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LEI DE DROGAS Teoria e prática Manual da RAFAEL DE SOUZA MIRANDA 2020

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  • LEI DE DROGASTeoria e prática

    Manual da

    RAFAEL DE SOUZA MIRANDA

    2020

  • PARTE I

    TEORIA COM DICAS PRÁTICAS

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    1

    DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

    1.1. INTRODUÇÃOO problema das drogas e suas consequências nefastas na sociedade ganha des-

    taque diário na mídia. Simplesmente se tornou uma disfunção orgânica social in-controlável e não se trata de fato que afeta apenas o universo jurídico.

    Todas as pessoas, sem exceção, são atingidas direta ou indiretamente pelos da-nos decorrentes do consumo de drogas. Afinal, quem não foi (ou conhece alguém próximo) vítima de delitos patrimoniais praticados por uma pessoa que precisava de dinheiro para consumir drogas? Quem não tem um amigo ou familiar dependen-te de drogas? Quem nunca foi abordado na rua por alguém pedindo esmolas com o nítido intuito de sustentar o vício em drogas?

    Não há dúvidas de que a droga deve ser encarada e enfrentada com prioridade pelas políticas públicas de saúde, especialmente aquelas preventivas, e não como simples fato criminoso.

    Atento a esse distúrbio social, o legislador constituinte reservou tratamento es-pecífico às drogas, como se infere dos dispositivos transcritos a seguir:

    • A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (CR, art. 5º, inc. XLIII);

    • Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei (CR, art. 5º, inc. LI);

    • O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins (CR, art. 227, § 3º, VII);

    • Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de tra-balho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei (CR, art. 243, parágrafo único).

  • 20

    Manual da Lei de Drogas: teoria e prática – Rafael de Souza Miranda

    A Lei nº 11.343/06 é o diploma hoje vigente que regulamenta os dispositivos constitucionais acima transcritos e teve três claros objetivos (art. 1º):

    • Instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad;

    • Prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

    • Estabeleceu normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e definiu crimes.

    Perceba que a lei demonstrou preocupação com a sociedade, com o usuário e o dependente, e com o traficante de drogas. Essas foram as três frentes eleitas pelo legislador para tentar combater as drogas.

    1.2. VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.343/06

    1.2.1. RetroatividadebenéficaA Lei nº 11.343/06 foi publicada no Diário Oficial no dia 24 de agosto de 2006,

    com 45 (quarenta e cinco) dias de vacatio legis, ou seja, entrou em vigor no dia 08 de outubro de 2006.

    Verte importância saber a data da entrada em vigor da lei, pois as consequên-cias aparecerão na chamada “lei penal no tempo”. Vamos melhor compreender.

    A Lei nº 11.343/06 recrudesceu o tratamento ao traficante e abrandou o trata-mento ao usuário de drogas. Logo, no ponto em que houve a novatio legis in pejus, a lei não poderá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência. Já na parte em que houve novatio legis in mellius, a lei retroagirá e beneficiará aquelas pessoas que receberam tratamento mais severo na vigência da lei anterior (Lei nº 6.368/76).

    Depois de tantos anos de vigência, isso tem alguma importância? Sim, pois há pessoas que foram condenadas na vigência da lei anterior e ainda cumprem pena. Esses efeitos deverão ser aplicados na fase de execução penal (LEP, art. 66, inc. I).

    1.2.2. CombinaçãodeleisparabeneficiaroréuComo dito, em alguns pontos a Lei nº 11.343/06 trouxe recrudescimento cri-

    minal e, em outros, abrandamento. Partindo-se da premissa de que a lei benéfica retroage para beneficiar o réu, é possível aplicar a parte benéfica de cada lei para favorecê-lo?

