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Leitura teórico- literária do poema Quando fores velha, de William Butler Yeats Maria de Jesus Silva da C. Morais Orientadora: Lires Teresa Ferneda

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Leitura teórico-literária do poema Quando fores

velha,de William Butler Yeats

Maria de Jesus Silva da C. Morais

Orientadora: Lires Teresa Ferneda

Objetivo

Análise do poema Quando fores velha, de William Butler Yeats, poeta irlandês, para apreender o filamento temático e os aspectos literários nele diluídos.

Metodologia

Como ferramenta de análise, utiliza o Estruturalismo, método de abordagem científica que prioriza as partes constitutivas do objeto. Investiga o texto nas suas dimensões ótica, fônica, linguística, semântica e intertextual.

Suporte Teórico

• Alfredo Bosi• Antônio Fernando Viana• Aristóteles• Fidêncio Bogo• Gilberto Mendonça Telles• Jean Chevalier• Jean Cohen• José Brasileiro Vilanova• Platão• e outros.

Problemática

Por não haver fortuna crítica, em Língua Portuguesa, de autores de Língua Inglesa, os leitores têm muita dificuldade em ler e interpretar poemas da Literatura Inglesa, privando-se, assim, da convivência com a arte-palavra de autores que traçam sua singularidade e estilo na estética literária universal.

Poesia

Poesia é arte.E, como toda Arte, exige tonalidade, cor, brilho, criatividade, o artista, o admirador. Mas, acima de tudo, a alma de quem cria e de quem olha e enxerga.

Ivone Carvalho

Arte Poética

A Arte é uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira.

Aristóteles

Literatura X História

Quais são as fronteiras que dividem o ficcional e o real? O que é estético na linguagem?

Historiador X Poeta

O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato do primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.Por tal motivo, a poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História, porque a poesia permanece no universal e a História estuda apenas o particular.

(Aristóteles. Arte Retórica e Arte Poética, 1999, p. 252.)

Poética

A poética tem por objetivo definir caracteres essenciais da criação literária (poesia e prosa).

(Telles. Camões e a poesia brasileira, 1973, p. 33.)

Poética

A poética é a ciência do estilo poético.

(Jean Cohen. Estrutura da linguagem poética, 1966.)

A Poética tratou sempre da teoria do discurso literário; e a Retórica, da prática e da eficácia desse discurso.

Uma é complemento da outra, já que nenhum discurso literário pode ser apenas poético ou apenas retórico.

Além do mais, como ensinam os modernos estudiosos, um texto só é poético se sua retórica for eficaz.

(Telles. Camões e a poesia brasileira, 1973, p. 33.)

Poética e Retórica

A Literatura

A literatura é como o sorriso da sociedade.

(Afrânio Peixoto apud BOSI, 1994, p. 197.)

A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana.

(Terry Eagleton. Teoria da Literatura: uma introdução. 1983, p. 2.)

Poema

Uma arte completa tem a obrigação de utilizar todos os recursos de seu instrumento.Não utilizando os recursos fônicos da linguagem, o poema em prosa aparece sempre como uma poesia mutilada.

(Jean Cohen. Estrutura da linguagem poética, 1966, cap. II, p. 46.)

Verso

O verso só existe como relação entre o “som e o sentido”. É uma estrutura fono-semântica.

A metáfora, por exemplo, se situa unicamente no nível semântico.

O verso é um processo de poetização, e como tal que devemos estudá-lo.

(Jean Cohen. Estrutura da linguagem poética, 1966, cap. II, p. 46.)

William Butler Yeats

Espalhei meus

sonhos a seus pés.Caminhe devagar, pois você

está pisando neles.

W. B. Yeats

Estilo de Yeats

Suas obras iniciais eram caracterizadas por tendência romântica, exuberante e fantasiosa.

Por volta dos seus 40 anos e em resultado da sua relação com poetas modernistas, como Ezra Pound, e também do seu envolvimento ativo no nacionalismo irlandês, seu estilo tornou-se mais austero e moderno.

Estilo de Yeats

Nos seus últimos poemas, Yeats abandonou os temas políticos que caracterizavam o período intermédio da sua obra e começou a inspirar-se no seu universo pessoal, incluindo os filhos e a experiência do envelhecimento.

