lazer e educação física
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Lazer e Educação Física: apontamentos
para uma intervenção crítica
Professor substituto da Faculdade de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal de Juiz de Fora, nos cursos de Educação Física e Turismo.Professor da rede municipal de Juiz de Fora.
Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense.
Graziany Penna [email protected]
(Brasil)
Resumo O presente texto tem por objetivo estabelecer apontamentos que possam possibilitar uma
perspectiva de lazer que contribua nas aulas de educação física para uma visão crítica da realidade, em face às mudanças que vem acontecendo no capitalismo e que colocam novas determinações para a
humanidade. Dentre estas destacamos a perspectiva de homem pautada no individualismo pós-moderno. Assim, com base nos apontamentos da pedagogia da animação, elaborados por Marcelino
procuramos estabelecer ligações com nossa prática na escola, nas aulas de educação física. Desenvolvemos duas experiências teórico/práticas nas aulas do colégio da rede municipal Olinda de
Paula Magalhães da cidade Juiz de Fora/MG, com turmas de 1º e 3º anos. Nossa idéia foi trabalhar com e brincadeiras e jogos cooperativos, que pudessem enfatizar uma perspectiva lúdica coletiva, que
pudesse, desde já, fazer frente à perspectiva pós-moderna individualista. Unitermos: Lazer. Educação Física. Intervenção crítica.
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 130 - Marzo de 2009
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Introdução
O presente texto tem por objetivo estabelecer apontamentos que possam possibilitar
uma perspectiva de lazer que contribua nas aulas de educação física para uma visão
crítica da realidade, em face às mudanças que vem acontecendo no capitalismo e que
colocam novas determinações para a humanidade. Dentre estas destacamos a
perspectiva de homem pautada no individualismo pós-moderno.
De acordo com Duarte (2004) este indivíduo pós-moderno vem sendo cunhado com
características marcantes:
a. sua existência é anônima,
b. o indivíduo pós-moderno é descontraído, flexível,
c. tem um estilo próprio de vida não querendo ser exemplo para ninguém,
pois na sua ótica existe verdade nenhuma,
d. procura a fantasia, a cultura do desejo e a gratificação imediatista,
e. prefere viver o presente e o passageiro, tendo horror ao estável,
permanente,
f. preocupa-se, exclusivamente, consigo e suas necessidades pessoais e
desinteresse em laços com instituições tradicionais (como família, Igreja,
partido. etc.).
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Por estas características que estão sendo constantemente plasmadas na realidade
concreta, sem que as pessoas se dêem conta, e o lazer, na sua expressão de mero
entretenimento, tem sido a nosso ver, veículo fundamental de propagação desse
individualismo hedonista na qual o outro só está de passagem na sua busca pelo prazer e
importando “viver” só imediato e o descompromissado com qualquer perspectiva de
transformação.
Pretendemos, portanto, resgatar na produção teórica sobre o lazer um importante
referencial, que vem sendo construído por Marcelino (2002) numa perspectiva de lazer
para além do mero entretenimento, como pensa o senso comum, que desta forma se
torna estéril enquanto um referencial de contraponto e transformação.
Ao contrário, compreendemos que o lazer se torna um importante elemento a ser
considerado pela educação física, na sua prática pedagógica para além de uma lógica
meramente compensatória para os alunos.
Não obstante, se faz necessário nos firmamos num conceito/concepção de lazer,
dentre as muitas existentes, para podermos situar perante a realidade. Portanto, nossa
compreensão é apoiada em Marcelino (1990) o qual entende o lazer.
[...] como a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada
ou fruída) no “tempo disponível”. O importante, como traço definidor, é o caráter
“desinteressado” desta vivência. Não se busca, pelo menos fundamentalmente, outra
recompensa além da satisfação provocada pela situação. (p. 31)
Esta demarcação sobre o lazer é importante, quando da observação fenomênica e
imediata, constatamos o lazer – desde muito tempo e com força hodiernamente – seja
como “válvula de escape” à realidade massacrante do mercado, seja enquanto
mercadoria a ser consumida por quem puder pagá-la. E isto traz inferências sérias para o
lazer.
No tocante a cultura infantil, o que se tem observado é o furto da possibilidade que a
criança tem de vivenciar ludicamente a infância. E tal furto se deve “[...] ou pela negação
temporal e especial do jogo, do brinquedo, da festa, ou mesmo através do consumo
“obrigatório” de determinados bens e serviços oferecidos como num grande
supermercado” (MARCELINO, 2002, p. 55).
Acrescente-se também, o grande contingente de crianças oriundas da classe
trabalhadora, que tem sua infância assaltada, por terem de trabalhar, desde cedo, para
garantir a sua sobrevivência e de sua família. Pode-se, inclusive, falar de “adultização da
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infância” (Silva, 2006), na qual as crianças vão assumindo atribuições de gente adulta e
perdendo a sua sociabilidade humana, pautada no SER CRIANÇA (ibid.).
