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7/25/2019 Lacan - Função e Campo http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 1/44 ~~CtMj '~  ch~o.-  ~;;v f~ ·  ~( A,  - t .-  J 1;~ ~ seu ensino, nem tampouco que devessem abdicar do lugar eminente em que ela fora prevista. As generosas sim  patias que vieram do grupo italiano em seu auxflinaos deixavam na posi~ao de hosped es inopor tunos na CidadUniversal. Quantao autor deste discurso, ele pensava ser socorrido, ainda qutivesse de se mostrar um tanto aquem da tarefa de falar da fala, pOl' uma certa conivencia inscrita neste lugar mesmo. Ele se lembrava, com efeito, que bem antes que aqui se revelasse a gloria do mais alto trono do mundo, Aulo Gelio, em suas  Noites citicas,  dera ao local chamado  Mons Vaticanus  a etimologia de  vagire,  que designa os primeiros balbucios da fa la. E que, portanto, caso seu discurso nao viesse a ser nada alem de um vagido, ao menos ele colheria ali  0auspfcio de renovar em sua disciplina os fundamentos que ela retira da linguagem. Do mesmo modo, essa renova~ao tirava da historia demasiado sentido para que ele nao rompesse, pOl' sua vez, com  0estilo tradicional que situa a "rela~ao" entre a compila~ao e a sfntese,  para the da 0estilo ironico de um questionamento dos funda- mentos dessa disci lina. ma vez que seus ouvin tes eram esses estudantes que esperam de nos a fala, foi sobretudo para estes que ele fomentou seu discurso, para renunciar em rela~ao a eles, as regras que se observam ent re os augures, de imitarem  0 rigor atraves da minucia e confundirem regra e certeza.  No conflito, com efeito, que os levara ao atual desfecho, tinham-se dado mostras, quanto a sua autonomia de sujeitos, de um desconhecimento tao exorbi tante que a exigencia primordial advinha de uma rea~ao contra  0 tom permanente que permitira esse excesso. E  que, para-alem das circunstancias locais que haviam moti- vado esse conflitoviera a l uz um vfcio que as ultrapassava em muito. Quse houvesse simplesmente podido tel' a p retensao de regular de maneira tao autoritaria a forma ao do psicanalista ev n ava a questao de saber se os modos estabelecidos dessa forma~ao nao levavam ao fim paradoxa de uma deprecia~ao  per  petuada. Decerto, as formas iniciaticas e poderosamente organizadas eque Freud viu a garantia da transmissao de sua doutrina Funr;;iioe campo da fala  I  I 1 e da linguagem em psicanalise RELATORIO DO CONGRESSO DE ROMA, REALIZADO NO ISTITUTO DI PSICOLOGIA DELLA UNIVERSITA DI ROMA EM 26 E 27 DE SETEMBRO DE 1953 Em particular, nao convem esquecer que a Separa9aO entr e embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e e lf· niea nao existe na natureza, e que existe apenas uma d iseiplina: a  neurobiologia,  a  qual a obserVa9aOnos obriga a acrescent ao epfteto  humana,  no que nos eoncerne. (Cita9ao escolhida par a exergo de urn Instituto de Psicamilise em 1952.) o discurso que encontrare mos aqui merece ser introduzido pOl ' suas circunstancias. Pois traz delas a marca. Seu tema fo proposto ao autor para constitui  0 relat6rio teorico de praxe, na reuniao anual da qual havia dezoito ano s que a sociedade entao representativa da psicanalise na Fran~a seguia a tradi~ao, tornad a vene ravel sob 0tftulo "Congresso dos Psicanalistas de Lingua Francesa", estendido ha dois anos aos  psicanalistas de lfnguas romanicas (sendo nele inclufda a Ho- landa, pOl'uma tolerancia de linguagem). Esse Congresso deveria ter lugaem Roma, no mes de setembro de 1953. Entrementes, graves dissen~6es introduziram no grupo frances uma secessao. Elas se haviam revelado pOl'ocasiao da funda~ao de urn "instituto de psicanalise" Pudemos entao ouvir a equipe que lograra impor seus estatutos e seu programa proclamar que im£fdlria de falar em oma asu~le que, juntamente com outro s, havia tentado introduzir ali uma concep~ao diferente, e para esse fim ela empregou todos os meios a seu alcance. Contudo, nao pareceu aqueles que desde entao haviam fundado a nova Sociedade Francesa de Psicanalise que eles devessem  ' I  privar da anunciada exposi~ao a maioria,estudantil que aderia a

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7/25/2019 Lacan - Função e Campo

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~~CtMj'~   ch- ~o.-   ~;;v

f~ ·   ~(A,   d - t.- J 1;~ ~

seu ensino, nem tampouco que devessem a bdicar do lugar 

eminente em que ela fora prevista.As generosas sim patias que vieram do grupo   italiano em seu

auxf lio   nao   os deixavam na posi~ao de hosped es inopor tunos na

Cidad e   Univer sal.Quanto   ao autor deste discurso, ele pensava ser socorrido,

ainda que   tivesse de se mostrar um tanto aquem da tarefa def alar da fala, pOl' uma certa conivencia inscrita neste lugar 

mesmo.Ele se lembrava, com efeito, que bem antes que aqui se

revelasse a gloria do mais alto trono do mundo, Aulo Gelio, em

suas   Noites citicas,   dera ao local chamado   Mons Vaticanus   a

etimologia de  vagire,   que designa os primeiros balbucios da fala.

E que, portanto, caso seu discurso nao viesse a ser nada alem

d e um vagido, ao menos ele colheria ali   0 auspf cio de renovar 

em sua disciplina os fundamentos que ela retira da linguagem.

Do mesmo modo, essa renova~ao tirava da historia demasiado

sentido para que ele nao rompesse, pOl' sua vez, com   0estilo

tradicional que situa a "rela~ao" entre a compila~ao e a sfntese, para the dar   0 estilo ironico de um questionamento dos funda-

mentos dessa disci lina.ma vez que seus ouvintes eram esses estudantes que esperam

d e nos a fala, foi sobretudo para estes que ele fomentou seu

discur so, para renunciar ,   em rela~ao a   eles, as regras que se

observam entr e os augures, de imitarem   0   rigor atraves da

minucia e confundirem regra e certeza. No conflito, com efeito, que os levara ao atual desfecho,

tinham-se dado mostras, quanto a sua autonomia de sujeitos, de

um d esconhecimento tao exorbitante que a exigencia primordial

advinha de uma rea~ao contra   0 tom permanente que permitir a

esse excesso.

E   que, para-alem das circunstancias locais que haviam moti-vado esse conflito,   viera a  luz um vfcio que as ultrapassava em

muito. Que   se houvesse simplesmente podido tel' a pretensao de

r egular de maneira tao autoritaria a forma ao do psicanalista

ev n ava a questao de saber se os modos estabelecidos dessa

f or ma~ao nao levavam ao fim paradoxal   de uma deprecia~ao

 per  petuada.Decerto, as formas iniciaticas e poderosamente organizadas

em   q ue Freud viu a garantia da transmissao de sua doutrina

Funr;;iioe campo da fala   I   I 1

e da   linguagem em psicanalise

RELATORIO DO CONGRESSO DE ROMA, REALIZADO NO

ISTITUTO DI PSICOLOGIA DELLA UNIVERSITA DI ROMAEM 26 E 27 DE SETEMBRO DE 1953

Em particular, nao convem esquecer que a Separa9aO entr e

embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e elf ·

niea nao existe na natureza, e que existe apenas uma d iseiplina:

a  neurobiologia,   a   qual a obserVa9aOnos obriga a acrescentar 

o epfteto  humana,  no que nos eoncerne. (Cita9ao escolhida par a

exergo de urn Instituto de Psicamilise em 1952.)

o d iscurso que encontraremos aqui mer ece ser introduzido pOl'

suas circunstancias. Pois traz delas a marca.

Seu tema foi   proposto ao autor para constituir    0  relat6rio

teorico de praxe, na reuniao anual da qual havia dezoito anos

que a sociedade entao representativa da psicanalise na Fran~a

seguia a tradi~ao, tornad a vener avel sob   0tftulo "Congresso dos

Psicanalistas de Lingua Francesa", estendido ha dois anos aos

 psicanalistas de lfnguas romanicas (sendo nele inclufda a Ho-

landa, pOl'uma tolerancia de linguagem). Esse Congresso deveria

ter lugar   em Roma, no mes de setembro de 1953.

Entrementes, graves dissen~6es introduziram no grupo frances

uma secessao. Elas se haviam revelado pOl'ocasiao da funda~aode urn "instituto de psicanalise"   .  Pudemos entao ouvir a equipe

que lograra impor seus estatutos e seu programa proclamar que

im£f d lria de falar em  R oma asu~le que, juntamente com outros,

havia tentado introduzir ali uma concep~ao diferente, e para esse

fim ela empregou todos os meios a seu alcance.

Contudo, nao pareceu aqueles que desde entao haviam fundad o

a nova Sociedade Francesa de   Psicanalise que eles devessem   I ' I H I

 privar da anunciada exposi~ao a maioria,estudantil que aderia  a

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 justif icam-se   na  p osir r ao de uma disciplina   que so pode sobr eviver 

ao se   manter    no nf vel d e   uma experiencia   integr al.

Mas,   nao   ter ao elas   levad o   a urn f  ormalismo enganador, q ue

d esencor a ja a   iniciativa ao penalizar    0 risco, e   que faz   d o   r eino

da opiniao   d os   d outos   0 pr incf  pio de   uma prud encia d ocil onde

a autenticid ad e   d a pesquisa se   embota antes   d e s e esgotar?

A extr ema complexid ad e   d as   nor roes   empr egadas em nossocampo   faz com que em nenhum outr o   lugar   urn es pfr ito, ao expor 

seu   julgament o, cor  r a   mais totalmente   0 risco   de   descobr ir    sua

medida.

Mas,   isso   dever ia   trazer    a   conseq tiencia   d e tr ansformar    em

nosso   pro posito primor dial, senao   unico,   0 f r anqueamento   d as

teses   pela   elucid ar rao   d os pr incfpios.

A severa   selerr ao   q u e s e im poe , c om ef eito,   nao poderia f icar 

a cargo   d os ad iamentos   indefinidos de   uma coo ptar r ao   minudente,

mas   da f ecundid ad e   d a   produr r ao   concreta   e a  prova d ialetica   de

argumentar r oes   contraditorias.

Isso   nao   implica,   de nos sa parte, nenhuma   valor izar rao da

diver gencia. Muito   pelo   contnirio,   nao f oi   sem   sur  presa   que

 pudemos ouvir    no Congr esso Inter nacional de   Londre s -   ao

qual,   pOI' termos d esr espeitad o   as formas,   compar ecemos   como

solicitantes -   uma per sonalidad e,   bem-intencionad a   a nosso

r es peito,   d e plorar que nao pudessemos justif icar nossa   secessao

 pOI' al gu m d  esacor do   doutrinal.   Querer a   isso   dizer    q ue u ma

associarrao que se   pr eten de i nternacional   tern outr a   finalid ade

que   nao   a   d e   manter    0   princfpio   da comunid ad e   de n ossa

ex periencia?

Sem duvid a,   e   esse   0segredo d e   polichinelo   que d e   ha muito

 ja nao   e   segr edo, e   f oi sem nenhum esciindalo que,   ao   impene-

tr avel.sr .   Zilboorg -   0qual,   pond o   de lad o   nosso   caso,   insistia

em que nenhuma   secessao   Fosse aceita   senao a tftulo de urn

debate cientffico -,   0 penetr ante sr .   Wald er p o d e r  etrucar que,a   confrontarmos   os princfpios em   que caaa urn d  e   nos   julgava

f und amentar    sua   ex per iencia, nossos   mur os   se   dissolveriam mui-

to d e pressa   na   confusao de   Babel.

Quanto   a   nos, pensamos que, se inovam os,   nao e   de nosso

gosto   fazer disso urn merito.

 Numa disciplina   que so d eve seu valor cientffico aos   conceitos

teoricos que Fr eu d f  Oljou no   progresso   de sua experiencia, m as

os quais, pOI' serem ainda mal criticados,e pOI' isso   conser varem

a ambigtiidad e   d a If ngua vulgar ,   benef iciam-se   d essas r essonan-   [240]

cias,   nao   sem   incor rer em mal-entend id os , p ar ec er -nos-ia pre-

matur o   r om per    a   trad ir r ao d e sua   terminologia.

Mas, parece-nos que esses   ter mos so podem esclar ecer-se ao

estabelecermos sua e   uivaI@ncia com   a   li n ua em atual   da an-

tr opologia ou   com   os   mais recentes   pr o blemas da filosofia, on   e,

muitas vezes, a pSlcamihse so   ter n   a se benehclar .Orgente,   e m t od o caso, parece-nos a tarefa de destacar, em

nor roes q ue se enf r aquecem num usa   r otineiro,   0 sentid o   que

elas resgatam   tant o d e   ur n retor no a sua   historia   quanto   d e   uma

ref lexao so bre   seus fundamentos sub jetivos.

E essa,   sem duvld a, a f  unr rao   d e   quem   ensina,   d a   qual   tod as

as outr as   d e pend em, e e   nela   que melhor    se   inscreve   0 valor    da

exper iencia.

Se a   negligenciamos, o blitera-se   0 sentido   de   uma   ar rao   que

so extrai seus   ef eitos do s enti d o, e as   regras   tecnicas, ao se

reduzir em   a receitas, supr imem d a ex per iencia q ualq uer    alcance

d e conhecimento   e mesmo   qualquer    criterio   d e   r ealid ad e.

Pois   ninguem   e  m enos   exigente do   que urn psicanalista   q uanto

aq uilo   que pode conferir status   a uma   ar r ao q ue   ele   pr o pr io   nao

esta   longe de considerar como magica, na impossibilid ad e d e

sa ber ond e situa-Ia   numa   conce pr rao   d e   seu   campo   que   ele nem

 pensa em   atribuir    a sua p r atica.

o   exer go   cujo   ornamento   trans pusemos   para   este   pref acio e

urn belf ssimo exemplo   disso.

Do   mesmo   mod o, ser  a   que   elase   harmoniza com uma con-

cepr rao   d a   f ormarr ao analftica   que   se ja   a d e   uma auto-escola   que,

n ao satisf eita em   as pirar    ao   privilegio singu la r d e   entr egar a

carteira d  e   habilitar rao,   se   imaginasse em   condirroes de   contr olar 

a   construr rao automobilfstica?

Essa compararrao   vale   0que vale,   mas   e   bem equivalente   as

que tern curso   em noss os mais graves   concf lios e q ue ,   a pesa r d ehaverem nascido   em nosso   discurso aos id iotas, nem   sequer    ter n

o sa bor d o   trote de calouros,   mas nem pOI'isso deixam de par ecer 

rece ber urn valor d e   uso d e seu car ateI'   de pomposa   inepcia.

Isso   comerra pela conhecida compararr ao entr  e   0 candid ato

que se   deixa   arrastar prematuramente   para   a   pratica e  0cirurgiao

que o per a sem a sse psia, e   vai ate aquela   que incita a   chor ar 

so bre esses   d esafortunados   estudantes,   a quem   0   conllito d e   seus   [241]

mestres dilacera como aos filhos no divorcio   dos   pais.

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Sem duvid a,   essa ultima   novidade nos   parece ins pirar -se   no

r espeito   d evid o aqueles que efetivamente sofr er am   0   que cha-

mar emos,   mod erand o   nosso pensamento,   uma pressa o so bre 0

ensino q ue os submeteu   a  uma rude prova, mas tambem podemos

indagar-nos,   ao ouvir    0tremolo na boca   dos meslr es, se os   limites

do   infanlilismo   nao ter ao sido   r ecuados, sem   aviso pr evio, ate

a parvofce.

As verd ad es   que   esses   cliches ocultam,   no  e ntanto,   merecer iam

que   as submetessemos   a   urn exame mais serio.

Metod o   d e   verd ade e de desmistifica~ao   d a s c amuflagens

subjetivas,   manif estaria   a psicanalise   uma ambi~ao d esmed id a

a o a plicar seus princfpios a sua p r  6 pria c or por a~ao,   ist o e,   a

concep~ao   que tern   os psicanal is ta s d e seu   pa pel junto   ao doente,

de seu lugar na socied ad e   dos   espf r itos,   de sua s r ela~6es com

seus   par es e   d e   sua   missao de ensino?

Talvez,   pOI'  r ea brir algumas janelas para a   luminosid ade do

 pensamento de Fr eud,   esta exposi~ao   alivie em   alguns a angustia

ger ada   pOI'uma a~ao   simb6lica quando   ela se perd e em   opacidade

 pr 6 pria.

Se ja como   f or, ao evocar as circunstancias   d este   discur so,   nao

estamos de   mod o algum pensa nd o e m d  esculpar suas   insuf icien-

cias,   pOI' demais evid entes,   pela pr essa que   the foi im posta,   uma

vez q ue e dessa   mesma   pressa que ele   ad q uire   seu   sentido e sua

forma.

,~s,   d emonstran:!0s,   num sofisma   exem lar do tempo   inter-

subjetivo, a   fun' j'ao a pressa na   preci pitacao   16gica em   q ue a

verd ad e encontr a   sua   condi~ao insu per avel.

~   d e   criado que nao apare<;a na   ur gencia, e   nad a   na

ur gencia   que   nao gere sua   supera~ao na f  ala.

Mas   nad a   ha, tampouco,   que nao se torne   contingente   nela,quand o   chega para   0   homem 0 momento em que ele   pod e

id entificar    numa   unica   razao   0 partido que   escolhe e a   d esord em

gue d en uncia, par a compreender sua coer encia   no r eal   e se

antecipar, pOl'sua   certeza, a a~ao que os coloca em   equilfbrio.

Determinar emo s i ss o enquanto ainda estamos no afelio d e

nossa   materia,   pois,   quando chegar mos   ao perielio,   0 calor 

ser a   ca paz   d e   nos   fazer esq uece-Ia.   (Lichten berg)

"Flesh composed of suns.   How   can   such   beT'    exclaim   the

simple   ones.2 (R .   Br owning,   Parleying with Certain   Peo ple)

Tamanho   e 0   pavor que se a pod er a   d o   homem ao descobrir a

imagem d  e   seu po d el'   que ele   d ela se   d esvia na a~ao mesma que

Ih e e pr  6pria,   quand o essa a~ao a   mostl'a   nua.   E   0  caso da

 psicanalise.   A   d esco ber ta   - pr ometeica   -   de Fr eu d f oi u ma

a~ao d esse   tipo; sua   o br a   no-Io atesta;   m as ela nao   esta menos

 presente   em cad a ex per iencia   humild emente   conduzida pOl' urn

dos   trabalhadores formad os em   sua escola.

Podemos acom pallhar ,   ao   longo dos an os decorridos,   essa

aversao   d o   inter esse   pelas·   f un~ 6e s d a f ala e   pelo cam po d a

linguagem. Ela   motiva as "mud an~as   d e o bjetivo e de tecnica"

que   sao declar adas   no   movimento e cuja r ela~ao   com 0 amor -

tecimento da   ef icacia   ter apeutica e,   no entanto,   ambfgua.   Com

efeito,   a   promocao   d a resistencia do ohjeto na teoria e na tec!li.ca

deve   ser submetid a ela a   'Iis~ _    ue   s6

 po e r econhecer nisso   urn   alibi   do   sujeito.

Tentemos es bo~al' a   t6 pic a d esse   movimento. Ao considerar 

a literatura que chamamos   d e   no ss a a tivid ade cientff  ica,   os

 problemas atuais d a   psicanalise   d estacam-se I li ti d  am ente sob tr es

aspectos:

A) Funyao do imagillario,   digamos, ou,   mais dir etamellte,   d as

fantasias na tecnica   da   ex periencia   e   na constitui~ao do objeto

nas difer entes   eta pas   d o   d esenvolvimento psfquico.   0impulso

 proveio, aqui, d a   psicallalise   d e cr iall~as,   e do terreno favoravel

oferecido   as   teritativas   e as   tenta~6es   dos   investigadores pela

abordagem das   estrutur a~6es   pr e-verbais.   E   tambem af que sua

culmina~ao   provoca agor a   urn r  etorno,   levantando 0 problema

da san~ao simb6lica a   ser d ad a as   f antasias em sua interpreta~ao.

2.   "'Materia composta d e  s6is.   Como  e  po ssivel isso?',   exclamam os sim ples."

(N.E.)

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B). No<;ao das rela<;6es   li bidinais de ob jeto, q ue, r enovando a

ideia do pr ogresso da   amllise,   refor mula em surd ina   sua cond u-

<;ao.  A nova   perspectiva   partiu, aqui,   da extensao d o metod a as

 psicoses e da abertura momentfmea da t ecnica a d ados de

 principio diferente. A psicamilise   desemboca entao   numa feno-

menologia existencial,   ou ate num ativismo movido pe la cari-

dade. Tambem af se exerce uma nftida rea<;ao em   favor de urnretorno ao   eixo   tecnico da sim boliza<;ao.

C)   Impartf mc ia d a c ontratr ansferenc ia e , c or relativamente,   da

forma<;ao   do psicanalista.   Aq ui,   a  e nf ase veio dos   embara<;os do

termino   d a   analise,   q ue se juntam a os d o m om enta em que a

 psicanalise   d idatica se encerra com a introdu<;ao   d o candidato

na pratica.   E a m esma oscila<;ao se observa af:   d e urn lado, e

nao sem cor agem , aponta-se   0 ser do analista   como elemento

nao desprezf vel nos ef eitos da analise,   e que deve inclusive ser 

exposto em sua conduta no fim   da partida; nem par is so se deixa

de promulgar    energicamente, por outro lado, q ue nenhuma so-

lu<;ao pode   pro vir senao de   urn aprofundamento cada ve z mais

intensif icad o d a mola inconsciente.

Esses   tr es   pr o blemas   tern   urn  t r a<;o comum, a parte a atividade

 pioneira q ue manifestam em   tr es   fronteiras   d iferentes, com a

vitali da de d  a   exper ie nc ia q ue os   sustenta.   Trata-se d a t~nta9ao

q ue s e a pr esenta ao analista   d e   aband onar    0f undamento   d a fala,

 jTIstmrr ef ife em   campos em   q ue sua   utiliza<;ao, por coniiliarc'om

o inefavel,   exigiria mais d o q ue   nunc a se u exame:.-i=M bE   a

. pedagogia   mater na, a a jud a   samaritana e a   mestriaJdomina~ao

Jialetica.   'l'orna-se gr ande   0  perigo q ua nd o, alem   disso, ele

Abaiidona   sua linguagem, em   beneficio   d e   Iinguagens ja insti-

tufdas e   das quais ele conhece   pouco a s c om pensa<;6es   q ue elas

ofere cern a   ignor ancia.

 Na ver d ade, gostar famos   de saber m ais sobr e   os   ef eitos   d asim boliza<;ao na cr ian<;a,   e as   maes   of iciantes   na psicanalise,   ou

as q ue d ao a nossos   mais elevados conselhos   urn ar de m atr iar -

cad o,   nao estao Iivr es   d a confusao   de If nguas em que Ferenczi

aponta a   lei da   rela<;ao   crian<;a-adulto.3

3.   Fer enczi,   "Confusion   of   tongues   betweeen   the adult and the   child",   Int .

 Jour nal   of   Psycho.,   1949, XXX, IV,   p.225-3 D.   ,

As   ideias conce bid as pOl'   nossos   d outos sobre a r  ela<;ao de

ob jeto acabada   SaD   de concep<;ao   bastante incerta e,   ao   serem

expostas, deixam tr ansparecer uma mediocridade q ue   nao honra

a   profissao.

 Nao   ha d uvid a d e   q ue esses efeit os -   onde   0 psicanalista se

a proxima do tjpo de her6i   mod erno ilustrado pOl'   f a<;anhas

d erris6r ias   numa silua ao de   d escaminho - s6 pod eriam   ser carng)   os pOl' urn   mer o retorno ao estud o,   no qual   0 psicanalista

d everia tor nar -se   mestre/senhor , das fun<;6es da fala.

Mas par ece q  ue, desd e Freud ,   esse cam po centr al de nosso

d omf nio caiu no   aband ono.   O bserve-se   0 q uanto ele   mesmo se

 preservou   de   incurs6es grand e s demais em sua peri f er ia: desco-

 brindo os estad ios   li bid inais da cr  ian<;a   na anali se d e   adultos e

s6   intervind o,   no Pequeno Hans, pOl' inter medio   d e seus   pais;

d ecifrando uma   faixa inteir a da linguagem do inconsciente   no

d elir io paran6id e,   mas   utilizando   par a isso apenas   0 texto-chave

d eixado pOl' Schre ber na   la va d e sua catastrofe mental.   E assu-

mind o, e m contra partida, q  uanto a   dialetica da obra e   a  t r adi<;ao

de seu   sentido, e em toda a sua altivez, a posi<;ao   d e   mestria,

d e domina<;ao.Eq uivaler a isso a dizer q  ue,   se   0 lug ar d o   mestr e/senhor 

 per m anece vazio, e menos em vir tud e de seu   desaparecimento

d o   q u e d e   uma   cresc en te o blitera<;ao   d o senti   do de   sua obra?

Acaso   nao basta, par a   nos convencermos   d isso, constatar    0que

suced e   nesse   lugar?

 Nele se   transmite   uma   tecnica,   de   estilo e nf ad onho ou   ate

r eticente em   sua   opacidad e,   e q ue   qualquer    are jamento   cr ftico

 parece tr anstornar .   Na ve r  d ade,   ela   assume   0  as pecto de u r  n

for malismo   levad o ao c erimonial, e a   tal   ponto q ue pod emos

ind agar-nos se  na o   sucum be a apr oxima<;ao mesma com a n eurose

obsessiva atr aves   da qual Freud vi sou   tao convincentemente   0

usa, senao a   gene se , d os r  itos   r eligiosos.

A analogia se   acentua ao considerar mos a   literatur a que essaativid ade prod uz   par a d el a se a limental': tem-se al i a  impr essao

f r eqUente   d e   urn cur iosa circuito   f echad o, ond e   0 d esconheci-

men to   d a origem dos t er  mos   gera   0 pro ble ma de atr i buf-los, e

ond e   0 esfor<;o   de r esolver esse problema refor<;a ess e d  esco-

nhecimento.

Par a   r emontar as   causas   d essa   deterior a<;ao   d o   discur so   ana-

Iftic o, e   legf timo aplicar    0 metoda psicanalf tico a   coletivid ad e

que   0 sustenta.

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Com efeito, falar d a   perd a   do sentid o da a<;ao analftic a e tao

verdadeiro e tao inocuo   quanto ex plicar    0sintoma   pOl'seu   sentido,

enquanto   esse sentido   nao e reconhe ci do . M as s a be mo s q  ue,   na

ausencia desse reconhecimento,   a a<;ao so pode ser sentida como

a gr es si va n o n fv el e m q  ue   se   situa, e q ue , na au senc ia d as

"resistencia s" s oc ia is em   q ue   0gr upo analftico encontr ou   meios

de se tranqUilizar ,   os   limites   d e sua toledincia a sua propriaatividade, agor a " ac olhida" , senao   aceita, ja nao dependem senao

d o f ndice   numer ico em que se   mede sua presen<;a   na escala

social.

Esses princfpios bastam par a situa r a s condi<;6es sim bolicas,

imaginar ias e reais q  ue determina m a s d ef es as - i so la me nto,

anula<;ao, denega<;ao e, em geral,   d esconhecimento - q  ue p o-

demos reconhecer    na doutrina.

POl' conseguinte, se avaliarmos p Ol ' s ua m as sa a   importancia

que tern   0grupo norte-amer ic an o p ar a   0movim ento psicanalf tico,

apreciaremos em seu peso as   condi<;6es que ali se encontram.

 Na ordem simbolic a, p ar a come<;ar, nao se pode   d esprezar a

importancia do f ator c q ue destacamos no Congresso de Psiquia-

tria de 1950 como uma caracterf stica constante de urn dado meio

cultura l: c ond i< ;a o, a qu i, d o anti-h is to ri ci sm o e m q  ue t od os

concord    am em reconhecer    0 tra<;o pr inci pal da "comunica<;ao"

nos E VA, e q ue, a nosso vel' , eo oposto d iametr al   da experiencia

analftica.   Ao que vem somar-se um a forma m ental bastante

autoctone q ue, sob   0nome   d e   behavior ism o, d omina a tal ponto

a no<;ao psicologica na~enca   ue esta claro   ue,   dorav~nte,

su pera or com !eto, na psicanalise, a inspir a<;ao freud iana.

Quanto   as outr as d uas   ol:-ens,   el   -  -   m : r s -tr r r e r e " S 'S i lc lO S   a

tarefa de apr eciar    0 que o s mecanismos m anifestos na vida das

sociedades psicanalfticas   d evem, r es pectivamente, as rela<;6es   d e

imponencia   no   inte ri or d o grupo e aos efeitos   sentid os de sua

livre iniciativa   no con junto d o cor  po social, bem como a con-

fian<;a q ue convem   d epositar    na no<;ao, salient ad a p Ol'   urn de

seus mais   lucidos representantes,   da convergencia que se exerce

entre a estr anheza de   urn   gru po em   que   predomina   0 imigr ante

e   0   distanciamento a q  ue   0   arr asta a f un <; ao   invocada pelas

condi<;6es acima ind icad as   d a   cultura.

De qualq ue r m od o, evid encia-se d e   mane ir a incontestavel   que

a concep<;ao da   psicanalise pend eu   ali para a ad apta<;ao   d o

ind ivfduo ao meio s ocial,   par a a busca dos   patterns   d e conduta

e para toda a ob jetiva<;ao implicada na no<;ao de  human relations ,

e  e realmente uma posi<;ao de exclusao pr  ivilegiad a com r  espeito   [246]

ao objeto humano que se indica na expressao,   nascida la mesmo,

human engineering.Portanto,   e a distancia necessaria para manter tal posi<;ao que

 podemos atr i buir    0   eclipse,   na   psicamilise,   dos t!~r mos mais

vfvidos de sua experiencia -   0 inconsciente, a sexualidade   -,dos quais parece que a propria men<;ao logo devera apagar-se.

 Na o temos q  ue tom ar partido quanto ao form alismo e ao

espf r ito m er cantilista   q ue o s do cumentos of  iciais   d o   pro pr io

grupo mencio na m p ar a denuncia-Ios. 0 fariseu   e   0 lojista so nos

interessam pOl' sua essencia comum,   Fonte das d ificuldad es q ue

u rn e o u tr o t er n c om a f  ala, especial   mente quando se trata do

t alk ing shop,   de falar de negocios.

E   q ue, se a   incomunica bilidade dos   motivos pod e   sustentar 

urn magisterio, ela nao se   equipara a mestria, ao menos   aquela

exigida pOl'urn ensino. Alias,   percebemos isso quando foi preciso,

no   pass ad o, para sustentar sua primazia,   dar, quanto a forma, ao

menos uma   li<;ao.Eis pOl' q ue   0 apego indefectivelmente reafirmado pOl' essa

mesma fac<;ao pela tecnica tradicional,   apos urn balan<;o das

 provas efetuadas nos campos-fronteira anteriormente enumera-

d o s, nao se da sem equfvoco; ele   se aquil at a p el a sUbstitui<;ao

do termo   ortodoxa   pelo termo   classica   para   q ualif icar essa

tecnica.   Fica-se preso as conven<;6es, na  i mpossibilidad e   de sa ber,

so bre a doutr ina,   d izer    0que quer que seja.

