lacadee-modernidade ironica e a cidade de deus

22
5/20/2018 Lacadee-ModernidadeIronicaeaCidadedeDeus-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/lacadee-modernidade-ironica-e-a-cidade-de-deus 1/22

Upload: alexdgc1

Post on 10-Oct-2015

69 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    1/22

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    2/22

    A M O D E R N I D A D E I R N I C A E

    A C I D A D E D E D E U S1

    P h i l i p p e L a c a d e

    o c om en t ar o Sem in io l i v r o 23: o

    sinthom

    1975-1976), de Jacques La

    can, Jacques-Alain M i l l e r demo nstra co m o a ps icanl ise se mo str ou af inada

    co m o qu e f o i

    nossa

    m o d e r n i d ad e

    ( M i l l e r ,

    2005, p.17-18).

    A m o d e r n i d a d e i r n i c a , q u e sabe qu e t u d o n o

    passa

    de semblante , es t

    t r i u n f a n d o .

    E la pr o v oc a , c om o r es post a, u m c hoqu e e o r e t or n o ao pesos i n g u

    lar que assume entre ns , a tualmente , a t radio e mesmo a revelao como p r i n

    c p io de u m a m or a l idade ob j e t iv a ( p . 18 ) . Passa-se novamente a levar a sr io a

    r ev e la o , n o pon t o em qu e a m or a l idadeestabelece o que a norma, o que es t

    b e m , o qu e es t m al . Tem os , en t o , u m a m o der n ida de t r i u n f a n t e , na qual os su

    je i tos so tom ado s pela verdade da reve lao (p . 18) . A mod ern ida de aspira , en

    f i m ,

    a um discurso que no seria semblante, da o seu gosto pela avaliao, pela es

    tatstica,

    cujos

    apoios so a t radio e a revelao de um discurso proveniente da

    cincia ou da rel igio, que di r ia , e n f i m , toda a verdadesobre o que deve ser a vida

    e o s e r hu m an o.

    A

    m o d e r n i d a d e d o p a i s u a m i s s o e s u a d e m i s s o

    Em b or a Lac an t en ha pr ec i s ado qu e o N om e- do- P a i n o passa de u m s em b lan

    te , o pai perm anece , para e le , com o aquele q ue deve t ran sm it ir u m cer to saber fa

    zer com o m u n d o , i s to , co m o negociar a questo de sua v i d a , que questo de

    goz o , e c om o apar e lh - lo c o m a l in gu age m , lu gar on de se a lo ja a qu es t o d o v i

    v en te s exu ado . Lac an de m on s t r o u , n o Sem in io l i v r o 17: o vessod a ps i cani -

    se 1969-70), que a cas t rao no procede do pai , mas da l inguagem. Os mitos de

    F r e u d

    sobre o pai so contos, f ices necessrias para romancear a perda de gozo.

    ' Con f ern c ia p rof e r ida em Belo H o r i z o n t e e m 2 4 d e j u n h o d e2006, p o r o c a s i o d a X I I l o r n a d a d a E B P - M G .

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    3/22

    Nossa hiptese a de que o pai co ns t i tu i , de fato , o

    agente

    da art iculao da

    l i n

    g u a g e m .

    Ma i s

    tarde, Lacan se serve da carncia do pai de

    Joyce

    para demonstrar , em

    nossa

    poca m od ern a, o que deve ser jus tam ente a misso do pa i , aquela que

    ele deve

    saber

    t ransmit ir .

    Trata-se

    da misso de humanizar o

    desejo

    na lei

    signif i

    cante, cuja verso m ode rna seria: ens inar a co m un ica o ( M i l l e r , 2005, p . 2 4 ) ,

    o u seja, fazer valer o que art icula um s igni f icante com um s igni f icado, i s to , e lu-

    cubrar uma l inguagem que cons is ta em i n t r o d u z i r um a ro t i n a que per m i te que o

    signif icante

    c o i n c i d a c om o s i gn i f i c a d o . L a c a n , dessa maneira , reatual iza um certo

    uso da me tfora paterna , ins is t indo na funo d o s igni f icante , mas com o cuid ado

    de plural izar o N om e- d o- Pa i e s a l i en ta r adescoberta de seu ob jeto a o u

    seja,

    esse

    res to lgico, mas no menos

    at ivo,

    qu e escapa dimenso s igni f icante . Jacques-

    A l a i n M i l l e r

    m os tro u que a exigncia do mais -de-gozar q ue ten de a sub st i tuir o

    regime do pai sob a gide do s igni f icante mestre que

    civil iza,

    que pro b e , que re

    gula

    s egun d o um a l e i .

    A conse qu ncia disso o reinado do go zo , que no favorece o enga jamen to

    no s imbl ico, no favorece o engajamento em relao ao O u t r o , e no favorece,

    pois ,

    a dimenso da f i l iao e da transmisso, mas s im o exerccio do gozo pulsio-

    nal

    d o U m .

    r e v e l a o o u o sinthoma

    Lacan mo stra que um a das consequ ncias da demisso do pai que o s igni f icante

    serve

    m a i s a o go z o d o que c om un i c a o . A s s i m , d e um a s v ez ,

    escreve

    d e o u

    tr a maneira o s intoma do sujei to e sua verso do pai como s intoma. O s intoma se

    t o r n a

    o que tes temunha a pos io de gozo do sujei to naa l ngu a.

    Essa

    posio

    aquela que adotam alguns

    adolescentes

    de nossa m o d e rn i d a d e , n a qua l atac am d e

    maneira i rnica a prpria ra iz da l inguagem e do lao soc ia l . Trata-se d e um a po

    sio que qualifica seu ser

    s i n t h om i co

    e tem valor de uma funo reparadora , que

    lhes d certa cons is tncia imaginria do co rp o; da seu go sto p elo m o vi m en to , pela

    rapidez e pelo

    hi p-hop.

    E

    pela via do

    si nthoma

    prprio a

    cada

    u m , q u e d e v e m o s

    destacar

    o per i go que

    h em fazer crer que a soluo

    viria

    de uma revelao que preconize o retorno a

    u m

    O u t r o u n iv e rs a l q u e seja U m , um O u tr o que f az crer na rev e l a o d e um dis

    curso novo, por exemplo, um discurso securi tr io que se apoia na aval iao do ris

    co o u em u m falar ve rd ad eir o , e den unc ia , po r sua vez , mas de maneira inteira

    mente di ferente de Lacan, que

    t u d o

    n opassa de s em b l a n te . S a b er a m os , e n f i m , o

    que seria ou n o u m v erd a d ei ro j o v e m e o que seri a,

    desde

    a idade de trs

    anos,

    C U R I N C A N 2 3 N O V 2 0 0 6 E B P M G

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    4/22

    u m a

    c r i a n a d e l i n q u e n t e . C o m L a c a n e seu

    sint homa

    c o m o v iada s i n g u l a r i d a d e

    repa ra dora doss o f r im e n t o s m o d e r n o s , p r o p o m o s umaa l t e r n a t i v a rev ela oda

    m o d e r n i d a d e t r i u n f a n t e qued i r i a ,

    e n f i m ,

    o

    v e r d a d e i r o . C o m L a c a n , t e m o s

    de fa

    zer valer

    a

    s o l u o

    s i n t h om i ca

    q u e

    cada

    u m i n v e n t a d i a n t e

    do

    rea l f o ra

    de

    s e n t i

    d o ,

    esse real revelado pela psicanlise,noq u a l

    cada

    u m semig u a l .

