lenin imperialismo navegando ebook

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    V  .     I  .     L      Ê     N     I     N O IMPERIALISMO ETAPA SUPERIOR DO CAPITALISMO APRESENTAÇÃO SÉRIE POR QUE VOLTAR A LÊNIN?  IMPERIALISMO, BARBÁRIE  E REVOLUÇÃO Plínio de Arruda Sampaio Júnior Coord. José Claudinei Lombardi NAVEGANDO p u b l i c a ç õ e s

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  • V.

    I. L

    N

    IN O IMPERIALISMO

    ETAPA SUPERIOR

    DO CAPITALISMOAPRESENTAO

    SRIE

    POR QUE VOLTAR A LNIN?

    IMPERIALISMO, BARBRIE

    E REVOLUOPlnio de Arruda Sampaio Jnior

    Coord. Jos Claudinei Lombardi

    NAVEGANDOp u b l i c a e s

    9 7 8 8 5 7 7 1 3 1 2 6 6

  • V. I. Lnin

    O IMPERIALISMO, ETAPA O IMPERIALISMO, ETAPA O IMPERIALISMO, ETAPA O IMPERIALISMO, ETAPA SUPERIOR DO CAPITALISMOSUPERIOR DO CAPITALISMOSUPERIOR DO CAPITALISMOSUPERIOR DO CAPITALISMO

    APRESENTAO

    POR QUE VOLTAR A LNIN? IMPERIALISMO, BARBRIE E REVOLUO Plnio de Arruda Sampaio Jnior

  • OImperialismo,EtapaSuperiordoCapitalismoEdio Eletrnica (ebook) com apresentao de Plnio de ArrudaSampaioJnior.AutorVladimirIlitchLninApresentaoPorqueVoltaraLnin?Imperialismo,BarbrieeRevoluo.PlniodeArrudaSampaioJniorCapaCriao usando elementos do pster sovitico O Camarada LninVarre a Escria da Terra, de Mikhail Cheremnykh e Viktor Deni,novembrode1920.FtimaFerreiradaSilvaGustavoBolligerSimesDiagramaoeComposio

    FtimaFerreiradaSilvafatima@letraseimagens.com.brGustavoBolligerSimesgustavo@letraseimagens.com.brSrie

    CoordenadorJosClaudineiLombardiwww.navegandopublicacoes.netnavegandopubl@gmail.com

    ProduoEditorial

    CampinasBrasil2011

  • SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO

    Apresentao

    Por que Voltar a Lnin? Imperialismo, Barbrie e Revoluo

    1. Introduo ......................................................................................................................... 7

    2. Em busca da totalidade ............................................................................................. 17

    3. A teoria do imperialismo de Lnin ........................................................................ 30

    4. O pensamento de Lnin em seu movimento concreto ................................... 49

    Teoria da Revoluo Russa I

    Desenvolvimento capitalista e as vias da revoluo burguesa .. 50

    Os fundamentos tericos do partido bolchevique ........................... 55

    Teoria da Revoluo Russa II

    Imperialismo x Socialismo ......................................................................... 60

    Revoluo socialista e os desafios da transio ..................................... 80

    Lnin e as surpresas da Histria ................................................................... 88

    5. Observaes Finais ....................................................................................................... 95

    Bibliografia ....................................................................................................................... 102

    O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo

    Prefcio de 1917 ............................................................................................................ 106

    Prefcio s edies francesa e alem ................................................................... 108

    Prlogo ............................................................................................................................... 116

    I. A concentrao da produo e os monoplios ............................................... 118

  • II. Os bancos e seu novo papel ................................................................................... 138

    III. O capital financeiro e a oligarquia financeira ............................................ 160

    IV. A exportao de capital ........................................................................................ 180

    V. A partilha do mundo entre os grupos capitalistas ...................................... 188

    VI. A partilha do mundo entre as grandes potncias ...................................... 200

    VII. O imperialismo fase particular do capitalismo ......................................... 216

    VIII. O parasitismo e a decomposio do capitalismo .................................... 231

    IX. Crtica do imperialismo ......................................................................................... 244

    X. O lugar do imperialismo na histria ................................................................. 263

  • 7

    APRESENTAO

    PPPPOR QUE VOLTAR A OR QUE VOLTAR A OR QUE VOLTAR A OR QUE VOLTAR A LLLLNINNINNINNIN???? IIIIMPMPMPMPERIALISMOERIALISMOERIALISMOERIALISMO,,,, BARBRIE E BARBRIE E BARBRIE E BARBRIE E REVOLUOREVOLUOREVOLUOREVOLUO

    Plnio de Arruda Sampaio Jnior1

    1. Introduo

    No poderia ser mais oportuna a reedio do estudo

    seminal de Vladimir Ilich Lnin, O Imperialismo: Etapa Superior do

    Capitalismo. Sua publicao atende a uma dupla necessidade:

    resgatar a reflexo sobre o imperialismo como modo de

    funcionamento do sistema capitalista mundial e recuperar o

    pensamento de Lnin como rico manancial de conhecimento sobre a

    cincia da luta de classes e a arte da revoluo na era do

    imperialismo - dois assuntos tabus, banidos do debate pblico aps o

    1 Plnio de Arruda Sampaio Jnior, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas IE/UNICAMP. Agradeo o generoso apoio de Marlene Petros Angelides na reviso da redao.

  • 8

    longo ciclo de ditaduras militares, a derrocada do socialismo real e

    a avassaladora ofensiva neoliberal.

    A oportunidade de retomar o estudo sobre o

    imperialismo decorre do fato de que, ao contrrio do propalado

    pelas vises apologticas, que comemoraram o colapso da Unio

    Sovitica, o fim da guerra fria e a crise do movimento socialista, a

    supremacia ilimitada do capitalismo no inaugurou um perodo de

    prosperidade, democracia e paz, mas uma poca marcada pela

    instabilidade econmica, pela intensificao das tendncias

    autocrticas do regime burgus, pela ausncia de qualquer limite

    guerra econmica entre as megaempresas multinacionais que

    disputam o controle do mercado mundial e pela revitalizao de

    formas explcitas de colonialismo e neocolonialismo que

    acompanham a terceira diviso do mundo pelas grandes potncias

    imperialistas. O acirramento dos antagonismos do modo de

    produo capitalista prenuncia um futuro de grandes turbulncias

    sociais, dramticas comoes polticas e catastrficos desastres

    ecolgicos. Em seu livro Socialismo o Barbarie, o filsofo Istvn

    Mszros alertou para a gravidade do momento histrico gerado

    pelo capitalismo sem travas: [...] no es exagerado decir [...] que

    hemos entrado en la fase ms peligrosa del imperialismo en la

    historia. Porque lo que est en juego ahora no es el control de una

    parte del planeta, no importa cun grande, o poner en desventaja a

    algunos rivales, aunque permitindoles acciones independientes,

    sino el control de su totalidad por una superpotencia hegemnica,

    econmica y militar, con todos los medios an los ms autoritarios

    y, de ser necesario, los militares ms violentos a su disposicin.

    Esto es lo que requiere la racionalidad esencial del capital

    desarrollado globalmente, en su vano intento de poner bajo control

  • 9

    sus irreconciliables antagonismos. El problema es que, sin embargo,

    esta racionalidad [...] es al mismo tiempo la forma ms extrema

    de irracionalidad de la historia, incluida la concepcin nazi de

    dominacin mundial, en lo que atae a las condiciones necesarias

    para la supervivencia de la humanidad.2

    Para os povos que fazem parte da periferia do sistema

    capitalista mundial, os novos tempos tornaram-se particularmente

    sombrios. As janelas de oportunidades que seriam abertas pela

    participao na ordem global revelaram-se verdadeiras armadilhas.

    As polticas de liberalizao da economia desarticularam os centros

    internos de decises, deixando a regio merc dos capitais

    internacionais. As promessas de que as ondas de inovao

    tecnolgica e os movimentos de internacionalizao de capital

    permitiriam uma acelerao do crescimento e uma socializao dos

    novos mtodos de produo e dos novos bens de consumo no foram

    cumpridas. A difuso desigual do progresso tcnico acentuou as

    assimetrias na diviso internacional do trabalho e exacerbou as

    caractersticas predatrias do capital, revitalizando formas de

    superexplorao do trabalho e de depredao do meio ambiente que

    se imaginavam superadas. Submetidas ferocidade da concorrncia

    global e ao despotismo das potncias imperialistas, as sociedades

    que fazem parte da periferia do sistema capitalista tornaram-se

    presas de um processo de reverso neocolonial que coloca em

    questo a sua prpria sobrevivncia como Estado nacional capaz de

    controlar minimamente as taras do capital. No que o Estado tenha

    se enfraquecido. Quando para defender e impulsionar os interesses

    do grande capital, o poder estatal se revela mais forte do que nunca.

    2 Mszros,I. El Siglo XXI Socialismo o Barbarie?. Buenos Aires, Ediciones Herramienta, 2003, p. 45.

  • 10

    O que ficou definitivamente comprometido o carter pblico do

    Estado, sua atuao em funo de interesses que, de alguma forma,

    contemplem as necessidades do conjunto da populao. Por essa

    razo, na periferia da economia mundial o descontrole da sociedade

    nacional sobre o desenvolvimento capitalista foi levado ao

    paroxismo.

    Campo de operao de conglomerados internacionais e

    zona exclusiva de influncia dos Estados Unidos a potncia

    plenipotenciria da era global -, o novo contexto histrico afetou a

    Amrica Latina em todas as dimenses de sua vida econmica,

    sociocultural e poltica. O verniz de modernidade decorrente da

    incorporao das novas ondas de progresso tcnico veio

    acompanhado de uma sistemtica deteriorao das condies de

    vida da maioria da populao. O aumento assustador do desemprego,

    a acelerada precarizao das relaes de trabalho, o surpreendente

    retorno de formas de trabalho escravo que se imaginavam

    superadas, a emigrao em massa da fora de trabalho em busca de

    melhores condies de vida, a crise da industrializao nas

    economias que haviam logrado avanar no processo de substituio

    de importaes, o avano do agronegcio sobre as terras dos

    pequenos e mdios agricultores e sobre as reas virgens do que

    ainda sobrou de floresta, a falta de moradia e a deteriorao das

    condies de vida nas grandes e mdias cidades, a escalada da

    violncia urbana e rural que vitima milhares de pessoas todos os

    anos e provoca grandes deslocamentos populacionais, a ausncia de

    recursos para financiar servios pblicos mais elementares, ao

    mesmo tempo em que volumes gigantescos da receita tributria so

    canalizados para o pagamento da dvida pblica, o retorno de

    epidemias e endemias que j eram dadas como erradicadas, o

  • 11

    atropelo das populaes indgenas e de seu modo de vida, a escalada

    sem precedentes da depredao do meio ambiente, a corrupo em

    proporo amaznica que gangrena os aparelhos de Estado em todas

    suas dimenses, a assinatura de pactos internacionais esprios que

    violentam abertamente a soberania nacional, a chocante tutela da

    comunidade econmica e financeira internacional sobre as decises

    estratgicas do Estado Nacional, a proliferao de bases militares

    norte-americanas em todos os pontos do Continente, a descrena nas

    instituies e a crise poltica monumental - latente em algumas

    regies, em franca ebulio em outras -, a profunda crise da

    identidade nacional, que coloca em questo a prpria noo de

    sociedade nacional, todos estes processos so fenmenos pura e

    simplesmente incompreensveis sem uma reflexo sistemtica sobre

    o imperialismo de nosso tempo e sua forma especfica de

    funcionamento na Amrica Latina.

