Leio que no Rio Grande do Sul uma delegada de polcia defendida por seis defensores pblicos, que, segundo diz o Ministrio Pblico que est processando os referidos defensores por improbidade administrativa foram ao encontro da policial para lhe oferecer os servios da instituio. A prpria delegada confirmou que foi contatada por um defensor pblico, que afirmou que a defensoria entendia que a delegada estava sendo vtima de perseguio pelo MP. Isso est nos autos. E isso no um detalhe menor: a coluna mete a mo num vespeiro e qualquer tropeo na narrativa pode dar em confuso.Mas, como tudo comeou? A polmica comeou em agosto de 2012, quando a delegada Ana Luza Caruso se negou a lavrar o flagrante suspeitos de trfico detidos durante uma operao do MP com o apoio da Brigada Militar. Seu argumento: MP no pode investigar. Simples assim. E ela quem decidiu isso. E, claro, foi processada por isso. E foi defendida por seis defensores pblicos. J tinha advogado constitudo, abandonou-o, expressamente revogou o mandato antes concedido (est l no processo) e preferiu os seis defensores pblicos. o relatrio!Ab initio, a delegada e os defensores no poderiam ignorar a lei e o que se diz sobre esta e a prpria Constituio. Com efeito, no RS todos sabemos: No que a Defensoria ela seja impedida de defender servidores pblicos; ela est proibida de defender pessoas que no necessitem da sua assistncia, por disporem de recursos suficientes; a includos, caso a caso, os servidores pblicos isso fica mais claro ao longo da coluna, mas importante no dar margem a mal entendidos. E no sou eu quem diz. o Supremo Tribunal Federal. Leiamos:ADI 3022-RS. Art. 45 da Constituio do RS. Alnea a do anexo II da LC 9.230/91-RS. Atribuio, defensoria pblica, da defesa de servidores pblicos estaduais processados civil ou criminalmente em razo de ato praticado no exerccio regular de suas funes. Ofensa ao art. 134 da CF. (...) 2. Declarao da inconstitucionalidade da expresso "bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razo do exerccio de suas atribuies funcionais", contida na LC 9.230.(...) 3. (...) 4. Ao julgada parcialmente procedente.Embora o STF j tenha dito tudo isso, a Defensoria insiste que o conceito de hipossuficincia no de insuficincia de recursos e, sim, organizacional. Mas, o que seria isto, a hipossuficincia organizacional? Ao que consta, a ideia seria () estender a legitimidade para a defesa de grupos que seriam naturalmente desorganizados (usurios de planos de sade, consumidores etc.). Ora, o conceito de Ada Grinover concorde-se ou no no se aplica ao caso em discusso. O conceito dela no abarca casos individuais desse jaez. Mas, dando de barato e trabalhando com ela, o fato que ela deve ser harmonizada ao que diz a CF (e, na leitura do STF, a CF casualmente a lei maior do pas fala em insuficincia de recursos vou repetir o que diz a CF: aos-que-comprovarem-insuficincia-de-recursos. Quem tem dvida acerca dos limites semnticos e do significado desse enunciado? Bingussimo. No mais, o dado que um conceito jurdico indeterminado (conceito nibus) como esse, vago, no pode ser utilizado como escudo, como libi para que a DPE escolha seus assistidos. Para ser bem claro: Ou bem o sujeito tem o DIREITO de ser atendido pela DPE (e a instituio, em contrapartida, tem o dever de assistncia), ou bem no o tem. a coisa do having a right e do have a duty to. No h discricionariedade aqui. No se pode escolher o assistido (como se faz no RJ, em que a hipossuficincia fica ao alvedrio de cada defensor). A atuao casusta e no universalizvel por definio. Todos ns, nesse conceito elstico, compomos algum grupo naturalmee desorganizado. Outro lance : que tipo de desorganizao expe o indivduo violao de umeito humano?Para ser bem simples: A Defensoria pode defender qualquer pobre na Repblica. Sendo ele servidor ou no, desde que comprove (sim, comprove) a insuficincia de recursos. O que um (ou seis) defensor(es) no pode(m) defender quem no hipossuficiente.Chamemos o Chapolin ColoradoEm um pas carente de recursos, como possvel que a Defensoria se d ao luxo de deslocar recursos e energias representados por seis competentes agentes para a defesa de algum que no hipossuficiente (vejam o que escrevi acima: no foi bem isto o que ocorreu?)