Quando fores velha,de William Butler Yeats –o poema premonitório

Quando já fores velha, e grisalha, e com sono, APega este livro junto ao fogo, a cabecear, BLê com calma, e com olhos de profundas sombras

CSonha, sonha com o teu antigo e suave olhar. B

Muitos amaram-te horas de alegria e graça, ACom amor sincero ou falso amaram-te a beleza BSó um, amando-te a alma peregrina em ti, CDe teu rosto a mudar amou cada tristeza. B

Curvando-te junto à grade incandescente, AMurmura com amargura como o amor fugiu BE caminhou montanha acima, a subir sempre, CE o rosto em multidão de estrelas se encobriu. B

Estrato ótico e disposição rímica

Rimas

Rimas perfeitas:cabecear/olhar; beleza/tristeza;

fugiu/encobriu.Rimas toantes: incandescente /sempre.

Rimas irregularmente dispostas: velha / grisalhacom / sombrasamando-te / curvando-temurmura / amargura.

Estrutura rítmica

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

Quan do já fo res ve lhae gri sa lhae com so no

Pe ga es te li vro jun toao fo goa ca be cear

Lê com cal mae com o lhar de pro fun das som bras

So nha so nha com o teuan ti goe sua veo lhar

Métrica: 12 sílabas poéticas

Versos decassílabos ou alexandrinos

Expressividade fônica

Assonância da vogal u• Nas palavras: murmura, amargura• Nos dígrafos vocálicos: an, om un da primeira estrofe: Quando,

com, junto, profundas, sombras da segunda: amaram-te, com, um,

amando-te da última: curvando-te, junto,

incandescente, com, montanha.

Expressividade fônica

Assonância das consoantes ─

• No título e no primeiro verso: Quando já fores velha, e grisalha, e com sono

labiodentais fricativas: f, valveolares fricativas: s, /z/palatal fricativa: j.

Expressividade fônica

Aliteração ─ no quarto verso da primeira estrofe:

Sonha, sonha com o teu antigo e suave olhar.

Coliteração ─ no título e no primeiro verso do poema, com as fricativas labiodentais f e v, nas palavras fores e velha.

Nível linguísticoO texto apresenta • conjunções: quando..., já..., e...,

ou...• Preposições: com..., a..., de...,

em..., acima...• A conjunção subordinativa

temporal Quando, que inicia o poema, aponta para o futuro: o tempo da velhice.

Nível linguísticoA prevalência de verbos revela o

predomínio de uma classe gramatical que expressa ideia de ação.

• Há supremacia dos verbos no imperativo: pega, lê, sonha, sonha, murmura

• Pretérito: amaram-te, amaram-te, amou, fugiu, caminhou, encobriu

• Infinitivo: cabecear, olhar, mudar, subir• Gerúndio:amando-te, curvando-te• Futuro: fores.

Dimensão semântica

Palavras mais sedutoras, que reavivam um passado de sonhos, cores e amores:

suave olhar...sonha...horas de alegria e graça...amor sincero...amaram-te a beleza...grade incandescente...

Dimensão semântica

Palavras mais próximas semanticamente, que reforçam a amarga intencionalidade temática do poema:

fogo... incandescentevelha... grisalhavelha... antigoalegria... graçacalma... suavetristeza... amargurabeleza... graçaacima... subiralma peregrina... rosto a mudar.

Dimensão semântica

Palavras mais distantes semanticamente, as antíteses, que revelam o conflito no universo do viver:velha... belezagrisalha... belezajunto... fugiuolhos de profundas sombras... suave olharalegria... tristezaalegria... amargurasincero... falso.

