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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA O ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE CRÍTICA 1 Regiany Cristina dos Santos NOGUEIRA (UEL) Introdução Com base nas orientações presentes nos documentos oficiais do sistema escolar brasileiro, especificamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), e considerando as perspectivas de leitura e letramento(s) que os embasam, este trabalho investiga atividades de leitura propostas em uma coleção de livros didáticos para o ensino de espanhol no Ensino Médio, a saber, Síntesis (MARTIN, 2010). O objetivo geral deste estudo é descrever e analisar criticamente os modos como essas atividades operam a favor de práticas de letramento(s), tomando como referencial pressupostos defendidos por Bakhtin, Bronckart, Dolz e Schneuwly e Faiclough. A articulação dos estudos de gênero, letramento e Análise Crítica do Discurso se sustenta pela concepção dos gêneros como natureza sociohistórica e cultural; de letramento como os sentidos dos textos a partir de seu contexto sociocultural e a Análise Crítica do Discurso por entender que as manifestações discursivas são práticas sociais que ocorrem em espaços ideológicos. 1 A discussão levantada nesse artigo é parte de uma dissertação de mestrado em andamento no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina intitulada Leitura em Espanhol Língua Estrangeira: Análise Crítica do Livro Didáticodesenvolvida pela proponente deste artigo sob a orientação da Professora Drª Elaine Fernandes Mateus.

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação

Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA

ESPANHOLA PARA O ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE CRÍTICA1

Regiany Cristina dos Santos NOGUEIRA (UEL)

Introdução

Com base nas orientações presentes nos documentos oficiais do sistema escolar

brasileiro, especificamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e as Orientações Curriculares para o

Ensino Médio (OCEM), e considerando as perspectivas de leitura e letramento(s) que os

embasam, este trabalho investiga atividades de leitura propostas em uma coleção de livros

didáticos para o ensino de espanhol no Ensino Médio, a saber, Síntesis (MARTIN, 2010).

O objetivo geral deste estudo é descrever e analisar criticamente os modos como essas

atividades operam a favor de práticas de letramento(s), tomando como referencial

pressupostos defendidos por Bakhtin, Bronckart, Dolz e Schneuwly e Faiclough. A

articulação dos estudos de gênero, letramento e Análise Crítica do Discurso se sustenta pela

concepção dos gêneros como natureza sociohistórica e cultural; de letramento como os

sentidos dos textos a partir de seu contexto sociocultural e a Análise Crítica do Discurso

por entender que as manifestações discursivas são práticas sociais que ocorrem em espaços

ideológicos.

1 A discussão levantada nesse artigo é parte de uma dissertação de mestrado em andamento no Programa de

Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina intitulada “Leitura em

Espanhol Língua Estrangeira: Análise Crítica do Livro Didático” desenvolvida pela proponente deste artigo

sob a orientação da Professora Drª Elaine Fernandes Mateus.

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1. Os gêneros textuais: algumas considerações

O conceito de gênero textual e seu desdobramentos pode ser compreendido através

de diversas correntes teóricas como: o Interacionismo Social , difundido por Bakhtin, o

Interacionismo Sociodiscursivo e a Escola de Genebra, onde destaca-se os trabalhos de

Bronckart, Dolz e Schneuwly; a chamada Escola de Sidney , famosa pelos trabalhos de

Hasan, Kress, Martin, e, também, a partir da Nova Retórica com os feitos de Charles

Bazerman e Caroline Miller, por exemplo. Contudo, este artigo frisará apenas alguns

conceitos postulados por Bakhtin, Bronckart, Dolz e Schneuwly, por entender que no

campo da aplicações didáticas são essas as contribuições mais utilizadas.( HILA,2009)

O termo “gênero do discurso” surge na obra “Os Gêneros do Discurso” de

Bakhtin, publicada em 1992, é definido pelo autor com “tipos relativamente estáveis de

enunciado” que em sua individualidade contribuem para a continuidade/renovação dos

Gêneros. (BARROS; NASCIMENTO, 2007). Para o autor, “O emprego da língua efetua-se

em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes

desse ou daquele campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p.261). Esses enunciados

refletem ideologicamente as esferas (do cotidiano, do trabalho, da religião, jornalística etc)

nas quais estão inseridos.

