficciahorizontal dos direitos fundamentais), as teorias do abuso do direito subjetivo tais, como a suppressio, surrectio, tu quocjue, adimplemento substancial e venire contra factum proprium.

    A par disso, foi reservado um tpico especial para tratar da responsabilidade da perda de uma chance, principalmente em razo da recente aplicao pelo STJ envolvendo relaes de consumo.

    No que tange publicidade, foram inseridos comentrios sobre o merchan- dising, em razo da vasta utilizao pelos meios de comunicao atualmente, e tambm sobre as publicidades subliminares, tema que considero dos mais importantes e fascinantes, principalmente no tocante aos efeitos produzidos.

    O livro foi atualizado com a Lei na 11.448, de 15 de janeiro de 2007, que alterou o art. 52 da Lei na 7.347, de 24 de julho de 1985, que atribuiu legitimidade Defensoria Pblica para propositura da ao civil pblica, seguindo tendncia j reconhecida pelo STJ. Outra legislao importante inserida no livro foi o Decreto n2 5.903, de 20/09/2006, que regulamentou a Lei nE 10.962/2004 (trata sobre a afixao de preos de produtos e servios para o consumidor).

    Finalmente, como foi feito na edio anterior, o livro foi atualizado com as jurisprudncias do STJ e do STF pertinentes ao Direito do Consumidor no ano de 2006. Destaco o julgamento do STF na Adin 2591, decidindo, de uma vez por todas, sobre a possibilidade de aplicao do CDC s relaes bancrias. Interessante notar tambm como a jurisprudncia do STJ tem evoludo e sofrido mutao a cada ano. Em 2006 tivemos importantes julgamentos que mudaram a interpretao de alguns dispositivos do CDC.

    Bons estudos!Janeiro de 2007

    Leonardo de Medeiros Garcia [email protected]

  • Foi com muita satisfao e alegria que recebi o convite da Editora para providenciar esta segunda edio. Sinceramente, no esperava que a obra tivesse tal repercusso em to pouco tempo.

    Para esta segunda edio, ampliei o livro coletando as principais decises e informativos do STJ e STF, de forma a dar ao leitor uma completa abordagem do tema Direito do Consumidor nos dois principais tribunais de nosso pas. Foram evitados julgamentos ultrapassados e que no se encontram consolidados nesses tribunais. Quando constatadas divergncias, procurei demonstr-las ao leitor (ex.: aplicao do CDC aos servios advocatcios).

    Aps a l edio, houve julgamentos interessantes que consolidaram algumas matrias, principalmente no STJ, como a interpretao do conceito de destinatrio final contida no art. 2a e os limites da abrangncia da coisa julgada nas aes coletivas. Ademais, foram publicadas duas novas smulas pelo STJ que tambm foram inseridas no livro.

    Devido a grande aceitao da seo "Pontos Importantes inserida aps cada artigo, foram colocados novos quadros esquemtcos, de modo a facilitar o entendimento e a percepo da matria pelo leitor.

    Por fim, agradeo a todos que, por e-mail, enviaram sugestes e comentrios. So eles que me permitem ampliar e melhorar a obra. Com certeza, foram muito bem recebidos e alguns j implantados.

    Dezembro de 2005

    Leonardo de Medeiros [email protected]

  • NCC Novo Cdigo CivilCDC Cdigo de Defesa do Consumidor CF Constituio FederalCPC Cdigo de Processo CivilCTN Cdigo Tributrio NacionalLACP Lei de Ao Civil PblicaLAP Lei de Ao PopularSTF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de Justia

  • SUMRIO

    TTULO I - DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR............................................ 3CAPTULO I - Disposies Gerais......... .............................................................3CAPTULO II - Da Poltica Nacional de Relaes de Consumo.......................40CAPTULO III - Dos Direitos Bsicos do Consumidor...................................... 60CAPTULO IV - Da Qualidade de Produtos e Servios, da Preveno e da

    Reparao dos Danos............................................................... 105SEO I - Da Proteo Sade e Segurana................... 105SEO II - Da Responsabilidade pelo Fato do Produto

    e do Servio......................................................113SEO IO - Da Responsabilidade por Vcio do Produto

    e do Servio......................................................148SEO IV - Da Decadncia e da Prescrio....................... 188SEO V - Da Desconsiderao da Personalidade

    Jurdica..............................................................209CAPTULO V - Das Prticas Comerciais...........................................................220

    SEO I - Das Disposies Gerais...................................220SEO I I - Da Oferta............................................................ 221SEO III - Da Publicidade..................................................234SEO IV - Das Prticas Abusivas...................................... 246SEO V - Da Cobrana de Dvidas.................................. 269SEO VI - Dos Bancos de Dados e Cadastros de

    Consumidores................................................. 276CAPTULO VI - Da Proteo Contratual.............. .............................................294

    SEO I - Disposies Gerais........................................... 294SEO II ~ Das Clusulas Abusivas................................... 307SEO III - Dos Contratos de Adeso................................ 349

    CAPTULO VII - Das Sanes Administrativas...............................................354

    TTULO n - DAS INFRAES PENAIS.........................................................369

    TTULO III - DA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUZO........................... 377CAPTULO I - Disposies Gerais....................................... ...................... 384

  • CAPTULO II - Das Aes Coletivas Para a Defesa de InteressesIndividuais Homogneos........................................................ 425

    CAPTULO III - Das Aes de Responsabilidade do Fornecedor deProdutos e Servios................................................................. 442

    CAPTULO IV - Da Coisa Julgada...................................................................... 447

    TTULO IV - DO SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DOCONSUMIDOR..........................................................................459

    TTULO V - DA CONVENO COLETIVA DE CONSUMO.........................462

    TTULO V I- DISPOSIES FINAIS.............................................................. 465

    PROVAS OBJETIVAS.............................................................................................495

    PROVAS SUBJETIVAS........................................................................................... 531

    GABARITO.............................................................................................................537

    BIBLIOGRAFIA. 541

  • CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    LEI Na 8.078,DE 11/9/1990

  • TITULO I DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

    CAPTULO I DISPOSIES GERAIS

    Art. I2 O presente cdigo estabelece normas de proteo e defesa do consumidor, de ordem pblica e interesse social, nos termos dos arts. 5a, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituio Federal e art. 48 de suas Disposies Transitrias.

    A Constituio Federal de 1988, incorporando uma tendncia mundial de influncia do direito pblico sobre o direito privado, chamada pela doutrina de constitucionalizao do direito civil ou de "direito civil constitucional", adotou como princpio fundamental1, estampado no art. 5a, XXXII, a defesa do consumidor".

    A incluso da defesa do consumidor como direito fundamental na CF vincula o Estado e todos os demais operadores a aplicar e efetivar a defesa deste ente vulnervel, considerado mais fraco na sociedade. o que chamamos de "fora normativa da Constituio, na expresso de Konrad Hesse, em que a Constituio, ou os direitos nela assegurados, em especial os direitos fundamentais, no so meros programas ou discursos a serem seguidos, mas apresentam fora de norma (norma jurdica), passvel de ser executada e exigvel.

    A Constituio, sob o novo enfoque que se d ao direito privado, funciona como centro irradiador e marco de reconstruo de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulnerveis. Na belssima expresso trazida do direito alemo por Cludia lima Marques, a Constituio seria a garantia e o limite de um direito privado construdo sob seus valores (principalmente os direitos fundamentais), transformando-o em um direito privado solidrio.2

    ' Esse direito reconhecido no texto constitucional como fundamental porque o consumidor busca no mercado, na qualidade de no profissional, de destinatrio de tudo o que o mercado produz, a satisfao de suas necessidades essenciais de alimentao, sade, educao, segurana, azer, etc. KOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor. Contratos, Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor em Juzo. 2a ed. So Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 33.2 Manual de Direito do Consumidor. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27.

    3

  • Art. Ia

    Atualmente, os direitos fundamentais penetram nas relaes privadas, sendo observados os princpios constitucionais nas tratativas inter partes. o que chamamos de teoria da "eficcia horizontal dos direitos fundamentais!* em contraposio eficcia vertical dos direitos fundamentais", em que se observa o respeito aos direitos fundamentais nas relaes entre indivduo e Estado.

    Exemplificando, o princpio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana incompatvel com disposies contratuais desiguais, em que no se observe a boa-f objetiva, a transparncia e o equilbrio nas relaes contratuais.

    Doutrina Simone Hegele4 que no mbito das relaes de consumo podem ocorrer violaes dignidade da pessoa humana, principalmente quando tais violaes ferem os direitos da personalidade do consumidor, como a honra, o nome, a intimidade, a integridade fsico-psquica e a imagem dos consumidores.