    G o s t a r a m o s

    de

    m o s t r a r c o m o ,

    emnossa

    p o c a m o d e r n a , m u i t o s j o v e n s

    se

    acham em rela o diret acom um uso da l n g u a , do s i g n i f i ca n t e c o m o causade

    g o z o , c o m o c o n s e q u n c i a dad e m i s s o p a t e r n a , q u e n ose e n c o n t r a m a is o r d e n a

    danor e g i m edop a i ,

    aquele

    daa rt icula o s ig ni f ica n t e , ma s s imnor e i n odo o b j e -

    t o

    a

    e m

    sua

    v erso

    de

    m a i s - d e -g o z a r . M a s t a m b m c o m o

    eles,de

    m a n e i r a p a r a d o

    x al , f a zendo v a ler seus

    seresdesi nthoma aos

    qua is a lguns

    se

    r e d u z e m , in v e n t a m

    solues repa ra dora sevitais , m u i t a svezes e m u m i m p a s s e , ap a r t i rdo quen o m e a

    m o s N o m e s - d o - P i o r .

    O

    p i que se q u e i x a e quedes prende fa la r

    K a f k a d e n u n c i o u , e m su a f am o s aC a r t a ao p a i q u eelen u n c a l h e e n v i o u ,op a ique

    n oencarna ma isesse p o n t odeo n d eascr ia na s v e r i a m , pa ra a lm dele , uma sa

    d a ,

    uma perspect iv a . Ka f kase

    desesperava

    c o mo t i p odep a iquet i n h ae que, pa ra

    ele, no representava maisaa u t o r i d a d e . Elep r p r i o ,que represent a v a top r o d i

    g i o s a m e n t e

    a

    a u t o r i d a d e

    aos

    m e u s o l h o s , n o

    seguiaas

    o r d e n s q u e d i t a va

    ao seu fi

    l h o

    2

    ( K a f k a ,

    1919,

    p .

    33). Esse

    imposs v el

    de

    u m a r e l a o

    serena

    c o m m e u p a i ,

    q u e t a m b m se queix a v a de suavida em p b l i co e se l a m e n t a v a p a r a si m e s m o ,

    n o e n c a r n a n d o d u r a n t e su a vidaaposiodee x c e o , d a q u e l e q u e sabe c o m ofa

    zer com suav i d a , c o mseug o z o , te ve c o m o c o n s e q u n c i a o f a t ode que ele

    desa

    p r e n d e ua

    f a l a r

    (p . 35) e,

    c o m o p e r ig o s o ef e it o s e c u n d r i o , h a b i t u - l o

    a

    r e c u

    sar

    o

    r e g i m e

    do

    p a i ,

    a

    no levar m u i t o

    a

    srio

    ascoisas

    q u e j u s t a m e n t e

    se

    deveria

    levaras r i o ( p .41).

    A

    falta

    deseriedade

    dessa a u t o r i d a d e

    que

    K a f k a d e n u n c i a v a a s s im ,

    de

    m a n e i r a

    t o s i n g u l a r ,no c e r t a m e n t e amesma hoje emd i a .Naf am li a m o d e r n a ,os va

    lores

    se

    desloca ra m

    e

    p e r m a n e c e m

    em

    d e s lo c a m e n t o c o n t n u o .

    A

    famlia est mais

    e s t r u t u r a d anoa m o re nog o z o do que nosvalores ideaisdob e m ,do p a t r i m n i o ,

    d o

    n o m e

    a se t r a n s m i t i retc.

    D e t o d o m o d o , F r e u d ,em seut e x t o

    Romances ami l i ares

    m o s t r a r a o p a r a d o

    x o

    que o

    s u j e i t o e n c o n t r a

    em seu

    c r e s c i m e n t o :

    Ele sesepara da

    a u t o r i d a d e

    dos

    N .

    do T. Natradu o b ras i le iradae d i t o r a

    L P & M ,

    l- se : o h o m e mque dem a n e i ra tog r a n d i o saera a m e d i d ade todas

    as

    coisas,

    noa t e n d i aele m e s m o aosm a n d a m e n t os que me

    i m p u n h a .

    9

    INVENES

    P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    5/22

    pais, eesse um dos efei tos mais necessrios , mas tamb m mais dolo rosos do de

    s e n v o l v i m e n t o (F re ud , 190 8 , p . 24 3) . A o se separar da

    r o t i n a ,

    resta-lhe a solu

    o d e f az er u m n om e pa ra si ou d e en c o n tra r um a l n gu a ou u m n ov o a m or ,

    c o m o R i m b a u d o i lustra .

    3 8

    O p a i q u e

    fede

    a derrot e o s e r h u m i l h a d o p o r c a u s a d e

    outr

    p e s s o a

    Para

    a lguns , o pai no mais aquele qu e, sabendo co m o fazer co m av i da , d e m o n s

    tra

    aos seus f i lhos que o que faz co m ela d ig n o de ser amad o e at me sm o res

    p e i t a d o ,

    ta l como diz to bem

    K a r i m ,

    u m jo v e m

    r pper

    da peri fer ia qu e, depois de

    u m

    tem po d e c on v ers a n o l a b ora tr i o L i n gua gem e C i v i l i z a o d o Cen tro In ter

    disc ipl inar d a In f n c i a ( CIE N ) , d em a n d ou um a a n l i s e :

    E

    o u t r acoisa q u a n d o o c a r i n h a v t o d o d i a p e l a m a n h s e u p a i q u e n o v a i t r a b a l h a r ,isso enche

    a c a b e a d e u m c a r i n h a . A l g u n s n u n c a v i r a m s e u pa i t r a b a lh a r , f a z 1 5 anos qu e e le e s t d e s e m

    p r e g a d o . V o c t e m v e r g o n h a . A l m d i s so , o p a i d i z p r a s i m e s m o : e u n o t r a g o p o p r acasa, e u

    n o s o u u m h o m e m . O

    cara

    e s t a , e l e f e d e a d e r r ota . Voc

    pensa

    q u e o c a r i n h a n o sabe d is

    so? O c a r i n h a h u m i l h a d o p o rcausa d e o u t r apessoa ( L a c a d e , 2005, p . 3 3 2 ) .

    Ka r i m nos d, assim, sua verso moderna da demisso do pai . O f i lho te maces-

    so diret o a um pai que no sustenta mais a funo paterna, tornan do-se um apessoa

    a n n i m a , que , porcausa de sua derrota ,h u m i l h a , sua revelia, o f i l h o , que disso se

    env ergo nha . O pai no est mais al i para velar o ob jeto real , da nd o u m nom e ao real ;

    ao contrrio, no h mais ningum para

    i n t ro du z i r

    o

    filho

    em uma dvida s imblica

    devida

    f u n o d o N o m e - d o - P a i .

    Cabe

    ao sujeito subjetivar

    essa

    dvida. A hu m i l ha

    o do pai faz com que o sujeito se sinta privado dela. A dvida lhe foi arrebatada e,

    c o m isso, ele sente no dever nada ao O u t r o , decorrendo da seu sentimento de ser

    fora

    da Lei . O

    filho

    vive, ento, seu ser

    h u m i l h a d o ,

    c om o um a b a n d on a d o pe l a ev o

    luo da sociedade moderna, e no

    sabe

    mais o que o separaria disso.

    m o d e r n i d a d e i r n i c a e a p e r i f e r i a d o s i g n i f i c a n t e

    A

    cr iana da peri fer ia , que aquela da qual se serve atu alm ente u m ho m em de Es

    tado paraestabelecer um discurso

    cego

    sobre a au torid ade , a mais prxim adessa

    crian a-d ejeto qu e enco ntra a a certeza de seu ser, co m o

    K a r i m

    o diz to be m . Ela

    est a , pr efe rin do se

    assegurar

    de sua certeza de gozo e usando uma l ngua c o d i

    f icada que representa para ela a autoridade. Ela j foi separada dessa r o t i n a ( L a -

    C U R I N G A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    E B P M G

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    6/22

    i n

    1 9 8 5 , p . 5 8 )

    3

    , que teria feito de sua v ida um desenrolar fe l iz , se

    tivesse

    c o n

    sentido em

    passar

    pela amarrao do s igni f icante e do s igni f ica do , usan do, en to ,

    do

    saber de que o O u t r o seria p o r t a d o r .Essesaber no representa mais a a u t o r i

    dade, e la desaprendeu a fa lar a l ngua do sentido comum. Se a confrontarmos em

    demasia com o s ignificante autoritrio, ela atualizar seu ser de dejeto na autodes

    truio, queimando o carro mais prximo.

