leituras diversas · 2017-10-05 · comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da...
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LEITURAS DIVERSAS: alfabetização, letramento e diversidade
Ramon Luis de Santana Alcântara1 Alicilene Nascimento de Sousa2
Venice Andrade da Luz3 Camila Ramos Santos4
Rhuanna Laylla Oliveira Miranda5
Resumo Este trabalho problematiza dois impasses contemporâneos para a educação pública brasileira: alfabetização/letramento e diversidade. Parte-se da realidade, notadamente nos municípios maranhenses, do alto índice de estudantes nos últimos anos do ensino fundamental com problemas na leitura e escrita. Alia-se a essa problemática, os desafios da educação para a diversidade (étnico-racial, de gênero, sexual e relacionada a pessoa com deficiência). Metodologicamente, o apresenta discussões provenientes de uma intervenção realizada em uma escola de Grajaú/MA. Tem-se como principal resultado efetivação de metodologias diferenciadas e colaborativas ao sistema público de ensino que demonstram a necessidade de um trabalho qualificado para tratar tais impasses.
Palavras-chave: Leitura; Escrita; Diversidade.
Abstract
This work problematizes two contemporary impasses for brazilian public education: literacy and diversity. It is part of the reality, especially in the municipalities of Maranhão, of the high index of students in the last years of elementary school with problems in reading and writing. The challenges of education for diversity (ethnic-racial, gender, sexual and disability-related) are allied to this problem. Methodologically, he presents discussions from an intervention carried out at a school in Grajaú/MA. It has as main result the effectiveness of differentiated and collaborative methodologies to the public education system that
1 Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão. Doutor em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas/Geografia na Universidade Federal do Maranhão/Campus de Grajaú. Bolsista FAPEMA. E-mail: [email protected] 3 Graduanda em Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas/Geografia na Universidade Federal do Maranhão/Campus de Grajaú. Bolsista FAPEMA. E-mail: [email protected] 4 Graduanda em Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas/Geografia na Universidade Federal do Maranhão/Campus de Grajaú. Bolsista Foco Acadêmico. E-mail: [email protected] 5 Graduanda em Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas/Geografia na Universidade Federal do Maranhão/Campus de Grajaú. Bolsista Foco Acadêmico. E-mail: [email protected]
demonstrate the need for qualified work to deal with these impasses.
Keywords: Reading; Writing; Diversity.
I. INTRODUÇÃO
Este trabalho se alicerçou em duas demandas sociais que o município de Grajaú
oferece à Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a saber: um diagnóstico que apresenta
sérios problemas no processo de alfabetização e letramento dos alunos do ensino
fundamental da rede municipal e o resultado de uma pesquisa de doutorado que relata
desafios para a formação de professores na perspectiva da educação para a diversidade.
Através de constantes relatórios dos programas institucionais, como o Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), e dos estágios, os discentes do curso
de Licenciatura em Ciências Humanas/Geografia relatam a dificuldade em cumprir suas
atividades, na medida em que são paralisados pela dificuldade de leitura por parte dos alunos
do ensino fundamental nas diversas escolas da rede municipal. Existe uma demanda pública
de maior incentivo no processo de letramento e isso apresenta-se como uma demanda social
no momento em que o poder público não consegue dar conta desta demanda via rede de
ensino municipal. Essa demanda social, nesse instante, é direcionada para a universidade,
seja através da formação de professores ou da pesquisa, seja através de atividades mais
diretas como se configuram a prática da extensão. Associando a essa demanda social,
levanta-se um outro sério problema que a educação grajauense vem enfrentando: o impasse
entre sua diversidade e suas práticas coloniais conservadoras de intolerância.
O município de Grajaú, detém mais de duzentos anos de fundação e se localiza
no centro-sul do Maranhão, apresentando fronteiras com terras indígenas e sendo marcado,
historicamente, por conflitos étnicos. O conflito entre “brancos” e “índios” aponta para uma
questão de intolerância. Vinculado a esse fato, há também um mascaramento de conflitos
étnico-raciais em relação aos negros. Outras questões como homofobia, machismo e demais
formas de discriminação também aparecem de forma frequente no cotidiano.