Plano estilísticoMetáfora Sentido

semânticoQuando fores velha

Quando chegares ao tempo da velhice

Com sono Fraca, frágil, envelhecida, próxima do fim

Olhos de profundas sombras

Olhos de saudade, tristeza, reminiscências, nostalgia

Plano estilísticoMetáfora Sentido

semânticoSuave olhar Juventude, beleza,

sonhos Horas de alegria e graça

Amor, sexo, prazer, diversão

Amaram-te a beleza

Amaram-te o corpo jovem

Plano estilísticoMetáfora Sentido

semânticoAlma peregrina Alma inquieta,

insaciável, inconstante

Rosto a mudar A passagem do tempo, as mudanças físicas e psicológicas

Tristeza Desamor, desilusão, envelhecimento

Plano estilísticoMetáfora Sentido

semânticoGrade incandescente

Passado de paixões

Montanha acima Transcendência, o céu

Multidão de estrelas

A morte, a distância, o infinito, as paragens do céu

Jogo de pressuposições

Um dos objetivos do sujeito-lírico é apresentar à mulher (o ‘tu’ do poema) um filete de investigação da sua interioridade, a fim de trazer à tona o seu passado, os dramas internos de si própria e confrontar duas épocas: o pretérito imperfeito de sua vida, com seus sonhos e reveses, e o futuro, com o desconcerto da velhice.

Jogo de pressuposições

É como se o sujeito-lírico dissesse a ela: ‘perscruta, pensa, reflete, compreende a ti mesma. Relembra teu passado, teus amores, tua beleza, o viço da juventude... e imagina tua velhice, tua solidão...’.

Jogo de pressuposições

Na terceira estrofe, o verso

Murmura com amargura como o amor fugiu

demonstra uma secura existencial do objeto de seu poema.

Jogo de pressuposições

No primeiro verso da primeira estrofe, entre os elementos empregados para simular o fluxo da passagem do tempo, pode-se apontar a reiteração insistente da conjunção aditiva e:e grisalha, e com sono, e com olhos de profundas sombras[...] com o antigo e suave olhar.

Jogo de pressuposições

As palavras e expressões − grisalha, sono, olhos de profundas sombras, antigo e suave olhar − metamorfizam a velhice.

No verso, De teu rosto a mudar amou cada tristeza, infere-se que o sujeito-lírico se utiliza de uma comparação para expressar o amor que teve pela mulher, quando jovem, mas que não se apagou diante das vicissitudes da vida e da efemeridade da beleza física.

Matizes de intertextualidadesYeats e Fidêncio BogoQuando fores velha – YeatsQuando começares a viver de saudades –

Fidêncio Bogo

No título do poema, de Yeats, observa-se a maneira como o sujeito-lírico recorda à mulher certa fatalidade realista do corpo e do espírito, ao chegar à velhice, postura que Fidêncio Bogo também seguiu em um dos seus poemas da obra Aprendizagem: “Quando começares a viver de saudades”.

Matizes de intertextualidades

Sou um candidato a velhoem final de campanha.Logo, logo minha presença será incômodacomo um tamborete surradona sala repleta de móveis último tipo.

(Fidêncio Bogo. Quando começares a viver de saudades, versos 1 a 4.)

Matizes de intertextualidadesNos versos de Yeats, o sujeito-

lírico enfatiza as transformações físicas e psicológicas pelas quais passou a personagem.

Numa analogia, pode-se transpor a ideia do poeta ao fragmento do poema Oração da Tarde, de Fidêncio Bogo, em que descreve as mudanças na natureza:

Matizes de intertextualidades

O sol vai mudando de posição,as nuvens tontas trocam de roupa a cada minutoe as cores do poente vão-se esbatendo...

(versos 17 a 19)[...]

mau grado o vaivém do sole a mutante roupagem das nuvens.Mudança e permanência.

(versos 28 a 30)(Fidêncio Bogo. Oração da Tarde.)

Matizes de intertextualidades

Pode-se estabelecer outro traço de intertextualidade do poema de Yeats com o poema A vida é síntese, de Fidêncio Bogo:

E descobri que a vida é cúmplice da mortee as vigílias são irmãs dos sonos longose a vida mora nas pupilas mesmo quandoas cortinas das pálpebras se fecham.

(versos 5 a 8)

Matizes de intertextualidades

[...]O frio NÃO é servo fiel do ardente SIM.O sim e o não são os degraus da escadapor onde a vida sobe à perfeição.O sim é o não, a dor é a alegria,o amor é o ódio, o sonho é a realidade,o antes é o depois, a aurora é o poente.E a vida não é sim nem não – é tudo,não é antes nem depois – é AGORA.