    Quem observa a histria recente da Amrica Latina

    constata facilmente que no faltaram energia nem disposio de luta

    para resistir nova onda de saque e pilhagem que se abateu sobre o

    Continente. Nos sombrios anos noventa, os ares de rebelio

    sopraram por todos os lados. A intensidade e a diversidade das lutas

    polticas que marcaram o passado recente transformaram a Amrica

    Latina em um verdadeiro laboratrio de luta de classes. Visto em

    conjunto, o panorama das lutas sociais d a impresso de que a

    regio um vulco preste a entrar em erupo. No aqui o lugar de

    fazer um balano crtico das experincias de luta das ltimas

    dcadas, mas no exagero afirmar que, no desespero de enfrentar

    uma situao particularmente adversa, as classes subalternas

    dispararam para todos os lados. Houve iniciativas radicais,

    ultrarradicais, moderadas e ultra moderadas; aes que ficaram

  • 12

    circunscritas aos marcos institucionais, as que recorreram ao

    expediente da desobedincia civil e ainda as que desafiaram

    abertamente a ordem legal; movimentos de massa, que mobilizaram

    milhes de pessoas, processos que priorizaram a ocupao dos

    aparelhos de Estado e a conquista do poder institucional pela via

    eleitoral e operaes vanguardistas protagonizadas por pequenos

    grupos armados; processos polticos que colocaram explicitamente o

    objetivo da conquista do poder do Estado e outros que procuraram

    mudar a situao pela construo de um difuso contrapoder popular;

    aes de carter meramente defensivo e as que desafiaram

    abertamente a ordem estabelecida; organizaes polticas de

    inspirao desenvolvimentista, nacionalista, comunista, anarquista e

    indigenista; movimentos imediatistas e outros com perspectivas

    milenaristas; processos polticos que eclodiram de maneira

    espontnea e outros que resultaram de um longo acmulo de foras;

    aes ousadas e convencionais, atitudes intransigentes e rendies

    incondicionais; sacrifcios heroicos e vergonhosas traies.

    A ordem burguesa mobilizou todos os expedientes

    imaginveis para neutralizar a reao popular. O que no pde ser

    isolado ou cooptado foi pura e simplesmente esmagado. O inventrio

    das vtimas daria uma histria sem fim. O incomensurvel sacrifcio

    humano despendido na luta contra a nova investida do imperialismo

    no foi suficiente, no entanto, para deter o avano da barbrie e abrir

    novos horizontes para a Amrica Latina. O estado de rebelio

    permanente no se traduziu em transformaes efetivas que

    mudassem qualitativamente o curso dos acontecimentos. O caso

    argentino emblemtico. Aps derrubar quatro presidentes em

    poucas semanas, a insurreio popular que comeou com a palavra

    de ordem ultrarradical de negao absoluta do poder institudo -

  • 13

    que se vallan todos - terminou com a retomada de polticas

    neoliberais muito bem comportadas e a restaurao dos mtodos e

    dos personagens do velho peronismo. Nesse contexto, a Venezuela

    a situao mais radicalizada da Amrica Latina aparece como uma

    exceo. A fora tectnica que move a revoluo bolivariana abre

    brechas que, se bem aproveitadas, podem quebrar os obstculos que

    bloqueiam a mudana e desencadear uma dinmica de

    transformao irreversvel. At o momento, entretanto, o desfecho

    do processo encontra-se indeterminado, pois as foras

    contrarrevolucionrias, ainda que desarticuladas e desmoralizadas,

    no foram liquidadas. Ainda incipientes e, em certo sentido,

    indefinidas, as situaes da Bolvia e do Equador se aproximam da

    situao venezuelana. A tragdia colombiana, em que as formas mais

    radicalizadas de revoluo e contrarrevoluo se manifestam em sua

    plenitude, um caso parte que, paradoxalmente, sintetiza todo o

    terrvel impasse latino-americano e parece prefigurar o seu destino.

    Ainda que todo o sacrifcio humano para barrar a

    ofensiva imperialista no Continente no tenha sido em vo, pois foi

    indispensvel para diminuir o impacto destrutivo das polticas

    neoliberais e alimentar um precioso aprendizado poltico que, se

    devidamente digerido, poder ser fundamental em embates futuros,

    a verdade que o imperialismo demonstrou uma surpreendente

    capacidade de contornar os obstculos que se lhe antepunham,

    neutralizar as iniciativas que pudessem subverter a ordem e impor o

    desiderato do padro de acumulao neoliberal-perifrico s

    sociedades latino-americanas. Quando posta em perspectiva de

    longa durao, a impotncia para deter a nova ofensiva do

    imperialismo reproduz uma sequncia de oportunidades perdidas

  • 14

    que mantm a Amrica Latina presa ao crculo de ferro do

    capitalismo dependente e do subdesenvolvimento.

    Como no faltaram momentos de crises polticas

    profundas, que abriam oportunidades reais para a mudana, nem

    disposio de luta e sacrifcio para enfrentar a nova ofensiva contra a

    dignidade dos povos, talvez o impasse latino-americano esteja

    associado falta de instrumentos polticos adequados para enfrentar

    a situao, carncia que fez com que os esforos despendidos

    ficassem aqum do necessrio para fazer face fora do adversrio,

    perdendo-se em processos estreis ou, pior, em equvocos

    recorrentes que redundaram em graves derrotas. Esta a hiptese

    de um dos maiores socilogos latino-americanos Florestan

    Fernandes. Infelizmente, ao que parece, seu balano sobre o estado

    da luta de classes na regio no final da dcada de setenta no foi

    ultrapassado: O diagnstico correto, embora terrvel para todos ns,

    que nunca fizemos o que deveramos ter feito. E mais: [...] ainda

    no sabemos quais so os caminhos que nos levaro desagregao

    do nosso capitalismo selvagem e a solues socialistas apropriadas

    presente situao histrica.3

    o abismo entre a evidente necessidade de profundas

    transformaes econmicas, sociais, polticas e culturais e a patente

    incapacidade para realiz-las que reclama o pensamento de Lnin a

    principal referncia terica do marxismo revolucionrio do sculo

    XX. Aps a falncia do chamado socialismo real, pode parecer

    extemporneo insistir na reivindicao de ideias que se imaginavam

    despedidas pela Histria. E, no entanto, poucas reflexes podem ser

    mais providenciais para oxigenar o debate poltico de uma gerao

    3 Fernandes, F., Apresentao do livro de V. I. Lnin, Que Fazer?, So Paulo, Hucitec, 1978, pp. XII e XIV.

  • 15

    de militantes criados na tradio do anarquismo, do basismo, do

    corporativismo, do parlamentarismo, bem como na escola de um

    stalinismo mais ou menos dissimulado. No se trata de imaginar o

    pensamento de Lnin como uma panaceia capaz de dar respostas aos

    complexos problemas da luta de classes contempornea, mas de

    recuperar uma reflexo que constitui patrimnio inestimvel do

    movimento socialista revolucionrio.4

    Esta introduo foi escrita para os militantes socialistas

    que esto conscientes da insuficincia de seus instrumentos

    polticos, que no conhecem o pensamento de Lnin e que sentem

    curiosidade de conhec-lo. No se pretende ir alm do prprio Lnin

    e, muito menos, ditar a essncia de sua verdade, iniciativa que seria

    destituda de qualquer sentido construtivo e que contrariaria todos

    os princpios de seu mtodo de trabalho. Que cada um faa sua

    prpria leitura de Lnin e a discuta no local apropriado - as

    organizaes de luta dos trabalhadores. Nossa finalidade se restringe

    a sistematizar os elementos fundamentais do sistema terico que

    organiza a reflexo de Lnin sobre os dilemas da revoluo na era do

    imperialismo. O objetivo oferecer uma viso de conjunto da relao

    entre o seu pensamento e a sua teoria do imperialismo. Ao explicitar

    as questes fundamentais levantadas por Lnin, pr em evidncia a

    coerncia de seu mtodo e explicitar a sua extraordinria

    4 A propsito da infalibilidade de Lnin, um mito construdo pelo stalinismo, que, na realidade, tinha a finalidade de defender a infalibilidade do prprio Stlin, supostamente o verdadeiro portador das verdades do leninismo, convm lembrar as palavras do prprio Lnin: O homem inteligente no aquele que no comete falta alguma. Tais indivduos no existem nem podem existir. O homem inteligente aquele que no comete faltas demasiado graves e sabe corrigi-las rapidamente, com facilidade, apud, Lukcs, G., O Pensamento de Lnin, p. 130.

  • 16

    importncia prtica, pretendemos apenas instigar o estudo de um

    gigante do socialismo revolucionrio que precisa ser conhecido.

    O estudo introdutrio foi organizado de forma a

    evidenciar como Lnin combina mtodo, teoria e investigao

    histrica para desnudar os vnculos entre imperialismo, barbrie e

    revoluo. A exposio ser desdobrada em trs movimentos. Na

    prxima seo, Em busca da totalidade, apresentaremos um

    resumo sinttico do pensamento dialtico de Lnin, enfatizando a

    importncia central da noo de totalidade como elemento-chave

    de seu mtodo de anlise concreta de uma situao concreta. Na

    terceira parte, A teoria do imperialismo de Lnin, explicitaremos o

    mtodo e a teoria utilizados por Lnin para analisar a economia

    mundial em seu conjunto, mostrando as razes que o levaram a

    definir o capitalismo monopolista como um regime de transio do

    capitalismo ao socialismo. Na quarta seo, O pensamento de Lnin

    em seu movimento concreto, examinaremos a evoluo de seu

    pensamento, sistematizando os principais aspectos de sua teoria da

    revoluo, de sua teoria do partido e de sua teoria da transio.