Assim, pode-se dizer que o “gênero só existe relacionado à sociedade que o

utiliza”(BARROS; NASCIMENTO, p.245), ou seja, cada esfera da atividade humana

concebe seus tipos de enunciados e cada um desses enunciados leva um registro da esfera

onde está submetido, e cada “esfera de utilização da língua elabora os seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, isto é seus gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003,

p.279). Estes gêneros, orientam todo o ato de linguagem e permitem ao falante entender o

que é ou não apropriado em determinadas situações de linguagem.

Bakhtin (1992) ainda divide os gêneros em primários e secundários, Os gêneros

primários ocorrem em situações mais cotidianas (como a conversa com um amigo) e os

gêneros secundários ocorrem em situações de comunicação mais complexas decorrentes

dos sistemas ideológicos constituídos (como entender um artigo científico ou uma

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reportagem, por exemplo) . Esses últimos precisam ser mediados por um processo formal

de ensino-aprendizagem.(HILA, 2009)

Apoiado, também, na noção de gênero e na importância da interação, postuladas

por Bakhtin, JeanPaul Bronckart e um grupo de pesquisadores da Universidade de Genebra

fundam, por volta de1980, a teoria do interacionismo sociodiscursivo (ISD), que em linhas

gerais, investiga os efeitos das praticas de linguagem sobre o desenvolvimento humano. (

MACHADO, 2004).

O ISD entende as condutas humanas como “ações situadas cujas propriedades

estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um produto da socialização”.

(BRONCKART, 1997, p.13) Nesse enfoque, as ações verbais são compreendidas como

mediadoras e constitutivas do social, “a ação constitui o resultado da apropriação, pelo

organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”

(BRONCKART, 1997, p.42)

De maneira simples, o objetivo do ISD é analisar as condições de funcionamento

efetivo dos textos, considerando que os gêneros textuais são os produtos de uma atividade

linguageira coletiva, organizada pelas formações sociais. (LOUSADA, 2010). Assim, a

elaboração e entendimento de um texto requer, necessariamente, a utilização de

determinado gêneros textual que “nada mais são que construtos históricos disponíveis em

um arquitexto” BARROS; NASCIMENTO, 2007, p.248)

Já para Dolz e Schneuwly (2004) , gêneros são “megaintrumentos” com diversos

sistemas semióticos, para agir em situações de linguagem, numa dada esfera social. É,

também, um instrumento semiótico complexo: "uma forma de linguagem prescritiva, que

permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos" (DOLZ E SCHNEUWLY,

2004, p. 27). De forma que dominar o gênero é dominar a própria situação comunicativa,

então, quanto mais gêneros são apropriados, maiores são as capacidades de se usar a língua.

Portanto, pode-se entender o gênero como um grande organizador (megainstrumento) das

situações de comunicação, sendo, o seu domínio de extrema importância para um agir

eficaz na sociedade.

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No tocante ao processo de ensino-aprendizagem da língua, Dolz & Schneuwly

(2004) propõem cinco agrupamentos de gêneros, considerando, principalmente, as

capacidades de linguagem relativamente homogêneas e dominantes nos gêneros

agrupados, presentes nas diferentes esferas de comunicação da sociedade. Tais

agrupamentos são assim denominados :

a) Agrupamento da ordem do NARRAR – envolve os gêneros cujo domínio de

comunicação é o da cultura literária ficcional. Exemplos: contos de fada, fábulas, lendas,

narrativas de aventura, crônica literária, romance, entre outros.

b) Agrupamento da ordem do RELATAR – inclui os gêneros pertencentes ao

domínio social de comunicação da documentação e memorização das ações humanas

vivenciadas. Exemplos: relato de experiências vividas, relatos históricos, biografias,

autobiografias, notícias, reportagens, crônicas jornalísticas etc.

c) Agrupamento da ordem do ARGUMENTAR – inclui os gêneros relacionados

ao domínio social de comunicação da discussão de problemas sócias controversos.

Exemplos: textos de opinião, cartas de leitor, cartas de reclamação, debates, editoriais,

resenhas críticas entre outros.

d) Agrupamentos da ordem do EXPOR – engloba os gêneros relacionados ao

domínio social da comunicação da transmissão e da construção de saberes. Exemplos:

textos informativos, expositivos, conferências, seminários, resenha etc e

e) Agrupamentos da ordem do PRESCREVER – reúne os gêneros cujo domínio

social de comunicação é o das instruções e prescrições, visando à regulação ou à

normatização de comportamentos. Exemplos: receitas, instruções de uso, bulas,

regulamentos, regimentos, estatutos entre outros. ( NASCIMENTO, 2012)

Esses agrupamentos, assim definidos, não são estanques uns em relação

aos outros; não é possível classificar um gênero de maneira absoluta num

dos agrupamentos propostos. No máximo, é possível determinar alguns

gêneros que poderiam ser protótipos para cada agrupamento e, assim,

particularmente indicados para o trabalho didático. (DOLZ;

SCHNEUWLY, 2004, p. 98).

