lavoisier e o inÍcio da quÍmica moderna · 2011-11-22 · agricola (1494-1555). de fato, ......
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
5 TÓPI
CO
5.1 Introdução5.1.1 Lavoisier e a Revolução Francesa5.1.2 Berzelius e a Química depois de Lavoisier5.1.3 José Bonifácio e Joseph Priestley
LAVOISIER E O INÍCIO DA QUÍMICA MODERNA
Henrique E. Toma
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LAVOISIER E O INÍCIO 5
5.1 IntroduçãoA Química, como a conhecemos hoje, tem em Lavoisier o seu grande marco. Por isso, ele
é o assunto principal deste tópico. Entretanto, a história que precede Lavoisier é muito extensa
e remonta às primeiras indagações sobre a natureza da matéria, feita pelos filósofos gregos, in-
cluindo Thales de Mileto, Pitágoras, Platão, Sócrates e Aristóteles, no período de 600 a 300 AC.
A hipótese inicial de Thales de Mileto, de que a água era a base de tudo, foi sendo ampliada para
os quatro elementos: água, terra, fogo e ar. Com Pitágoras e depois Platão, as figuras geométricas e
suas relações foram inseridas na descrição do universo, através dos cinco sólidos regulares: tetra-
edro (fogo), cubo (terra), octaedro (ar), icosaedro (água) e dodecaedro. Este último representaria
a quinta-essência, o éter celestial.
Mesmo sem um conhecimento científico estruturado, o homem aprendeu a trabalhar com
a matéria desde os tempos pré-históricos, fazendo uso do fogo, para gradualmente transformar
minérios em metais, como o ferro, estanho e chumbo, conhecidos desde 1200 A.C. De fato,
a necessidade de transformar a matéria tem sido constante na evolução do homem, como
parte da sua própria sobrevivência. Com a expansão da cultura e filosofia grega, bem como
a valorização das artes e trabalhos com metais e joias, surgiram novos processos de manipu-
lação e transformação da matéria. Um exemplo é a destilação, que teve aplicação imediata
na produção da aqua ardens. Não demorou muito para se buscar a pedra filosofal e o elixir da
longa vida. Nasceu assim a Alquimia, como um misto de ciência e de magia, já no início da
era cristã. Impulsionada pelos pensadores gregos da Alexandria, a Alquimia expandiu-se para o
Mediterrâneo, despontando também de diferentes formas na Índia e China. De fato, muito do
nosso conhecimento atual teve sua origem na Alquimia.
Podemos dizer que os três pilares da Química moderna foram construídos a partir da mo-
tivação tecnológica (busca de novos produtos e processos), médica (tratamentos de doenças e
medicamentos) e também da Alquimia. Na realidade, esses caminhos foram convergentes, por
exemplo, o desenvolvimento da destilação levou à obtenção de novas substâncias e medica-
mentos que, por sua vez, foram incorporados à Alquimia. Muitos de seus praticantes ganharam
grande notoriedade, como o médico suíço Theophrastus Bombast von Hohenheim, também
conhecido como Paracelsus (1493-1541). O desenvolvimento da metalurgia e mineração levou
ao aperfeiçoamento dos fornos e destiladores. As balanças, já utilizadas desde os tempos bíblicos,
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foram ganhando maior sensibilidade e confiabilidade, como descrito nos trabalhos de Georgius
Agricola (1494-1555).
De fato, o desenvolvimento das balanças nos séculos seguintes foi decisivo para o próximo
passo, a transposição da Alquimia para a Química. Um excelente livro sobre a história da ba-
lança, escrito por Heinrich Rheinbold, merece ser consultado (vide bibliografia recomendada).
Também foram feitos avanços importantes no trabalho com gases, como os realizados por Joan
Baptista van Helmont (1577-1644), e nos experimentos envolvendo ácidos e sais, como os
conduzidos por J. Glauber (1604-1670).
Em 1667, o alquimista e médico Johann Joachim Becher propôs a substituição dos ele-
mentos ar e fogo por três tipos de terra: terra lapidea, terra fluida e terra pinguis. Este último
elemento foi associado à propriedade da queima, ou combustão, sendo liberado durante o
processo. Em 1703, George Ernst Stahl, professor de medicina da Universidade de Halle
(Alemanha), formalizou a proposta de Becher criando a Teoria do Flogisto (do grego
phlŏgistón = a essência do fogo ou da queima). De acordo com essa teoria, todos os materiais
inflamáveis contêm flogisto, uma substância sem cor, cheiro, sabor ou massa, que é liberada
durante a queima. Após sua saída, fica a essência do material sob a forma de um resíduo des-
flogistizado, o calx (cinza). Substâncias que queimam no ar seriam ricas em flogisto; contudo
o próprio ar teria uma capacidade limitada de absorver o flogisto, visto que a combustão cessa
espontaneamente em ambiente fechado. Acreditava-se que o papel do ar na respiração seria o
de remover o flogisto do nosso corpo. Ao atingir o limite de sua capacidade de absorção de
flogisto, o ar saturado não poderia mais manter a vida.
Muitas descobertas importantes aconteceram na era do flogisto. Joseph Black e seu estudante
Daniel Rutherford praticamente isolaram o nitrogênio (com um pouco de gás carbônico) em
1772, embora o considerassem como sendo o ar flogistizado (saturado de flogisto). Já o oxigê-
nio (O2, como conhecemos atualmente) seria equivalente ao ar desflogistizado, por ser capaz de
sustentar a vida. As observações reforçavam a ideia de que o ar era essencial para a combustão.