    Exemplificando para melhor compreender: a Lei nº 11.343/06, ao revogar a Lei nº 6.368/76, disciplinou por inteiro o sistema de repressão ao tráfico ilícito de drogas. De um lado, conferiu tratamento mais rigoroso aos traficantes, aumentan-do a pena cominada abstratamente ao delito de tráfico (a pena abstrata era de 3 a 15 anos na lei anterior, passando para 5 a 15 anos na lei nova). De outro, instituiu causa de diminuição de pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), que não era prevista na lei revogada.

    Agora imagine que alguém tenha praticado o crime de tráfico na vigência da Lei nº 6.368/76. Essa pessoa terá direito à pena abstrata da Lei 6.368/76 conjuga-

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    da com a causa de diminuição de pena da Lei nº 11.343/06? Vide tabela a seguir para facilitar

    Lei nº 6.368/76 Lei nº 11.343/06

    Crime de tráfico Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, ex-por à venda ou oferecer, forne-cer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, pres-crever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determina-ção legal ou regulamentar.

    Art. 33. Importar, exportar, re-meter, preparar, produzir, fa-bricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósi-to, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamen-te, sem autorização ou em desa-cordo com determinação legal ou regulamentar:

    Pena Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

    Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamen-to de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

    Causa de dimi-nuição de pena

    Não existia. § 4º Nos delitos definidos no ca-put e no § 1º deste artigo, as pe-nas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedi-que às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

    Entendemos que é perfeitamente possível aplicar o ponto mais favorável de cada lei, pois a lei penal deve ser retroativa e ultrativa para beneficiar o réu.

    Não cabe o argumento de que esta interpretação modifica o ordenamento jurí-dico, ferindo a separação dos poderes. O juiz não está usurpando funções do Poder Legislativo. Não configura criação de terceira lei (lex tertia). Há, na verdade, in-terpretação de duas normas que se encontram em momento de transição. Esse é o preço da mudança da lei.

    Segundo pensamos, a hipótese é apenas de aplicação parcial e retroativa da lei penal mais benéfica ao réu.

    Não vemos motivos para espantos, pois existe expressa previsão constitucional e legal nesse sentido:

    A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (CR, art. 5º, inc. XL).

    A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos ante-riores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado (CP, art. 2º, parágrafo único).

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    Manual da Lei de Drogas: teoria e prática – Rafael de Souza Miranda

    Acrescentamos, ainda, o argumento de que quem pode o mais (retroagir a lei inteira para beneficiar o réu) certamente pode o menos (retroagir parcialmente).

    Em que pesem nossos fortíssimos argumentos, a jurisprudência das Cortes Su-periores, apesar de alguns precedentes favoráveis, firmou entendimento de que não é possível combinar leis para beneficiar o réu.

    É inadmissível a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 à pena relativa à condenação por crime cometido na vigência da Lei 6.368/1976. Precedentes. II – Não é possível a conjugação de partes mais benéficas das referidas normas, para criar-se uma terceira lei, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da separação de Poderes. III – O juiz, contudo, deverá, no caso concreto, avaliar qual das mencionadas leis é mais favorável ao réu e aplicá-la em sua integralidade. IV – Recurso parcial-mente provido (STF, RE 600.817, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 07.11.2013).

    Súmula nº 501 STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorá-vel ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.

    Dica prática

    Sempre que a defesa tomar contato com um processo de execução penal de sentenciado condenado pela prática de crimes previstos na revogada Lei nº 6.368/76, deverá se atentar aos pontos mais benéficos da lei nova e exigir sua aplicação. O pedido será feito perante o juiz das execuções penais:

    LEP, art. 66. Compete ao Juiz da execução: I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

    Súmula nº 611 STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.

    1.3. DEFINIÇÃO DE DROGAS

    1.3.1. ConceitolegalA Lei nº 11.343/06 define drogas como “substâncias ou os produtos capazes de

    causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atuali-zadas periodicamente pelo Poder Executivo da União” (art. 1º, parágrafo único).

    O conceito de drogas, conforme se percebe, decorre da conjugação do artigo 1º, parágrafo único da Lei nº 11.343/06 (norma primária) com outra lei ou portaria (norma complementar). Trata-se, portanto, de uma norma penal em branco.