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Assim, o intuito desses agrupamentos é propiciar uma maior aproximação entre os

gêneros com as mesmas características e também, definir, para cada um deles, algumas

capacidades de linguagem em relação às tipologias existentes globais que se deve construir

ao longo da escolaridade. (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004)

2. Os documentos oficiais e o sociointeracionismo

Os PCNs, são reflexões teóricas e sugestões metodológicas elaboradas pelo

Governo Federal em parceria com educadores de todo o Brasil e publicados pelo Ministério

da Educação (MEC),com o intuito de apontar diretrizes curriculares e de orientar o trabalho

do professor. Essas diretrizes são obrigatórias para a rede pública de ensino e pensadas para

melhorar a qualidade do ensino nas escolas brasileiras . Esses documentos foram

primeiramente designados para o ensino fundamental, e posteriormente, no ano 2000,

foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM)

específico para o público em questão. (BRASIL, 1998, 2000)

Embora o interesse maior recaia sobre o PCNEM de língua estrangeira, no tocante

às concepções de linguagem que fundamentam o ensino-aprendizagem de línguas, este

pouco às exploram. Entretanto, considerando que sua publicação é posterior à dos PCNs

acredita-se serem as mesmas recomendadas para o ensino fundamental. Por se tratar de

documentos publicados com a mesma finalidade, entende-se que os PCNEM deve dar

continuidade ao anteriormente proposto. Nesse sentido, pode-se afirmar o viés

sociointeracionista dos documentos: “o uso da linguagem (tanto verbal quanto visual) é

essencialmente determinado pela sua natureza sociointeracional, pois quem a usa considera

aquele a quem se dirige ou quem produziu um enunciado” (BRASIL/PCNs, 1998, p.27) .

Assim, se os PCNEM reiteram a proposta sociointeracionista para o ensino da

língua, também compartilham a proposta de ensino de língua via gêneros, bastante

enfatizada no ensino de língua materna e sugerida também para o ensino de língua

estrangeira, pois, “em linhas gerais, a aprendizagem de uma Língua Estrangeira vai fazer

aumentar o conhecimento sobre linguagem que o aluno construiu sobre sua língua materna,

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por meio de comparações com a língua estrangeira em vários níveis” (BRASIL/PCNs 1998,

p.28).

Neste contexto, dentre outras explanações, os PCNEM concebem o aprendizado de

línguas estrangeiras como meio de aproximação de culturas e possibilitador de integração

ao mundo globalizado, tal postura, como mencionado, aponta para um ensino de línguas

fundamentado em uma concepção sociointeracionista da linguagem, de interdependência

entre sujeito, história, cultura e sociedade. Assim, de acordo com o documento, a linguagem

é considerada, “como a capacidade humana de articular significados coletivos e

compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as

necessidades e experiências da vida em sociedade” (BRASIL/PCNEM,2000, p.5).

Essas concepções, explicitadas no decorrer do texto oficial, reafirmam um

conceito de linguagem como atividade discursiva, condicionada ao contexto histórico-

social e as circunstâncias enunciativas e atribuem ao gênero uma função determinante, pois

será através dele que a interação discursiva se realizará:

Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva; dizer

alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado

contexto histórico e em determinadas circunstancias de interlocução (...)

quando um sujeito interage verbalmente com outro, o discurso se organiza

a partir das finalidades e intenções do locutor, dos conhecimentos que

acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que supõe serem

suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de afinidade

e do gran de familiaridade que têm, da posição social e hierárquica que

ocupam (BRASIL/PCNs, 1998, p. 10).

Nesta mesma linha de entendimento teórico e para complementar os PCNEM

foram publicados outros dois documentos norteadores do processo de ensino; os PCNEM+

no ano de 2002 e as Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEM) no ano de 2004.

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3.Considerações sobre Leitura e Letramento e ACD

Em relação à leitura os PCNEM+ e as OCEM a considera fundamental. Para o

primeiro:

É pela leitura que o aluno será capaz de interpretar estatutos de

interlocutores, observar a norma e a transgressão, as variantes dialetais, as

estratégias verbais e não-verbais, as escolhas de vocabulário, observando

assim registros diferenciados e aspectos socioculturais que se podem

depreender a partir dos enunciados e de seus produtores

(BRASIL/PCNEM+, 2000, p.107).