Afirm am os, quanto a nos, que a tecnica nao pode   ser com-

 pr eend id a n em   cor retamente aplicada, portanto,   quand o   se des-

conhec em os conceitos que a f  undamentam.   No ss a tarefa   sera

d emons tr ar q  ue esses conceit os so ad q uirem pleno sentid o ao se

orientar em num   cam po de   linguagem, ao se or denarem na f  un<;ao

da   f ala.

Ponto em q  ue notamos que, para manejar    q ualq uer conceito

freud iano,   a   leitura de Freud nao pode ser tid a como superflua,

nem mesmo   quanto aq uele s q ue sa D hom6nimos   d e nd <;6es

cor r entes. Como   0   demonstra a des ventur a,   tr azid a a n os sa

lembr an <; a pOl' esta esta<;ao do ano,   de   uma teor ia dos instintos

r esenhad a em   Fr eud    pOl'   urn aut or p ouco atento a pa rcela   ex-

 pressamente   mf tica,   no   dizer de Freud, q ue ela contem.   Mani-

festamente,   ele   nao pod eria estar atento,   uma v ez   que   a   a bor da

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atraves da obra de Marie Bona parte, a q  ual   cita   incessantemente

como   urn   eq uivalente   d o   texto fr  eudiano, e sem   q ue   nad a   advir ta   (2471

o   leitor quanto a   isso, fiand o-se talvez, nao sem r azao, no bor n

gosto deste em nao conf undi-Ias, ma s ne m po r    isso   d eixando de

 pr ovar que nao entend e nad a   do   verdadeiro nfveI da   inf or ma~ao

d e   segunda mao. Mediante   0 que, das redu~oes as dedu~oes e

das ind u~ oe s a s hi poteses,  0

auto r c onclui   pela estr i ta t autologiade suas premissas falsas, ou seja, conclui q ue os   instintos   d e que

se tr ata san red utfveis ao arco refJexo. Tal como a pilha de pratos

cu jo desmoronamento se destila na narrativa classica, deixando

nas maos do artista apenas   d ois peda~os descasados pelo estron-

do,   uma constr u~ ao c om ple xa, q  ue vai   da descoberta das migr a-

~oes   da libido pelas zonas erogenas ate a passagem metapsico-

16gica de urn princfpio de prazer generalizado ao instinto de

morte, transforma-se no bin6mio de urn instinto erotico passivo,

mold ado na atividade das catadoras de piolho, caras ao poeta,4

e   d e   ur n   instinto destr  utivo, sim plesmente identificado com a

motr icidade. Result ado q  ue   merece uma m en~ao m uito honr osa

 para a arte, voluntar ia ou nao,   d e levar ao rigor as conseq iiencias

de   ur n mal-entendido.

I.   FALA VAZIA   E   FA LA PLE NA   NA

REALIZA(:Ao PSICA NALf TICA DO SUJEITO

Da em minha   boca fala   ver dadeir a e estavel   e f aze de mim

lingua culta   ( L' !nlemele cOl1solacion ,  ca p.XLV: Que na o se

d eve conf iar em todos,   e do l igeir o   tr ope~o   d as   palavr as).5

Cause sem pr e6 (Lema do   pensamento "causalista".)

Quer se pretenda agente de   cura,   de forma~ao ou de sondagem,

a   psicanalise dispoe de a penas urn   meio: a fa1a do paciente.   A

evid encia desse fato   nao   justifica   q ue se   0negligencie . Or a,   tod a

fala   pede   uma resposta.

4.   Alusao a  um   poema de A r thur R imbaud ,   Les cher cheuses de pow:.   (N.E.)

5 . D onne en   ma bouche   par ole vraie el   esrable el f ay   d e   may   langue   caulle

(L' !nlemele consolaciol1 ,   XLVc Chapitre:   Qu' on   ne  do il pas   chascun   cr oire el

du  l egier   lrebuchemenr    de par oles).   (N.E.)

6. Cause roujour s.   (N.E.)

Mostraremos que na o ha   fala sem resposta, mesmo   q ue depare

a pena s c om   0 silencio,   d es d e   que ela tenha urn ouvint e, e qu e

e esse   0 cerne de sua fun~ao na analise.

Mas, se   0 psicanalista ignor ar que e isso que se da na fun~ao

da fala, so fara exper imentar mais fortemente seu apelo, e, sc e   [2481

o vazio que nela se f az ouvir inicialm ente, e em si m esmo qu e

ele  0

exper imentara, e e para-alem da fala que ira   buscar umarealidade que preencha esse vazio.

Assim, ele passa a analisar    0 compor tamento do su jeito para

ali encontrar    0 que ele nao   diz. Mas, para obter a conf iss ao , e

 preciso que fale d isso. Entao, e le r ecu pera a palavra,   mas tornada

suspeita por so haver respondid o a   d errota de seu silenc io , ante

o eco percebid o d e se u p ro prio nada.

Mas qual   foi, entao, esse a pelo do su jeito, para-alem d o vazio

de seu   d ito? Apelo a verdade   em seu   princfpio, atraves do   q ual

vacilarao os apelos de necessidades mais humildes.   Mas, primeiro

e de imed iato,   apelo proprio do vazio, na hiancia am bfgua de

uma sed u~ ao t entada so bre   0outro, atraves dos meios em   q ue

o su je it o c oloca sua com placencia e em que ir a enga jar    0

monumento de seu   narcisismo.

"Af esta e la, a introspec~ao!", exclama   0homem probo que

Ihe conhece   muito bem   os   per igos. E le decerto nao e, ad mite,

o ult im o a   haver sabor eado seus encantos, ainda   que   Ihes tenha

esgotado   0 beneffcio. Pena   que nao tenha m ais tem po   a   perder .

Pois voces ouvir iam poucas e   boas se ele chegasse a seu   diva.

E   estranho q ue ur n analista, para quem esse personagem e

urn   dos 'pr imeir os encontr os   d e sua exper ie nc ia , ainda   mencione

a introspec~ao na psicanalise. Pois,   um a vez aceito   0 desafio,

f urtam-se tod as essas coisas es plendidas q ue se acr edit av a t er  

de reser va. 0 pre~o del as,   assumida sua obriga~ao,   parece

 pequeno, m as apresentam-se outras Hio  i nesperad os para   nossohomem que,   a princfpio,   parecem-Ihe tolas e   0 d eixam   calado

D  .   7

 por ur n   bor n   tem po. estmo com um .

Ele apreende entao a diferen~a entre a m iragem d e mono1ogo

com que a s fantasias acomod atf ci as e stimulavam   sua jactancia

e   0   trabalho for ~ado desse discurso sem escapatoria, q ue   0

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 psic610go,   nao sem   humor , e 0 tera peuta,   nao sem   astucia,

enfeitar a m c om 0   nome de "associa~ao   livre".

Pois tr ata-se real mente de ur n  trabalho, e tanto e urn trabalho

que se p6de dizer que ele exige   uma aprendizagem, e chegar a

ver nessa aprendizagem 0 valor formativo desse trabalho. Mas,

ao entend e-Io dessa maneira, que outra coisa ele formaria senao

urn o penirio especializado?POI"tanLO,que acontece com esse trabalho? Examinemos suas   (249)

condi~6es e seu fruto, na esperan~a de af  ver melhor seu objetivo

e seu benef f cio.

Reconheceu-se de passagem a pertinencia do termo   durchar -

beiten,   ao q ual equivale 0 ingles   wor k ing through,   e que entre

nos   d esesperou os tradutores, ainda que a eles se ofere~a 0

exercf cio de esgotamento perenemente impresso em nossa lingua

 pela marca de urn mestre do estilo:   "Cern vezes no trabalho,

recome~ai ...", mas, como progride a obra aqui?8

A teoria nos   lembra a trfade: frustra~ao, agressividade, re-

gressao.   Essa e uma explica~ao   d e aparencia tao compreensf vel

q ue   bem poderia dispensar -nos   d e compreender .   A intui~ao eagil, mas uma evidencia deve ser -nos tao mais suspeita quanto

mais   se torna uma   ideia aceita. Venha a analise surpreender sua

fragilidad e, convem   nao nos contentar mos com   0 recurso   a

afetivid ad e. Palavra-tabu   da   incapacid ade d  ialetica,   que, junto

com 0   verbo   intelectuali zar,   cuja   acep~ao pejorativa faz   dessa

inca pacid ade   ur n   mer ito,   com   ele   per manecera na   hist6ria da

lingua como estigmas de nossa o btusidad e em rela~ao ao su jeito.9

Ind aguemos, antes:   d e ond e vem   essa frustra~ao? sera   d o

silencio   d o analista?   Uma res posta   a   f ala vazia,   mesmo e so br e-

tud o   aprobat6r ia, f r eq tientemente   mostra por seus efeitos   que e

 bem mais fr ustrante do q ue   0 silencio.   Nao se tratara, antes,   d e

uma   frustr a~ao q ue seria inerente ao pr6 pr io d iscurso do sujeito?

o   sujeito   nao se empenha   neste numa   d espossessao   cada   vez

maior d o ser de si mesmo,   0 qual   -   em   vir tud e   d e pinturas

sincer as, q ue   nem por isso tornam menos incoerente a id eia,   de

retif ica~6es   que  n ao conseguem destacar   sua essencia,   d e a poios

e d efesas que nao imped em   sua estatua de vacilar, de a br a~os

narcfsicos que constituem   ur n   sopro de anima~ao - ele acaba

reconhecendo que nunca foi   senao urn ser de sua obr a no

imaginario, e que essa obra d esengana nele qualq uer certeza.

Pois, nesse trabalho que faz de reconstruf -Ia   para um outr o ,   ele

reencontra a aliena~ao f undamental que   0fez construf -Ia   como

um outro,   e que sempre a   d estinou a Ihe ser furtada   par um

outro.1O

Esse   ego,   cuja for~a   nossos te6ricos definem agora pelaca pacidade de suportar uma   f r ustra~ao, e frustra~ao em s ua

essencia.11 E   frustra~ao, nao   d e urn desejo do su jeito,   mas de

ur n objeto em que seu   desejo esta alienado, e, q uanto mais este

se elabora, mais se aprofunda   no su jeito a aliena~ao de seu gozo.Frustra~ao em segundo grau,   pOl"tanto,e de tal ordem que, viesse

o su jeito a reduzir-Ihe a   f orma   em seu discurso   a   imagem

apassivadora pela q ual   0 sujeito se faz objeto na exi bi~ao does pelho, nao poderia satisfazer -se com ela, uma vez q ue, mesmo

atingindo nessa imagem sua   mais perfeita semelhan~ a, ser ia

aind a 0 gozo do outro q ue ele faria reconhecer ali.  E

  por issoq ue nao ha resposta adeq uada   para esse discurso, pois 0 su jeito

tomara por desprezo q ualquer fala que se comprometa com seuequf voco.

A agressividade q ue   0 sujeito experiment a aq  ui nad a tern a

ver   com a agressividade animal   do dese jo frustrado.   Essa r efe-

r encia com q ue alguns se c ontentam   mascara   uma outqt, menos

agrad avel para todo   0mundo:   a agr essividade do escr avo, q ue

respond e   a   frustra~ao   d e seu tr a balho com   urn  dese jo   d e  mor te.

10.   Panigrafo reescr ito (1966).

11.   Eis af   0   tor mento   d e   urn d esvi o que tanto e pralico   quanto   te6rico. Pois,

identificar    0ego   com a disci plina   do sujeito e conf undir    0isolamento imagimirio

com   0 domfnio   d os   instintos.   E   ex por-se, atraves   dis so, a err os   de jufzo na

condu~ao  d o tratamento,   tais como   almejar  u r n refor ~o d o  ego  em muitas  neuroses

motivadas   por sua estr utur a   d emasiadamente   f orte,   0q ue e   ur n caminho sem

safda.  Aca so nao   lemos,   na  pena   d e   nosso   amigo Michael   Balint,  q ue   0refor ~o

do   ego   d eve favor ecer    0 sujeito   que sofr e   d e   e jaculatio   pr aecox,   porq ue Ihe

 permitiria uma sus pensao   mais   pr olongada   d e   seu d ese jo? Como pensar assim,

no entanto, s e e precisamente ao fato de   seu d ese jo estar sus penso   na fun~ao

imagimiria d o   ego   que   0 sujeilo   d eve a a br  evia~ao   d o   ato, a   qual   a clfnica

 psicanalftica   mostra claramente   estar ligad a   a   id entif ica~ao   narcf sica com   0

 parceiro?

8. Alusao 11f rase  d e Boileau:   V illgt fois   sur I e  nl /ilier r emett ez vot re ouvrage

("Vinte   vezes   no  tr abalho,   r ecome~ai vossa   o br a").   (N.E.)

9. Antes   escr ever amos: em mater ia   de psicologia (1966).

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Concebe-se, por conseguinte, com o essa agressividade pode

responder a qualquer interven~ao que, denunciando as inten~6es

imagimirias do discurso, desmonte 0 objeto que 0 sujeito cons-

truiu para satisfaze-Ias.   E  a isso que se chama, com efeito, amilise

das resistencias, cuja vertente perigosa aparece de imediato. Ela

 ja e assinalada pela existencia do ingenuo que nunca viu mani-

festar -se senao a significa~ao agressiva das fantasias de seus

sujeitos.12

Esse e   0   mesmo que, nao hesitando em defender uma analise   [251]

"causalista", que visaria a transformar    0sujeito em seu presente

atraves de doutas explica~6es de seu passado, trai suficiente-

m ente, ate em seu tom , a angustia de que quer poupar -s e, p or  

ter que pensar que a liberdade de seu paciente esta presa   a   de

sua interven~ao. Que   0expediente a que ele se atira possa em

algum momenta ser benefico para   0sujeito, eis 0 que nao tem

outra importancia senao a de uma brincadeira estimulante, e que

nao nos retera por muito mais tempo.

Visamos, antes, ao   hie et nunc   em que alguns creem dever 

enclausurar    0manejo da amilise.   Ele pode ser util, de fato, desdeque a inten~ao imaginaria que   0 analista descobre ali nao seja

 por ele desvinculada da rela~ao simb61ica em que ela se exprime.

 Nada deve ser lido nisso, no que concerne ao   eu   do sujeito, que

nao possa ser reassum ido por ele sob a forma do   [eu],   isto e,

na primeira pessoa.

"S6 fui assim para me transformar no que posso ser": se nao

Fosse esse   0despontar permanente da assun~ao que   0sujeito faz

de suas miragens, onde poder f amos discernir um progresso aqui?

o   analista, pOltanto, nao pode sem perigo acuar   0sujeito na

intim idade de seu gesto, ou m esmo de sua estatica, a nao ser 

 para reintegra-Ios como partes mudas em seu discurso narcfsico,

o que foi notado de m aneira m uito sensfvel ate por jovens

 praticantes.

o   perigo nao esta na rea~ao negativa do su jeito, m as antes

em sua captura numa objetiva~ao, nao menos imaginaria do que

12. lsso, no pro pr io   tr a balho  a que conced emos a palma no f im d e nossa introdu~ao

(1966).   Fica mar cado, no q ue   vini a se guir ,   q u e a agr essividad e   e   a penas ur n

efeito   colateral da  frustra~ao analftica,   quando este, pod e ser   r efor ~ad o   por   urn

certo tipo d e inter ven~ao, que, como tal, nao  e  a r azao  d o par  f r ustra~ao-r egressao.

antes, de sua estatica ou de sua estatua, numa situa~ao renovada

de sua aliena~ao.

Muito pelo contrario, a arte do analista deve consistir em

suspender as certezas do sujeito, ate que se consumem suas

ultimas miragens. E e no discurso que deve escandir-se a reso-

lu~ao delas.

Ainda que esse discurso, com efcito, pare~a meio vazio, isso

s6 acontece quando se 0 tom a por seu valor aparente: aquele

que justifica a Frase de MaIlarme, quando este com para 0 uso

com um da linguagem com a troca de um a m oeda cujo verso e

an verso ja nao mostram senao figuras apagadas, e que e passada

de m ao em m ao "em silencio". E ssa m etafora basta para nos

lem brar que a fala, m esmo no auge de sua usura, preserva seu

valor de tessera.

Mesmo que nao com unique nada, 0 discurso representa a

existencia da comunica~ao; mesmo que negue a evidencia, ele

afirm a que a fala constitui a verdade; m esmo que se destine a   [252]

enganar, ele especula com a fe no testemunho.

Alias,   0  psicanalista sabe melhor do que ninguem que aquestao af e ouvir a que "parte" desse discurso e confiado 0

termo significativo, e e justamente assim que ele opera, no melhor 

dos casos: tom ando 0 relato de uma hist6ria cotidiana por um

ap610go que a bom entendedor dirige suas meias- palavras, uma

longa prosopopeia p or u ma i nt er je i~ ao d  ireta, ou, ao contrario,

um simples lapso por uma declara~ao muito complex a, ou ate

o suspiro de um silencio por todo   0desenvolvimento Ifrico que

ele vem suprir .

Assim, e uma pontua~ao oportuna que da senti do ao discurso

do su jeito.   E   por isso que a suspensao da sessao, que a tecnica

atual transfor m a num a pausa puram ente cronometr ic a e , c omo

tal, indiferente   a   trama do discurso, desempenha af 0 papel de

uma escansao que   tem todo 0 valor de uma interven~ao, preci-

 pitando os momentos conclusivos. E isso indica libertar esse

termo de seu contexto rotineiro, para submete-Io a todos os fins

uteis da tecnica.

E   a ss im q ue s e po de o pe ra r a r egr e ss ao , q ue e a pe na s a

atualiza~ao,   no discurso, das rela~6es fantasfsticas restauradas

 por um   ego   a cada etapa da decomposi~ao de sua estrutura. Pois,

afinal, essa regressao nao e real; m esmo na linguagem , ela s6

se manifest a por inf lex6es, fraseados, "trope~os muito ligeiros"

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q ue,   quand o   muito,   nao pod eriam u lt r  apassar    0 ar tif f cio   d a fala

babyish   no ad ulto.   Imputar -lhe a   r ealid a de de uma rela~ao atual

com   0o b jeto   equivale a projetar    0 su jeito numa ilusao alienante,

que so faz repercutir urn alibi do psicanalista.

Por    isso e que nada extraviar i a ma is   0 psicanalista do q  ue

 procurar guiar -se pOl' urn pretenso contato exper im entado com

a realid ade do sujeito. E ssa perola da psicologia intuicionista,

ou entao fenomenologica, assumiu no uso contemporaneo uma

extensao bastante sintomatica da raref a~ao   d os efeitos da fala

no presente contexto social.   Mas, seu   valor o bsessivo torna-se

f lagrante ao ser promovido numa rela~ao que, por suas proprias

regras, impede   q ualquer contato r ea l.

Contudo, os   jovens analistas que se deixarem levar pelo que

esse recurso implica de dons im penetniveis nao encontrarao nada   [253]

melhor para retroceder do que referir -se ao sucesso das proprias

supervisoes   [controles]   a que se submetem. Do ponto de vista do

contato com   0real, a possibilidad e mesma dessas supervisoes se

tornaria urn pr o blema. Muito pelo contrar io,   0supervisor manifesta

nelas   um a segunda visao, conviria dizer ,   que, para ele, torna aexperiencia ao menos tao instrutiva quanto para   0supervisionando.

E isso, quase que sobretudo por   este ultimo exi bir menos esses

dons, que alguns os tom am por ainda m ais incomunicaveis, fa-

zendo   d e seus segredos tecnicos   urn embara~o maior.

A razao desse enigm a e q ue   0su pervisionando desem penha

ali   0 papel de filtro, ou entao de refrator    do d iscurso do su jeito,

e a ssim, apresenta-se inteir ame nt e pronta ao supervisor uma

estereogr af ia   que   ja   d estaca os   tres ou   q uatro registros em q ue

ele pod e   ler   a divisao   constitufd a por esse discurso.

Se   0su pervisionando pudesse ser posto pelo supervisor numa

 posi~ao su b jetiva diferente   d a i mplicad a pelo sinistro termo

contr8 le   (vanta josamente substituf do, mas apenas na Ifngua   in-glesa,   por  supervision),   0melhor fruto   que extrairia desse exer -

d ci o seria a pr en de r a se   manter , ele   mesmo, na posi~ao d  e

su b jetividade secund aria em   que a situa~ao coloca imediatamente

o su per visor .

Ele encontr aria af a via autentica par a atingir    0que a formula

c1assica d a aten~ao   dif usa ou distr af d a d o analista so expr ime

muito   apr oximativamente.   Pois   0essencial   e   sa ber    0que visa

essa aten~ao:   nao, certamente, e   tod o   0 nosso trabalho esta af 

 para demonstra-lo,   ur n o bjeto   par a-alem   'd a   f ala   d o sujeito,   como

alguns se empenham em nunca perder de vista. Se tivesse que

ser essa a via da analise, sem d uvida algum a ser ia a outros meios

que ela recorreria, ou entao, esse seria   0unico exemplo de urn

metodo que proibisse a si mesmo os m eios de atingir seu fim.

o   unico ob jeto q  ue est a ao alcance do analista e a rela~ao

imaginaria que   0 liga ao sujeito como   eu,  e, na impossibilidade

de elimina-la, e-lhe possfvel servir -se dela para regular   0afluxo

de seus ouvidos, segundo   0uso que a fisiologia, de acordo com

o Evangelho, mostra ser normal fazer: ouvidos   para niio ouvir,

ou, dito de outr a maneira, para   f azer a   d etec~ao do que deve ser 

ouvido. Pois nao existem outros, nem   terceiro nem quarto ou-

vidos, para uma transaudi~ao   -   que se pr etend er ia d ir et a - d o

inconsciente pelo inconsciente. Diremos   0que convem   pensar 

dessa pretensa comunica~ao.

Abord amos a fun~ao da fala na analise por   seu aspecto mais

ingrato,   0 da fala vazia, em q ue   0 su jeito parece falar    em vao

de alguem que, mesmo   the sendo semelhante a ponto d e el e s e

enganar, nunca se aliara   a   assun~ao de seu desejo. Af mostramos

a Fonte da deprecia~ao crescente de que a fala tern sido objeto

na teoria e na tecnica, e foi preciso levantarmos pouco a pouco,

qual uma pesada roda de moinho tombada sobre si mesma, aquilo

q ue so po de servir de volante no movimento da analise, ou   seja,

os fatores psicofisiologic os i nd ivi dua is q ue , n a re alidade" sao

excluf dos de sua dialetica. Dar como ob jetivo   a   analise mod ificar 

sua propria iner c ia e condenar -se   a   fic~ao do   movimento, on d e

uma cer ta tendencia da  tecnic a p ar ece efetivamente satisfazer-se.

Se agor a voltarmos nossos olhos para   0   outro extrema da

experiencia analf tica   -   em sua historia, sua   casufstica, no

 pr ocesso do tratamento   -, encontraremos, opondo-se   a   analise

do   hic et nunc,   0valor    d a anamnese como f ndice e como mola

do progresso terapeutico: na intra-sub jetividade obsessiva, a

inter -sub jetividade hister i ca , na a nalise da resistencia, a inter -

 preta~ao simbolica. Aq  ui come~a a realiza~ao da fala plena.

Examinemos a rela~ao que e la constitui.

Lembremo-nos de q  ue   0metoda   instaurado por   Breuer   e Freud 

foi,   logo de poi s de seu   nasciment o, b at iz ad o p or     uma d as

 pacientes de Br euer, Anna 0 ., c om   0 nome de   "talking   cure".

Recor d emos que foi a exper iencia inaugurada com essa   hister ica

que os   levou   a  d escober t a d o a contecimento patogenico chamado

traumatico.

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Se esse acontecimento foi   r econhecido como a causa   d o

sintoma, foi pOl'q ue a coloca~ao d e urn em palavras (nas "stories"

da doente) determinou a elimina~ao do outro. Aqui,   0 termo

conscientiza~ao, retirado da teoria psicologica que logo se atri-

 buiu ao fato, guarda   urn pr estf gio que merece a desconfian~a

que tomamos por boa norma exercer no tocante as explica~6es

que funcionam como evidencias. Os preconceitos psicologicosda epoca opunham-se a q  ue se reconhecesse   na verbaliza~ao

como tal   uma outra realidad e   q ue sua f latus vocis.   0 fato e que,   [2551

no estado hipnotico, ela e  di ssociada da conscientiza~ao,   e isso

 bastaria para fazer revisar essa   concep~ao de seus efeitos.

Mas como e que os valentes da  Aujhebung   behaviorista nao

dao aqui   0exemplo,   dizendo que nao tern que saber se  0sujeito

se lembrou do que quer que fosse? Ele apenas narrou   0aconte-

cimento. Quanto a nos, diremos   que ele   0  verbalizoul3,   ou, para

desenvolver esse termo, cujas   ressonancias em frances evocam

uma outra imagem de Pandor a   que nao a da caixa onde talvez

conviesse encerra-lo, que ele  0fez passar para   0verbo, ou, mais

 precisamente, para   0 epos   onde relaciona com   0 momento presente as origens de sua pessoa. Isso, numa linguagem que

 permite a seu discurso ser entendido por seus contemporaneos

e, mais ainda, que pressu p6e   0discurso presente destes. Assim

e que a recita~ao do   epos   pod e   incluir   urn discurso de outrora

em sua Ifngua arcaica, ou   mesmo estrangeira, ou efetivar-se no

tempo presente, com toda a  anima~ao do ator ,   pOl'em a maneira

de   urn discurso indireto, isolado entre aspas no fio da narrativa,

e, se ele e encenado, e   num palco   q ue im plica a pr esen~a nao

somente do coro, mas  tambem d os espectad ores.

A rememora~ao hi pnotica e, sem   duvida, reprodu~ao do

 passado, mas e sobretudo uma   r epresenta~ao falada e, como tal,

implica toda sorte de presen~as. Ela e, para a rememora~ao vf gil

daq uilo que curiosamente chamamos na amilise de  "0mater ial" ,

aq uilo que   0drama, produzindo ante a assem bleia dos cidadaos

os mitos originais da polis, e para a historia, a qual sem duvida

e feita de materiais,   mas nos   q uais uma na~ao de nossa epoca

aprende a ler os sfmbolos de urn destino em marcha. Podemos

dizer, na linguagem heideggeriana, q ue ambos constituem   0

sujeito como   gewesend,   isto e, como sendo aq uele que assim

foi. Mas, na unidade interna dessa temporaliza~ao,   0ente marca

a convergencia dos tendo sido.   Ou seja, supondo-se outros

encontros desde qualquer urn desses momentos tendo sido, deles

teria safdo urn outro ente, que faria   0sujeito ter sido total mente

diverso.

A ambigtiidade da revela~ao histerica do passado nao decorre

tanto da vacila~ao de seu conteudo entre   0imagimirio e  0real,

 pois ele se situa em ambos.   Tampouco se trata de que ela seja

mentirosa.   E   que ela nos apresenta   0   nascimento   d a verdad e na   [256]

fala e, atraves disso, esbarramos na realidade do q ue nao e nemverdadeiro nem falso. Pelo menos,   isso e   0 que ha de mais

 perturbador em seu problema.

Pois a verdade dessa revela~ao e a fala presente, que  a  atesta

na realidade atual   e que funda essa verdade em   nome dessa

realidade. Ora, nessa realidade,   somente a fala testemunha a

 parcela dos poderes do passado que foi afastada a cada encru-

zilhada em que   0 acontecimento fez uma escolha.

Eis por que a condi~ao de continuidade na anamnese, ondeFreud aquilata a integridade da cura, nada tern a ver com   0mito

 bergsoniano de urn restabelecimento da dura~ao, onde a auten-ticidade de cada instante seria destrufda por nao resumir a

modula~ao de todos os instantes antecedentes.   E   que naose trata,

 para Freud, nem de memoria biologica,   nem de sua mistifica~ao

intuicionista, nem da paramnesia do sintoma, mas   de rememo-ra~ao, isto e, de historia, fazendo assentar unicamente sobre a

navalha das certezas da data a balan~a em que as con jecturas

sobre   0 passado fazem oscilar as promessas do futuro.   Sejamoscategoricos:   nao se trata, na anamnese psicanalftica, de realidade,

mas de verdade, porque   0efeito de uma fala plena e reordenar 

as contingencias passadas dando-lhes   0sentido das necessid ades

 por vir, tais como as constitui a escassa liberdade pela qual   0su jeito as faz presentes.

Os meandros da investiga~ao que Freud realizou na exposi~aodo caso do "Homem dos Lobos" confirmam estas af irma~6es,nelas retomando seu pleno sentido.

Freud exige uma objetiva~ao total da prova quando   se trata

de datar a cena p rimaria, mas sup6e, sem mais aquela, todas   as

ressub jetiva~6es do acontecimento q ue the paI'e~am necessar ias para explicar seus efeitos a cada volta em   q ue   0 su jeito se

reestr utura, isto e, tantas reestrutura~6es do acontecimento quan-

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tas se operem,   com o se   exprime ele,   nactr liglich ,   a posterori.14

Mais aind a,   com uma   audacia que beir a a   d esenvoltura, ele

declaI'a   consider ar legftimo   elid ir, na analise   d os processos, os

intervalos d e   tempo   em que   0 acontecimento   permanece latente

no su jeito.15 Ou seja, ele   anula os   t em pos   para compr eender    em

 prol dos   moment os   d e concluir  ,   que   pr ecipitam   a   medita<;ao d o

sujeito rumo ao   sentid o   a ser decidido d o   acontecimento original. Note-se   que   tem po para compr eend er    e  mo ment a de concluir 

san fun<;6es   que   d ef inimos num   teor ema pur amente   logico,16   e

que sao   familiar es   a  noss os alunos, pOl' se   haver em d emonstr ad o

muito propfcias a analise dialetica pOI'   ond e os   guiamos no

 processo d e   uma   psicanalise.

E   justamente essa assun<;a o d e s ua   historia   pelo sujeito,   no

que ela   e   constitufda   pela   fala   end er e<; ad a a o outr o, que serve

de fund amento ao   novo   m etodo a que   Freu d d eu   0 n ome d  e

 psicanalise,   nao em   1904   -   como   antigamente ensinava uma

autorid ade que, por ter    re jeitado   0manto   d e   urn  s ilencio   prudente,

 pareceu nesse dia   so conhecer de   Fr eud    0 tftulo   d e suas obr as

-, p or em e m 1 89 5.

17

T al como Fr eud ,   nao   negamos,   nessa   analise d o   sentido d e

seu metodo, a d escontinuidade psicofisiologica m anifestada pelos

estados em que se produz   0   sintoma   histerico,   nem que este

 possa ser tr atado pOI'   metodos   -   hipnose ou narcose   -   que

reproduzem a d  escontinuidade desses estados. Simplesment e, e

tao expressamente quanto ele   se proibiu,   a   partir de urn certo

mome nt o, d e r  ecorr er a   eles,   r eprovamos qualquer apoio nesses

estados,   tanto para explicar    0 sint om a q  uanto para cura-Io.

Pois, se a originalidade do   metod o   e   feita dos meios de que

ele se priva, e que os   meios que ele   se reserva bastam para

14.   CW  ,   XII, p.71,   Cinq  p s ychanal yses,   Par is,   PUF,   p.356, trad u~ao precaria   d o

termo.

15.   CW,   XII,   p .n , n.l, ultimas Iinhas.   Acha-s e gr  if ada   na   nota a no~ao   d e

 Nacht rdglichk eit    [a posteriori].   C inq ps ychanal yses,   p.356, n.1.