Porém, ao mesmo tempo, os defensores da teoria afirmavam que o ar atrai o flogisto. Assim, na
ausência de ar, ou se o ar já estivesse saturado com flogisto, não mais seria possível a captação do
flogisto presente nos materiais. Eles deixariam de queimar, e a combustão cessaria. Realmente,
tudo parecia se encaixar bem nessa teoria. Por isso, a teoria do flogisto reinou na ciência durante
a maior parte do século XVIII.
Robert Boyle (1627-1691) mostrou que a queima de metais em ar conduzia a um aumento
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de massa, o que era difícil de explicar pela teoria do flogisto. Na combustão, o flogisto era libe-
rado e, tendo massa nula, não poderia ser responsável pelo aumento observado. Assim, muitos
passaram a atribuir ao flogisto uma massa negativa,
equivalente à capacidade de levitação que deixaria o
material residual com maior massa ou mais pesado
após a sua saída. Seguiu-se um período de grandes
confusões, envolvendo conceitos errôneos sobre massa,
peso, e densidade, na tentativa de preservar a teoria do
flogisto. (Obs.: a notação de peso como medida de
massa foi utilizada ao longo de todo o desenvolvimen-
to histórico e será mantida neste tópico).
Em 1753, Mikhail Lomonosov (1711-1765) repetiu
o experimento de Boyle, porém fazendo a queima de
metais em um recipiente hermético de vidro (Figura
5.1). Sua conclusão foi que a massa do sistema perma-
nece constante após a queima do metal. Era a primeira
constatação da conservação da massa, normalmente
atribuída a Lavoisier.
Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) vinha de uma família bem estabelecida em Paris.
Seu pai era advogado, e sua mãe morreu quando Lavoisier tinha apenas cinco anos. Teve uma
excelente educação, porém, contrariando as expectativas da família, passou a interessar-se mais
pelas Ciências, sob a influência de bons professores, como Abbé de la Caille, que ensinava
Matemática e Astronomia. Através das apresentações de Guilhaume François Rouelle (1703-
1770), teve seu interesse despertado para a Química. Rouelle cuidava das demonstrações do
Prof. Louis-Claude Bourderlain no palácio real. Rouelle ilustrava os fatos da Química através
de experimentos e passava seu entusiasmo para o público que o admirava.
Lavoisier tinha um grande senso de observação que o levava a pensar constantemente sobre
como resolver problemas, como o da iluminação pública em uma grande cidade. Nesse sentido,
propôs melhorias que foram premiadas pela Academia Real de Ciências, na qual ingressou em
1768, com apenas 25 anos.
Um aspecto importante na vida de Lavoisier (Figura 5.2) foi a sua condição
Figura 5.1: Retrato de Lomonosov, por Leontiy Miropolsky, 1787
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social privilegiada, que lhe permitiu financiar os próprios projetos. Em 1768, adquiriu parte da
sociedade da Ferme Générale, uma companhia de recolhimento de impostos, contratada pelo
governo, para essa finalidade. Um dos sócios dessa companhia era Jacques Paulze, cuja residência
era frequentada por intelectuais e figuras influentes da vida política de Paris. Foi numa dessas
reuniões casuais que Lavoisier conheceu a filha de Paulze, Marie-Anne Pierrette, uma jovem de
apenas 14 anos, com quem se casou em 1771. A jovem
esposa de Lavoisier tinha excelentes conhecimentos
linguísticos e participou ativamente de sua vida profis-
sional, trabalhando nas publicações científicas e tradu-
ções em inglês. Tinha habilidades artísticas, contribuindo
com ilustrações minuciosas para as publicações, além de
auxiliar na organização dos apontamentos de Lavoisier.
Em 1775, Lavoisier foi nomeado gerenciador das pólvo-ólvo-
ras, no arsenal da França, para onde se mudou, instalando
seu laboratório. Uma de suas primeiras incumbências
era melhorar a qualidade do salitre (KNO3), usado na
fabricação da pólvora. Em poucos anos, a pólvora fran-
cesa, considerada até então uma das piores da Europa,
tornava-se a melhor de todas. Lavoisier concentrou-se
depois em realizar experimentos sobre combustão e
respiração. Em pouco tempo, seu laboratório tornou-se
centro de atração de pesquisadores de toda Europa, in-
cluindo os Estados Unidos. Sua ferramenta mais importante era a balança, e com ela Lavoisier
conduziu os experimentos que dariam um novo significado para a Química.
Uma crença comum na época, relacionada à teoria dos quatro elementos, era que a des-à teoria dos quatro elementos, era que a des-quatro elementos, era que a des-
tilação exaustiva da água provocaria sua transmutação no elemento terra. Para derrubar esse
mito, Lavoisier colocou água em uma retorta de vidro e aqueceu até retirar a maior parte do
ar. Depois, selou o recipiente e pesou. Após 101 dias de aquecimento, observou a formação de
alguns flocos suspensos na água, porém o peso da retorta selada continuava o mesmo. Concluiu
que o fogo não introduziu nenhum elemento novo dentro do recipiente fechado. Depois de
quebrar o lacre e remover a água, o frasco pesava 0,92 g menos. Essa diferença era devida à
dissolução parcial do vidro e formação dos flocos em suspensão.