    Sobre a eficcia horizontal dos direitos fundamentais, confira-se a recente deciso do STF:

    "EFICCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAES PRIVADAS. As violaes a direitos fundamentais no ocorrem somente no mbito das relaes entre o cidado e o Estado, mas igualmente nas relaes travadas entre pessoas fsicas e jurdicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituio vinculam diretamente no apenas os poderes pblicos, estando direcionados tambm proteo dos particulares em face dos poderes privados (STF, RE 201819/RJ, Rela. Min8. Ellen Gracie, Rei. p/ o acrdo Min. Gilmar Mendes, j. 11/10/2005).5

    O Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto-vista, ressaltou que o fato que, entre ns, a aplicabilidade dos direitos fundamentais na esfera privada conseqncia de diversos fatores, muitos deles observveis na prtica jurdica contempornea, inclusive entre ns. O primeiro deles, o paulatino rompimento das barreiras que separavam at final do sculo XIX o direito pblico e o direito privado. Por outro lado, um fenmeno facilmente observvel em sistemas jurdicos dotados de jurisdio constitucional - a chamada 'constitucionalizao do direito privado, mais especificamente do direito civil. Noutras palavras, as relaes privadas, aquelas que at bem pouco tempo se regiam exclusivamente pelo direito civil, hoje sofrem o influxo dos princpios de direito pblico, emanados predominantemente das decises proferidas pelos rgos de jurisdio constitucional. De fato, uma das conseqncias inelutveis

    3 Tambm chamados por outros autores de eficcia dos direitos fundamentais nas relaes entre particulares ou "eficcia dos direitos fundamentais nas relaes privadas.4 BOLSON, Simone Hegele. O princpio da dignidade da pessoa humana, relaes de consumo eo dano moral ao consumidor . Revista Direita do Consumidor. RT. 46/289.5 Para um estudo mais completo da aplicao dos direitos fundamentais nas relaes privadas, sugiroa leitura do inteiro teor deste acrdo, em que so abordadas, com maestria, peios Min. GilmarMendes e Joaquim Barbosa, as doutrinas referentes ao assunto, bem como outros julgamentos do STF em que foi adotada a referida teoria.

    4 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. lfi

    da aceitao quase universal da supremacia da Constituio e da jurisdio constitucional como instrumento destinado a assegur-la reside no fato de que os direitos fundamentais, imperativo indeclinvel de todas as democracias, no mais se concebem como limitaes impostas nica e exclusivamente ao Estado. Na Europa e at mesmo nos Estados Unidos, onde so feitos grandes esforos hermenuticos visando superao da doutrina da State action, as relaes privadas no mais se acham inteiramente fora do alcance das limitaes impostas pelos direitos fundamentais.

    Interessante verificar que o entendimento defendido pelo STF no julgado acima pode ser aplicado ao Cdigo de Defesa do Consumidor, uma vez que constitui norma principiolgica (normas que veiculam valores, estabelecem os fins a serem alcanados, ao contrrio das regras que estipulam hipteses do tipo preceito/sano), contemplando clusulas gerais (tcnica legislativa na qual so utilizados conceitos jurdicos a serem preenchidas pelos magistrados quando da anlise de um caso concreto, v.g., boa-f objetiva, funo social do contrato etc.).

    Segundo o Ministro Marco Aurlio (relator do acrdo), um meio de irradiao dos direitos fundamentais para as relaes privadas seriam as clusulas gerais (Generalklausel) que serviriam de porta de entrada' (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no mbito do Direito Privado".

    O STJ, em interessante caso, aplicou o princpio da dignidade da pessoa humana nas relaes privadas para evitar que o consumidor viesse a ser preso em razo do descumprimento do contrato de alienao fiduciria. Restou demonstrado no processo que, ao ficar inadimplente, o consumidor teve a dvida elevada em mais de quatro vezes no perodo inferior a dois anos. Com isso, o STJ, em consonncia com a nova interpretao do direito privado, entendeu que, caso o consumidor fosse compelido ao pagamento da dvida abusiva, passaria o resto da vida preso ao dbito, o que feriria, sobretudo, aliberdade e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana:

    Princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais de igualdade e liberdade. Clusula geral dos bons costumes e regra de interpretao da lei segundo seus fins sociais. Decreto de priso civil da devedora que deixou de pagar dvida bancria assumida com a compra de um automvel- txi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$ 86.858,24, a exigir que o total da remunerao da devedora, pelo resto do tempo provvel de vida, seja consumido com o pagamento dos juros. Ofensa ao princpio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoo e de igualdade contratual e aos dispositivos da LICC sobre o m social da aplicao da lei e obedincia aos bons costumes" (STJ, HC n2 12547, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ12/02/2001)

    Em outro caso recente, o STJ proferiu deciso no sentido de que o prazo de carncia do plano mdico hospitalar ficar suspenso, caso a pessoa tenha que fazer uma cirurgia de emergncia devido ao surgimento de doena grave. No caso

    DIREITO DO COHSUMiDOR 5

  • Art. Ia

    em comento, a associada contratou plano de sade, cujo prazo de carncia para a realizao de cirurgias era de trs anos. Faltando, porm, apenas alguns meses para a expirao do prazo, a contratante descobriu que era portadora de tumor medular e foi obrigada a arcar com todas as despesas mdico-hospitalares. De acordo com STJ, a clusula de carncia do plano de sade no pode ser aplicada de forma abusiva, e nem se contrapor ao fim maior de um contrato de assistncia mdica, que o de amparar a vida e a sade.5

    Ainda sobre os direitos fundamentais, importante ressaltar que a doutrina identifica trs geraes (ou para alguns dimenses) em sua evoluo, chegando, inclusive, ao reconhecimento de uma quarta gerao (ou dimenso). So eles:a) Direitos Fundamentais de Ia Gerao: a primeira gerao de direitos

    fundamentais dominou o sculo XIX e diz respeito s liberdades pblicas e aos direitos civis e polticos, correspondendo aos direitos de liberdade, Tais direitos tm como titular o indivduo e se apresentam como direitos de resistncia ou de oposio perante o Estado. Postulou-se, nesta poca, a no interveno do Estado.

    b) Direitos Fundamentais de 2B Gerao: a partir do sculo XIX, aps a Revoluo Industrial europeia, marcada pelas pssimas condies de trabalho, houve a necessidade de se privilegiar os direitos sociais, culturais e econmicos, correspondendo aos direitos de igualdade. Para que a igualdade se concretizasse, ao contrrio do defendido na Ia Gerao, era necessria maior participao do Estado, face ao reconhecimento de sua funo social, atravs de prestaes positivas, que visassem o bem-estar do indivduo.

    c) Direitos Fundamentais de 3a Gerao: no final do sculo XX, perodo marcado por profundas mudanas na comunidade internacional e na sociedade (contratao em massa, crescente desenvolvimento tecnolgico e cientfico), com a finalidade de tutelar o prprio gnero humano, surgiram os direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente. So os direitos e fraternidade, de solidariedade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, proteo dos consumidores etc.Conforme aponta Paulo Bonavides, a Revoluo Francesa profetizou a

    seqncia histrica e gradativa da institucionalizao dos direitos fundamentais: liberdade (Ia gerao); igualdade (2 gerao) e fraternidade (3 gerao).7

    6 Ldima a clusula de carncia estabelecida em contrato voluntariamente aceito por aquele que ingressa em plano de sade, merecendo temperamento, todavia, a sua aplicao quando se revela circunstncia excepcional, constituda por necessidade de tratamento de urgncia decorrente de doena grave que, se no combatida a tempo, tornar incuo o fim maior do pacto celebrado, qual seja, o de assegurar eficiente amparo sade e vida. (STJ, REsp. 466.667, Min. Rei. Aldir Passarinho Jnior, DJ, 17/12/2007).7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9a ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 516.

    6 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. Ia

    Alguns autores apontam, ainda, uma quarta gerao de direitos. Para Paulo Bonavides, tal gerao seria resultado da globalizao dos direitos fundamentais, de forma a universaliz-los institucionalmente, citando como exemplos o direito democracia, informao e ao pluralismo. J Norberto Bobbio trata a quarta gerao sob o enfoque da problemtica da manipulao gentica do ser humano.8,3

    Por fim, ainda h os que sustentam uma quinta gerao de direitos. Para estes, os direitos de quinta gerao so os direitos advindos com a chamada realidade virtual, compreendendo o grande desenvolvimento da ciberntica na atualidade.

    A Constituio Federal, tambm de forma inovadora, introduziu a figura do consumidor como agente econmico e social, estabelecendo de forma expressa como princpio da ordem econmica a defesa do consumidor (art. 170, V), possibilitando a interveno do Estado nas relaes privadas, de modo a garantir os direitos fundamentais dos cidados.10

    A interveno do Estado na atividade econmica encontra autorizao constitucional quando tem por finalidade proteger o consumidor (STJ, MS 4138/DF, D/21/10/1996, Rei. Min. Jos Delgado).

    A defesa do consumidor no incompatvel com a livre iniciativa e o crescimento econmico. Ambos esto previstos como princpios da ordem econmica constitucional, de acordo com o disposto no art. 170 da CF. Com isso, o Cdigo de Defesa do Consumidor procura compatibilizar a defesa do consumidor com a livre iniciativa.