Os dados do censo demográfico do IBGE (2010) revelam alguns indícios sobre a
questão do racismo, por exemplo. Da totalidade da população negra, aproximadamente 1,2%
possuem ensino superior completo; 8,2% possuem ensino médio completo; 12,6% possuem
apenas o fundamental completo; enquanto 58% não têm instrução ou possuem o fundamental
incompleto. Da totalidade da população branca, aproximadamente 3,3% possuem ensino
superior completo, 12,4% possuem ensino médio completo, 13,1% possuem apenas o
fundamental completo, enquanto 45,6% não têm instrução ou possuem o fundamental
incompleto (IBGE, 2017). Considero esses dados preocupantes no âmbito geral, pois
aproximadamente metade da população se apresenta sem instrução ou com apenas o
fundamental incompleto. Vale enfatizar que mesmo os dados sendo alarmantes no que se
refere a população como um todo, os números que se referem à população negra,
invariavelmente, estão abaixo daqueles que se referem à população branca, o que denota a
existência de um corte racial no âmbito escolar, seja na entrada, na permanência, na oferta,
no incentivo, nas condições para que os negros frequentem a escola em Grajaú.
Mas de fato, de forma mais gritante, a relação interétnica que envolve índios e
não-índios configura-se como a mais problemática para o município, na percepção dos
grajauenses. No município de Grajaú há terras indígenas Tentehar/Guajajara, sendo que uma
delas situa-se na sede do munícipio. Historicamente, as relações com índios têm sido
conflituosas. A própria criação do município se deu pelo viés do conflito, como aponta Coelho
(2002, p. 105, grifo nosso), citando a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de 1957 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde diz que “[...] o atual município de
Grajaú foi, quando de sua fundação e conservação, uma das maiores conquistas da
civilização sobre os indígenas nos sertões do Maranhão”. Esse sentimento de “conquista da
civilização” sobre “selvagens” e “primitivos” ressoa até hoje na cidade. Índios ainda são
percebidos como povos atrasados, ignorantes, sujos, deseducados.
No que se refere à questão indígena, os dados do Censo de 2010 do IBGE
revelam que do total de 4.135 índios estimados pelo instituto, pouco menos de 150 recebem
mais de um salário mínimo. Vale destacar que a cultura Tentehar é marcada por uma
sociedade sem assalariamento, sendo este tipo de relação comercial estabelecida e imposta
pelos não-índios. Os dados apontam ainda que mais da metade, aproximadamente 2.148
índios é considerada “sem instrução”. No entanto, devemos analisar que os não-índios
consideram como “instrução” a conclusão mínima do ensino fundamental. Nas culturas dos
povos indígenas, o valor dado à escola não corresponde aquele dado pelos não-índios. A
educação indígena tradicional não pressupõe a necessidade de frequentar uma instituição e
receber um certificado de escolarização. Entretanto, esse dado da instrução, associado a
outros como renda e emprego, revelam o desnível socioeconômico existente em Grajaú entre
índios e não-índios, tal qual já se apresentava entre brancos e negros. Tem-se então
elementos para analisar que há um problema social no munícipio, atravessado pela questão
étnico-racial. Problema esse diretamente vinculado às preocupações da Educação.
Na cidade há presença da homofobia, expressa em vários meios sociais e,
inclusive, na universidade. Essa intolerância a uma orientação sexual diferente da
heterossexual não difere do que observamos no país, mas comparando-se ao preconceito
contra negros, pobres, indígenas, há a especificidade de ser explícita e declarada
enfaticamente pelas pessoas com as quais pude conversar. Neste contexto há o fundamento
religioso como base de valor. Outras questões como o machismo ou mesmo a percepção da
pessoa com deficiência como um incapaz se apresentaram, apontando Grajaú como um
cenário interessante para se problematizar a questão da diversidade.
A diversidade se apresenta em meio a contradições, à discriminação, ao
preconceito, à invisibilidade e à desigualdade. Os dados apresentados acima são ilustrativos
para se pensar como, ao modo de nossa herança colonial, a diversidade se associou à
desigualdade no Brasil. Em Grajaú, essa associação é visível em relação aos índios, negros,
mulheres e todos aqueles “outsiders” (ELIAS & SCOTSON, 2000) invariavelmente reduzidos
ou com acesso aos direitos básicos dificultado. Como destaca Capelo (2013, p. 20), “essa
ordem é legitimada socialmente pela tolerância romântica que alimenta as relações de poder”.
