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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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LDB 4.024/61: A EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NOTICIADA PELA LEGISLAÇÃO E JORNAIS PIAUIENSES (1961-1971)
Enayde Fernandes Silva1
Introdução
O presente artigo se propôs discutir a educação primária através da legislação e dos
jornais piauienses no Piauí, durante o período de 1961 a 1971. O recorte temporal foi
delimitado pelas promulgações das Leis n° 4.024/61 e n° 5.692/71, conhecidas como Leis de
Diretrizes e Bases da Educação. Sendo a primeira responsável por tornar obrigatória a
matrícula nos quatro primeiros anos do ensino primário, conferindo aos estados autonomia
para legislar em matéria de educação. A última trouxe, além da mudança de nomenclatura
para ensino de 1º grau, a previsão de um núcleo comum para os programas de ensino e a
obrigatoriedade do ensino às crianças de 7 a 14 anos de idade.
A escolha das fontes se deu pelo fato de a legislação apresentar a prescrição para o
ensino primário, enquanto os jornais permitem o acompanhamento dessa em sua efetivação
nas escolas, permitindo fazer inferências sobre a educação nessa esfera. Optamos por utilizar
do conjunto de documentos prescritos as mensagens governamentais, leis e decretos
promulgados que tratam do ensino primário no Piauí no recorte temporal pesquisado. As
mensagens por sua vez, imprimem as ações de cada governo em relação ao ensino, enquanto
as leis e decretos possibilitam um olhar sobre as reformas realizadas em busca de melhorias
na oferta desse ensino e de sua efetivação no Estado. A fonte hemerográfica selecionada para
análise foi o Jornal O Dia, por este ser um veículo de grande circulação e de grande respaldo
no período atingindo todas as classes. Como fonte oficial, optamos pelo Diário Oficial do
Estado do Piauí, que trouxe a legislação aprovada na forma de leis e decretos. Ambas as
fontes podem ser encontradas arquivadas no Arquivo Público do Estado do Piauí.
O Piauí em meio ao período analisado figurava, de acordo com dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como um dos mais pobres do país. Com uma
população predominantemente rural, o estado carecia não só de recursos financeiros, mas de
projetos e ações que visassem ao desenvolvimento não só econômico, mas social.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Petrônio Portela. Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí. Programa de Pós-Graduação em Educação. Bolsista CAPES. E-Mail:<[email protected]>.
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Santana (2011) apontou a inserção do estado no processo de industrialização como um
paradoxo vivido pelo governo, uma vez que o Piauí ainda possuía um forte vínculo com a
exportação de produtos extrativistas, agricultura e o comércio. As desigualdades regionais
eram de tal forma que o ensino primário se tornou o foco das ações do poder público durante
o período. O incentivo à criação de empresas, criação de estradas e o desenvolvimento
agrícola e do comércio, principalmente, no fim da década de 1950 e início de 1960 indicaram
que o estado se inseriu no projeto de desenvolvimento nacional, mesmo que isso tenha
ocorrido de forma mais lenta que na região Sudeste, por exemplo. Neste período, segundo a
autora, verificou-se uma preocupação com o ensino primário:
O poder público estadual, então, seguindo as orientações nacionais, se empenhou em conservar o crescimento das matrículas desse nível de ensino, desenvolvendo ações de forma a proporcionar a expansão do Ensino Primário do Piauí e viabilizar o programa de alfabetização que estava em desenvolvimento no país. Assim, o Ensino Primário ganhava atenção por parte dos governantes do estado que cada vez mais se empenhavam em aumentar as matrículas primárias, mantendo a posição que o ensino já havia conquistado em décadas anteriores, pois para os governantes estaduais, o ensino era considerado um elemento importante para [a prosperidade do povo] (SANTANA, 2011, p.46)
A concepção de desenvolvimento apoiada pelos poderes, tanto nacional quanto
estadual era de que diminuir os índices de analfabetismo que eram elevados, levaria a um
progresso maior com parcela da população escolarizada. O foco principal era aumentar
matrículas, no entanto isso não se mostrava suficiente com o crescente número de evasão
escolar. Dessa forma divulgou-se a ideia de que o homem poderia permanecer no meio rural
e o estado se desenvolveria da mesma forma. Ainda de acordo com a autora, o estado optou
pelo incentivo à iniciativa privada, concedendo a empresas a possibilidade de se
responsabilizar pelo desenvolvimento da atividade educativa conforme regulamentação pré-
definida por essa instância.