    A

    evoluo da sociedade, na evoluo de seu discurso, ps a nu as referncias

    s imbl icas , o respei to do sujei to p or sua dign ida de , faze ndo -o cair progress iva

    m en te n o es ta tuto d e ob j e to til ou inti l lei do mercado. As famlias , na con

    dio de abrigo de uma l ngua em que se estabelece a r o t in a necessria para que

    se elabore uma histria e se invente uma posio subjetiva, em que a criana o

    pai d o h o m em , s egun d o Fre ud , v i ra m -s e n o s progres si v a m en te m a l t ra ta d as por

    precariedades

    cada

    vez mais violentas e dif ceis de velar, como tambm reduzidas a

    condies de

    v i da

    n o

    l i m i t e

    do suportvel . A dvida

    lhes

    fo i reenviada, e pedimos

    cedo

    demais cr iana para ser um homem sem pai . O consentimento, no

    q u a l

    o

    Estado se engajava, f o i a b a n d on a d o h m u i t o t em po. E i n s i d i os a m en te d o l a d o d o

    discurso pol t ico , que larg ou a dign idad e de sua prpria tarefa , que vem os surgir

    um

    m o d o de falar que n o se art icula nem mesm o ao O u t r o , mas s im estatstica,

    qui lo que se cont abi l iz a ou no em termo s de renta bi l idad e. U m a palavra que no

    se faz mais responsvel por seu engajamento, salvo o de ser conforme quilo que

    quer a c i f ra da sondagem.

    Estamos

    v erd a d ei ra m en te n o s uperm erc a d o d a r ique

    za, que

    d is tr ibui

    seus bens ou no, em funo de bons c ri tr ios . A o m es m o te m

    p o ,

    do lado da precariedade que o ser humano

    r e d u z i d o ,

    n o m e l h o r d o s

    casos,

    a u m ser c o loc a d o n a pra te le i ra c om o um ob j e to a ser c o n s u m i d o ou , n o p i o r , a

    um a

    mancha a ser e l iminada.

    Nesse c on tex to , a l gun s adolescentes m o s t r a m , c l a r a m e n t e , c o m o essa pos io

    de rebotalho os leva a

    atacar

    o lao socia l que es t na ra iz da l ingu ag em , co m o, de

    maneira ainda mais aguda, so

    esses

    sofr ime ntos que no pararam de agi tar seus

    corpos , tornando-se sua nica cons is tncia , prec isamente onde a lguns

    v i r a m

    t o -

    somente

    d i s trb i os de c om po rta m en to a s erem reed uc ad os .

    Para

    alguns, sua fam

    l ia,

    o u o q u e resta dela , fo i des integrada, pu lveriza da pela evo luo da sociedade,

    e o

    Estado

    pre ten d e

    recolocar

    em seu lugar

    essa

    a utor i d a d e , n a c on d i o d e po l

    c ia ou representante da le i , d ireta me nte em conta to c om o sujei to , que s pode re

    j e i t - l a , d en un c i a n d o sua i m pos tu ra . O en f ren ta m en to l h e serve para se sustentar

    anteessa

    autoridade que ele

    contesta,

    mas sob o modo de sua posio desrespeito

    sa. Estimando-se no respeitado, ele no respeita o

    O u t r o

    e

    suas

    d i f eren tes m od a

    lidades de presena diante de s i .

    3 Jacqucs-Alain

    M i l l e r

    c o m e n t a

    essa

    passagem em eas vuls s

    ( M i c r , 2005 .

    INVENES P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    7/22

    a b a n d o n o d o p a i e o d e s t i n o d e m e r d a

    E m

    seu romance Am a n h num boa Faiza G u n e, um a adolescente de 15 anos,

    d s eu tes tem un h o dessa pos io de cr iana-dejeto , cuja i ro n i a se torna uma arma

    para

    atacar

    o lao social na prpria raiz da l inguagem.

    F o i

    o c o l g i o q u e m e m a n d o u p r a l ( a p s i ) . O s p r o f e s s o r e s, e n t r e u m a g r e v e e o u t r a , r e s o l

    v e r a m q u e e u p re c is a v a v e r a l g u m p o r q u e

    eles

    m e a c h a v a m f e c h a d a . . . V a i v e r

    eles

    t m r a z o ,

    n o s e i, t m e l i x a n d o , q u e m p a g a o g o v e r n o . ( .. .)

    A c h o

    q u e fiquei a s si m d e sd e q u e m e u p a i f o i e m b o r a . F o i p r a l o n g e . V o l t o u p r o M a r r o c o s

    p ra casar

    c o m o u t r a m u l h e r p r o v a v e l m e n t e m a i s n o v a e m a i s f r ti l q u e m i n h a m e . ( .. .)

    Q u e b o s t a d e d e s t i n o . O d e s t i n o u m a m e r d a p o r q u e n o d p r a m u d a r . Isso q u e r d i z e r

    q u e o q u e q u e r q u e v o c f a a , v o c v a i s e m p r e s e f e r r a r se faire couilkr). M a m e d i z q u e , se

    p a p a i d e i x o u a g e n t e , p o r q u e

    estava

    e s c r i t o . P r g e n t e ,

    isso

    o mektoub o d e s t i n o . E c o m o

    o r o t e i r o d e u m f i l m e e m q u e n s so m o s o s a to r e s . O p r o b l e m a q u e o r o t e i r i s t a n o t e m

    t a l e n t o

    n e n h u m . E l e n o

    sabe

    c o n t a r l i n d a s h i s t ri a s ( G u n e , 2004, p .

    5-14).

    Fa z a , s i m ,sabe contar . Esse romance um es foro de escr i ta para

    t ra du z i r

    seu

    dest ino de merda e amarr- lo a seu sentimento de ex l io prprio , reatual izado na

    a d ol es c n c i a . E s f or o que , pa ra a l m d o s of r i m en to d o d es t i n o d ol oros o , o red uz

    vias i n t h om i ca d e se f az er u m n o m e . E um tes tem un h o ta n to m a i s prec i oso

    p o r q u e

    i l us tra o m a l- esta r c on tem por n eo

    desses adolescentes,

    a q u e m o r e g i m e

    d o pai no deu a funo significante necessria para se fazer na vida . H o u v e t r a n s

    misso, mas no aquela que se

    espera

    para gar antir criana a ro ti na que associaria

    o s igni f icante do N om e- do -P ai ao s igni f icado de seu ser d e des t ino de m er da .

    Essa boa rot ina na qual e la receberia do Outro

    esse

    sentimento de que ela per

    tence

    a um a fam l ia (Lacan , 198 5 , p . 58) , na qual agarraria a dig nid ad e e o res

    p e i to

    de se sentir amada:

    P a p a i q u e r i a u m filho m a c h o . C o i s a d e o r g u l h o , p o r causa d o n o m e , d a h o n r a d a f a m l i a , e

    m a i s u m m o n t e d e r a z e s

    babacas.

    M a s e le s t e v e u m a

    filha.

    E u . D i g a m o s q u e eu n o c o r

    respondesse

    e x a t a m e n t e e x p e c t a t i v a d o c l i e n t e . E o p r o b l e m a q u e a

    coisa

    n o c o m o n o

    s u p e r m e r c a d o : n o d p a r a t r o c a r . E n t o , u m b e l o d i a , o

    cara

    d e v e t e r p e r c e b i d o q u e n o

    a d i a n ta v a in s i s ti r c o m a m a m e , e se m a n d o u ( G u n e , 2004, p . 6 ) .