O que temos é uma invariável perpetuação da discriminação e da desigualdade, travestida,
em certas ocasiões de tolerância. Como continua a autora, “as desigualdades sociais estão
vinculadas às diversidades que têm a ver com as diferenças entre os grupos sociais”
(CAPELO, 2013, p. 25).
O Brasil é um país plural e multicultural, com diferentes etnias, orientações
sexuais, religiões e etc., mas marcado pelo viés colonial preconceituoso e discriminatório.
Nesse sentido, Grajaú, pela vivacidade dessas diferenças e desse viés colonial, configura um
espaço valioso para se pensar a diversidade no país. Esse trabalho se situa em uma
percepção de que o munícipio é marcado positivamente como um espaço multicultural e de
viva diversidade; porém, negativamente, por sufocar, em um tensionamento característico da
nossa herança colonial, a diversidade.
II. LEITURA, ESCRITA E DIVERSIDADE
Alfabetização e letramento
Alfabetização e letramento são temas bastante debatidos no meio acadêmico
principalmente quando falamos da pratica docente. Amplas teorias e metodologias são
criadas e recriadas em cada contexto histórico do processo de desenvolvimento educacional
do nosso país. Inúmeras tentativas de diminuição dos índices de analfabetismos a partir de
políticas públicas já formam previamente colocadas em práticas ou iniciadas, ou às vezes
apenas escritas como a garantia de uma educação com qualidade para todos e todas.
Nesse contexto Ferreiro (1993) destaca um dilema que vivenciamos em relação
ao processo de alfabetização, relatando que mesmo aumentado o alcance dos serviços
educativos, ainda assim temos resultados insatisfatórios no que se diz respeita aos índices
de alfabetização por apresentarem baixas qualidades, definido pela autora como "mínimo de
alfabetização". Fazendo críticas a este resultado caracterizando-o como nível "técnico
rudimentar", pois, não conseguem atingir um nível mais elevado de transmissão de
conhecimentos, para que assim, os indivíduos possam conseguir dominar os códigos
linguísticos e numéricos em sua totalidade. Na qual Soares (2015) aponta como consequência
disto, a falta de políticas públicas que realmente se preocupem com a alfabetização e
letramento dos indivíduos do nosso país a partir de uma educação com qualidade.
Nessa perspectiva procuramos nos fundamentar nas discussões acerca da
alfabetização e letramento, apresentados por Soares (2004, p. 14) na qual destaca a distinção
de alfabetização/letramento, afirmando que a “alfabetização deve ser entendida como a
aquisição do sistema convencional de escrita, e letramento como o desenvolvimento de
comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais”.
Nesse contexto, acreditamos que não basta apenas alfabetizar o aluno como se só a
aquisição do sistema convencional da escrita fosse necessária e importante, também é
essencial inserí-los no letramento para que possam desenvolver comportamentos e
habilidades de uso competente da leitura e da escrita em todas as suas práticas sociais,
visando uma educação com qualidade permitindo as crianças a compreenderem que os
hábitos de
Assim Soares (2004) destaca a necessidade de superarmos os fracassos da
nossa educação em relação a alfabetização e letramento a partir da articulação de
conhecimentos e metodologias fundamentados em diferentes ciências e sua tradução em
uma prática docente que integre as várias facetas da aprendizagem da língua escrita,
articulando a aquisição do sistema de escrita, com o desenvolvimento de habilidades e
comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais de leitura e de
escrita.