Um dos fatos educacionais importantes para o Piauí, sem dúvida, foi a implantação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961
cuja importância se deu, segundo Brito (1996), por representar uma tentativa de se realizar
uma organização sistemática do ensino que até aquele momento apenas era lidado como
estrutura de ensino. Seu maior destaque se deu com o estabelecimento de uma organização
dos sistemas federal e estadual de ensino, contudo, o sistema estadual de ensino piauiense só
foi consolidado em 1968. Por sua vez, Mendes (2012) destacou que o protagonismo da década
de 1960 em relação à educação piauiense não foi mais expressivo por conta do cenário
político brasileiro que passou por transformações com a instauração da Ditadura Militar.
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A década de 1970 trouxe mudanças econômicas para o Brasil, segundo Gonçalves
(2015), a mudança de sistema monetário provocou um período de ajustes econômicos devido
a transição do Cruzeiro Novo para o Cruzeiro. No Piauí, a seca causou grande perca
econômica para o estado, segundo a autora, a pobreza e falta de recursos ocasionaram a
migração dos camponeses da zona rural para a cidade, incorrendo em problemas não só
estruturais para um estado predominantemente agrário.
Mendes (2012) afirmou que a década de 1970, no Piauí, foi marcada por dinamismo na
educação. Com a implantação da nova LDB (Lei n° 5.692/71) foram criados centros de
treinamento para professores, os departamentos de 1º e 2º graus, superintendências de
ensino em diversos municípios construção de salas de aulas, nomeação de professores. Isto
acontecia mediante convênio realizado com a SUDENE (Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste), MEC (Ministério da Educação) e FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação). Além disso, a partir de 1979, a educação rural passou a
contar com atenção específica estabelecida pelo III Plano Setorial de Educação, Cultura e
Deporto- PCSED através da criação da Coordenação de Educação Rural (CODER) que ficou
responsável por programas como o EDURURAL, PROMUNICÍPIO, PRONASEC-RURAL e
POLONORDESTE que eram voltados para a construção de material didático adaptado ao
meio rural, construção de salas de aulas, capacitação de professores, além de assistência
técnica e financeira aos municípios que passariam a ser estruturados com os Órgãos
Municipais de Educação (OME).
A Educação Primária nos jornais
A opção de trabalhar apenas um jornal neste artigo, se deu pelo fato deste ser de maior
circulação e de respaldo no período, agregando também os temas veiculados pelos jornais de
menor circulação no Piauí durante o período de 1961 a 1971. Destacamos as diferentes
leituras oferecidas pelo mesmo problema vivenciado pelo ensino primário no Piauí.
Situação do Ensino Primário
As notícias veiculadas sobre o ensino primário no Piauí, apontam- o como deficitário e
carente. Na seção Depoimentos de O Jornal O Dia, foram listados alguns problemas pelos
quais o ensino primário passava, tais como:
1) há deficiências enormes de escolas primárias no Estado. 2) inexistem condições de fixação do mestre no interior do Estado. 3)é precário o aparelhamento das escolas.
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4) faltam condições físicas aos escolares (alimentação deficiente, causa principal). 5) os professores não têm ambiente (restrito) de vida intelectual e espiritual. (DEPOIMENTOS, JORNAL O DIA, 19 de março de 1961)
Estes problemas figuraram como presentes no estado em diversos momentos neste
período, de acordo com Melo (1973), essa situação tem raízes históricas decorrentes da
colonização piauiense e de seu papel pouco expressivo nos ciclos de desenvolvimento do país,
além do desinteresse do governo central, resultando na falta de políticas que resolvessem os
problemas vivenciados pelo povo piauiense, do mau uso dos recursos aqui existentes.