? Ou um delegado de polcia hipossuficiente? Ento um prefeito tambm . E um deputado? E um promotor? E um juiz? Esto de brincadeira? a srio isso?Seria implicncia minha, como diriam alguns defensores? O leitor e o contribuinte de Pindorama que decidam...! Ah: posso criar um paradoxo? Se a hipossuficincia no de recursos (pobreza), e, sim, organizacional (sabe-se l o que este conceito nibus quer dizer), por que os prprios seis defensores ora noticiados na ao de improbidade no so defendidos por um ou mais defensores pblicos? Pergunta que no quer (e no pode) calar: Qual o critrio para dizer que defensor pblico no hipossuficiente e delegado ? Seria o mesmo critrio para dizer que o cara da "lava jato", diretor de grande empresa, hipossuficiente? por que ? Porque sim?E, permito-me insistir neste ponto: um pas em que delegado de polcia considerado hipossuficiente... sai pr l. Chamemos o Chapolin Colorado para nos defender. O que resta para os demais brasileiros? Duvido que a maior parte dos defensores do pas concorde com o que foi feito na terrae gauche. Duvido tambm que a maior parte dos defensores concorde com essa coisa chamada de defensoria como poder popular (sic)... que est sendo defendido por a. Se isso vingar, tenho medo que logo surjam milcias jurdicas atuando Pindorama a fora. Sero os para-legais jurdicos, aqueles-que-ficam-de-fora-do-botim-estatal. O que me dizem?Pindorama no vai nada bem. Quando se trata da coisa pblica, somos generosos... com o dinheiro da malta. Por isso, os liberais e conservadores de Pindorama esto at aqui com a mquina pblica e os seus gastos desmesurados. Um dia isso tudo explode. E tenho de dar razo a eles. Por que tudo que do poder pblico tratado de forma to fcil(itada)? Um cidado comum jamais teria mais de um defensor (pblico). Mas uma policial tem... seis. Uau! Calculemos: na medida em que cada defensor recebe o salrio de um juiz, so mais de R$ 100 mil por ms dedicados defesa da doutora delegada (idem ao que adverti acima sobre hipossuficincia). Baita privilgio, no? Quem no quer isso? Fechemos os escritrios de advocacia. Todos queremos ser atendidos pela Defensoria. Somos todos hipossuficientes organizacionais de um modo ou de outro (nous sommes tous hyposufficient organisationnelle, algo como Tout vas trs bien, madame Marquise, dizia a malta enquanto o castelo da Marquesa pegava fogo). E com prazos em dobro! Telefonei para um amigo meu na Alemanha e ele disse.... Bem, impublicvel. Porque no acreditava. Nem o mais rico ru da Lava Jato paga mais de R$ 100 mil por ms ao seu causdico. isso. Curto e grosso. Tudo o mais o que penso sobre o papel (relevante) da Defensoria no sentido de que ela deve obedecer a Constituio e se restringir representao de hipossuficientes que comprovem essa condio j o fiz em outras Colunas e textos (mesmo que a DP possa fazer ao civil pblica, isso no derrogou o dispositivo da CF que exige a comprovao da hipossuficincia como fazer isso no bojo de uma ACP? No sei. O STF que resolva; foi ele que pariu Mateus; o tempo que dir o rolo que isso ainda causar parece que tudo em Pindorama est virando estatal; seria o sinuelo do socialismo?). No vou me repetir aqui. importante registrar que, juntamente com o MP, a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul expediu recomendao para que a DP limite sua atuao ao atendimento dos necessitados e que comprovarem insuficincia de recursos materiais. Ainda, habilitou-se na ACP como amicus curiae em defesa das prerrogativas dos advogados, protegendo o seu sustento e de suas famlias. Correta a OAB-RS pela coragem de optar pela legalidade constitucional, mesmo que isso possa parecer, nestes tempos bicudos, antiptico.Vamos ver como a justia gacha tratar desse assunto (sim, sei que em uma deciso, o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul disse que hipossuficiente organizacional mas essa deciso inconstitucional, porque a CF no foi alterada nem revogada ainda no mnimo, esse conceito interpretativo deve levar em conta toda a malha