    Norma penal em branco é aquela que, para surtir efeitos no ordenamento ju-rídico, depende da complementação de outra norma. Assim, há a norma primária incompleta e a norma secundária complementar.

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    O próprio legislador previu a necessidade de que outra lei ou ato administrati-vo normativo editado pelo Poder Executivo da União defina uma lista das substân-cias consideradas drogas.

    Hoje o complemento está regulamentado pela Portaria nº 344 da Agência Na-cional de Vigilância Sanitária – Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde.

    1.3.2. (In)constitucionalidadedoconceitolegaldedrogasComo visto, a lei permite que um ato administrativo normativo (portaria) com-

    plemente o conceito legal de drogas. A questão que se coloca é se a complementa-ção legal por meio de ato administrativo fere ou não a Constituição da República.

    Primeiro é necessário compreender a natureza do problema. As normas penais em branco são aquelas que dependem do complemento de outra norma e se classi-ficam da seguinte forma:

    • Homogêneas – a norma complementar tem mesma fonte legislativa que a norma a ser complementada. Exemplo: a norma incompleta é uma lei or-dinária e a norma complementadora também é uma lei ordinária;

    → Homogêneas homovitelinas – a norma complementar tem mesma fonte legislativa que a norma a ser complementada. Além disso, am-bas as normas pertencem ao mesmo ramo do direito. Exemplo: as duas normas, complementada e complementar, são leis penais;

    → Homogêneas heterovitelinas – a norma complementar tem mesma fonte legislativa que a norma a ser complementada. Porém, as normas pertencem a diferentes ramos do direito. Exemplo: a norma comple-mentada é de Direito Penal e a complementar é de Direito Civil;

    • Heterogêneas – a norma complementar tem diversa fonte legislativa da norma a ser complementada. Exemplo: a norma incompleta é uma lei ordi-nária e a norma complementadora é um ato administrativo (portaria).

    O problema que se coloca reside na norma penal em branco incriminadora heterogênea. Isso porque a lei permite que um ato administrativo normativo com-plemente o conteúdo de uma lei penal incriminadora.

    Segundo o princípio da legalidade penal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CR, art. 5º, inc. XXXIX). Quando se fala em lei penal, significa que deve ser lei em sentido estrito, ou seja, aquela prove-niente do Poder Legislativo. Além disso, compete privativamente à União, por meio do Congresso Nacional, legislar sobre Direito Penal (CR, art. 22, inc. I).

    Resta evidente que a complementação do tipo penal por meio de ato adminis-trativo fere frontalmente a Constituição da República. Todavia, prevalece o enten-dimento de que as normas penais em branco podem ser complementadas por ato administrativo, desde que este não seja o núcleo essencial da conduta. Assim, no caso em comento, a Lei nº 11.343/06 definiu o que é droga: “substâncias ou os pro-dutos capazes de causar dependência” e ao complemento coube somente a tarefa de apontar quais são essas substâncias ou produtos.

  • PARTE II

    MODELOS DE PETIÇÕES

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    1

    ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS

    1.1. ABSOLVIÇÃO – TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO – DOSIMETRIA PENAL

    EXCELENTÍSSIMO/A SENHOR/A DOUTOR/A JUIZ/A DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES/SP

    Autos nº 000.000

    C. S. de S., nos autos já qualificada, inerentes à ação penal movida pela Justiça Pública, por intermédio do advogado que esta subscreve, vem perante Vossa Excelência, com supedâneo no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar suas alegações finais por meio do MEMORIAL anexo.

    Termos em que,Pede deferimento.

    Mogi das Cruzes, 00 de janeiro de 0000

    Rafael de Souza MirandaOAB/SP 000.000

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    Manual da Lei de Drogas: teoria e prática – Rafael de Souza Miranda

    ALEGAÇÕES FINAIS

    Autos nº 000.000Autora: Justiça PúblicaRé: C. S. de S.