    A

    soc iedade m od ern a e ,nessecaso, o

    peso

    d a t ra d i o d o pa i , o b a r b u d o , re

    du z i ra m a f u n o d o N o m e - d o - P a i a u m

    desejo

    a n n i m o d o c l i en te , que d e i xou

    e m ques t o apenas o que se dedu z do pai real , co m o res to de seu c o lh o real , e

    a f am li a a u m s uperm erc a d o , C a r re f o ur .

    C U R I N G A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    EBP MG

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    8/22

    C o n f r o n t a d a

    c o m

    esse

    des t ino de no

    receber,

    Faiza nos mostra de que maneira

    a escrita

    t ra t o u

    seu abandono, o resto que ela encarna,

    i n d u z i d o

    pela pa rt ida do pai .

    E m seucaso,a escr ita t rata uma parte do go zo do sujei to , ma nt en do -o dis tncia de

    um apassagem ao ato. O romance de Faza

    ilustra

    q u e ,nessetem po lgico d a adoles

    cncia , o que faz fa l ta a a lguns um O u tr o que diga s im ao no vo , que a cr iana.

    C o n f r o n t a d a

    c o messa carncia do pai e comseus efeitos d eletr ios sobre o de

    sejo da me, Faza tes temunha o sofr imento que provm da e que a fecha em si

    mesma. E la nos permite correlac ionar o choque com

    esse

    des t i no de n o

    receber

    d o

    O utr o o s i gn i f i c ante do N o m e- do - Pa i , que t r az a m ar c a que d i ga s i m , que t r az

    u m

    dizer que acusa recepo do ser no mundo e que saber responder a i sso , des-

    pender cuidados paternos a

    esse

    o b j e t o a que seu

    filho

    - r u p t u r a de prom essa -

    e o que da resul ta , correlat ivamente,destav ez , no l ugar do s i gn i f i c ado . L u ga r que

    chamo de lugar da c idade i rnica , no qual a consequncia da carncia do pai que

    a

    i ronia

    se torna a nica arma, pela v ia da auto-

    n o m i n a o

    e da inveno da l n

    gua da autent ic idade, para se defender do real fora do sent ido . Lugar onde a p r o

    vocao l inguageira e o in sul to tm d ire i to de c idade: Q u e bos ta de des t ino . Odes-

    t i n o um a m er da po r que n o d pr a m udar .

    Isso

    quer dizer que o que quer que

    voc faa, voc vai sempre se ferr ar (p . 13 ) .

    E nessa

    c i dade do s ign i f i c ado que des t i n o de m er da o que o s uto-n^ homeia

    como pedaos de real , cr ianas ob jeto

    a

    que r ea l i z am o que es t l i gad o a nada . U m

    real

    posto n o m u n d o sem art iculao s igni f icante , d o qual um a das so lue s dar

    consistncia imaginria a

    seus

    corpos .

    D a

    p r o v o c a o l i n g u a g e i r a a o i n s u l t o omo N o m e d o P i o r

    S em m edi a o ,

    essa

    pr o v o c a o l i ngua gei r a , s e f er r a r , po d e

    chegar

    a o p o n t o

    de c o nt r adi z er a pr pr ia es snc ia da no m ea o do N o m e- d o - P a i c o m o Pa i de um

    no m e. A s s i m , em um m undo do qual o i dea l s e r e t i r o u , s u r g e m o s N o m e s - d o -

    Pior . O i ns u l to denu nc i a os sem b lantes do O u tr o e d i f icul ta a c o m u n i c a o . A c r e

    d i t a n d o visar ao mais ntimo e s ingular no O u t r o , o f e n d e n d o - o e a g r e d i n d o - o p e l a

    pr o v o c a o l i nguag ei r a , Fa z a , de f a to ,

    apenas

    des igna , o u m es m o

    rfhoniei a

    para o

    O u t r o ,

    seu prprio ser de rebotalho , ou mesmo de dejeto , seu des t ino de merda.

    A on de o i ns ul t o tem as mossobre o Id ea l , o prprio sujei to que es t em pe

    r i g o . O

    in s u l t o ,

    c o m e f e i t o ,assinala que tod a a amarrao p uls io na l ao s imb l ico

    falha

    e ameaa se verter napassagem ao ato.

    C o m seu se f er r ar Fa z a to m a po s i o na l ngua , t a l c o m o d i z a j o v e m de

    Vesquive d e A b d e l a t i f K e c h ic h e 2003), ainda que da maneira mais desrespei to

    sa . To m ar po s i o , em um a v ers o da l i nguagem na qua lesta mais prxima da

    INVENES

    P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    9/22

    al ngu a o useja, um uso do s igni f icante como causa de gozo que os isola de toda

    comunicao e de uma re lao com o saber d o

    O u t r o ,

    qu e r e c u s am , por i n t i m a r

    excessivamente.

    Esse uso daa l ngua i lustra a v oz dosinthom como operador de cons is tncia

    que permite ao real , ao s imbl ico e ao imaginr io manterem-se juntos . Lngua- .-

    thom

    como compensao da carncia do pai . Faiza faz com seu res to , reduzindo

    seu pai a um p u r o real que a p r o d u z i u , o u

    seja,

    s eu c o l h o . c o m isso que ela

    faz para s i um Nome-do-Pior , res tando- lhe , diante da fa lha da metfora paterna, a

    soluo de inventar sua a l ngu a: se fer rar .

    A qu e s t o qu e esseuso prov ocad or da l ngua levanta , se fe rra r , o u m eus co-

    lhes , que pontua sua l inguagem codif icada, decorre do fato de que essa l ngua

    no se

    separa

    do corpo do adolescente . Ela es t em contato d i r e t o c om o c or po

    p u ls io n a l . u m aa l ngua concebida co m o secreo d o co rp o. N o se ocupa dos

    efe i tos de sent ido,apenas de

    seus

    afetos. E irredutvel ao efeito de sentido. a l n

    gua do

    s i n t h oma

    o u

    seja,

    de seu ser de

    sinthom

    q u e

    eles

    tentam fazer arte pela

    via d or a p e d oh i p - h op . Lngua recheada de inter jeies sexuais , que os impede de

    assumir a po sio de ser sexuado separado. N s no tem os amig os po rq ue som os

    todos iguais aW assup Rocke r s de L a r r y C l a r k

    4

    .

    O

    P a i q u e d u m o m e

    E m raz o da carncia d o pai , o adolescente se enco ntra sem o pai que n om eia , pois

    n om e ar estabelecer uma re lao, ins tauraressa relao entre o sentido e o real .

    O prprio do sentido que se nomeia a alguma

    coisa

    e no que se faa com

    p r e e n d e r ( L a c a n , 1974-1975). A part i r do m om e n t o e m qu e s e n om e i a , h c o i

    sas que se supe que no se jam sem fundamento no real . Supe-se que

    elas

    te

    n h am c o m o base o r e a l ( M i l l e r ,

    2006,

    p . 26 ) .

    Para nomear a lguma coisa , presume-se que ha ja um acordo entre o s imbl ico e

    o real .Para f u n d a r , supe-se o Pai . E, para fundaresse a c o r d o ,deve-se reportar ao

    O u t r o , cu jo nome Tacques-Alain M i l l e r pr e c i s a , D e u s , o N om e - do- P a i . D e s de qu e

    se fala, cr-se em Deus, is to , cr-se no significante , que sempre paterno.

    A n t o

    n io D i Ciacc ia af i rma que o s igni f icante patern o s s igni f icante porq ue patern o

    2006, p . 15 ) . E por

    essa

    razo que se pode dizer que o homem

    f i lho

    do logos ,

    sendo a carga do significante , ento, a de reabsorver o gozo.

    4 O filmo Wassup Kockers

    desafias

    da rua d o d i re tor c roteir istaL arry C l ark , acomp an h a joven s de or i g em h i sp n ica n o su l

    de Los Angeles, que andam de skate c ouvem

    p u n k

    rock cm Beverly H i i l s , onde se interessam pelas meninas ricas da re

    gio.