No artigo “Precisamos de Escolas”, a situação da instrução primária no estado foi
explicitada em detrimento da expansão da criação de ginásios no estado que se mostrava bem
atendido pelo governo:
Entretanto, enquanto de cinco anos para cá foram fundados cerca de sete ginásios, quantos grupos escolares foram fundados nos últimos dez anos? Não, nos lembramos de nenhum. (...) O resultado da grande deficiência de grupos escolares nesta Capital é o drama que já está começando, como nos anos anteriores, nas portas de cada escola, onde os pais voltam sem poder matricular os filhos por falta de vagas. Em alguns grupos, a matrícula foi iniciada e encerrada no mesmo dia, tal o número de alunos que aparecem, sedentos de estudo.” (PRECISAMOS DE ESCOLAS!, JORNAL O DIA, 23 de fevereiro de 1961, p.1-3)
Além disso, a notícia deixou claro que não faltavam professoras e que essas estavam
sobrando, o que faltava mesmo era grupo escolar. A tabela 2 aponta a quantidade de
unidades escolares de ensino de primeiro grau existentes no Piauí no período de 1961 a 1971:
TABELA 1 UNIDADES ESCOLARES DE ENSINO PRIMÁRIO SEGUNDO DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA E LOCALIZAÇÃO-PIAUÍ
ANO TOTAL
UNIDADES ESCOLARES
SEGUNDO DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA SEGUNDO
LOCALIZAÇÃO
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR URBANA
E SUBURBANA
RURAL
1961 1.311 1 414 769 127 280 1.031
1962 1.403 - 518 753 132 312 1.091
1963 2.163 - 536 1.457 170 381 1.782
1964 2.604 - 586 1.743 275 434 2.110
1965 2.243 - 512 1.481 250 479 1.764
1966 2.112 - 518 1.349 245 462 1.650
1967 2.274 6 470 1.601 197 427 1.847
1968 2.999 6 506 2.254 233 519 2.480
1969 2.699 29 476 2.000 194 495 2.204
1970 2.613 27 259 2.119 208 561 2.955
1971 3.516 20 586 2.702 208 584 3.592
Fonte: Adaptado de IBGE-Diretoria de Pesquisas, Departamento da População, Censos Demográficos, Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991. Tabela extraída de: Anuário estatístico do Brasil. 1992. Rio de Janeiro: IBGE, v.52,1992.
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Ao observarmos a tabela, conseguimos destacar que no ano de 1961, haviam 1.311
unidades escolares de ensino primário no Piauí, dos quais 1.031 se encontravam na zona
rural, enquanto 280 se encontravam na zona urbana. No entanto, se considerarmos que os
números apresentados não figuram como prédios escolares, mas o ensino primário em suas
diversas modalidades, que no Piauí, se encontravam como escolas isoladas, reunidas e grupos
escolares (LOPES, 2002 ), constatamos que não havia escola suficiente para a demanda que
se apresentava. No decorrer do período analisado, encontramos um aumento na quantidade
de unidades escolares tanto na zona rural, quanto na zona urbana, com destaque para a
participação cada vez mais marcante do município na expansão desse ensino em detrimento
do governo estadual.
O Decreto n.537 de 7 de janeiro de 1964 teve como ementa, a organização do Serviço
Cooperativo de Educação do Piauí (SECEP) na Secretaria de Estado da Educação:
CONSIDERANDO que a estrutura atual da Secretaria da Educação não suporta os encargos da execução do Programa Cooperativo objeto do Convênio firmado entre o Estado, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), e Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID Brasil) (..)órgão responsável pela execução do Programa de Melhoramento e Ampliação do Sistema de Educação Primária e Básica do Estado. (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PIAUÍ, 1964, p.1)
Entre as responsabilidades do SECEP estavam a orientação e acompanhamento dos
programas e projetos financiados pelo Acordo, o custeio de programas de formação e
treinamento de professores e técnicos da Secretaria, execução dos programas de construção
de prédios para unidades escolares, adquirir material didático, elaborar os programas
trimestrais de atividades. A direção do órgão estava sob o comando do Secretário de Estado
da Educação e Cultura, caso não pudesse desempenhar sua função em determinado
momento, poderia fazê-lo o Diretor-Executivo ou outro funcionário nomeado pelo
governador.
A criação de órgãos administrativos que se responsabilizassem pelo ensino primário
demonstrou a preocupação inicial do governo em melhorar as condições do ensino, garantir a
construção de prédios escolares, a formação e contratação de professores, além de fiscalizar o
uso das verbas conseguidas por meio de convênios com outras esferas de governo.