    SÍNTESE DO PROCESSO

    O Ministério Público ofereceu denúncia contra os réus imputando-lhes a prática dos crimes previstos nos artigos 33, caput e 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/06.

    Segundo a acusação, os réus traziam consigo e transportavam 700 porções de cocaína, com peso líquido total de 16,8 gramas; 1 porção de Cannabis Sativa L, com peso líquido total de 420 gramas; 304 porções de cocaína, com peso líquido total de 182,4 gramas; e 96 pedras de crack, com peso líquido total de 22,4 gramas, drogas essas que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

    Ainda, de acordo com a peça acusatória, os réus teriam se associado para o fim de praticar reiteradamente o crime de tráfico de drogas, tendo referida associação perdurado até a prisão em flagrante.

    Em audiência de custódia foi concedida liberdade provisória à ré, com a fixação de medidas cautelares diversas da prisão.

    Os réus foram notificados e apresentaram defesa preliminar; a denúncia foi recebida; reali-zada audiência de instrução e convertidos os debates orais em memoriais escritos.

    O Ministério Público apresentou suas alegações finais insistindo no pedido condenatório como formulado na denúncia.

    Estas alegações finais são apenas da ré C. S. de S.Eis a síntese do necessário.

    DA IMPROCEDÊNCIA

    Da imputação do crime do artigo 33, caput, da Lei de Drogas

    As provas produzidas ao longo da instrução são demasiadamente frágeis e não respaldam a pretensão condenatória.

    A ré NEGOU a autoria do delito. Disse desconhecer os demais corréus; mora com sua geni-tora e trabalha vendendo chocolates no trem da CPTM; no dia dos fatos, estava voltando para casa quando foi abordada pelo corréu G.P da S., que começou a puxar assunto oferecendo caro-na; ao chegar na estação Jundiapeba continuou puxando assunto e logo em seguida chegou o terceiro corréu V. P da S.; ambos insistiam para que aceitasse a carona, mas recusou; nesse mo-mento, os três foram abordados pela polícia; os policiais questionaram se os três se conheciam, o que foi negado por todos; os policiais procederam a revista pessoal e encontraram apenas a quantia de R$ 100,00 (cem reais) e um aparelho de telefonia celular com a ré; com o corréu G. P. da S. encontraram drogas; os policiais não acreditaram na versão apresentada e, pelo fato de possuir uma condenação por tráfico há cerca de 3 anos, decidiram prendê-la juntamente com os dois corréus.

    O corréu G. P. da S. foi ouvido em juízo e confessou que estava com a droga apreendida; declarou que estava saindo da estação de Jundiapeba e avistou os policiais abordando todos que saíam; carregava uma bolsa, mas não sabia a quantidade de entorpecentes que tinha em seu interior; disse que C. S. de S. estava ao seu lado, motivo pelo qual os policiais acreditaram que estavam juntos; não conhece a corré, apenas veio conversando com ela no trem e ofereceu ca-rona; disse que na Delegacia de Polícia afirmou que conhecia a corré apenas de vista, de bailes,

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    1 •  Alegações finais escritas

    PARTE II • M

    odelos de petições

    mas nunca conversou com ela; ia pegar carona com V. P. da S., mas este não sabia da existência da droga; não conhecia os policiais e não tem antecedentes criminais.

    O corréu V. P. da S., negou a autoria do delito; declarou em juízo que foi até a estação de trem para dar carona ao corréu G. P. da S.; não sabia da existência da droga; apenas foi ajudar o amigo; quando estavam na estação foram abordados pelos policiais; nada foi localizado consi-go; já teve passagem pela polícia quando adolescente por tráfico de drogas, daí o motivo de ter sido preso.