Figura 5.2: Retrato de Lavoisier, por Louis Jean Desier Delaistre
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Outro estudo histórico foi sobre o comportamento do diamante sob forte aquecimento. Boyle
já havia mostrado que os diamantes são destruídos quando aquecidos fortemente, porém Maillard,
um importante joalheiro de Paris, lançou um desafio que seria impossível destruir o diamante
por aquecimento em recipiente sem ar. Lavoisier comprovou a hipótese de Maillard, aquecendo
os diamantes fornecidos pelo joalheiro, em recipiente lacrado, feito de argila. Mais tarde, em
colaboração com outros cientistas da época, Lavoisier repetiu o experimento na presença de ar,
usando uma jarra de vidro invertida com a boca imersa em água e fazendo o aquecimento através
de uma enorme lente óptica. A equipe observou que o diamante perdeu peso, o volume de ar
diminuiu, e a água produzia um precipitado (CaCO3), quando tratado com água de cal (hidróxido
de cálcio). A conclusão importante é que a destruição do diamante era provocada pela combustão.
Lavoisier continuou realizando experimentos sobre o ganho de peso que algumas subs-
tâncias, como o fósforo e o enxofre, apresentavam após a combustão. Em 1774 mostrou que
o fluido (gás carbônico), liberado na calcinação, era o mesmo produzido na ação de um ácido
sobre o material com que era feito o giz (carbonato de cálcio). Esse fluido não alimenta a
combustão e não é capaz de sustentar a respiração. Fez então experimentos de aquecimento de
chumbo e estanho em ar confinado em recipientes fechados, e observou que os pesos antes e
depois se mantinham constantes. Porém, quando repetia os experimentos em ambiente aberto,
havia um grande aumento de peso. Embora ainda estivesse confuso, já estava imaginando se
ganho de peso na combustão não seria devido à combinação com um componente do ar. Em
uma visita a Paris, em outubro desse ano, o pesquisador inglês Joseph Priestley (1733-1804)
proferiu uma conferência sobre seus trabalhos com gases, e suas considerações sobre o gás
liberado no aquecimento da calx de mercúrio (óxido de mercúrio), em ambiente fechado,
chamaram a atenção de Lavoisier. Além de Priestley, outros pesquisadores já haviam relatado a
perda de massa do óxido de mercúrio, após o aquecimento em ambiente fechado, porém não
conseguiram o mesmo nível de impacto.
Lavoisier repetiu os experimentos de aquecimento do óxido de mercúrio e, em abril de
1775, já relatava sua teoria na Academia de Ciências, a qual só fora publicada, tardiamente, em
1777. Mostrava nesse trabalho que o gás liberado no aquecimento do óxido de mercúrio era
muito parecido com o ar, porém deixava a chama mais brilhante e não asfixiava um passarinho
mantido em sua presença. Quando o óxido de mercúrio era aquecido com carvão, obtinha-se
o mercúrio metálico e um gás solúvel em água que era capaz de extinguir a chama. Esse gás
(CO2) formava um precipitado quando borbulhado em água de cal (Figura 5.3).
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Quando Priestley leu o artigo de Lavoisier, rapidamente publicou Experiments and observa-
tions on different kinds of air. Nesse artigo, de 1775, afirmava que), o gás obtido aquecendo o
óxido de mercúrio, na ausência de carvão, era mais
ativo do que o ar comum por se tratar do ar desflogis-
tizado. Priestley já havia descoberto que o sangue
mantém-se vermelho somente quando em contato
com o ar atmosférico ou o ar desflogistizado.
Lavoisier continuou seus experimentos de aqueci-
mento de mercúrio metálico usando uma campânula
cheia de ar, com uma saída imersa em cuba com água.
O aquecimento do mercúrio, ao longo de 12 dias,
levou ao aparecimento de um sólido vermelho (HgO)
sobre a superfície do mercúrio, com redução de 1/6
do volume inicial do ar no interior da campânula. Esse
ar remanescente não era capaz de promover a com-
bustão, não alimentava a chama e sufocava os animais
em poucos segundos. Depois, colocou o sólido vermelho dentro de uma retorta, adaptada para
coleta de gases e líquidos durante o aquecimento. O aquecimento vigoroso da retorta levou ao
desaparecimento gradual do sólido vermelho, gerando um condensado de mercúrio líquido e
um volume de gás. Esse gás era capaz de sustentar a respiração e a combustão além de tornar a
chama mais brilhante. . Foi descoberto na mesma época por Priestley, que lhe deu o nome de
ar desflogistizado, Scheele, que o chamou de ar celestial, e Lavoisier, que preferiu a denominação
de ar vital. Uma citação clássica de Lavoisier é a seguinte:
“...se o ar, quando se combina com um metal, for liberado novamente, ele aparecerá em uma condição mais
respirável, mais eficiente que o ar atmosférico, para suportar a ignição e a combustão ...”(LAVOISIER,
Mémoires de l’Académie, 1778, p. 520)
Os experimentos de Lavoisier sobre a respiração animal foram bastante marcantes na his-
tória da Ciência. Ele já havia observado que depois da respiração, o ar produz um precipitado
quando borbulhado em água de cal. Em 1782, associando-se a Pierre Simon de Laplace (1749-
1827), desenvolveu um calorímetro de gelo para medir o calor liberado em um processo. No
Figura 5.2: Sistema utilizado por Lavoisier para estudar a decomposição térmica do óxido de mercúrio
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experimento clássico, um porquinho da Guiné foi confinado no calorímetro por dez horas,
depois desse tempo, a quantidade de gelo derretida foi medida. Ao mesmo tempo, Lavoisier
e Laplace mediram a quantidade de gás carbônico produzido pelo animal e a compararam
com o volume equivalente liberado na queima do carvão. A partir disso, determinaram quanto
gelo é derretido com essa quantidade de carvão. A concordância entre os dados obtidos com
o porquinho da Guiné e o da queima de carvão foi muito boa. Esse experimento demonstrou
que a respiração é uma forma de combustão.