16.  C f .   p.203-1O desta coletanea.

17.   Num   artigo acessfvel   ao   leitor   fr ances   menos   exigente,   uma vez   que foi

 publicad o   na  R evue   N eurologique,   cuja cole~ao   encontra-se   habitualmente nas

 bi bliotecas das salas  de plantao.   a equf voco aq ui  d enunciado   ilustr a, entre outros,

como se  s ituava a referida autoridade, q ue saudamos   na p.247-8, compar ativa-

mente   a  sua   lead ership.   ' 

constituir ur n   campo cujos limites   d efinem   a  rel atividade de suas

opera<;6es.

Seus   meios san os   da   f ala, na med id a em   q ue ela   confere urn

sentido as   fun<;6es do   indivfduo;   seu cam po   e   0 do discurso

concreto, como campo da   realidad e tr ansindividual do sujeito;

suas   oper a<;6es san   as   d a   historia,   no   que   ela constitui   a   emer-

gencia   d a   verd ad e   no   r eal.

Pr imeiramente, com   ef eito,   quando   0 sujeito   se enga ja   na

analise, ele aceita   uma   posi<;ao mais   constituinte,   em   si mesma,

do que tod as   as instr u<;6es pelas quais   se   d eixa   mais ou menos

enganar:   a   d a   inter locu<;ao; e nao   vemos   nenhum inconveniente

em que esta o bser va<;ao   d eixe   0ouvinte   d esconcertado.   Pois isso

nos d ar a ense jo   d e   insistir    em que a alocu<;ao   d o   sujeito comporta

urn   alocutario,18 ou,   em outras palavras, q ue   0  locutor l9 consti-

tui-se a li como   inter subjetividade.

Em segundo lugar ,   e com base nessa interIocu<;ao, na medid a

em que   ela   inclui   a   r esposta do interlocutor ,   que   se resgata para

nos   0 sentid o   d o   que   Freud exige   como   r esta belecimento da

continuid ad e   nas   motiva<;6es do sujeito.   0 exame   operacional

desse objetivo   mostr a-n os , c om   ef eito,   que ele so   se   satisfaz na

continuid ad e   inter su bj et iv a d o d iscur so   em que   se constitui a

historia d o   sujeito.

E   assim q ue   0 su jeito   po de vaticinar    sobre   sua historia sob   0

ef e it o d  e   qualquer uma dessas drogas que adormecem a cons-

ciencia   e que receberam, em nossa   e poca,   0nome   de "soros da

verdade"   , onde   a   seguran<;a no contra-senso trai a ironia carac-

terfstica da linguagem. Mas, a propria retransmissao de seu

discurso gravado,   ainda que feita pela boca de seu medico,   nao

 pode, por Ihe chegar dessa   f or ma alienada, tel' os mesmos efeitos

q ue a   inter Iocu<;ao psicanalftica.

18.   Mesmo que ele fale  " como q uem   nao se d irige aos pr esentes". Ele  se d irige

ao (grande) Outro cu ja teoria f ir mamos   d esde entao, e que comanda   uma  epochi

na  re tomad a deste termo a q ue continuamos   a  n os ad str ingir   ate  h o je:   intersu b-

 jetividad e (1966).

19.   Retir amos esses  te rmos   do  s aud oso Ed ouard Pichon,  q ue,  t anto n as ind ica~6es

que deu   para a vinda   a   Iuz  de   nossa   disciplina q uanto   nas  q ue   0guiar am pelas

tr evas das pessoas, mostr ou uma ar te divinat6r ia que s6 podemos relacionar com

seu  exe r cfcio da semantica.

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Por isso,   e na instaura~ao de um terceiro termo que a desco-

 berta freudiana do inconsciente se esclarece em seu verd adeiro

fundamento e   pode ser formulada de maneira simples, nos

seguintes termos:

o   inconsciente e a p arte   do discurso concr eto,   como   tr ansin-

dividual,   que   falta a disposi~ao   ao sujelto par a   resta belec-er acontiliiliaa e e seu d iscurso consclente.

Assim desaparece   0" paradoxo apresentado pela no~ao de

inconsciente,   se a relacionarmos com uma realidade individual.

Pois r eduzi-Ia   a tendencia   inconsciente  nao e resolver   0 paradoxo,

a   nao ser eludindo a experiencia, que   mostr a c1aramente   que   0 [259]

inconsciente par ticipa das f un~6es d a icteia ou ate do pensamento.

E   nisso que  insiste Freud c1ar amente,  quando,   nao podendo   evitar 

no pensamento inconsciente a conjun~ao de   ter mos contnirios,

d a-Ihe   0 viatica desta invoca~ao:   sit venia verbo.20 Do mesmo

modo, obedecemos a ele ao rejeitar, com efeito, a falta   para com

o verbo,   mas   0 verba realizado no discurso que corre como   0

anel,   de mao em mao, para dar ao   ato do sujeito que rece be   suamensagem   0 sentido que faz   desse ato um   ato de sua histor ia,

e que Ihe   da   sua verdad e.

Por conseguinte, a   obje~ao de uma contr adi~ao   in terminis ,

levantada contr a   0 pensamento inconsciente por uma psicologia

mal fundamentada em sua logica, cai pOl' terra com   a   propria

distin~ao do campo psicanalftico, na medida em que ele manifesta

a realidade do discurso em sua autonomia, e  0e ppur   si  muove!

d o psicanalista une-se ao de Galileu em sua incidencia, que   nao

e   a da experiencia do f ato, mas   a   do   experimentum mentis.

o   inconsciente e  0ca pitulo de minha histor ia que e marcado

 por um branco ou ocupado por uma mentira: e   0  capftulo

censurado. Mas a v er d ade pode ser resgatada; na maioria   dasvezes, ja esta escrita em outro lugar .   Qual seja:

- nos monumentos: e esse   e meu corpo, isto e,   0 nucleo

histerico da neurose em que 0sintoma  histerico mostra a estrutura

de uma Iinguagem e se decifra como uma inscri~ao que, uma

vez   recolhida, pode ser destrufda sem perda grave;

- nos documentos de arquivo,   igualmente: e esses saD as

lembran~as de minha infiincia, tao impenetraveis quanto eles,

quando nao Ihes conhe~o   a procedencia;

- na evolu~ao semantica: e isso corresponde ao estoque e

as   acep~6es do vocabulario que me e particular ,   bem como ao

estilo   de minha   vida e   a   meu carater ;

- nas tradi~6es tambem,   ou seja,   nas lendas   que sob for maher oicizada veiculam minha historia;

- nos vestfgios, enfim,   que conservam inevitavelmente as

distor~6es exigidas pela reinser~ao d o   capftulo adulterado nos

capftulos que   0enquadr am,   e cujo   sentido minha exegese r es-

tabelecera.

o estudante que tiver a ideia -   tao rara, e verdade, que nosso   [260]

ensino se empenha em difundi-Ia   -   de que, para compreender 

Freud ,   a leitura de Freud e prefer fvel a do sr .   Fenichel, podera

aperceber -se, ao empreende-Ia, de   q ue   0que acabamos de ex-

 primir e tao pouco original,   mesmo em sua verve, que nao

aparece nisto uma   unica metafora que a obra de Freud nao repita

com   a   freqUencia de um motivo onde   transparece sua propriatrama.

Ele entao podera facilmente verif icar , a cada instante de sua

 pratica, que,   a   exemplo da nega~ao que sua repeti~ao anula,

essas metaforas perdem sua   dimensao metaforica,   e reconhecer a

que isso se da porque ele atua no campo proprio da metafora,

que nao e senao sinonima do deslocamento simbolico empregad ono sintoma.

Depois disso, ele julgara melhor    0deslocamento   imaginario

que motiv a a o br a d o s r  .   Fenichel, avaliando a diferen~a de

coerencia e eficacia tecnica entre a   r eferencia aos pretensos

estadios organicos do desenvolvimento individual e a investiga-

~ao dos acontecimentos peculiares a historia de um sujeito. Ela

e exatamente a que separa   a   pesquisa   hist6rica autentica das

 pretensas leis da historia,   das quais podemos dizer que cada

epoca encontra seu filosofo para difundi-Ias ao sabor dos valores

que nela prevalecem.

Isso nao quer dizer que nao haja nada a reter dos diferentes

sentidos descobertos na marcha geral da historia, ao longo da

via que vai de Bossuet (Jacques-Benigne) a Toynbee (Arnold)

e que e pontuada pelas constru~6es d e   Auguste   Comte e Karl

Marx. Todos sabem, por certo, que elas valem tao pouco par a

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or iental' a pesquisa sobre ur n   passado   r ecente quanta para pre-

sumir com alguma razao acontecimentos futur os. Alias, elas saD

tao modestas que ad iam para depois de amanha suas certezas, e

tam pouco saD tao austeras q ue nao adm itam os retoques q ue

 permitem preyer    0que ocorreu ontem.

Se seu papel,   portanto, e bastante minguado para   0 progresso

cientffico, seu interesse, no entanto, situa-se alhures:   esta em

seu papel   de ideais, que e consideravel.   P oi s e l e n os l ev a a

distinguir    0que podem os chamaI'   de f uns:oes primaria e secun-

daria da historicizas:ao.

Pois, afirmar da psicanalise e da historia que, como ciencias,

elas saD ciencias do particular nao quer dizer que os fatos com

que elas   lidam sejam puramente acidentais, senao factfcios, e

que seu valor ultimo se reduza ao aspecto bruto do trauma.

Os acontecimentos se engendram numa historicizas:ao prima-

ria, ou seja, a historia ja se faz no palco em que sera encenada

depois de escrita, no foro fntimo e no for o externo.

 Numa dada epoca, urn cer to tumulto no  faubourg   Saint-An-

toine e vivido pOl'   seus atores com o vitoria ou derrota doParlamento ou da Corte; noutra, como vitoria ou derrota do pro-

letariado ou da burguesia.   E em bora sejam "os povos", para

falar como Retz, que sempre arcam com os custos,   nao se trata

em absoluto de urn mesmo acontecimento historico - quer dizer,

eles nao   d eixam   0 m esmo tipo de lem brans:a na memor ia dos

homens.

Ou se ja,   com   0desaparecimento da   r ealidade do Par lamento

e da Corte,   0  primeiro acontecimento r et or na ra a se u va lo r  

tr aumatico, suscetfvel de urn progressivo e autentico apagamento,

se nao reavivarmos expressamente seu   senti do. Ja a lembrans:a

do segundo continuani muito viva, mesmo sob a censura   -   do

mesmo modo que a amnesia do   r ecalq ue e um a das formas m ais

vivas de memoria   -, enquanto houver homens que submetam

sua revolta   a   ordem da luta pelo advento politico do proletariado,

isto e , h om en s p ar a qu em a s palavras-chave   d o materialismo

dialetico   tenham senti do.

Portanto, seria   ur n   exagero transpor mo s e ss as o bser vas:oes

 para   0cam po da psicanalise,   uma vez   q ue elas ja estao ali e q ue

a  d esintricas:ao que   nele produzem entr e a te cnica de decif r as:ao

do inconsciente e a teoria dos instintos, ou   das pulsoes, e

incontestavel.

o  que   ensinamos   0su jeito a reconhecer como seu inco~scie.nt.e

l -   sua   historia   -   ou seja, nos   0ajud amos a perfazer a hlstoncl-

I,a<;ao atual dos fatos que ja determinaram em sua existencia urn

l' 'l'tO   numero de "reviravoltas" historicas. Mas, se eles tiveram

('sse   pa pel,   ja foi como fatos histor icos,   isto e, como reconhecidos

1I1IIn   certo sentido ou censurados numa certa ordem.

Assim, toda fixas:ao numa pretensa fase instintual e, antes de

mais   nada, urn estigma historico: pagina de vergonha que se

'sq uec e o u se a nula, ou pagina de gloria q ue con strange.   Mas

() csq uecido e lembrado   nos atos, e a anulas:ao opoe-se a o q ue

"   dito   alhures, assim como   0  dever    de gratidao per  petua no

sf mbolo a propria m iragem em q ue   0su jeito se desco bre preso.

Dito   de maneira sucinta, os estadios instintuais ja estao, ao

s 'rem   vividos, organizados como su b jetividade. E, falando c1a-

.."mente,   a subjetividade da crians:a que grava como vitorias e

t1crrotas a epopeia da educas:ao de seus esffncteres, gozando   nela

'om a sexualizas:ao imaginaria de seus oriffcios c1oacais, fazendo

d e   suas expulsoes excrementfcias agressao, de suas reten90es

scdu9ao, e de seus relaxamentos sfmbolos, essa subjetividade1/(70   e  fundamentalmente diferente   da subjetividade do psicana-

lista   que se empenha em restabelecer, para compreende-Ias, as

t'ormas do amor que ele denomina pre-genital.

Em outras palavras,   0 estadio anal nao e menos puramente

histor ico ao ser vivido do que ao ser repensado, nem m enos

 puram ente fundamentado na inter su bjetivid ade. Ao   co~tra.r io,

sua   homologas:ao como etapa de   uma pretensa m atur as:ao m s-

tintual leva diretamente as m elhores cabes:as a se perd e re m, a

 ponto   de verem nele a reprodu9ao,   na ontogenese, de ur n   estadio

u o   filo   animal q ue e preciso ir buscar nos ascaris ou nas med usas,

cspeculas:ao esta que, apesar    de engenhosa na pena de ur n .Balint,

leva   em outros lugares, aos mais   inconsistentes devanelOs, ou

l1les:no   a   loucura   q ue vai buscar    no protista   0esquema imaginario

do   dilaceramento corporal cujo temor dominaria a sexualidade

t'eminina. POl' que, nesse caso, nao procurar a imagem   d o   eu   no

camarao, a pretexto de q ue ambos   recu peram, apos cada m uda,

sua carapas:a? ..Dm tal de Jaworski,   nos a no s d e 1 910-1920, ed  lflcou   um

 belfssimo sistema em que"   0 plano biologic o" e ra re encontrad o

ale   mesmo nos confins da cultura,   e   que, pr ecisamente, dava   a

ord em dos crustaceos seu c6njuge historico,   se nao   me falha a

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mem6ria,   em alguma fase tardia da Idade Media, sob a alegacr ao

de urn f 1orescimento comum da armadura   -   alias, nao deixand o

viuva de seu correspondente humano nenhuma forma animal,

sem excetuar os moluscos e os percevejos.

Analogia nao e metafora,   e   0 recurso que nela encontraram

os f il6sof os da natureza exige 0

genio de urn Goethe, cujo pr6prioexemplo nao e animador .   Nada r epugna mais ao espf rito de nossa

disciplina,   e foi ao se afastar expressamente disso que Freud 

abriu a via adequada a interpretacrao dos sonhos e, com ela, a

nocrao do simbolismo analftico. Essa nocrao,  dizemos n6s, vai

estritamente contra   0 pensamento anal6gico, que uma   tradicrao

duvidosa faz com que alguns, ate mesmo entre n6s,   ainda

consider em solidario.

E   pOl'isso que os excessos no ridfculo devem ser utilizados

 por   seu valor descer rador ,   pois, por abrirem os olhos para   0

absurdo de uma teor ia,   fazem com que estes se voltem para

 perigos que nada tern de te6rico.

Essa mitologia da maturacrao dos   instintos, construfda com

trechos seletos da obra de Freud, efetivamente gera problemasespirituais cujo   vapor, condensado em ideais de nuvens,   pOl'sua

vez irriga com seus aguaceiros   0 mito original.   As melhores

 penas destilam sua tinta formulando equacroes que satisfacram as

exigencias do misterioso   genital   love   (ha nocroescu ja estranheza

concilia-se melhor com   0 parentese de urn termo tornado   de

emprestimo, e que rubr icam sua tentativa com uma confissao   d e

non liquet 21).   Ninguem, entretanto, parece abalado pelo mal-estar 

daf   r esultante, e antes se ve   nisso motivo para incentivar tod os

os Miinchhausen da   normalizacrao psicanalf tica a se puxarem

 pelos cabelos, na esperancrade atingirem   0ceu da plena realizacrao

do ob jeto genital, ou do objeto puw e simples.

Se n6s, psicanalistas, estamos   bem situados para conhecer   0

 pod er   d as palavras,   isso   nao e razao para valoriza-Io no sentido

d o insolUvel, nem para" atar fardos pesados e insuportaveis para

com eles vergar os ombros dos   homens", como se expr ime a

mald icrao d e   Cristo aos far iseus no texto de sao  Mateus.

Assim, a pobreza   d os termos em   q ue tentamos   incluir   urn

 pr o blema subjetivo   pod e  d eixar a desejar aos es pfritos exigentes,

 par menos que eles as comparem aqueles   que estruturavam, ate

mesmo em   sua  conf usao, as antigas   querelas em tomo da Natu-

r eza   e da   Gr acra.22Desse modo,   ela   pode d eixa-I~s   ,te.merosos

q uanto a   qualidad e   dos efeitos   psicol6gic?s   ;   soctOloglcos qu~

 pod emos   es perar de seu uso.   E s.e ?esepra .qu,e.uma melhOl

a preciacr ao das funcroes do   logos   dlsslpe os mlstenos de nossos

car ismas   fantasticos.Para nos atermos a uma tradicrao mais  clara,   talvez oucramos

a   celebre maxima em que  La Rochefoucauld nos diz ~ue "ha

 pessoas   que nunca se haveriam apa.ixonado; s~ nunca tlve,~sem

ouvido   falar de   amor" ,   nao no sentJdo romantlco de uma rea-

lizacrao"  totalmente imaginaria do amor ,   que fizesse disso uma

amarga   objecrao a ele,   mas como urn reconhecimento autentico

do   q ue   0 amor deve ao sfmbolo e do que a fala comporta de

amor .De   qualquer modo, basta nos r e po~t~rmos. a o, b~ade Fr~ud 

 para avaliar em que categoria secund.ana e hlpotetlca ele sltuaa  teoria   dos instintos.   Ela nao podena,   a seu vel', sustentar -se

nem por urn instante contra   0mais fn:imo fato pa~ticular de umahist6ria,   insiste, e   0 narcisismo genaal   que ele mvoca no mo-mento   de resumir    0   caso do Homem dos Lobos mostra-nos

suf icientemente   0desprezo que ele vota a ordem ~onstituf.dados

cstad ios libidinais. Mais ainda, Freud s6 evoca ah  0conf llto dos

instintos par a   dele se afastar prontamente, e para reconhece~, no

isolamento simb61ico do "eu nao sou castrado" em q ue se aflrma

o   sujeito, a forma compulsiva em que fica fixad a sua e~colha

heterossexual, contra   0   efeito de captura homossexuahzant.e

sofrido pelo   eu ,   reconduzido a   mat~iz ima.gi~aria da cena pn-mar ia.   E   esse, na verdade,   0 conf llto su b jetlvo,   onde se trata

apenas das peripecias da su bjetividad e, t~nto _ assi~ que   0 [eu]

ganha   e perde do  "eu" ao sa bol' da. cateq ~lzacrao rehgtOsa O ?

  .da; \ u f kliir ung   doutrinante, conf lito CU jOSefeltos Freud fez o.sujelto

 perceber mediante seus pr~s~imos, antes de no-los   ex phcar na

d ialetica do complexo de  Edlpo.

22. Essa  r eferend a   1 1   apor ia do cr istianisrno   anunciou outra rnais pre cisa em  se u

augc jansenista, ou  sej a,  a  Pascal,   cuja a posta aind ~ vlr gern f or ~ou-nos   a retornar 

tud o,   para chegar ao q ue e1a escond e   d e   mestlrnavel par a   0 anahsta   -   amda

mantido   em   reserva nesta d ata   (junho de 1966).

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E   na amilise de   urn caso como esse   q ue vemos com cIar eza

que a realizayao   d o am or perfeito nao e ur n fr uto da natureza

ma.s da ?r ~ya, isto e, d~ u rn acordo intersub je ti vo q  ue impoe   su~

halmoma a natureza d Ilacerada que   0sustenta.

-   Mas,   entao, q ue e esse sujeito cujo entendimento voces

nos repisam?   -   exclama,   enfim, urn ouvinte impaciente. -Acaso !a ~ao r~cebemos do sr .   de L a Pal  ice a   Iiyao de que tud o

o que e vlvenclado pelo indivfduo e subjetivo?

.   - B oc a i ng en ua c u jo eJogio ha d e ocu par    meus derrad eiros

dlas,   a br e-te m ais uma vez par a   me ouvir .   Nao e preciso fechar 

~s oJ~o~. 0 sU jeit,? vai   ~ui to alem do que   0indivfd uo experimenta

subJetlvamente : val exatamente tao longe quanto a verdade

que ele pode atingir ,   e   q ue   .taJvez saia dessa boca que   f oce   ja

acaba de fechar outr a   vez. SlIn,   essa verd ade de sua historia nao

esta   toda em seu desenrolar, m as   0Jugar se marca af ,   nos choques

dolorosos que ele experimenta por conhecer apenas suas replicas

o~ ~ntao em paginas cuja desordem mal Ihe proporciona algu~

ahvlO.

Que   0 inconsciente do sujeito e   0 discurso do outro eis   0

que aparece, ainda mais claramente do que em qualquer'lugar ,

nos ~studos que Freud consagrou ao q ue chama de telepatia, na

med~~a em q~e ~I~ se. manifesta no contexto de   uma experiencia

anahtlca. ComcldenCia das colocayoes do sujeito c om f at os d e

q ue ele nao pod e estar   informado, mas q ue continuam a se mover 

~as   ligay6es de   uma outra experiencia em q  ue   0 psicanalista e

mter locutor    -   coincidencia t ambem,   na   maioria das vezes

c?n~tit uf da po r uma convergencia total  m ente ver  bal ou   homo~

mmlca, ou q  ue: q uando   incI.ui   urn ato, trata-se e   d e urn   acting

out   ?e   ur n   paclente do anahsta, ou   de urn   filho em anali se do

a~ahsad o.   Casos de ressonancia em redes comunicantes de

d lscur s o, c uj o e s tud o exaustivo esclareceria os fatos analogosapresentados peJa vida cotid iana.

A oni presenya do d iscur so   humano talvez possa, ur n d ia, ser 

abarcada sob   0ceu a berto de uma onicomunicac;ao   d e seu   texto.

o   q u: nao quer d  izer    que por isso e le seja   mais   harmonizad o.

Mas e,es,se  0c~m po   que   nos sa experiencia   polar iza,   numa   r elayao

que so e a dOiS   na apar encia , p oi s   qualquer colocayao   d e sua

estr utur a a penas em   tennos d ua is e-lhe   tao   inadequad a   na teoria

quanto   d estrutiva par a sua tecnica.

II. SIMBOLO E LINGUAGEM COMO ESTR UTURA

E   LIMITE DO CAMPO PSICANALITICO

Ten   {lrke n ( ) Ii   kai   lalli   ymin.   (Evangelho   segundo   sao loao,

VIII,   25)23

Fa~a palavras cruzadas. (Conselhos a urn jovern psicanalisla)

Para   retomar    0 fio de nossa formulac;ao, repetimos que e pela

red uyao da   hist6r ia do sujeito par ticular q ue   a   analise toca em

G~   relacio na is q ue e la e xtrapola   num desenvolvimento

regular; mas   q ue   nem a psicologi a g en et ic a n em   a psicologia

di ferencial que podem ser esclarecidas por ela sao de sua alyada,

 por   exigirem cond ic;oes de observac;ao e de exper iencia que s6

mantem com a s suas   r elac;oes de homonfmia.

Vamos   ainda mais   longe:   0q ue se destaca como psicologia

no estado bruto da exper iencia comum (que s6 se confunde com

a  ex periencia sensfvel para   0 profissional das ideias)   -   ou seja,

numa suspensao q  ualq uer da   r eocupac;ao cotidian   ,   no espanto

surgido aquilo q ue irma na os seres numa disparidade queultra passa a das figuras grotescas de urn Leonar do ou d e urn

Goya,   ou na surpresa que contrasta a espessura pr 6pria de   uma

 pele com a cal-fcia de uma palma,   que anima a desco berta sem

que ainda a atenue   0 desejo   -   isso,   podemos d izer , e abolido

numa   exper iencia ar isca a esses capr icha 5, i nsu bmissa a esses

mister ios.Uma psicanalise normal   mente chega a seu   termo sem nos

informar grande coisa sobre   0q ue   nossO paciente herd a propria-

mente   de sua sensi bilidade aos gol pes e as cor es,   d a presteza

com que capta isto ou aquilo ou d os pontos   f racos de sua car ne,

de seu poder de reter ou de invent ar, ou d a   intensidad e de seus

gostos.Esse p ar adoxa e apenas aparente e   nao resulta de   nenhuma

carencia pessoal,   e,   se pode ser motivad o pelas condiyoes nega-

Iivas   d e   nossa exper iencia, ele apenas   nos   pr essiona   ur n pouco

m ais a   interrogar esta ultim a sobr e   0 que ela   tern   de positivo.

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Pois ele nao   se resolve nos esfor~os de alguns que  -   seme-

Ihantes aos filosofos que Platao ridicularizava, pOl'serem levados

 pOl' seu   a petite d o   real a abra~ar arvor es - p assam a tomar 

qual~uel: e.pisodio   em que desponte essa   r ealid ade f  ugidia   pela

rea~ao vlvlda d e  que   se mostram tao avidos.   Pois sao justamente

esses q~e, d an?o a   si mesmos como o bjetivo aquilo que esta

 para-alem d a   hnguagem,   reagem ao " proibido tocar "   inscritoem nossa   regr a   com uma especie de  o bsessao.   Ninguem duvid a

que,~p~r esse caminho,   farejar -se mutuamente   torne-se a quin-

tess~ncla d a r ~a~ao transferencial.   Nao estamos exager ando nad a:

urn Jovem pSlcanalista, em seu trabal ho d  e   candidatura, pode

at~almente   saud ar nessa sub-olfa~ao d e   seu sujeito,   obtida apos

dOtso~ tres anos  de va psicanalise,   0esperad o advento da rela~ao

de obJeto, e   d ele   colher    0 dignus   est int rar e   de nossos votosgarantes de suas ca pacidades. '

Se a  psicanalise   pode tornar -se uma   ciencia   - pois ainda nao

? , e  ~' e se niio d eve degenerar   em sua tecnica -   0que talvez

Ja seJa urn fato -, devemos resgatar   0sentido de sua experiencia.

, Nada melhor poderfamos fazel', par a esse fim, do que retor nar 

a ob~a de Freud. Nao basta a alguem dizer-se tecnico para se

autonzar, pOl'  nao compreend e r u rn Fr eud    III, a recusa-Io em

~omeAde. urn Freud    II que ele acr edita compreender; e a propria

l~norancla que se tern do Freud   Inao e desculpa para que as

CinCOgrandes psicanalises sejam tomad as por uma serie de casos

tao mal escolhidos quanta mal expostos,   ainda que se fique

deslumbrado com   0f ato de  0grao de verdade que elas continhamhaver escapado   a   issoY

Ent~o, que retomemos a o bra de Freud na   Traumdeutung ,

 para ah nos relembr armos que   0sonho tern a estrutura de uma

,f ~,-   ?..':!......melhor,atend  _ o-nos a   sua letra, d e  urn rebus, isto e, de

u~a esc~'itada qual   0sonh2   da crian~~-.!r yresentaria a ideografia

 pr .1mord lal, e que reproduz   no adulto   0 emprego onetlco e

sim bolico, simultan~amente,   dos elementos significantes q ue

tanto encontl:amO..L!}OShiero   lifos do antigo Egito quanta   nos

car acteres cUJo us a a China   conserva.

24.   Forrnulac;:iiocolhida da boca  d e  u r n do s psicanalislas r nais  in leressad os   nessed ebale   (1966).   ,

Funfiio e cum po du f ala e da  l inguagem   269 '   /

f <e(Of1(CA

Mas isso ainda e apenas a decifra~ao do instrumento.   E   na   'Do

versao do texto que   0   importante come~a,   0   importante que   [2681

Freud nos diz ser dado na elabora~ao do sonho, isto eo em sua   'Xlt\l 1-10

retorica. EIi~e e pleonasmo, hiperbato ou   silepse, regre~sao,

repeti~ _ ao., _ a osi ao, sao esses os deslocamentos sintaticos, e

metafora, catacrese,   antonomasia,   alegoria,   metonfmia e sines'o-

que,   as cond ensa~6es semanticas em que Freud nos ensina a ler 

as inten'~6es oStenta[orias ou demonstrativas,(fissi~as ou

 persuasivas, retali~or as o u~ed ~toras cOVLq .u.e~;uj~itQ-mo _ d ,!la

seu discurso onfrico.

Sem duvid a, postulou como regra que e sempre preciso buscar 

nele a expressao de urn desejo.   Mas,   vamos entend e-Io bem.   Se

Freud admite, como motivo de urn sonho que parece contrariar 

sua tese,   0 proprio desejo de contradize-Io, no sujeito que eletentou convencer,25 como nao viria   a   admitir    0mesmo motivo

 para si proprio,   considerando que, para tel'  chegado a isso,   e de

urn outro que Ihe teria advindo sua lei?

 Numa palavr a,   em arte al uma evidencia-se   . d ar.amente   Sd .

que   0   eseJo do homem e eu   ntido  no desej p   do outro!Zr :.c.DtJf /t:.CI-nao tanto porque   ~~nha a~ chaves do ,2 bjeJ2. desejado,   Do   1 . : : - 1 . . . ,

mas porque sell   primeiro objeto   e ser reconhecido elo outro.   01,)  'f lto

Quem dentrenos,-   alias, nao sabe pOl'experiencia que, uma

vez enveredada a   analise na via da transferencia   -   e para nos

essa e a ind ica~iio de que ela efetivamente   0esta  - ,   todo sonho

do paciente e interpretado como pr ovoca~iio,   confissao velada

ou digressao,   pOl' sua rela~ao com   0discurso analftico, e que,   amedida que progride a analise, eles   se reduzem cada vez mais

a   fun~ao de elementos do d ialogo que nela se realiza?

Quanto   a   psicopatologia da vida cotidiana,   outro campo con-

sagrado pOl' uma outra obra de Freud, esta claro que todo ato

falho e urn discurso bem-suced idoo   ou ate formulado coin   gra~a,

eq -ue;-no   la so,   e a morda0L'l e ira em t orno   d a fa e

 justamente pelo uadrante   necessario ara q.u..e-UJll.. b.ollLen.ten..

dedor   encontr e   ali sua meia palavra.   ---------~---   A{o   YAUlO

L.I\  ' ? :; ' o

25.   Cf .  "Ge genwunschlr aurne",   in  Traumdeut ung , CW,  II , p.156-7 e 163-4. Trad.

inglesa,   ed ic;:iioStandard, IV,  p.15l   e  p .157-8.   Tr ad. francesa,   ed .   Alcan, p.140

e p.146   [trad. brasileira,   ESB ,   IV,  p.1 65   e  p.l70-1,   2a ed. rev.].

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Mas,   vamos d ir eto   ao ponto em que   0 livr o   d esem boca   no

~   nas   cr en<;:as  q ue ele   gera,   e es pecial ment e a os f atos em

q ue ele   f az q uestao d e de mo nstr a r a ef ic ac ia s ub je ti va d as

associa<;:6es   co m numer os deixados por conta do acaso   d e uma   [269]

escolha   imotivad a ou   de urn sor teio aleatorio. Em   parte alguma

revelam-se m elhor do que   nessa ocor r encia as estruturas   d omi-

nant es d o   campo psicanalftico.   E   0 a pelo feito de passagem a

mecanismos   intelectuais desconhecid os   ja nao e, nesse   ponto,

senao a   d escul pa atlit a p el a   total   conf ian<;:a depositad a   nos

sf m bolos, e q ue   vacila ao ser    satisfeita   para-alem   de q ualquer 

limite.