    O policial militar L. de S. M. narrou que realizava patrulhamento de rotina quando avistou um casal sair da estação de trem, tendo ambos apresentado nervosismo e tentado disfarçar ao avistarem a viatura policial; efetuou abordagem e encontrou as drogas com G. P. da S.; a corré C. S. de S. não disse nada e com ela não foi encontrado nada de ilícito; conduziram os réus para a Delegacia de Polícia; não conhecia nenhum dos réus anteriormente.

    O policial militar F. G. G. C., ouvido em juízo, prestou depoimento semelhante ao de seu colega de farda; ratificou que os direitos dos réus foram declarados e não se recorda se a corré C. S. de S. disse algo; também não conhecia os réus antes dos fatos.

    Por sua vez, o policial militar J. D. F. declarou que acompanhou a abordagem dos réus e presenciou a localização das drogas com o réu G. P. da S.

    Como se verifica das provas orais colhidas em audiência, a acusação se escora única e exclu-sivamente na intuição dos policiais que procederam à prisão dos réus. Isso porque, todos foram uníssonos ao afirmar em juízo que a droga foi apreendida na posse do réu G. P. da S., que por sua vez, confessou o crime e isentou a ré de qualquer responsabilidade pelo ilícito penal.

    Mas ainda assim, a acusação insiste em afirmar que os três réus estavam associados à prá-tica de tráfico de drogas.

    Fica nítido o intuito de se aplicar o odioso direito penal do autor, pois a acusação insiste no discurso de que a ré possui condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas.

    As testemunhas (policiais) que foram ouvidas na instrução não narraram uma conduta se-quer que evidenciasse a prática de tráfico de drogas.

    Especificamente em relação à ré, como já afirmado por todos ouvidos em audiência, nada de ilícito foi encontrado consigo e sua prisão ocorreu apenas porque estava ao lado do corréu G. P. da S., o qual desconhecia, e não há qualquer indício de vínculo entre eles.

    Não se pode condenar uma pessoa apenas com base em suposições. A conduta imputada a ré é apenas a de estar ao lado do corréu no momento da prisão. Nenhum ato de traficância foi verificado.

    Aliás, o fato de a ré conhecer ou desconhecer o corréu, no contexto dos autos, é irrelevante, já que cabe à acusação provar, sem sombra de dúvidas, que a ré praticava o crime descrito na denúncia. Contudo, o que se percebe é justamente o contrário, a ré estava apenas ao lado do corréu, sendo que as drogas foram encontradas no interior da mochila deste, portanto, em local oculto. Não é razoável imaginar, diante dos fatos apresentados, que a ré tivesse ciência da práti-ca do tráfico ilícito de drogas.

    Ressalta-se também que os policiais afirmaram ter realizado a abordagem da ré e do corréu porque teriam apresentado nervosismo ao avistarem a viatura policial. Contudo, tal postura não revela que a ré teria qualquer envolvimento com o tráfico, pois caso tivesse, certamente teria tentado se evadir do local.

    Não existem provas suficientes de que a ré tenha praticado o crime de tráfico de drogas ou se associado com os demais réus para a prática deste crime (Lei nº 11.343/06, artigos 33, caput e 35, caput), a não ser a intuição dos policiais.

    Tanto que não houve comprovação da materialidade do delito, que o Ministério Público não narrou um dado concreto sequer que viesse a provar a traficância das drogas encontradas. Ateve-se às palavras dos policiais, que que nada esclareceram.

  • 240

    Manual da Lei de Drogas: teoria e prática – Rafael de Souza Miranda

    Não há elementos seguros de que a ré tivesse perpetrado o crime narrado na denúncia. Nem mesmo os policiais que efetuaram a prisão disseram algo de concreto que viesse a carac-terizar a prática do ilícito.

    Milita em favor da ré a presunção de inocência, de modo que esta só poderá ser infirmada por intermédio de prova plena e indubitável de sua responsabilidade. A dúvida, então, deve favorecê-la.