conceitual e normativa que o antecede, e que justifica e institucionaliza a Defensoria enquanto agncia encarregada da democratizao do acesso justia, dando voz e vez a quem no a tinha, por... ausncia de recursos!). Espero que desta vez o TJ-RS leia corretamente a Constituio e as leis. Pindorama no pode pensar que (j) vivemos em um sistema socialista, em que tudo sai das costas da combalida viva. Em Pindorama, o esquema ttico retranca: preferimos investir mais na defesa que no ataque...se entendem o que quero dizer.O absurdo chamado pelo prprio nomeLembram que semana passada falei sobre os acertos por acaso? Tratei de Dworkin e vimos, de novo, que questes jurdicas no so questes morais ou teleolgicas. E que opinies coloquiais, o senso comum etc, por vezes coincidem (como um relgio quebrado) com a verdade. o caso. uma afronta no ao senso comum apenas, mas ao bom senso mesmo, que todos ns paguemos pela defesa individual de uma Delegada de Polcia. Entendam: no estou dizendo que o Ministrio Pblico tem razo integral, e que se est diante de um ato de improbidade administrativa (coisa que decorreria do desvio de finalidade da atuao da Defensoria). Deixo esse juzo para ser feito por quem de direito, nos autos, em contraditrio, na forma da lei e da CF. Meu argumento : juridicamente, um absurdo (e o absurdo deve ser chamado pelo nome) o stretch interpretativo feito para abarcar uma situao como essa num caso de hipossuficincia. Politicamente, tambm! Ou seja, como justificar publicamente, em meio ao amplo debate sobre os limites do Estado Social, sobre o custo dos direitos e tal (ou no estamos todos de acordo que mesmo o direito a sade, para ficar apenas neste, deve ter algum limite, j que no podemos dar assistncia integral a toda comunidade?), o emprego de recursos pblicos para amparar uma situao de necessidade, no mnimo, questionvel?H alguns dias escrevi aqui sobre a necessidade de termos mais Creonte e menos Antgona em Pindorama. Historicamente interpretou-se que o interesse particular e privado de Antgona pudesse se contrapor ao direito de todos, o direito da polis. Antgona parece que era adepta de certo esquerdismo, uma doena infantil denunciada por Lenin nos anos 20 do sculo XX. Equivoco. Quem estava certo era Creonte e neste ponto concordo com Sergio Buarque de Holanda, que mostra como a nossa opo por Antigona foi um tiro no p. Um desastre. Basta ver como a Cmara dos Deputados reservou, no meio do ajuste fiscal, nada menos que R$ 1 bi para fazer mais um prdio. Pobre polis pindoramense. O patrimonialismo de Pindorama est ancorado no direito fofinho de Antigona (hoje temos direito a ter trs pais, duas ou trs mes, tudo em nome de afetividade e outros quetais que no possuem normatividade; amante ganha a metade da herana; faz-se usucapio de terras pblicas; polticos do declarao sentido pena do jovem que esfaqueou o mdico no RJ; concede-se trs meses a mais de auxilio maternidade para quem tem trigmeos; solta-se 21 presos com base em argumentos morais-polticos; juiz de direito, com curso de doutorado, diz que, se tiver que fundamentar de acordo com o artigo 489 do novo CPC, vai se mudar para o Zimbawe, etc). Pois . Antgona venceu! E ns perdemos. Aqui, de minha trincheira, digo: O que precisamos a firmeza no trato da coisa pblica de Creonte. Nossa opo por Antgona ainda vai nos destruir. Alis, se que j no nos destruiu.Uma metfora final, para entender as razes de Pindorama.Um amigo mandou-me um clculo que fez. Comprou um saquinho de organo de 3g por R$ 1,99. Barato, no? Lego engano. O quilo sai por incrveis R$ 633,33. Todos nos enganam fazendo essas embalagens pequenas e fazendo parecer que barato e bom. E vo comendo pelas beiradas... Esgarando aos poucos. Tinta para impressora parece barato... Vendida em pequenssimas pores. Fosse por quilo, duvido que algum compraria. Custa R$ 13,5 mil. Bom, a champagne Veuve Clicquot custa s R$ 1,29 por mililitro... Quem entendeu a metfora e me explic-la amide, mande email para lenios@globomail.com. Os que derem as trs melhores respostas, ganharo livros mandem junto o endereo postal com CEP para, se vencedores, receberem via correio.