Pois se, para ad mitir    urn sintoma   na psicopatologia p si ca na-

Iftica, seja ele neurotico ou nao, Fr eud exige   0  mfnimo de

so bredetermina<;:a o c on stituf d o por ur  n   duplo sentido, sfm bolo

de urn conf lit o d ef  unto,   para-a le m d e   sua fun<;:ao, num conflito

 presente   nao menos simb6lico, e se eJe nos   ensinou a acompanhar,

no texto das associa<;:6es livres, a ramif ica<;:ao ascendente dessa

linhagem simbolic a, para n ela detectar , n os p on tos e m qu e a s

formas ver  bais se cr uzam novamente , o s no s de s ua e s tr  utura, ja esta perfeitam ente claro que   0sintoma se resolve por ir 'lteiro

num a analise lingua jeira,   por    ser ele   mesmo estr uturado   CQll10

uma   1m   uagem, or ser a ling.!@g~   eve ser   li bert

E1iq uele   q ue nao aprofundou a natur eza da linguagem q ue a

experiencia da a ssocia<;:a o c om n umeros pod er a mostr ar ,   de

imed iato,   0q ue ha de essencial   a apreender a q  ui, isto e,   0 poder 

com binator io q ue or d en   a   seus eq ufvocos, para   ne]es reconhecer 

a   mola pr opr ia do inconsciente.

Com   efeito,   se dos   numer os o btidos   por corte na seq iiencia

do s algar ismos do nume ro escolhido,   d e sua combina<;:ao por 

t od as a s o pera<;:6es da ar itmetica, ou   d a divisao repetid a do

numer o or iginal   por urn dos   numeros   cissfparos, os numeros

resultantes26 revelam-se sim bolizantes, entre   todos, na historia

car acterfstica do s uj eito, e pOI'q ue eles   ja estavam latentes   na

escolha de   q ue partiram   - e   por tanto, se ref utarm os como

su per sticio sa a i de ia d e  que for am   justamente   esses n umer os   q ue

determinaram   0 d estino   d o sujeito, e for<;:oso admitir que e na

or dem d e existencia   de suas combina<;:6es,   isto   e ,   na linguagem

concreta que eles represent am, q ue r es id e t udo   0que   a analise

revela ao sujeito com o seu i nconsciente.

Veremos que os filologos e etnografos   nos revelam   0 sufi-   [270]

ciente, q  uanto   i t   certeza c omb inatoria verificada nos sistemas

complet am en te inconscientes com   q ue   lidam, para q ue a formu-

la<;:ao aqui   proposta nao tenha par a eles nad a d e su r   pr eendente.

Mas, se alguem continu as se r eticente ante   nossa coloca<;:ao,

apelarfamos   uma vez mais   para   0testemunho daquele   q ue,   tendo

desco ber to   0inconsciente, nao   e   injustificad ame nte considerad o

como apontando seu   lugar :   ele nao nos faltar a.

Pois,   por    mais a bandonada Que se ja   por    nosso interesse   -

 por motivos obvios   - ,0   chiste e sua r ela~ao com0 inconsciente

(LeNf OlQ   espnt et mconsclent )   c2 p!in~~   a obra mais

incontestavel, pOI"q ue a   mais tr  ansparente, em   que   0 efeito do

iriconsciente nos   e   demons tr ad o a te   os conf ins de sua fineza;   e

it   f ace que ele nos revela e justamente   a   do espfrito, da eSRiri-

tuosid ad --e,   na am bigiild a de que Iheconere a linguagem ,   onde a , ./J.

outra face de  ~   oder    d e realeza   § _~..'~s~liencia'   e a-.9ya,l-illa  (}\'j\~ordem inteira aniguila-s e n um i ns t~nte   -   saliencia, com efeito,

em que sua atividade criadora desvela-Ihe a  g ratuidade absoluta,

em q ~suad omina<;:ao   sobr e   0 real-ex pr ime-se no esif iO   do

contra-senso, em q ue   0 humor , na K La<;:amaliciosa d Q..§sR f rito

livre,   simboliza   uma verdad e q ue   na o d iz sua ultima   palavra.

Convem acompanhar,   nos   meand ros admii'avelmente   insisten-

tes das   linhas desse livr o,   0 passeio a q ue Freud    nos conduz por 

esse   jard im seleto do mais am argo amor .

Ali, tud o e su bstiincia, tudo e   per ola. 0 espfrito, que vive

como e xi la do n a cr  ia<;:a o d e q  ue   e   0 esteio invisfvel, sabe-se

capaz, a qualq uer    instante, d e aniquila-Ia.   For ma s altaneiras ou perfidas, elegantes ou   bonachonas   d essa   r eale za o culta,   nao   ha

uma   so, nem m esmo entre as m ais   d esprezadas, cu jo br ilho

secreta Freud   nao sai ba f azer cintilar .   Histor ias do casamenteiro

q ue per cor re os guetos da Moravia, i ma gem   desacred itada   d e

Eros e, como este , f ilho   da   penuria   e da dor, guiand o   com seus

 prestimos d iscretos a   avidez·   do grosseir ao e,   d e repente,   achin-

calhand o-o com   uma re plica   luminosa em   seu   contra-senso:

"Aquele   ue assim d ei xa e sc a a r    a   ver dade", comenta Fre ud ,

"na   r ealid ade fica feliz   por tirar a   mascara."

26.   Convem,   par a a pr eciar    0   f ruto desses   pr oced imentos,   nos inteir armos das

notas, pr omovid a s por    nos desde essa   e poca, enconlr adas   no   livr o   d e Emile

Borel so bre ()aca.w ,   a r es peito da tr ivialid ade do que assim se o btem de "notavel"

a  pa r tir d e  um numer o q ualq uer (1966).   '

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E   a verdade, de fato, que em sua boca arranca essa mascara,

mas para que  0espfrito coloque outra mais enganosa: a soffstica

que nao passa de estratagema, a 16gica que e apenas urn engodo,

e ate  0c6mico, que s6 entra ali para ofuscar . 0 espfrito esta sempre

noutro lugar .   "0 espfrito comporta, de fato, tamanha condiciona-

lidade subjetiva (...): s6 e espfrito e espirituoso aquilo que eu aceito   [270]

como tal" , prossegue Freud, que sabe do que esta falando.Em parte alguma,   com efeito, a intenc;ao do indivfduo   C   mais

manifestamente superada pelo achado do sujeito - em parte

alguma a distinc;ao que fazemos entre ambos faz-se sentiI' melhor 

-, uma vez que nao s6 e preciso que alguma coisa me haja

sido estranha em meu achado para que eu extraia dele meu

 prazer, mas  t ambem porque e preciso que permanec;a assim para

que   0achado surta efeito.   Isso se da pela necessidade, tao bem

marcada pOl' Freud, do terceiro ouvinte sempre suposto, e pelo

fato de que   0 chiste nao erde s~ poder    ~m sua transmissao

em estilo indireto. Em suma, apontando no lugar do Outro   0

amboceptor q~e""sclarece   0 artiffcio da palavra, eclodindo em

sua suprema alacridade.Vma unica razao de fracasso para a espirituosidade: a insipidez

da verdade que se explica.

Ora, isso concerne diretamente a nosso problema.   0 atual

desprezo pelas investigac;6es sobre a Ifngua dos sfmbolos, que

se Ie a simples visao dos sumarios de nossas publicac;6es de

antes e depois da decada de 1920, nao corresponde a nada menos,

 para nos sa disciplina, do que uma mudanc;a de objeto, cuja

tendencia a se alinhar no nfvel mais rasteiro da comunicac;ao,

 para se harmonizar com os novos objetivos propostos a tecnica,

talvez tenha que responder pelo balanc;o bastante sombrio que

os mais lucidos fazem de seus resultados.27

Com efeito, como haveria a fala de esgotar   0sentido da fala

- ou, para dize-Io melhor, com   0   logicismo positivista deOxford,   0 sentido do sentido  -, a nlio ser no ato que   0gera?

Assim, a inversao goetheana de sua presenc;a nas origens - "No

comec;o era a ac;ao" - inverte-se, pOl'sua vez: era realmente   0

verbo ue estava no come~o, e vivemos em sua criac;ao, mas e-_.-

a ac;ao de nosso espfrito que da continuidade a essa criac;ao,

renovando-a sempre. E s6 podemos voltar   as costas para essa

ac;ao deixando-nos impelir cad a   vez   mais   ad iante par ela.

 N6s mesmos s6   0  tentaremos sabend o   que e esse   0  seucaminho ...

 Ninguem deve desconhecer a lei:   essa f6rmula, transcrita do   [272]

humor de urn C6digo de lustic;a, expr ime no entanto a verdade

em que nossa   experiencia se fundamenta e que ela confirma.

 Nenhum homem a desconhece, com efeito,  ja que a lei do homem   ~ t U 'e a lei da Iinguagem,   desde que   as primeiras palavras de reco-   ~   ~p j\

nhecimento presidiram os primeiros dons, tendo sido preciso   r O~\

h   d'·   d . h'   \ ?~o-aver os etestavelS aneses, que vm am e fuglam pelo mar,

 para que os homens aprendessem a temer as palavras enganosas

com os dons sem fe. Ate entao, par a   os pacfficos Argonautas

que uniam pelos lac;os de urn comercio simb61ico as ilhotas da

comunidade,   esses dons, seu ato e seus objetos,   sua instituic;ao

como signos e sua pr6pria fabricac;ao estavam tao misturados

com a fala que eram designados pOl' seu nome.28I

sera nesses dons,   ou entao nas senhas que neles harmonizam   5 I M 1: >OL t).

seu contra-senso salutar, que comec;a a linguagem com a lei?  0"  U L~

Pois esses dons ja sao sfmbolos, na medida em que sfmbolo quer   'D   12 ( £  Il

~izer pacta e em que, antes de mais nada, eles sao significantes   ? A   cliO.

do pacto que constituem como significado: como bem se ve no

fato de que os objetos da troca simb61ica  -   vasos feitos para

ficar vazios, escudos pesados demais para carregar, feixes que

se ressecarao, lanc;as enterradas no solo   -   sao desprovidos de

usa pOl' destinac;ao, senao superfluos pOl'sua abundancia.

Sera essa neutralizac;ao do significante a totalidade da natureza

da linguagem? Tomada pOl'esse valor, encontrarfamos seu esboc;o

nas gaivotas, pOl' exemplo, durante a exibic;ao sexual, materia-lizado no peixe que elas passam umas as outras de bico em bico,

e no qual os etologistas - se realmente cabe vel' nisso com eles

o instrumento de uma agitac;ao do grupo que seria equivalente

a uma festa  -   estariam perfeitamente justificados em reconhecer 

urn sfmbolo.

27.   Cf .   c.I.   Oberndorf,   "Unsatisfactory results,   of psychoanalytic therapy",

Psychoanalytic Quarterly,   19, p.393-407.

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Ve-se q ue   nao recuamos   em   buscar fora do domfnio humano

as origens do comportamento simb6lico. Mas, certamente, nao

atraves de uma elabor a~ao do signo   -   aquela em que se empenha,

ap6s tantos outros,   0 sr .   Jules H.   Masser mann,29   e na qual nos

deteremos pOl' urn instante, nao apenas pelo tom desenvolto com

que ele trilha seu caminho, m as pela acolhida que ela recebeu

dos redatores de nosso   jornal oficial, que, em conformidade comuma tradi~ao retirada d as agencias de emprego, nunca desprezam

nada do que possa for necer a nossa disciplina "boas referencias".

Pensem, pois, num   homem que reproduziu a neurose, ex- pe-

ri-men-tal-men-t e, n um c a o a ma rr ad o s ob re u ma me sa , e pO l'

que meios engenhosos: uma campainha,   0 prato de carne que

ela anuncia e   0 prato de ma~as que chega   inoportunamente   -

dispenso-o s d o re st o. Na o h a d e se r el e   -   pelo menos e   0que

n os a s se gu ra e le pr 6prio   -   quem se deixara apanhar pelas

"amplas rum ina~6es", pois   e a s si m q ue s e ex pr im e, q ue o s

fil6sofos dedicaram ao problema da   linguagem. Ele vai agarra-Io

 pela goela para voces.

Imaginem   'que, pOl' urn   judicioso condicionamento de seusd   30   d'   ..reflexos, consegue-se que urn r ato-I av a 0 1" " s e I rI Ja a s eu

guarda-comida ao Ihe ser apresentado   0cartao onde se pode ler 

seu cardapio. Nao n os   e dito se este faz men~ao aos pre~os, mas

se acrescenta a tirada convinc en te d e q ue , p Ol ' m enos que 0

servi~o   0  ten ha decepcionado,   e le t or nara a r asgar    0 cartao

demas ia da me nt e pr omissor,   como Faria com   as   cartas de urn

infiel uma amante irr itada   (sic).

E sse e urn dos   arcos pelo s q u ai s 0 autor faz passar a estr ada

q ue lev a d o s in al a o sfm bolo. Cir cula-se nela e m mao   du pla,   e

a via de retor no nao   mostra obras de arte   inf eriores.

Pois se, no homem,   voces   associar em   a   pro je~ao   d e   uma   luz

intensa d iante   d e   seus   olhos   0 r ufdo de uma   campainha, e depois

o   mane jo d est a a o se r    emiti da a ordem "contr aia"   (em ingles,

29. Jules   H.  Masser mann, "Language, behavior and  d ynamic psychiatr y",   I nt er.

 J our nal   of   Ps yc!1oan.,   1944,   I   e  2, p.l-S.

30.   Raton-laveur,   assim chamado pOl' laval'   os alimentos antes de ingeri-Ios.   A

especie brasileira desses carnlvoros do genero   Procyon   e   conhecida c omo

guaxinim,   rato-Iavador e mao-pelada, entre outros.   (N.E.)

contract) ,   voces   conseguirao   q ue   0su jeito, ao modular ele mesmo

essa ordem, ao murmura-Ia e, em pouco tempo, ao simplesmente

 produzi-Ia em seu pensamento, obtenha a contra~ao de sua pupila,

ou seja, uma rea~ao do si stema que se diz aut6nom o, pOl' ser  

comumente inacessfvel aos efeitos intencionais . A ss im ,   0 sr .

Hudgins, a acreditarmos em nosso autor,   "criou num grupo de

sujeitos uma configura~ao altamente individualizada de rea~6esafins e viscerais do   sfmbolo ideativo   (idea-symbol)   'contract',

uma rea~ao que poderia ser atribufda, atraves de suas   exper iencias

 particulares, a uma fonte aparentemente longfnqua, m as, na

realidade, basicamente   f isiol6gica: nesse exemplo, a simples

 prote~ao da retina contr a uma luz excessiva". Eo autor concIui:

"A importancia dessas experiencias para a pesquisa psicosso-

mitica e lingtiistf ca nem sequel'   necessita de maior elabora~ao."

Terfamos   no entanto, q uanta a n6s, ficado curiosos em saber 

se os sujeitos assim educad os   tambem reagem   a   enuncia~ao do

m esmo vocabulo, articulad a nas locu~6es   marriage contract,

bridge-contract, breach   o f contract,   ou entao progressivamente

reduzida  a

  emis:;ao de sua prim eira sflaba:   cont ract, contrac,contra, contr ...   A contraprova, exigfvel como metodo rigoroso,

oferece-se aqui pOl' si   s6, pelo murmurio entre dentes dessa sflaba

 pelo lei tor frances que nao houvesse sofrido outro condiciona-

mento se nao a viva luz pro jetada sobre   0 problema pelo sr .   Jules

H. Massermann. Per guntarfamos   entao a este se os   efeitos assim

obser vados nos   sujeitos condicionados continuariam a Ihe parecer 

ca pazes   de prescind ir    tao facilmente d e   ser elaborados. Pois,   ou

 bem eles   nao se produziriam   mais,   assim evidenciando q ue   nao

dependem sequel'   condicionalmente do semantema,   ou bem   con-

tinuariam a se produzir ,   levantando a questao dos   !imites deste

ultimo.

Dito de outr a maneira, eles fariam surgir no pr 6prio instru-

mento da palavr a a  dis tin~ao entr e significant e e signif icado, tao

l~anamente   conf und ida   relo a ut or    no termo   id ea-symbol.   E,

sem precisar inter r ogar as rea~6es   d os   sujeitos   condicionados   a

or dem   d on' t    contr act,   ou   a   conjuga~ao   inteir a   do verba   to

contr act  ,   pod erfamos   f azer o bse rv ar ao   autor    que   0 q ue define

urn elemento   qualquer    d e   uma If ngua   como   per tencente   a   lin-

guagem e   que   ele   se distingue c omo   tal, par a   todos   os   usuar ios

dessa !f ngua,   no suposto   conjunto constituf d o   pelos   elementos

hom610gos.

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Decorre daf que os efeitos particulares desse elemento da

linguagem estao ligados   a   existencia desse conjunto, anterior-

mente a sua possfvelliga<;ao com qualquer experiencia   particular 

do sujeito. E que considerar esta ultima   liga<;aofora de qualquer referencia a primeira consiste, simplesmente, em negar nesse

elemento a fun<;ao propria da linguagem.

Alerta de princfpios que talvez evitasse a nosso autor desco- brir, com uma ingenuidade fmpar, a corres ondencia textual das

categorias da gra _ m'itif a _ d ..£slglnfiincia nas I 6es da r  ~alidade.Esse monumento de ingenuidade, alias de especie bastante

comum nessas quest6es, nao mereceria tantas aten<;6es se nao

fosse obra de urn psicanalista, ou melhor, de alguem que nele   [275]

reune,   como que por acaso,   tudo   0que se produz, numa certa

tendencia da psicanalise, a tftulo de teoria do   ego   ou de tecnica

de analise das defesas, ainda por cima oposto a experiencia

freudiana, assim manifestando   a contrario   a coerencia de uma

sadia concep<;ao da linguagem com a manuten<;ao dessa expe-riencia. Pois a descoberta de Freud e a do campo das incidencias,

na natureza do homem, de suas rela<;6escom a ordem simbolica,e do remontar de seu sentido as instancias mais radicais da

simboliza<;ao no ser .   Desconhecer isso e condenar a descoberta

ao esquecimento, a experiencia a rufna.E declaramos, como uma afirma<;ao que nao pode ser isolada

da seriedade de nossa coloca<;ao atual, que a presen<;a do supra-

evocado rato-Iavador na poltrona em que a timidez de Freud, a

nos fiarmos em nosso autor, teria confinado   0analista, colocan-

do-o atras do diva, nos pareceria preferfvel a do sabio que sustenta

sobre a linguagem e a fala semelhante discurso.Pois   0  rato-Iavador pelo menos, gra<;as a Jacques Prevert

(" Vma pedra, duas casas, tres rufnas, quatro coveiros, urnjardim,

algumas ores, urn rato-Iavador '~   , entrou para sempre no

 bestiano poe   ICO   e, como ral, parfi1:ipa em sua essencia da fun<;ao

eminente do sfmbolo; mas   0 ser a nossa semelhan<;a que assim

 professa   0 desconhecimento sistematico dessa fun<;ao bane-se

 para sempre de tudo   0que possa ser por ela chamado a existir.

Por conseguinte, a questao do lugar que cabe ao citado seme-

31.   Vne pierre, deux nwisons, trois mines, qua~r e!ossoyeurs, un jardin, des

.{leur s , un raton-laveur.   (N.E.)

Ihante na classifica<;ao natural nos pareceria decorrer apenas de

urn humanismo fora de proposito, se seu discurso, ao se cruzar 

com uma tecnica da fala da qual detemos a guarda, nlio fosse

fecundo demais, inclusive gerando nela monstros estereis. Que

se saiba, portanto, ja que ele tambem se vangloria de desafiar a

censura de antropomorfismo, qu.::este e   0ultimo termo de que

nos servirfamos para dizer que ele faz de seu ser   0 padrao detodas as coisas.

Voltemos a nosso objeto simbolico, que por sua vez e muito

consistente em sua materia, ainda que tenha perdido   0 peso de

seu usa, mas cujo sentido impondenivel acarretara deslocamentos

de certo peso. Estarao ai, portanto, a lei e a linguagem? Talvez

ainda nao.

-7   Pois, mesmo que aparecesse entre as andorinhas algum cafde

da colonia que, sorvendo   0   peixe simbolico do bico hiante das   [276]

outras andorinhas, inaugurasse a explora<;ao da andorinha pela

andorinha, cuja fantasia   ur n   dia nos comprazemos em tecer, isso

nao bastaria para reproduzir entre elas a fabulosa historia,   ima-

gem da nossa, cuja epopeia alada nos manteve cativos na ilhados pingiiins, e faltaria alguma coisa para criar urn universo

"andorinizado" .

~ssa "algu~coisa" com leta   0 sfmbolo ll~ra dele fazer alinguagem. Para que   0 objeto simbolico, liberto de seu uso,

transforme-se na a avra hbertaoad O'i.lc   et nunc ,   a diferen<;anao   e a ualidade, sQ.nora,..Jie _ suamateria, mas seu~anes-

cente, on de   0 simbolo encontra a pe.rmanencia do conceito.Pcla   . palavra, que ja e uma presen<;a feita de ause-;;cia, a

au~ncla mesma vem a se nomear em urn momenta ongmal cuja

 perpetua recria<;ao 0 talento de Freud captou na brincadeira da

crian<;a. E desse par modulado da presen<;a e da ausencia, que

 basta igualmente para constituir   0rastro na areia do tra<;osimples

e do tra<;o interrompido dos   kwa   manticos da Chir.a, nasce   0

universo de sentido de uma lfngua, no qual  0universo das coisas

vem se dispor .

Por aquilo que so toma corpo por ser  0vestfgio de urn nada,

e cujo suporte desde entao nao pode alterar-se,   0  conceito,

resguardando a permanencia do que e passageiro,   $era a c~

Pois aindanao e   0 bastante dizer que   0 conceito   e   a propriacoisa,   0que uma crian<;apode demonstrar contrariando a escola.

Eo mundo das alavras ue cria  0mundo das coisas, inicialmente

A L tw A A   ;   {Jf,. €5t:~~f\   f oe   \ .(A

MfA   l\V~ir Jv\A.

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confundidas no   hie et nunc   do todo em devir, dando urn ser 

concreto a essencia del as e dando lugar, por toda parte, aquilo

que e desde sempre:   Kthema es aei.

Ql1.9mem fata, pois, mas pOI'que 0 sfmbolo 0 fez homem.   Se,

com efeito, dons superabundantes acolhem 0 estrangeiro que se

deu a conhecer, a vida dos grupos naturais que constituem a

comunidade esta sujeita as regras da alianc;a, as quais orden amo senti do em que se efetua a troca das mulheres, e aos prestimos

recfprocos que a alianc;a determina: como diz 0 proverbio sironga,

urn parente por alianc;a e uma coxa de elefante. A alianc;a rege

uma ordem preferencial cuja lei,   implicando os ~a-

rentesco, e ara _ ~gru po, como a linguagem, imperativa em suas

formas, mas inconsciente em sua estrutura. Ora,   nessa estrutura,   [277]

cuja-narmonia   a u   cujos Impasses regulam a troca restrita ou

generalizada que nela discerne 0 etn610go, 0 te6r ico,   at6nito,

reencontra tod a   a l6gica das combinac;6es: assim, as leis do

numero, isto e, do sf mbolo mais purificado, revelam-se imanentes

ao simbolismo original.   Pelo menos, e essa riqueza das formas

em que se desenvolvem as chamadas estruturas e]ementares de

 parentesco que as   torn a legfveis. E isso leva a pensar que talvezseja apena~   nossa inconsciencia de sua permanencia que nos

 permite crer    na liberdade das escolhas nas chamadas estruturas

complexas da alianc;a sob cuja lei vivemos.   Se a estatfstica ja

deixa entrever    que essa l iberdade nao se exerce ao acaso, e

 pOI'que uma l6gica subjetiva a orientaria em seus efeito .

E justamente nesse senti do que 0 complexo de Edi , na

medida em que continuamos a reconhec~~lo como abarcando pOl'

sua significac;ao 0 campo inteiro de nossa experiencia, ser ~

declarado em nossa Qostulac;ao como marcando os limites ue

nossa   alsciRli~.'!.....atri _ l£uiEubjetividade: ou seja, aquilo que 0

sujeito pod econhecer de sua participac;ao inconsciente no mo-

vimento das estruturas complexas da alianc;a, verificando os

efeitos simb6licos, em sua existencia particular, do movimentotangencial para 0 incesto que se manifesta desde 0 ad vento de

uma comunidade univer sal.

A Lei primordial, portanto, e aquela que, ao reger a alianc;a,

superp6e 0 reino da cultura ao reino da natureza, entregue a lei

do acasalamento.   A proibic;ao do incesto e apenas 0 eixo subje-

tivo, desnudado pela tendencia modern a a reduzir a mae e a irmait'

os objetos interditados as escolhas do sujeito, alias continuando

a nao ser   facultada toda e qualquer licenc;a para-alem disso.

Essa lei, pOItanto, faz-se conhec u£icientemente..como   id~-

tica a uma ordem de l inguagem. Pois nenhum poder sem as

denominac;6es do parentesco estf    em condic;6es de instituir a

ordem das preferencias e tabus que atam   e   tramam, atraves das

gerac;6es, 0 fio das linhagens. E e justamente a confusao das

gerac;6es que, na Bfbli~, como em todas as leis tradicionais,   e

maldita como a abominac;ao do verba e a desolac;ao do pecador .

Sabemos com efeito da devastac;ao, que chega ate mesmo a

dissociac;ao da personalidade do sujeito, que pode exercer uma

filiac;ao falseada, quando a ressao do meio se emp.enha em

~~tentar -Ihe a mentira.-Ef es podem nao ser menores quando urn

homem, casando-se com a mae da mulher com quem teve urn   [278]

filho, faz com que este tenha pOI' irmao urn filho que sera irmao

de sua mae. Mas se, depois disso   -   e 0 caso nao e inventado

-, ele for adotado por urn casal compassivo em que urn dos

c6njuges seja uma filha de urn casamento anterior do pai, ira

descobrir-se ma is u ma v ez m eio -ir mao de s ua n ova m ae , e

 podemos imaginal'   os sentimentos complexos com que aguar dara

o nascimento de uma crianc;a que sera, ao mesmo tempo, seu

ir mao e seu sobrinho, nessa situac;ao repetida.Do mesmo modo,   a simples defasagem que se produz nas

gerac;6es pOI'   urn f ilho temporao, nascido de urn segundo casa-

mento e cuja jovem mae seja contempodinea de urn   irmao mais

velho,   pode produzir efeitos que se aproximam disso, e sabemos

ter sido esse   0caso de Freud.

Essa mesma func;ao da identificac;ao simb61ica pela qual 0

 pr imitivo sup6e reencarnar 0 ancestral hom6nimo, e que ate no

homem moderno determina uma recorrencia alternada do carateI'

de cada urn, introduz portanto, nos sujeitos submetidos a essas

discordancias da relac;ao paterna, uma dissociac;ao do Edipo em

que convem vel' a mola constante de seus efeitos patogenicos.

De fato, mesmo re resenta~a por uma unica pessoa, a func;ao paterna c~centr~ em si   relac;6es imaginarias   er eals, semlJi'e

mais o~s inade uad  asJtr ~   ac;ao simbo lca que a constltui

essencialmente.   -

E n o e £  O m e   do   p~ue se deve reconhecer 0 suporte da func;ao

simb6lica que, desde 0 limiar dos tempos hist6ricos, identifica

sua pessoa com a imagem da lei. Essa concepc;ao nos permite

estabelecer uma distinc;ao clara, na analise de urn caso, entre os

efeitos inconscientes dessa func;ao e as relac;6es narcfsicas, ou

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entre eles e as  r ela<;6esreais que  0sujeito   mantem   com  a  imagem

e a a<;aoda pessoa q ue   a  e ncarna, daf r esultand o   urn modo de

compreensao q ue ira repercutir na pr6pria condu<;ao das inter -

ven<;6es. A pratica nos   conf irmou   sua fecundidad e, tanto a n6s

quanto aos alunos q ue   ind uzimos a esse metod o. E tivemos

freqiientemente a oportunidade, em supervis6es   ou em casos

comunicados, de salientar   as confus6es pr ejud iciais geradas por seu desconhecimento.

Assim, e a vir tude do ver  ba que perpetua   0 movimento da

Grande Dfvida da qual Ra belais, numa metafora celebre, estende

a economia ate os astr os.   E nao f icaremos surpresos com   0 fatode   0capftulo em que ele nos apresenta, com a inversao macar -

ronica dos termos de parentesco, uma antecipa<;ao das descober -   [2791

tas etnogr aficas mostrar -nos nele a adivinha<;ao su bstantiva32 do

misterio humano que aq ui tentamos elucidar.   ~

Identificada com   0hau   sagrado ou com   0mana   onipresente, a 0Dfvida inviolavel e a garantia de que a viagem para a qual   saD

impelidas as mulheres e os bens reconduza a seu ponto de partida,

num cicIo infalfvel, outras mulheres e outros bens,   portadores deuma entid ade   identica:  0sf m bolo zero, diz Levi-Strauss, reduzindo

a forma de ur n signo algebrico   0 poder da Fala.

Os sf m bolos efetivamente envolvem a vida  d o homem numarede tao total   q ue con jugam, antes que   ele   venha a o mundo,

aqueles que iraQ  gera-Io "em carne e osso"; tr azem em seu

nascimento, com os dons dos astros, senao com   os d ons das

fadas,   0 tra<;ado de seu   d estino;   fornecem   as palavras   que   faraDd ele ur n   f iel   ou urn  re negado, a   lei dos   atos q ue   0 seguir ao ate

ali onde ele ainda nao esta e para-alem de sua pr 6pria   morte; e,

atraves deles, seu fim encontra sentido   no jufzo   final, ond e   0

ver  bo a bsolve seu ser   ou   0con d en a  -   a menos   que ele atin jaa _ realiz~1io...s.l:t8jetiYftd ~e   -   ara-a-mor te.

Servid ao e   grandeza   em q ue s e a niquilar ia   0 vivente,   se   0desejo   nao preservasse seu pa pel   nas interfer encias e n as pulsa-

<;6esque fazem convergir para ele os cicIos d a linguagem,   q uando

a conf usao das Ifnguas mistura-se a eles e as ordens se contrariamnas   d ilacera<;6es d a obra   universal.

Mas,   esse pr6prio desejo, para ser satisfeito no homem, exige

ser reconhecido, pelo acordo da fala ou pela luta de prestfgio,

no sfmbolo ou no imaginario.

o que esta em jogo numa psicanalise e  0 advento, no sujeito,

do pouco de realidade que esse desejo sustenta nele em rela<;ao

aos conflitos simb61icos e as fixa<;6es imaginarias, como meio

de harmoniza<;ao destes, e nossa via e a experiencia intersubjetivaem que esse desejo se faz reconhecer .

Por conseguinte, ve-se que   0 problema e   0 das rela<;6es, no

sujeito, entre a fala e a linguagem.

Tres paradoxos nessas rela<;6es apresentam-se em nosso cam-

 po.

 N~ seja qual for sua natureza, convem reconhecermos,

de urn ado, a li berdade negativa de uma fala que renunciou ase fazer reconhecer, ou   seja, aquilo que chamamos obstaculo a

transferencia, e, de outro lado, a forma<;aosingular de urn delfrio

que - fabulat6rio, fantastico ou cosmol6gico; interpretativo,

reivindicat6r io ou idealista   -   objetiva   0sujeito em uma lingua-

gem sem dialetica.