    Da imputação do crime do artigo 35, caput, da Lei de Drogas

    Do mesmo modo, não há elementos mínimos para justificar a pretendida condenação da ré pela prática do crime previsto no artigo 35, caput, da Lei de Drogas.

    A acusação não indicou um dado concreto sequer que indicasse que a ré tinha qualquer vínculo com a droga apreendida ou mesmo com os demais corréus.

    Não há nos autos provas colhidas de investigações prévias, nem fotografias, vídeos, anota-ções ou testemunhas que indiquem vínculos entre os envolvidos.

    O crime em comento exige que haja dolo específico de se associar com permanência e estabilidade. Dessa forma, é atípica a conduta se não houver ânimo associativo permanente (duradouro), mas apenas esporádico (eventual). Portanto, ainda que houvesse prova suficiente do crime do artigo 33, caput, da Lei de Drogas, tal conduta seria apenas um concurso eventual de agentes (CP, art. 29), mas jamais uma associação para o tráfico.

    1. Firmou-se neste Superior Tribunal de Justiça entendimento no sentido de que indis-pensável para a configuração do crime de associação para o tráfico a evidência do vínculo estável e permanente do acusado com outros indivíduos. 2. Ainda que seja de conhecimento o domínio da localidade por facção criminosa e a quantidade de dro-gas denotem envolvimento com atividades criminosas, não há na sentença ou no acór-dão qualquer apontamento de fato concreto a caracterizar, de forma efetiva, o vínculo associativo estável e permanente entre o paciente e a organização criminosa, requisito necessário para a configuração do delito de associação para o tráfico, imperiosa é a absol-vição. 3. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no HC nº 471.155/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 13.08.2019 – sem grifo no original).

    1. Diante da expressão “reiteradamente ou não”, contida no caput do artigo 35 da Lei 11.343/2006, há que se perquirir se para a configuração do delito de associação para o tráfico basta a convergência ocasional de vontades ou a eventual colaboração entre pes-soas para a prática delituosa, ou se é necessário, tal como no crime de quadrilha ou bando previsto no Código Penal, que a reunião se dê de forma estável. 2. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com es-tabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsumi ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Doutrina. Precedentes. 3. As instâncias de origem, tendo reconhecido que a reunião dos pacientes teria sido eventual, a admitiram como apta a configurar o delito de associação para o tráfico, o que contraria a interpretação majoritária que tem sido conferida ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas. 4. Não havendo qualquer registro, quer na denúncia, na sentença condenatória, ou no aresto que a confirmou, de que a associação dos pacientes teria alguma estabilidade ou caráter permanente, não há que se falar no delito de associação para o tráfico, estando--se diante de mero concurso de pessoas. 5. Ordem concedida apenas para absolver os pacientes do delito de associação para o tráfico, mantendo-se, quanto ao mais, a senten-ça condenatória prolatada na origem (STJ, HC nº 137.471/MS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 02.09.2010 – grifo nosso).

    DOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS

    Na remota hipótese de Vossa Excelência entender que há provas suficientes para justificar a condenação da ré, subsidiariamente, deverão ser acolhidas as teses a seguir expostas.

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    1 •  Alegações finais escritas

    PARTE II • M

    odelos de petições

    Da fixação da pena-base

    A pena-base da ré deverá ser fixada no mínimo legal. Isso porque, a natureza e a quantidade da substância, sua personalidade e conduta social, além das circunstâncias objetivas e subjeti-vas previstas no artigo 59 do Código Penal, são favoráveis e não justificam qualquer majoração.

    Do afastamento da causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei nº 11.343/06

    A acusação requereu a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso III, da Lei nº 11.343/06, porque o crime teria ocorrido no âmbito de uma estação de transporte público.

    A causa de aumento deve ser afastada. Isso porque, analisando o contexto exposto, verifica--se que, em momento algum a ré teria tentado se beneficiar da estação de transporte público para aumentar seu potencial lucrativo. De modo algum a ré teria visado alcançar um grande público de consumidores das drogas.