    Nesta oportunidade, apresentaremos a interpretao de Lnin sobre

    o imperialismo de seu tempo, definindo as relaes concretas entre

    imperialismo, barbrie e revoluo no incio do sculo XX. Por fim, na

    ltima seo, Observaes finais, realizaremos um resumo sinttico

    do mtodo de Lnin e de suas principais concluses, destacando a

    importncia de sua contribuio para a compreenso da fase

    superior do imperialismo e para a luta pelo socialismo em nosso

    tempo.

  • 17

    2. Em busca da totalidade

    O pensamento de Lnin fruto de um esforo

    sistemtico para tirar concluses prticas da mxima de Marx,

    segundo a qual os filsofos at agora interpretaram o mundo, mas

    se trata de transform-lo, e de seu necessrio corolrio: a teoria

    converte-se em fora material quando penetra nas massas. Sua

    inteno levar a ruptura com a atitude contemplativa do mundo s

    ltimas consequncias, fundindo materialismo histrico e luta

    revolucionria. O desafio consiste em converter a fora potencial do

    proletariado a classe social que representa a anttese da burguesia

    em fora poltica real com poder de impulsionar a revoluo

    socialista. O n da questo reside em constituir a classe operria

    como sujeito histrico capaz de negar o capitalismo e afirmar o seu

    contrrio o comunismo.

    No mbito do pensamento marxista, a reflexo de Lnin

    representa uma ruptura com o materialismo evolucionista,

    determinista e mecanicista que dominava a social-democracia

    europeia no incio do sculo XX e que tinha em Bernstein, Kautsky e

    Plekhanov suas principais referncias. Preocupado em recuperar o

    papel estratgico da ao poltica como elemento decisivo da

    Histria, Lnin retoma o problema clssico do materialismo dialtico

    sobre a necessria unidade entre Teoria e Prtica, cuja essncia

    consiste em colocar a poltica como elo entre a reflexo e a ao. Com

    tal procedimento, Lnin integra organicamente a luta de classes

    como elemento vital do materialismo histrico e restitui o papel

    central da classe operria como alfa e mega da prxis

    revolucionria. Sua viso pode ser sintetizada na ideia de que, assim

    como no existe movimento revolucionrio sem teoria

  • 18

    revolucionria sua mxima clssica -, no existe teoria

    revolucionria sem movimento revolucionrio a premissa

    fundamental de sua epistemologia.5

    O esforo para converter o materialismo histrico em

    uma lgebra da revoluo, que equaciona os desafios da revoluo

    socialista e o modo de enfrent-los, consubstancializou-se na

    operacionalizao de um mtodo de interpretao da realidade

    voltado para a obteno de conhecimentos reais sobre as tendncias

    efetivas da luta de classes e seus possveis desdobramentos. Lnin

    sintetizou a quinta-essncia de sua metodologia da seguinte

    maneira: a anlise concreta de uma situao concreta a alma viva,

    a essncia do marxismo. A impressionante consistncia de seu

    pensamento e a inabalvel coerncia de sua ao poltica foram

    determinadas pela fidelidade ao mtodo, cuja essncia reside em

    subordinar toda a interpretao do movimento histrico aos ditames

    da luta de classes. No se pode compreender a vitalidade desse

    pensamento, diretamente inserido na histria em processo, afirma

    Florestan Fernandes - se no se tem em mente que ele no existiria

    como tal sem o movimento socialista, que lhe deu ao mesmo tempo

    realidade histrica e sentido poltico revolucionrio. Ele definiu o seu

    mdulo poltico, determinando tanto o seu contedo quanto sua

    5 A questo da relao entre a teoria e a prtica um tema permanente de debate entre os discpulos de Marx. A posio de Lnin pode ser aprofundada em Lukcs, L., O pensamento de Lnin. Lisboa. Publicaes Dom Quixote,1975; Lefebvre, H., Pour Connatre la Pense de Lnine. Paris, Bordas, 1957; Liebman M., Le Lninisme sous Lnine, 2V., Paris, ditions du Seuil, 1967; Vzquez, A.S., Filosofia da Prxis. So Paulo, Expresso Popular/Clacso,2007; Arato, A., A Antinomia do Marxismo Clssico: Marxismo e Filosofia, in Hobsbawm, E.J., Histria do Marxismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989; e Gruppi, L., O pensamento de Lnin. Rio de Janeiro, Graal,1979.

  • 19

    orientao revolucionrios, e explicando simultaneamente seja sua

    continuidade e oscilaes, seja suas debilidades e sua fora terrvel.6

    A compreenso da realidade como sntese de mltiplas

    determinaes leva Lnin a recuperar as consequncias

    revolucionrias da totalidade como categoria basilar do legado de

    Marx e Engels. esta perspectiva que lhe permite integrar os

    problemas da acumulao de capital e da luta de classes como

    fenmenos que se condicionam reciprocamente. A viso do

    movimento histrico como um todo contraditrio em permanente

    transformao implica a concepo da transio do capitalismo para

    o socialismo como resultado de uma luta de vida ou morte entre o

    proletariado e a burguesia. O papel estratgico da classe operria

    como sujeito histrico resulta de sua capacidade mpar de desnudar

    a natureza antagnica da relao capital-trabalho e de conscientizar-

    se da necessidade inescapvel de sua superao. Nisto, Lnin segue o

    que havia sido estabelecido por Marx: Se os autores socialistas

    atribuem ao proletariado esse papel histrico mundial, no [...]

    porque tenham os proletrios por deuses, antes pelo contrrio,

    porque a abstrao de toda a humanidade, mesmo da aparncia de

    humanidade, est praticamente consumada no proletariado

    plenamente desenvolvido, uma vez que nas condies de vida do

    proletariado esto resumidas ao seu paroxismo mais desumano

    todas as condies de vida da sociedade atual, uma vez que nele o

    homem se perdeu a si prprio, mas ao mesmo tempo no s adquiriu

    a conscincia terica desta perda como foi imediatamente

    constrangido pela misria inelutvel j desvelada, absolutamente

    imperiosa expresso prtica da necessidade revolta contra esta

    6 Fernandes, F. Introduo. In: Lenin, V.I., Lnin: Poltica. So Paulo. tica, 1978, p. 34.

  • 20

    desumanidade; e por isso que o proletariado pode e deve

    emancipar-se. No pode, contudo, emancipar-se sem suprimir as

    suas prprias condies de vida. No pode, contudo, suprimir as suas

    prprias condies de vida sem suprimir todas as condies de vida

    da sociedade atual, que se condensam na sua situao.7

    Refratrio a concepes fatalistas, que derivam o curso

    dos acontecimentos de leis inflexveis que ditam a trajetria

    inexorvel da histria, tornando-a uma sequncia predeterminada

    de etapas, e contrrio a todas as formas de voluntarismo poltico, que

    descolam o futuro da sociedade das contradies do presente,

    deixando-o totalmente indeterminado, Lnin resgata a dialtica

    como categoria que aponta o devir da sociedade, vinculando o campo

    de oportunidades de cada formao social s contradies que

    impulsionam seu movimento histrico. Ao identificar nos fatos

    concretos as evidncias que apontam o germe do novo no ventre do

    velho, definindo os desajustes estruturais que abrem espao para a

    acelerao histrica e as rupturas cruciais que superam as

    contradies, Lnin transforma o materialismo histrico em uma

    poderosa arma de interpretao da realidade que indica os passos

    decisivos que levam revoluo socialista. Se considerarmos o

    conjunto do pensamento de Lnin, afirma Gruppi - veremos que a

    ateno se volta sempre para a dialtica: dialtica dos processos

    reais, modo pelo qual se manifesta neles a contradio, relao entre

    todos os elementos que a constituem, conexo entre situao

    objetiva e iniciativa poltica. A poltica s plenamente tal, s atinge

    uma fundamentao cientfica prpria, se for guiada pela teoria, pelo

    conhecimento das leis que governam o desenvolvimento histrico e

    das categorias que devem ser aplicadas anlise das situaes

    7 Marx, K.; Engels, F. Sagrada Famlia. Centauro Ed., 2001.

  • 21

    concretas. Mas, precisamente por isso, a poltica fundada pela

    teoria por sua vez funda essa teoria, a verifica, exige seu

    desenvolvimento, num constante reexame crtico. A poltica

    representa a unidade entre a teoria e a ao, a mediao entre elas.8

    Fundador do partido bolchevique, arquiteto da

    revoluo russa e lder mximo do primeiro Estado operrio, Lnin

    condiciona o aproveitamento das oportunidades histricas

    presena efetiva do proletariado como sujeito histrico dotado de

    conscincia de classe, tirocnio poltico e poder de ao para

    enfrentar a burguesia. Seu raciocnio prtico. Sem fora e

    inteligncia para disputar o poder, a classe operria simplesmente

    no tem meios objetivos e subjetivos para vencer a burguesia. No seu

    dizer: Sera errneo creer que las clases revolucionarias siempre

    tienen la fuerza suficiente para realizar la transformacin en el

    momento en que las condiciones del desarrollo socioeconmico han

    hecho que la necesidad de esa transformacin ste totalmente

    madura. Esto no es as; la sociedad no est arreglada de una manera

    tan racional y tan conveniente para sus elementos progresistas. La

    necesidad de una transformacin puede estar madura, pero la fuerza

    de los creadores revolucionarios de dicha transformacin puede

    resultar inadecuada para lograrla. En estas condiciones, la sociedad

    se pudre y su putrefaccin puede durar dcadas enteras.9

    O pensamento de Lnin sobre a constituio do

    proletariado como sujeito histrico destaca fundamentalmente dois

    aspectos do processo de formao da conscincia de classe. De um

    lado, o proletariado tem de superar o estado de fragmentao

    poltica e alienao ideolgica - condio inerente situao do

    8 Gruppi,L., O pensamento de Lnin. Rio de Janeiro, Graal, 1979, p. 300. 9 Lnin, V. I., Obras, Moscou, 1947, vol. 9, p. 338.

  • 22

    trabalho no modo de produo capitalista - que compromete sua

    possibilidade de atuao como fora poltica independente. De outro,

    tem de desenvolver uma subjetividade revolucionria capaz de, nos

    momentos crticos da luta de classes, tomar as decises cruciais que

    impulsionam o processo revolucionrio para a vitria, questo

    particularmente decisiva nas conjunturas de crises revolucionrias,

    quando a debilidade do regime burgus coloca na ordem do dia a

    conquista do poder.