Neste bojo, na lógica da sociedade capitalista que deixa de considerar a criança
enquanto produtora de cultura, mas seu mais importante consumidor. Procura-se
ingressar, cada vez mais cedo, a criança no mundo consumidor de mercadorias,
promovendo, tal como o faz com o trabalho (MARX, 2004), a alienação da criança
consigo, com as outras crianças e com a natureza.
Neste sentido, cabe resgatarmos, no limite da ação pedagógica, a dimensão lúdica da
cultura da criança, que vem sendo assaltada em prol de uma mercadorização pura e
simples.
A seguir destacaremos alguns apontamentos feitos por Marcelino na sua proposta da
Pedagogia da Animação como forma de subsidiar a prática pedagógica em geral.
Procuraremos apontá-las para a nossa especificidade, a educação física.
Apontamentos da Pedagogia da Animação
De acordo com Marcelino, na escola, desde muito tempo, o lazer, em termos de
atividades recreativas, foi sendo forjado numa perspectiva moralizante, que baseava-se
numa lógica controladora dos comportamentos e atitudes dos alunos, transitando na
contramão da compreensão originária da recreação enquanto re-criação e, assim,
deixando de valorizar a criatividade, própria do lúdico, para fazer o papel utilitarista.
E claro, tal perspectiva, ancorada num determinado modo de produção que para se
perpetuar precisa controlar os indivíduos que o sustentam, no caso a classe trabalhadora,
para que não vejam ou percebam a realidade em movimento, sendo produzida, e, que,
por isto pode ser transformada.
Ao contrário, segundo Marcelino (ibid.) a escola (e a educação física) tem se valido de
uma lógica de lazer utilitarista, compensatória; e por isso produtora de um “jogo
mantenedor da ordem estabelecida” e que por isso é necessário à realização de “um
novo jogo”. E o início deste novo jogo deve ser iniciado pelo pela “observação e
entendimento de quem está melhor habilitado para o jogo – a criança.” (ibid., p. 94)
E nesse ínterim, começar a valorizar a cultura da criança, compreendendo que esta
também é produtora de cultura, ao contrário do que a lógica mercadológica tenta
asseverar. Porém, enquanto processo, uma pedagogia da animação não pode ficar só no
reconhecimento cultural da criança, mas ir para além. Perfaz também um
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posicionamento frente ao reconhecido, no questionamento e no exercício da recriação
do elemento dado. Não é só a cultura entendida como produto-conteúdo acabado e
transmitido. É também processo e participação cultural. (ibid., p. 96).
Neste viés, Marcelino coloca que a educação pode ser um elemento fermentador e não
só um elemento reprodutor da ordem estabelecida. A escola, no sentido de uma
pedagogia da animação, deve acordar o aluno a partir de sua experiência lúdica,
manifesta no lazer. Inclusive, é por isso o nome pedagogia da animação, pois o enfoque
essencial estaria ligado à “criação de ânimo, à provocação de estímulos, e à cobrança da
esperança” (p. 105). Baseando na vivência do componente lúdico da infância, a escola
estaria promovendo rupturas, ainda que relativas, com o entorpecimento, a imutabilidade
e a desesperança da possibilidade de uma outra realidade mais humana.
Pois o lúdico, enquanto conteúdo a ser considerado na escola e na educação física,
produz dialeticamente um ir e vir da realidade. O aspecto dialético do componente lúdico
da cultura da criança permite sua inserção no real, ao mesmo passo que possibilita a sua
evasão do real. E isto permite a resistência ante a realidade colocada, não por
deslocamento dela, mas pela compreensão de que é possível mudar a realidade, porque
ela não é imutável e não toma por completo o ser humano.
Na visão de Marcelino a pedagogia da animação, também é uma pedagogia da
desilusão, pois não procura desenvolver passivamente a aceitação de uma realidade
estática, mas a “abolição” da realidade que se movimenta pelo motor da contradição
(KOSIK, 1976).
De acordo com Marcelino:
Recuperar o lúdico na perspectiva que proponho, significa, entre outros
procedimentos, uma prática pedagógica que relacione a necessidade de trabalhar para a
mudança do futuro, através da ação do presente, e a necessidade de vivenciar todo o
processo de mudança, sem abrir mão do prazer (2002, p. 108).
E o professor (ou adulto, como também considera Marcelino) tem uma participação
destacada no processo, pois ele é o mediador entre a criança e a herança cultura,
produzida historicamente. Não obstante, o professor (ou adulto) tem que estar atento
para não ser um “opressor, ou inibidor da manifestação de um componente cultural”
(ibid., p. 113). Haja vista, que a formação docente como vem acontecendo, vem
impregnada de valores podutivistas e disciplinadores.
Assim, com base nos apontamentos da pedagogia da animação, elaborados por
Marcelino, mas não acabados como o próprio autor coloca, procuramos estabelecer
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ligações com nossa prática na escola, nas aulas de educação física como veremos a
seguir.
Educação Física e Lazer: relatos de intervenções
Com base nos estudos de Marcelino e também do Coletivo de Autores (1992), que
acreditamos guardarem coerência entre si, procuramos desenvolver duas experiências
teórico/práticas nas aulas do colégio da rede municipal Olinda de Paula Magalhães da
cidade Juiz de Fora/MG, com turmas de 1º e 3º anos. Nossa idéia foi trabalhar com e
brincadeiras e jogos cooperativos, que pudessem enfatizar uma perspectiva lúdica
coletiva, que pudesse, desde já, fazer frente a perspectiva pós-moderna individualista.