Situação do Professorado Primário
Outro aspecto que mereceu atenção, foram as constantes notícias e reclamações
quanto a falta de professores. A matéria intitulada “O Brasil Precisa de Mais Professores
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Primários” apontou que a região geoeconômica Sul, absorvia cerca de 74% dos professores
diplomados, enquanto as outras unidades da federação, 26%,
[...] admitindo-se a razão média de 30 alunos por professor, o Brasil necessitaria de 112 mil novos mestres primários para fazer face ao “déficit” escolar das crianças de 7 a 11 anos de idade que ainda não tiveram acesso à escola primária. (O BRASIL PRECISA DE MAIS PROFESSORES PRIMÁRIOS, JORNAL O DIA, 23 de julho de 1961, p.2)
Esta realidade se manifestou por meio do apelo de pais ou desabafos quanto a
insuficiência de pessoal para trabalhar nas escolas primárias. Um caso relatado na seção
Recortes intitulado “Mais Professora, Sr. Secretário”, chamou atenção para as condições de
trabalho nas quais algumas professoras passava sem auxiliares
A professora Helena Lustosa, de Parnaguá, está “abafada” com aproximadamente 150 alunos em sua escola, e sem uma auxiliar sequer. Bem avalio aquela tormenta de 150 doidinhos em redor de uma só criatura, de manhã e de tarde: é de matar os nervos da gente, Sr. Secretário da Educação. acuda aquela dedicada educadora, dando-lhe uma auxiliar! Ao menos uma! Mesmo que não seja diplomada! (MAIS PROFESSÔRA, SR, SECRETÁRIO, JORNAL O DIA, 28 DE JANEIRO DE 1962, p.4)
O pedido expresso revelou uma necessidade urgente de professoras para atender a
quantidade de alunos que aumentava nas classes, esse fator também influenciava na
qualidade das aulas ministradas e, portanto, no aprendizado dos alunos, o que acarretava nas
reclamações quanto ao despreparo do professorado, cujas razões foram apontadas em
“Comentários sobre Educação” de autoria de Iracema Santos Rocha da Silva:
Se temos tantos professôres improvisados e inadequados para o exercício do magistério, mais culpa cabe à falta de meios materiais que impede o acesso às boas obras literárias, a bons cursos especializados, que realmente, ao elemento individual do desinterêsse próprio embora reconheçamos que muitos não têm mesmo requisitos para ensinar. (COMENTÁRIOS SOBRE EDUCAÇÃO, JORNAL O DIA, 07 de abril de 1963, p.4)
Na tentativa de resolver as questões quanto ao número de professores, tomamos como
exemplo a Lei nº 2.639 de 30 de novembro de 1965 que criou e extinguiu cargos, abriu
crédito especial e deu outras providências entre as quais a criação de 100 cargos de Professor
Primário, classe T, na tabela III da parte permanente do quadro único do Estado, além de 10
funções gratificadas de Diretor, na tabela IV da parte permanente do quadro único do Estado,
além da carreira de professor auxiliar de ensino primário, na tabela III da parte permanente
do quadro único do Estado com mais 250 cargos, sendo 200 na classe “P” e 50 na classe “Q”,
além da extinção de 20 cargos de regentes de ensino classe “M”. Os professores auxiliares de
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ensino primário passariam a receber Cr$ 1.500,00. Além de ser aberto crédito especial no
valor de Cr$ 90.180.000,00 no Tesouro do Estado para ser implantada a Lei.