O termo oxigênio foi usado pela primeira vez em 1777, para explicar a natureza dos ácidos
(oxigênio em grego significa gerador de ácidos). Os compostos gerados na combustão do fós-
foro e enxofre tinham características ácidas e, por isso, esse comportamento foi atribuído à
presença do oxigênio. O comportamento do hidrogênio, entretanto, foi um problema. Segundo
Lavoisier, a queima do hidrogênio deveria produzir um ácido, contudo, vários já haviam feito
esse experimento e não havia qualquer relato de produção de água. Isso só aconteceu em
1781, quando Priestley usou uma descarga elétrica para detonar uma mistura de hidrogênio e
oxigênio (ar inflamável). Mesmo assim, os relatos da época eram contraditórios, sugerindo que
havia perda de massa ou que o calor tem massa. Foi quando Cavendish repetiu cuidadosamente
os experimentos usando vasos de cobre para suportar melhor as explosões e também para
conseguir coletar quantidades substanciais do líquido condensado sobre as paredes. Em 1784,
Cavendish mostrou que quando duas medidas de ar inflamável (hidrogênio) e cinco medidas
de ar comum são colocadas para reagir, todo o ar inflamável é consumido, e o volume do ar
diminui de um quinto, dando origem a um líquido incolor. Depois, repetiu os experimentos
usando o ar desflogistizado e o ar inflamável, para mostrar que o produto é o mesmo: água.
Apesar de todas as evidências apontarem para o fato da água ser composta de hidrogênio e
oxigênio, Cavendish insistia em explicar seus resultados através da teoria do flogisto. Assim,
propôs que o ar desflogistizado era a água que perdeu seu flogisto, ao passo que o ar inflamável
seria a água com flogisto.
ar inflamável + ar desflogistizado = água ou
(água + flogisto) + (água – flogisto) = água
Lavoisier, que tinha dúvidas sobre o papel o oxigênio na combustão do hidrogênio, ao tomar
conhecimento dos resultados de Cavendish, tentou enquadrá-los na teoria que estava desen-
volvendo. Assim, concentrou seus esforços para provar a natureza composta da água, através da
análise química. Para isso, ele passou vapor de água sobre um tubo de ferro aquecido ao rubro.
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Além da ferrugem, obteve “ar inflamável” como gás resultante. Em 1783, juntamente com
Laplace, apresentou à Academia de Ciências seu trabalho sobre a natureza da água, provando que
ela não é um elemento, mas sim uma substância que pode ser decomposta e recombinada.
Como seria esperado, o impacto foi enorme, assim como os protestos e as controvérsias
levantadas em torno do tema. Cavendish e Lavoisier foram acusados de plágio por Watt, que
por sua vez se inspirava nos trabalhos de Priestley. Entretanto, tanto Cavendish como Watt e
Priestley defendiam a teoria do flogisto. Os historiadores têm conferido a Lavoisier o crédito
pela descoberta da natureza composta da água; porém, ao mesmo tempo, muitos o criticam
pelo pouco reconhecimento dado ao trabalho de seus contemporâneos. A Cavendish caberiam os
créditos de ter aberto os caminhos que levaram à síntese da água; o grande mérito de Lavoisier
seria o de ter interpretado corretamente o fenômeno.
Lavoisier sabia que o ar era uma mistura de ingredientes ativos, como o oxigênio e inativos
(que ele chamou de azoto). Ao propor que a combustão seria resultante da combinação das
substâncias com o oxigênio, a ideia do flogisto perdeu o sentido. Por isso, a teoria de Lavoisier
não foi facilmente aceita. Curiosamente, matemáticos, como Laplace, convenceram-se rapida-
mente, porém o mesmo não aconteceu com os químicos.
Sentindo-se cada vez mais confiante, Lavoisier resolveu atacar abertamente a teoria do flo-
gisto, publicando em 1783 seu artigo Reflexões sobre o flogisto, nas Memórias da Academia de
Ciências. A lógica de seus argumentos sobrepujava o mistério envolvido na teoria do flogisto.
Alguns cientistas, como Berthollet, Mourveu, Fourcroy, Monge, Chaptal, Meusnier, aderiram
rapidamente às suas ideias. Lavoisier vibrou de contentamento ao receber a carta de Black,
manifestando seu apoio. Scheele não viveu o suficiente para perceber as mudanças da nova era
da Química. Cavendish argumentou que tanto as ideias de Lavoisier como a teoria do flogisto
explicam bem os experimentos, porém, curiosamente, dedicou o restante da sua existência ao
estudo da Física. Priestley permaneceu se opondo, na defesa feroz até em suas últimas publica-ísica. Priestley permaneceu se opondo, na defesa feroz até em suas últimas publica-se opondo, na defesa feroz até em suas últimas publica-
ções, da teoria do flogisto. Na Alemanha, a rejeição encontrada foi um fato natural, visto que a
Ernst Stahl ainda tinha muitos seguidores em seu país.
Três importantes cientistas, Bertholett, Mourveau e Fourcroy tornaram-se bastante próxi-
mos de Lavoisier. Claude Louis Berthollet (1748-1822) estudou medicina em Turin e passou a
se interessar pela Química quando se mudou para Paris, em 1772. Tinha entusiasmo pela edu-
cação científica e pela aplicação da ciência na indústria, descobrindo a aplicação do cloro como
agente branqueador na indústria têxtil. Desenvolveu a solução de hipoclorito (água de lavadeira
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= eau de Javelle) passando cloro em uma solução de hidróxido de potássio. Também descobriu o
clorato de potássio, que chegou a despertar interesse de Lavoisier, como possível ingrediente da
pólvora, no lugar de nitrato de potássio. Entretanto, era de alto risco, e os acidentes provocados
fizeram com que Lavoisier descartasse o seu uso para essa finalidade.