Foram realizados dois tipos de jogos e brincadeiras com base na cooperação e
inspirados na obra de Guillermo Brown (1994) Jogos Cooperativos, além das obras supra
citadas. Os jogos e brincadeiras foram: a “dança das cadeiras” e a “travessia”.
A dança das cadeiras se refere aquela brincadeira em que, se tem um número de
participantes com um número menor de cadeiras dispostas em roda e viradas para fora.
Uma música é tocada e os participantes andam em fila ao lado das cadeiras. Quando a
música é pausada, todos têm que se sentar rapidamente, sobrando alguém que sai da
brincadeira. Retira-se uma cadeira e a brincadeira recomeça até que só reste um
vencedor.
Na realização das aulas, dialoguei com os alunos se primeiro conheciam a brincadeira.
Na sua maioria, sim e ficaram até eufóricos com a idéia. Então propomos o seguinte:
primeiro faríamos esta, tal como eles conheciam, e depois faríamos a mesma brincadeira
com algumas mudanças. E quais seriam? Ninguém sairia da brincadeira, só as cadeiras, e
quem ficasse sem cadeira deveria sentar junto com outro colega.
E assim foi feito. Primeiro realizamos a brincadeira na sua versão competitiva e depois
na sua versão cooperativa. E ao final conversamos sobre a s “impressões” que eles
tiveram sobre as duas brincadeiras, procurando perceber as diferenças. Enquanto relato,
no transcorrer das brincadeiras, percebi que na versão cooperativa houver maior
envolvimento dos alunos e quando conseguiram “sentar” todos em duas cadeiras
(avaliamos que ir além poderia gerar algum risco à segurança) houve uma euforia geral
por parte da turma. Isto deixou claro que o aspecto lúdico, principalmente no seu aspecto
de satisfação e prazer, foram evidenciados, e num espaço de cooperação, na qual todos
tinham de se ajudar para vencer o desafio e não o outro. Esta é a característica essencial
dos jogos cooperativos (BROWN, 1994).
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A outra brincadeira foi “a travessia”. Esta se baseou no seguinte: disse aos alunos que
o pátio das nossas aulas tinha virado um rio e os dois lados do pátio eram as margens.
Cada um receberia uma “bóia” (na verdade uma cartela destas de caixa de maçã) e
problematizei com eles: Como faríamos para atravessar o rio? Uns responderam, com
remos, então disse que não tínhamos; outros disseram para irmos nadando, respondi
dizendo que não queríamos molhar a roupa. Então houve um momento que alguém disse
que se fizéssemos uma ponte com as “bóias” de cada um, todos poderiam atravessar o
rio. Dito e feito. O primeiro colocou sua “bóia” no “rio”, o outro lhe passou a “bóia” e foi
sendo construída a ponte. Porém elas não chegavam até a outra margem, então os
últimos da fila iam pegando as “bóias” e passando para frente para a ponte continuar
sendo construída. E assim, aconteceu, até que conseguimos chegar até a outra margem.
Interessante, que assim que chegamos, todos ficaram eufóricos com a conquista daquele
desafio. Então refleti com a turma que sozinhos não teríamos como conseguir atravessar,
mas quando cada um pode ajudar com o que tinha – no caso a “bóia” – foi possível todos
resolverem um problema que era comum, atravessar o rio.
Enfim, realizamos estas duas práticas inspiradas, principalmente, na obra de Marcelino
(2002), no qual pudemos nos colocar como mediadores entre a cultura e os alunos. De
início, partimos da cultura das crianças, em que pudemos observar uma certa
necessidade de estar com o outro, mexendo com o outro, brincando com o outro. Mesmo
em sala de aula, com os alunos sentados separados pelas carteiras, estes ou se
levantam, voluntariamente, ou pedem para sentar junto com o colega. Então, partindo
desta observação e da constatação de que a realidade como vem sendo construída,
procura plasmar o individualismo pós-moderno na consciência das pessoas, com o intuito
de “jogar” com a desmobilização para uma mudança radical da sociedade.
Assim, numa perspectiva teleológica, que vislumbra uma perspectiva futura de
transformação da sociedade, entende que se faz necessário estar resgatando a
perspectiva coletiva, na qual os homens se reafirmam e se reconhecem enquanto
sujeitos históricos produtores da realidade.
Como nos fala Saviani (2003), as tentativas que ora tem se apresentado, de tentar
forjar um individualismo exacerbado é tardia, na medida em que os homens são,
originariamente, seres gregários.
Neste sentido, compreendemos ser importante nos colocarmos perante a realidade
concreta, numa perspectiva crítica, contribuindo com nossos alunos, na contramão do
mercado, reconhecendo a cultura lúdica dos alunos, re-conhecendo-a e avaçando para
além do aparente do que está posto, vislumbrando uma outra realidade. E quem nos
empurra é a própria realidade.
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12/09/2006.