Além da falta de professores, do despreparo, outra notícia sobre a situação do
professorado primário, chama atenção para a dificuldade do governo em pagar os
vencimentos dos mestres, como exemplifica a matéria intitulada “Decreto favorece
professoras”:
O vereador Vieira Touranga, da bancada arenista, e presidente da Confederação de Pescadores do Piauí, informou à reportagem que o Decreto-Lei de 7 de março de 1969 veio beneficiar tôdas as professoras que desde 1953 serviam àquela entidade de classe sem perceber qualquer tipo de remuneração. Agora, graças ao Decreto mencionado, tôdas as professoras, no total de 32, serão pagas, inclusive quanto aos atrazados, pela SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca)(DECRETO FAVORECE PROFESSÔRAS, O DIA, 4/5 de maio de 1969, p.1)
Observando a data da notícia e o ano em que elas deixaram de receber, temos que essas
professoras ficaram 16 anos sem receber qualquer tipo de remuneração pela atividade que
exerciam. Isso revela a necessidade que muitos mestres tinham de exercer outra profissão ou
atividade que lhes permitissem o sustento e de sua família. Alguns pais se manifestavam em
relação a falta de pagamento das professoras primárias ou aos baixos valores que elas
recebiam pelo exercício de sua profissão. Em “Carta ao Prof. A. Tito Filho”, um pai de aluno
chamado João Alves Bezerra escreve ao Governador e Deputados em nome das crianças para
acatarem os pedidos das professores primárias em relação ao recebimento de seus
vencimentos:
Mas o motivo principal desta, Professor Arimathéa, é apelar para os que governam esta terra no sentido de que aprovem as leis e derribem vetos injustos no caso dos vencimentos das dignas professoras primárias e que precisam do estímulo de todos e também do Poder público para a ingrata e imensa tarefa de educar criancinhas neste país de analfabetos. Elas bem que ganham um salário de fome e é justo que sejam amparadas.” (CARTA AO PROF. A. TITO FILHO, O DIA, 8 de janeiro de 1961, p.3)
Material Didático e Escolar
Outra notícia bastante veiculada dizia respeito ao custo do material didático e escolar
dos alunos, que, em vistas da pobreza da população, era alto. No artigo “De Volta às Aulas”,
de 2 de março de 1961, foi retratado o cenário que a cidade de Teresina tomava com a
reabertura dos estabelecimentos de ensino. Mas, aponta os problemas enfrentados pelos
alunos logo no início de período letivo:
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Duas coisas tornam, porém, difícil a vida do estudante pobre em Teresina: o prêço dos fardamentos escolares e dos livros didáticos. Quanto ao primeiro problema, soubemos que as autoridade estaduais resolveram permitir a frequência de alunos mesmo sem a farda ecigida no regulamento como indumentária escolar. (..). Quanto ao segundo problema, reconhecemos ser mais difícil solução, visto que os livros são importados do Rio e São Paulo e por vezes até acontece em relação a eles o que sucede com o desejo de comprar carne: fica-se com o dinheiro na mão e não se encontra o que comprar.(DE VOLTA AS AULAS, O DIA, 2 de março de 1961, p.1-2)
O problema com o preço dos materiais e fardamento foi presente em diversos anos. No
artigo “Dificuldades da Educação”, tinha-se que:
Pois é lamentável a situação de muitos pais pobres sem recursos, numa luta de sacrifícios em prol da educação dos filhos. Cada ano se repete o mesmo drama. É a mesma dificuldade e sempre para o pai de família pobre. São os livros e o fardamento cada vez mais caros. As matrículas cada vez mais inacessíveis, as vagas cada vez mais insuficientes. (DIFICULDADES DA EDUCAÇÃO, JORNAL O DIA, 11 de fevereiro de 1962, P.5)
Contudo, no transcurso do terceiro ano de governo Chagas Rodrigues publicado no
Diário Oficial afirmava que havia sido comprado pelo Estado, material didático (livros,
cadernos, lápis, etc) no valor Cr5 1.500.000,00 o que revendido a alunos pobres, com
redução de 50% dos preços de custo (1\3 dos preços da livraria); (DIÁRIO OFICIAL,
transcurso do 3º ano do governo Chagas Rodrigues, 1962,p.314)
Reforma do Ensino
Devido as condições precárias em que o ensino primário se encontrava, havia um
anseio por mudanças presente nas notícias encontradas no período que melhorassem a
situação do ensino, principalmente após a implantação do sistema estadual de ensino,
previsto na LDB de 1961, mas que no Piauí, se efetivou apenas em 1968. Através da Lei nº
2887 de 5 de julho de 1968 , que dispões entre outras coisas:
Art.69- O ensino primário será obrigatório a partir dos sete anos de idade, podendo matricular-se na 1ª série crianças com seis anos completos. Parágrafo único- No caso de insuficiência de vagas na primeira série, terão preferência absoluta as crianças que já completaram sete anos, estabelecendo-se, como critério para preenchimento das vagas por ventura restantes, destinadas a menores de sete anos, a ordem decrescente de idade. (...) Art. 71- Não poderá exercer função pública estadual, ocupar emprêgo em autarquia, sociedade de economia mista, fundação ligada ao Estado ou empresa concessionária de serviço público, o pai de família ou responsável por crianças em idade escolar que não apresente prova anual de matrícula desta em estabelecimento de ensino e de frequência ás aulas ou de que está sendo ministrada educação no lar.
