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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
ESPANHOLA PARA O ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE CRÍTICA1
Regiany Cristina dos Santos NOGUEIRA (UEL)
Introdução
Com base nas orientações presentes nos documentos oficiais do sistema escolar
brasileiro, especificamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM), e considerando as perspectivas de leitura e letramento(s) que os
embasam, este trabalho investiga atividades de leitura propostas em uma coleção de livros
didáticos para o ensino de espanhol no Ensino Médio, a saber, Síntesis (MARTIN, 2010).
O objetivo geral deste estudo é descrever e analisar criticamente os modos como essas
atividades operam a favor de práticas de letramento(s), tomando como referencial
pressupostos defendidos por Bakhtin, Bronckart, Dolz e Schneuwly e Faiclough. A
articulação dos estudos de gênero, letramento e Análise Crítica do Discurso se sustenta pela
concepção dos gêneros como natureza sociohistórica e cultural; de letramento como os
sentidos dos textos a partir de seu contexto sociocultural e a Análise Crítica do Discurso
por entender que as manifestações discursivas são práticas sociais que ocorrem em espaços
ideológicos.
1 A discussão levantada nesse artigo é parte de uma dissertação de mestrado em andamento no Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina intitulada “Leitura em
Espanhol Língua Estrangeira: Análise Crítica do Livro Didático” desenvolvida pela proponente deste artigo
sob a orientação da Professora Drª Elaine Fernandes Mateus.
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1. Os gêneros textuais: algumas considerações
O conceito de gênero textual e seu desdobramentos pode ser compreendido através
de diversas correntes teóricas como: o Interacionismo Social , difundido por Bakhtin, o
Interacionismo Sociodiscursivo e a Escola de Genebra, onde destaca-se os trabalhos de
Bronckart, Dolz e Schneuwly; a chamada Escola de Sidney , famosa pelos trabalhos de
Hasan, Kress, Martin, e, também, a partir da Nova Retórica com os feitos de Charles
Bazerman e Caroline Miller, por exemplo. Contudo, este artigo frisará apenas alguns
conceitos postulados por Bakhtin, Bronckart, Dolz e Schneuwly, por entender que no
campo da aplicações didáticas são essas as contribuições mais utilizadas.( HILA,2009)
O termo “gênero do discurso” surge na obra “Os Gêneros do Discurso” de
Bakhtin, publicada em 1992, é definido pelo autor com “tipos relativamente estáveis de
enunciado” que em sua individualidade contribuem para a continuidade/renovação dos
Gêneros. (BARROS; NASCIMENTO, 2007). Para o autor, “O emprego da língua efetua-se
em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes
desse ou daquele campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p.261). Esses enunciados
refletem ideologicamente as esferas (do cotidiano, do trabalho, da religião, jornalística etc)
nas quais estão inseridos.
Assim, pode-se dizer que o “gênero só existe relacionado à sociedade que o
utiliza”(BARROS; NASCIMENTO, p.245), ou seja, cada esfera da atividade humana
concebe seus tipos de enunciados e cada um desses enunciados leva um registro da esfera
onde está submetido, e cada “esfera de utilização da língua elabora os seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, isto é seus gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003,
p.279). Estes gêneros, orientam todo o ato de linguagem e permitem ao falante entender o
que é ou não apropriado em determinadas situações de linguagem.
Bakhtin (1992) ainda divide os gêneros em primários e secundários, Os gêneros
primários ocorrem em situações mais cotidianas (como a conversa com um amigo) e os
gêneros secundários ocorrem em situações de comunicação mais complexas decorrentes
dos sistemas ideológicos constituídos (como entender um artigo científico ou uma
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reportagem, por exemplo) . Esses últimos precisam ser mediados por um processo formal
de ensino-aprendizagem.(HILA, 2009)
Apoiado, também, na noção de gênero e na importância da interação, postuladas
por Bakhtin, JeanPaul Bronckart e um grupo de pesquisadores da Universidade de Genebra
fundam, por volta de1980, a teoria do interacionismo sociodiscursivo (ISD), que em linhas
gerais, investiga os efeitos das praticas de linguagem sobre o desenvolvimento humano. (
MACHADO, 2004).
O ISD entende as condutas humanas como “ações situadas cujas propriedades
estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um produto da socialização”.