Diversidade
Construímos nossas propostas com base em uma afirmação que postula a
expansão da diversidade e do pluralismo cultural na contemporaneidade da sociedade em
rede que vivemos. Procuramos pensar a diversidade estabelecendo um diálogo com autores
da crítica pós-colonial, em especial Bhabha (1998) e seu debate acerca do hibridismo cultural,
também em expansão, e a luta que se estabelece nas diferenças culturais. Nesse sentido,
partimos do pressuposto de que, conforme historiadores e pesquisadores da educação
apontam, por exemplo Arroyo (2012), as concepções e práticas educativas estiveram sempre
fundamentadas em um saber-poder formulado no sentido de subalternizar e colonizar
determinados grupos sociais, tais como os povos indígenas, negros, filhos de trabalhadores,
entre outros. O sujeito da pedagogia, não raro, é o sujeito branco, católico, heterossexual,
masculino, burguês, “normal”. Todos aqueles que se diferenciam deste padrão são tidos como
“perigosos”. Precisam ser corrigidos ou excluídos.
É considerando essa perspectiva que tentando produzir alguns conhecimentos
acerca das relações de poder de diferenciação. Conceituamos aqui “relações de poder de
diferenciação” a partir da concepção de Michel Foucault que aponta que toda relação social
é uma relação de poder, ou mesmo Bhabha (1998) que marca que as relações sociais se dão
por via da negociação. Acrescentamos a esta perspectiva, a ideia, compartilhada pelos
autores tomados como referência nesta proposta, que a diferença não é uma propriedade que
o indivíduo ou determinados grupos sociais portam, mas a diferença se dá nas relações entre
indivíduos e grupos sociais, relações de diferenciações. As diferenças só se apresentam no
momento dessas relações.
Como todas relações sociais são relações de poder, aqui conceituamos as
relações de poder de diferenciação. Como opera as relações de poder no momento em que
se apresenta o processo de diferenciação? Essa é a indagação da proposta. Especificamente,
tratando-se de um cenário histórico e cultural que cristaliza essas relações de poder,
produzindo hierarquizações e inferiorizações de determinados grupos sociais.
Bhabha (1998) nos auxilia a problematizar a temática da diversidade. Em especial
no que se refere à diversidade cultural e diferença cultural, o pensador indiano abre
possibilidades teóricas para que matizemos, de maneira mais cuidadosa, o debate acerca da
diversidade, ou melhor dizendo, das relações entre “nós” e “eles”. Em linhas gerais, Bhabha
(1998) marca que diversidade cultural é um objeto epistemológico, que é tratado sob um
prisma ético, estético e etnológico. É um reconhecimento de totalidades culturais coexistentes
em seus conteúdos próprios. A ideia de diversidade cultural dá margem para se pensar, por
exemplo, a questão do multiculturalismo em contrapartida a concepções naturalizantes de
uma única cultura. Pelas considerações de Bhabha (1998), podemos entender que falar sobre
diversidade, nos termos que estamos trabalhando aqui, é compreender ou tornar objeto de
compreensão a coexistência de diferenças. Seria tomar a região de Grajaú como multicultural,
onde se tem uma (ou várias) cultura indígena e uma (ou várias) cultura não indígena, por
exemplo.
A ideia de diferença cultural em Bhabha (1998) denota a análise dessas
multiculturas em relação de poder, configurando-se em “um processo de significação através
do qual afirmações da cultura e sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a
produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade” (BHABHA, 1998, p.
63). Assim, pode-se chegar a conclusão de que uma cultura só se produz no momento de sua
diferenciação. Não há uma cultura única, assim como toda cultura está em relação a outra.
Como não há uma cultura homogênea, cristalizada. Todos “nós” só se anuncia a partir da
existência “deles” e isso é dinâmico no tempo e no espaço. A única coisa que nos permite
falar em “não indígenas” em Grajaú ou em qualquer lugar do mundo é a existência das culturas
indígenas, que por sua vez só existem enquanto tal em relação aos “outros”, que somos nós,
não índios
Trazendo a discussão de Bhabha (1998) para nossos objetivos, esse espaço
relacional que o autor evoca para entender diversidade/diferença tem como principal efeito a
compreensão de que estamos permanentemente em disputa, ou em negociação, utilizando o
termo do autor. Estabelecemo-nos e produzimo-nos nesse campo de forças, nessas relações
de poder. Ainda segundo Bhabha (1998, p. 69), explorar esse espaço, esse entre-lugar, é
abrir a possibilidade de nos pensar como “os outros de nós mesmos”. Quando discutimos a
questão da diversidade, partimos dessa perspectiva. Entendendo diversidade como a
multidimensionalidade das relações de diferenciação, abarcando seu aspecto mais
significativo, que é entender essas relações como um campo de enunciação, disputa e
negociação.