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Neste aspecto, seriam isentos os casos em que os pais ou responsáveis declarassem
pobreza, ou não tivesse escola suficiente para atender a demanda, matrículas encerradas ou
doenças graves da criança. Além disso, as empresas deveriam fornecer escolas acessíveis aos
trabalhos e a seus filhos ou bolsas de estudo para os mesmos, sendo determinada pela
\secretaria de \educação, o valor da contribuição. Em artigo ao Jornal O Dia, no dia 8 de
abril de 1969, Ana Maria Pimentel afirmou que a reforma curricular de 1968 foi um passo
importante em direção à reforma do ensino primário, no entanto, apontou a resistência de
algumas professoras ligadas às normas antigas em implantarem as novas orientações,
principalmente no tocante a supressão dos exames do 1º para o segundo ano primário e
critica:
(...) Em primeiro lugar, essa reforma que saiu só agora no papel, ficará sempre no papel se formos esperar que as professoras que trabalham atualmente sejam substituídas pelas que serão formadas. A não ser que todas as que não receberam as novas instruções sejam trocadas pelas que vão saindo da escola. E isso é impossível. Outro ponto a considerar é que a reforma só saiu agora mas a realidade a exigia há muito tempo. Tanto é que ouvimos falar em “escola nova”, ou outras expressões equivalente há mais de vinte anos.” (PIMENTEL, REFORMA DO ENSINO NEM QUE SEJA À FÔRÇA, O DIA, 8 de abril de 1969, p.4)
Em sua fala, a autora ainda aponta que um dos motivos por trás da resistência das
professoras se encontrava na acomodação das mesmas na rotina escolar, sendo necessária
uma ação drástica da Secretaria da Educação no tocante a esse assunto. Ela ainda afirmou
que a solução do problema em misturar alunos fortes e fracos, deveria ser solucionado pela
professora que deveria “fazer de tal forma que não existam alunos fracos.” E continua:
Ser professôra, não é só ensinar a ler, escrever, e dar algumas poucas noções de geografia e história do Brasil. É ter noções do comportamento da criança, conhecer seus pais, suas condições de vida. É saber encaminhá-los, dar-lhes orientação. É parar um pouco para pensar sobre o que vai fazer na escola no dia seguinte, como irá se dirigir a seus alunos.” .” (PIMENTEL, REFORMA DO ENSINO NEM QUE SEJA À FÔRÇA, O DIA, 8 de abril de 1969, p.4)
O período que antecedeu a LDB nº 5.692/71 também se tornou motivo de notícia com a
promessa de união entre o ensino primário e ginasial que se tornariam o ensino de 1º grau.
“Secundário vai ser só um curso com o7 primário” trouxe o anúncio do projeto de lei que
viria a se tornar a Lei que uniria o ensino primário com o secundário num único curso de
duração de oito anos. (SECUNDARIO VAI SER SÓ UM CURSO COM O PRIMÁRIO, Jornal
O DIA, 4 de agosto de 1970.) Em 5 de agosto de 1970, o jornal O Dia noticiou “Passarinho
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recebe até dia 14 reforma no ensino primário e secundário”, no qual encontramos um
resumo do anteprojeto de lei que propunha:
A fusão do primário e secundário num curso fundamental de oito anos denominado 1º grau; (...) serão obrigatórias a Educação Moral e Cívica, Física e Artística, tanto para o 1º grau quanto para o 2 º grau. O ensino religioso será facultativo, dentro das normas constitucionais. O 1º grau ou fundamental (...) terá a duração de oito anos, com 720 horas-aulas anuais. (JORNAL O DIA, 5 de agosto de 1970, p.5)
A junção do primário com o secundário acarretaria não apenas mudanças no currículo,
mas na organização do sistema de ensino no estado do Piauí. Além de requerer aplicação de
investimentos por parte do governo e de seus parceiros de convênios. Essa notícia incultiu na
população um sentimento de esperança quanto a uma educação de qualidade frente ao que
era oferecido.