(BRONCKART, 1997, p.13) Nesse enfoque, as ações verbais são compreendidas como
mediadoras e constitutivas do social, “a ação constitui o resultado da apropriação, pelo
organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”
(BRONCKART, 1997, p.42)
De maneira simples, o objetivo do ISD é analisar as condições de funcionamento
efetivo dos textos, considerando que os gêneros textuais são os produtos de uma atividade
linguageira coletiva, organizada pelas formações sociais. (LOUSADA, 2010). Assim, a
elaboração e entendimento de um texto requer, necessariamente, a utilização de
determinado gêneros textual que “nada mais são que construtos históricos disponíveis em
um arquitexto” BARROS; NASCIMENTO, 2007, p.248)
Já para Dolz e Schneuwly (2004) , gêneros são “megaintrumentos” com diversos
sistemas semióticos, para agir em situações de linguagem, numa dada esfera social. É,
também, um instrumento semiótico complexo: "uma forma de linguagem prescritiva, que
permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos" (DOLZ E SCHNEUWLY,
2004, p. 27). De forma que dominar o gênero é dominar a própria situação comunicativa,
então, quanto mais gêneros são apropriados, maiores são as capacidades de se usar a língua.
Portanto, pode-se entender o gênero como um grande organizador (megainstrumento) das
situações de comunicação, sendo, o seu domínio de extrema importância para um agir
eficaz na sociedade.
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No tocante ao processo de ensino-aprendizagem da língua, Dolz & Schneuwly
(2004) propõem cinco agrupamentos de gêneros, considerando, principalmente, as
capacidades de linguagem relativamente homogêneas e dominantes nos gêneros
agrupados, presentes nas diferentes esferas de comunicação da sociedade. Tais
agrupamentos são assim denominados :
a) Agrupamento da ordem do NARRAR – envolve os gêneros cujo domínio de
comunicação é o da cultura literária ficcional. Exemplos: contos de fada, fábulas, lendas,
narrativas de aventura, crônica literária, romance, entre outros.
b) Agrupamento da ordem do RELATAR – inclui os gêneros pertencentes ao
domínio social de comunicação da documentação e memorização das ações humanas
vivenciadas. Exemplos: relato de experiências vividas, relatos históricos, biografias,
autobiografias, notícias, reportagens, crônicas jornalísticas etc.
c) Agrupamento da ordem do ARGUMENTAR – inclui os gêneros relacionados
ao domínio social de comunicação da discussão de problemas sócias controversos.
Exemplos: textos de opinião, cartas de leitor, cartas de reclamação, debates, editoriais,
resenhas críticas entre outros.
d) Agrupamentos da ordem do EXPOR – engloba os gêneros relacionados ao
domínio social da comunicação da transmissão e da construção de saberes. Exemplos:
textos informativos, expositivos, conferências, seminários, resenha etc e
e) Agrupamentos da ordem do PRESCREVER – reúne os gêneros cujo domínio
social de comunicação é o das instruções e prescrições, visando à regulação ou à
normatização de comportamentos. Exemplos: receitas, instruções de uso, bulas,
regulamentos, regimentos, estatutos entre outros. ( NASCIMENTO, 2012)
Esses agrupamentos, assim definidos, não são estanques uns em relação
aos outros; não é possível classificar um gênero de maneira absoluta num
dos agrupamentos propostos. No máximo, é possível determinar alguns
gêneros que poderiam ser protótipos para cada agrupamento e, assim,
particularmente indicados para o trabalho didático. (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 98).