    Nesse sentido, o empresrio somente tem assegurado o livre exerccio da atividade econmica (pargrafo nico do art. 170 da CF) se respeitar e assegurar os direitos do consumidor. Como exemplo, o empresrio poder elaborar contrato

    8 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6.9 No mesmo sentido, a jurisprudncia do STF: Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema Corte (RTJ164/158-161), impende destacar, na linha desse processo evolutivo, os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos), que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais, e que realam o princpio da liberdade. Os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o princpio da igualdade. Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira gerao (ou de novssima dimenso), que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta gerao (como direito ao desenvolvimento e o direito paz) um momento importante no processo de expanso e reconhecimento dos direitos humanos (...) (STF, voto do Min. Rei. Celso de Mello na ADI-MC 3540/DF, j. 01/09/ 2005)10 Sobre a 3a gerao de direitos e o direito do consumidor como princpio da ordem econmica: Questo da Prova da Magistratura do Piau/2007 - elaborada pelo CESPE: A defesa do consumidor no um princpio da ordem econmica, mas, sim, um direito fundamental de terceira gerao. A questo est errada uma vez que a defesa do consumidor um princpio da ordem econmica.

    d ir e i t o oo c o n su m id o r 7

  • Art. I2

    de adeso, estipulando as clusulas contratuais para o fim de sua atividade, desde que no sejam abusivas.

    Dessa forma, procurando dar efetividade a esse novo contexto, a prpria Constituio, no art. 48 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT), estabeleceu um prazo para que se promulgasse uma lei protetiva dos consumidores.11

    Assim que, em atendimento ao mandamento constitucional, foi elaborado o Cdigo de Defesa do Consumidor com o intuito de intervir nas relaes de consumo para a proteo do sujeito vulnervel, desigual na relao com o fornecedor, de modo a manter o equilbrio e a igualdade nas contrataes.

    "O Cdigo de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relaes jurdicas. Nenhuma deciso judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda deciso h de ser justa (STJ, REsp. 90366/MG, Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, D J02/06/1997).

    Trata-se de um verdadeiro microssistema jurdico, em que o objetivo no tutelar os iguais, cuja proteo j encontrada no Direito Civil, mas justamente tutelar os desiguais, tratando de maneira diferente fornecedor e consumidor com o fito de alcanar a igualdade. O CDC constitui um microssistema jurdico multidisciplinar na medida em que possui normas que regulam todos os aspectos da proteo do consumidor, coordenadas entre si, permitindo aviso de conjunto das relaes de consumo. Por fora do carter interdisciplinar, o Cdigo de Defesa do Consumidor outorgou tutelas especficas ao consumidor nos campos civil (arts. 8o a 54), administrativo (arts. 55 a 60 e 105/106), penal (arts. 61 a80) e jurisdicional (arts. 81 a 104).12

    As normas contidas no CDC so de ordem pblica e interesse social, sendo, portanto, cogentes e inderrogveis pela vontade das partes. Alis, o art. 6a do Cdigo Civil Francs (Code deNapoleon), de 1804, j previa tal ensinamento pelo qual no se pode derrogar, por convenes particulares, as leis que interessam ordem pblica ou aos bons costumes.13

    Nesse sentido, o STJ j se manifestou:

    CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMA DE ORDEM PBLICA. DERROGAO DA LIBERDADE CONTRATUAL. O carter de norma pblica atribudo ao Cdigo de Defesa do Consumidor derroga a liberdade contratual para ajust-la aos parmetros da lei (...}" (STJ. REsp. 292942/MG, Rei. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, D J07/05/2001).

    11 Assim dispe o art 48 da ADCT: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgao da Constituio, elaborar cdigo de defesa do consumidor." Vale lembrar que a nossa Constituio Federal foi promulgada em 5 de outubro de 1988 e o Cdigo de Defesa do Consumidor somente foi promulgado em 11 de setembro de 1990, prazo muito superior ao estabelecido pela Carta Magna.12 ALMEIDA. Joo Batista de. Manual de Direito do Consumidor. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 52.13 JNIOR, Ronald Sharp. Cdigo de Defesa do Consumidor Anotado. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2002, p. 5.

    8 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. Ia

    Nelson Nery Jnior possui entendimento interessante sobre a expresso ordem pblica contida no art. Ia, aduzindo que nas relaes de consumo o juiz poder apreciar qualquer matria de ofcio, no se operando a precluso, podendo ser revistas e decididas a qualquer tempo e grau de jurisdio.14,15

    No tocante atuao de ofcio pelo juiz nas relaes de consumo, a doutrina consumerista pacfica em aceitar tal situao, principalmente porque o CDC norma de "ordem pblica. A jurisprdncia tambm vinha seguindo essa orientao, porm, o STJ, no REsp. 541.153/RS16, atravs da Segunda Seo, pacificou o entendimento no sentido de que impossvel a decretao de ofcio da nulidade das clusulas contratuais abusivas pelos tribunais estaduais. Ou seja, em grau recursal, o Tribunal de Justia Estadual ficar impedido de afastar uma clusula abusiva (mesmo as que o prprio STJ j reconheceu como abusivas), caso a parte (consumidor) no a argua.

    A hiptese decidida pelo STJ referia-se ao revisional de contrato bancrio, na qual o TT-RS, apreciando recurso de apelao interposto apenas pela instituio financeira, reformou a sentena de ofcio para declarar a nulidade das clusulas abusivas, que no haviam sido afastadas pelo juiz de primeiro grau. A instituio financeira argumentou em grau recursal que, assim procedendo, o tribunal gacho teria julgado o recurso reformando-o para piorar a situao do banco recorrente.

    A Segunda Seo do STJ julgou a matria, com fundamento no art. 515 do CPC, acolhendo a tese de no admitir que o tribunal estadual modifique o comando da sentena para favorecer o consumidor, sem que haja interposio de recurso.

    Quando se aduz em qualquer grau de jurisdio" entenda-se somente a instncia ordinria, j que na instncia extraordinria (v.g. recurso especial e recurso extraordinrio) ficar impossibilitada tal atuao de ofcio ou at mesmo a alegao da parte interessada, em decorrncia do requisito do prequestonamento.15 "Os princpios gerais do Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. So Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 3.1992, p. 44-77.16 RECURSO ESPECIAL. AO REVISIONAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. DESCARACTERIZAO. EXAME DE OFCIO. JUROS REMUNERATRIOS. CAPITALIZAO MENSAL. - Descaracterizao do contrato. Incidncia do verbete n0 293 da Smula/STJ. - Exame de oficio de clusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princpio tantum devolutum quantum appelattum. Precedentes. - No estando as instituies financeiras sujeitas limitao da Lei de Usura, a abusvidade da pactuao dos juros remuneratrios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovao do desequilbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o s fato de a estipulao ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionria no perodo {REsps. n 271.214/ RS, 407.097/RS e 420.111/RS). - Capitalizao mensal. Inadmissibilidade na hiptese. - Recurso parcialmente conhecido e, nessa extenso, provido" (REsp. 541153/RS, Min, Rei. Csar Asfor Rocha, Segunda Seo, DJ 14/09/2005).

    DIREITO DO CONSUMIDOR 9

  • Art. I2

    Conforme exposto at a ltima edio, continuvamos entendendo que o juiz monocrtico poderia conhecer de ofcio das nulidades nos contratos bancrios, uma vez que o posicionamento do STJ referia-se apenas atuao dos tribunais. Todavia, no REsp. 1061530/RS, julgado atravs do incidente de processo repetitivo, o STJ pacificou a questo e editou a Orientao n2 5:

    "ORIENTAO 5 - DISPOSIES DE OFCIO vedado aos juizes de primeiro e segundo graus de jurisdio julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sempedido expresso, a abusvidade de clusulas nos contratos bancrios.

    Assim, o STJ vedou tambm a atuao do juiz de primeiro grau, estancando a dvida. Em relao a tal posicionamento, foram vencidos a Min. NancyAndrighi (relatora deste processo) e o Min. Luis Felipe Salomo. A Orientao n2 5 acabou se transformando na Smula na 381, com o seguinte teor: Nos contratos bancrios, vedado ao julgador conhecer, de ofcio, da busividade das clusulas.

    Entendemos que houve um retrocesso no posicionamento do STJ. Conforme exposto, as normas do CDC so de ordem pblica e o art. 51 expresso ao declarar que so nulas de pleno direito as clusulas abusivas nas relaes de consumo. O consumidor vulnervel na relao com o fornecedor e por isso necessrio permitir que o magistrado intervenha na relao, de oficio, para manter o equilbrio contratual.