Antoine François de Fourcroy (1755-1809) também tinha educação médica e tornou-se
professor de Química em 1784. Louis Bernard Guyton de Morveau (1737-1816) era inicial-
mente adepto da teoria do flogisto, e no contato com a nova química de Lavoisier, passou a se
preocupar com a questão da nomenclatura. Na época, os compostos químicos eram nomeados
segundo a tradição popular, pela aparência ou pelo nome de seus descobridores, como é o
caso do sal de Glauber (sulfato de sódio) e do sal de Epson (sulfato de magnésio). Mourveau
achava que a nomenclatura deveria refletir a composição das substâncias. Por isso, juntamente
com Bertholett, Fourcroy e Lavoisier, formulou o primeiro sistema de nomenclatura baseado
na nova visão de Química. Sua proposta foi publicada com o título Méthode de nomenclature
chimique, em 1787. Ela incluía o uso do alfabeto latino e grego, seguindo uma padronização
de terminações que facilitariam a distinção dos vários tipos de compostos. Por exemplo, os sais
formados do ácido sulfúrico seriam denominados sulfatos, isto é, a terminação dos ácidos em
ico mudava para ato nos respectivos sais. Essa proposta de nomenclatura, que ainda continua
em evolução através da IUPAC, não foi prontamente aceita e encontrou muita resistência na
Academia, principalmente pelos adeptos da teoria do flogisto.
A publicação do Traité élémentaire de chimie, em 1789, foi decisiva para a aceitação das mu-
danças, deixando clara a superioridade da teoria que substituiu o flogisto pelo oxigênio. O
grande mérito desse tratado era a sistematização da Química, já com a nova nomenclatura.
Rapidamente o livro foi traduzido para o alemão, inglês, holandês, italiano e espanhol. Lavoisier
utilizou o termo gás, proposto por van Helmont, no lugar de fluidos elásticos, como era usado
na época. Para lidar com o calor envolvido nas reações químicas, Lavoisier introduziu conceito
de calórico, como um agente desprovido de massa, que provoca a expansão das substâncias
quando adicionado às mesmas. Isso explicaria a expansão dos gases e líquidos pelo aquecimento.
Os gases, como o oxigênio, teriam um componente intrínseco (que ele chamou de base) mais
o calórico. Na combustão do carbono, os componentes intrínsecos do carbono e do oxigênio
se combinam, somando as suas massas. O calórico seria libertado sob a forma de calor ou luz.
Em seu tratado, Lavoisier considera os elementos como as substâncias mais simples possíveis
de existir, pois não podem ser decompostas em outras entidades. Os exemplos conhecidos
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na época eram: oxigênio,azoto (nitrogênio), hidrogênio, enxofre, fósforo, carbono, antimônio,
prata, arsênio, bismuto, cobalto, cobre, ferro, manganês, mercúrio, molibdênio, níquel, ouro,
platina, chumbo, tungstênio e zinco. Magnésia, barita e alumina eram tratadas como óxidos de
metais desconhecidos. Apesar do quadro ainda restrito de elementos, podemos ver que o acerto
da proposta de Lavoisier é incontestável.
O conceito da conservação da massa foi sugerido em um trabalho sobre fermentação.
Lavoisier percebeu que o açúcar, sob ação do fermento, é transformado em dióxido de carbono
e álcool, e expressou isso através de uma equação na qual o peso dos reagentes seria igual ao
peso dos produtos. Esse conceito, na realidade, não era inteiramente novo, tendo sido proposto
alguns anos antes pelo russo Mikhail Vasilevich Lomononsov (Figura 5.1). Sua posição como
professor da Universidade de Moscow, mantivera-o afastado do círculo científico, e suas ideias
tiveram pouca influência no mundo ocidental.
O Tratado elementar de Química, de Lavoisier, teve influência decisiva no desenvolvimento da
Química Moderna, principalmente por ser bem escrito e organizado e por apresentar novos
conceitos, explorando trabalhos relevantes, desenvolvidos por vários químicos e descartando
aspectos ultrapassados. Nesse sentido, sempre se faz uma comparação do tratado de Lavoisier
com o livro publicado por Baumé, nesse mesmo perí-
odo. O livro de Baumé era arcaico e inconsistente, com
forte influência da antiga Alquimia, e não teve qualquer
impacto, ao contrário do tratado de Lavoisier.
Para comemorar a vitória do Traité de Chimie,
Madame Lavoisier, em trajes sacerdotais, celebrou uma
cerimônia onde queimou os trabalhos de Stahl. Pediu
ainda para o seu mestre de artes, Jacques Louis David,
fazer um retrato histórico. Esse quadro é considerado o
melhor de todos (Figura 5.4).