Os grupos que assumem status de maior poder social se colocam em posição de
privilégio para classificar os outros grupos, discriminando, inferiorizando, negando sua
existência. Elias e Scotson (2000, p. 24) destacam que “afixar o rótulo de ‘valor humano
inferior’ a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de
poder, como forma de manter sua superioridade social”. Ainda analisando a constância dessa
mecânica, afirmam que existem semelhanças no padrão de estigmatização usado pelos
grupos de poder elevado em relação aos seus grupos “outsiders” no mundo inteiro, mesmo
levando em consideração as diferenças culturais. Em consonância com a linha de
pensamento que estamos construindo, Elias e Scotson (2000, p. 36-37) também
compreendem que “o ideal da racionalidade na condução das questões humanas continua a
barrar o acesso à estrutura e à dinâmica das figurações estabelecidos-outsiders”.
As contribuições de Castro-Gómez (2010) também me fornecem novos elementos
analíticos para entendermos nosso objeto. Estou partindo da ideia de que a escola e a
pedagogia moderna são construções de uma sociedade que se buscou ordenar, disciplinando
e normalizando os “outros” que não seguiam suas concepções de aprendizagem e
subjetivação/identidade. Percebo agora que são os discursos coloniais, marcados por uma
visão de mundo hierárquica no que diz respeito aos aspectos étnico-racial, religioso, de
gênero, sexual etc., que fundam os discursos modernos de ordenação. Posso então entender
como esses discursos modernos se construíram e se reproduziram entre “eles” e entre “nós”,
até os dias atuais, negando, inferiorizando, excluindo determinados grupos sociais no Brasil.
Temos uma herança colonial presente na nossa forma de ser brasileiro. Pensar para além de
uma escola colonizada é mais que pensar políticas de inclusão ou políticas de escolas
indígenas ou quilombolas, por exemplo. É antes de tudo um exercício de problematização da
formação da nossa sociedade e da diversidade que a caracteriza.
A intervenção institucional pedagógica
Para a aplicação do projeto trabalhamos a partir dos pressupostos da Intervenção
Institucional, no que tange sua dimensão pedagógica. A Intervenção Institucional é um
processo feito por grupos localizados em instituições, como as escolas, neste caso, chamada
de intervenção pedagógica, cujo objetivo é propiciar a esse grupo que se tornassem capazes
de gerenciar suas próprias questões. Os interventores ficaram na instituição até os membros
do grupo sentirem-se capaz de resolverem seus problemas por conta própria. A capacidade
de solução dos problemas foi incentivada entre os membros do grupo, que inventaram as
estratégias de solução para os mesmos. A Intervenção Institucional trabalhou, desta forma,
em busca da autogestão (LOURAU, 2014).
Nessa perspectiva buscou-se a partir da intervenção pedagógica, com as
atividades desenvolvidas durante o período de efetivação do projeto de extensão, que os
alunos, sintam-se capazes de pensar alternativas para lidar com seus problemas de leitura e
compreensão de texto, bem como das questões que envolvem as múltiplas dimensões da
diversidade e seu enfrentamento contra as práticas de estereótipo, preconceito e
discriminação principalmente no que se desrespeita a suas cotidianidades.
Para isso, foram formados grupos de alunos previamente selecionados pela
coordenação da escola do ensino fundamental da rede municipal em Grajaú, no contra turno
às suas atividades escolares. Com estes grupos foram realizadas atividades de leituras e
debates de textos acerca das questões da diversidade. Os alunos selecionados foram aqueles
que apresentaram maiores dificuldades com a leitura e escrita identificados pelos professores
e pela coordenação da própria escola.
Na oportunidade foram implementadas individualmente e coletivamente
estratégias de leitura e compreensão de textos, de forma a desenvolver a habilidade de leitura
com os alunos. Concomitantemente, no momento do debate, foram trabalhadas concepções,
crenças e valores acerca das questões da diversidade, de forma a promover uma educação
para a diversidade e contribuir para o desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem
dos mesmos.