    Sobre esse novo posicionamento adotado pelo STJ, vale destacar as severas crticas feitas pela Ministra NancyAndrighi,17 sustentando que "vedar o conhecimento de ofcio, pelas instncias originrias (juizes e tribunais) de nulidades que so reputadas pelo CDC como absolutas, notadamente quando se trata de matria pacificada na jurisprudncia pelo STJ, rgo uniformizador da jurisprudncia, privilegiar demasiadamente os aspectos formais do processo em detrimento do direito material. E continua, aduzindo que h incoerncias do entendimento pacificado de o TJ no poder conhecer de ofcio as nulidades quando no provocado especificamente pela parte, por causa de outra interpretao dada pelo STJ ao CDC, quanto questo relativa incompetncia relativa suscitada em razo das clusulas de eleio de foro inseridas nos contratos de adeso. Como regra geral, a clusula de eleio de foro cuida de incompetncia relativa e o juiz s pode pronunci-la se provocado pela parte interessada, tudo nos moldes dos arts. 112 e 113 do CPC e sedimentada na Smula na 33 do STJ {A incompetncia relativa no pode ser declarada de ofcio). Todavia, a jurisprudncia do STJ uniformizou-se no sentido de que, cuidando de contrato que regula relao de consumo, deve-se mitigar a regra do CPC e reconhecer de ofcio a incompetncia, especialmente quando a clusula vem formulada em sede de contrato de

    17 Palesira proferida no III Ciclo de Palestras sobre Jurisprudncia do STJ no mbito do Direito Pbiico e Privado, realizado no Auditrio Antnio Carlos Amorim - Palcio da Justia - Rio de Janeiro, 02/12/2005.

    10 LEONARDO D6 MEDEIROS GARCIA

  • Art. P

    adeso. Esse entendimento est fundamentado justamente no fato de que as clusulas abusivas so reputadas nulas de pleno direito pelo CDC. Por isso cabe a indagao: Se o STJ, em reiterados precedentes, considerou possvel o reconhecimento, de ofcio, da nulidade da clusula de eleio de foro com base na sua abusividade, porque assumir postura diversa com relao a todas as demais clusulas abusivas que possam estar inseridas no contrato? No h razo para adotar posicionamentos diametralmente opostos diante de questes de tal forma similares."

    Como j ressaltado, as normas do CDC tambm so de interesse social, o que significa dizer que as normas de proteo aos consumidores possuem importncia relevante paraasociedade como um todo, no interessando somente s partes, consumidores e fornecedores. Nos dizeres de Cludia Lima Marques, as leis consumeristas so leis de juno social, pois no s procuram assegurar uma srie de novos direitos aos consumidores, mas tambm possuem a funo de transformar a sociedade de modo a se comportar de maneira equilibrada e harmnica nas relaes jurdicas.

    A primeira vista, a relao particular entre consumidor e fornecedor em nada interessa sociedade. Ocorre que, quando o fornecedor comete abusos frente ao consumidor, como, por exemplo, quando deixa de consertar o produto vendido com defeito, e no sofre qualquer sano pela prtica abusiva, amanh, outros consumidores estaro sofrendo os mesmos abusos. No bastasse, outros fornecedores provavelmente praticaro as mesmas condutas abusivas, uma vez que, consertar produtos defeituosos (como no exemplo citado) ou, em um sentido amplo, respeitar os direitos dos consumidores, gera custos. O pensamento seria: se a empresa A faz e no acontece nada, tambm vou fazer porque mais lucrativo.

    Com outra viso e de forma prtica e objetiva, Nelson Nery considera que ser de interesse social significa a possibilidade de o Ministrio Pblico poder atuar em todas as lides coletivas de consumo, inclusive as que tratam sobre os direitos individuais homogneos.

    Como princpio fundamental que passou a ser, a garantia constitucional de proteo e defesa do consumidor considerada clusula ptrea, impossvel de ser suprimida ou restringida pelo legislador. Jos Ernesto Furtado de Oliveira18 doutrina que o Cdigo de Defesa do Consumidor, por ser legislao complementar Constituio, criou direitos que j definitivamente pertencem ao patrimnio de todo consumidor, de modo que nenhuma lei que venha a alterar in pejus tal situao jurdica ou restringir esses direitos consagrados ser recepcionada pelo ordenamento jurdico, e muito menos com ele viver.

    18 Reformatio in pejus do Cdigo de Defesa do Consumidor: impossibilidade em face das garantias constitucionais de proteo". Revista de Direito do Consumidor. So Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 42, Ano 2002, p. 147.

    DIREITO DO CONSUMIDOR 11

  • Art. 1*

    Com relao aplicao do CDC, o STF e o STJ entendem que os seus dispositivos no incidem nos contratos celebrados antes de sua vigncia:

    "Sendo constitucional o princpio de que a lei no pode prejudicar o ato jurdico perfeito, ele se aplica tambm s leis de ordem pblica. De outra parte, se a clusula relativa resciso com a perda de todas as quantias j pagas constava do contrato celebrado anteriormente ao Cdigo de Defesa do Consumidor, ainda quando a resciso tenha ocorrido aps a entrada em vigor deste, a aplicao dele para se declarar nula a resciso feita de acordo com aquela clusula fere, sem dvida alguma, o ato jurdico perfeito, porquanto a modificao dos efeitos futuros de ato jurdico perfeito caracteriza a hiptese de retroatividade mnima que tambm alcanada pelo disposto no art. 5, XXXVI, da Carta Magna" (STF, RE 205.999-4-SP, Rei. Min. Moreira Alves, DJ 03/03/2000.}.19*20

    "Conquanto o CDC seja norma de ordem pblica, no pode retroagir para alcanar o contrato que foi celebrado e produziu seus efeitos na vigncia da lei anterior, sob pena de afronta ao ato jurdico perfeito (STJ, REsp. 248155/SP, Rei. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, D J23/05/2000).

    Entretanto, nos de execuo diferida e prazo indeterminado, celebrados anteriormente vigncia do CDC, vem sendo admitida a incidncia da norma consumerista pelo STJ, uma vez que o contrato renovado a cada pagamento efetuado. Ou seja, nos contratos de prazo indeterminado (v.g previdncia privada, plano de sade), o consumidor poder discutir a validade das clusulas ou requerer sua reviso durante o perodo de vigncia do CDC; mesmo para os contratos celebrados anteriormente ao CDC.

    O contrato de previdncia privada, de fato, de trato sucessivo, de execuo continuada, sendo que, com relao primeira r (...) o contrato prosseguiu sob a gide do Cdigo de Defesa do Consumidor, renovando-se o contrato a cada pagamento efetuado, no havendo razo para descartar a aplicao do referido Cdigo se o contrato de execuo continuada prosseguiu j durante a sua vigncia, considerando que se trata de contrato de prazo indeterminado, como da natureza mesma dos contratos de previdncia privada. Parece- me, portanto, que no possvel descartar no que concerne primeira r a incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor (STJ, REsp. 331.860/RJ, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, D J05/08/2002).

    19 A deciso do Supremo Tribunal Federal adotou a doutrina de Matos Peixoto, que diferencia trs tipos de retroatividade de leis: a retroatividade mxima, mdia e mnima. A retroatividade mxima ocorre quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados. A retroatividade mdia, por sua vez, ocorre quando a lei nova atinge os fatos pendentes de ato jurdico verificado antes dela, como uma lei que diminusse a taxa de juros com aplicabilidade s prestaes vencidas e ainda no pagas. E, finalmente, a retroatividade mnima consiste na regulao dos efeitos dos fatos anteriores produzidos aps a data em que eia entra em vigor.20 Ultimamente, o STF tem mitigado esta aplicao. Por exemplo, na ADIN na 3.105, o Ministro Joaquim Barbosa entendeu que os conceitos de direito adquirido e de ato jurdico perfeito no so absolutos, submetendo-se tcnica da ponderao, no caso de coliso com outros direitos.

    12 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. I2

    Nesse mesmo sentido do STJ, leciona Gustavo Tepedino21 que tratando-se de contratos de execuo diferida ou de trato sucessivo, no h que se cogitar da existncia de direitos adquiridos a efeitos futuros, sendo legtima a interveno legislativa que venha a alcan-los.

    Pontos Importantes:Vale, mais uma vez, relembrar que, as normas do CDC so de ordem pblica

    e interesse social, prevalecendo sobre a vontade das partes, e que, em decorrncia disso, ao juiz dado reconhecer sua incidncia de oficio.

    O STJ no tem aceitado a decretao de ofcio pelos tribunais estaduais das clusulas abusivas (art. 51 do CDC), sob o argumento de ofensa ao princpio tantum devolutum quantum appelattum , privilegiando assim o direito processual em detrimento do direito material.

    O STF e o STJ entendem que no incidem os dispositivos do CDC nos contratos celebrados antes de sua vigncia.

    PRINCIPAIS JURISPRUDNCIAS E INFORMATIVOS DO STF E STJ Recurso repetitivo. Alegao de ofcio de clusulas abusivas.

    No julgamento de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), confirmou-se a pacificao da jurisprudncia da Segunda Seo do Superior Itbunal quanto s disposies de ofcio: invivel o exame de ofcio de clusulas consideradas abusivas em contratos que regulem relao de consumo. A Mina. Rek e o Min. Lus Felipe Salomo ficaram vencidos nesse especfico ponto. REsp. 1.061.530- RS, Rei5. Mina. NancyAndrighi, j. 22/10/2008. Informativo 373".

