lacan 1
DESCRIPTION
Lacan teoria e prática psicalíticaTRANSCRIPT
ARTIGOS
03/05/2010
"JACQUES LACAN: O SIMBÓLICO, O IMAGINÁRIO E O REAL"
JACQUES LACAN: O SIMBÓLICO, O IMAGINÁRIO E O REAL[1]
Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri[2]
Pouco antes do relatório de Roma[3] que marca o início de seu ensino
público, em oito de julho de 1953, Lacan faz uma conferência[4] na
Sociedade Francesa de Psicanálise. Segundo Miller, na introdução do
texto, Lacan inspira-se em Lévi-Strauss[5]quando este define um
inconsciente sem conteúdo, função simbólica que imporia leis estruturais,
tanto aos elementos não articulados da realidade, quanto às imagens
acumuladas por cada um. Para além de Lévi-Strauss, vê-se no texto a
marca de linguistas como Saussure, por exemplo, além de Hegel, não
esquecendo que Lacan propõe o “retorno a Freud”, "pois não há apreensão
mais completa da realidade humana que a feita pela experiência
freudiana” [6].
Nessa conferência que privilegia o Simbólico, Lacan resume questões já
trabalhadas anteriormente e apresenta o “nó borromeano”, enlace dos “três
registros bem distintos que são ... os ... essenciais da realidade humana e
que se chamam Simbólico, Imaginário e Real”[7],teoria que “sustentará de
ponta a ponta(sua) elaboração ... ao longo das três décadas seguintes” [8].
Lacan enfatiza que a questão primordial da experiência analítica localiza-se
na fala e deixar de colocá-la em primeiro plano faz irromper o Imaginário,
mas a análise não atua neste registro. O Imaginário, diferente da
imaginação, tem a ver com as imagens e não se confunde com o campo do
analisável, embora o analisável sempre encontre o Imaginário em sua
fixidez.
Enfatizar o Imaginário na experiência analítica anula a função simbólica da
linguagem e o instinto de morte freudiano desaparece. Lembrando Hegel,
“a palavra mata a coisa”, o instinto de morte liga-se ao Simbólico.
Tratar o Simbólico que aparece na análise (sintomas, atos falhos) leva a
perceber o funcionamento dos símbolos na linguagem, a partir da
articulação significante e significado, o equivalente da estrutura de
linguagem.
Pode-se aqui pensar em Saussure, para quem o signo lingüístico é a
totalidade entre conceito e imagem acústica – esta não é um som material,
mas a impressão psíquica deste som. O signo lingüístico seria uma
entidade psíquica de duas faces, dois elementos unidos, um sempre
reclamando o outro: significado e significante.
Lacan inverte o que se poderia chamar “matema saussureano”, colocando
significante sobre significado, o que dá a primazia da imagem acústica
sobre o conceito. E vai mais longe. No texto ora examinado, Lacan fala de
símbolo, referindo-se ao significante numa clara oposição a Saussure[9],
que afirmara ser um inconveniente usar “símbolo” para designar o signo
lingüístico, face o princípio da arbitrariedade do signo.
Para Saussure, “o símbolo tem como característica não ser jamais
completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de
vínculo natural entre o significante e o significado”, sendo que ‘arbitrário’
não quer dizer que “o significado dependa da livre escolha do que fala”,
mas que “o significante é imotivado, i.é,arbitrário em relação ao significado,
com o qual não tem nenhum laço natural na realidade”.[10]
A linguagem é desprovida de significação, o símbolo nasce com a
linguagem, o que Lacan exemplifica com a “senha” e “a linguagem estúpida
do amor”. No entanto o falante tem a ilusão da existência de um vínculo
natural entre significante e significado, de que o significado já está dado e
não depende dele, o que de certa forma é verdade, mas não toda, como
sempre – numa análise o trabalho maior é desapegar significante e
significado.
A fala desempenha papel essencial na mediação entre dois humanos, ao
introduzir o registro Simbólico, além de permitir que se transcenda a
relação agressiva fundamental apresentada pela miragem do semelhante,
pois ela constitui esta mediação, dirá Lacan. Vemos aqui o recurso a
Hegel[11] e à ‘Dialética do Senhor e do Escravo’, momento em que uma
‘consciência-de-si’ se depara com outra ‘consciência-de-si’, gerando uma
luta por puro prestígio – caso não haja recuo de uma delas, o confronto
acabará em luta de morte. Uma das duas submete-se – torna-se escravo –
e reconhece a outra como senhor.
No SIR, Lacan pouco fala do Real, provocando a questão de Serge
Leclaire: “O senhor falou do Simbólico, do Imaginário, mas havia o Real
sobre o qual não falou”. Lacan responde que “mesmo assim, falei um
pouco. O Real é ou a totalidade ou o instante esvanecido. Na experiência
analítica, para o sujeito, é sempre o choque com alguma coisa, por
exemplo, o silêncio do analista”.[12] O Real aparece jungido ao Simbólico e
ao Imaginário, parte do “nó borromeano”, onde os três registros se
sustentam mutuamente.
Não se confunda o registro psíquico do Real com a noção corrente de
realidade: o Real é aquilo que sobra, o resto do Imaginário a que o
Simbólico é incapaz de capturar – é o impossível. No seminário RSI[13],
vê-se inversão e aprofundamento da temática que privilegia o Real, meio
esquecidoem SIR. O Real aparece como o primeiro termo e Lacan trabalha
com “rodelas de barbante” para teorizá-lo, pois, por não ser simbolizável,
seria estritamente impensável.
Como responder a “o que é o Real?” Parece uma questão indevida visto
que falada, pois o Real é mudo, impossível de ser captado pelo Simbólico
ou pelo Imaginário. Mas por não ser falado, o Real não engana: falta na
ordem simbólica, são os restos não elimináveis pela articulação significante
– só pode ser aproximado, jamais capturado. (São Paulo, 3 de maio de
2010).
[1] Texto apresentado no Curso de Psicanálise da CLIPP: Pequeno Hans e a Síndrome do Pânico -Fobia: uma
proteção contra a angústia" (03.05.2010).
[2] Professora Convidada (EBP-SP)
[3] LACAN, Jacques. Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1998.
[4] LACAN, Jacques. O Simbólico, o Imaginário e o Real. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[5] LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural A Eficácia Simbólica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
[6] LACAN, Jacques. O Simbólico, o Imaginário e o Real, p11. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[7] LACAN, Jacques. O Simbólico, o Imaginário e o Real, p12. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[8] MILLER, Jacques-Alain. Preâmbulo, in LACAN, Jacques Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[9] SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1995.
[10] SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral, p 82-83. São Paulo: Ed. Cultrix, 1995.
[11] HEGEL, G.W.F. Dominação e Escravidão. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Ed. Vozes, 1992.
[12] LACAN, Jacques. O Simbólico, o Imaginário e o Real, p 45. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005.
[13] LACAN, Jacques. R.S.I. Le Seminaire. (texto do seminário não estabelecido), 1974-1975.