    L arry

    Cl ark rea l i zou , cm 1995 , o

    f i lme Kids,

    com temtica semelhante.

    C U R I N G A N 2 3 N O V

    2 0 0 6

    E B P M G

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    10/22

    Lacan chama deN om e- d o- P a i a qui l o c u ja f un o ra d i c al da r u m n o m esc o i

    sas, pela viade umc e r t o n m e r o de marionetes , entre as quais Ado. O N o m e -

    d o- Pa i o paique d o n o m e ,quen o m e i aascoisas.Recebemos dele esses nomes

    dados

    s

    coisas,

    e

    crem os nisso. Desde

    que

    cremos

    na

    l in g u a g e m ,

    no

    fa to

    de que a

    l i ng u a g e m

    c om un i c a , f a l a m os

    o

    s e n t i d o c o m u m .

    N o p r i m e i r o ens ino

    de

    L a c a n ,

    o

    N o m e - d o - P a i associa

    o

    s i gn i f i c a d o

    ao s ignif i

    cante

    c o m o p o n t o

    de

    basta.

    J em seu

    l t imo ens ino,

    o

    N o m e - d o - P a iassocia

    s im

    bl ico

    e

    real ,

    e

    designa

    o

    efei to

    do

    s i m b l i c o en q ua n to

    eleapareceno

    real .

    D a C i d a d e

    onde

    seauto n }homei de N o m e d o P i o r

    N a

    C i d a d e

    de

    Deus , s i tuada

    no

    para alm

    da

    a b b a d a

    celeste,

    mas no

    Bras i l ,

    em

    a lg um l uga r

    no

    inconsciente

    do Rio de

    Janeiro, long e

    do

    C r i s t o R e d e n t o r ,

    das

    praias

    de

    Copacabana

    e do

    carnaval , co m o diz Paulo

    L i n s ,

    numa favela gangrenada

    pelo trfico

    de

    d roga s

    e

    pela guerra

    de

    gangues, so

    as

    prprias crian as

    que se

    n o

    meiam c o m u mdosN o m e s - d o - P io raosquaiselas s o c on f ron ta d a s ( L i n s , 1997)5 .

    Estando asem esperana ,elasse t o m a m p e l o n o m eque d oa simesmas , nolugar

    onde arrastamsuas b un d a s , b em per todasarjeta. Ascr ianas desco brem a si mes

    mas,

    ao

    m e s m o t e m p o

    que

    descobrem

    os

    ob jetos

    que

    e n c o n t r a v a m

    na

    ru a . A s s i m ,

    Busc a-P es t sempre p ro n to para " i r ver

    o

    pa d re J l i o ,

    a fim de,

    u m a

    vez

    confes

    sadosseus

    pec ad os , c om et- l os n ov a m en te ,

    tal

    c om o um a a l m a erra n te

    em

    cada

    canto da ruadeste m u n d o excess iv a m en te m od ern o . ...)

    Para

    ele s a erva era a

    luz de suavida: dava sede, f om e e s o n o " ( L i n s , 1997,p.12-13) Ela lhem os tra

    va

    o

    c a m i n h o .

    Ele se

    enraivecia, ainda

    que

    c o n t e n d o u m s o l u o ,

    e no ia escola,

    m e s m o

    se

    t ivesse medo

    da

    r u a ,

    do

    m n i m o ob j e to ( p .

    13-14).

    H o u t r o s , c o m o T u t u c a , I n f e r n i n h o

    e

    M a r t e lo ,

    que

    en c on tra ra m pa ra

    si

    mes

    mos nomes part iculares ,

    e

    cuja nica esperana

    de

    vida

    a de se

    t o r n a r e m c r i m i n o

    sos

    ou

    b a n d i d os , po i s

    essa a

    nica m aneira

    de

    serem respei tados p or tod os , co m o

    eram todososb a n d i d o sdolugar onde cresceram (p .26).

    Nessa

    or ientao, subl inhemos

    a

    verten te d efensiva,

    l imite

    da falta

    de

    respeito

    e do

    insulto

    diante

    da

    prox i m i d a d e

    de

    sentimentos psquicos doloro sos,

    at

    m es m o insu

    portveis,e que sconseguem se

    t raduzir

    p o r u musod es t ru i d ordaspalavrasepela

    demanda paradoxal de respeito como um dos nomes dosinthom desses

    adolescentes.

    A q u i ,

    ainjria resta co m ooltimo anteparo diante da passagem aoa to .

    Para

    Lacan,o

    insulto

    s igno do real , mas tambm um

    processode

    nom eao que faz

    fracassara

    n o

    meao

    do

    N om e- d o- Pa i c om o Pai d o n om e, s egund o

    seu

    ltimo ensino.

    s

    idade de

    Deus

    de

    Paulo L i ns ,

    o

    r oma n ce

    que

    in s p i rou

    o

    filme,

    de

    m e s m o n o m e ,

    d i r ig ido

    por

    F e r n a n do Me i r c l l e s .

    INVENES P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    11/22

    D a

    c a r n c i a d o p a i i n v e n o d e u m a l n g u a o u d e u m a e s c r it a s i n t h o m a :

    o g r a f i t t i

    Nesse

    caso, eles inventam uma l ngua de gozo da qual o insul to se torna aqui lo

    que capi ton eia seu ser, princ ip alm ente fora do sen tido . Fora do sen tido da co m u

    nicao, aquela do regime do pai ,essa l ngua

    desemboca

    em u m a pos i o d e i m

    passe, em um rea l que n o tem s en t i d o , eeles s e torn a m s ob retud o s erv os d a po-

    l i fonia da l ngua.

    Alm d isso, o adolescente o que ataca a rot ina (aquela que associa, no discur

    so estabelecido, o s ignifican te ao s ig nifi cad o), s i tu an do a , sem o saber, o lugar do

    qu e, para ele , representa a autorid ade , da

    qua l ,

    segundo Freud, sua dolorosa tarefa

    de adolescente ob riga -o a se separar . Ass im co m o R im ba u d , em no m e de sua ver

    dadeira v i da ,

    de sua l iberda de, e a tualmen te em no m e dos dire i tos da cr iana de

    gozar como ela bem entender, e le proclama um uso

    livre

    do s igni f icante , ou

    seja,

    a l iberdade do s igni f icante sem nenhuma l igao a um s igni f icado, aquele que lhe

    serve mais para gozar da a l ngu a d o que pa ra c om u n i c a r . E u

    in s u l t o ,

    c h i c ote i o a

    l ngua com frenes i .

    E

    p o r

    isso

    que o

    Sem i n io l i v r o 23: o si n t h oma

    de Lacan, nos mostra como

    a l ngua

    o conc ei to que qu er dizer que o s igni ficante serve ao go zo e que a

    f u n

    o do pai aquela que no deve deixar seu filho esquecer que a l inguagem serve

    ta m b m pa ra c om un i c a r . O i n v en to r d o

    graf i tt i

    F u t u r a2000 rev e l a d e m od o m o

    d e r n o c o m o e l e e n c o n t r o u

    esse

    m o m e n t o d o l o r o s o d e s c r it o p o r F r e u d , ao

    desco-

    br i r

    u m

    alcance

    essencialmente subversivo na escrita im ed iata da inve no de seu

    n o v o

    n om e, em qu e subi tam ente a autorid ade paterna lhe fez fa l ta , i lus tran do um a

    verso da carncia do pai , log o que ele soube que t inh a s ido ado tad o (Fern and o

    Jr. 2000 . Pois bem, nesse gnero de escrita que ele entendeu se sustentar com

    s eu n ov o a l ter ego , c r i a n d o pa ra si u m n ov o n om e, um a n ov a i d en t i d a d e que re

    presentar um a au torid ade . E da , de onde ele se sentiu desm oron ar, da ond e o

    p i o r su rg i u , que ele inscreve seu ser fora do sentido no que ser o nome de seu

    s i n -

    thoma.