    Tendo como base a histria do movimento operrio

    europeu, Lnin concebe a formao da classe operria como um

    complexo processo histrico que combina lutas econmicas - que

    envolvem a relao dos trabalhadores com os capitalistas nas

    fbricas - e lutas polticas - que colocam em questo as relaes de

    poder entre as classes; lutas que reivindicam mudanas dentro da

    ordem a reforma do capitalismo e lutas que pleiteiam mudanas

    contra a ordem a revoluo socialista; movimentos espontneos

    - que brotam naturalmente da insatisfao das massas com as

    pssimas condies de vida - e movimentos organizados - que

    exigem a presena de um centro de comando que possa aglutinar,

    catalisar e direcionar a energia da classe operria para objetivos

    polticos predefinidos.

    A originalidade de sua contribuio encontra-se na

    fundamentao da necessidade de organizaes revolucionrias

    como elemento indispensvel para a constituio do proletariado

    como sujeito histrico que pode negar o modo de produo

    capitalista. O desafio fundamental consiste em criar as condies

    para que as lutas destinadas a enfrentar os problemas concretos e

    imediatos da classe operria se transformem em lutas que

    impulsionem seus interesses estratgicos e de longo prazo. O n da

  • 23

    questo est na capacidade de levar a unidade existente entre a luta

    por reformas e a luta pela revoluo momentos constitutivos de um

    mesmo processo histrico a seu ponto de ebulio, quando as

    mudanas graduais se convertem em saltos qualitativos. A funo

    estratgica da organizao revolucionria deriva de seu papel

    decisivo na viabilizao da fuso entre teoria revolucionria e

    movimento revolucionrio condio sem a qual a revoluo

    socialista no pode ser levada s suas ltimas consequncias.

    A defesa da organizao revolucionria como

    elemento catalisador indispensvel para elevar o grau de conscincia

    de classe do proletariado apoiava-se na tradio do movimento

    social-democrata europeu e tinha em Kautsky sua referncia terica

    fundamental. O raciocnio o seguinte: a incapacidade do

    movimento operrio de impor luta de classes, por conta prpria,

    um radicalismo que transcenda os marcos do regime capitalista

    atribuda natureza fetichista das relaes de produo capitalistas

    e ao carter alienante do processo de trabalho. No contexto de uma

    situao concreta que camufla os elementos essenciais da realidade,

    a viso crtica depende de um elemento externo s relaes

    imediatas do proletariado com o capital. Somente quando exposto

    reflexo crtica da realidade, que desnuda as foras motrizes que

    determinam a luta de classes, o proletariado tem condies de

    realizar um salto de qualidade no seu grau de conscincia de classe e

    adquirir a clareza poltica e a consistncia ideolgica necessrias

    para impulsionar a luta revolucionria.

    Dentro dessa perspectiva, a luta econmica por

    aumentos salariais e melhores condies de trabalho produto

    espontneo da contradio capital-trabalho um momento

    importante no processo de formao da classe como fora poltica.

  • 24

    neste embate que o trabalhador desperta para a luta de classes e se

    conscientiza de que precisa se organizar em torno de seus interesses

    comuns ante o capital. Trata-se, contudo, de um passo insuficiente.

    Somente quando o proletariado avana para a luta poltica,

    disputando o poder do Estado, que se criam as condies para que

    ele possa se organizar como classe social portadora de um projeto de

    sociedade. Ainda assim, o salto de qualidade na conscincia de classe

    no automtico. Enquanto a conscincia de classe permanecer

    circunscrita ao horizonte sindical, limitando-se a reivindicar

    melhorias nas condies de vida, a luta poltica atua sobre os efeitos

    do desenvolvimento capitalista e no sobre suas causas estruturais,

    sendo, portanto, estril como fator de negao do modo de produo

    capitalista.

    Como a classe operria no possui uma inteligncia

    nata de sua situao social e de suas potencialidades polticas e como

    tal inteligncia no brota naturalmente das lutas operrias, o salto da

    forma embrionria de conscincia de classe circunscrita aos

    parmetros da ordem burguesa - para a forma revolucionria

    propriamente dita que nega o regime do capital e prope o

    comunismo - requer o acesso a uma reflexo crtica que est muito

    alm das possibilidades de quem est submetido a um regime de

    trabalho e de vida que massacra e embrutece o ser humano.10 a

    10 A conscincia revolucionria no nasce espontaneamente das lutas operrias porque requer uma elaborao crtica que supere os limites da conscincia burguesa a respeito do modo de funcionamento da economia e da sociedade capitalista. Em O Conceito de Hegemonia em Gramsci (Rio de Janeiro, Edies Graal, 1980), Luciano Gruppi resumiu a questo nos seguintes termos: Deve-se verificar um esforo de pensamento e uma capacidade de elaborao conceitual que pressupem a presena e a assimilao de uma srie de categorias cientficas, que podem ser atingidas to-somente num altssimo nvel de cultura, precisamente naquele nvel a que chegou Marx, p. 36.

  • 25

    constatao de que o proletariado incapaz de alcanar

    espontaneamente o grau necessrio de conscincia ideolgica e

    coeso poltica para impulsionar a revoluo socialista que leva

    Lnin a atribuir um papel estratgico organizao revolucionria

    como nexo indispensvel entre a teoria revolucionria e o

    movimento revolucionrio. A superao da alienao pressupe a

    luta do trabalho contra o capital que cria a necessidade de um

    conhecimento crtico da realidade , mas requer um elemento

    adicional que transcende a luta propriamente dita: a reflexo que

    permite ir alm das aparncias dos fenmenos e, ao recompor a

    totalidade de uma realidade que aparece fragmentada e catica,

    desnudar o carter contraditrio do capitalismo. A importncia

    estratgica deste ltimo elemento insubstituvel para que o

    proletariado possa transcender sua experincia imediata. No dizer

    de Lnin: Os operrios, [...], no podiam ter ainda a conscincia

    social-democrata. Esta s podia chegar at eles a partir de fora. A

    histria de todos os pases atesta que, pelas prprias foras, a classe

    operria no pode chegar seno conscincia sindical, isto ,

    convico de que preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta

    contra os patres, exigir do governo essas ou aquelas leis necessrias

    aos operrios [...].11

    11 Lnin, V.I., Que Fazer? Apresentao de Florestan Fernandes. So Paulo, Hucitec, 1978, pp. 24-25. [Obras Escogidas, v.1., p.142].Cabe lembrar que o intelectual de que fala Lnin est ele prprio imerso na luta poltica, pois, na tradio de Marx, a meditao desvinculada da luta poltica fica reduzida a uma mera escolstica. A propsito, cabe registrar a observao de Gruppi, em O conceito de hegemonia em Gramsci: Devemos estar atentos, todavia, para um equvoco bastante difundido na interpretao de Lnin. Para Lnin, afirma-se, o partido revolucionrio seria exterior classe operria. Lnin jamais disse coisa do gnero. Ele afirma que a teoria vem de fora, do exterior, mas que o partido a organizao que liga a teoria revolucionria com o movimento; e, portanto, colocando a teoria revolucionria em contato com o

  • 26

    Na viso de Lnin, a formao da conscincia de classe

    do proletariado como classe em si e classe para si um processo

    histrico condicionado pela possibilidade de uma fuso entre a luta

    por reformas e a luta pela revoluo. A importncia estratgica da

    organizao revolucionria como fator de centralizao da fora

    poltica da classe operria e de elevao de seu esprito

    revolucionrio decorre de seu papel crucial na mediao entre a luta

    econmica, que brota espontaneamente do conflito entre o capital e

    o trabalho, e a luta poltica revolucionria, que requer uma

    perspectiva que transcenda a ordem burguesa.12 Cabe ao partido

    revolucionrio a tarefa insubstituvel de submeter a sociedade

    burguesa a uma crtica implacvel, mostrando, em cada embate

    concreto, os elos dialticos entre o imediato e o porvir, o inicial e o

    final, o particular e o geral, o sintoma e o diagnstico, o efeito e a

    causa, o paliativo e a cura, o gradual e o concentrado, o contnuo e o

    descontnuo, o institucional e o extra institucional, a luta por

    movimento, permite um ulterior enriquecimento e desenvolvimento deste ltimo, Op. cit., p. 37. 12 A necessria unidade entre reforma e revoluo fica patente na seguinte afirmao de Lnin: Criticamos com a mxima severidade a velha II Internacional [...] declaramos que ela est morta [...] mas no dizemos jamais [...] que at agora se tenha dado peso excessivo s chamadas reivindicaes imediatas, nem que isso possa levar emasculao do socialismo. Afirmamos e demonstramos que todos os partidos burgueses, todos os partidos, com exceo do partido revolucionrio da classe operria, mentem e so hipcritas quando falam de reformas. Buscamos ajudar a classe operria a obter uma melhoria real (econmica e poltica), ainda que mnima, da sua situao; e acrescentamos sempre que nenhuma reforma pode ser estvel, autntica e sria se no for apoiada por mtodos revolucionrios de luta de massas. Ensinamos continuamente que um partido socialista que no una essa luta pelas reformas com os mtodos revolucionrios do movimento operrio pode se transformar numa seita, pode distanciar-se das massas, e esse o perigo mais srio para o sucesso do verdadeiro socialismo revolucionrio. Lnin, V. I., Obras, v.21, pp. 387-388, apud Gruppi, L., O Pensamento de Lnin, pp. 120-121.

  • 27

    reformas e a luta pela revoluo. a partir deste processo

    pedaggico que, no seu movimento de fluxos e refluxos, avanos e

    recuos, vitrias e derrotas, a classe operria chega conscincia da

    necessidade e da possibilidade da revoluo social como nica

    resposta positiva para as contradies e antagonismos que a afligem.