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Assim, o intuito desses agrupamentos é propiciar uma maior aproximação entre os
gêneros com as mesmas características e também, definir, para cada um deles, algumas
capacidades de linguagem em relação às tipologias existentes globais que se deve construir
ao longo da escolaridade. (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004)
2. Os documentos oficiais e o sociointeracionismo
Os PCNs, são reflexões teóricas e sugestões metodológicas elaboradas pelo
Governo Federal em parceria com educadores de todo o Brasil e publicados pelo Ministério
da Educação (MEC),com o intuito de apontar diretrizes curriculares e de orientar o trabalho
do professor. Essas diretrizes são obrigatórias para a rede pública de ensino e pensadas para
melhorar a qualidade do ensino nas escolas brasileiras . Esses documentos foram
primeiramente designados para o ensino fundamental, e posteriormente, no ano 2000,
foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM)
específico para o público em questão. (BRASIL, 1998, 2000)
Embora o interesse maior recaia sobre o PCNEM de língua estrangeira, no tocante
às concepções de linguagem que fundamentam o ensino-aprendizagem de línguas, este
pouco às exploram. Entretanto, considerando que sua publicação é posterior à dos PCNs
acredita-se serem as mesmas recomendadas para o ensino fundamental. Por se tratar de
documentos publicados com a mesma finalidade, entende-se que os PCNEM deve dar
continuidade ao anteriormente proposto. Nesse sentido, pode-se afirmar o viés
sociointeracionista dos documentos: “o uso da linguagem (tanto verbal quanto visual) é
essencialmente determinado pela sua natureza sociointeracional, pois quem a usa considera
aquele a quem se dirige ou quem produziu um enunciado” (BRASIL/PCNs, 1998, p.27) .
Assim, se os PCNEM reiteram a proposta sociointeracionista para o ensino da
língua, também compartilham a proposta de ensino de língua via gêneros, bastante
enfatizada no ensino de língua materna e sugerida também para o ensino de língua
estrangeira, pois, “em linhas gerais, a aprendizagem de uma Língua Estrangeira vai fazer
aumentar o conhecimento sobre linguagem que o aluno construiu sobre sua língua materna,
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por meio de comparações com a língua estrangeira em vários níveis” (BRASIL/PCNs 1998,
p.28).
Neste contexto, dentre outras explanações, os PCNEM concebem o aprendizado de
línguas estrangeiras como meio de aproximação de culturas e possibilitador de integração
ao mundo globalizado, tal postura, como mencionado, aponta para um ensino de línguas
fundamentado em uma concepção sociointeracionista da linguagem, de interdependência
entre sujeito, história, cultura e sociedade. Assim, de acordo com o documento, a linguagem
é considerada, “como a capacidade humana de articular significados coletivos e
compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as
necessidades e experiências da vida em sociedade” (BRASIL/PCNEM,2000, p.5).
Essas concepções, explicitadas no decorrer do texto oficial, reafirmam um
conceito de linguagem como atividade discursiva, condicionada ao contexto histórico-
social e as circunstâncias enunciativas e atribuem ao gênero uma função determinante, pois
será através dele que a interação discursiva se realizará:
Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva; dizer
alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado
contexto histórico e em determinadas circunstancias de interlocução (...)
quando um sujeito interage verbalmente com outro, o discurso se organiza
a partir das finalidades e intenções do locutor, dos conhecimentos que
acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que supõe serem
suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de afinidade
e do gran de familiaridade que têm, da posição social e hierárquica que
ocupam (BRASIL/PCNs, 1998, p. 10).
Nesta mesma linha de entendimento teórico e para complementar os PCNEM
foram publicados outros dois documentos norteadores do processo de ensino; os PCNEM+
no ano de 2002 e as Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEM) no ano de 2004.
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3.Considerações sobre Leitura e Letramento e ACD
Em relação à leitura os PCNEM+ e as OCEM a considera fundamental. Para o
primeiro:
É pela leitura que o aluno será capaz de interpretar estatutos de
interlocutores, observar a norma e a transgressão, as variantes dialetais, as
estratégias verbais e não-verbais, as escolhas de vocabulário, observando
assim registros diferenciados e aspectos socioculturais que se podem
depreender a partir dos enunciados e de seus produtores
(BRASIL/PCNEM+, 2000, p.107).
O segundo entende que para colocar em prática a construção de aprendizagem
significativa nos educandos “o texto escrito em LE e a conversa sobre ele em Língua
Materna (LM) devem ser o foco das práticas escolares de letramento com o objetivo de
fornecer aos alunos uma experiência significativa de engajamento na construção do
significado” (BRASIL/OCEM, 2004, p. 48).