33

 _    A ausencia da fala manifesta-se nela pelas estereotipias deurn di~ sujeito, pode-se dizer, e mais falado doque fala:   ali reconhecemos os·   sfmbolos do inconsciente sobformas petr ificad as, que, ao lado das formas embalsamad as comque se apr esentam os mitos em nossas coletaneas, encontramseu lugar numa   hist6ria natural desses sfm bolos. Mas e urn errodizer q ue  0su jeito os assume:   a resistencia   a seu reconhecimentonao e menor do   que nas neuroses,   quando   0su jeito e induzidoa ela por uma tentativa de tratamento.

 Note-s e de   passagem que valeria a pena   situar no espa<;osocial os lugares   que a cultura conferiu a esses sujeitos, espe-cialmente q uanto a sua destina<;ao a servi<;os sociais aferentes

da   Iinguagem,   pois nao e'improv av el q  ue nisso   se demonstreurn dos fator es que destinam esses su jeitos   aos efeitos da r u ptura produzida pelas discordancias simb6licas, caracterfsticas das

estruturas complexas da civiliza<;ao.

33. Aforismo d e Lichten ber g: "Ur n   louco que se  im agina   principe s6 difere   d o

 pr inci pe   que efetivamente 0   e   pelo f ato   de aq uele ser   urn  p r inci pe negativo,

enquanto este   e   urn louco   negativo.   Consid erad o s s em   seu   sinal, eles sao

semelhantes."

32.  S ubstantif ique:   alus ao a "La substantif ique lTJ.0elle",d e Rabelais.   Tr ata-se

d o   que   ha   d e  m ais   rico   num texto, em termos de  sub stiincia. (N.E.)

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o   s   gundo caso   e   r e presentad o   pelo campo privilegiad o da

desco   "   alf t ica: ou se ja, os sintomas,   a   ini bi<;ao e a

angustia, na economia constitutiva das diferentes   neuroses.

 Nele, a fala e expulsa do discurso concreto que orden a a

consciencia, mas en contra apoio, quer nas fun<;6es naturais do

sujeito, pOl' menos que urn espinho organico esboce nelas a

hiancia de seu ser   ind ividual em sua essencia,   que faz da doen<;aa introdu<;ao do vivente na existencia do sujeito,34 quer nas

imagens que organizam,   no limite do   Umwelt    e do   lnnenwelt,

sua estrutura<;ao relacional.

o  sintoma, aqui,   e   0 significante de urn   signif icado recalcado

da consciencia do sujeito.   Sfmbolo escrito na areia da carne e

no veu de Maia, ele participa da Iinguagem pela ambigilidade   [281]

> { mantica que ja sublinhamos em sua constitui<;ao.

Mas e uma fala em plena atividade, pois inclui   0discurso do

utro no segredo de seu codigo.

Foi decifrando essa fala que Freud encontrou   a linguagem

 primeira dos sf mbolos,35   ainda viva no sof r imento do homem

da civiliza<;ao   ( Das Unbehagen in der Kultur    [0   mal-estar n a

cultural).

Hieroglif os da histeria,   br as6es da  f obia,   la birintos d a  Zwangs-

neurose;   encantos d a impotencia, enigmas da ini bi<;ao, oraculos

d a   angustia; armas   eloqilentes d o cararer,36   chance la s da   auto-

 puni<;ao, disfarces da   perversao   -   tais sao os her metismos q  ue

nossa exegese   r esolve,   os   equfvocos   que nossa   invoca<;ao   d is-

solve,   os ar tiffcios que   nosso   discur so   absolve,   numa   liberta<;ao

do sentido   a prisionad o q ue   vai   da revela<;ao d o palimpsesto a

 palavra dada do miste rio e   ao perd ao da   f ala.

o  ~o parad oxo da rela<;ao da   Iinguagem   com a   f ala   e   0

do sujeito que perde   seu sentido   nas   objetiva<;6es do discurso.

POl'   mais metaf f sica   que   pare<;a sua   d efini<;ao, nao   pod emos

d esconhecer sua presen<;a   no  pr imeir o plano d e   nossa exper iencia.

Pois nisso esta a aliena<;ao   mais   pr ofunda d o   su jeito d a  civiliza<;ao

34.   Par a obter   imediatamente a conf irma~ao subjetiva desse comentario de Hegel,

 basta ter visto,   na   r ecente epidemia, ur n coelho cego no meio de uma estrada,

erguendo para   0 sol poente   0vazio de sua   visao transmudada em olhar: ele   ehumano   a ponto de ser tnigico.

35. As linhas   supra   e  inf r a   mostram a acep~ao que damos a esse termo.

36.  0 err o   de Reich, ao qual voltaremos, fe-Io to~ar    armas por uma armadur a.

cientffica, e e com   ela   que de paramos   em   primeiro lugar quando

o sujeito come<;a a nos falar de si: do mesmo modo, para

resolve-Ia   inteiramente,   a analise deveria ser levada ao extrema

da sabedoria.

Para for necer d isso uma formula<;ao exemplar, nao poderfamos

encontr ar ter  r eno mais pertinente do que   0uso do d iscurso cor r ente,

fazendo notal' q ue  0

"isso sou"   ["  ce suis- je" ]   da epoca de Villoninverteu-s e no "s ou eu" [" c'est moi" ]   do homem moderno.

o eu do homem moderno adquiriu sua forma, como indicamos

em outro ponto, no   impasse dialetico da bel a alma que nao

reconhece a pr opr ia r az ao de s eu s et~   eladenuncia no mundo.   ..-----

Mas uma safda   se oferece ao su jeito par a a resolu<;ao desse

impasse em q ue d elir a seu discur so. A comunica<;ao pode se   [282]

estabelecer para ele, validamente,   na o bra comum d a   ciencia e

nas utiliza<;6es que   ela ordena na civiliza<;ao universal; essa

comunica<;ao   sera efetiva no interior da enor me o bjetiva<;ao

constitufda pOl' essa   ciencia e the   permitira esquecer sua subje-

tividade.   Ele colaborara eficazmente com a obra comum em seu

trabalho cotid iano e povoara seu lazer com todos os encantosde uma   cultura profusa, que, do romance policial as memor ias

historicas, das   conferenci as ed  ucativas   a   or to pedia   d as   rela<;6es

de   gr upo, dar -Ihe-a meios de esq uecer sua   vid a   e   sua morte,   ao

mesmo tempo   que de   d esconhecer    numa   f alsa   comunica<;ao   0

sentido particular    d e sua vida.

Se   0 sujeito   nao   encontr asse   numa   r egr essao,   muitas vezes

levada a te   0estadio d o espelho,   0espa<;o de uma etapa em   que

seu   eu   contem   suas   fa<;anhas   imaginar ias, quase nao haveria

limites   atr ibuf veis a cred ulid ade   a   q ue ele   tern que   sucum bir 

nessa   situa<;ao. E e  isso q ue tor na temf vel nossa responsa bilid ad e,

quando   Ihe of er e cer n os, c om as manipula<;6es mf ticas   d e   nossa

d outr ina,   uma opor tunidad e   suplementar    de se alienar, na tr indad e

d ecom posta do   ego,   do   superego   e do   id,   pOl' exemplo.Ha   af ur n   muro   d e   linguagem que se   op6e   a   f ala,   e   as

 pr ecau<;6es contr a   0 verbalismo,   q ue sao urn tema d o   d iscur so

d o homem "normal" d e~   cultur a, so   f azem r ef or<;ar -Ihe a

es pessur a.

 Nao   seria inutil avaliar es ta ultima   pela   soma   estatisticamente

determinad a   dos quilos de papel impresso, dos q uil6metros d e

sulcos discogrMicos e   d as   hor as de transmissao r ad iofOnica   que

a   ref erid a   cultura pr oduz   per    capita   nas   zonas   A,   Bee de sua

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We are the hollow men

We are the stuffed men Leaning together 

 Headpiece filled with straw. A/asP7 

e assim por diante.

faria acentuar este trac;o o posto: que seu caniter simbolico nunca

foi mais patente. A ironia das revoluc;6es e que elas geram urn

 poder ainda mais absoluto em seu exercfcio, nao, como se

costuma dizer, por ele ser mais an6nimo, mas por estar mais

reduzido as palavras que   0 significam. E mais do que nunca,

 por outro lado, a forc;a das igrejas reside na linguagem que elas

souberam conservar: instancia, convem dizer, que Freud deixouna penumbra no artigo em que nos desenha   0que chamaremos

de subjetividades coletivas da Igreja e do Exercito.

A psicanalise desempenhou urn papel na direc;ao da subjeti-

vidade moderna, e nao pode sustenta-Io sem ordena-Io pelo

movimento que na ciencia   0 elucida.

E   esse   0   problema dos fundamentos que devem assegurar a   [284]

nossa disciplina seu lugar nas ciencias: problema de formaliza-

c;ao, na verdade muito mal introduzido.

Pois parece que, retomados justamente por urn capricho do

espfrito medico em oposic;ao ao qual a psicanalise teve que se

constituir, foi a exemplo dele, com urn atraso de meio seculo

em relac;ao ao movimento das ciencias, que procuramos ligar-nos

a elas.

Objetivac;ao abstrata de nossa experiencia em princfpios fictf -

cios ou simulados do metoda experimental: af encontramos   0efeito

de preconceitos cujo cam po, antes de mais nada seria preciso

limpar, se quisermos cultiva-Io segundo sua estrutura autentica.

Praticantes da func;ao simbolica, e es antoso ue nos esqui-

v em os d e a pr ou n a-   a, a ponto de desconhecer que e ela que

nos situa no cerne   0movimento que instaura uma nova or   em

das ciencias, com urn novo questlOnamento da antro ologia.

Essa nova ordem nao slgmfIca nada alem de urn retorno a

uma noc;ao de ciencia verdadeira que ja tern seus tftulos   inscritos

numa tradic;ao que parte do   Teeteto.   Essa noc;ao se degradou,

como se sabe, na inversao positivista que, colocando as cienciasdo homem no coroamento do ediffcio das ciencias exper imentais,

na verdade as subordinou a estas. Essa noc;ao provem de uma

visao err6nea da historia da ciencia, baseada no prestf gio de urn

desenvolvimento especializado dos experimentos.

Mas, hoje em dia, vindo as ciencias conjecturais resgatar a

noc;ao da ciencia de sempre, elas nos obrigam a rever a classi-

ficac;ao das ciencias que herdamos do seculo XIX, num sentido

que os espfritos mais lucidos denotam claramente.

area. Esse seria urn belo objeto de pesquisa para nossos orgaos

culturais, e nele verfamos que a questao da linguagem nao esta

inteiramente contida na area das circunvoluc;6es em que seu uso

se reflete no indivfduo.

A semelhanc;a dessa situac;ao com a alienac;ao da loucura, na   [283]

medida em que a forma dada mais acima e autentica, ou seja,

e m q ue n el a   0   sujeito e mais falado do que fala, ressalta

evidentemente da exigencia, suposta pela psicanalise, de uma

fala verdadeira. Se essa conseqiiencia,   q ue l ev a a o l im it e o s

 paradoxos constitutivos de nossa formulac;ao atual, fosse voltada

contra   0 proprio born senso da perspectiva psicanalftica, confe-

rirfamos a essa objec;ao toda a sua pertinencia, mas para nos

vermos confirmados por ela: e isso, por uma inversao dialetica

em que nao nos faltariam padrinhos autorizados,   a comec;ar pela

denuncia hegeliana da "filosofia do cranio" e detendo-nos so-

mente ante a advertencia de Pascal, que ecoa, des de   0despontar 

da era historica do "eu", nestes termos: "os homens saD tao

necessariamente loucos que seria, enlouquecer por uma outra

forma de loucura nao ser louco.''\-::::::::;

Isso nao quer dizer, no entanto, que nossa cultura avance por 

trevas externas a subjetividade criadora. Esta, ao contrario, nunca

deixou de militar naquela para renovar    0 poder jamais esgotado

dos sfmbolos, na troca humana que os traz a lume.

Levar em conta   0 pequeno numero de sujeitos que sustentam

essa criac;ao seria ceder a uma perspectiva romantica, cotejandoo que nao e equivalente. 0 fato e que essa subjetividade, em

qualquer campo que aparec;a, matematico, polftico, religio so o u

 publicitario, continua a impulsionar em seu conjunto   0 movi-

mento humano.   E uma mirada nao menos ilusoria decerto nos

37.   "Somos os homens ocos  I  Somos  os   homens empalhados   I Todos encostados,

I  Com   0 capacete cheio de palha.   Ai de nos!" (N.E.)

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Basta acompanhar m os a evol ur  ,;ao concreta das disciplinas

 para nos a percebermos disso.

A   Iinglif stica pode servir -nos de guia neste ponto,   j a q ue e

esse   0 papel que ela desempenha na   vanguarda da antropologia

contemporanea, e nao poder f amos ficar -Ihe indiferentes.

A forma de matematizar ,;ao em que se inscreve a descoberta

do Jonema,   como funr ,;ao dos pares de oposir ,;ao compostos pelosmenores elementos discriminativos captaveis da semantica, leva-

nos aos proprios fundamentos nos q uais a doutrina final de Freud 

aponta,   numa conotar ,;ao vocalica da presenr ,; a e d a ausencia, as   [285]

origens sub jetivas d a f un r,;ao   simbolica.

E a redur,;ao de todas as If nguas   ao grupo de um numero

 pequenfssimo dessas   oposir ,;6es fonemicas, dand o infcio a uma

formalizar,;ao igualmente rigorosa de   seus mais elevados morfe-

mas,   coloca a nosso alcance uma abordagem estrita de nosso

campo.

Cabe a nos com ela nos aparelharmos para encontrar af nossas

incidencias,   como ja faz, pOI' estar numa Iinha paralela,   a etno-

grafia,   decifrando os mitos segundo a sincronia dos mitemas.

 Nao   e   patente q ue um Levi-Str auss,   ao sugerir    a   implicar ,;ao

das estruturas da Iinguagem e da parte das leis sociais que   r ege

a   alianr ,;a e   0 parentesco, ja   vai conquistando   0 ten'eno mesmo

em que Freud assenta   0 inconsciente?38

POI' conseguinte, e impossf vel nao central'   num a t eor ia geral

do sfmbolo uma nova classificar,;ao das ciencias em q  ue as

ciencia s d o ho me m r et om em s eu   lugar central, na condir ,;ao de

ciencias da subjetividade. Ind iq uemos   0 pr incfpio   d isso,   q ue   nao

deixa de invocar uma elaborar,;ao.

A funr,;ao simbolica apresenta-se como um duplo movimento

no su jeito:   0homem faz de   sua ar,;ao um objeto, mas para a ela

devolv er e m t em po h abil s eu   lugar fundador .   Nesse equfvoco,

q ue opera a todo instante, reside tod o   0 progresso de uma funr ,;aoem que se alter na m a a r  ,;ao e   0conhecimento.39

Exemplos tom ados de emprestimo, um dos bancos escolares,

out ro d o q ue h a d e m ais vivo em nossa epoca:

38.   Cf .   Claud e Levi-Str aus s, "Language and the a nalysi s o f    social   laws",

 America"    Anthr o pologist,   vo1.53, nL'2,  abr il- junho   d e 1951, p.155-63.

39.   Esses   ultimos   quatr o   panigr af os   for am r ees'cr itos (1966).

-   0 pr imeiro,   matematico: primeiro tempo,   0homem   objetiva

em dois numer os c ar  d i na is d  uas coler,;6esq ue cont ou; segundo

tempo, reali za c om   esses numeros   0 ato de   ad iciona-Ios   (d. 0

exemplo citado pOl' K ant na introdur,;ao   a   estetica transcendental,

§IV da   2!!  edir,;ao da   Crftica da razao pura);

-   0 segundo, historico:   pr imeiro tempo,   0 homem   q ue t ra-

 balha na produr,;ao em nossa sociedade inclui-se na categoria dos proletar i os; se gu nd o t em po , e m n om e d ess e v fn cu lo , ele fazgreve gera!.

Se esses dois exemplos br otam,   para nos,   dos cam pos mais   [286]

contrastantes no concreto -   0 funcionam en to c ad a v ez m ai s

Ifcito da lei matematica, a face implacaveI da   explorar,;ao capi-

talista -, e que, embora eles nos   par er,;am provir de muito   longe,

seus efeitos vem a constituir nossa subsist en ci a, e justamente

 pOI' se cruzarem numa dupla   inversao:   a mais subjetiva ciencia

forjou uma nova realidade,   as trevas da divisao social armam-sede um sfmbolo atuante.

Aqui, ja   nao   parece aceitavel a oposir,;ao que se trar ,;aria entre

as ciencias   exatas e aq uelas para as quais nao ha pOI'que declinar 

da denominar ,;ao   d e conjecturais, pOI' falta   de fundamento par aessa oposir ,;ao.40

Pois2-   exatid ao se distingue da verd ade e a con jectur a nao

impede   0 rigor .   E, se a ciencia experimental   herda das matema-

ticas sua exatidao,   nem pOI'  isso sua relar ,;a o co m a   natur eza emenos problematlca.

Se nosso vfnculo com a natureza real mente nos incit a a n os

 perguntar mos, poeticamente,   s e na o e s eu   propr io   movimento

q ue encontr amos   em   nossa ciencia,

...   essa vo z

Que se reconhece   ao soar 

Jd   nao ser vo z de ninguem

Como e de   bosques e mar,41

esta clar o q ue nossa   f fsica e apenas uma fabricar,;ao   mental   cu jo

instrumento e   0 sfmbolo   matematico.

40.   Esses   d ais ultimos paragr af os   f or am r eescritos   (1966).

41.   " ...   cet te voi x   / Qui se connalt quand elle   sonne   /   N'etr e   plus   la voi x de

 per .wnne   /   Tam que   d es ond es el d e  bo is.. ..",   Paul   Valery.   (N.E.)

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Pois a ciencia exper imental   nao se d efine tanto pela q uantid ade

a   que ef etivamente se aplica,   mas   pela medid a   que introd uz no

rea!.

Como se ve pela me di da do tem po, sem a qual ela.   seria

impossfve!.   0rel6gio de Huygh~ns,   0 unico. a ,the confenr .sua

 precisao, e apenas   0 6rgao reahzad or d~ hlpotese de G~hl:u

sobre a eqUigravidade dos COI'pOS,ou sep, sobre a acelela~aouniforme, que confere sua lei, por ser a mesm.a, a tod~ queda.

Ora e divertido salientar q  ue   0 aparelho f OI c onclUld o antes

q ue a hi p6tese pudesse ser confirmada pela observa~ao, e que,

em vista disso, ele a tor  nou inutil no ex?ato momento em que

lhe ofereceu   0   instrumento d e se u ri go r  .4-

Mas a matematica pode simbolizar urn outro tempo, notada-

mente   0 tempo mtersub jetivo que estrutura a a~a? humana, d .o

. qual a teoria dos   jogos, ainda chamada de estrategla, e ~ue mals

valeria chamar de  estocastica,   come~a a nos fornecer as formulas.

o   autor destas linhas tentou demonstrar, na l6gica de um

sofisma,   a s m ol as d e t em po pelas quais a a~ao humana, na

medida em que se ordena pela a~ao do outro, encontra. ~a

escansao de suas hesita~6es   0advento de sua cer teza e, na decisao

que a conclui , da   a   a~ao do outro, que desde entao .ela passa. a

incluir com sua san~ao q uanto ao passado, seu   sentI do ~~r VIr .

Ali se demonstra que e a certeza antecipad a pelo sU jelto no

tempo para compreender    que, pela pressa que. p!ecipita   0 ! ! ! : ! l ;

~ent o d e conclulr,   determina no outro a decIsao que faz do

' pr6prio movimento do su jeit o e rr o ou   ver dad e. .

Ve-se pOl' esse exemplo   como a formaliza~ao matematlca q ue

inspirou a 16gica   d e Boole, ou   a teoria   d os conjunto.s, pod e ~ra~er 

a   ciencia da a~ao humana a estrutura do tem po mter subj.etlvo

da q ual a conjectur a p si canalftica necessita para se gar antlr em

seu   r igor. " .   .

Se, pOl'   outro lado, a   hist6ria da   tecmca hlst.onad.o:a   ~ostraq ue seu   progresso se define no i deal ,de. ~ma   Identlf l.ca~.ao   d a

su b jetividade do historiad or com a   su b jetlvldad e constltut lv a da

42.   Cf.,   quanto   a   hip6tese galileana e ao rel6gio   d e Huyghens, "A~ experiment

in measur ement", de Alexand r e   K oyr e,   Pr oceed ings o f the Amencan   Pluloso-

 phical   Society ,   yol.27, a br il d e   1953. . Nossos dois ultimos   panigr afos for am   r eescntos (1966).

histor iciza~ao pr imaria em que se humaniza   0acontecimento,   e

claro que a psicanalise encontra af seu alcance exato: ou seja,

no conhecimento, como realizador desse ideal, e na eficacia,

como nela encontrando sua razao.   0exemplo da hist6r ia tambem

dissipa, qual uma miragem,   0recurso   a   rea~ao vivida que obceca

nossa tecnica e nos sa teoria, pois a historicidade fundamenti',ll

do acontecimento que guardamos basta para conceber a P-Q.Ssi-6ilid ad e d e uma   reprodu~ao su6jetiva do ass   0no ore te.

mms, esse exemplo nos faz apreender como a regressao

 psicanalf ti ca i m plic a a q  uela dimensao progressiva da   hist6ria do

sujeito que Freud    nos sublinha faItar ao conceito junguiano da

regressao neur6tica, e compreendemos como a pr6pria experien-

cia renova essa   progressao, garantindo seu desfalq ue.

Por f  im, a referencia   a   lingUfstica nos introduzira no metodo

que, ao distinguir as estrutura~6es sincronicas das estrutura~6es

diacronicas na   linguagem, pode permitir -nos compreender me-

Ihor    0valor d if erente que nossa linguagem assume na interpre-

ta~ao das resistencias e da transferencia,   ou entao diferenciar os

efeitos ttpicos   d o recalque e a estrutura do mito individual na

neurose obsessiva.

 J  0   Sabemos da   lista de disciplinas que reud apontava como

 I "  ~0   devend o constituir    as cienc ia s a ne xa s d e uma Fa.cul?ad.e ideal

\   de psicanalise. Nela encontramos, ao lade da pSlgUlatna e da

sexologia, " a hist6r ia d a ci vili za ~a o, a mitologia, a psicologia

'das religi6es, a   hist6r ia e a crftica   Ijterfirjas"

o  co n junto dessas materias, que determina   0 cursus   de urn

ensino tecnico,   inscreve-se normal mente no   triangulo epistemo-

16gico que ja descrevemos, e que forneceria seu metoda a urn

ensino superior de sua t eo ri a e sua tecnica.

A ele acrescentarfamos de born grado, pOl'   nos so turno: a

ret6rica, a dialetica, no sentido tecnico que esse ter  mo assume

KOs   1 ' 6    leos   de Arist6tele s, a gram atlc a e , auge su premo daestetica da linguagem, a poetica, que incluma a tecmca, elxa a

na-0t5scundade, do chiste.

~   E  se essas   r u bricas para alguns evocassem   r essonancias meio

obsoletas, nao   nos repugn ar ia endossa-Ias como urn   retor no a

nossas origens.

Pois a psicanalise, em seu desenvolvimento inicial, ligado   a

desco berta e ao estudo dos sfmbolos, iria par ticipar da estrutura

do q ue se chamava, na Idade Media, "artes li berais".   Privadao   ..t-   .\.   .,   r  . '"   0 . ~/   .   •

o   V\ A6   '\.   .   0-0-..-   CA. ""'-'.   J<.7/P A.Na'   4 ~   w -v .: -w '   /

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como estas de uma   ver d adeir a formaIiza<;ao, eia se organizaria,

a   semelhan<;a delas, num corpo de pr oblemas privilegiados, cada

q ual promovido por uma r ela<;ao fortuita do h om em co m s ua

 pr opr ia medida, e   extraindo dessa particular idade um encanto e

uma humanidade quepodem compensar , a nos so ver,   0 aspecto

urn tanto   r ecreativo da apresenta<;ao   d eles.   Nao desdenhemos

desse aspecto nas primeiras   ela bora<;6es da psicanaIise; ele naoexprime nada   'menos, com efeito,   do que a r ecria<;ao do sentido

humano nos   aridos tempos do cientificismo.

Desdenhemo-Ios ainda menos na medida em que   a psicanalise

nao elevou   0 nfvel,   ao enveredar pelos   f alsos caminhos   d e uma

teoriza<;ao contraria   a   sua   estrutura dialetica.

Ela so dara f undamentos cientfficos   a   sua teoria e a   sua   tecnica

ao formalizar adequadamente   as dimens6es essencia is de s ua

experiencia, que sao,   juntamente com   a   teor ia historica do

sfmbolo,   a logica intersu bjetiva e a tempor aildade d o su jeito.-

III.   AS   R ESSONA. NCIAS DA INTER PR ETA<;Ao   E 0TEMPO   DO SUJEITO NA TECNICA   PSICANALITICA

Entr e   0homem   e   0 amor ,

Existe   a mulher .

Entre   0homem e  a  mulher,

Existe urn mund o,

Entre   0homem e   0mund o,

Existe   urn mur o.43

(Antoine   Tudal,   in  P ar is   en l' an 2000)

 Nam   Sibyllam q uid em Cumis   ego i pse oculis meis   vidi   in

ampulla pender e, et   cum   illi   pueri dicerent:   S ib ylla   ti teleis

respondebat   ilia:  ap othanein   t helo. (Sat  yr icon,   XLVIII)

R econduzir a ex periencia psicanalf tica   a   fala   e   a   Iinguagem,

com o a seus f undamentos, interessa sua tecnica . S e  eia   nao se

inser e no i nef avel, descobre-se   0 d eslizamento q ue se operou,'

sem pre em senti  do   unico, afastando a   interpreta<;ao d e   seu

43. E lllre   l' homme et I ' amour, I Jl y a lafem1 J  Ie. I  E ntr e   l' homme et    la f emme,

 Ill y a   un monde. I   E nt re l' homme   et Ie  mond e. I  J l y  a   un mur .   (N.E.)

 princfpio. POl'tanto,   temos base para desconfiar que esse desvio

d a   pratica   motiva as novas metas a q ue se abre a teor ia.

Examinando mais de perto, os problemas da inter  preta<;ao

sim bolica come<;ar am por intimidar nosso pequeno mundo, antes

d e   se tornar embara<;osos. Os sucessos obtid os por Freud sur -

 pr eendem agor a pela sem-cerimonia da   doutrina<;ao   de que   [290]

 parecem pr oceder, e a exposi<;ao   q ue dela se o bserva nos   casosde Dora, do   Homem do s   Ratos   e   d o Homem d  os Lobos nao

d eixa de no s   escandalizar .   E ver dad e   que   nossos doutos nao

hesitam   em   por    em duvid a   que essa fosse uma boa tecnica.

Esse desapre<;o ef etivamente decorre,   no movimento psicana-

Iftico, d e   uma confusao d as Ifnguas da qual,   numa conhecida

d ecIara<;ao de epoca recente, a personalidade mais   r epresentativa

d e sua atual hierarquia nao fazia mister io conosco.

E bastante notavel que essa confusao aumente com a pr etensao

com   q ue todos se creem autor izados a descobr ir em n ossa

ex periencia as condi<;6es de uma ob jetiva<;ao consumada e com

o   fervor que parece aco]her esses ensaios te oricos,   na medida

mesma   em que eles se revelam mais desreais.

E certo que os princfpios da analise das resistencias,   por   mais

 bem fundad os que sejam, deram enseJo, na pratte a, a ur n des-

conhecimento cada v ez maior    do sujeito, por nao serem com-

 preendldos em sua rela ao com a intersubjetividade da tala.

. Com efeito, acompanhando   0   processo as pnmeiras sete

sess6es que nos san integral   mente narradas no caso do Homem

dos Ratos, par ece pouco provavel que Fr eud nao tenha reconhe-

cido as resistencias instauradas nelas,   isto e, ali mesmo onde

nossos tecnicos modernos nos dao a Ii<;ao de que Freud    d eixou

 passar a ocasiao, uma vez   q ue e s eu   proprio texto que Ihes

 permite aponta-Ias   -   manifestando mais uma vez   0esgotamento

do assunto que nos deslumbra nos textos freudianos, sem   q ue

nenhuma interpreta<;ao   haja ainda esgotado seus recursos.Queremos dizer que ele nao apenas se deixou levar a incentivar 

seu sujeito a superar suas primeiras hesita<;6es, como tambem

compreendeu perfeitamente   0   alcance sedutor desse jogo   no

imaginario. Par a   nos convencermos disso, basta nos reportar mos

a   descr i<;ao q ue ele nos fornece da ex pressao de seu paciente

d urante   0 penoso relato do suplfcio re pr esentado que serve de

tema para   sua o bsessao,   0 do rata introd uzido   a   for <;a no anus

do supliciado: "Seu rosto", d  iz-no s el e, "refletia   0   horr or de

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urn gozo ignorado." 0 efeito atual da repeti<;:ao desse relato nao

e sc ap a a F re ud , e n em,   pOl'   conseguinte, a identifica<;:ao do

 psicanalista com   0 "capitao cruel" que fez esse relato entrar 

vigorosamente na mem6ria do sujeito, nem tampouco, portanto,   [291]

a importancia dos esclarecimentos te6ricos cu jo penhor    0sujeito

requer para prosseguir em seu discurso.

Longe, no entanto, de interpretar a resistencia ali, Freud nossurpreende aced endo   a   solicita<;:ao dele,   e a tal ponto que parece

entrar no jogo do sujeito.

Mas   0carater extremamente aproximativo   -   a ponto de nos

 parecer vulgar    -   das explica<;:6es com que ele   0satisfaz e-nos

suficientemente instrutivo: ali, nao se trata tanto de doutrina,

nem tampouco de doutrina<;:ao, mas de urn dom simb61ico da

fala, prenhe de urn pacto secreto, no contexto da participa~ao

imagimiria que   0 inclui e cuja importancia se revelara, mais

tar de,   na equivalencia sim b6lica que   0 sujeito institui em seu

 pensamento entre os ratos e os tlorins com que remunera   0

analista.

Vemos pois que Freud, longe de desconhecer a resistencia,

serve-se dela como uma disposi~ao propf cia ao acionamento das

ressonancias da fala, e se conforma, na medida do possivel, com

a defini~ao inicial que fomeceu da resistencia, servindo-s e d el a

 para implicar    0 sujeito em sua mensagem. Do mesmo modo,

muda bruscamente de assunto tao logo percebe que, ao   ser tratada

com indulgencia, a resistencia gira no sentido de manter   0dialogo

no nivel de uma con versa em que,   a partir de entao,   0 sujeito

 perpetuaria sua sedu~ao e sua esquiva.

Mas, aprendemos que a analise consiste em   jo ga r c om o s

multiplos alcances da d ivis~o que a (ala constItul nos reglstr os

dalTi1guagem: dm decorre a sobredetermma~ao, que s6 tern

senhdo nessa ordem.

E captamos,   ao mesmo tempo, a mola do sucesso d e   Freud.Para que a mensagem do analista responda   a   interroga~ao pro-

funda do sujeito, e preciso, de fato,   que   0sujeito a escute como

a resposta que Ihe e par ticular, e   0 privilegio, que tinham os

 pacientes de Freud de rece be r a s bo as n ov as d a pr 6pr i a b oc a

daquele que era seu arauto satisfazia neles essa exigencia.