Lavoisier dedicou grande parte de sua vida ao
serviço público, principalmente como membro da
Academia de Ciências, no assessoramento às solicita-
ções do governo. Fez inovações na agricultura, estabe-
lecendo sua própria fazenda em caráter experimental e
fundando, posteriormente, a Sociedade de Agricultura. Figura 5.4: Retrato de Lavoisier e sua esposa, por Jacques Louis David, 1788
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O sistema de pesos e medidas na França era caótico e variava conforme a região do país. A
incumbência da padronização desse sistema foi dada à Academia de Ciências, que nomeou uma
comissão composta pelo filósofo Condorcet e pelos matemáticos Laplace, Lagrange, Borda e
Monge. Mais tarde, Lavoisier substituiu Laplace e, em 1791, a comissão decidiu adotar uma
nova unidade de comprimento, equivalente a um décimo-milionésimo do quadrante da Terra
entre o polo e o equador, com subdivisões decimais.
5.1.1 Lavoisier e a Revolução Francesa
A República não precisa de cientistas. Que a justiça siga o seu curso(...)
Jean-Baptiste Coffinhal
Os últimos cinco anos da vida de Lavoisier foram marcados pela instabilidade econômica
e política da França, com a Revolução Francesa já em pleno curso, em 1789. Sua notoriedade
na Academia de Ciências havia gerado alguns ressentimentos, que o fez o alvo principal dos
ataques de Jean Paul Marat (1743-1793). A influência de Marat na população, incitando a vio-
lência, crescia através dos panfletos que editava com o rótulo L’ami du peuple. Marat é descrito
como um revoltado, insatisfeito, marcado pelas dificuldades que teve que enfrentar em sua vida,
de origem humilde, até se formar em Medicina. Isso parecia ser evidente em sua expressão
carregada de tiques. Tinha ambições de alcançar o reconhecimento científico, como Lavoisier.
Por isso, publicou em 1780 o livro Recherches physiques sur le feu, onde postulava ter observado o
elemento do fogo. O livro não foi bem aceito pelos cientistas, incluindo Lavoisier.
Em sua atuação na Ferme Générale, Lavoisier tentou reduzir o contrabando através da
construção de um muro ao redor de Paris. Marat iniciou seus ataques contra Lavoisier, pro-
pagando que o muro estaria prejudicando a qualidade do ar respirado pela população. Depois
acusou Lavoisier de adulterar o tabaco com água. A Ferme Générale era responsável pelo
controle do tabaco. Lavoisier havia iniciado a prática de introduzir um certo grau de umidade
no tabaco para torná-lo menos quebradiço e de melhor aparência. Entretanto, o tabaco era
comercializado com base no peso da forma seca, eliminando qualquer intenção de fraude.
Finalmente Marat acusou Lavoisier de colocar a população em perigo, com a pólvora que era
armazenada no arsenal.
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Marat foi assassinado em 1793 e tornou-se, por muitos, um mártir da Revolução. No regime do
terror que se estabeleceu no país, as acusações falavam mais alto e, em relação a Lavoisier, toda uma
vida dedicada ao serviço público e à ciência foi completamente esquecida. O medo fez calar seus
simpatizantes e colaboradores mais diretos, incluindo Morveau e Fourcroy. Surpreendentemente,
em sua defesa, manifestaram-se amigos mais distantes, como Cadet e Baumé. Madame Lavoisier
atuou energicamente na defesa de Lavoisier, mantendo sempre uma postura digna, na defesa
dos direitos e da justiça. Não teve sucesso. Durante o julgamento, em nome do Bureau de Artes
e Ofícios, Jean Noël Hallé apresentou uma petição de clemência, enaltecendo os numerosos e
importantes serviços prestados por Lavoisier ao país. Isso foi recebido pelo presidente do júri,
Coffinhal, como uma provocação, refletido na frase: A República não precisa de cientistas. Que a justiça
siga o seu curso. Lavoisier foi para a guilhotina em 8 de maio de 1794.
Durante a Revolução Francesa a Academia de Ciências passou por períodos difíceis. As
Academias eram ligadas à aristocracia, e um de seus críticos, o pintor Jacques Louis David
(1748-1825) era associado a Robespierre, o líder da revolução. David, por ironia, foi quem
retratou o deposto rei Louis XVI e fez uma das melhores pinturas de Lavoisier e sua esposa. Em
sua oposição pessoal à Academia de Artes, David colocou as d emais academias no mesmo nível
e trabalhou para a extinção de todas. Mais tarde, quando se percebeu que isso iria destruir todos
os esforços de criação de um sistema nacional de pesos e medidas, a Academia de Ciências foi
reestabelecida, e uma nova comissão foi criada sob a presidência de Fourcroy. Em meio às tur-
bulências, o metro foi adotado como padrão em 1795. A comissão de pesos e medidas concluiu
seu trabalho em 1798, estabelecendo que uma barra de platina, feita em duas réplicas, passasse a
ser considerada como o metro padrão. O quilograma foi definido como sendo a massa de um
decímetro cúbico de água destilada, medido na temperatura de sua densidade máxima (4o C).
A resistência ao uso dos novos padrões foi enorme, porém, em 1812, Napoleão o tornou
obrigatório nas escolas e nas transações oficiais, embora ainda permitisse o uso do sistema
antigo em paralelo. A aceitação internacional foi lenta, e a Inglaterra só reconheceu os novos
padrões em 1884, quase um século depois.
É curioso que depois da morte de Lavoisier e das turbulências da revolução, o novo governo,
conduzido por Napoleão, passou a ter mais consideração com os cientistas, principalmente em
assuntos de defesa. A Academia de Ciências foi restabelecida como uma parte do Instituto da
França, sendo as outras constituídas pela de Literatura e Ciências Sociais. A formação cien-
tífica passou a ser valorizada nas escolas militares, médicas e de negócios. Criou-se a École
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LAVOISIER E O INÍCIO 5
Polytechnique para treinar os melhores estudantes em assuntos científicos e de Engenharia.