    Enfatizando a importncia de fundir a teoria revolucionria com o

    movimento revolucionrio como elemento central para elevar a

    conscincia de classe do operariado, Lnin afirma: Desde el

    momento en que el planteamiento de los objetivos era justo, desde el

    momento en que haba suficiente energa para intentar reiteradas

    veces lograr esos objetivos, los reveses temporales representaban

    una desgracia a medias. La experiencia revolucionaria y la habilidad

    de organizacin son cosas que se adquieren con el tiempo. Lo nico

    que hace falta es querer desarrollar en uno mismo las cualidades

    necesarias! Lo nico que hace falta es tener conciencia de los

    defectos, cosa que en la labor revolucionaria equivale a ms de la

    mitad de la correccin de los mismos!.13

    Para cumprir sua tarefa, o partido revolucionrio deve

    mostrar as contradies s massas e indicar-lhes o caminho que

    representa o avano da revoluo, mas nunca fabular sobre seu

    estado de esprito, colocando-lhes objetivos que estejam alm de sua

    compreenso e de sua capacidade de luta. Separada da ao

    revolucionria, a reforma atua sobre os efeitos do problema e no

    sobre suas causas. Ao negar a possibilidade de mudanas

    qualitativas, o reformismo naturaliza o status quo e converte-se em

    uma fora poltica conservadora. De modo inverso, isolada da luta

    por reformas tangveis, a luta revolucionria desvincula-se da

    realidade concreta da luta de classes, tornando-se uma agitao

    13 Lenin, V.I., Qu Hacer? Qu Hacer?, In? Obras Escogidas, v.1. p. 144.

  • 28

    estril, sem efeitos prticos para a classe operria. Ao propor

    solues abstratas, descoladas do dia-a-dia das massas e inatingveis

    no curto prazo, o esquerdismo ignora a necessidade de mediaes

    entre as lutas econmicas e polticas, entre a reforma e a revoluo,

    substituindo a definio de objetivos consequentes por palavras de

    ordem vazias que no encontram eco nas massas. Convertendo o

    socialismo em objetivo imediato, o esquerdismo perde o dialogo com

    as massas e desconecta-se do movimento operrio. Entre reformistas

    e esquerdistas, Lnin identifica um elemento comum: a profunda

    desconfiana de ambos quanto ao poderio revolucionrio da classe

    operria. La socialdemocracia revolucionaria siempre ha incluido y

    sigue incluyendo en la rbita de sus actividades la lucha por las

    reformas. Pero utiliza la agitacin econmica no slo para reclamar

    del gobierno toda clase de medidas, sino tambin (y en primer

    trmino) para exigir que deje de ser un gobierno autocrtico.

    Adems, considera su deber presentar al gobierno esta exigencia no

    slo sobre el terreno de la lucha econmica, sino tambin sobre el

    terreno de todas las manifestaciones en general de la vida social y

    poltica. En una palabra, como la parte al todo, subordina la lucha por

    las reformas a la lucha revolucionaria por la libertad y el

    socialismo.14

    Em suma, a importncia crucial da organizao

    revolucionria na constituio do operariado como sujeito histrico

    decorre de sua importncia estratgica para fecundar a classe com o

    germe da revoluo, transformando o instinto de autodefesa da

    classe em conscincia revolucionria de classe, dotando-a, assim, dos

    conhecimentos indispensveis e dos dispositivos operacionais

    bsicos para que ela possa armar-se dos fins e dos meios

    14 Lenin, V.I., Qu Hacer?. In: Obras Escogidas, v.1, p. 169.

  • 29

    indispensveis para vencer a burguesia e construir o socialismo. Ao

    condensar a energia revolucionria e direcion-la para os objetivos

    estratgicos e tticos da revoluo socialista, a organizao

    revolucionria torna-se um dispositivo essencial da classe operria,

    permitindo o seu acesso conscincia socialista, a concentrao de

    sua fora poltica num organismo disciplinado que funciona como

    um todo monoltico, bem como a indispensvel socializao de suas

    experincias de luta, condio necessria para que ela possa ganhar

    autoconfiana e acumular fora para a conquista do poder. Na

    concluso de Un Paso Adelante, Dos Pasos Atrs, Lnin sintetizou a

    questo nos seguintes termos: El proletariado no dispone, en su

    lucha por el poder, de ms arma que la organizacin. El proletariado,

    desunido por el imperio de la anrquica competencia dentro del

    mundo burgus, aplastado por los trabajos forzados al servicio del

    capital, lanzado constantemente al abismo de la miseria ms

    completa, del embrutecimiento y de la degeneracin, slo puede

    hacerse y se har inevitablemente una fuerza invencible siempre y

    cuando que su unin ideolgica por medio de los principios del

    marxismo se afiance mediante la unidad material de la organizacin,

    que cohesiona a los millones de trabajadores en el ejrcito de la clase

    obrera.15

    Na concepo de Lnin, a estratgia e a ttica da

    revoluo socialista devem ser definidas levando-se em considerao

    as condies objetivas e subjetivas da luta de classes, isto , a

    especificidade que assume a relao dialtica entre reforma e

    revoluo, derivada da interpretao histrica sobre o sentido das

    mudanas sociais, as foras motrizes que as impulsionam e as

    15 Lenin, V.I., Un Paso Adelante, Dos Pasos Atrs. In: Obras Escogidas, v.1, p. 465.

  • 30

    relaes de poder real presentes em cada momento histrico, que

    definem o efetivo poder de fogo das classes sociais em luta. Os

    imperativos da organizao resultam de tais condicionantes. O

    carter do partido revolucionrio no pode, portanto, ser concebido

    de modo arbitrrio, sem conexo com as necessidades concretas do

    movimento revolucionrio. A estrutura e a forma de funcionamento

    do partido dependem da natureza dos desafios histricos que ele

    deve enfrentar para dirigir o movimento revolucionrio para a

    conquista do poder. A organizao revolucionria deve se ajustar

    permanentemente s exigncias da luta revolucionria. nesse

    sentido que Lukcs enfatiza a slida consistncia de sua

    personalidade poltica: Sangue e juzo misturam-se em Lnin com

    equidade, porque o seu conhecimento da sociedade visava em cada

    instante a ao necessria para este ou aquele momento do ponto de

    vista social, porque a sua prtica era sempre a consequncia

    necessria da soma e do sistema dos conhecimentos verdadeiros

    acumulados at esse momento.16

    3. A teoria do imperialismo de Lnin

    Movido pela exigncia de compreender a situao

    gerada pelas crescentes rivalidades entre as grandes potncias

    capitalistas, que empurravam o mundo para uma guerra

    generalizada, e pela urgncia de encontrar uma resposta terica e

    prtica para o fortalecimento das tendncias oportunistas no interior

    da social-democracia, a partir de 1912 Lnin voltou sua ateno para

    o estudo do imperialismo. A importncia crucial que ele dava ao

    16 Gruppi, L., O pensamento de Lnin, op. cit., p. 130.

  • 31

    entendimento do imperialismo pode ser aquilatada nas suas

    prprias palavras: O problema do imperialismo escreve em 1915

    no somente um dos problemas essenciais, mas provavelmente

    o mais essencial na esfera da cincia econmica que estuda a

    mudana de forma do capitalismo nos tempos modernos. Conhecer

    os fatos relacionados a esta esfera, [...], absolutamente

    indispensvel para quem se interessa, no s pela economia, mas por

    qualquer aspecto da vida social contempornea.17

    Produto de uma exaustiva pesquisa factual, que tinha

    os trabalhos de Hobson e Hilferding como principais referncias,

    bem como de uma reelaborao do modo de aplicar o mtodo de

    Marx, que levou Lnin a aprimorar a sua concepo dialtica da

    Histria, O Imperialismo: etapa superior do capitalismo apresenta um

    quadro de conjunto da economia mundial capitalista no incio do

    sculo XX que desmascara as ideias que apregoavam a possibilidade

    de conciliar imperialismo e democracia mundial.18 O fio da meada

    que articula a argumentao dado pela caracterizao dos

    mltiplos processos que relacionam as leis de movimento do

    capitalismo monopolista ao fenmeno do imperialismo. A

    preocupao de no desvincular o conhecimento da ao faz o foco

    da interpretao recair nos impactos das estruturas e dinamismos do

    17 Lnin, V. L., Prefcio ao Folheto de N. Bukhrin, A economia mundial e o imperialismo in Obras Completas, vol. XXIII, Madri: Akal Editor, 1977, p. 184. 18 Para preparar seu trabalho, entre 1912 e 1916 Lnin examina 148 livros e 232 artigos sobre o tema. Percebendo que o desafio de encontrar os nexos existentes entre a multiplicidade de processos que condicionavam a nova configurao do capitalismo exigia um reforo de sua capacidade de utilizar o mtodo do materialismo dialtico, a partir de 1914 ele rel O Capital de Marx e retoma Hegel. Os resultados de seus estudos econmicos e polticos mais de vinte brochuras de anotaes - encontram-se compilados nos Cadernos sobre o Imperialismo. As anotaes de seus estudos sobre a dialtica encontram-se reunidas nos Cadernos sobre Filosofia.

  • 32

    capitalismo monopolista sobre a luta de classes em escala mundial e

    nas suas formas especficas de manifestao nos pases

    desenvolvidos, atrasados e no desenvolvidos. O livro desvenda os

    nexos econmicos que determinam a necessidade inexorvel do

    imperialismo na era dos monoplios. Sua finalidade ltima

    desnudar as contradies do capitalismo monopolista e apontar a

    necessidade inelutvel da revoluo socialista como nica soluo

    civilizada que pode superar os horrores que acompanham o

    progresso capitalista.

    Para definir os condicionantes objetivos e subjetivos da

    luta de classes na era do capitalismo monopolista, a teoria do

    imperialismo de Lnin combina dois movimentos. Por um lado, o

    capitalismo monopolista compreendido como uma unidade

    dialtica, que contempla no apenas todas as dimenses da

    economia e da sociedade - as foras produtivas, as relaes de

    produo, a superestrutura jurdica e ideolgica - em suas relaes

    de mtua determinao no interior de cada formao social, como

    tambm os nexos inextrincveis de explorao econmica e

    dominao poltica que condicionam a relao entre as diferentes

    formaes econmicas e sociais que conformam o sistema capitalista

    mundial. Por outro lado, a tendncia efetiva da luta de classes

    relacionada aos condicionantes subjetivos que a determinam: os

    efeitos das novas contradies sobre o comportamento das classes

    sociais; a possibilidade de o acirramento dos antagonismos gerar

    uma crise revolucionria que abra espao para saltos histricos; a

    polarizao da luta de classes entre revoluo e contrarrevoluo; o

    risco de o proletariado desperdiar a oportunidade histrica de

    superar o capitalismo pela ausncia de uma teoria revolucionria

    que unifique a classe para enfrentar a burguesia.