    STF restringe a priso civil por dvida a inadimplente de penso alimentcia.

    Notcia extrada do site do STF: "Por maioria, o Plenrio do Supremo Tribunal Federa] (STF) arquivou, nesta quarta-feira (03), o Recurso Extraordinrio (RE) 349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343, que ambos discutiam a priso civil de aiienante fiducirio infiel, O Plenrio estendeu a proibio de priso civil por dvida, prevista no art. 5, inciso LXVII, da Constituio Federal (CF), hiptese de infidelidade no depsito de bens e, por analogia, tambm alienao iduciria, tratada nos dois recursos. Assim, a jurisprudncia da Corte evoluiu no sentido de que a priso civil por dvida aplicvel apenas ao responsvel pelo inadimplemento voluntrio e inescusvel de obrigao alimentcia. OTribunal entendeu que a segunda parte do dispositivo constitucional que versa sobre o assunto de aplicao facultativa quanto ao devedor - excetuado o inadimplente comalimentos - e, tambm, ainda carente de lei que defina rito processual e prazos. Smularevogada. Tambm por maioria,

    21 Rev. Direito da Cmara Municipal do Rio de Janeiro, voi. 9, ns 14, jan./dez. 2005, p. 92.

    OIREUO DO CONSUMIDOR 13

  • Arts. Iae2s

    o STF decidiu ao mesmo sentido um terceiro processo versando sobre o mesmo assunto, o H abeas Corpus n2 87585. Para dar conseqncia a esta deciso, revogou a Smula na 619, do STF, segundo a qual a priso do depositrio judicial pode ser decretada no prprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ao de depsito". Ao trazer o assunto de volta a julgamento, depois de pedir vista em maro deste ano, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito defendeu a priso do depositrio judicial infiel. Entretanto, como foi voto vencido, advertiu que, neste caso, o Tribunal teria de revogar a Smula na 619, o que acabou ocorrendo. Este julgado foi publicado no Informativo 531 do STF.22

    Smula Vinculante n 25 do STF - " ilcita a priso civil de depositrio infiel, qualquer que seja a modalidade do depsito.

    Impossibilidade de retroatividade de norma de ordem pblica. Retroatividade mnima.

    "Em nosso sistema jurdico, a regra de que a lei nova no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5a, XXXVI), tem carter constitucional, impedindo, portanto, que a legislao infraconstitucional, ainda quando de ordem pblica, retroaja para alcanar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique retroativamente. E a retroao ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcanar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitaes, pois ainda nesse caso h retroatividade - a retroatividade mnima uma vez que se a causa do efeito o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurdico perfeito, modificando-se seus efeitos por fora da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente infensa a tal alterao" (STF, RE 188.366/SI> Rei. Min. Moreira Alves, j. 19/10/1999, Primeira l\irma, DJU, 19/11/1999).

    Art. 2a Consumidor toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio finaL Pargrafo nico. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo.

    a No mesmo sentido, informativo do STJ: PRISO CIVIL. DEPOSITRIO INFIEL NOVO ENTENDIMENTO. A Turma concedeu a ordem em face do julgamento pelo STF do HC na 87.585-TO e dos REs 349.703-RS e 466.343-SP, ultimados no dia 3 de dezembro de 2008.0 STF fixou o entendimento de que os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos aos quais o Brasil aderiu gozam destatus de norma supralegal. Tai entendimento tem reflexo imediato nas discusses relativas impossibilidade de priso civil de depositrio infiel. HC n 110.344-SR ReP. Min3. Nancy Andrighi, ]. 9/12/2008. Informativo 380.

    14 LEONARDO DE MEOEIROS GARCIA

  • Art. 2a

    O conceito de consumidor passa peia definio disposta no art. 2a da Lei na 8.078/90, segundo o qual, consumidor toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final.

    Sendo assim, so trs os elementos que compem o conceito de consumidor segundo a redao supracitada. O primeiro deles o subjetivo (pessoa fsica ou jurdica), o segundo o objetivo (aquisio de produtos ou servios) e o terceiro e ltimo o teleolgico (a finalidade pretendida com a aquisio de produto ou servio) caracterizado pela expresso destinatrio final.23

    A definio estampada no caputo referido artigo denominada pela doutrina de consumidor stricto sensu ou standard, em contraposio aos consumidores equiparados definidos no pargrafo nico do art. 2a e nos arts. 17 e 29.

    De acordo com o caputo art. 2fi do CDC, a nica caracterstica restritiva para se alcanar o conceito de consumidor seria a aquisio ou utilizao do bem como destinatrio final.

    Como o texto legal no responde o que significa destinatrio final, a soluo buscar o auxlio da doutrina, para, assim, definir o conceito de consumidor.

    Na doutrina consumerista, duas correntes se formaram a respeito do tema. So denominadas de finalistas e maximalistas.

    A doutrina finalista (ou subjetiva), partindo do conceito econmico de consumidor, prope que a interpretao da expresso destinatrio final seja restrita, fundamentando-se no fato de que somente o consumidor, parte mais vulnervel na relao contratual, merece a especial tutela.

    Assim, consumidor seria o no profissional, ou seja, aquele que adquire ou utiliza um produto para uso prprio ou de sua famlia.

    Para a doutrina finalista, ensina Cludia Lima Marques24, o destinatrio final aquele destinatrio ftico e econmico do bem ou servio, seja ele pessoa jurdica ou fsica. Logo, segundo esta interpretao teleolgica no basta ser destinatrio ftico do produto, retir-lo da cadeia de produo, lev-lo para o escritrio ou residncia, necessrio ser destinatrio final econmico do bem, no adquiri-lo para revenda, no adquiri-lo para o uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produo cujo preo ser includo no preo final do profissional que o adquiriu. Neste caso no haveria a exigida destinao final do produto ou servio"

    Em outras palavras, o destinatrio final o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utiliz-lo (destinatrio final ftico), aquele que coloca um fim na cadeia de produo (destinatrio final econmico), e no aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele no o consumidor final,

    23 NERY JNIOR, Nelson. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. 6a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2000, p. 430.24 Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. 4a ed. Revista dos Tribunais: So Pauio, 2002, p. 53.

    DIREITO 0 0 CONSUMIDOR 15

  • Art.2s

    j que est transformando e utilizando o bem para oferec-lo, por sua vez, ao cliente, consumidor do produto ou servio.

    Veja deciso do Superior Tribunal de Justia seguindo a corrente finalista25:

    "Tratando-se de financiamento obtido por empresrio, destinado precipuamente a incrementar asua atividade negociai, no se podendo qualific-lo, portanto, como destinatrio final, inexistente a pretendida relao de consumo. Inaplicao no caso do Cdigo de Defesa do Consumidor' (STJ, REsp. 218505/ MG, DJ14/02/2000, Rei. Min. Barros Monteiro, j. 16/09/1999).

    Analisando a doutrina finalista sob o enfoque da necessidade de se dar uma destinao econmica ao produto ou servio, percebe-se que, em princpio, praticamente se inviabiliza o reconhecimento da pessoa jurdica como consumidora. Isso porque, em menor ou maior escala, os produtos e servios adquiridos so, ainda que indiretamente, utilizados na atividade lucrativa,

    Como o CDC foi claro ao dispor sobre a possibilidade da pessoa jurdica ser considerada consumidora, a doutrina finalista comea a diferenciar quando o produto ou servio utilizado como insumo da produo. Dessa forma, sendo o produto utilizado como matria prima ou o servio utilizado como parte do processo produtivo, a pessoa jurdica no seria considerada consumidora. Mas, caso o produto ou o servio no fossem insumos, ela poderia ser considerada consumidora. Nesse sentido, quando uma fbrica txtil adquire algodo, ela no pode ser considerada consumidora, pois est adquirindo insumo, matria prima a ser utilizada no processo produtivo. Presume-se, nesses casos, que a pessoa jurdica conhece bem o produto ou o servio que est adquirindo, no havendo desequilbrio narelao contratual. Agora, quando amesma fbrica txtil adquire veculo para transporte de seus funcionrios, ou contrata servio de segurana ou de limpeza, por no serem produtos ou servios utilizados diretamente no processo produtivo, poderia ser considerada consumidora.