O segundo entende que para colocar em prática a construção de aprendizagem

significativa nos educandos “o texto escrito em LE e a conversa sobre ele em Língua

Materna (LM) devem ser o foco das práticas escolares de letramento com o objetivo de

fornecer aos alunos uma experiência significativa de engajamento na construção do

significado” (BRASIL/OCEM, 2004, p. 48).

Partindo de tais pressupostos, o aprendizado de língua estrangeira deve levar o

aluno a interagir de forma competente em diferentes situações da vida social, neste

processo a leitura tem um papel muito importante e deve ser trabalhada abordando “as

diferenças entre os diversos gêneros textuais” (BRASIL/PCNEM+, 2002, p.97)

Ler e compreender uma língua estrangeira deve ser um meio de acesso à

cultura, à tecnologia e de abertura para o mundo. (...) aprender a ler (...) é

aprender a comunicar-se, é valer-se do texto em língua estrangeira para

conhecer a realidade e também para aprender a língua que, em última

instância, estrutura simbolicamente essa realidade, conformando visões de

mundo. (BRASIL/PCNEM+, 2002, p.107)

Do exposto, entende-se, que segundo os textos oficiais, o ensino da LE deve

promover, também, a atividade comunicativa por meio da leitura e interpretação de textos

variados, ou melhor, a partir de uma variedade de gêneros, colaborando para o aluno

compreender e interagir no mundo. Assim, a compreensão e a interação do/no social estão

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diretamente relacionadas com as práticas da leituras, já que o leitor busca inicialmente em

seu repertório sociocultural, ou no seu conhecimento prévio, informações para

complementar e compreender o que está sendo lido. (HILA, 2009)

No contexto escolar, as práticas de leitura buscam o desenvolvimento e o

aperfeiçoamento das capacidades leitoras que supostamente os alunos/leitores ainda não

possuem e que, nesse processo, o livro didático participa como um dos “agentes de

escolarização”. (HILA, 2009)

Já o letramento deve possibilitar aos alunos a construção de sentidos a partir do

que leem, e não apenas extrair os sentidos do texto, acreditando que eles já estejam prontos.

Pois, os sentidos são construídos dentro de um contexto social, histórico, imerso em

relações de poder. “Daí ser a leitura uma atividade de linguagem que envolve conhecer o

mundo, ter uma visão desse e refletir sobre as possibilidades e as conveniências de

transformação social” (BRASIL/OCEM, 2004, p.116).

Nessa perspectiva, os letramentos são múltiplos, dêiticos, ideológicos e críticos

(OLIVEIRA, 2009). Múltiplos por ocorrer em diferentes contextos de atividades, no

trabalho, em casa, na escola e em diferentes sistemas simbólicos - letramento digital,

letramento musical, letramento literário. Dêitico por evoluir e se transformar segundo as

condições sócio históricas, a leitura de um mesmo texto em épocas diferentes tem sentidos

diferentes. Ideológico por camuflar pressuposições culturais e visões particulares do mundo

social, interessadas em sustentar determinadas relações de poder. Críticos por relacionar o

modo como as pessoas usam textos e discursos para construir e negociar identidade, poder

e capital. Assim, o letramento é “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e

escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 2004, p.

47).

Por sua vez, a Análise Crítica do Discurso(ACD) defendida por Norman

Fairclough (1989, 2001, 2003) destaca-se por rejeitar os princípios de neutralidade no fazer

científico, propondo-se a investigar as ligações entre linguagem e poder, por entender que

os elementos linguísticos, textuais e discursivos são formas materiais de ideologia e que as

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práticas linguístico-discursivas assumem um papel crucial na reprodução/manutenção ou na

transformação das relações de poder social

A ACD toma o discurso como uma prática social, cultural e historicamente situada

de uso da linguagem, como “modo de ação sobre o mundo e especialmente sobre os outros

(...) também um modo de representação e de constituição de identidades.” (Fairclough,

2001). Como modos de representação do mundo com seus processos e relações, os

discursos estão investidos de ideologia, produzem recortes da realidade, alguns aspectos

são incluídos e outros excluídos, deste modo, constroem significados que legitimam

perspectivas hegemônicas instituindo-as como verdades. Assim, justifica-se olhar as

atividades de leitura considerando que grande parte das leituras que se realizam em línguas

estrangeiras emerge de contextos diferentes, então, compreender o sentido que tem o uso da

língua em determinada sociedade é poder interpretar o(s) significado(s) que os discursos

adquirem em seus contextos.