    U m n o m e qu e e le quer que

    seja

    legvel pelo maior nmero de pessoas em

    m o v i m e n t o . E m o u t r o s t e r m o s ,essen o v o n o m e , F u t u r a

    2000,

    escr i to no

    t r e m

    d o

    m e t r o ,

    se tornar o ponto de onde ele ser, a part i r de ento, v is to pelo maior n

    mero possvel depessoas. Og r af i t t i me apareceu co m o o m elh or m eio de lanar

    m i n h a n o v a i d e n t i d a d e .

    Ma s ta m b m pel o

    r ap

    e pelo

    hip hop

    i n v e n t a d o p o reles como nova prt ica de

    n o m e a o q u e

    essesadolescentes

    se apoiam emseusN om es - d o- P i or pa ra f az er v a

    ler, s ob re um a O utracena, sua maneira de jogar com o W i t z f reud i a n o , que n o

    quer a c a b e a d o O u t r o , mas

    busca

    traz-lo para sua causa. Trata-se de p r o d u z i r

    u m a

    dis tncia , mas completada por seu reconhecimento pelo O u t r o ; o tod o n o

    C U F U N C A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    E B P MG

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    12/22

    desconcertar o

    O u t r o ,

    preciso a inda obter seu consent imento, sua aquiescncia ;

    preciso ainda que o O u t r o d i g a ' S i m ( M i l l e r ,

    1995-1996 .

    f u n o d o p a i n a m o d e r n i d a d e i r n i c a

    Para

    eles, qu e tm u m a po tnc ia agressiva q ue os faz ex pl od ir os semblantes , as pa

    lavras so um a arma. Ass im , o uso qu e fazem da l ngua der iva meno s do h u m or , ou

    do d i t o espir i tu oso, do qu e se impe co m o u ma provoca o l ing ua geira qu e visa

    dest i tu ir o O u t r o d o saber eataca na raiz o lao social em sua verso irnica. Es

    ses adolescentes n o s u por t am a m or t i f ic a o pr pri a l ngu a d o s e n t i do c o m u m ,

    acreditando que a palavra est cheia de vida e deve ser autntica. Ela no deve en

    ganar o

    O u t r o ,

    no deve conter nenhuma fa l ta . uma palavra que no mata a coi

    sa, mas que a

    coisa,

    que a des igna co m o t a l , sem n enh u m a distncia .

    Eles

    encar

    n a m , pela apresentao de seu ser, essa verso da modernidade i rnica .

    E

    p o r isso que o pai , ou aque le que endossa sua funo na atual idade moder

    na , o que , ao dizer s im nomeao que

    esses

    jovens inve nta m , deve tam bm , de

    sua posio de exceo

    viva,

    demonstrar como e le prpr io soube t o r n a ressa l ngua

    viva, encarnada, dando- lhe seu prpr io empurrozinho. Isso impl ica

    saber

    c om o f a

    zer com nossa apresentao, que deve tornar

    viva

    essa l n gu aqu e lh e s

    oferecemos

    e

    qu e , a

    cada

    ins tante ,saibamos fazer o esforo de poesia necessrio para que a criemos

    c o m

    eles. Cr ia m os um a l ngua quan do a to do ins tante lhe damos u m sent id o, da-

    mos-lhes um empurrozinho, sem o que a l ngua no seria viva. Ela viva pelo fato

    de que, a

    cada

    ins tante , ns a cr iam os (Lacan,

    1975-1976,

    p. 133)

    Criar uma l ngua, medida que o prpr io pai o demonstra , pe la maneira como

    ele a habi ta , pe la maneira como e le sabe como fazer com as palavras , jogar a par

    ti r d a q u i l o q u e o adolescente lh e d i s s e , m as t am b m por qu e a t odo m om e n t o e le

    sabe

    lhe dar u m sent id o, que no aque le da s ignif icao d o

    O u t r o ,

    que re je i ta por

    no ser autntica. Dar um sentido suaa l ngu a qu e n oseja para

    eles

    s gozo, e is

    o qu e pode s er u m a v e rs o m ode r n a daqu e le qu e oc u pa a fu n o d o N om e - d o- P a i

    a on de r e i n a o N om e - do- P i or .Saber lhe dar um sent ido, diz Lacan, porque e la

    o lugar em que o su je i to acede r e pr e s e n t a o e pode la r gar s e u N om e - do- P i or .

    U m

    s e n t i do qu e seja uma or ientao, aque la que par te do rea ldesses

    adolescentes

    em

    direo ao O u t r o como lugar da representao, aque le onde elespode r o d i ze r

    u m pou c o m ai s sobre aqu i lo qu e s o .Saber acolher sua apresentao, sua tomada

    de posio naa l ngu a saber dizer s im a isso , ao mesmo tempo que lhes oferece

    m os u m a l n gu a viva, qu e seja um vetor da ar t icu lao ao O u t r o , que lhes permita

    ter acesso funo ar t icu latr ia da representao s igni f icante , a q u a l necessita d o

    e m pu r r oz i n h o m e t a f r i c o e v oc ado por Lac an .

    Cabe

    que le que os

    escuta encar-

    INVENES P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    13/22

    naressa funo metafr ica cu jo nome vem ens inar a comunicao, mas depois de

    ter sabido dizer s im a uma par te de seu Nome-do-Pior .

    E m outros termos , sua l ngua que causa gozo f r e qu e n t e m e n t e apenas

    r ep et i

    o , ruminao, palavra em espera que a interpretao visa liberar. A anlise visa

    j u s t am e n t e r om pe r c om esse aut ismo ps quico que torna

    ausente

    ou impossvel o

    desejo

    q u e

    necessita

    de uma cesso de gozo. E ,

    p o r t a n t o ,

    na enunciao e a

    part ir

    da enunciao que se dessaperda de go zo q ue abre para a cr iao da q u a l o sujei

    t o

    ter de dec id ir , a p o s t er io r i , se ele se torna ou no responsvel , ouseja ele tem

    de responder a isso se escutado pe lo O u t ro . A l ngua v iva , c om o l n gu adesejan-

    te , aquela que comporta uma falta e se diz ao O u t r o , oferecendo-nos , ass im, a

    chance de fazer u m ach ad o , u m buraco que valha no m u r o das ruminaes , por

    onde euespere q u e m e udesejo encontre uma maneira de se bem-dizer .Esse

    acha

    d o alivia, um saldo de v ida , sob a condio de ser autent icado pe lo

    O u t r o .

    r o n l u i r

    A propos io de Lacan de tornarviva a l ngua pelo fato de que, acada ins tante , ns

    a cr iamos no se d ir ige tambm aos analistas? N o isso que se espera dos analis

    tas, que nocessem de dar

    esse

    em pu rro zin ho , para que o estud o da l ngua de Jac-

    ques

    Lacan e a prtica da anlise permaneam vivos?

    Devemos nos s i tuar a , valendo-nos do modo com que Lacan fa la do pai em seu

    lt imo ens ino, no q u a l s i t u a o N om e - do- P a i c om o u m a n ov a f e r r am e n t a c on c e i

    tuai .

    Disso se deduz um O u t r o saber fazer com a l inguagem e tambm a funo

    d o p ai , que de ensinar a com unica o queles para os quais o s im bl ico fa lha. I n

    t r o d u z i r novamente a cl nica anal t ica a equivale a sublinhar que o analista justa

    m e n t e aquele qu e pode facilitar, acompanhar, o recurso de

    cada

    su je i to a umsaber

    fazer com sua herana de a l ngu a que deve se art icular l ngua do senso c o m u m

    precisamente onde

    este

    falha.

    E m U m a

    antasia

    Jacques-Alain

    M i l l e r

    indaga se a bssola da metfora paterna,

    q u a n d o falha, deixa o sujeito sem discurso, e mesmo fora do discurso, is to , esqui

    zofrnico

    ( M i l l e r

    2005

    p. 8 ) .