  • 33

    a sua capacidade de chegar a uma sntese explicativa

    sobre o carter do novo momento histrico a definio do

    imperialismo como regime de transio do capitalismo para o

    socialismo - e a contradio que o preside o crescente

    antagonismo entre a socializao das foras produtivas em

    escala mundial e a apropriao privada dos meios de produo

    por uma oligarquia financeira - que lhe permite definir as tendncias

    em luta socialismo ou barbrie - e os desafios imediatos que

    devem ser enfrentados pela classe operria para impulsionar a

    revoluo socialista internacional transformar a guerra

    imperialista em guerra civil. Nesse sentido, afirma Gruppi -

    Lnin continua a obra de Marx acrescentando-lhe um novo e

    essencial captulo e coloca o marxismo em condies de enfrentar,

    no plano da teoria e da ao revolucionria, a nova poca histrica

    com que se defronta o proletariado. [...] A conquista terica de Lnin

    est na lcida viso de como a estratgia do proletariado deve ser

    posta no quadro do desenvolvimento imperialista.19

    Ao qualificar o imperialismo como superestrutura do

    capitalismo monopolista, forma poltica de dominao do capital

    financeiro sobre a sociedade burguesa, a interpretao de Lnin

    contraps-se ao revisionismo de Bernstein, que previa uma evoluo

    lenta e pacfica do capitalismo ao socialismo, e ao reformismo de

    Kautsky, cuja viso parcial e abstrata do imperialismo contemplava a

    possibilidade ora de um capitalismo sem imperialismo, ora de um

    ultra imperialismo sem guerras. Em relao aos alentados tratados

    tericos e histricos de seus contemporneos social-democratas,

    como Rosa Luxemburgo, Bukarin e o prprio Hilferding, o diferencial

    de sua teoria reside na sua definio dos nexos orgnicos de mtua

    19 Gruppi,L., O pensamento de Lnin, op. cit., pp. 138 e 139.

  • 34

    determinao entre o padro de acumulao e o padro da luta de

    classes. A concepo leninista do imperialismo diz Lukcs , de

    modo aparentemente paradoxal, por um lado uma proeza terica

    considervel, e por outro contm sob o ngulo de uma teoria

    puramente econmica bem poucas novidades reais. [...] A

    superioridade de Lenine consiste nisto: ter sabido [...] ligar

    concreta e completamente a teoria econmica do imperialismo a todos

    os problemas polticos da atualidade e fazer do contedo da

    economia, nesta nova fase, o fio condutor de todas as aes concretas

    no mundo assim organizado.20

    Concludo na primavera de 1916, s vsperas dos

    acontecimentos que levariam Revoluo de Outubro, O

    Imperialismo muitas vezes interpretado como um documento

    conjuntural, sem maior valor terico, um panfleto que sistematiza e

    divulga o conhecimento j estabelecido pela literatura liberal e

    socialista sobre as mudanas econmicas e polticas que

    transformavam o padro de desenvolvimento capitalista. uma

    interpretao equivocada. A linguagem simples utilizada por Lnin

    para tornar suas ideias acessveis aos militantes socialistas

    revolucionrios no deve iludir o leitor. O estilo direto do texto

    camufla a complexidade de sua trama. Seu ensaio uma sofisticada

    construo intelectual, onde todos os elos do raciocnio esto

    cuidadosamente conectados por vnculos dialticos que definem uma

    totalidade concreta. Alm de estabelecer a forma especfica assumida

    pelo imperialismo no incio do sculo XX e os desafios histricos da

    decorrentes, anlise que fundamentou os passos de Lnin como

    referncia mxima da primeira revoluo socialista, O Imperialismo

    contm uma elaborada metodologia de anlise das leis de

    20 Lukcs, G., O pensamento de Lnin, op. cit., p. 56.

  • 35

    movimento do capitalismo e da luta de classes na era dos

    monoplios, bem como uma interpretao, de carter estrutural,

    sobre o significado histrico do imperialismo como regime de

    transio do capitalismo para o socialismo conquistas do

    pensamento revolucionrio que tm um valor mais geral e

    preservam sua vitalidade como referncia terica e metodolgica

    para a compreenso do capitalismo contemporneo. Posto em

    perspectiva histrica, o livro extrapola largamente sua importncia

    conjuntural para se transformar no que Tom Kemp classificou de

    [...] a major document of twentieth-century Marxism.21

    Tendo como fundamento as formulaes de Marx na

    Introduo de 1857 do livro Contribuio Crtica da Economia

    Poltica, a teoria do imperialismo de Lnin atualiza a interpretao

    sobre as leis de movimento do capitalismo e tira suas consequncias

    prticas para a luta revolucionria da classe operria.22 A sua

    estrutura lgica organiza-se seguindo o procedimento clssico do

    mtodo dialtico, que se desdobra do abstrato o capital financeiro

    ao concreto uma poca histrica marcada por conflitos radicais e

    grandes comoes sociais que polarizam a luta de classes entre a

    revoluo e a contrarrevoluo; das categorias mais simples o

    21 Kemp, T., Theories of Imperialism. London, Dobson Books, 1967, p. 67. Quite apart from differences about the validity of Lenins analysis, the immense influence of the book is admitted on all sides; there can be no doubt that it filled a theoretical vacuum in a way which none of the preceding works on the same theme could have done, p. 67. 22 Lefebvre destaca que o pensamento de Lnin um esforo de atualizar a crtica terica e prtica de Marx ao capitalismo: [...] chaque oeuvre importante comporte-t-elle cette double procupation et ce double mouvement interne: revenir aux principes thoriques et metodologiques du marxisme, les rependre, les restituer dans toute leur force et les appliquer aux realits et problmes nouveaux revls par la pratique, par la vie, de faon rsoudre ces problmes, Lefebvre, H. Pour Connatre la Pense de Lnine. Op. cit., p. 130.

  • 36

    monoplio s categorias mais complexas o imperialismo como

    superestrutura do capitalismo monopolista; da aparncia do

    fenmeno a guerra como a defesa do interesse nacional sua

    essncia o imperialismo como a fora motriz que explica a

    necessidade inexorvel da fora militar como arma de conquista

    na era do capitalismo monopolista. A argumentao desenrola-se

    buscando determinar os mltiplos aspectos que definem o

    imperialismo como a superestrutura do capitalismo monopolista; a

    sua lgica de funcionamento; o desenvolvimento de suas estruturas e

    as tendncias que da decorrem; o choque de opostos que determina

    as contradies que impulsionam o movimento histrico; os nexos

    fundamentais que condicionam a sua unidade sinttica como

    fenmeno histrico; o devir que delimita o campo de oportunidades

    que se coloca no horizonte histrico.

    Adepto do princpio da objetividade da dialtica, Lnin

    associa seus movimentos tericos s evidncias empricas que os

    fundamentam, combinando uma complexa estrutura analtica com

    uma densa base emprica, caractersticas que imprimem a seu

    trabalho um elevadssimo poder de persuaso.23 A relao explcita

    23 Sobre os fundamentos da dialtica de Lnin, ver Lefebvre, H. Pour Connatre la Pense de Lnine. Paris. Bordas, 1957, captulo 3, La Pense Philosophique de Lnine. O poder de persuaso de O imperialismo mereceu o seguinte comentrio de Tom Kemp: The impact of its facts and figures and condensed theoretical point is powerful. It shows Lenins pedagogical skill and his characteristic ability to generalize and to make arresting characterization. It is within the grasp of large numbers of educated people and not merely those who have studied the writings of Marx in some detail. For all its Aesopian language destinada a despistar a censura czarista it was more a political tract than an economic study: it was designed to educate the working class and make its members conscious both of the nature of the epoch through which they were living and of the causes of what he regarded as the betrayal of the major part of its leaders. Kemp, Tom. Theories of Imperialism. London, Dobson Books, 1967, p. 67.

  • 37

    entre as categorias abstratas e as relaes sociais de produo que

    lhe so correspondentes pe em evidncia as bases sociais do

    capitalismo monopolista, afastando Lnin de qualquer reducionismo

    economicista que pudesse comprometer seu objetivo maior de

    mostrar os nexos entre acumulao de capital, mudana social e luta

    de classes. O entendimento do conceito abstrato como expresso

    pensada do real leva a investigao a se desenvolver como um

    processo contnuo, de sucessiva aproximao realidade histrica. A

    recusa em cristalizar os conceitos e transformar as anlises em

    verdades absolutas faz com que sua interpretao assuma a forma de

    um corpo de conhecimento permanentemente permevel s

    mudanas da realidade histrica. Portanto, mais do que uma

    explicao definitiva, sua teoria do imperialismo deve ser concebida

    como um ponto de partida para novas investigaes. Da o carter

    necessariamente inconcluso de sua reflexo. Pode-se dizer afirma

    Gruppi que possvel extrair de Lnin uma indicao

    metodolgica do seguinte tipo: deve-se ir da categoria (abstrata) at

    a investigao do concreto, inferir daqui novas categorias cientficas,

    sempre abstratas enquanto tais, porm mais complexas e mais

    prximas ao concreto para com elas levar a investigao a um novo

    nvel e assim por diante.24

    A fim de explicitar as concluses da teoria do

    imperialismo que tm um carter estrutural e permanecem vigentes

    como determinantes gerais do imperialismo contemporneo,

    separando-as das formulaes de carter conjuntural, determinadas

    pelas condies histricas especficas do incio do sculo XX,

    24 Gruppi, L., O pensamento de Lnin. Op. cit., p. 138. Sobre a teoria do reflexo de Lnin ver, Lefebvre, H. Pour Connatre la Pense de Lnine. Op. cit., especialmente captulo 3.

  • 38

    importante reconstituir o movimento metodolgico e terico que

    leva Lnin a caracterizar o imperialismo como clmax do

    desenvolvimento capitalista. Seguindo o procedimento de uma

    aproximao paulatina ao objeto, que avana atravs de crculos

    sucessivos, do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto,

    em que cada crculo incorpora as determinaes do crculo anterior

    at a conformao da totalidade concreta, que define as bases

    fundamentais do processo histrico, o raciocnio desenvolvido em O

    Imperialismo evolui associando: o desenvolvimento do capitalismo

    gnese do capitalismo monopolista; a gnese do capitalismo

    monopolista dominao de uma oligarquia financeira e ao

    aparecimento de uma aristocracia operria; as leis de movimento do

    capitalismo monopolista ao aparecimento do imperialismo como

    padro de relacionamento que preside a economia mundial; a

    caracterizao do imperialismo como regime de transio

    formao das bases objetivas para a construo do socialismo; o

    znite do mundo burgus ao avano da barbrie; a impossibilidade

    de reformar o imperialismo revoluo socialista como nica

    alternativa que pode barrar o avano da barbrie capitalista. esta

    linha de raciocnio que ser explicitada abaixo - que levou Lnin

    concluso de que o acirramento das contradies e dos

    antagonismos do capitalismo tendia a polarizar a luta de classes

    entre revoluo e contrarrevoluo.