Seus professores incluíam Laplace, Lagrange, Monge, Bertholett e químicos que vieram depois,
como Gay-Lussac, Thenard, Vauquelin, Dulong e Petit. Os cientistas passaram a ocupar cargos
importantes no governo, contando com a simpatia de Napoleão, que os convidava com frequ-
ência para acompanhá-lo em suas missões.
5.1.2 Berzelius e a Química depois de Lavoisier
A Química estruturada por Lavoisier estava apenas no início. Nessa época só eram conhe-
cidas 23 substâncias simples (elementos químicos). A nomenclatura ainda estava sendo criada.
A primeira revista de Química, Annales de Chimie, fundada por Lavoisier e colaboradores, havia
sido lançada em 1789.
O grande cientista que viria depois de Lavoisier seria Jöns Jacob Berzelius (Figura
5.5). Sua rica biografia foi comentada em um magnífico artigo escrito por Heinrich
Rheinboldt, em 1948, em memória ao centenário de sua morte, e depois transformado em
um livro editado pela EDUSP(vide sugestão de leitura). Berzelius, então aluno da Escola de
Medicina, em Upsala, estudou Química com o livro
de Chistoph Girtanner, Elementos de química antiflogís-
tica, um dos primeiros textos de Química, escritos na
linha de Lavoiser. Formado em Medicina em 1802,
enquanto tentava exercer sua profissão, Berzelius co-
nheceu Wilhelm von Hisinger, um rico proprietário
de minas e mineralogista consagrado, que o abrigou
em uma de suas casas e permitiu que instalasse um
pequeno laboratório de química. Junto com Hisinger,
Berzelius começou a investigar o efeito da passagem
da corrente elétrica em soluções de sais, ácidos e
bases. Um dos minerais deu origem ao óxido de um
novo elemento, que chamaram de cério. Sua desco-
berta foi publicada em 1804, porém coincidiu com
um trabalho semelhante feito pelo químico Klaproth,
de grande prestígio na época. Figura 5.5: Jöns Jakob Berzelius (Suécia, 1779-1848)
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
Martin Heinrich Klaproth (1743-1817) deu um grande impulso à Química Analítica tra-
balhando nos métodos quantitativos associados ao aperfeiçoamento das balanças. Klaproth soube
entender bem as ideias de Lavoisier e foi um dos grandes responsáveis pela aceitação das novas
teorias na Alemanha, ainda bastante influenciada pelos seguidores de Stahl. A descoberta simultâ-
nea do Cério deu grande notoriedade a Berzelius, cuja carreira científica deslanchou a partir dessa
data. Dotado de enorme capacidade de trabalho, Berzelius fez importantes determinações de pesos
atômicos dos elementos, consolidou as leis ponderais na Química, analisando quantitativamente
mais de dois mil compostos orgânicos e inorgânicos e descobrindo novos elementos, incluindo
o tório, lítio e selênio. Aprofundou os trabalhos de nomenclatura de Lavoisier e trabalhou na
racionalização dos elementos e compostos, introduzindo letras como símbolos e fazendo a dife-
renciação, no caso de coincidência, através de uma segunda letra extraída do nome: por exemplo,
S = enxofre, Si = silício, Sn = Stannum (estanho). Fez enormes avanços na Química Analítica,
introduzindo novos métodos de análise gravimétrica e de análise elementar de compostos orgâni-
cos. Com sua morte, em 1848, a Suécia havia perdido seu mais notável cientista. A próxima estrela
só viria a brilhar 40 anos depois, com Svante Arrhenius (1859-1927).
5.1.3 José Bonifácio e Joseph Priestley
Joseph Priestley (1733-1804) foi bastante lembrado neste tópico, e da mesma forma que
Lavoisier, sua biografia merece um final. Priestley nasceu em uma família humilde, na cidade de
Leeds, Inglaterra. Teve forte educação teológica, e atuou como educador e como ministro religioso.
Sob influência de Benjamin Franklin, passou a se interessar por ciências e depois pela experimenta-
ção, iniciando seus estudos com gases em 1767. Sua vida científica foi muito intensa, marcada pela
sua enorme capacidade de escrever sobre assuntos científicos e religiosos. Mais tarde, passou a se
envolver em assuntos polêmicos, publicando livros como A corrupção da Cristandade e mostrando sua
simpatia pela causa da Revolução Francesa e pelo movimento de independência dos Estados Unidos.
A consequência foi trágica. As casas dos intelectuais liberais, tanto na política como na religião eram
frequentes alvos de vandalismo. Ele não foi exceção. Sua casa e laboratório em Birmingham foram
completamente destruídos, o que o fez migrar para Londres. Lá o clima não era diferente, encon-
trando hostilidade mesmo na Royal Society. Sem possibilidade de continuar seus trabalhos na
Inglaterra, Priestley foi para os Estados Unidos em 1794, no mesmo ano em que Lavoisier ia para a
guilhotina. Priestley (Figura 5.6) trouxe um grande estímulo para a Química nos Estados Unidos,
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LAVOISIER E O INÍCIO 5
embora tenha recusado cargos nas universidades. Entretanto, seu distanciamento da Europa tornou
difícil acompanhar as grandes mudanças que estavam acontecendo na Química, continuando adepto
à teoria do flogisto. Menos atuante no laboratório, continuou sua trajetória como educador e teólo-
go voltado para causas humanitárias. Seu nome é honrado
através de um dos prêmios mais importantes conferidos
pela American Chemical Society.