Partindo de tais pressupostos, o aprendizado de língua estrangeira deve levar o
aluno a interagir de forma competente em diferentes situações da vida social, neste
processo a leitura tem um papel muito importante e deve ser trabalhada abordando “as
diferenças entre os diversos gêneros textuais” (BRASIL/PCNEM+, 2002, p.97)
Ler e compreender uma língua estrangeira deve ser um meio de acesso à
cultura, à tecnologia e de abertura para o mundo. (...) aprender a ler (...) é
aprender a comunicar-se, é valer-se do texto em língua estrangeira para
conhecer a realidade e também para aprender a língua que, em última
instância, estrutura simbolicamente essa realidade, conformando visões de
mundo. (BRASIL/PCNEM+, 2002, p.107)
Do exposto, entende-se, que segundo os textos oficiais, o ensino da LE deve
promover, também, a atividade comunicativa por meio da leitura e interpretação de textos
variados, ou melhor, a partir de uma variedade de gêneros, colaborando para o aluno
compreender e interagir no mundo. Assim, a compreensão e a interação do/no social estão
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diretamente relacionadas com as práticas da leituras, já que o leitor busca inicialmente em
seu repertório sociocultural, ou no seu conhecimento prévio, informações para
complementar e compreender o que está sendo lido. (HILA, 2009)
No contexto escolar, as práticas de leitura buscam o desenvolvimento e o
aperfeiçoamento das capacidades leitoras que supostamente os alunos/leitores ainda não
possuem e que, nesse processo, o livro didático participa como um dos “agentes de
escolarização”. (HILA, 2009)
Já o letramento deve possibilitar aos alunos a construção de sentidos a partir do
que leem, e não apenas extrair os sentidos do texto, acreditando que eles já estejam prontos.
Pois, os sentidos são construídos dentro de um contexto social, histórico, imerso em
relações de poder. “Daí ser a leitura uma atividade de linguagem que envolve conhecer o
mundo, ter uma visão desse e refletir sobre as possibilidades e as conveniências de
transformação social” (BRASIL/OCEM, 2004, p.116).
Nessa perspectiva, os letramentos são múltiplos, dêiticos, ideológicos e críticos
(OLIVEIRA, 2009). Múltiplos por ocorrer em diferentes contextos de atividades, no
trabalho, em casa, na escola e em diferentes sistemas simbólicos - letramento digital,
letramento musical, letramento literário. Dêitico por evoluir e se transformar segundo as
condições sócio históricas, a leitura de um mesmo texto em épocas diferentes tem sentidos
diferentes. Ideológico por camuflar pressuposições culturais e visões particulares do mundo
social, interessadas em sustentar determinadas relações de poder. Críticos por relacionar o
modo como as pessoas usam textos e discursos para construir e negociar identidade, poder
e capital. Assim, o letramento é “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e
escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 2004, p.
47).
Por sua vez, a Análise Crítica do Discurso(ACD) defendida por Norman
Fairclough (1989, 2001, 2003) destaca-se por rejeitar os princípios de neutralidade no fazer
científico, propondo-se a investigar as ligações entre linguagem e poder, por entender que
os elementos linguísticos, textuais e discursivos são formas materiais de ideologia e que as
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práticas linguístico-discursivas assumem um papel crucial na reprodução/manutenção ou na
transformação das relações de poder social
A ACD toma o discurso como uma prática social, cultural e historicamente situada
de uso da linguagem, como “modo de ação sobre o mundo e especialmente sobre os outros
(...) também um modo de representação e de constituição de identidades.” (Fairclough,
2001). Como modos de representação do mundo com seus processos e relações, os
discursos estão investidos de ideologia, produzem recortes da realidade, alguns aspectos
são incluídos e outros excluídos, deste modo, constroem significados que legitimam
perspectivas hegemônicas instituindo-as como verdades. Assim, justifica-se olhar as
atividades de leitura considerando que grande parte das leituras que se realizam em línguas
estrangeiras emerge de contextos diferentes, então, compreender o sentido que tem o uso da
língua em determinada sociedade é poder interpretar o(s) significado(s) que os discursos
adquirem em seus contextos.