 Note-se de passagem que, aqui,   0 sujeito tivera uma   previa

delas ao entreabrir a   Psicopatologia da vida cotidiana,   obra

entao no frescor de sua p u blica~ao~

Isso nao q uer dizer que esse livro seja   muito mais conhecido

agora,   nem mesmo pelos psicanalistas, mas a vulgariza~ao das

no~6es freud ianas   na consciencia comum, seu ingresso no que

chamamos de muro da linguagem, atenuaria   0 efeito de nossa

fala, se Ihe conferissemos   0estilo das coloca~6es feitas pOl' Freud 

ao Homem dos Ratos.

Mas nao se trata aqui de imita-Io. Para resgatar    0efeito daf al a d e F re ud , n ao e a se us   termos que recorremos, mas aos

 princfpios que a regem.

Esses princfpios   nao sac outra coisa senao a dialetica da

consciencia de si, tal   como se realiza, de S6crates a Hegel, a

 partir da suposi~ao ironica de que tudo   0 que e racional e real,

 para se precipitar no   juizo   cientifico de que tudo   0que e real e

racional.   Mas a descoberta freudiana consistiu em demonstrar 

que esse processo verificador s6 atinge autenticamente   0 sujeito

ao descentra-Io da consciencia de si, em cu jo eixo ela era mantida

 pela reconstru<;:ao hegeliana da fenomenologia do espirito: ou

seja, ela toma ainda mais caduca qualquer busca de "conscien-

tiza~ao" que, para-alem de seu fenomeno psicol6gico, nao se

inscreva na conjuntura do momenta particular,   0 unico a dar 

corpo ao universal,   e sem   0qual   ele se dissi pa na generalidade.

Essas observa~6es definem os limites em que e impossivel a

nossa tecnica desconhecer os momentos estruturantes da feno-

menologia hegeliana: em primeir o l ug ar , a di aletica do Mestre/

Senhor    e do Escravo, ou a da bela alma e   d a lei do cora~ao, e,

de modo geral, t ud o   0 q ue n os p er mite compreender como a

constitui~ao   do   objeto se su bordina   a   realiza~ao do su jeito.

Mas se restava alg o d e p rof e ti co n a exigenc ia , p ela   q ual se

avalia   0   talento d e H eg el , d a i de nt id ad e intrinseca entre   0

 particular e   0 universal, foi   justamente   a   psicanalise   q ue Ihe

trouxe seu par ad i gm a , a o   des velar a estrutura em que essa

id entidade se r  ealiza como desarticulad ora do su jeito, e semapelar para   0 amanha.

Digamos   apenas   que a i esta   0que, para   n6s, ob jeta a qualquer 

referencia   a   totalidade no individ uo, ja q  ue   0 su jeito introduz

n el e a d  ivisao,   bem   como   no coletivo q ue e s eu   eq uivalente.   A

 j?sicanalise e , propr  iamente,   0 que remete ur n   e outr o   a   s'liir 

~d i~ao de   mir agem,

Ao q ue   par ec e, i sso j a nao poderia ser   esquecido,   nao fosse

 pr ecisamente   0 en sino d a psicanalise que e passivel   de esqueci-

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mento - coisa da qual se verifica, por urn retorno mais legftimo

do que se sup6e, que a confirmac;ao nos vem dos pr6prios

 psicanalistas, pelo fato de suas "novas tendencias" representarem

esse esquecimento.

Pois se Hegel, por outro lado, vem muito a prop6sito dar urn

sentido que nao seja de estupor    a   nossa chamada neutralidade,

n ao e q ue n ao t en ha mo s n ad a a e xt ra ir d a e la st ic id ad e d amaieutica de S6crates, ou do fascinante processo da tecnica em

que Platao a ela nos apresenta   -   nem que seja para provar em

S6crates e seu desejo   0 enigma intacto do psicanalista, e para

situar em relac;ao   a   escopia platonica nossa relac;ao com a

verdade: nesse caso, de urn modo que respeite a distancia

existente entre a reminiscencia que Platao e levado a supor em

todo advento da ideia e   0 esgotamento do ser que se consuma

\   na repetic;ao de Kierkegaard.44

'- -0   Mas ha tambem uma diferenc;a hist6rica, que nao e inutil

aquilatar, desde   0 interlocutor de S6crates ate   0nosso. Quando

S6crates se ap6ia numa razao artesanal, que ele tambem pode

extrair do discurso do escravo, e para fazer com que mestres e

senhores autenticos ten ham acesso   a   necessidade de uma ordem

que fac;a justi~a de seu poder e fac;a das palavras essenciais da

 p61is uma verdade. N6s, porem, Iidamos com escravos que se

tomam por mestres e senhores e que en con tram numa linguagem

de missao universal   0 esteio de sua servidao, com os grilh6es

de sua ambigiiidade. Tanto que poderfamos dizer, com humor,

que nossa meta e restabelecer neles a liberdade soberana que

demonstra Humpty Dumpty ao lembrar a Alice que, afinal, ele

e   0 mestre e senhor do significante, se nao   0 e do significado

em que seu ser adquiriu forma.

Sempre encontramos, pois, nossa dupla referencia   a   fala e   aIinguagem. Para liberal'   a fala do sujeito, n6s   0 introduzimos na

Iinguagem de seu desejo, isto e, na   linguagem primeira   em que, para-alem do que ele nos diz de si, ele ja nos fala   a   sua revelia,

e prontamente   0 introduzimos nos sfmbolos do sintoma.

E   realmente de uma linguagem que se trata, com efeito, no

simbolismo exposto na analise. Essa   linguagem, correspondendo

ao anseio   ludico que podemos encontrar num aforismo de Lich-

tenberg, tern   0 carateI' universal de uma Ifngua que se fizesse

ouvir em todas as outras lfnguas, mas que, ao mesmo tempo,

 pOl' ser a   linguagem que capta   0desejo no ponto exato em que

ele se humaniza, fazendo-se reconhecer, e absolutamente peculiar 

ao sujeito.

 Linguagem primeira,   dizemos tambem, com   0que nao que-

remos dizer Ifngua primitiva, uma vez que Freud, que podemoscomparar a Champollion pelo merito de Ihe tel' feito a descoberta

total,   decifrou-a pOl' inteiro nos sonhos de nossos contempora-

neos. Do mesmo modo, seu campo essencial e definido com

certa autoridade pOl' urn dos preparadores mais cedo associ ados

a esse trabalho, e urn dos raros a tel' trazido algo de novo:

refiro-me a Ernest Jones,   0ultimo sobrevivente daqueles a quem

foram dados os sete aneis do mestre, e que atesta, pOl' sua

 presenc;a nos cargos de honra de uma associac;ao internacional,

que eles nao estao reservados unicamente aos portadores de

relfquias.

 Num artigo fundamental sobre   0 simbolismo,45   0 dr .   Jones,

ali pela pagina 15, observa que, embora existam milhares de

sfmbolos, no senti do como a analise os entende, todos se rela-

cionam com   0  pr6prio corpo, com as relac;6es de parentesco,

com   0 nascimento, a vida e a morte.

Essa verdade, aqui reconhecida de fato, permite-nos c om-

 preender que embora   0sfmbolo, psicanaliticamente falando, seja

recalcado no inconsciente, ele nao traz em si nenhum fndice de

regressao ou de imaturidade. Basta, pois, para que surta efeitos

no sujeito, que ele se fa~a ouvir, pois esses efeitos se dao sem

o conhecimento dele, como   0 admitimos em nossa experiencia

cotidiana ao explicar muitas reac;6es, tanto dos sujeitos normais

quanto dos neur6ticos, pOl' sua resposta ao sentido simb6lico de

urn ato, uma relac;ao ou urn objeto.

 Nao h::iduvida, pOl"tanto, de que   0 analista pode jogar com   0

 poder do sfmbolo, evocando-o deliberadamente nas ressonancias

semanticas de suas coloca~6es.

Essa seria a via de urn retorno ao uso dos efeitos simb61icos

numa tecnica renovada da interpretac;ao.

45.   "Sur    la theorie   d u symbolisme",   British   Journal   (!{ Psychology,   IX,   2.

Reprod uzido em   Papers   on Psycho-Analysis.   ef .,   aq ui mesmo, p.704ss.

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Pod erfamos o bter uma referencia   disso no q ue a tradic;ao hinduensina so bre   0d hvani,46  por   d istinguir a propriedade que tern a

fala de fazer ouvir   0que ela   nao diz. Assim e que ela a ilustra

com uma historieta cuja   ingenuidade, que parece ser a regranesses exemplos, mostr a ur n humor suficiente para nos induzir a penetrar na verdade que ela conter n.

Uma jovem, dizem-nos, espera seu amado a beira de urn

riacho, quando ve   urn   bramane dirigir seu passos para la. Vai

ate ele e exclama, com   0 tom da mais amavel acolhida: "Que

d ial   0 cao q ue   neste rio   0assustava com seus   latidos nao estani

mais por aq ui, pois acaba de ser   d evorado por urn Ieao quefreqUenta as redondezas ..."

A ausencia do leao, portanto,   pode ter tantos efeitos quantoo saIto que, estando presente, ele efetua uma s6 vez, segundo   0

 proverbio apreciado por Freud.

o carater   primeiro  dos sfmbolos aproxima-os, com efeito, dos

numeros dos quais todos os outros se comp6em, e pOltanto, se

eles sao subjacentes a todos os semantemas da Ifngua, poderemos,

 por uma discreta pesquisa de suas   interferencias, ao longo de

uma metcifora cu jo deslocamento simb61ico neutralize os sentidossegundos dos ter mos q ue ela associa, restituir a fala seu plenovalor de evocac;ao.

Essa tecnica exigiria, tanto para ser ensinada quanta para ser 

aprend ida, uma pr ofund a assimilac;ao dos recursos de uma Ifngua,

e especialmente dos   q ue se realizaram concretamente em seus

textos poeticos. Sa bemos que foi esse   0caso de Freud quanta

as letr as alemas, incluind o-se   nelas   0teatro de Shakespeare, em

virtude de   uma   traduc;ao  f m par .   Tod a a sua obra e testemunho

disso, ao mesmo tem po   que   d o recurso q ue ele encontr a inces-

santemente ali, nao   menos em   sua   tecnica do q  ue e m sua

descoberta. E sem pre jufzo  do a poio d e ur n conhecimento classico

dos Antigos, de   uma iniciac;ao   moder n a no folclore e de   uma

 participac;ao   interessada   nas   conq uistas   d o humanismo contem- poraneo no campo etnogrcifico.

46.   Tr ata-se   d o ensinamento d e A bhinavagupta,   no seculo X. Cf .   a  o bra do   dr .

Kanti  Chandra   Pand ey, "Indian aesthetics" , C howk amba Sansk r it   Ser ies,   Studies,voUI,   Benares,   1950.

Poder-se-ia pedir ao tecnico da analise que nao considerasse

vas todas as tentativas de acompanha-Io nesse caminho.Mas ha uma correnteza a subir .   Podemos avalia-Ia pela atenc;ao

condescendente que se da, como que a uma novidade, ao wording:

a morfologia inglesa fornece aqui urn esteio suficientemente sutil

a uma noc;ao ainda diffcil de definir para que dela fac;amos caso.

o   que ela abarca, no entanto,   e pouco encorajador, quandourn autor 47 se deslumbra por haver obtido urn sucesso bem

diferente na interpretac;ao de uma unica e mesma resistencia,

atraves do emprego "sem premeditac;ao consciente", sublinha-

nos ele, da expressao   need for love   [necessidade de amor] emlugar de   demand for love   [demanda de amor], que ele propusera

antes, sem enxergar mais longe (e ele quem   0esclarece). Se essa

historinha pretende confirmar a referencia da interpretac;ao a ego

 psychology   que aparece no tftulo do artigo, parece tratar -se,

antes, da   ego psychology   do analista, na medida em que ela se

confor ma com urn uso tao m6d ico do ingles que ele pode levar 

sua pratica aos  limites do balbucio.48

Pois   need   e  demand   tern para   0sujeito urn sentido diametral-

mente oposto, e afirmar que seu emprego   possa ser conf undido por urn instante sequer eq uivale a desconhecer radicalmente a

intimariio   da fala.E   que, em sua func;ao simbolizadora, ela   nao faz nada menos

do q ue transfor mar   0sujeito a q uem se d ir ige, att'aves da Iigac;aoque estabelece com aquele que a emite,   ou seja:   introd uzir urn

efeito de significante.

Por isso e q ue nos convem voltar mais uma vez   a  estrutura

da comunicac;ao   na linguagem,   e desfazer   d efinitivamente   0

mal-entend ido da linguagem-signo, fonte,   nesse   campo,   d as

confus6es   d o   discurso e das imperfeic;6es   d a fala.

Se a comunicac;ao da   linguagem,   com efeito,   e   conce bida

como   urn sinal pelo qual  0

emissor   informa  0

r ece ptor d e algumacoisa, por meio de urn cer to c6digo,   nao   ha nenhuma   r azao   para

nao   conced er mos igual cr ed ito, e mais ainda a   qualquer   outro

signo,   q uand o   0 "alguma coisa" de q ue se   tr ata   e   0 indivfd uo:

47.   Ernst Kris, "Ego psychology and inter  pr etation",   Ps ychoanaL ytic Quart erL y,

XX,   nQI, janeir o   d e   1951, p.15-29,   cf .   0 tr echo citad o   nas  p.27-8.

48.   Panigraf o r eescrito (1966).

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ha ate toda razao para darmos preferencia a qualquer modo de

expressao que se aproxime do signa natural.

Foi assim que se introduziu entre nos a descredito quanta   a

tecnica da fala e que somas vistas   a   procura de um gesto, um

esgar, uma atitude, uma mfmica, um movimento, um fremito,

que hei de dizer?, uma suspensao do movimento habitual, pais

somas refinados e nada mais detera em seus rastros nossa matilha

de perdigueiros.Mostraremos a insuficiencia da ideia da linguagem-signo pela

 propria manifestac.:ao que melhor a ilustra no reino animal, e a

qual, se nao houvesse recentemente sido objeto de uma desco-

 berta autentica, parece que teria sido preciso inventar para esse

fim.

Todos admitem agora que a abelha, ao vol tar   a   colmeia depois

de sua coleta de polen, transmite a suas companheiras par dais

tipos de danc.:as a indicac.:ao da existencia de um butim proximo

au distante. A segunda e a mais notavel, pais a plano em que

ela descreve a curva em 8 que fez com que Ihe dessem a nome

de   wagging dance,   bem como a frequencia dos trajetos que a

abelha executa num dado tempo, apontam exatamente, par um

lado, a direc.:ao, determinada em func.:ao da inclinac.:ao solar (pel a

qual as abclhas podcm se localizar permanentemente, grac.:as a

sua sensibilidade   a   luz polarizada), e par outro, a distancia de

ate varios quil6metros em que se encontra a butim. E as outras

abelhas respondem a essa mensagem dirigindo-se imediatamente

 para a lugar assim apontado.

Uma dezena de anos de paciente observac.:ao bastou a Karl

van Frisch para decodificar essa modalidade de mensagem, pais

se trata real mente de um codigo au sistema de sinalizac.:ao, do

qual somente a carater generico nos impede de qualifica-Io de

convencional.

Mas, sera isso uma linguagem? Podemos dizerque se distingue

desta precisamente pela correlac.:ao fixa entre seus signos e a

realidade que eles expressam.   E   que, numa linguagem, as signos

adquirem valor par sua relac.:ao uns com as outros, tanto na

divisao lexica dos semantemas quanta no usa posicional au

fIexional dos morfemas, que contrastam com a fixidez da codi-

ficac.:ao aqui exposta. E a diversidade das Ifnguas humanas

adquire   a   luz disso seu plena valOl;'

Outrossim, se a mensagem da modalidade aqui descrita de-

termina a ac.:aodo   socius,   jamais e retransmitida par ele. E isso

quer dizer que continua presa a sua func.:ao de retransmissora da

ac.:ao, da qual nenhum sujeito a isola como sfmbolo da comuni-

cac.:ao em Si.49

A forma pela qual se exprime a linguagcm define, par si so,

a subjetividade. Ela diz: "Tu iras par aqui e, quando vires tal e

tal, seguiras par ali." Em outras palavras, refere-se ao discursodo outro. Como tal, ela se envolve na mais alta func.:ao da fala,

na medida em que implica seu autor ao investir seu destinatario

de uma nova realidade: par exemplo, quando par um "Tu es

minha mulher" um sujeito marca-se como sendo   0 homem do

conJungo.

Essa e, com efeito, a forma essencial de onde deriva toda fala

humana, em vez de chegar a ela.

Daf a paradoxo com que urn de nossos ouvintes mais incisivos

 julgou poder opor-nos urn comentario, quando comec.:amos a dar 

a conhecer nossas opini6es sobre a analise como dialetica, que

ele formulou da seguinte maneira: a linguagem humana consti-

tuiria, entao, uma comunicac.:ao em que a emissor recebe doreceptor sua propria mensagem sob forma invertida,   formula esta

que nos bastou apenas retomar da boca do opositor para nela

reconhecer a marca de nosso proprio pensamento, au seja, que

a rala sempre inclui subjetivamente sua resposta, que   0"Tu nao

me procurarias se nao me houvesses encontrado" so faz homo-

logar essa verdade, e que e essa a razao par que, na recusa

 paranoica do reconhecimento, e sob a forma de uma verbalizac.:ao

negativa que   0 sentimento inconfessavel vem a surgir na "in-

terpretac.:ao" persecutoria.

D o m es mo m od o, qu an do v oc es s e a pla ud em p or h ave r  

encontrado alguem que rala a mesma linguagem que a sua, voces

nao querem dizer que se encontram com ele no discurso de

todos, mas que Ihe estao unidos por uma fala particular.

49. Isso e para usa de quem ainda possa entende-Io, depois de ter ido buscar no

Littre a justifica~ao de uma teoria que faz da fala uma "a~ao ao lado", pela

tradu~ao que ele efetivamente fornece do grego  parabo[e   (mas, pOI'que nao

"a~ao para ..." ?),   sem ter observado ali, ao mesmo tempo, que, se essa palavra

design a   0 que quer dizer, e em razao do uso sermonario que a palavra  verbo

reserva, desde   0 seculo X, ao Logos encarnado.

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Vemo s, p ois , a antinomia   imanente as r elar .;6es d a fala com

a   linguagem.   A   medida q ue a  linguagem   se torna   mais f uncional,

ela se   torna impr o pr ia para a fala e , ao s e   nos tornar d emasia-

damente par  ticular , perd e sua f unr .;ao   d e   linguagem.

Sabemos do   uso q ue   e   feito , n as   tr ad ir .;6es primitivas, dos

nomes secr e to s em   q ue   0 sujeito identif ica sua pessoa ou   seus

deuses, a tal   ponto que   r evela-Ios   e   se   perder ou   tr af -Ios, e as

conf idencia s de no ss os su jeitos, senao   nossas pr opr ias   Iembran-r .;as,ensinam-nos   que nao   e   raro a cr ianr .;a encontrar espontanea-

mente a virtude desse   uso.

Finalmente,   c   pela   intersub jetividade   do   "nos" q  ue ela assume

q ue se   med e numa   linguagem   seu   valor d e fala.

POl'   uma antinomia   inversa, observa-se q ue, q uanto mais   0

offcio   d a   linguagem   se   neutr aliz a, a pr oximando-se   d a infor ma-

r .;ao,   mais   Ihe san   imputadas   redundfmcias.   Essa   nor .;a o de r  e-

d und ancias par tiu d e pesq uisas   tao   mais precisas   q uanto   mais

er am interessad as,   havendo rece bido s eu   impulso   d e   um   pr oblema

de economia refer ente as comunicar .;6es   a longa d istancia e, em

especial, a poss i bilid a de d e f az er     diver sas conver sas viajar em

 pOl' um uni co f  io   telefOni co; af  pod emos   constatar    que uma parte

im portante do meio fonetico e su perf Jua   par a q ue se   r ealize   a

comunicar .;a o e fetivamente   buscada.

Isso   nos e altamente   instrutivo,50   pois   0 q ue e   r ed und ancia

 para   a infor mar .;ao   e pr ecisamente aquilo   que,   na fala, faz as

vezes   d e ressonancia.

50. A cad a  l inguagem sua forma de tr ansmissao, e, estando a legitimidade dessas

 pesq uisas f  undamentad a em   seu   sucesso,   nao e   pr oi bido fazer d elas   um uso

mor alizante. Consider emo s, p Ol' exemplo, a f  r ase   que af ixamo s c omo epfgrafe

em nosso   prefacio.   Seu   estilo , p Ol' ser lolhido   pOl' r ed undancias, talvez   Ihes

 pare~a   insfpido.   Mas,   basta   que   voces   0 aliviem d elas   par a   que sua ousad ia se

ofer e~a   ao entusiasm o q ue   mer ece. Ou~am:   "Pm/ au pe ousclaspa nannallbryleanaphi ologi psyoscline   i xispad anlana - egnia k tt lle n 'rbiol'   Iib li jouter   t et u / llaine

ellnoucon~·..."   Eis enf im   destacada a pureza de sua  mensagem.   0sentido   levanta

a cabe~a, a confissao  d o ser   d esenha -se ati e   nosso espf rito vencedor lega   ao

f uturo sua marca imortal.   [0 lrecho entr e aspas e   uma   r e presenta~ao fonetica

(francesa   e da pronuncia f rancesa, e claro), ainda   q ue   nao   escr ita em   sinais

fonelicos,   d o trecho   citad o   no pr ef acio:   "En PARliculier ,   il ne FAUd ra   Pas

OUblier QUE LA SEPAr ation   E N EMBR YoLogie,   ANAtomie,   PHYsiOLOGlE,

PSYchologie,   SOCiologie,   CLI NIQue   n" eXISte   PAS DA NS LA NAtur e ET

QU'il   N'Y A QU'U NE   discipline:   la NEURoBIOLogie 11laq uelle   l'OBser vation

no us o bLIge d'aJOUTER l'epiTHEME   d 'HUMAINE EN ce   que NOUS CON-

Pois,   nesta, a f un~ao da   linguagem nao e  informal',   mas evocar.

o q ue   busco   na f ala e a   r es posta   d o outro.   0q ue   me   constitui

como sujeito e   minha per gunta. P ar a   me fazer   r econhe ce r pelo

outr o, so   prof ir o aq uilo q ue f oi   com   vis ta s ao q  ue ser a.   Para

encontr a-Io, chamo-o pOl' um nome que   ele deve assumir ou

recusar    par a   me res ponder.

Eu me identifico na linguagem,   mas somente ao   me perder nela como objeto.   0que se   r ealiza em   minha   historia   nao e   0

 passado sim ples daquilo q ue foi,   uma vez   que ele   ja   nao e,   nem

tam pouco   0 per feito com posto   d o q ue tem   sid o   naq uilo   que sou,

mas   0 f uturo anterior d o q ue   ter ei   sido par a aquilo em que me

estou   transfor mando.

Se agor a eu me colocar    diante do outr o par a interr oga-Io,

nenhum   a parelho   ci bernetico,   pOl' mais   rico   que voces possam

imagina-Io, pod er a   fazer r ear .;ao d o q ue e   r es posta. Sua d ef ini~ao

como segundo   tenno   d o cir cuito   estfmulo-r es posta e a penas   uma

metafora   que se sustenta pela subjetividad e   im putad a ao animal,

 para em seguida elidi-Ia   no esq uema f fsico em   q ue ela   a   r eduz.

F oi a   isso   que chamamo s pO l'  0 coelho   na cartola par a depoisfaze-Io   sail'   d esta.   Mas,   uma   r ear .;ao nao e   uma resposta.

Quand o a per to   um botao eletric o e a   luz se faz, so   ha   r esposta

 para   meu   d esejo.   Se, para o bter    0mesmo r esultado, eu   tiver    que

experimental'   todo   um   sistema   d e conector es cu ja   posir .;ao   nao

conher .;o, so   haver a   pr o blema par a   minha   expectativa,   e ele   nao

existira mais   quand o eu   tiver obtid o do sistema   um   conhecimento

suf iciente   para mane ja-Io com seguran~a.

Mas,   quando chama aq uele com   q uem   falo pelo   nome, seja

este   qual   for, q  ue   Ihe   d ou,   intima a f un~ao su b jetiva   que ele

retomara   para   me   r es ponder ,   mesmo q ue se ja para   r e pudia-la.

A par t ir d  af, surge   a fun~ao   d ecisiva de  minha pr o pria   r esposta,

e q ue   nao e a penas,   como se   diz, a de ser    aceita   pelo sujeito

como a pr ovar .; ao ou   re jei~ao   d e seu discurso, mas r ealmente a

de   r econhece-Io ou   aboli-Io como sujeito.   E   essa a   r esponsabi-

lidade   d o   analista,   tod a vez q  ue   ele   intervem   pela   fala.

Cerne." Lacan  ta m bem   se para as "palavras" formadas   r espeitand o as sonor idades

da pr onuncia, e n ao a s  normas   lexicas,   ortograf ic as etc., como se o bserva pelas

maiusculas   que assinalam   de onde ele  r etir ou   sua"   frase" ouvid a.   ( N.E.)

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Do   mesmo   mod o,   0  problema   d os efeitos   ter a peuticos d  a

interpr eta~ao   inexata,   levan ta do pelo sr.   Edwar d Gl over 51 num

artigo   no~avel,   levou-o a conclus6es em que a questao   d a   exatid ao

 passa   par a   0segund o plano.   Ou   seja,   tr ata-se   d e   que   nao   apenas

toda interven~ao   f alad a e   r ecebid a pelo su jeito em   f un~ao de sua

estrutur a,   mas   d e   que assume nesta   uma f un~ao estruturante em

razao   d e sua forma, e a   importancia   d as   psicoter a pias nao

analfticas ou d as   mais comuns   " pr escri~6es"   medicas   consiste, precisamente, em   elas ser em inter ven~6es   que   pod emos   qualificar 

de sislemas o bsessivos   d e sugestao,   d e sugest6es   hister ic as d  e   [301]

ordem   fo bica ou   de apoios   persecutorios,   cad a   qual   adquirind o

seu   car ater    d a san~ao   que   d a   ao d esconhecimento,   pelo   sujeito,

d e sua pr o pria   r ealid ad e.

A   f ala, com   efeito, e   um do m d  e   linguagem, e a   linguagem

nao   e   imater iai.   E   um   corpo   sutiI,   ma s e c or  po.   As   palavras saD

tirad as   de   tod as as   imagen s c or por ais q ue cativam   0 sujeito;

 pod em   engr avidar    a   hister ica,   id entif icar -se com   0 o bjeto d o

Penis-neid,   r epr escntar    a   torrente   d e   ur ina da a m bi~ao   ur etral,

ou   0 excr emento   r etid o   d o gozo avarento.

Mais aind a,   as pr opr ias   palavr as   podem   sof r er    les6es   simbo-

licas,   r ealiz ar o s atos   imaginarios d os q uais   0 paciente e  0sujeito.Estamos   lembrados da   Wes pe   (ves pa), castrad a   d e seu W i nicial

 par a se tr ansfor mar no S.P.   d as   iniciais do Homem d os   Lobos,

no momento em que ele   r ealiza   a   puni~ao simbolica   d e   que foi

o bjeto pOl' parte   d e   Grucha, a   ves pa.52

Lembr amo-nos   tambem do S que constitui   0r esfd uo   d a   formula

hermetica em   que se cond ensar am   as   invoca~6es con jur atorias d  o

Homem   dos   R atos,   depois de   Fr eud haver extr af do   d e seu codigo

o anagr ama   d o   nome   d e sua am ad a, e q  ue,   conjugad o ao amem

terminal d e seu d ar d e jamento,   inund a eternamente   0nome   da d ama

com   0 jato simbolico de seu desejo impotente.

Do mesmo   modo,   um   artigo de R  o bert   FIiess,53   ins pirado nas

obser va~6es   inaugur ais   d e   Abr aham,   d emonstr a-nos   que  0

dis-cur so   em   seu   con junto po d e   tornar-se ob jeto   d e   uma erotiza~ao

51.   Edward Glover , "The   ther a peutic eff ect   of   inexact inter  pr etation: A contri-

 bution to  th e   theory of suggestion",   Int.   1.   Psa.,   XII, pA.

52.   Gue pe,   "vespa" , q ue em  se ntido   figur ado   d esigna   uma  p essoa   inescrupulosa.

(N.E.)

53. R obert   Fliess,   "Silence and  ve rbalization.   A sup plement to  th e  th eory   of the

'analytic   rule''',   Int .   J.   Psa.,   XXX, p.l.

que segue os   d eslocamentos d  a er otogenia   na   imagem c or por al,

momentaneamente   d eterminad os pela rela~ao analftica.

o  di scur so as sume entao uma f un~ ao f alico-ur etral,   er otico-

anal   ou   sadico-or al.   Alias, e   notavel que   0 autor    a   apr eend a

sobr etud o   nos silencios   que   mar cam   a   inibi<;ao   d a satisfa~ao que

com   ela exper imenta   0 sujeito.

Assim,   a   r ala po d e   tornar-se o bjeto   imaginario   ou r eal no

sujeito e, como   tal,   d egr ad ar    so b mais   d e   um   as pect o a fu n~aod a   Iinguagem. Coloca-Ia-emos, entao,   no par entese   da resistencia

que ela   manif esta.

Mas,   nao sera   par a excluf-Ia   d a   r ela ~a o analftica,   pois   esta   [302]

 perd er ia com isso sua   propr ia razao   d e ser .

A   analise so pod e   tel' pOl'   meta   0   ad vento   d e u ma fala

ver dad eir a e a   r ealiza~ao,   pelo sujeito,   d e sua   histor ia e m   sua

r ela~ao com um   f utur o.

A   manuten~a o d essa   dialetica o p6e-se a   qualquer orienta~ao

ob jetivante   d a analise, e   coIocar    essa   necessid ad e em r ele vo e

ca pital   para   discer nir a a berra~ao   d as   novas tend encias   manif es-

tad as   na analise.

E   pOl'   um   retorno a Fr eud que aqui   iluslr ar emos   mais   uma

vez   nossa   f ormula ~ao , e   tambem   pela o bser va~ao   do Homemdos Ratos,   ja   que come~amos   a   nos ser vir    d ela.

Freud    chega ate a  l omar cer tas   li ber dad es com   a exatid ao   d os

fatos,   quando se   tr ata de atingir    a verd ade   d o sujeito. Num d  ad o

momento, ele per ce be   0 pa pel d eterminante desempenhad o pela

 pr oposta   d e casamento,   levada ao sujeito p or   sua   mae, na origem

d a f as e a tual d e sua   neurose. Alias, tiver a   um lampe jo disso,

como   mostramos em nos so   seminar io, em r a za o d e sua ex pe-

r iencia pessoai. Nao o bstante, ele   nao   hesita em interpretar    ao

sujeito   0efeito   d ela, como   uma   pr oibi~ao   instaur ad a   por   seu pai

mor to contra sua   liga~ao com a d  ama   d e seus   pensamentos.

Isso   nao e a penas   materialmente   inexato. Tambem   0e psico-

logicamente, pois a a<;ao castr ad or a   d o pai, q ue Freud    afirma

aqui   com uma   insistencia   que   poderfamos crer    sistematica, so

desem penhou nesse caso   um papel secund ar io.   Mas, a a per ce p~ao

d a   r ela~ao   dialetica e   tao cor r eta   que a inter  preta~ao   de Freud,

introduzida   nesse   momento,   d esencadeia a su pr essao decisiva

dos sf m bolos   mor tf fer os   que ligam nar cisicamente   0 sujeito, ao

mesmo   tempo, ao pai m or to e   a   d ama   id ealizad a, a poiand o-se

as imagens   d e am bos   numa equivalencia caraclerf stica d  o o b-

scssivo,   uma   na agressivid ad e   f antasf stica   que a perpetua, outr a

no culto   mortif icante   que a transf or ma em   f d olo.