    Segundo a narrativa acusatória, a proximidade do local foi mero fato incidental não plane-jado pela ré, portanto, não foi abrangido por seu elemento subjetivo. Inexistiu, por conseguinte, dolo ou culpa que viesse caracterizar a majorante.

    É certo que para a incidência de qualquer elementar ou circunstância penal, a prova do elemento subjetivo do agente se faz imprescindível, sob pena de se aceitar uma repudiável res-ponsabilização penal objetiva do agente.

    Assim, não houve violação à norma protegida pelo dispositivo legal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta aludida causa de aumento em situações como a do caso concreto:

    1. Até recentemente, a jurisprudência desta Corte estava consolidada no sentido de que o simples ato de transportar a droga em transporte público dava causa à incidên-cia da causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 (AgRg no REsp nº 1.444.666/MT, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 4/8/2014). No mesmo sentido: AgRg no REsp n. 1.378.796/MS, Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Sexta Turma, DJe 25/6/2014; e AgRg no AREsp n. 225.357/SP, Ministro Marco Aurélio Belizze, Quinta Turma, DJe 27/3/2014. 2. No julgamento do REsp n. 1.345.827/SC (DJe 27/3/2014), da relatoria do Ministro Mar-co Aurélio Bellizze, a Quinta Turma passou a adotar entendimento contrário acerca do tema, no sentido de que o simples fato de o agente utilizar-se de transporte público para conduzir a droga não atrai a incidência da majorante, que deve ser aplicada somente quando constatada a efetiva comercialização da substância em seu interior. 3. No voto, o Relator assentou que o fator que torna a conduta mais reprovável, determinando a incidência da causa de aumento, é o incremento do risco à saúde pública, o que ocorre quando o crime é praticado em locais com grande aglome-ração de pessoas, facilitando a difusão da droga ilícita (...) o que não ocorre pela simples utilização do transporte público sem que as demais pessoas tenham qual-quer contato com a substância entorpecente. 4. Como o novo entendimento encon-tra ressonância na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, não há motivo para insistir na manutenção da tese contrária, que até então vinha sendo acatada na Sexta Turma. 5. Recurso especial improvido (STJ, REsp nº 1.443.214/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 04.09.2014 – sem grifo no original).

    Desde modo, por absoluta ausência de provas de dolo da agente em relação à causa de aumento do artigo 40, inciso III, da lei nº 11.343/06, esta majorante deve ser afastada.

    Da fixação do regime prisional

    Uma vez aplicada a pena mínima, de rigor a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2º, “b”, do Código Penal.

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    Manual da Lei de Drogas: teoria e prática – Rafael de Souza Miranda

    Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

    (…)

    § 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipó-teses de transferência a regime mais rigoroso:

    (…)

    b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;

    § 3º – A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observân-cia dos critérios previstos no art. 59 deste Código.

    Não é demais lembrar o entendimento jurisprudencial sólido:Súmula 440 STJ: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

    Súmula 718 STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

    Súmula 719 STF: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

    Direito de recorrer em liberdade

    A ré possui residência fixa, respondeu ao processo em liberdade, tendo participado es-pontaneamente de todos os atos processuais e a instrução penal já foi encerrada. Deste modo, não se justifica a decretação da prisão preventiva na sentença, pois ausentes seus requisitos e pressupostos legais.

    Deste modo, à ré deverá ser deferido o direito de apelar em liberdade, se acaso condenada.

    DOS PEDIDOS

    Diante do exposto, requer a improcedência do pedido condenatório, absolvendo-se a ré da acusação que lhe é imputada; subsidiariamente, no caso de condenação, que seja imposta a pena mínima, aplicando-se o regime prisional semiaberto de cumprimento de pena e deferin-do-se o direito de recorrer em liberdade, como medida de Justiça.

    Termos em que,Pede deferimento.Mogi das Cruzes, 00 de janeiro de 0000.

    Rafael de Souza MirandaOAB/SP 000.000