    Essa

    precisamente a questo do binmio neurose/

    psicose diante do declnio do dipo e da funo do pai s imblico. Mas suficiente

    dizer que um sujeito no se inscreve na metfora paterna paraassegurar-se de que

    sua estrutura psictica?

    Estamos in d o

    em direo a um m u n d o psict ico? No h

    razo parapensar assim, mas temos a responsabilidade de fazer saber que a psican

    lise pode abrir novas vias desordem do adolescente antes que ele

    acabe

    na psico

    pato logia . Com efeito, numerosas s ituaes testemunham desamarraes s imbli

    cas que no deixam de evocar o risco da

    psicose

    ordinria: precariedade simblica e

    C U R I N C A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    E BP MG

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    14/22

    pregnncia do imag inrio, sem desencadeamento psic tico, mas co m u m parasitis

    m o

    problemtico da comunicao pela presena do

    insulto

    que faz buraco.

    O nd i n a M a ch a d o - Per ten o S e o R i o d a E B P e t ra b a l h o n o Pro j e to D I G A I -

    M a r .

    Esse

    projeto es t l igado ao I n s t i t u t o da Seo Rio, e se prope a fazer aten

    d i m e n t o s

    ps icanal t icos com crianas do Complexo da Mar. Trata-se da maior fa

    vela do Bras i l e , pro vave lme nte, da A mrica Latina , com apr oxim ada me nte 140

    m il h a b i tan tes . Tra b a lh a m os c om um a O N G , que se d ed i ca rea da ed uc a o .

    Gostaria de lhe perguntar , em razo das questes m u i t o especficas das crianas e

    adolescentes

    da peri fe r ia , co m o operar com eles. Que recursos voc e sua equipe

    uti l izam

    para teracesso a

    essas

    crianas e para operar comelas?

    L cia G ross i -

    Gostaria de falar da autora que voc c i t o u , a j o v e m

    filha

    de mar

    r o q u i n o s . A che i interessante que voc chamasse a sua escrita desi n t h omi ca pois

    pensei que, se ela no estivesse na Frana, pro vavelm ente no escreveria . Esse u m

    trao da

    cultura

    francesa e ela

    parece

    ter se servido disso para fazer

    face

    ao abando

    n o d o pa i .

    Pensei

    tambm na questo da l ngua e na marcao que voc faz sobre

    esse

    trabalh o de inveno qu e os jovens da peri fer ia fazem c om ela. E m sua maio

    ria, esses

    jovens so

    f i lhos

    d e i m i gra n tes e pod em os d i z er que es t o c on f ron ta d os

    co m d uas f orm a s d e n om ea r . C om o v oc t rouxe a v er ten te d o i n s u l t o , q u e aparece

    sobr etu do nas msicas , oco rre u- m e a produ o denossas periferias, que se d pela

    via o

    unk

    e do pagode, sob a forma mais de uma espcie de sexual izao do que

    de

    in s u l t o .

    So letras picantes , que degrad am a m ulh er , cham and o-a , po r exem plo ,

    d e c a c h o r r a .

    Penseinessa

    di ferena , ouseja na estratgia de

    nossos

    jovens , que

    diferente daquela dos jovens da periferia francesa.

    Ph i l ip pe L acad- Responderei s duas primeiras que stes baseando-me na po

    sio de um a adolesc ente da pe rifer ia francesa. Ela diz qu e fala dessa maneira e

    uti l iza

    m uito s insul tos na sua l ingu age m para tom ar uma pos io. To m ar pos io

    que r dizer que se trata de um a lngua que a apresenta, que se apresenta em seu

    c o r p o , d i r e t a m e n t e p l u g a d a , e

    atravessa

    a sua alma. Podemos dizer que se tra

    ta de uma l ngua de apresentao de seu ser. No se trata, pois , da l ngua do sen

    so comum, que serve para se representar.

    Sobre isso

    i m p ort a n te f az er um a re fe

    rncia a Lacan.

    I n v e n t e i

    o materna do

    in s u l t o

    ou da provocao, que se faz pela via da

    l i ng u a

    g e m .Essesjove ns se

    ut i l izam

    d e um s i gn if ic a n te c om pl eta m en te s oz i n h o , c om u m

    valor

    d e goz o , que o ob j e to a . A ss im, apresentam-se desta fo rm a:

    s ,

    a

    INVENES T TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    15/22

    pregnncia do imaginrio, sem desencadeamento psictico, mas com um parasitis

    m o

    problemtico da comunicao pela presena do insulto que faz buraco.

    O nd i n a M a ch a d o - Per ten o S e o R i o d a E B P e t ra b a l h o n o Pro j e to D I G A I -

    M a r . Esse projeto es t l igado ao I n s t i t u t o da Seo Rio, e se prope a fazer aten

    d i m e n t o s ps icanal t icos com crianas do Complexo da Mar.

    Trata-se

    da maior fa

    vela do Bras il e , pro vave lme nte, da A mrica Latin a , co m apr oxim ada m ente 140

    m il h a b i ta n tes. Tra b a l h a m os c om um a O N G , que se d ed i c a rea d a ed uc a o .

    Gostaria de lhe perguntar , em razo das questes m u i t o especficas das crianas e

    adolescentes

    da per i fer ia , co m o op erar com eles. Que recursos voc e sua equipe

    uti l izam

    para ter acesso a

    essas

    crianas e para operar comelas?

    Lcia G ro ss i - Gostaria de falar da autora que voc c i t o u , a j o v e m filha de mar

    r o q u i n o s .

    A che i interessante que voc chamasse a sua escrita desi n t h omi ca pois

    pensei que, se ela no estivesse na Frana, prov avelm ente no escreveria . Esse um

    trao dac u l t ur a francesa e ela

    parece

    ter se servido disso para fazer face ao abando

    no do pai .

    Pensei

    tambm na questo da l ngua e na marcao que voc faz sobre

    esse

    trabalh o de inveno que os jovens da peri fer ia fazem co m ela. E m sua m aio

    ria, essesjovens so filhos d e i m i gra n tes e pod em os d i z er que es t o c o n f ron ta d os

    c o m d ua s form a s d e n om ea r . Co m o v oc t rouxe a v er ten te d o

    i n s u l t o ,

    qu e aparece

    s ob retu d o n as m s i c a s , oc orr eu- m e a prod u o d e nossas periferias , que se d pela

    viao

    unk

    e do pagode, sob a forma mais de uma espcie de sexual izao do que

    de

    in s u l t o .

    So letras picantes , que degradam a m ulh er , cham and o-a , po r exe m plo ,

    d e c a c h o r r a . Pensei nessa di ferena , ou

    seja

    na estratgia de nossos jovens , que

    diferente daquela dos jovens da periferiafrancesa.

    Phi l ip pe L acad - Respon derei s duas primeiras queste s baseando-me n a po

    sio de uma adolescente da periferia francesa. Ela diz que fala dessa maneira e

    uti l iza

    muitos insul tos na sua l inguagem para tomar uma pos io. Tomar pos io

    que r dizer que se trata de um a l ngua que a apresenta, que se apresenta em seu

    c o r p o , d i r e t a m e n t e p l u g a d a , e

    atravessa

    a sua alma. Podemos dizer que se tra

    ta de uma l ngua de apresentao de seu ser. No se trata, pois , da l ngua do sen

    so c o m u m , q u e serve para se representar.

    Sobre isso

    i m porta n te f a z er um a re f e

    rncia a Lacan.

    I n v e n t e i o materna do in s u l t o ou da provocao, que se faz pela via da l i ng u a

    g e m . Esses jovens se

    ut i l izam

    d e um s i gn i f i c a n te c om pl eta m en te s oz i n h o , c om um

    valor

    de gozo, que o ob jeto

    a .