    J para a corrente maximalista (ou objetiva), com base no conceito jurdico de consumidor, o CDC visto de uma maneira bem mais ampla, abrangendo

    25 Outros exemplos da Teoria Finalista aplicada pelo STJ restringindo a exegese do art. 2a do CDC ao destinatrio final ttico e tambm econmico do bem ou servio:1 - REsp. n 264.126/RS, Rei. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, unnime, DJ 27/08/2000, o qual considerou no ser a pessoa jurdica Flash do Brasil Qumica Ltda. destinatria finai de servio de crdito tomado junto a instituio financeira, porquanto as sucessivas operaes celebradas entre as partes que terminaram por consolidar o total do dbito, agora representado pelo instrumento de confisso de dvida acostado pea exordial, denotam que o financiamento se deu para fins de incrementao das atividades produtivas daquela em presae2 - REsp. n 475220/G0, Rei. Min. Paulo Medina, Sexta Turma, unnime, DJ 15/09/2003, o qual considerou no ser a pessoa jurdica revendedora de produtos combustveis destinatria final ftica ou econmica dos produtos fornecidos pelo distribuidor: o posto revendedor de combustveis no se enquadra dentro do conceito de consumidor final, haja vista estar o contrato que celebrou com a Shell do Brasil diretamente vinculado sua atividade lucrativa, motivo por que inaplicvel, nas relaes que mantem entre si, o disposto no Cdigo de Defesa do Consumidor

    16 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. 2a

    maior nmero de relaes, pelas quais as normas inseridas nesse diploma devem regular a sociedade de consumo como um todo.

    Para a teoria maximalista, o destinatrio final seria somente o destinatrio ftico, pouco importando a destinao econmica que lhe deva sofrer o bem.

    Para Cludia Lima Marques26, os maximalistas "veern nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e no normas orientadas para proteger somente o consumidor no profissional. O CDC seria um cdigo geral sobre o consumo, um cdigo para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princpios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papis ora de fornecedores ora de consumidores. A definio do art. 2S deve ser interpretada o mais extensamente possvel, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um nmero cada vez maior de relaes no mercado. Consideram que a definio do art. 2a puramente objetiva, no importando se a pessoa fsica ou jurdica tem ou no fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um servio. Destinatrio final, ento, seria o destinatrio ftico do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fbrica de celulose, que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma mquina de escrever para o seu escritrio'.

    Assim, para os maximalistas, a definio de consumidor puramente objetiva, no importando a finalidade da aquisio ou do uso do produto ou servio, podendo at mesmo haver inteno de lucro.

    Veja deciso do Superior Tribunal de Justia seguindo a corrente maximalista27:

    26 Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. 4a ed. Revista dos Tribunais: So Paulo, 2002, p. 254.27 Outros exemplos da Teoria Maximalista adotada pelo STJ considerando-se consumidor o destinatrio final ftico do bem ou servio, ainda que venha a utiliz-lo no exerccio de profisso ou de empresa:1 - REsp. 329.587/SR Rei. Min. Caros Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, unnime, DJ 24/06/2002, o qual considerou existir relao de consumo entre a pessoa jurdica contratante do servio de transporte areo e a transportadora, tendo por objeto o transporte de lote de peas de reposio de propriedade daquela.2 - REsp. 286.441/RS, Rei. Min. Antonio de Pdua Ribeiro, Rei. p/ac. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, maioria, DJ 03/02/2003, o qual considerou existir relao de consumo entre Transroll Navegao S/A e Outro e Faprol Indstria de Alimentos Ltda., por ser esta adqurente e destinatria final do servio de transporte martimo prestado por aquela, tendo por objeto o transporte internacional de coaiho alimentcio em p: No caso presente, a recorrente contratou o servio da transportadora, detentora do navio, encerrada a relao de consumo com a efetivao do transporte. O que feito com o produto transportado no tem, a meu ver, peso algum na definio de quem foi o destinatrio final do servio de transporte .3 - REsp. 488.274/MG, Rei. Min*. Nancy Andrgh, Terceira Turma, unnime, DJ 23/06/2003, a qual considerou existir relao de consumo entre Pastifcio Santa Amlia Ltda e Baan Brasil Sistemas de Informtica Ltda., porquanto aquela adquiriu, como destinatria final, programas de computador distribudos por esta, com o intuito de melhor gerenciar o seu estoque de produtos: Extrai-se dos autos que a recorrente qualificada como destinatria final, j que se dedica produo de alimentos e que se utiliza dos servios de software, manuteno e suporte oferecidos pela recorrida, apenas para controle interno de produo. Deve-se, portanto, distinguir os produtos adquiridos pela empresa

    DIREITO DO CONSUMIDOR 17

  • Art. 2a

    A expresso 'destinatrio final, constante da parte final do art. 2S do Cdigo de Defesa do Consumidor, alcana o produtor agrcola que compra adubo para o preparo do plantio, medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, no sendo objeto de transformao ou beneficiamento'(STJ, REsp. 208793/MT, D J01/08/2000, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

    Percebe-se, portanto, que dois so os posicionamentos acerca do conceito de consumidor: um mais restrito - doutrina finalista - e outro mais amplo - doutrina maximalista.

    Para os finalistas, o agigantamento do universo de aplicao do CDC acarretaria o desprestgio do fim especial visado pelo legislador, reforando, em contrapartida, a tutela dos profissionais que, quando eventualmente atuassem como consumidores, possuiriam privilgios especiais excedentes s do direito comum.

    Segundo Cludia Lima Marques, para a exata definio de consumidor e delimitao de abrangncia de aplicao do CDC nas relaes contratuais, seria necessrio fazer uma interpretao teleolgica da regra do art. 2fi com o sistema tutelar consumerista, buscando a ratio principal da norma. Para tanto, de acordo com a autora, destinatrio final, para efeitos de definio do conceito de consumidor, seria somente aquele que, segundo o art. 4a, fosse reconhecido como vulnervel numa relao contratual, pois somente esses merecem receber a tutela especial do CDC.

    que so meros bens de utilizao interna da empresa daqueles que so, de fato, repassados aos consumidores .4 - REsp. 468.148/SP, Re!. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, unnime, DJ 28/10/2003, o qual considerou ser consumidora a pessoa jurdica SBC Servios de Terraplanagem Ltda., ao adquirir crdito bancrio para a compra de tratores a serem utilizados em sua atividade econmica.5 - REsp. 445.854/MS, Rei. Min. Castro Filho, Terceira Turma, unnime, DJ 19/12/2003, o qual considerou ser consumidor o agricultor Francisco Joo Andrighetto, ao adquirir crdito bancrio para a compra de colheitadeira a ser utilizada em sua atividade econmica.6 - REsp. 235.200/RS, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 04/12/00, REsp. 248424/RS, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 05/02/01 e REsp. 263721// MA, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 09/04/01, o qual reconheceu a existncia de relao de consumo em contrato de arrendamento mercantil, ainda que o arrendatrio, pessoa jurdica ou no, utilize o bem, como destinatrio final, para o desenvolvimento de sua atividade econmica.7 - REsp. 263.229/SP, Rei. Min. Jos Delgado, Primeira Turma, unnime, DJ 09/04/2001, o qual considerou ser a pessoa jurdica Golfinho Azul Indstria, Comrcio e Exportao Ltda. consumidora dos servios de fornecimento de gua, prestados pela SABESP, para a utilizao em sua atividade econmica, a produo pesqueira:"A recorrente, na situao em exame, considerada consumidora porque no utiliza a gua como produto a ser integrado em qualquer processo de produo, transformao ou comercializao de outro produto. O fornecimento de gua para o fim especfico de ser consumida pela empresa como destinatria finai, utilizando-a para todos os fins de limpeza, lavagem e necessidades humanas. O destino final do ato de consumo est bem caracterizado, no se confundindo com qualquer uso do produto para intermediao industrial ou comercial.

    18 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. 2a

    Para a autora, trs tipos de vulnerabilidades so identificveis: a tcnica, a jurdica (ou cientfica) e a ftica (ou scio-econmica).

    Resumidamente, a vulnerabilidade tcnica seria aquela na qual o comprador no possui conhecimentos especficos sobre o produto ou o servio, podendo, portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratao.

    Avulnerabilidade jurdica seria a prpria falta de conhecimentos jurdicos, ou de outros pertinentes relao, como contabilidade, matemtica financeira e economia.

    J a vulnerabilidade ftica a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrncia do grande poderio econmico deste ltimo, seja pela sua posio de monoplio, ou em razo da essencialidade do servio que presta, impondo, numa relao contratual, uma posio de superioridade.

    O STJ tem considerado o consumidor-muturio do Sistema Financeiro da Habitao (SFH) como vulnervel faticamente frente ao agente financeiro:

    Nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitao h de se reconhecer a sua vinculao, de modo especial, alm dos gerais, aos seguintes princpios especficos: a) o da transparncia, segundo o qual a informao clara e correta e a lealdade sobre as clusulas contratuais ajustadas, deve imperar na formao do negcio jurdico; b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formao dos contratos, alm de serem obrigatrias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de atendimento s necessidades do muturio, garantindo-lhe o seu direito de habitao, sem afetar a sua segurana jurdica, sade e dignidade; c) o de que h de ser considerada a vulnerabilidade do muturio, no s decorrente da sua fragilidade financeira, mas, tambm, pela nsia e necessidade de adquirir a casa prpria e se submeter ao imprio da parte financiadora, econmica e financeiramente muitas vezes mais forte; d) o de que os princpios da boa-f e da equidade devem prevalecer na formao do contrato.(STJ, REsp. 85.521/PR, Rei. Min. Jos Delgado, D!03/06/1996).