    Apoiando-se em uma ampla base de evidncias

    empricas sobre o processo de monopolizao da indstria e dos

    bancos, Lnin recorre lei da tendncia concentrao e

    centralizao do capital, que condiciona a reproduo ampliada do

    capital, para explicar o processo histrico de transformao do

    capitalismo competitivo em capitalismo monopolista a mudana

  • 39

    fundamental que carateriza o esgotamento definitivo do papel

    progressista do capitalismo como modo de produo. Atendo-se ao

    plano das foras produtivas e das relaes de produo, sua

    investigao mostra como as transformaes quantitativas na

    composio tcnica e na composio orgnica do capital se

    convertem em transformaes qualitativas, dando origem ao capital

    financeiro uma fuso do monoplio industrial com o monoplio

    bancrio. Independentemente da forma histrica que assume o

    processo de formao do capital financeiro (que, baseando-se na

    experincia alem, Lnin atribua ao papel estratgico dos bancos), o

    capitalismo monopolista carateriza-se pela extraordinria ampliao

    das bases tcnicas e financeiras do capital. A formao de uma

    espcie de capitalista coletivo, que aglutina grandes massas de

    capitais industriais e bancrios, representa uma forma mais

    avanada de organizao do capital que modifica as leis de

    movimento do capitalismo. A ampliao da escala das foras

    produtivas e o aumento das massas de capitais monetrios que ficam

    sob o comando do capital financeiro implicam um salto de qualidade

    no poder destas fraes de capital de mobilizar todos os meios

    imaginveis econmicos e polticos - para potencializar o processo

    de valorizao do capital. Ao diminuir radicalmente as barreiras

    temporais e espaciais acumulao de capital, a elevao na

    mobilidade espacial do capital, o incremento na sua capacidade de

    mutao de forma, a intensificao do ritmo de rotao do capital

    fazem crescer exponencialmente a sua faculdade de comandar

    trabalho e disputar as oportunidades de negcio em escala mundial.

    A expanso do capital internacional, o aumento na liquidez do

    capital, a intensificao de sua fluidez intersetorial, a hipertrofia da

    rbita financeira e dos circuitos de valorizao fictcia do capital so

  • 40

    fenmenos associados profunda redefinio da relao do capital

    com o espao e com o tempo.

    O aparecimento do capital financeiro provoca

    importantes mudanas no comportamento das classes sociais,

    gerando o substrato social e ideolgico do capitalismo monopolista e

    de sua superestrutura imperialista.

    Por um lado, a expanso e a centralizao do capital

    financeiro do origem a uma oligarquia financeira, com uma

    complexa rede de interesses internacionais, que prepondera sobre o

    conjunto dos capitalistas. A sua ramificao, na forma de unio

    pessoal, pelas altas esferas da indstria, das finanas e do Estado,

    potencializa ainda mais seu poder econmico e poltico. O controle

    da economia, das finanas e dos assuntos do Estado transforma a

    luta pelo controle territorial da economia mundial e a violncia como

    mtodo de acumulao - o imperialismo - em razo de Estado. A

    necessria correspondncia entre os interesses econmicos da

    oligarquia financeira e sua ideologia encontra-se na raiz das

    ideologias colonialistas e chauvinistas que caraterizam a etapa

    superior do capitalismo.25 A impossibilidade de conciliar

    internacionalizao de capital e autodeterminao dos povos,

    capitalismo e paz, , portanto, uma determinao estrutural da

    hegemonia do capital financeiro. Lo caracterstico del imperialismo

    es precisamente la tendencia a la anexin no slo de las regiones

    agrarias, sino incluso de las ms industriales [...] pues, en primer

    25 No incio do sculo XX, esta ideologia assumia cores particularmente fortes. El signo de nuestro tiempo es el entusiasmo por las perspectivas del imperialismo, la defensa rabiosa del mismo, su embellecimiento por todos los medios. La ideologa imperialista penetra incluso en el seno de la clase obrera, que no est separada de las dems clases por una muralla china, Lenin, V.I., El Imperialismo. In: Obras Escogidas, v.1., p. 782.

  • 41

    lugar, la divisin ya terminada del globo obliga, al proceder a un

    nuevo reparto, a alargar la mano hacia toda clase de territorios; en

    segundo lugar, para el imperialismo es sustancial la rivalidad de

    varias grandes potencias en sus aspiraciones a la hegemona, esto es,

    a apoderarse de territorios no tanto directamente para s, como para

    debilitar al adversario y quebrantar su hegemona [...].26

    Por outro lado, a emergncia do capitalismo

    monopolista promove uma profunda diferenciao entre las capas

    superiores de los obreros y la capa inferior, proletaria propiamente

    dicha, criando uma aristocracia operria que tende a se

    identificar com os valores da pequena burguesia.27 A base real de

    existncia desta aristocracia operria os grandes monoplios

    aproxima seus interesses corporativos imediatos da poltica do

    imperialismo. O oportunismo poltico que compromete a unidade

    da classe operria em torno de seus objetivos estratgicos de longo

    prazo surge, assim, como um fenmeno que se enraza na realidade

    histrica. La obtencin de elevadas ganancias monopolistas por los

    capitalistas de unas tantas ramas de la industria, de uno o de tantos

    pases, etc., les brinda la posibilidad econmica de sobornar a ciertos

    sectores obreros, y, temporariamente, a una minoria bastante

    considerable de estos ltimos, atraindolos al lado de la burguesa de

    26 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p. 767. 27 Esa capa de obreros aburguesados o de aristocracia obrera, enteramente pequeo burgueses por su gnero de vida, por sus emolumentos y por toda su concepcin del mundo, es el principal apoyo de la II Internacional, y, hoy da, el principal apoyo social (no militar) de la burguesa. Porque son verdaderos agentes de la burguesa en el seno del movimiento obrero, lugartenientes obreros de la clase de los capitalistas, verdaderos vehculos del reformismo y del chovinismo. En la guerra civil entre el proletariado y la burguesia se colocan inevitablemente, en nmero considerable, al lado de la burguesa, al lado de los versalleses contra los comuneros. Prologo a las ediciones francesa y alemana. Ibid., p. 699.

  • 42

    dicha rama o de dicha nacin, contra todos los dems. El acentuado

    antagonismo de las naciones imperialistas en torno al reparto del

    mundo ahonda esa tendencia.28

    A caracterizao do imperialismo como superestrutura

    necessria do capitalismo monopolista, que tem sua base de

    sustentao social na hegemonia do capital financeiro e na

    emergncia de uma aristocracia operria, decorre da lgica de

    conquista econmica e territorial que se impe como padro de

    relacionamento entre os cartis internacionais e as potncias

    capitalistas que disputam o controle da economia mundial. Em

    relao s formas de conquista e dominao de outras pocas, a

    especificidade do imperialismo moderno est associada s foras

    motrizes que o impulsionam, isto , forma que assume a disputa

    entre os cartis internacionais e entre os Estados rentistas pelo

    controle das oportunidades de negcios no mundo. Citando Hobson,

    Lnin explicita a questo: El nuevo imperialismo se distingue del

    viejo, primero en que, en vez de la aspiracin de un solo imperio

    creciente, sostiene la teora y la actuacin prctica de imperios

    rivales, guiando-se cada uno de ellos por idnticos apetitos de

    expansin poltica y de beneficio comercial; segundo, en que los

    intereses financieros o relativos a la inversin del capital

    predominan sobre los comerciales.29

    O vnculo inexorvel entre o aparecimento de uma

    oligarquia financeira e os processos econmicos e polticos que

    levam formao de uma economia mundial, marcada por uma

    complexa teia de relaes de dependncia e dominao, enfatiza os

    nexos entre uma multiplicidade de fenmenos que so tpicos do

    28 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p. 796. 29 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p. 767.

  • 43

    capitalismo avanado: o processo de monopolizao do capital

    financeiro; a gerao de excedentes que transbordam a possibilidade

    de aplicao na economia nacional e do lugar a um processo de

    exportao de capitais; a formao de cartis internacionais que

    disputam o controle da economia mundial; o impacto desigual do

    desenvolvimento capitalista sobre as diferentes formaes sociais; o

    envolvimento do Estado na disputa pelo controle dos territrios; a

    configurao de uma economia mundial extremamente assimtrica,

    composta de pases desenvolvidos em ascenso e em decadncia,

    bem como de pases atrasados que so envolvidos nas teias do

    imperialismo e, de alguma maneira, combinam avano das foras

    produtivas, expanso das relaes de produo capitalistas e gerao

    de relaes de dependncia externa. A conexo necessria entre

    capitalismo monopolista, rivalidades nacionais e o ressurgimento de

    novas formas de explorao e dominao das sociedades atrasadas

    foi sintetizada por Lnin nos seguintes termos: El imperialismo es el

    capitalismo en la fase de desarrollo en que ha tomado cuerpo la

    dominacin de los monopolios y del capital financiero, ha adquirido

    sealada importancia la exportacin de capitales, ha empezado el

    reparto del mundo por los trustes internacionales y ha terminado el

    reparto de toda la tierra entre los pases capitalistas ms

    importantes.30

    O carter especfico que assume o imperialismo ao

    longo do tempo e a sua forma concreta de manifestao em cada

    formao econmica e social dependem do modo pelo qual se

    combinam as tendncias concentrao e centralizao de capitais

    com a lei do desenvolvimento desigual em cada conjuntura histrica.

    No entanto, qualquer que seja a estratgia que orienta a poltica do

    30 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p.765.

  • 44

    imperialismo o controle dos mercados, o acesso privilegiado

    fora de trabalho, o monoplio sobre as fontes de matrias-primas, o

    aambarcamento das oportunidades de negcios, o domnio das vias

    de transporte e comunicao, o controle do territrio e qualquer

    que seja a forma assumida da disputa pelo controle da economia

    mundial econmica ou poltica, lcita ou ilcita, pacfica ou

    violenta -, a luta entre os grandes trustes internacionais impe uma

    lgica de dominao que coloca o mundo sob permanente tenso.