(versos 25 a 32)

Matizes de intertextualidadesYeats e Cecília MeirelesAssim como Yeats, nas asas da

imaginação, pousa nas estações do passado e dos tempos da vida, contrapondo o “antigo e suave olhar” com “olhos de profundas sombras”, Cecília Meireles em seu poema, Retrato, traça a imagem de si própria, constatando as mudanças, as transformações físicas e psicológicas pelas quais passou. Seu poema se estrutura numa comparação entre como era o sujeito-lírico na juventude e como é no presente.

Matizes de intertextualidadesEu não tinha este rosto de hoje,assim calmo, assim triste, assim magronem estes olhos tão vazios,nem o lábio amargo.Eu não tinha estas mãos sem força,tão paradas e frias e mortas;eu não tinha este coraçãoque nem se mostra.Eu não dei por esta mudança,tão simples, tão certa, tão fácil:− Em que espelho ficou perdida a minha face?

(Cecília Meireles)

Matizes de intertextualidadesYeats e Paulo Mendes CamposOs versos da terceira estrofe do poema de

Yeats,Murmura com amargura como o amor fugiuE caminhou montanha acima, a subir sempreE o rosto em multidão de estrelas encobriu fazem cruzar os versos de Campos, no

poema Tempo e Eternidade:

Sem margens, sem destino, sem história

O tempo que se esvai é minha glóriaE o susto de minh’alma sem razões.

Da temática do poema – a velhice

Da temática do poema – a velhiceO poema de Yeats é premonitório da velhice.Seus versos pintam o futuro quadro da tela

da existência: Quando fores velha... O sujeito-lírico propõe à mulher o

enfrentamento da velhice, que abre uma nova rota na estrada da vida.

No poema, sente-se o peso da temática. O prenúncio das rugas que vincam no corpo e na alma.

A chegada ao porto intransferível da vida.

Da temática do poema – a velhice

O poema Quando fores velha faz refletir sobre a alma e o rosto da velhice: suas experiências, vicissitudes, mistérios, solidão...

Considerações finaisViabilizar a fortuna crítica do poema

When you are old, de William Butler Yeats, foi um caminho para proporcionar aos leitores da língua vernácula a convivência com texto estético da Literatura Inglesa.

De verso em verso, o poeta desenhou o seu poema, reuniu imagens múltiplas, cambiantes do ‘eu’, do viver, da velhice.

Considerações finaisA literariedade se manifesta na

linguagem subjetiva, ambígua, conotativa, que não deve ser lida como a de um jornal ou livro didático, mas com os parâmetros da arte poética.

Na versificação, percebe-se o processo de poetização.

A cadência é marcada simetricamente pelas sílabas poéticas.

Considerações finaisA disposição rímica dá regularidade

fônica ao poema.Notadamente, a expressividade

fônica se destaca pelas assonâncias, aliterações e coliteração.

No nível linguístico, há um efeito especial pelo uso do verbo, que dá movimento, impulso e ordem à frase.

Considerações finaisQuanto ao aspecto semântico, o

poema apresenta metáforas e antíteses para expressar a força do sujeito-lírico e as contradições que permeiam o viver.

Há intertextualidades implícitas e explícitas no poema da Literatura Inglesa com autores da Literatura Brasileira, como Cecília Meireles, Fidêncio Bogo e Paulo Mendes Campos.

Considerações finais

Tematicamente, a velhice desencadeia o trabalho poético. As transformações físicas, as latências psicológicas se filtram, pouco a pouco, na tela do poente da vida.

Considerações finaisFazendo do poema uma metáfora

do sentimento, William Butler Yeats une em seu texto passado e futuro, reminiscências e prenúncio, realidade e sonho, na tentativa de rastrear, através da especulação da natureza incerta da existência, as facetas da vida.

Considerações finaisConsidera-se que a análise do

poema Quando fores velha foi admirável, pois desvendou sua rica estrutura estilística, semântica e intertextual, obtendo-se, assim, resultados positivos quanto aos objetivos propostos.

Maria de Jesus Silva da C. MoraisAcadêmica do 8° Período, do curso de Letras, da Faculdade Guaraí – FAG.Monografia apresentada em: 17/12/2009

ORIENTADORA

Profª Lires Teresa FernedaGraduada em Pedagogia e Letras. Especialização em Planejamento Educacional. Mestre em Literatura pela UnB.Professora da Faculdade Guaraí – FAG.