Para tanto decidimos trabalhar com 3 grupos de 10 alunos dos anos iniciais do
ensino fundamental (4º, 5º e 6º). Os alunos tiveram participação voluntária, mas também foi
feito um trabalho em conjunto com a escola, na intenção de garantir a participação dos alunos
que mais necessitavam de uma atividade complementar para o desenvolvimento da
habilidade de leitura e consequentemente da escrita.
Os encontros tiveram duração de 3 horas e foram realizados um encontro por
semana na própria universidade para cada grupo que aconteciam nos dias de terça-feira,
quarta-feira e quinta-feira. Nos dias de segundas realizávamos encontros na universidade
entre bolsistas voluntários e coordenador da extensão para tratarmos do andamento do
projeto no que tange a sua aplicação e planejarmos estratégias e metas para o
desenvolvimento do mesmo, assim como a discussão e debates de textos que versem sobre
a diversidade e a prática pedagógica. Para tanto cada bolsista ficou responsável por um
grupo, onde desenvolvemos as atividades em conjunto com os discentes voluntários e com
as orientações do coordenador.
Todas as atividades desenvolvidas durante o projeto de extensão foram
construtivas tanto para os futuros docentes e discentes que se empenharam para a sua
efetivação. Para tanto algumas atividades merecem destaque as quais nos proporcionaram
maior preparação e capacitação para trabalharmos com alfabetização. Como por exemplo o
minicurso “Aspectos teórico-práticos da alfabetização na perspectiva socio-interacionista”.
Que teve como objetivo refletir sobre os principais aspectos norteadores do fazer pedagógico
na alfabetização numa perspectiva socio-interacionista. Neste minicurso podemos ter uma
maior aproximação tanto com a teoria e a prática da alfabetização/letramento, o que nos
possibilitou ter preparação para trabalharmos com alunos do ensino fundamental nos anos
iniciais, com o objetivo de juntos poder contribuir para o processo de aprendizagem de leitura
e escrita dos alunos selecionados.
Outra atividade que destacamos com relevância foi o diagnóstico aplicado na
segunda semana do projeto com a discussão pautada na leitura coletiva de textos que versem
sobre as questões da diversidade, enfatizando a importância da leitura e escrita para a nossa
formação. Com aplicação de atividades que exigem leitura, interpretação textual e escrita com
a perspectiva de identificarmos as principais dificuldades dos alunos e alunas para
elaborarmos estratégias e metas para podermos darmos continuidade ao projeto e alcançar
nossos objetivos.
Também trabalhamos com os alunos textos que versem sobre o tema “da
igualdade, preconceito, cultura, entre outros com o objetivo de abordar que apesar de sermos
diferentes, todos temos direitos iguais independente da nossa cor, religião, condição social,
cultura, entre outros fatores destacando a importância de discutirmos acerca da diversidade
e respeitar as diferenças, e incentivando os alunos a lerem e interpretarem os textos lidos
mesmo com a ajuda dos professores para podermos discutir em coletividade. De início,
podemos perceber que a maioria das crianças, apresentavam visões estereotipadas acerca
da diversidade apesar de algumas sofrerem preconceito, resultado principalmente do
ambiente em que convivem por termos herdado visões dos nossos colonizadores que
subalternam e rotulam aquilo que é visto como “diferente”.
Com isso, além de nos preocuparmos com as dificuldades identificadas para com
a leitura e escrita dos alunos, também tivemos a preocupação de criar condições e momentos
para discutirmos juntamente com eles temas e contextos referentes a diversidade vivenciadas
por cada um, a partir de conversas construtivas sobre as diferenças que cada aluno e
professores apresentam.
Também trabalhamos o alfabeto destacando as vogais e consoantes e com a
formação e leitura de palavras e frases a partir do alfabeto móvel e imagens, reforçando a
leitura das sílabas, para que os alunos não se confundissem com os sons que se parecem
quando pronunciadas, já que constatamos que essa é uma das principais dificuldades dos
alunos. O que nos mostrou maior interação dos alunos, já que com o alfabeto móvel eles
aprendem de forma divertida e construtiva, em coletividade com os colegas.