4. Apresentação dos livros

O corpus deste trabalho consta de uma coleção de livro didático de língua

espanhola para as séries do Ensino Médio direcionada às escolas públicas, a escolha desta

coleção Síntesis, se deu por conta de ser uma das três coleções aprovadas no Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2012, que incluiu pela primeira vez o componente

curricular Língua Estrangeira Moderna (Espanhol e Inglês). Os livros analisados são de

autoria de Ivan Martin e foram publicados no ano de 2010, pela Editora Ática. Estão

organizados em três volumes (libro 1, libro 2 e libro 3) que correspondem,

consecutivamente, às 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio. Cada volume tem 8 unidades e 184

páginas contadas da capa até o glossário e mais as páginas do manual do professor. Os

objetivos apresentado no manual do professor, ressaltam que o material foi elaborado em

consonância com os PCNs e com as Orientações curriculares para o ensino de Língua

Espanhola . As seções dedicadas à compreensão leitora são Para leer y reaccionar e Para

leer y reflexionar, assim definidas, respectivamente, na coleção:

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Essa seção traz textos de gêneros discursivos variados [contos, poemas,

letras de música, quadrinhos, textos jornalísticos, etc] para que sejam

trabalhadas a leitura e a compreensão textual. No entanto, como se sabe, o

trabalho com textos frequentemente extrapola o objetivo inicial e

desencadeia outras aprendizagens. Os textos literários, além de favorecer o

contato com múltiplas manifestações culturais, não raro propiciam

reflexões que contribuem para a formação do indivíduo e para a

humanização das relações interpessoais. Cabe lembrar que a leitura de

qualquer tipo de texto pode favorecer, dependendo da relevância do tema e

da abordagem, o amadurecimento de reflexões sobre os problemas que nos

afetam coletivamente. Após a leitura, o aluno deverá responder a algumas

questões que têm a função de verificar a compreensão e que convidam a

opinar sobre elementos específicos do texto ou sobre o seu sentido global.

(MARTIN, 2010, Manual do Professor, p. 5)

A obra dedica 2 páginas à leitura na seção “Para leer y reaccionar”. Na primeira

página, apresenta-se o texto e na segunda, estão as atividades de leitura. Na seção “Para

leer y reflexionar” é trabalhado apenas o texto. Feito os devidos esclarecimentos a respeito

dos livros didáticos que serão utilizados, o item seguinte, expõe os instrumentos da

pesquisa.

5. Os instrumentos da pesquisa

A partir dos livros selecionados realizou-se uma contagem dos textos presentes nas

seções de leitura, para obter o número exato dos mesmos e, classificá-los de acordo com os

gêneros textuais presentes e trabalhados em cada livro (gráfico A) feito este levantamento

fez-se outra distribuição para abrigar os textos de acordo com os cinco agrupamentos

propostos por Dolz & Schneuwly (2004) (gráfico B) Esse levantamento possibilitou

identificar os gêneros selecionados e destinados para trabalhar a leitura junto aos alunos do

Ensino Médio.

Já os tipos de atividades de leitura e os tipos de perguntas de compreensão leitora

(gráfico C) foram classificadas com base nas propostas de Marcuschi (2001) que trabalha

com leitura e atividades de compreensão textual no ensino de língua portuguesa, ainda que

em língua materna, suas contribuições permitirão avaliar se as atividades de compreensão

presentes nos livros didáticos propiciam o desenvolvimento das capacidades necessárias

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para a leitura.

6. Os gêneros textuais nas atividades de leitura

No que se refere ao gênero textual, cada unidade é composta por dois textos, um

na seção “Para leer y reaccionar” e o outro na seção “Para leer y reflexionar”, totalizando

16 textos em cada livro e 48 na coleção. Os textos escolhidos são variados e representam

diferentes gêneros textuais, conforme gráfico a seguir:

Gráfico A – Frequência dos Gêneros

Do exposto, percebe-se que dos 14 gêneros selecionados pelo livros didáticos, os

gêneros texto informativo e cuentos apresentam as maiores ocorrências com 35% e 17%,

respectivamente, seguidos de 8% para os gêneros poemas e consejos, 4% para os gêneros

leyenda, canción, declaración, decálogo e crónica e 2% para os gêneros presentaciones,

viñeta, entrevista, microrelato e fábulas. Vale ressaltar que o gráficos apresentam apenas os

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gêneros utilizados para o trabalho com a leitura e compreensão de texto, e que outros

gêneros ão contemplados nas demais seções do livro.