    Los capitalistas no se reparten el mundo llevados de una particular

    perversidad, sino porque el grado de concentracin a que se ha

    llegado les obliga a seguir este camino para obtener beneficios y se lo

    reparten segn el capital, segn la fuerza; otro procedimiento de

    reparto es imposible en el sistema de la produccin mercantil y del

    capitalismo. La fuerza vara a su vez en consonancia con el desarrollo

    econmico y poltico. Para comprender lo que est aconteciendo hay

    que saber cules son los problemas que se solucionan con los

    cambios de la fuerza, pero saber si dichos cambios son puramente

    econmicos o extraeconmicos (por ejemplo, militares) es un asunto

    secundario que no puede hacer variar en nada la concepcin

    fundamental sobre la poca actual del capitalismo. Suplantar el

    contenido de la lucha y de las transacciones entre los grupos

    capitalistas por la forma de esta lucha y de las transacciones (hoy

    pacfica, maana no pacfica, pasado maana, otra vez no pacfica)

    significa descender hasta el papel de sofista.31

    A definio do imperialismo como regime de transio

    que prepara as bases objetivas do socialismo est determinada pela

    substituio do capitalismo baseado na livre concorrncia pelo

    capitalismo fundado no monoplio. Lnin atribui a exacerbao das

    31 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p. 753.

  • 45

    contradies do modo de produo capitalista metamorfose da

    livre concorrncia na sua anttese: o monoplio. A progressiva

    monopolizao da produo agua a contradio entre a crescente

    socializao das foras produtivas e a continuidade de um regime

    social baseado na apropriao privada dos meios de produo. O

    contraste entre o crescimento exponencial da produo social e o

    aumento da desigualdade na distribuio do excedente social

    exacerba os antagonismos sociais. O controle centralizado dos meios

    de produo pela oligarquia financeira, que cria as bases gerenciais

    para uma economia baseada no planejamento central, leva ao limite

    a irracionalidade na utilizao dos recursos produtivos da sociedade.

    Tal irracionalidade ainda reforada pelo esvaziamento da

    capacidade do poder pblico de impor limites atuao do capital

    financeiro. Por fim, a integrao dos pases atrasados na rede de

    dependncia e dominao do capital financeiro acelera a penetrao

    de relaes de produo tipicamente capitalistas e estimula a

    expanso de suas foras produtivas, transformando em antagonismo

    insupervel a contradio entre a lgica de conquista do

    imperialismo e a aspirao de autodeterminao dos povos que

    fazem parte do elo fraco do sistema capitalista mundial. O

    imperialismo amadurece, assim, as condies que determinam a

    necessidade e a possibilidade do socialismo: [...] las relaciones de

    economa y propiedad privada constituyen una envoltura que no

    corresponde ya al contenido, que esa envoltura debe

    inevitablemente descomponerse si se aplaza artificialmente su

    supresin, que puede permanecer en estado de decomposicin

    durante un perodo relativamente largo (en el peor de los casos, si la

  • 46

    curacin del tumor oportunista se prolonga demasiado), pero que,

    con todo y con eso, ser ineluctablemente suprimida.32

    Lnin atribui as tendncias que levam o

    desenvolvimento do capitalismo monopolista a provocar a agonia do

    modo de produo capitalista ao carter particularmente agressivo e

    predatrio assumido pela lgica de acumulao do capital financeiro.

    As novas caractersticas do desenvolvimento capitalista - a crescente

    importncia de formas parasitrias de acumulao, a inevitvel

    ecloso de crises econmicas agudas e recorrentes, a desconexo

    radical entre o progresso subordinado lgica dos lucros e as

    necessidades sociais da grande maioria da populao, o

    aparecimento de Estados rentistas que exploram os pases coloniais

    e neocoloniais, o carter estrutural das rivalidades entre as grandes

    potncias que disputam o controle da economia mundial resultam,

    a seu ver, de um padro de concorrncia inter capitalista que

    combina as relaes de dominao tpicas dos monoplios com as

    relaes mercantis tpicas do capitalismo. Desse modo, Lnin vincula

    a exacerbao das taras do capital s formas de acumulao de

    capital que caraterizam o capitalismo monopolista, isto , ao

    rentismo, especulao financeira, comercial e imobiliria,

    corrupo e a fraude, gesto temerria dos negcios, sabotagem

    dos concorrentes, s presses esprias sobre fornecedores, ao lucro

    extorsivo, superexplorao do trabalho nos pases colnias e

    semicoloniais, guerra como negcio. Las relaciones de dominacin

    y la violencia ligada a dicha dominacin: he ah lo tpico en la fase

    contempornea de desarrollo del capitalismo, he ah lo que

    inevitablemente tena que derivarse y se ha derivado de la

    32 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., pp. 797-798.

  • 47

    constitucin de los todos-poderosos monopolios econmicos,

    resume Lnin.33

    Ao contrrio dos tericos marxistas que identificavam o

    fim do capitalismo com o seu desmoronamento econmico,

    provocado pela tendncia decrescente da taxa de lucro, na teoria do

    imperialismo de Lnin a agonia do capitalismo no decorre de sua

    inviabilidade econmica, mas, paradoxalmente, exatamente de seu

    oposto: a impossibilidade de impor limites reproduo ampliada

    do capital e atenuar seus efeitos perversos sobre a sociedade.34 A

    degenerao do capitalismo o resultado de seu desenvolvimento. A

    necessidade de sua superao determinada por sua inviabilidade

    poltica. Os mtodos violentos e predatrios do capital financeiro

    levam os antagonismos sociais a tal ponto que as tenses e os

    conflitos que da decorrem tendem a comprometer as bases sociais e

    polticas de sustentao da sociedade burguesa. Nos pases

    capitalistas desenvolvidos, a supremacia do capital financeiro vem

    acompanhada da deteriorao das condies de vida da grande

    maioria da populao. Nas regies coloniais e semicoloniais, o

    imperialismo significa crescente explorao e opresso. Los

    monopolios, la oligarqua, la tendencia a la dominacin en vez de la

    tendencia a la libertad, la explotacin de un nmero cada vez mayor

    de naciones pequeas o dbiles por un puado de naciones

    33 Lenin, V.I., El Imperialismo, Ibid., p. 711. 34 No h na teoria do imperialismo de Lnin qualquer vestgio de determinismo economicista que associa, de maneira abstrata e mecnica, o fim do capitalismo ao seu desmoronamento econmico, provocado pela tendncia decrescente da taxa de lucro. Na sua viso, os diferentes setores, regies e pases que compem a economia mundial sofrem de maneira diferenciada os impactos dinmicos do capitalismo monopolista, alternando e combinando momentos de crise e estagnao com perodos de expanso e crescimento, conjunturas de decadncia e letargia tecnolgica com fases de intenso progresso e inovaes revolucionrias.

  • 48

    riqusimas o muy fuertes: todo esto ha originado los rasgos

    distintivos del imperialismo que obligan a calificarlo de capitalismo

    parasitario o en estado de decomposicin.35

    A avaliao de que os gravssimos problemas do

    imperialismo tm razes profundas, determinadas pelas leis de

    movimento do capitalismo monopolista, leva Lnin a descartar a

    viabilidade de reformas que possam atenuar os aspectos mais

    deletrios do imperialismo. A impossibilidade de voltar livre

    concorrncia e a inviabilidade de domar o imperialismo, tornando-o

    compatvel com a democracia e a autodeterminao dos povos,

    alternativas romnticas que alimentavam as esperanas das

    oposies pequeno-burguesas que procuravam uma soluo por

    dentro da ordem estabelecida, deixavam como nica sada a

    revoluo socialista. Recorrendo a uma citao de Hilferding, Lnin

    conclui: No incumbe al proletariado oponer a la poltica capitalista

    ms progresiva la poltica pasada de la poca del libre cambio y la

    actitud hostil frente al Estado. La respuesta del proletariado no

    puede ser actualmente la restauracin de la libre competencia que

    se ha convertido ahora en un ideal reaccionario -, sino nicamente la

    destruccin completa de la competencia mediante la supresin del

    capitalismo.36

    35. Lenin, V.I., El Imperialismo, Op. cit., p. 795. 36 Hilferding, R., El Capital Financiero. Madrid, Editorial Tecnos, 1963, p. 567, apud Lenin, V.I., El Imperialismo, Op. cit., p. 785.

  • 49

    4. O pensamento de Lnin em seu movimento concreto

    Preocupado em transformar o materialismo histrico

    em fora revolucionria viva, Lnin dedica-se ao estudo dos desafios

    da revoluo russa. Forjadas no calor dos acontecimentos, como

    respostas aos desafios concretos da luta de classes, as suas ideias

    surgem e amadurecem como crticas s teses utpicas do movimento

    Narodnaya Volya a principal fora poltica de oposio ao Tzar - e

    estratgia poltica etapista dos mencheviques corrente que

    polarizava com os bolcheviques a liderana do movimento operrio

    russo. Em relao aos populistas, Lnin questiona a viabilidade

    histrica do projeto de transio para o socialismo baseado na

    comuna camponesa, de acordo com o qual caberia aos camponeses e

    pequenos agricultores um papel estratgico na revoluo russa. No

    que diz respeito aos mencheviques, rejeita a tese de que a ausncia

    de bases objetivas para um regime socialista colocava a aliana

    operria com as fraes mais progressistas da burguesia como nico

    meio de vencer as permanncias do regime feudal. Quando postas

    em perspectiva histrica, suas formulaes insistiro no papel

    fundamental da classe operria como dnamo da revoluo russa, na

    necessidade de sua aliana estratgica com os camponeses pobres e,

    finalmente, aps uma srie de consideraes, no desdobramento sui

    generis do processo revolucionrio, o qual tende a encadear a

    revoluo democrtica com a revoluo operria, vista como um

    momento decisivo da revoluo socialista em escala internacional.

    Coerente com a metodologia de anlise concreta de

    uma situao concreta, a interpretao de Lnin sobre o carter da

    revoluo russa destaca-se pela formidvel consistncia dos nexos

    que ligam as diferentes dimenses da realidade. No amplo espectro

  • 50

    das questes econmicas, sociais e polticas tratadas na sua vasta

    obra sobre os dilemas da revoluo russa e os desafios da luta pelo

    socialismo, cabe destacar a originalidade de sua contribuio em

    pelo menos quatro direes: a teoria da revoluo, a teoria do

    partido, a teoria do imperialismo e a teoria da transio. Resultado

    de um processo de reflexo permanente, a evoluo de seu

    pensamento marcada por momentos que se completam e se

    superam, cujos pontos culminantes podem ser sintetizados de

    maneira muito esquemtica e sumria nas concluses de seus

    trabalhos de maior envergadura.37

    Teoria da Revoluo Russa I

    Desenvolvimento capitalista e as vias da revoluo burguesa

    A viso de Lnin sobre a especificidade da formao

    econmica e