A principal finalidade do projeto estava voltada para uma forma de trabalhar a
diversidade por meio da leitura, onde os acadêmicos auxiliaram no desenvolvimento
linguístico dos alunos e alunas e ainda trabalharam de uma forma didática assuntos que
englobam a multidiversidade que encontramos em nosso país, seja esta de gênero, étnica,
racial, social, religiosa, entre outras.
Nesse sentido o projeto foi de suma importância não apenas para os bolsistas que
adquiriram experiências e conhecimentos, e nem tão somente para os alunos da rede
municipal que fizeram parte do projeto, mas para todos aqueles que almejam por uma
sociedade melhor que respeite e valorize a nossa diversidade e prezam a leitura e a escrita
enquanto ferramentas necessárias e essenciais para a formação de pessoas críticas e
reflexivas.
Com esse propósito, conseguimos alcançar os principais objetivos que
almejávamos alcançar com as atividades que desenvolvemos, contribuindo significativamente
para com o desenvolvimento da leitura e escrita de alunos da rede municipal e ao mesmo
tempo fazendo com que entendam que a nossa diversidade deve ser respeitada e vivenciada.
Abrindo espaço propício para a discussão e reflexão das questões ligadas a diversidade, e
ao mesmo tempo contribuindo para o desenvolvimento da leitura e escrita de dezenas de
crianças e adolescentes que precisam de uma maior atenção e colaboração da sociedade
para que realmente possam realizar seus sonhos a partir do conhecimento e ter seus direitos
realizados, principalmente o direito a uma educação com qualidade.
No decorrer do projeto foi identificado uma interação dos alunos com cada tema
trabalho e consequentemente um estreitamento de laços com os mesmos, havendo
discussões pertinentes e proveitosas, onde tiveram grande impacto na visão crítica dos
discentes. Diante disso, percebemos que os objetivos foram alcançados com êxito, pois, as
práticas discursivas dos educandos foram mudadas no decorrer da intervenção.
III. CONCLUSÃO
O projeto de extensão “Leitura Diversas” não se resume apenas em uma
intervenção pedagógica, mas a uma aproximação direta entre os acadêmicos e os alunos,
havendo a continua troca de conhecimento, já que todos nós somos mediadores. O projeto
nos possibilitou trabalharmos com alfabetização e ao mesmo tempo ter contato com materiais
que versem sobre a diversidade, assim como também materiais para trabalharmos com
alunos e alunas do ensino fundamental menor.
Mesmo com todas as dificuldades as experiências vivenciadas com o projeto,
podemos ressaltar que o mesmo foi de suma importância para a formação dos docentes e
discentes que participaram do mesmo. Acreditamos que projetos como o “Leitura Diversas”
nos molda e nos orienta para nos desenvolvermos enquanto educadores que se preocupam
não apenas com a formação em si mesma, mas principalmente com uma formação pautada
na troca de conhecimento já que o conhecimento é inacabado e contínuo.
Nessa perspectiva mesmo que o projeto tenha sido de curto período (4 meses)
acreditamos que nossos objetivos foram alcançados e efetivados. Destacamos a necessidade
da existência de projetos que versem não apenas sobre a diversidade em si mesma, mas que
valorizem a interdisciplinaridade e principalmente o aprimoramento e desenvolvimento da
prática da leitura e escrita de alunos de escolas públicas que necessitam de maior atenção
de acordo com suas dificuldades em relação a leitura.
Concluímos que projetos como esse se faz necessário, para que novas crianças
possam ter a oportunidade de desenvolver o processo de aprendizagem principalmente a
leitura e a escrita em um espaço dedicado e qualificado. É necessário lutar por políticas
públicas efetivas na educação que rompam com o cenário social de reprodução das
desigualdades, notadamente de grupos historicamente inferiorizados no país. Mas
concomitantemente a essa luta, iniciativas, principalmente, oriundas da universidade pública,
são especiais para intervirem especialmente na vida daqueles alunos que estão vivenciando
os impasses da educação pública e não poderão aguardar resultados futuros das lutas
políticas. Mais que isso, projetos como esse, fortalecem essa luta, no sentido de possibilitar a
formação crítica de nossos estudantes, tanto na educação básica, como no ensino superior.
REFERÊNCIAS
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