    Caso interessante julgado pelo STJ, que demonstra muito bem o exame detalhado e profundo da noo de vulnerabilidade, in concreto, para se admitir a aplicao do CDC, foi o ajuizamento de ao de indenizao por um hotel contra a empresa distribuidora de gs, com o escopo de se ressarcir de prejuzos decorrentes da impossibilidade de usufruir as sobras de gs remanescentes em recipientes. O hotel alegava que as sobras de gs eram devolvidas distribuidora, ante a inviabilidade de utilizao do produto at o final, diante de circunstncias fsicas especficas do produto e da forma de acondicionamento, fato que gerava um dano contnuo e sistemtico. O STJ, atravs da lavra da Mina. NancyAndrighi, ao analisar a noo de vulnerabilidade na relao entre o hotel e a distribuidora de gs, entendeu pela aplicao do CDC.

    Apontou a Ministra que seja por reconhecimento da vulnerabilidade da pessoa jurdica empresria, em face da suprema necessidade do bem para o exerccio da atividade hoteleira (vulnerabilidade ftica), da natureza adesiva

    DIREITO 00 CONSUMIDOR 19

  • Art. 2a

    do contrato de compra e venda estabelecido (vulnerabilidade jurdica), e da impossibilidade de extrao total do produto dos botijes (vulnerabilidade tcnica); ou sejapor equiparao, em razo da exposio da sociedade empresria s prticas comerciais abusivas, o CDC deve ser aplicado hiptese, ainda que por fundamentos diversos daqueles esposados pelo acrdo recorrido."2829

    Alguns casos ainda geram divergncias. Discute-se se as pessoas jurdicas seriam vulnerveis frente s empresas prestadoras de servios pblicos, como energia eltrica e gua, em razo da dependncia e necessidade do servio para atividade empresria e em razo da posio de monoplio exercido pelas empresas concessionrias, o que geraria, a priori, uma vulnerabilidade ftica.

    O STJ no vem aplicando a vulnerabilidade presumida. Mesmo nas hipteses de servios pblicos essenciais, faz anlise do caso para se perquirir pela vulnerabilidade da empresa e assim possibilitar a aplicao do CDC. Ou seja, no h vulnerabilidade simplesmente por estar diante de servio pblico essencial. necessria a anlise de outros fatos.

    Nesse sentido, o STJ j considerou relao de consumo entre uma empresa que comercializa pescados e a empresa prestadora de fornecimento de gua (STJ, REsp. 263229/SP, Rei. Min. Jos Delgado, D] 09/04/2001). Por outro lado, no considerou relao de consumo, por faltar o requisito da vulnerabilidade, nas empresas que utilizam servio de energia eltrica (REsp. 661145/ES, Min. Jorge Scartezzini, D] 28/03/2005) e telefonia (STJ, REsp. 660026/RJ, Min. Jorge Scartezzini, 15/27/06/2005).

    Recentemente, Cludia Lima Marques ainda aponta outro tipo de vulnerabilidade: a informacional. Embora reconhea-a como espcie de vulnerabilidade tcnica, a autora d destaque necessidade de informao na sociedade atual. Para ela, as informaes esto cada vez mais valorizadas e importantes e, em contrapartida, o dficit informacional dos consumidores est cada vez maior. Assim, de modo a compensar este desequilbrio, deve o fornecedor procurar dar o mximo de informaes ao consumidor sobre a relao contratual, bem como sobre os produtos e servios a serem adquiridos.

    Nesse sentido, hoje em dia, algumas informaes no podem deixar de acompanhar a relao de consumo, seja sendo prestada de forma clara e precisa pelo fornecedor diretamente ao consumidor, seja acompanhando o produto nas embalagens.

    Amparando tal necessidade, foi editado o Decreto na 4.680, de 24/04/2003, substituindo o Decreto na 3,871/2001, regulamentando o direito informao quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo

    28 STJ, REsp. 476428/SC, Mina. Nancy Andrighi, DJ 09/05/2005.29 Este jugado foi objeto de dois concursos pblicos recentes: prova subjetiva do TJ/MG em 2007 e do MP/RR - 2008, elaboradas pelo CESPE.

    20 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Art. 2a

    humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem prejuzo do cumprimento das demais normas aplicveis."

    De outra forma, a jurisprudncia ter um papel fundamental para suprir, nos dizeres de Cludia Lima Marques, este dficit informacional do consumidor.

    Em alguns casos, o STJ j tem reconhecido a necessidade:

    "CARTO DE CRDITO. Contrato. Reviso. Dever de inform ao da Administradora. Cdigo de Defesa do Consumidor. possvel a reviso de contrato de carto de crdito, cabendo Administradora informar o juzo sobre os valores, sua origem, taxas de juros, comisses, despesas, e o mais que interessa para que se tenha a noo exata dos critrios segando os quais est sendo executado o contrato de adeso. Recurso conhecido e provido, a fim de cassar a sentena e reabrir a instruo, determinando-se Administradora que informe o juzo sobre os elementos de que dispe acerca do contrato objeto da demanda (STJ, REsp. 438700/RJ, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, D/26/05/2003).

    Assim, a vulnerabilidade seria o marco central para que se aplicassem as regras especiais do CDC, que visariam, principalmente, fortalecer aparte que se encontra em inferioridade, restabelecendo o equilbrio contratual. Destinatrio final para o art. 2e somente poderia ser aquele que se encontra vulnervel, o que somente poder ser averiguado no caso concreto pelo juiz, fazendo com que, mesmo aquele que no preenchesse os requisitos de destinatrio final econmico do produto ou servio pudesse ser abrangido pela tutela especial do Cdigo.

    Concluindo, a ilustre autora adota a Teoria Finalista, mas a relativiza, pois admite excees ao seu campo de aplicao quando a pessoa fsica ou jurdica apresentar uma vulnerabilidade capaz de provocar desequilbrio na relao contratual.30

    Com o novo Cdigo Civil, a Teoria Finalista ganha fora, uma vez que adotou, assim como o CDC, vrios princpios e clusulas gerais que, por si ss, so suficientes para harmonizar e equilibrar as relaes entre dois empresrios ou entre dois consumidores. Assim, no mais h necessidade de se recorrer ao

    30 Exemplificando, o STJ vem reiteradamente afastando a incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor quando h aquisio, por pessoa jurdica ou no, de equipamentos hospitalares de valor vltoso, motivo que, em tese, afastaria vulnerabilidade dos adquirentes: Na compra e venda de sofisticadssimo equipamento destinado realizao de exames mdicos - levada a efeito por pessoa jurdica nacional e pessoa jurdica estrangeira - prevaiece o foro de eleio, seja ou no uma relao de consumo (STJ, CC 32.270/SR Rei. Min. Ari Pargendler, Segunda Seo, DJ 11/03/2002).No mesmo sentido: A jurisprudncia do STJ tem evoiudo no sentido de somente admitir a apiicao do CDC pessoa jurdica empresria excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparao, nas situaes previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC. - Mesmo nas hipteses de aplicao imediata do CDC, a jurisprudncia do STJ entende que deve prevalecer o foro de eleio quando verificado o expressivo porte financeiro ou econmico da pessoa tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes. - lcita a clusula de eleio de foro, seja pela ausncia de vulnerabilidade, seja porque o contrato cumpre sua funo social e no ofende boa-f objetiva das partes, nem tampouco dele resulte inviabilidade ou especial dificuidade de acesso Justia (STJ, REsp. 684613/SR Rei3. Min. NancyAndrighi, Terceira Turma, DJ 21 /Q6/2005, DJU 01/07/2005).

    DIREITO 0 0 CONSUMIDOR 21

  • Art. 2a

    CDC, ampliando o conceito de consumidor (Teoria Maximalista), para buscar o equilbrio nas relaes comerciais. O prprio Cdigo Civil capaz disso.