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Do mesmo modo, e   r econhe ce nd o a su bjetiva~ao for~ada da

dfvida54 obsessiva a cuja pressao seupaciente se exp6e ate   0

dellrio, no roteiro   -   tao perfeito ao e xpr  imir seus term os

imagimirios que   0  su jeito tenta ate mesmo realiza-lo   -   do   [303]

 pagamento vao, que Freud chega a seu objetivo: qual seja, faze-Io

descobrir ,   na historia da indelicadeza do pai, do casamento deste

com sua mae,   da m o~a "pobre, m as bonita", de seus amores

feridos, da memoria ingrata ao amigo saudavel, com a conste-

la~ao fatfdica que presidiu   seu   proprio nascimento, a hiancia

impreenchfvel da dfvida simbolica, da qual sua neurose constitui

o pr otesto.

 Na o h a a qu i n enhum vestfgio de   urn recurso ao espectro

ignobil de nao sei que" m edo" original, nem tam pouco a urn

masoq uism o, m esmo que facil   de mobilizar, e menos ainda   acontra-imposi~ao obsessiva q ue alguns propagam sob   0 nome

de analise das defesas. As proprias resistencias, como mostrei

alhures,   sao utilizadas pelo maior tempo possfvel no senti do do

 progresso do discurso. E,   quando e preciso p6r -lhes urn termo,

e cedend o a el as q ue   0 conseguimos.

Pois·e a ssi m q ue   0 Homem dos Ratos vem a introduzir em

S!:lilcSlJb jetividade sua verdadeira media~ao, sob a forma trans-

ferelYcial   da filha imagimiria que ele da a Freud para receber 

deste a alian~a, e que,   num   sonho-chave, desvela-Ihe sua verda-

deira face: a da morte, q ue   0 olha com seus olhos de betume.

Do me smo mod o, se e c om e sse pa cto sim bolico que se

desfazem rio sujeito os artiffcios de sua servidao, nao   Ihe tera

faltado ai'ealidade para consumar essas nupcias, e a nota,   a  guisa

de epitafio, q ue Freud ded  ic a e m   1923 a esse rapaz   -   q ue no

risco   d a guerra encontrou   "0fim   d e tantos m o~os de valor em

q uem se podiam deposit ar tantas esperan~as" -, ao concluir    0

caSQ com   0 rigor do   d estino, eleva-o   a   beleza da tragedia.

Para saber como responder ao sujeito na analise,   0 metoda

consiste em reconhecer    primeir o   0 lugar em q ue esta   seu   ego,

esse   ego   que   0 proprio Freud    d ef iniu com o urn   ego   formado por 

urn nucleo verbal; em outr as palavras, em saber atraves de q uem

e a   quem   0   sujeito formula   sua pergunta.   Enquanto nao   0

soubermos, correremos   0r isco   d o contr a-senso   q uanto ao dese jo

que deve ser reconhecido   ali e quanta ao objeto a que se dirige

esse desejo.

A histerica seduz esse objeto numa intriga requintada,   e seu

ego   esta no terceiro pOl'  cujo intermedio   0 sujeito goza com   0

objeto em que sua questao se encarna. 0 obsessivo arrasta par a a

 jaula de seu narcisismo   os   o bjetos em que sua questao se propaga   [304]

no alibi multiplicado de imagens mortais e, domando-Ihes as

acrobacias, dirige sua ambfgua homenagem ao camarote em queele mesmo se instala,   0do mestre/senhor que nao se pode ver .

Trahit sua quemque volupfas;55   urn se identifica com   0espe-

taculo, e   0outro da aver .

Quanto ao pr imeiro sujeito, para quem   0 termo   acting out 

assume seu sentido literal, voces tern que faze-Io reconhecer 

onde se situa sua a~ao, uma vez que ele atua fora de si mesmo.

Quanto ao outro, voces tern que se fazer reconhecer no espec-

tador, invisfvel do palco, a quem   0 une a media~ao da morte.

E   sempre, pOltanto, na rela~ao do   eu   do sujeito com   0 [eu]

de seu discurso que voces precisam compreender    0sentido do

discurso, para desalienar    0 sujeito.

Mas, voces nao conseguirao chegar a isso, caso se ativerem   a

ideia de q ue   0eu  do sujeito e identico   a   presen~a que Ihes fala.Esse erro e estimulado pela terminologia da topica, demasiado

tentadora para   0 pensamento objetivante, permitindo-lhe deslizar 

do   eu ,   definido como   0 sistema percep~ao-consciencia, isto e,

como   0 sistema das o bjetiva~6es do sujeito, para   0eu   concebido

como cor relato de   uma realidade absoluta , e as sim encontrar ali,

num singular retorno do recalcad o do pensamento psicologista,

a "f un~ao do real" em que urn Pierre Janet pauta suas concep~6es.

Tal   deslizamento so se op erou   por nao se reconhecer que,   na

obra   d e Freud, a topica   d o  ego,   do  id  e do  superego   esta su bor dinad a

a   metapsicologia, cu jos termos ele promoveu   na mesma epoca e

se m a q  ual   ela perde seu sentido. Assim , alguns s e en ga jar am

numa orto pedia psicolo gi ca q  ue nao par a d e da r f  r utos.

Michael   Balint   analisou   de   maneira absolutamente penetranteos ef eitos   intricad o s da t e or ia e da t ecnica   na genese   d e   uma

nova concep~ao   d a analise, e nao encontrou nada   melhor    para

indicar seu resultado   d o   que a palavra   d e or dem   q ue retir ou d e

Rickman,   d o advento de   uma   t wo-body psychology.

54.   Aqui   eq uivalente, par a nos, ao   termo   ZW Gngsbe fiirchlllng,   que   convem

d ecompor , sem nad a per d er   dos r ecur sos semanticos   da  lin gua alema.

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Seria   impossfvel dizer melhor , com e fe it o. A   amilise tr ans-

forma-se   na   rela~ao   d e   dois cm" pos entr e   os quais   se estabelece

uma comunica~ao   f antasf stica,   on d e   0 analista ensina   0 sujeito

a   se a preen de r c omo o bjeto;   a subjetivid ade   so e admitid a   no

 pan~ntese da ilusao, e a fala e   exclufd a   d e   uma   investiga~ao da   [305]

vivencia   que se torna a   meta   suprema,   mas   0 r esultado dialeti-

camente   necessario d isso apar ece   no fato   de   q ue , s endo a sub-

 jetivid ad e   d o psicanalista   livre d e q ualq uer fr eio,   livr a   0 sujeitoa tod a s a s   intima~6es   d e sua f ala.

A to pica   intra-subjetiva, uma   vez entif icada, d  e fato   se   r ealiza

na   divisao   d o   tr a balho entre   os sujeitos   pr esentes.   E   0   uso

detur  pad o da   f ormula   fr eudiana   d e   que   tud o   0 q ue e   id   deve

tornar-se   ego   apar ece   d e   um a f  or ma   d esmistif icad a;   0 sujeito,

tr ansf ormad o   num   isso,   tem d e s e submeter    a   um   ego   em que   0

analist a n ao t er a   dificuld ad e   d e reconhece r seu   aliad o, pois, na

verd ad e, e de   seu   pr oprio   ego   que se tr ata.

E   esse   mesmo   0 pr ocesso   que se e x pr ime em muitas   f ormu-

la~6es teoricas d o   s plitt ing   d o   ego   na analise.   Metad e   d o   ego   do

sujeito passa   par a   0Dutr o   lado d o   mur o q ue   separ a   0 analisand o

do   analista,   d e pois   metad e   d a   metad e, e assim   sucessivamente,

numa procissao assintotica   que,   no entanto,   na o conseguiraanular ,   por m ais longe   que a  le ve a opiniao   a qu e   houver    chegad o

o su jeito   pOI' si mesmo,   toda mar gem   a partir d a   qual   ele possa

revisar a a berra~ao d a analise.

Mas como   0 sujeito   d e   uma   analise   centr ad a   no   princfpio d e

q ue tod as as   suas   formula~6es   saD sistemas d  e def esa   pod eria

 proteger-se da   desorienta~ao total   em que   esse pr incfpio d  eixa

a dialetica d o analista?

A   interpr eta~ao   d e Fr eud, cujo pr ocedimento d ialetico   apar ece

muito   bem na observa~ao   d e   Dor a,   nao a presenta esses   perigos,

 pois,   quando os pr econceitos do   analista   (isto   e,   sua   contratr ans-

f erencia,   termo cujo em pr ego con'eto, par a   nos satisfazer ,   nao

 pod eria e st ender -se alem d as raz6es   dialet ic as d  o erro)   0desvir-

tuam   em   sua   interven~ao,   e le logo paga   0  pr e~o   disso atraves

de uma tr ansf er encia   negativa.   Pois esta   se   manif esta com forc;a

tanto   maior quanto   mais   uma d ad a analise tenha   comprometid o

o sujeito com um r  econhecimento autentico,   e   ha bitualmente   se

segue a   ruptura.

Foi justamente   0 q ue aconteceu no   cas o d e   Dora, em r azao

da insistencia   de Fr eud em quer er    faze-Ia   reconhecer    0 objeto

oculto de   seu desejo   na   pes soa d o   Sr .   K .,   na qual   os   pr econceitos

constitutivos de   sua contratr ansf er encia levar am-no a vel' a

 promessa   de sua f  elicid ade.

Sem duvida,a pr o pria   Dor a er a f ingid a   nessa   r ela~ao, mas

nem po r i sso   d eixou   de se r essentir    vivamente de q  ue   Freud    [306]

tam bem   0 f osse. Quand o ela   torna a ve-lo, porem , apos   0 pr azo

d e q uinze   meses em que se   inscr eveu   0 numer o fatfd ico   de seu

"tempo par a com pr eender "   ,   sentimo-la enveredar pelo caminho

de   ur n   fingimento   d e   haver    f in gi do , e a c onver gencia d essef ingimento em   segund o gr au com   a  int en~ao agr essiva q ue Fr eud 

Ihe   im puta,   decer to nao s em   exatid ao, mas   sem   reconhecer    sua

verd ad eir a   mola, a pr esenta-nos   0es bo~o   d a   cumplicid ade inter -

su bjetiva   que uma "analise   d as resistencias" , c onf  iante em   seus

dir eitos,   poder ia ter    per  petuad o entre eles.   Nao   ha   duvid a de

que, com   os   meios   que   hoje   nos saD   ofer ecid os pOI' nosso

 progresso   tecnico,   0  e r r o humano pod er ia   ter -se   prorr ogado

 para-alem d os l imi tes em que   se   tor n a   diabolico.

 Nad a   disso e  d e   nossa lavr a,   pois   0 proprio Fr eud r econheceu

a poster ior i   a fonte pr e jud icial   de seu   f racasso   no d esconheci-

mento em que ele   mesmo   se achava,   na e po ca , a   r espeito da

 posi~ao   homossexual d o o bjet o visado pelo   d ese jo da   histerica.

Sem d uvid a, tod o   0 pr ocess o q ue l evou   a essa tend encia a tual

da psicanalise   r emonta, antes d e   mais   nad a,   a   conscienci a pesad a

do psicanalista   pelo milagre   oper a do p or sua fala. Ele   interpreta

o sf mbolo e   eis que   0 sintoma,   que   0 inscr eve c omo   letr as de

sofr imento   na   carne   d o sujeito, se a paga.   Essa   taumaturgia e

chocante par a n ossos costumes. Pois,   afinal, somos doutos, e a

magia   nao e   uma pr <itica  d efensavel.   Livr amo-nos   d ela   imputand o

ao paciente   um pensamento magico. Dentro   em breve,   estaremos

 pregand o a   nossos   d oentes   0 Evangelho segundo Levy-Bruhl.

Ate   la,   eis-nos r  etr ansf ormad os em pensad or es, e eis   tambem

restabelecid as as   justas d istancias   que   e   pr eciso   sa ber guar d ar 

dos   d oentes,   e  d as   quais sem duvida   tfnhamos a band on a d o meio

apr essad amente   a tr adi~ao, t ao no bremente ex pr essa   nestas linhasde Pier re Janet   sobr e as pequenas ca pacid ad es   d a   histerica,

compar ad as a nossos   pfncaros:   "Ela   nada compreende da   cien-

cia", conf ia-nos Janet,   f aland o   d a po brezinha,   "e   nao   imagina

q ue possamo s i nter essar-nos pOI'  i sso ...   Se pensarmos na falta

d e c ontrole que   car acteriza   seu pensamento, em vez   de nos

escandalizarmos com suas   mentir as, que   alias saD muito   ingenuas,

f icar emos surpr e so s, antes,   d e q u e a in da ha ja   tantas que   SaD

sinceras"   etc.

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Essas   linhas,   por r e pr esentar em   0sentimento a   que voltaram

muito s dos analistas   d e   ho je   que condescend em   em fala r " sua

lingua ge m" c om   0doente, podem servir -nos para com pr eender 

o q ue se passou nesse   meio tem po. Pois , s e Fr eu d tivesse sido

capaz de assina-Ias, como poder ia ter ouvido,   da maneira com o

ouviu,   a v er da de i nclufd a n as h is to ri et as d e s ua s   primeiras

d oentes, ou   decifrado   ur n d elfrio obscuro como  0

de Schr eber,a ponto de amplia-Io   proporcionalm ente ao hom em etemamente

acor r e nt ad o a se us sf mbolos?

sera nossa   r azao   tao f r agil   a pent o de   nao se reconhe ce r e m

 pe de   iguald ade   na   meditac;ao do discur so e ru di to e   na tr oca

 primeir a d o ob je to simb6li co , e de n ao encontrar    neles a  m edida

identica de seu ard il   original?

Acaso sera preciso   lembrar    0 parametro do "pensamento"

aos praticantes de   uma exper iencia que mais aproxima sua

ocu pac; ao d e u rn e rotismo intestino que de   urn eq uivalente da

ac;ao?

sera preciso q ue este q ue Ihes fala ateste q ue nao tern, quanto

a ele, necessidade de recorrer ao pensamento para compr eender que , s e   Ihes esta faland o da fala   neste   momento, e na   medida

em que temos em   com um uma tecnic a da fala q ue os   toma a ptos

a ouvi-lo q uando ele   Ihes   fala   disso,   e q ue   0  pr ed isp6e a Se

dir igir ,   atr aves   d e   voces,   aque le s q  ue   na da ouvem?

Sem   d uvid a, temos q ue dar ouvid os ao   nao-dito   que jaz   nos

fur os   d o d iscur so,   mas   isso nao e para ser ouvid o como pancad as

d esf erid as atras do   mur o.

Pois   -   para   nao   mais   nos   ocu parmos, como se   ga bam alguns,

senao   d esses r  uid os   - deve-se   convir    q ue   nao estamos situad os

nas   cond ic;6es mais   pr opfcias par a   Ihes   d ecif rar    0sentido:   como,

sem   a aud acia   d e compr eerid e-Io, t rad  uzir aquilo   que   em s i nao

e linguagem? Assim   levados a a pelar    par a   0 sujeito,   uma   vez

que,   no f im d as contas, e   par a seu   ativo   que   temos de transfer ir 

esse   compr eend er ,   colocamo-Io conosco na a posta, que e r  eal-

mente que   0com pr eendamos,   e esper amos   que   uma   recompensa

nos tome a am bos ganhad ores. Med iante   0 que, pr osseguind o

nesse   ritmo d e vaivem,   ele   mesmo a pr end er a   muito simplesmente

a marcar    0 com passo,   f orma de   sugestao   que   e   tao boa quanto

q ualquer    outra,   0que quer dizer que,   como em qualquer outr a,

nao se sa be q uem   faz   a marcac;ao.   0 metod o e re conhecid o como

 bastant e se guro q uand o se   tr at a d e i r a o f  ur o.56

A meio caminho desse extremo, coloca-se a pergunta: continua

a psicanalise a ser   uma r elac;ao dialetica em que   0 nao-agir do

analista guia   0 discurso d o su jeito par a a realizac;ao   d e sua

verdade, ou   ser a q ue se   r eduz a   uma   r elac;ao fantasf stica em que

"dois a bi smo s s e roc;am"   sem   se tocar, ate   0 esgotamento dagama das regress6es imagimir ias   -   ate u ma e s pecie d e   bundl-

ing57  levado a seus   limites supr em os e m   mater ia d e prova

 psicol6gica?

De fato,   a ilusao   que   nos   im pele a buscar a   r ealid ad e do

sujeito para-alem   d o   mur o   d a linguagem e a  mesma pela q ual

o su jeito cre q ue sua   verdade   ja e st a   d ada em n6s, que a

conhecemos de antemao,   e e i gualm ente por isso   que   ele f ica

 boquiaber t o a nt e n os s a intervenc;ao ob jetivante.

Sem duvida ele n ao t ern,   por sua vez, que respond er    por esse

erro su bjetivo,   q ue,   d eclar ado   ou   nao em seu discurso, e im anente

a o f at o d e e le h av er entr ad o em a nalise e concluf do seu   pacto

de princfpios. E ser ia ainda men os possf vel negligenciar a su b- jetividade desse momento na medida em que encontramos ne le

a r ado do q ue p odemos chamar de e f eitos c onstituintes da

transferencia,   por eles se   distinguir em p or    urn   fnd ice   d e realid ad e

dos efeitos constituf dos   que o s sucedem.58

Freud , lem bremo s, t ocando nos sentimentos relacionad os com

a transfer encia, insistia   na   necessidade de   distinguir neles urn

f ator de realidade e, segund o concluf a,   ser ia abusar da  docilid ade

do sujeito q uerer persuadi-Io,   na totalid ad e dos casos,   d e q ue

56. Dois   par agr af os reescritos (1966).

57. Designa-se   por esse   ter mo   0 costume de   urigem   cella,   e   ainda   em uso em

cer tas seitas   bfblicas   d a America, q ue per mite aos   noivos,   e   ate ao hos ped e

 passageir o   que   namore a  m o~a  d a   casa,   d ormirem juntos   na   mesma cama, so b

a cond i~ao de se   manterem   vestidos.   A palavr a extr ai   seu   sentido do f ato   d e a

mo~a ser   comumente   empacotada em len~ois.   (Quincey   f ala do assunto.   Cf .

tambem   0 livro   d e   Aur and ,   0 lovern,   so bre essa pr atica   na seita dos amish.)

Assim,   0mito   d e Tristao   e IsoId a, ou  0complexo q ue ele  r e presenta, doravante

a pad rinhar ia   0   psicanalista em   sua   busc a d a   alma   pr ometida a   esponsais

mistificant es atr aves   d o esgotamento d e suas   fantasias   instintuais.

58. Ai vemos def inid o,   pOl·tanto,0q ue d esignamos   posteriormente como  0 supor te

da   transferencia: nomeadamente,   0 sujeito-su posto-sa ber (1966).

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esses   sentimentos   sao uma simples   r e peti<;;ao   tr ansferencial da

neur ose.   Portant o, como   ess es s entimentos   r eais se   manifestam

como   prime iros e   0 encanto   pr oprio   d e   nossas   pessoas   e   um

f ator    aleator io, pod e par ec er q ue   h:i algum mister io   nisso.

Mas esse   misterio   se   escla re ce a o s er   consid er ado na f  eno-

menologia   d o sujeito,   na med id a em   q ue   0 sujeito   se constitui (309l

na   busca   d a   verd ad e.   Basta r ecorr er    aos   d ad os tr adicionais   que

os budistas   nos fornecerao,   se e   que eles   nao sao os   unicos,   par a

r econhecer nessa   f orma   d a tr ansfer encia   0er ro proprio da   exis-

tencia,   e sob   tr es categor ias que eles assim   enumer am:   0 am or,

o odio e a ignor iincia.   Portanto, e como contr a-ef eito   do movi-

mento analftico   que entend er emos sua eq uivalencia   no que se

chama   uma transfer encia   originalmente positiva   -   cada qual

encontrando   meios de s e esclar ecer    pelos outr os d ois   q uanto a

esse aspecto existencial,   se   nao excetuar mos   0 ter ceir o,   geral-

mente omitido por sua   pr oximidad e do sujeito.

Evocamos aqui a   invectiva pela q ual   alguem nos   tom ou por 

testemunhas da   incontinencia de q  ue dava   mostr as   um   certo

tr abalho   Ua demasiad amente citad o por    nos)   em sua o bjetiva<;;ao

insensata do f uncionamento d os in st intos na analise, alguem cu ja

dfvid a para c onosco reconheceremos   pelo   usa exato   que   ali fez

d o ter mo   real.  Era   nestas   palavr a s, c om   efeito,   que ele "liberava" ,

como d izem, "seu   cor a<;;ao":   "Ja e   mais d o q  ue   hor a de   aca bar 

com   e ssa vigarice q ue   tend e a   levar    a cr er    que   suced e   no

tr atame nt o s ej a   0 q ue   for    de   r eal." Deixemos   d e   lade   0 que

r esultou   daf, pois,   infelizmente, se a analise   na o c urou   0 vfcio

or al d o cao   d e q ue   f alam   as   Escritur as , seu   estad o e  p ior   d o   que

antes: e   0 vomito   d os outr os q ue ele engole.

Pois e ssa tirad a   nao   estava   mal   orientad a, efetivamente   bus-

cand o a d istin<;;ao,   nunca   antes   produzid a na analise, entr e os

r egistros elementar es cujo f und amento   d esd e entao   estabelece-

mos   nestes termos: simbolico,   imaginario e   r eal.A   r ealidad e   na ex periencia   analftica, com efeito,   fica fr eqiien-

temen te velad a so b formas   negativas,   mas nao e   demasiado

trabalhoso situa-la.

Ela s e encont ra , p or   exemplo,   no   que   ha bitual mente repr ova-

mos c omo   inter ven<;;6es a tivas;   ma s s eria   um   err o   def inir    seu

limite por isso.

Pois esta clar o,   por outro lad o,   que a a bstinencia do analista,

sua r  ecusa a   r espon de r, e um   elemento   d a   r ealid ad e n a an alise.

Mais e xatamente, e   nessa negativid ad e,   na   med ida em q ue e la

e   pur a , i sto e, desvinculad a   d e   qualquer    motive   par ticular, que

r esid e a jun<;;ao entr e   0simbolico e  0real.   0q ue se com preende

 pelo fato   d e esse   nao-agir f undamentar -se em   nos so sa ber    af ir -   (310l

made   d o princfpio   d e q ue   tudo   0que e real   e   r acional, e pe lo

motive daf decor r ente   d e q ue e ao su jeito q ue ca be   d escobrir 

sua   dimensao.

De resto , e ss a a bstinencia   nao e indefinidamente sustentada;

d epois   q ue a q uestao   d o   sujeito assum e a for m a de f  ala ver d ad eira,

nos a sancionamos com   nossa   r esposta, embo ra t ambem tenha-

mos   mostrad o q ue   uma fala verdad eira   ja contem sua res posta,

e   que a pena s r epr oduzimos   com nosso   lai   seu r efrao.   Que q uer 

d izer isso, senao   que   nad a   f azemos a  nao ser d ar   a fala d o su jeito

sua pontua<;;ao   d ialetica?

Ve-se,   pOItanto,   0 ou tr o momento em   q ue   0 simbolico e   0

real   se conjugam, e   ja   ° havf amos apontad o teoricamente:   na

f un<;;ao  d o tempo,   0 que   mer ece q  ue   nos   d etenhamos por    um

momenta   nos ef eitos   tecnicos do tem po.

o  t em po desempenha   seu   pa pel na tecnica em   d iver sas   inci-

dencias.Ele se a pr esenta inicialmente   na dur a<;;ao  d a analise t ot al , e

implica   0 senti do a ser d ad  o ao   termino   d a analise,   que e a

q uest ao p r  evia ad os signos   d e seu   f im.   Tocaremos   no pr o blema

da f ixa<;;ao  d e seu   ter mino. Mas e sta clar o desde j a q ue essa

dur a<;;ao so pod e ser   antecipad a   par a   0 sujeit o c omo indefinida.

Isso,   por duas   raz6es,   que so pod emos d istinguir    na  p erspectiva

d ialetica:

- uma   que   pr ovem dos   limites   d e   nosso campo   e conf ir ma

nossa coloca<;;ao sobr e   a def ini<;;ao  d e seus conf ins: n ao p od  emos

 preyer no sujeito   qual sera seu   t empo para compr eender  ,   na medida

em que ele   inclui um fator psicologico   que   nos escapa como tal;

-   outra que e   pr opriamente   d o sujeito, e   pela qual a fixa<;;ao deum   ter mino   equivale   a uma   pr o je<;;ao es pacializante,   onde   ele se

encontr a   d esd e   logo   alienado de   si mesmo: j a que   0 prazo   d e

sua   ver d ad e   pode   ser previsto, advenha   0 que advier na   inter -

su b jetivid ad e   inter valar,   e   que   a verd ad e   ja esta dada, ou se ja,

resta belecemos   no   su jeito sua miragem original, na medid a em

q ue ele   d e posita   em   nos sua verd ad e e   em que,   ao sancionar 

isso com nossa autoridade, instalamos sua analise numa aber ra-

<;;ao,que   sera   impossf ve l d e c or rigir em   seus resultados.

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Foi justamente isso que aconteceu no cele br e   caso d o   Homem

dos Lobos,   cuja importancia exemplar foi   ta ~   bem com pr eendida

 pOl'  Fr eu d q ue e le   tornou a se apoiar nela em   seu   artig o s obre

a analise   finita   ou infinita.59

A   f ixarrao antecipada de um prazo, primeir a   f or ma de   inter -

venr r ao ativa,   inaugur ad a   (proh pudor !60)   pelo   pro pr io Fr eud ,

seja   qual f or a ce rteza divinatoria (no   sentido proprio   d o term061)

de que possa   dar mostr as 0 a n al is ta   ao seguir    seu   exemplo,

sempr e   d eixa 0 sujeito na alienavao de   sua verdad e.

Alia s, encontramos a confirmavao disso e m d  ois   fatos   d o   caso

d e   Fr eud :

Pr imeir o, 0 Homem d os L obos   -   malgr ad o   tod o 0 feixe de

 pr ovas   que demonstr am   a   historicid ade d a   cena pr imar ia, mal-

gr ad o a   convicvao que   ele   manif esta a respeito   d ela,   imper -

turbavel   ante as   dubitavoes metodicas   cuja prova   Fr eud Ihe impoe

-   jamais consegue, entretanto,   integr ar-lhe a   r ememo ra va o em

sua   histor ia.

Segund o, 0 Homem d os L obos   d emonstra ulterior mente sua

alienavao   d a   maneira   mais categor ica, so b uma   f orma   paranoid e.

E   verd ad e   que af  se imiscui   um outr o   f ator pelo   qual   a realid ad einterf er e   na analise, a   sa ber, 0 dom pecuniario   d e cujo   valor 

simbolico   nos   r eser vamos   tratar em outro lugar,   mas cuja   im-

 pOitancia   ja   se   indica   no que evocam os d o   vfnculo   d a   f ala com

o  d om   constitutivo da troca primaria.   Ora,   aqui,   0   dom pecuniario

e invertido   pOl' uma iniciativa de Freud em   q ue   pod emos r eco-

nhecer,   tanto   quanto em sua   insistencia   em vol tar    ao   caso,   a

subjetivar rao,   nao   resolvida nele, dos pr oblemas que 0 caso   deixa

59. Pois   e  e ssa a tradu~ao carreta dos dois termos que foram traduzidos,   com a

infalibid ade no contr a-senso q ue ja assinalamos, por  "analise   terminavel   e analise

interminavel"   .60. "0 pudor!". (N.E.)

61.   Cf.  Au lo Galio,   Noit es aticas,   II, 4:  "N um processo,   q uando se tr ata d e  q uem

sera   encarregado da acusa~ao,   e q uan do d  ua s a u varia s pessoas solicitam

inscrever-se   para  esse mister,   0 julgamento pelo qual 0tribunal   nomeia   0acusador 

chama-se   ad ivinha~ao ( ...). Essa palavr a pr ovem de q ue,   sendo   0 acusador   e   0

acusado duas coisas correlatas,   e q ue nao podem su bsistir uma   sem   a  o utra,   e

apr esentando   0tipo d e julgamento de  q ue se tr ata aq ui  ur n a cusado   sem  a cusador ,

ha   q ue   r ecor rer    a   adivinha~ao para   d esco brir    0 q ue a causa nao ind ica,   0 que

ela continua a deixar   desconhecido,   ou   se ja,   < 5   acusador ."

em suspenso.   E ninguem duvid a   d e   que esse tenha sido um fator 

desencad eador d  a   psicose , alias sem   sa ber dizer muito bem pOl'   (312)

que.

 Nao   sera   compreensfvel, no entanto,   q ue ad mi tir qu e urn

sujeito seja   mantid o   a   custa do pr itaneu   da   psicanalise (er  a   d e

uma   coleta   d o gr u po   q ue ele   r ece bia sua p ensao), a   tftulo d o

servirro por   ele   prestad o   a   ciencia como caso,   e tambem instituf -Io

decisivamente   na alienar rao   de   sua   ver d ade?o   material d o suplemento d e analise em q ue 0 d oe nte foi

confiado a Ruth Mack Brunsw ic k i lustr a a   r es ponsabilidade do

tratamento   anterior ,   d emonstr and o   nossas afirmarroes sobre os

respectivos   lugar es d a f ala e   d a   linguagem na   mediarrao psica-

nalftica.

Mais aind a, e   na per spectiva   d eles que podemos apreender 

como Ruth Mack Brunswick , em suma, n aa s e b alizou nada mal

em sua posivao delicad a   com respeito   a   transferencia. (Havemos

de estar lembr ad os d o p r  o pr io   mur o   de nossa metafora, na medid a

em que   ele   figura num dos   sonhos,   com os lobos do sonho-chave

mostrando-se avidos   d e   contorna-lo   ... ) Nosso sem inario sa be

tudo isso, e os outr os poderao af se  exercer n el e.62

Quer emos, com   efeito, tocar    num   outro aspecto, particular -

mente palpitante   na   atualidad e,   d a funr r ao   d o   tempo na tecnica.

Queremos f alar d a du r  avao   d a sessao.

Aqui, trata-se   aind a   d e   um   elemento   que   pertence manifesta-

mente   a   r ealid ad e,   ja   que   r e pr esenta   nosso tem po de trabalho,

e, pOl' esse angulo,   enquadra-se   numa   r egulamentarrao profissio-

nal que pod e ser consider ad a   vigente.

Suas incid encias subjetivas,   pOl'em,   nao sao menos importan-

tes.   Antes d e   mais nad a , p ar a 0 analista.   0carateI' tabu com que

ele tem sido   a pr esentad o em d e bates   r ecentes   e   prova suficiente

de que   a sub jetividad e   do   grupo esta   muito pouco liberada   a  seu

r es peito,   e 0   car ateI'   escrupuloso,   par a   nao dizer obsessivo, que

assume par a alguns,   senao   par a a   maioria, a   observarrao de um

 padrao cujas variavoes   histor icas   e geogr af ica s n ao p ar ec em

inquietar ninguem,   alias, e   r ealmente   0 sinal d a   existencia de

um problema que   se esta t ao   menos   dis posto   a   abordar quanto

mais se   sente q ue e le   levaria   muito   longe no questionamento d a

funvao d o analista.