4. Apresentação dos livros
O corpus deste trabalho consta de uma coleção de livro didático de língua
espanhola para as séries do Ensino Médio direcionada às escolas públicas, a escolha desta
coleção Síntesis, se deu por conta de ser uma das três coleções aprovadas no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2012, que incluiu pela primeira vez o componente
curricular Língua Estrangeira Moderna (Espanhol e Inglês). Os livros analisados são de
autoria de Ivan Martin e foram publicados no ano de 2010, pela Editora Ática. Estão
organizados em três volumes (libro 1, libro 2 e libro 3) que correspondem,
consecutivamente, às 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio. Cada volume tem 8 unidades e 184
páginas contadas da capa até o glossário e mais as páginas do manual do professor. Os
objetivos apresentado no manual do professor, ressaltam que o material foi elaborado em
consonância com os PCNs e com as Orientações curriculares para o ensino de Língua
Espanhola . As seções dedicadas à compreensão leitora são Para leer y reaccionar e Para
leer y reflexionar, assim definidas, respectivamente, na coleção:
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Essa seção traz textos de gêneros discursivos variados [contos, poemas,
letras de música, quadrinhos, textos jornalísticos, etc] para que sejam
trabalhadas a leitura e a compreensão textual. No entanto, como se sabe, o
trabalho com textos frequentemente extrapola o objetivo inicial e
desencadeia outras aprendizagens. Os textos literários, além de favorecer o
contato com múltiplas manifestações culturais, não raro propiciam
reflexões que contribuem para a formação do indivíduo e para a
humanização das relações interpessoais. Cabe lembrar que a leitura de
qualquer tipo de texto pode favorecer, dependendo da relevância do tema e
da abordagem, o amadurecimento de reflexões sobre os problemas que nos
afetam coletivamente. Após a leitura, o aluno deverá responder a algumas
questões que têm a função de verificar a compreensão e que convidam a
opinar sobre elementos específicos do texto ou sobre o seu sentido global.
(MARTIN, 2010, Manual do Professor, p. 5)
A obra dedica 2 páginas à leitura na seção “Para leer y reaccionar”. Na primeira
página, apresenta-se o texto e na segunda, estão as atividades de leitura. Na seção “Para
leer y reflexionar” é trabalhado apenas o texto. Feito os devidos esclarecimentos a respeito
dos livros didáticos que serão utilizados, o item seguinte, expõe os instrumentos da
pesquisa.
5. Os instrumentos da pesquisa
A partir dos livros selecionados realizou-se uma contagem dos textos presentes nas
seções de leitura, para obter o número exato dos mesmos e, classificá-los de acordo com os
gêneros textuais presentes e trabalhados em cada livro (gráfico A) feito este levantamento
fez-se outra distribuição para abrigar os textos de acordo com os cinco agrupamentos
propostos por Dolz & Schneuwly (2004) (gráfico B) Esse levantamento possibilitou
identificar os gêneros selecionados e destinados para trabalhar a leitura junto aos alunos do
Ensino Médio.
Já os tipos de atividades de leitura e os tipos de perguntas de compreensão leitora
(gráfico C) foram classificadas com base nas propostas de Marcuschi (2001) que trabalha
com leitura e atividades de compreensão textual no ensino de língua portuguesa, ainda que
em língua materna, suas contribuições permitirão avaliar se as atividades de compreensão
presentes nos livros didáticos propiciam o desenvolvimento das capacidades necessárias
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para a leitura.
6. Os gêneros textuais nas atividades de leitura
No que se refere ao gênero textual, cada unidade é composta por dois textos, um
na seção “Para leer y reaccionar” e o outro na seção “Para leer y reflexionar”, totalizando
16 textos em cada livro e 48 na coleção. Os textos escolhidos são variados e representam
diferentes gêneros textuais, conforme gráfico a seguir:
Gráfico A – Frequência dos Gêneros
Do exposto, percebe-se que dos 14 gêneros selecionados pelo livros didáticos, os
gêneros texto informativo e cuentos apresentam as maiores ocorrências com 35% e 17%,
respectivamente, seguidos de 8% para os gêneros poemas e consejos, 4% para os gêneros
leyenda, canción, declaración, decálogo e crónica e 2% para os gêneros presentaciones,
viñeta, entrevista, microrelato e fábulas. Vale ressaltar que o gráficos apresentam apenas os
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gêneros utilizados para o trabalho com a leitura e compreensão de texto, e que outros
gêneros ão contemplados nas demais seções do livro.
No tocante ao agrupamentos de gêneros, segundo a proposta de Dolz e
Scheneuwly (2004) destacam -se os os gêneros cujo domínio de comunicação é o da
cultura literária ficcional (agrupamento do Narrar) e os gêneros relacionados ao domínio
social da comunicação da transmissão e da construção de saberes (agrupamento do Expor),
como mostra o gráfico abaixo:
Gráfico B - Agrupamentos
Aqui, cabe ponderar que os agrupamentos deveriam ser melhor distribuídos, os do
argumentar, por exemplo, que aparece apenas uma única vez em toda a coleção, e seria
bastante válido explorá-lo, considerando que ao propor discussões sobre determinados
problemas levaria o aluno a “um agir eficaz na sociedade.”