    Recentemente, o STJ superou a discusso acerca do alcance da expresso destinatrio final constante do art. 2a do CDC, consolidando a Teoria Finalista como aquela que indica a melhor diretriz para a interpretao do conceito de consumidor, admitindo, entretanto, certo abrandamento dessa teoria quando se verificar uma vulnerabilidade no caso concreto, nos mldes do pensamento de Cludia lima Marques. Pela importncia do tema, transcrevo parte do voto da Min4. Nancy Andrighi no REsp. 476428/SC, publicado no dia 09/05/2005:

    Para se caracterizar o consumidor, portanto, no basta ser, o adquirente ou utente, destinatrio final ftico do bem ou servio: deve ser tambm o seu destinatrio final econmico, isto , a utilizao deve romper a atividade econmica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, no podendo ser reutilizado, o bem ou servio, no processo produtivo, ainda que de fornia indireta. Nesse prisma, a expresso destinatrio final" no compreenderia a pessoa jurdica empresria.Por outro lado, a jurisprudncia deste STJ, ao mesmo tempo que consagra o conceito finalista, reconhece a necessidade de mitigao do critrio para atender situaes em que a vulnerabilidade se encontra demonstrada no caso concreto. Isso ocorre, todavia, porque a relao jurdica qualificada por ser de consumo no se caracteriza pela presena de pessoa fsica ou jurdica em seus polos, mas pela presena de uma parte vulnervel de um lado (con su m id o r), e de um fornecedor, de outro. Porque essncia do Cdigo o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, princpio-motor da poltica nacional das relaes de consumo (art. 4, I).Em relao a esse componente informador do subsistema das relaes de consumo, inclusive, no se pode olvidar que a vulnerabilidade no se define to somente pela capacidade econmica, nvel de informao, cultura ou valor do contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda ser vulnervel pela dependncia do produto; pela natureza adesiva do contrato imposto; pelo monoplio da produo do bem ou sua qualidade insupervel; pela extremada necessidade do bem ou servio; pelas exigncias da modernidade atinentes atividade, dentre outros fatores.Por isso mesmo, ao consagrar o critrio finalista para interpretao do conceito de consumidor, a jurisprudncia deste STJ tambm reconhece a necessidade de, em situaes especficas, abrandar o rigor do critrio subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relaes entre fornecedores e consumidores-empresrios em que fique evidenciada a relao de consumo, isto , a relao formada entre fornecedor e consumidor vulnervel, presumidamente ou no. Cite-se, a respeito, recente precedente da 4a Turma, pioneira na adoo do critrio finalista: o REsp. 661.145, de relatoria do Min. Jorge Scartezzini, j. 22/02/2005, do qual transcrevo o seguinte excerto, porque ilustrativo:"Com vistas, porm, ao esgotamento da questo, cumpre consignar a existncia de certo abrandamento na interpretao finalista, na medida

    22 LEONARDO OE MEDEIROS GARCIA

  • Art. 2a

    em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrada in con creto a vulnerabilidade tcnica, jurdica ou econmica, a aplicao das normas do Cdigo de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais. Quer dizer, no se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou no, do bem ou servio; apenas, como exceo, e vista da hipossuficincia concreta de determinado adquirente ou utente, no obstante seja um profissional, passa- se a consider-lo consumidor.

    Cludia Lima Marques31, ao analisar o novo posicionamento do STJ, inclusive apontando exemplos interessantes que ajudam a ilustrar a aplicao do princpio da vulnerabilidade, destaca que "em casos difceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produo, mas no em sua rea de expertise ou com uma utilizao mista, principalmente na rea de servios; provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinao final de consumo prevalente. Assim, por exemplo, um automvel pode servir para prestar os servios da pequena empresa, comprado ou em leasing, mas tambm o automvel do consumidor. Ou, de forma semelhante ao caso francs do sistema de alarme, uma empresa de alimentos contrata servios de informtica, que no sero usados em sua linha de 'produo' a no ser indiretamente, e a jurisprudncia tende a considerar estes usurios mistos, ou consumidores finais diretos, como consumidores, uma vez que a interpretao da dvida sobre a destinao final e sobre sua caracterizao resolvida, de acordo com os arts. 4Q, I e 47 do prprio CDC, a favor do consumidor. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critrio finalista e subjetivo, expressamente a equiparao do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurdica que comprova ser vulnervel e atua fora do mbito de sua especialidade, como hotel que compra gs.

    Importante ressaltar que o CDC contemplou expressamente tambm como consumidor as pessoas jurdicas e o fez justamente para estancar qualquer tipo de discusso que pudesse surgir com relao sua incluso no sistema, No caso concreto, a pessoa jurdica pode agir como consumidor comum e sua proteo reflete grande avano na sociedade modema.

    Maria Antonieta Zanardo Donato32 ensina que a lei, ao incluir a pessoa jurdica no conceito de consumidor, pretendeu referir-se quela pessoa jurdica que, mesmo sendo fornecedora, ao inserir-se no polo ativo da relao jurdica de consumo, na qualidade de 'consumidor-destinatrio final, estaria a faz-lo como qualquer outro consumidor, ou seja, sem possuir qualquer poder de barganha sobre seu fornecedor, estando a aceitar as clusulas contratuais impostas sem que lhe fosse conferida a possibilidade de discutir seu contedo; enfim, encontrar-se-ia revestido com a mesma vulnerabilidade que qualquer pessoa

    31 Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. 2a ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 85.32 Proteo do Consumidor - Conceito e extenso. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.1Q4.

    DIREITO DO CONSUMIDOR 23

  • Art.22

    comum se encontraria ao realizar aquele mesmo contrato, apresentando-se, nessa relao de consumo, o mesmo desequilbrio que se apresentaria se fosse realizado por qualquer outro consumidor-vulnervel.

    Interessante notar que a vulnerabilidade do consumidor pessoa fsica presumida pelaiei, enquanto que a dapessoa jurdica deve ser demonstrada no caso concreto.

    Por fim, o pargrafo nico equipara o consumidor coletividade de pessoas, determinveis ou indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo. necessrio, portanto, que a coletividade de pessoas tenha participado, de alguma forma, da relao de consumo. Ao contrrio, o art. 29 no exige tal requisito, bastando que a coletividade se encontre, potencialmente, na iminncia de sofrer algum dano, como por exemplo, a exposio publicidade enganosa.

    Assim, as pessoas de uma casa que sofreram dano decorrente da utilizao de algum produto contaminado comprado por apenas um deles, embora no possam ser caracterizadas como consumidores strcto sensu, equiparam-se a consumidor, beneficiando-se das normas protetivas do CDC.

    Desse modo, o CDC equipara a coletividade lesada ao consumidor stricto sensu, viabilizando a tutela dos interesses difusos e coletivos, cujos direitos podem ser defendidos pelos rgos legitimados para tal funo (art. 82).

    Tambm verificaremos, mais adiante (arts. 17 e 29), duas situaes em que h a equiparao a consumidor stricto sensu ou standard.

    Pontos Importantes:Desse modo, atente-se ao fato de que, no art. 2S, caput, temos a definio

    de consumidor stricto sensu ou standard, e nos arts. 2a pargrafo nico, 17 e 29, a de consumidores equiparados.

    Consumidor stricto sensu ou standardConsumidor toda pessoa Ssica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final (art. 22, caput)

    Consumidor equiparado

    A coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo (art. 2a, pargrafo nico)Todas as vtimas de danos ocasionados pelo fornecimento de produto ou servio defeituoso (art. 17)Todas as pessoas determinveis ou no, expostas s prticas comerciais ou contratuais abusivas (art 29)

    24 LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA

  • Arts. 2a e 3

    Jamais deve-se esquecer, assim, que consumidor, segundo o CDC, no somente a pessoa fsica, mas tambm a pessoa jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final; e tambm a coletividade de pessoas, ainda que ineterminvel, que intervenha nas relaes de consumo.

    Doutrinariamente, duas correntes se formaram a respeito do conceito de consumidor: finalistas e maximalistas.

    A jurisprudncia do STJ, ao mesmo tempo que consagra o conceito finalista, reconhece a necessidade de mitigao do critrio para atender situaes em que a vulnerabilidade se encontra demonstrada no caso concreto (teoria finalista mitigada).

    PRINCIPAIS JURISPRUDNCIAS E INFORMATIVOS DO STF E STJ Sobre a conceituao de consumidor e aplicao do CDC - conferir as

    jurisprudncias do art. 3a.

    Art. 3fi Fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios. lfi Produto qualquer bem, mvel ou imdvel, material ou imateriaL 2a Servio qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes das relaes de carter trabalhista.

    O Cdigo optou por dar mxima amplitude ao conceito de fornecedor, mas somente contemplou aqueles que participam do fornecimento de produtos e servios no mercado de consumo, de modo a satisfazer s demandas dos consumidores no exerccio habitual do comrcio. Desse modo, estariam excludas da tutela consumerista os contratos firmados entre dois consumidores no profissionais ou com o comerciante que no atue em sua atividade-fim, por no faz-lo com habitualidade, aplicando a estes, o Cdigo Civil.

    A chave para se encontrar a figura do fornecedor est na expresso desenvolvem atividade". Ou seja, somente ser fornecedor o agente que pratica determinada atividade com habitualidade. Nesse sentido, quando a escola oferece33 Ou nos dizeres de Cludia Lima Marques: interpretao finalista aprofundada.

    DIREITO DO CONSUMIDOR 25

  • Art. 3a

    cursos no gratuitos no mercado, porpraticar (desenvolver) aatividade de ensino, ser consideradafomecedor. Agora, quando essa mesma escolaresolve vender o veculo que serve para transportarprofessores, no estar atuando com habitualidade, pois no desenvolve a atividade de compra e venda de veculos. Nesse caso, ainda que se tenha do outro lado uma pessoa fsica adquirindo o veculo, a escola no ser considerada fornecedora, no se estabelecendo, portanto, uma relao de consumo.

    De modo semelhante, o STJ j decidiu que agncia de viagem, quando vende veculo prprio, no atua como fornecedor, j que compra e venda de veculos no faz parte da atividade comercial da empresa.

    As normas do Cdigo de Defesa do Consumidor no se aplicam s relaes de compra e venda de objeto totalme