No tocante ao agrupamentos de gêneros, segundo a proposta de Dolz e

Scheneuwly (2004) destacam -se os os gêneros cujo domínio de comunicação é o da

cultura literária ficcional (agrupamento do Narrar) e os gêneros relacionados ao domínio

social da comunicação da transmissão e da construção de saberes (agrupamento do Expor),

como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico B - Agrupamentos

Aqui, cabe ponderar que os agrupamentos deveriam ser melhor distribuídos, os do

argumentar, por exemplo, que aparece apenas uma única vez em toda a coleção, e seria

bastante válido explorá-lo, considerando que ao propor discussões sobre determinados

problemas levaria o aluno a “um agir eficaz na sociedade.”

7. As atividades de leitura

Com relação aos tipos de atividades de leitura, serão analisadas apenas as da seção

“Para leer y reaccionar”, pois, como já mencionado, a seção “Para leer y reflexionar”

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trabalha apenas o texto e não apresenta atividades no livro do aluno, sugere, somente no

manual do professor, possíveis atividades a partir do texto, como promover debates, propor

trabalhos em grupos, entre outros.

Para expor tal assertiva e analisar os tipos de perguntas de compreensão leitora

propostas pelo livro didático, tem-se por base a tipologia de perguntas padronizadas por

Marcuschi que classifica as perguntas de compreensão em: Perguntas do cavalo branco de

Napoleão, Cópias; Objetivas, Inferenciais, Globais, Subjetivas, Vale-tudo, Impossíveis,

Metalinguísticas. (Marcuschi, 2001) Assim, das nove possibilidade de perguntas, a coleção

explora apenas três, as de cópia, as objetivas e as subjetivas, sendo predominante as

questões objetivas, presente em vinte três das vinte e quatro atividades, ora sozinha, ora em

combinação com as demais. As perguntas do tipo subjetivas contabilizam onze e as de

cópias cinco conforme demostra o gráfico a seguir:

Gráfico C – Tipos de Perguntas

Esses resultados mostram que os tipos de perguntas de compreensão são limitadas

e não favorecem à leitura efetiva, tornando o ato de ler uma mera decodificação de

palavras, como no processo de leitura tradicional, já que os tipos de perguntas textuais não

levam o leitor a reflexões para a construção de novos conhecimentos e não ampliam sua

visão de mundo através da leitura de textos, como sugere os documentos oficiais pautados

no sociointeracionismo.

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Considerações Finais

Apesar de a coleção analisada colocar o aluno em contato com vários gêneros

textuais, como preconiza os documentos oficias, sua prática não está em consonância com a

abordagem de ensino via gêneros textuais, pois os trabalha de maneira superficial. Com

relação as atividades de leitura, há a predominância de atividades que requer do aluno

apenas localizar e copiar informações do texto, sem maiores exigências, o que não propicia

reflexões sobre os conteúdos trabalhados, e nem a oportunidade de se expressar por meio das

atividades propostas pelos livros.

Do fato, pode-se concluir que o trabalho com a leitura por meio dos gêneros

textuais nos livros analisados não alcança sucesso, pois é pelo entendimento dos diferentes

gêneros textuais que o aluno se insere nas mais variadas práticas sociais, possibilitando sua

efetiva aprendizagem, porém, quando isso não ocorre, o ensino acontece como na

pedagogia tradicional, onde o texto ainda permanece como pretexto para outras práticas, ou

seja a abordagem sociointeracionista da linguagem para o ensino de língua não é

contemplada nas atividades de leitura.

Mas, então, como deve ser um trabalho que comtemple Gênero, letramento e

ACD? Segundo Meurer um trabalho efetivo com a ACD deve permitir aos “alunos a

observar que tipos de texto precedem e seguem o uso de determinado gênero específico e

como „poêm em ação‟ formas de „ve‟ o mundo, identidades, relações, maneiras de construir

e distribuir textos, refletindo ideologias e formas de poder”( Meurer , 2005, p.106)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BARROS, E.; NASCIMENTO, E. Gêneros textuais e livro didático: da teoria à prática. Linguagem em (dis)curso, v. 7, n. 2, p. 241-270, mai./ago. 2007.

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