Construção de Prédios Escolares
A preocupação com a construção de prédios escolares, não era apenas pelo fato de
garantir um aumento nas matrículas e atender a toda a população em idade escolarizável. Se
dava também pela necessidade do governo em se adequar a uma estrutura física de
desenvolvimento na área educacional que tinha na construção, principalmente de grupos
escolares, um sinal de avanço. Na seção “Secretaria de Educação e Saúde” de 21 de junho de
1962, o ensino primário foi apresentado como uma preocupação do governo. Já que da
população de 270.000 crianças em idade escolar, havia apenas, teoricamente, 90.000 vagas.
A solução encontrada foi o investimento na construção de prédios escolares e os convênios
realizados com a União.
Naquela ocasião, elaboramos um plano de construções escolares visando à ampliação da rêde escolar, de modo a capacitá-la ao atendimento total da população escolarizável. Referido plano que incluía a construção e instalação de 2.000 novas salas de aulas, de baixo custo, 2/3 das quais seriam localizadas na zona rural (...). Mesmo assim recorremos ao INEP para a assinatura de novos convênios. (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA, jornal O DIA, 21 de junho de 1962, p.1-3)
Esses convênios eram para a construção de grupos escolares, equipamento das salas de
aulas e construção de Oficinas de Artes Industriais que ajudariam na modificação curricular
da escola primária ao incluir cursos de iniciação ao trabalho, ao lado dos cursos de ensino
comum. Na Lei nº 2510, de 28 de janeiro de 1964, criou 181 escolas isoladas nos municípios
de Luzilândia, Porto, Cocal, Matias Olímpio, Cristino Castro, Esperantina, Batalha, Barras,
Nossa Senhora dos Remédios, Gilbués, José de Freitas, Pedro II, Olho d’Água Grande, Jaicós,
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Simões, Conceição do Canindé, Itainópolis, Valença do Piauí, Campo Maior, Regeneração,
Amarante, Várzea Grande, Água Branca, Barro Duro, Agricolândia, Teresina, Piripiri, Oeiras,
Ipiranga, Alto Longá, Palmerais, Buriti dos Lopes, Joaquim Pires, Uruçuí, Angical, Picos,
Bertolínia, São José do Peixe, Santa Cruz do Peixe e Santa Cruz do Piauí. Cujas despesas da
lei, seriam de responsabilidade de orçamento próprio, até oportuna suplementação.
A política de construção de grupos escolares estava diretamente associada à expansão
do ensino primário no estado, com a substituição das escolas isoladas, em que alguns casos,
funcionavam nas casas dos professores, por unidades estruturadas e que melhor atendesse as
necessidades educacionais da população.
Considerações Finais
Diante do exposto, temos que a educação primária apresentada nas notícias de jornais,
não apenas expõe a realidade vivenciada pelo povo que viria a ser melhorada através de
medidas e políticas anunciadas através da legislação. No entanto, no período de 1961 a 1971,
temos um ensino primário que subsiste em péssimas condições, com um número de escolas
incapaz de atender a demanda por matrícula, embora houvesse criações de unidades
escolares tanto na zona urbana quanto na zona rural. Com poucos professores, embora
existisse controvérsias quanto a isso, as notícias nos levam a compreender que essa profissão
não era atrativa devido a constante falta de pagamentos e dificuldades estruturais. Além
disso, destacamos também um anseio por reforma no ensino, embora este venha mesclado de
uma hesitação quanto a aplicação das novas sugestões curriculares e de ensino. O aspecto
orçamentário chama atenção para a incapacidade do estado de financiar por si próprio
requerendo a necessidade de convênios com a União e com os Municípios que também
atuavam em relação ao ensino primário, com destaque para a atuação municipal no tocante a
criação de unidades escolares no período pesquisado.
Referências
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