José Bonifácio de Andrada e Silva nasceu em
Santos, em 13 de junho de 1763, e sua vida se superpõe
à época de Lavoisier. Sua biografia de notável estadista
e “Patriarca da Independência”, divulgada pelos livros
de História, já é do conhecimento de todos. Poucos,
entretanto, conhecem-no como cientista. Como sua
família fazia parte da aristocracia portuguesa, e pela falta
de universidades no Brasil, José Bonifácio, em 1783,
foi realizar seus Estudos Jurídicos, de Matemática e de
Ciências Naturais na Universidade de Coimbra, em
Portugal, diplomando-se em 1787. Ainda jovem, teve
boa acolhida na Academia de Ciências, em Lisboa e, com o apoio do governo, em 1790, fez uma
excursão pela Europa para aprofundar seus conhecimentos de Mineralogia, Filosofia e História
Natural. Assim, teve oportunidade de estudar Química e Mineralogia em Paris, onde conheceu
Lavoisier, Chaptal, Jussieu e outros grandes cientistas da época, no auge da Revolução Francesa.
José Bonifácio (Figura 5.7) viajou pela Europa por mais de dez anos. Em 1801, de volta
a Portugal, ocupou a cátedra de Metalurgia, na Universidade de Coimbra, e foi nomeado
superintendente geral das minas e metais do Reino, incluindo a direção do Laboratório Real
da Casa da Moeda. Em 1808, enquanto a família real e milhares de portugueses fugiam para o
Brasil, para escapar das tropas de Napoleão, José Bonifácio permaneceu em defesa de Portugal,
cuidando da fabricação de munições de guerra. Depois foi à luta, como comandante, até a
retirada das tropas de Napoleão. Sempre que possível, José Bonifácio retornava à vida acadêmica
e aos estudos. Em 1814, publicou o artigo Experiências químicas sobre a quina do Rio de Janeiro,
onde surpreende pelo domínio das técnicas de separação e análise química.
Em 1819, José Bonifácio retornava ao Brasil, que então era parte do Reino Unido e sede da
Figura 5.6: Joseph Priestley (1733-1804)
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
monarquia. José Bonifácio poderia ter introduzido a Química como Ciência no Brasil, na mesma
época em que a influência de Lavoisier, e de seus seguidores, expandia-se pela mundo, e que
Priestley marcava sua presença nos Estados Unidos. Entretanto, ao retornar depois de 30 anos de
ausência, seu olhar para a Ciência já não tinha o mesmo o brilho de antes. José Bonifácio, com sua
visão humanista, ficou chocado com a situação sociocultural do país e decidiu lutar pela abolição
do tráfico de escravos, integração dos índios na sociedade, reforma agrária, preservação das flores-
tas e melhor aproveitamento das águas e das minas. Inicialmente, recusando cargos no governo,
José Bonifácio preferiu ficar em Santos com seu irmão, Martin Francisco, que era diretor de minas
e matas da Capitania de São Paulo. Com Martin Francisco, José Bonifácio fez pesquisas de campo
na região de Cubatão, serra de Paranapiacaba, São Paulo, Jaraguá, serra da Cantareira, Parnaiba,
Pirapora, Itu, Sorocaba, São Roque e Cotia, descobrindo novos minerais e conhecendo as ativi-
dades siderúrgicas da região.
Em 1820, recebeu de D. João VI, o título de conse-
lheiro, ingressando na vida política brasileira. Em 18 de
abril de 1821, D. João VI embarcava para Portugal, dei-
xando um Brasil desfalcado em cinquenta milhões de
réis. Começavam os movimentos pela independência
do Brasil, fazendo de José Bonifácio o grande patriar-
ca. Entretanto, no conturbado país recém-emancipado,
muitos fatos históricos ainda estariam para acontecer,
como contam os livros de História do Brasil. De fato,
as brigas políticas não favoreceram a José Bonifácio,
resultando em seu exílio para a França, por seis anos.
Em 1829, obteve a permissão de voltar para o Brasil, encontrando um ambiente perverso, sob o domínio de seus adversários políticos. Com a abdi-cação de D. Pedro I, em 1831, José Bonifácio, aos 68 anos de idade, foi por ele nomeado tutor de seu filho
de cinco anos. Nessa função, as intrigas alimentaram suspeitas e cresceram pressões politicas para que fosse suspenso de seu cargo. Por ter sido nomeado diretamente por D. Pedro I, José Bonifácio não via legalidade nessa ação e manifestou sua revolta ao ministro do Império com os dizeres: “Cederei à força, que não a tenho”. A resposta foi uma ordem de prisão.
Figura 5.7: José Bonifácio, por Benedito Calixto
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José Bonifácio passou seus últimos anos em reclusão, numa casa modesta, na ilha de Paquetá. Um amigo que o visitou quando estava doente ficou impressionado com a con-dição em que vivia e, principalmente, com os remendos no lençol que o cobria. José Bonifácio morreu pobre e esquecido, em 6 de abril de 1838, porém sua biblioteca com seis mil volumes refletia claramente a imagem do cientista, estadista e educador que sempre foi.
A comenda nacional da Ordem do Mérito Científico, outorgada pelo Presidente da República do Brasil, tem em sua insígnia, a efígie de José Bonifácio de Andrada e Silva (Figura 5.8).
Além da época em comum, os fatos que marcaram as grandes personalidades científicas deste tópico deixam uma reflexão importante sobre o significado da Ciência e a valorização do homem.
Figura 5.8: A Comenda Nacional da Ordem do Mérito Científico com o rosto de José Bonifácio ao centro.
Bibliografia
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