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Para   0 sujeito em analise,   pOl' outro lado, nao se pode desco-

nhecer sua impor tancia. 0   inconsciente, profere-se num tom tao

mais   entendid o   quan to m en os se   e ca paz d e justificar    0que   se

quer    dizer ,   0   inconsciente demand a   tempo   par a   s e r evelar .

Estamos d e pleno   acord o.   Mas,   perguntamos:   qual e sua med ida?

Sera a   d o universo da pr ecisao,   para em pr egar    a expressao d o

sr .   Alexand re Koyr e? S em   duvid a,   vivemos nesse universo, m as

seu   ad vento   par a   0 homem   e   d e   d ata   recente,   ja q ue remontaexatamente   ao rel6gio   d e   Huyghens, ou seja,   ao   ana   de 1659, e

o   mal-estar do   homem mod  erno na o indica   pr ecisamente   que tal

 pr ecisao   se ja   par a   ele   ur n fator    de Iiber a<;:ao.   Ess e t emp o d a

qued a dos grav es , s er a e le   sagrado   como   cor res pond ente   ao

tempo   d os astr os   tal   como   instaura do no eterno por Deus, que,

como   nos disse Lichtenberg, r eor d ena nossos q uadrantes solar es?

Quem   sa be tenhamos id eia   melhor disso   ao   comparar    0 tempo

d a cria<;:ao d e   ur n o bjeto   simb6lico com   0momenta de desaten<;:ao

em   que   0d eixamos   cair?

Como quer que se ja, se   0 trabalho d  e   nossa   f un<;:ao durante

esse   tempo   continua   pr o blemati co, cr  emos   ter posto em evidencia

suf icientemente a   f un<;:ao  do trabalho   no que   0  paciente nelerealiza.

Mas a realidade desse tempo,   seja ela qual for, assume a par tir 

d af u rn valor local,   0  d e u rn r ec eb im en to d o p r oduto desse

tra balho.

Desempenhamos urn papel de registr o, ao assumir a fun<;:ao,

fundamental   em toda   troca simb6lica, de recolher aquilo a que

do kamo,   0homem em sua autenticidade,   evoca a fala que dura.

Testemunha que responde pela sincer idade do sujeito, depo-

sitario do processo-ver  bal   de seu discurso, referencia de sua

exatid ao , gar ante   de sua integridade, guardiao de seu testamento,

tabeliao d e   seus codicilos,   0 analista participa do escriba.

Mas continua mestre e senhor da verdade da qual esse discurso

e   0  progresso.   E   ele, antes de m ais nada, que pontua, com o

dissemos, sua dialetica. E nisso, ele e apreendido como juiz do

merito desse discurso.   0 que   comporta duas conseq iiencias.

A suspensao da sessao nao pode deixar de ser exper imentada

 pelo sujeito como uma   pontua<;:ao em seu progresso.   Sabemos

como dela calcula   0 vencimento para articula-I a a se us pr 6prios

 prazos ou mesmo a suas escapat6rias, como a anteci pa,   sope-

sando-a   a   maneira de uma arma, espreitando-a   como   um   abr igo.

E sse e urn fato bem constatado na pratica dos textos das

escrituras sim b6licas, quer se   trate da   Bfblia ou   dos   textos

canonicos chineses:   neles , a au sencia de pontua<;:ao   e uma   fonte

de ambigiiidad e,   a pontua<;:ao colocada fixa   0 senti do, sua   mu-

d an<;:a0 tr ansforma   ou   0 transtorna e, en'ada,   equivale   a altera-Io.

A   ind if er en<;:a   com q ue   0   cor te   do   timing   interrompe   os

mome nt os d  e   pr essa no sujeito pode ser   f ata l p a ra a   conclusao

rumo   a   qual se   preci pitava seu   d iscurso,   ou mes mo c r  istalizar nela   um   mal-entendido,   senao servir de   pr et ex to par a   urn ardil

distar sivo.

Os d e butantes par ec em mais atingidos pelos   efeitos dessa

incid encia,   0q ue   dos   outros faz   pensar que suportam sua r  otina.

Decerto,   a   neutralida de qu e manif estamos ao   a plicar    estr ita-

mente   essa r eg ra ma nt em a v ia d  e   nosso nao-agir .

Mas, esse nao-ag ir t er n   limites, ou entao nao haveria interven-

<;:ao:e por que torna-la   impossfvel nesse ponto, assim pr ivilegiad o?

o   per ig o d  e   que esse ponto   assum a ur n valor obsessivo no

analista   esta,   simplesmente, em que ele se presta   a   conivencia

do   su jeito: nao   a penas acessfvel ao obsessivo, m as nele assu-

mind o   um vigor especial, justam ente par seu senti m en to do

tr abalho.   Sabemos d  o   toque de   trabalho for<;:ad o q ue , nesse

su jeito, envolve ate seu   lazer .

Esse sentido e sustentado por sua rela<;:ao subjetiva com   0

mestre/senhor, na medida em que e a morte deste que ele espera.

o obsessivo manifesta,   com ef eito, uma das atitudes que Hegel

nao desenvolveu em sua dialetica   do senhor e do escravo. 0

escravo esquivou-se a nte   0 risco da morte, on de a oportunidade

d e domina<;:ao Ihe foi oferecida num a luta de puro prestfgio.

Mas, como sabe ser mortal, ele tambem sabe que   0mestre/senhor 

 pode morrer .   Por conseguinte, pode concordar em trabalhar para

o   mestre/senhor e em renunciar ao gozo nesse m eio tem po: e,

na   incerteza do m om ento em que chegara a mor te do mestrel

senhor ,   ele aguarda.Tal e a   r azao intersubjetiva tanto da duvida quanto da pro-

crastina<;:ao que sao tra<;:os de carater no obsessivo.

Entretanto,   todo   0 seu trabalho se efetua sob a egide dessa

inten<;:ao e se torn a, pOl' essa egide, duplamente alienante.   E   que

nao   somente a obra do sujeito Ihe e   f urtada par urn outro,   0que

e a  rela<;:ao constitutiva de todo trabalho, como   0reconhecimento,

 pclo   sujeito, de s ua p r 6pria essenc ia e m s u a o br a, o nd e e sse

tr a balho encontra   sua razao, escapa-Ihe igualmente, pois el e

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 pr6prio "nao esta ali"   63,   esta   no momento antecipado da morte

d o   mestr e/senhor, a partir da qual viveni, m as   a   espera da qual

se   identifica com   ele   com o m orto, m ed iante   0 que ele mesmo

 ja   esta morto. Nao obstante, ele   se   esfon;a por enganar    0   mestr e/senhor    [315]

atr aves d  a   demonstrac;:ao   das boas intenc;:6es   manif estadas   em

seu trabalho.   E   isso que   os bons   filhos do catecismo   analftico

exprimem   em sua linguagem rude, ao dizerem que   0  ego   do

su jeito procur a   seduzi r s eu   super -ego.

Essa formulac;:ao   intra-su bjetiva   desmistifica-se de imediato

ao   se compreende-I a n a r el ac;:ao analftica, onde   0working through

d o   sujeito   e   efetivamente   utilizado para a seduc;:ao do   analista.

Tampouco e por acaso que, tao logo   0 progresso dialet ic o s e

a proxima do questionamento das   intenc;6es do   ego   em nossos

sujeitos, a f  antasia da m orte do   analista, muitas vezes sentida

sob a forma   d e   um tem or, ou mesmo de uma angustia, n un ca

d eixa de se produzir .E   0 sujeito trata de partir novamen te n uma elaborac;:ao ainda

mais demonstr ativa d  e sua "boa vontade".

Como duvidar, por conseguinte, do e feito de um certo d esdem

assinalado pelo mestr e/senhor quanto ao produto desse tr a balho?

A resistencia   do sujeito pode ver -se   a bsolutamente desconcertada

 por isso.A partir desse m om ento, seu alibi ate entao inconsciente

comec;a a se desvelar para ele,   e   0 vemos procurar apaixonada-

ment e a ra za o d  e   tantos esforc;os. Nao dirfamos tanto,   se nao estivessemos convencidos   de que,

ao experimentar num m om ento de nossa experiencia, chegado

a   sua conclusao,   aq uilo que foi chamado   d e nossas sess6es curtas,

 pud emos fazer vir    a   luz num dado sujeito m asculino f  antasias

de gr avidez   anal, c om   0 sonho de sua resoluc;ao por cesariana,

num prazo   em q ue, de outro modo,   ainda estarfamos escutando

suas   especulac;:6es sobre a arte de Dostoievski.

Alias, nao estamos aqui par a   defender esse   metod o, mas   para

mostrar que ele t em u m sentido dialetico preciso em sua   a plica-

c;:aotecnica.64

6 3.   [ll]   "n  'y  est   pas" :   expr essao q ue   tambem   tem   0 sentido "nao compreende"   ,

"niio entend e   (nada)".   (N.E.)

64.   Ped r a sem valor ou pedra angular, nosso forte e niio ter ced id o   q uant o a esse

 ponto (1966).

E nao somos   0 uni co a t er feito a observac;ao de q ue e le s e

aproxima, em ultima instancia, d a t ec nica   designada pelo nome

de   zen ,   e   que e   a plicad a como meio de revelac;:ao   do sujeito na

ascese   tradicional de certas escolas do Extremo Oriente.

Sem chegar aos extremos a   que e levada essa   tecnica, uma   [316]

vez   que   eles seriam contrarios   a algumas das limitac;:6es que   a

nossa   se   imp6e, uma aplicac;ao discr et a d e s eu p ri nc fp io n a

analise   parece-nos muito mais admissfvel do que   certas   mod a-

lidades   ditas analise das resistencias,   na   medida em que ela nao

comporta   em si nenhum perigo   de alienac;:ao do sujeito.

Pois   ela s6 rompe   0discurso para par ir a f ala.

Eis-nos, pois,   acuados contra   0   muro, contr a   0   muro da.

linguagem.   Estam os em nosso   lugar, isto e, do mesmo   lado que

o   paciente,   e e nesse muro,   q ue e   0mesmo para ele e par a   n6s,

que tentaremos respon de r a o ec o d e sua   f ala.

Par a-alem d  esse muro, nao h a na da q ue n ao se ja, para n6s,

trevas exterior es.   Querera isso dizer que somos inteiramente

senhores   da situac;:ao? Certam ente nao   e,   quanto   a   isso, Fr eud 

nos legou   seu testamento so bre a reac;ao ter apeutica   negativa.

A chave d esse misterio,   dizem, est a n a i ns tancia   d e ummasoquismo pr  imar io, ou se ja, n uma ma nifestac;:ao em e stad o

 puro daquele inst in to d e morte   cujo enigma   Freud nos propos

no apogeu de sua experiencia.

 Nao podemos fiar-nos nisso,   assim como nao poder emos adiar 

aqui seu   exame.

Pois o bservaremos q ue se c onjugam, num a m esma recusa

desse arremate da doutrina, aqueles q ue conduzem a analise e m

tomo de uma concepc;:ao do   ego   cujo erro denuncia mo s, e a q  ueles

que,   como Reich, vao tao longe no princfpio de buscar para-alem

da f ala   a inefavel   expressao organica, que a fim de,   como ele,

livra-Ia de sua arm ad ur a,   poder iam simbolizar, na su per  posic;ao

das duas for mas vermicular es   cu jo espantoso esquema   pod emos

ver em seu livro sobre a   analise do carater,   a induc;ao orgastica

que, tambem como Reich,   eles esperam da analise.

Con junc ;a o q  ue se m d  uvida nos   permit ira augurios favor3veis

q ua nt o a o r  igor das formac;6es   d o es pfrito,   quand o tivermos

mostr ado a prof  unda relac;ao q ue   une a   noc;ao de instinto   d e

morte   aos problemas d a   fala.

A noc;ao   d e instinto   d e mor te, por m enos q ue a c onsid eremos,

 prop6e-se como ironica, devend o se u s en tid o ser buscado na

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conjunc;:ao   de   dois ter mos contnirios:   0 instinto, com   ef eito,   em

sua   acepc;:ao mais a br angente, e a   lei   que   r egula   em   sua sucessao   [3171

um cicio com por tament al p ara a r ea lizac;:ao de   uma f unc;:ao vital,

e a   mor t e a par ece   d esde   logo como a   d estr uic;:ao da vida.

 No en tanto,   a  de f inic;:ao q ue Bichat,   no des pontar    d a   biologia,

forneceu   da   vida,   como con junto   d as forc;:asque resistem   a   mor te,

 bem como a mais   moder n   a concepc;:ao   que encontramos em   um

Cannon na   noc;:ao  d e   homeostase, como f unc;:ao de   um   sistema

mantenedor d e seu propr io   equilfbr io, e sta o af   para   nos   lem br ar 

que vida e   mor te   se comp6em   numa r elac;:ao   polar ,   no pro prio

seio de fenomenos relaciona do s c om a vi da.

Por conseguinte,   a congr uencia dos termos contrasta nt es d o

instinto de m or  te com os fen6m enos de repetic;:ao com   q ue a

explicac;:ao de Freud os relaciona, efetivamente , sob a q  ualif ica-

c;:ao d e automatismo,   nao dever ia causar    dif iculdad es, ca so s e

tr atasse de uma noc;:ao biologica.

Todos sentem   muito   be m q ue na o e n a da d  isso, e af esta   0

q ue faz muitos de   nos   tropec;:ar em seu   pro blema.   0 fato d e

muitos se deterem   ante a a par ente incompati bilidad e   d esses

ter mos pode ate reter nossa atenc;:ao, por manifestar    uma inocencia

d ialetica q  ue sem d uvid a desconcertaria   0 pr oblema classica-

mente formulado   a   semantica no enunciado deter minativo: uma

aldeola no Ganges, com a  qual   a estetica   hindu   ilustra a segund a

forma d as   r essonancias   d a   linguagem.65

Convem   de fato a bord ar    essa   noc;:ao por suas ressonancias   no

que chamaremos a   poetica   da o bra f r eud iana, pr imeira via   d e

acesso par a penetr ar    em   seu   sentid o e   dimensao essencial   par a

compr eend er sua re per cussao   dialetica,   d esd e a s o r  igens   d a o br a

ate   0a pogeu que ela   marca   nesta.   Convem lembr ar, por exemplo,

que Freud    nos atesta   haver d esco ber to sua vocac;:ao   medica   no

apelo ouvido numa   leitur a   pu blica do f  amoso   H ino   a   nat ureza

d e Goethe, ou s eja, nesse   texto,   encontrado   por um   amigo,   em

que   0 poeta , n o de clfnio   d e sua vida, concor dou   em   r econhecer 

um   filho putativo   d as   mais jovens ef us6es   d e   sua pena.

 No extrema o posto   d a vid a   d e Freud , encontr amos   no artigo

so bre a analise f inita e  in f inita a ref erencia expressa   de sua nova   [318J

l'O!lCc pc;:aoao conf lito   d os   d ois   princfpios   a   que   Em ped ocles   d e

Agrigento,   no seculo V antes de Cristo,   ou   se ja,   na indistinc;:ao

 pr ~-socr alica   d a natur e za e do e s pfrit o, subm eteu as alternancias

da vid a   universal.

Esses   dois fatos sao-nos   uma   ind icac;:ao   suficiente   d e q ue   se

Ir ala,   ali,   de   um   mito da d f  ade, cu ja   promoc;:ao em   Pla ta o e

'vocad a,   alias, em   Para-at em do principio do prazer,   mito q ue

s(i  po d e ser compr eend ido   na su bjetivid ade do   homem   moderno

ao se   0elevar    a   negatividad e do   juf zo em   q ue ele se   inscr eve.

Ou s ej a, a ssim c omo   0   automatismo de   re petic;:ao,   q ue e

i 'ualmente   d esconhecido   qua ndo se q  uer    dividir    seus   termos,

nf io   visa   outr a c oi sa   s en ao a t emporalid ade   histor icizante   d a

'x periencia   d a transf erencia,   0instinto   d e   morte expr ime e ssen-

cialmente   0 limite da f  unc;:ao  hi storica   do   su jeito. Esse lim ite e

a   morte,   nao como   ter mino eventual d a vid a d o ind ivf duo,   nem

'omo   certeza em pf r ica do sujeito,   mas,   segun do a formula   q ue

dele   fornec e H eidegger, como" possibilidad e a bsolutamente   pro-

 pria,   incondicional, insuper avel,   certeira e, como   tal,   ind eter mi-

nada   do sujeito", q uer dizer , do su jeito   d efinido por s ua   histo-

r icidade.

Com efeito, esse   limite esta pr esente a cad a   instante   no   que

cssa   histor ia tem   de acabad o.   Ele   r epr esenta   0 passado so b   sua

f orma   real,   isto e,   nao   0 passad o   f isico,   cuja existencia e  ab olid a,

ncm   0  p assado epico, tal   como se aperfeic;:oou na obr a da

memoria,   nem   0 passad o   histor ico em que   0homem   encontr a   0

gar ante de seu   f utur o,   mas   0 passad o   que se   manif esta   r ever tid o

na   re petic;:ao.66

E   esse   0 morto d o   q ual a   subjetivid ad e faz   seu par ceir o   na

lrfade   que sua   mediac;:ao   institui no con tlito   univer sal   entr e   Philia ,

o   amor ,   e   Neik os,   a   discordia.

 Nao   ha   mais   necessid ad e,   portanto,   d e recorrer    a   noc;:ao

ultr a passada   de masoquismo primar io   par a   compr eend er a  r azao

dos   jogos   r e petitivos em   que a subjetividad e   f omenta,   conjun-

lamente,   0d omfnio   de   sua   derr elic;:ao   e   0nascimento do sfmbolo.

66.   Essas   tr es   palavr as,   nas   quais se inscr eve   nossa   ultima formulac;;ao   d a  rep etic;;ao

(1966), vier am   substituir urn r ecurso impropr io ao   ••eterno   retorno",   q ue era

lud o   0 q ue pod famos f azer    ouvir entao.

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For am   esses jogos d e   oculta<;ao   q ue F reud, nUma intui<;ao

genial, produziu,   a nosso   ver, para que neles reconhecesseinos   [3191

q ue   0 momenta em que   0 desejo se humaniza e tambem aquele

em q ue   a   cr ian<;a nasce   pa ra a   linguagem.

Podemos   agor a discer ni r q ue   0 su jeito nao domina af apenas

sua   priva<;ao,   assumindo-a, mas que e leva   seu desejo a   uma

 potencia   secundar ia . Pois s ua a<;ao destroi   0 objeto que ela f  az

aparecer e desaparecer na  provoca~ao   antecipatoria de sua au-

sencia e sua presen<; a. Ela negativiza assim   0campo de for <;as

do desejo, par a se t omar , em si m esma,   seu proprio objeto. E

esse objeto, ganhando corpo imediatamente no par simbolico de

dois dardejamentos elementares, anuncia no sujeito a integra<;ao

d iacr6nica da dicotomia dos fone mas, da q  ual a l inguagem

existe nt e o fe re ce a   estrutura sincr6nica   a   sua assimila<;ao; do

mesmo   modo, a crian<;a come<;a a se comprometer com   0sistema

do discurso concreto do ambiente, r e produzindo m ais ou m en os

a proximativamente,   em seu   Fort!   e e m seu   Da!,   os voca bulos

q ue dele recebe.

Fort !   Da!   E   real mente ja e m sua   solidao que   0 desejo do

filho do hom em torna-se   0desejo d e   urn outr o, de urn  alt er egoque   0 domina   e   cujo ob jeto do dese jo e, dora vante, seu proprio

sofr imento.

Se a cr ian9a se dirige agora a urn parceiro imaginar io ou r eal,

ve-Io-a obedecer igualmente   a   negativid ade de seu d iscurso e,

tend o seu   apelo como efeito faze-Io esquivar -se,   ela procurara

numa intima9ao banidora a pr ovoca<;ao   d o retorno q ue a reconduz

aseu   dese jo.

Assim,   0sfmbolo se manifesta   inicialmente como a ssassinato

da coisa, e essa m orte constitui no su jeito a eterniza<;ao de   seu

dese jo.

o   primeiro sfmbolo em q  ue reconhecf:mos a humanidade em

seus vestfgios e   a se pultura,   e   a   intermedia<;ao da morte se

reconhece em qualquer    rela<;ao em que   0horn em entra na   vida

de sua historia.

Unica   vid a   que perd ura   e   que   e   verdadeira,   lima vez que   se

transmite sem se per d er ,   na tradi<;ao   perpetuada d e   sujeito par a

sujeito.   Como   n ao ve r d e q ue a lt ura s ela   transcende a vid a

herdad a   pelo   animal,   e   na qual   0 indivfduo evanesce na es pecie,

 ja q ue nenhum memorial distingue seu   efemero apar ecimento

d aqucle   q ue   a reproduzira na invariabilidad e   do tipo? Postas de

IlId o,   com   ef eito,   as muta<;oes   hipoteticas do   ph ylum   a serem

1111  'gradas   por uma subjetivid ade que   0   homem ainda   a bord a

IIJlcnas de   f or a, nada,   a nao   ser as experiencias em que   0homem

II associ   a,  d istingue urn rata d e   urn rato,   urn cavalo de urn cavalo

nada senao a   passagem inconsistente d  a   vida para a morte

, ao passe que   Empedocles,   precipitando-se no Etna,   deixa par a   sempre   presente na memoria dos homens   esse ate simbolico

d ' seu ser -para-a-morte.

A   li ber dade do   homem   inscreve-se inteira no triangulo cons-

lilulivo   da   renuncia que ele impoe   ao d es ej o do outro, pela

IImca9a   d a morte para   0  gozo do s f rutos de sua servidao   -

SII.•.if f cio   consentido de sua vida pelas razoes que dao   a   vida

hllmana   s ua d im en sa o - e pe la r en unc ia suicida do vencido,

'IIIC  I"r ustra   da vitoria   0   mestre/senhor q  ue ele deixa entregue   asua   desumana solidao.

Dessas imagens da morte,   a terceira e   0 supremo desvio pelo

q ual   a   particularidade imediata   do desejo, reconquistando sua

lonna   inefavel, en contr a   na d enega<;ao urn der radeiro triunfo. E

(- prcciso reconhecermos seu   senti do, pois com ela nos confron-

lamos.   Ela   nao e, com efeito,   uma perversao do instinto,   mas

It(ucla af ir ma<;ao desesperada d a   vida que e a   f orma mais pura

-'n q ue   reconhecemos   0 instinto de morte.

o   sujei to d iz " Nao!"   a esse brincar -de- passar -anel da inter  -

su b jctivid ade, on de  0dese jo so   se faz reconhecer por urn instante

 para   se  perder num   q uer er que e querer do outr o.   Pacientemente,

l'l' subtrai sua vida pr ecaria d  as agr ega90es docilizantes do Eros

d o   sfm bolo, para afirma-Ia enfim numa maldi<;ao sem palavras.

POl'  isso,   quando queremos   atingir no su jeito   0  que havia antes

d os   jogos ser iais   da fala,   e aquilo que   e primordial no nascimento

d os sfm bolos,   vamos encontra-Io na morte,   de onde sua existencia

I'elir a   tudo   0 que   tern d e   senti do.   E   como dese jo de morte,   de

Ialo,   q ue ele se   afirma para   os   outros;   se ele se identif ica com

() outro,   e   cr istalizando-o   na metamorfose de   sua imagem essen-

r ial,   c   nenhum   ser jamais   e   por ele   evocado senao e nt r  e   as

sombras   da   mor te.

Dizcr   q ue   esse senti  do mortal revel   a na f ala   urn centro externo

;)   linguagem e mais d o   que uma m etafor a,   e evidenciauma

l·slrulura. Essa   estrutur a e   difer ente da espacializa<;ao da circun-

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fer encia ou d a   esf er a ond e   nos   com pr azemos em   esquematizar 

os   limites   d o vivente e   de   seu meio: ela cOlTesponde, antes,   ao

gr u po   r elacional q ue a l6gica simb61ica designa topologicamente

como urn anel.

Ao   querer fome ce r d ele   uma   r epr esenta~ao   intuitiva,   parece

q ue,   mais do   que a superficialidad e de uma zona, e a forma

trid imensional d e   urn   toro q ue conviria   r ecor rer ,   na   medida em

que sua exter ior idade perifer ica e sua exter ioridade central cons-.   .  .   '-   ~

tltuem   a penas   uma   UnIca   r eglao.

Esse esquema sati sf az a cir cular i da de s em   f im do processo

dialetico que se pr od uz q uando   0 su jeito se apercebe de sua

solidao, quer    na ambigtiid ade vital do dese jo i me d  iato, q  ue r n a

 plena assunc;ao de seu ser- para-a-morte.

Mas nele se   pode apreend er, a o  mesmo tempo, q ue a di aletica

nao e   individual, e que a questao do ter mino da ana li se e a   d o

momento em q  ue a satisfa~ao do su jeito encontra m eios de se

realizar    na satisfa~ao de cada   ur n,   isto e, de todos aq ueles com

q uem ela se associa numa obra hum ana. Dentre todas   as q ue se

 prop6em   neste seculo , a ob ra d o  psicanalista talv ez se ja a m ais

elevad a, pOl'q ue   funciona como   med iador a entr e   0 homem   d a

 preocu pac;ao e   0 sujeito do s a ber absoluto.   Isso tambem   se   d a

 pOl'q ue   ela exige uma   longa ascese   sub jetiva,   e   que   jamais ser a

inter rom pida,   nao   sendo   0 f im   da   pr 6pr ia analise   did <itica sepa-

r avel d o enga jamento   d o suje it o em   sua pr <itica.

Que   antes   renuncie a   isso,   portanto,   quem nao   conseguir 

alcanc;ar em   seu horizonte   a subjetividad e   d e sua e poca. Pois,

como   pod er ia   f azer d e seu   ser    0eixo d a   tantas vid as   quem nada

sou besse d a   dialetica   que   0 compromete   com   essas v id as   num

movimento simb6lico.   Que   ele   conhe~a   bem   a es pir al   a   que   0

an'ast a sua e poca na o bra contfnua   d e Babel, e q ue conhe~a   sua

f un~ao   d e   interpr ete   na   disc6rdia   das   Ifnguas.   Quanto as trevas

d o   mundus   ao   r ed or d o   qual   se enrosca a   imensa   tor r e,   que   eled eixe   a visao   mfstica a   tar ef a d e   ver elevar -se ali, sobre   urn

 bosque etemo, a   serpente   putr ef a ci en te d  a   vid a.

Permitam-nos rir  , se   imputar em a   estas colocac;6es que   elas

d esviam   0 senti d o   d a o br a   d e Fr eu d d  as   bases   biol6gicas   que

\'1'   Ihes   ter ia augura do e enver edam pelas r ef erencias cultur ais

 por   que ela   e perpassad a. Nao queremos pregar -Ihes aq  ui   nem

II doutr ina   do fator    b,   pela q ual designarfamos umas,   nem   a do

f :llor    C,   onde reconhecer f amos as outras. Quis emo s a penas   r e-

1l'lll br ar-lhes   0a,  b,   c   desconhecido da estr utur a da   linguagem,

t'   r aze-Ios   soletrarem de novo   0 be-a- ba,   esq uecido, da fala.

Pois,   que receita haveria de guia-Ios   numa tecnica que se('or np6e   de uma e extrai   seus e feitos da outra, se voces nao

Il'conhec ess em d e u ma   e   d e outra   0 c am po e a f un~ao.

A ex periencia psicanalftica d esco briu no homem   0im perativo

do verba e a lei q  ue   0 f ormou   a sua imagem.   Ela m ane ja a

rlln~ao   poetica da linguagem para dar   ao dese jo dele sua mediac;ao

sim b6lica.   Que ela os fa~a compreend er, enfim, q ue e   no dom

till   r ala68 que reside toda a   r ealid ade   de seus   efeitos; pois foi

:It raves   desse dom   que toda realidad e chegou ao homem, e e por 

s 'u ato   contfnuo   que ele a man tern.

Se   0 espac;o definido   po r e s se d om d a f al a t cm q  ue bas tar 

 par a a   a~ao de voces c par a seu saber , ele   bastara tambem para

s 'u devotamento. Pois oferece urn cam po privilegiado.Quando os devas, os   homens e os   assuras, le-se   no   pr imeiro

 Ilrahmana   da q uinta   li~ao   d o   Bhr ad-ar anyak a   U  panishad  ,   ter -

lIlinaram seu noviciado com   Pr ajapati,   fizer am-Ihc esta   suplica:

.. Fala-nos."

"Da",   d isse Praja pati,   0d eus   d o   trovao.   "Haveis-me   ouvido?"

E os  d evas respond eram: "Tu nos   disseste:   Dam yata,   d omai-vos"

-   q uerendo   0 texto sagr ad o   dizer que as   potencias superior es

submetem-se a lei   d a fala.

"Da",   d isse Pr a ja pati,   0deus   do   tr ovao. "Haveis-me   ouvid o?"

E os   home ns rcspond er am:   "Tu nos   disseste:   Dat ta,   d ai"   -

t jucrendo   0 texto   sagrad o   d izer que   os   homens   se   r econhecem

 pelo   dom   da fala."Da" , disse Pra ja pati,   0deus   do trovao.   "Haveis-me   ouvid o?"

E os assuras res pond er am:   "Tu nos   dissestc:   Da yad hvam,   per-

(,x. Entend a-se   bem q ue nao se  t r ata aqui d os "dons"   q ue sao  se mpre reputad os

como   faltand o aos   novatos,   mas   d e urn tom que   com efeito   Ihes   falta mais  d oq ue   Ihes  co nviria.

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7/25/2019 Lacan - Função e Campo

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doai"   -   querendo   0   texto sagrado dizer que as potencias

inferiores ressoam   i t   invoca~ao da fala.69

Eis af ,   retoma   0texto,   0que a voz divina faz ouvir no trovao:

Submissao, dom, perdao.   Da da da.

Pois   Prajapati a todos responde: "Vos me ouvistes."

Var iantes do tratamento-padriio

Este tftulo, em simetria com outro que promovia a rubrica

entao inedita de tratamento- padrao, foi-nos transmitido, em

1953, por urn projeto pelo qual era responsavel urn comite de

 psicanalistas.   Escolhidos dentre diversas tendencias, nosso

amigo Henri Ey Ihes delegara na   Enciclopedia medico-cirur-

gica,   por sua competencia,   0   encargo geral que ele mesmo

havia recebido,   0dos metodos terapeuticos em psiquiatria.

Aceitavamos essa incumbencia em prol da tarefa de inter -

r ogar    0 referido tratamento em seu fundamento cientffico,

unico modo pelo qual podia surtir efeito a referencia implfcita

a urn desvio desse tftulo que nos era oferecido.

Desvio sumamente sensfvel, de fato. Pelo menos, acredita-mos ter aberto seu questionamento, ainda que sem duvida

contrariando a inten~ao dos que   0 promoviam.

Deverfamos pensar que essa questao tenha sido resolvida

 pela retirada deste artigo,   0que, por obsequio do citado comite,

ficou por conta da reformula~ao corriqueira na manuten~ao da

atualidade desse tipo de obra?

Muitos viram nisso   0   sinal de uma certa precipita~ao,

explicavel, no caso, pela propria maneira como uma certa

maioria viu-se definida por nossa crftica. (0 artigo foi publicado

em 1955.)

••Variantes do tratamento- padrao"   -   esse tftulo cria urn pleo-

n<lsmo, POl'em nada simples:   Isalientando-se pOl'uma contradi~ao,

I   Em   1966, digamos que   0 consid er amos abjeto.   [sso que nos sai da garganta

II 'rmile-nos reescrever   com mais   leveza nosso primeiro capitulo.