7. As atividades de leitura
Com relação aos tipos de atividades de leitura, serão analisadas apenas as da seção
“Para leer y reaccionar”, pois, como já mencionado, a seção “Para leer y reflexionar”
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trabalha apenas o texto e não apresenta atividades no livro do aluno, sugere, somente no
manual do professor, possíveis atividades a partir do texto, como promover debates, propor
trabalhos em grupos, entre outros.
Para expor tal assertiva e analisar os tipos de perguntas de compreensão leitora
propostas pelo livro didático, tem-se por base a tipologia de perguntas padronizadas por
Marcuschi que classifica as perguntas de compreensão em: Perguntas do cavalo branco de
Napoleão, Cópias; Objetivas, Inferenciais, Globais, Subjetivas, Vale-tudo, Impossíveis,
Metalinguísticas. (Marcuschi, 2001) Assim, das nove possibilidade de perguntas, a coleção
explora apenas três, as de cópia, as objetivas e as subjetivas, sendo predominante as
questões objetivas, presente em vinte três das vinte e quatro atividades, ora sozinha, ora em
combinação com as demais. As perguntas do tipo subjetivas contabilizam onze e as de
cópias cinco conforme demostra o gráfico a seguir:
Gráfico C – Tipos de Perguntas
Esses resultados mostram que os tipos de perguntas de compreensão são limitadas
e não favorecem à leitura efetiva, tornando o ato de ler uma mera decodificação de
palavras, como no processo de leitura tradicional, já que os tipos de perguntas textuais não
levam o leitor a reflexões para a construção de novos conhecimentos e não ampliam sua
visão de mundo através da leitura de textos, como sugere os documentos oficiais pautados
no sociointeracionismo.
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Considerações Finais
Apesar de a coleção analisada colocar o aluno em contato com vários gêneros
textuais, como preconiza os documentos oficias, sua prática não está em consonância com a
abordagem de ensino via gêneros textuais, pois os trabalha de maneira superficial. Com
relação as atividades de leitura, há a predominância de atividades que requer do aluno
apenas localizar e copiar informações do texto, sem maiores exigências, o que não propicia
reflexões sobre os conteúdos trabalhados, e nem a oportunidade de se expressar por meio das
atividades propostas pelos livros.
Do fato, pode-se concluir que o trabalho com a leitura por meio dos gêneros
textuais nos livros analisados não alcança sucesso, pois é pelo entendimento dos diferentes
gêneros textuais que o aluno se insere nas mais variadas práticas sociais, possibilitando sua
efetiva aprendizagem, porém, quando isso não ocorre, o ensino acontece como na
pedagogia tradicional, onde o texto ainda permanece como pretexto para outras práticas, ou
seja a abordagem sociointeracionista da linguagem para o ensino de língua não é
contemplada nas atividades de leitura.
Mas, então, como deve ser um trabalho que comtemple Gênero, letramento e
ACD? Segundo Meurer um trabalho efetivo com a ACD deve permitir aos “alunos a
observar que tipos de texto precedem e seguem o uso de determinado gênero específico e
como „poêm em ação‟ formas de „ve‟ o mundo, identidades, relações, maneiras de construir
e distribuir textos, refletindo ideologias e formas de poder”( Meurer , 2005, p.106)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Ministério da Educação. PCNS: ensino médio. Brasília, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. PCN+ do Ensino Médio. Brasília, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação OCEM. Brasília, 2004.
HILA, Cláudia Valéria Doná. Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros textuais. In: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. São Carlos: Editora Claraluz, 2009. cap. 5, p. 151-194.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de Linguagens, texto e discursos. Por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ, 1997/99.
DOLZ, J.; SCNEUWLY, B. (Orgs.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2004.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. Brasília: Editora UnB, 2001.
LOUSADA, E. G. A abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo para a análise de textos. Artigo apresentado no EPED-USP, 2010.
MACHADO, Anna Rachel e colaboradores. Para (re)pensar o ensino de gêneros. Calidoscópio, vol.2,nº.1, jan/jun 2004.
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