    A s s i m ,apresentam-se

    desta

    f o r m a :

    S i

    a

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    16/22

    Se entramos no discurso corrente, no discurso que serve para se representar ,

    u t i l i z amo s uma palavra e a art iculamos a outras palavras Sj-S2). Q u an do s e e n

    tra na l ngua,sofre-se uma perda de gozo, que Lacan escreve c o m oa. C o m o

    h o u

    ve uma perda, o su je i to d i v i d i d o , perdeu a lguma coisa . Esta a l ngua da repre

    sentao.

    / / a

    Nessa

    l ngua, o sujeito

    consente

    em se ar t icu lar com um

    O u t r o . Essa

    a funo

    da art iculao, de que eu falava no incio, eessa a misso do pai : ensinar a ar t i

    c u la o , ou

    seja,

    demonstrar como e le prpr io, como pai , se vira com as palavras.

    A f i n a l , isso o que um pai faz. Ele ensina seu f i l h o a l idar c o m a l i n g u a g e m . S e m

    isso, a cr iana f ica completamente soz inha. Ela u t i l i z a uma palavra , goza sozinha

    e faz um corpo com a palavra . o que eu chamava, h pouco, de l ngua do cor

    p o

    pu lsi on al , co m a qua l e la se apresenta. Isso, to da via , isola-a do

    O u t r o .

    E mais

    o u menos o que acontece com a psicose, e porisso qu e e u f a le i de m od e r n i da

    de i r n i c a . E t am b m porisso que o t rabalho que se faz com essesadolescentes

    o de dizer sim sua maneira de se apresentar. Ns os aceitamos desse j e i t o e d i

    z e m os s i m .Nesse m o m e n t o ,eles vm e, ento, preciso cr iar lugares de art icula

    o ,

    e m qu e eles possam encontrar o gosto pelas palavras.

    Para

    t rabalhar com

    esses

    j ov en s , po r t an t o , u m po n t o i m p or t a n t e ac eit ar o qu e

    eles inventam, sua maneira de falar . De um lado, preciso dizer s im, poisessa a

    funo d o pa i : diz er s im a todas as novidades que seu

    filho

    i n v en t a . A o m e sm o t e m

    p o , preciso ajud-los a se art icula rem aosaberd o O u t r o . Se ns os deixamos com

    ple tamente soz inhos nessa inveno, no m u i t o provvel que

    eles

    possam sair dis

    so. No se trata

    necessariamente

    deestar do lado das autoridades autoritrias, mas

    preciso ser mais forte do que inventado poreles. E preciso aceitar suas invenes,

    mas dizer que isso no basta, ou

    seja,

    preciso visar funo de articulao.

    O n t e m , v i m o s u m caso

    m u i t o

    b o n i t o , a t e n d i d o p o r Suzana Bar r os o , o caso

    Na ta n a e l , qu e de m on s t r ou u m pou c o c om o o pa i de N at an ae l e o pa i de Joyce se

    d e m i t i r a m da funo de pai . Nocaso de

    Joyce,

    em vez de ensinar a cr iana, o pai

    encarrego u sua educao aos jesutas . N o de Na tanae l , os encarregados for am os

    franciscanos. A misso do pai ensinar a art iculao e por

    isso

    q u e , q u a n d o i n -

    t e r v i mo s j u n t odesses

    adolescentes,

    preciso ajud-los a

    aceder

    representao,

    aceder a u m a pe r da de go z o . N a

    v ida

    ass im. O agente da cas t rao a l ing ua gem

    e m sua funo de ar t icu lao, e no em sua funo do gozo.

    M ar i a JosGo n t i j o - Enquanto voc fa lava de como t rata

    essas

    invenesdesses

    adolescentes

    da per i fer ia , c i tando o

    l ivro

    dessa adolescente abandonada, lembre i -

    C U R I N G A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    E B P M G

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    17/22

    m e de qu an do F r e u d fa la das excees no textoAl guns t i pos de car er encont rados

    no rabalho p s i cana l i co ( F r e u d ,1916), e pensei seessa no ser ia uma nova forma

    de p r o d u z i r excees e tambm de t ratar as excees .Nesse t e x t o , Fr e u d d i z qu e

    apessoa se s i tu a c om o e xc e o a u m a le i , a u m a n or m a, e n f i m , l i n gu age m , po r j

    ter sofr ido demais e considerar que teria o d i r e i t o de

    i n f r i n g i r

    a l e i . O t r a t am e n t o

    que voc d aessa questo, cu ja base a nomeao, pareceu-me uma dica precio

    sa para que a gente possa ab or daressescasos n o c o m o F r e u d

    d iz ia ,

    c o m o a re t i

    r ada de a lgo , u m r e c on h e c i m e n t o , do c am po do O u t r o . A lgica de Freud vai em

    direo ao campo do Outro socia l , ao campo de uma le i const i tu da, e parece-me

    que a via pela qual voc trata

    esses

    casos diz mais respeito ao sujeito. Gostaria de

    saber se voc concorda com isso.

    Jesus

    Sant i ago - Voc considera que a formulao de Jacques-Alain

    M i l l e r

    sobre

    a " m o d e r n i d a d e i r n i c a " c o n s t i t u i u m passo a mais no diagnstico do mal-estar

    na civi lizao que e le prprio fazia e que era o da inexistncia do Outro?

    6

    C o m a

    " m o d e r n i d a d e i rnica" , no se recusa mais que haja um O u t r o , apenas cons idera-

    se que esse O u t r o es t r e d u z i d o f u n o d o " U m , i n t e ir a m e n t e s " . A c h e i m u i

    to interessante a i de i a d o i n s u l t o , da provocao l ing uage ira , po rqu e nela o su je i to

    m o d e r n o

    s e c on f r on t a c om o

    O u t r o .

    Voc no acha que atese d a " m o d e r n i d a d e

    irnica" abre uma perspect iva maior de ao em re lao ao mal-es tar contempo

    rneo? Talvez possamos t om ar o t r ab a lh o do Fica

    V i v o

    e do Liberdade Ass is t ida,

    em B e l o H o r i z o n t e , e o d o C o m p l e x o da M a r 7 , no Rio, como perspect ivas que

    tm uma cer ta intuio dessa " m o d e r n i d a d e i r n i c a ".

    Ph i l i p p e La cad

    Acho que precisamos concluir que preciso salvar a l ngua.

    A l ngua es t em per igo. Como dizia Lacan noSem i n io l i v r o 3 : a s

    si coses

    1955-

    1956), o que caracteriza a l ngua que e la ambgua e est cheia de mal-enten-

    didos

    fund am entais . O m al -en ten did o precisa ser sa lvo. H u m be lo tex to de La

    can chamado L e malent endu e m qu e ele d i z qu e " o h o m e m

    nasce

    m a l - e n t e n d i d o "

    (Lacan, 1980, p . 11-14). E , por s e r m a l - e n t e n di do , recebe u m a h e r a n a d o O u

    t r o :

    o fa to de ter um corpo. Ns , ento, temos de sa lvar o mal-entendido.

    " "A inexistncia do

    O u t r o "

    uma referncia ao seminrio

    U ntrc qui

    n existe

    pas et ses comits

    d^thique,

    dc Jacques-Alain

    M i l l e r c Eric La urc nt , real izado em Paris em 1997 e 1998.

    O p rog rama

    Fica V i v o

    u m p ro je t o da

    Secretaria

    de

    Defesa

    Scia do Estado de M inas Gerais. Remetem os o le i tor ao

    t ex t o Uma poltica de defesa

    social

    a cu aberto, de L u d m i l l aFeres F ar ia , p u b l i cado em C u r i n g a , n . 22 , 2006, p . 183-187.

    O p rog rama Li b erdade Ass i sdda u m p ro je t o cr i ado p e laSecretaria

    M u n i c ip a l

    de Desen volv i men t o Soc i a l dc Be lo

    H o r i

    zon t e , com o ob je t i vo de p romover a re i n sero soc i a l de adolescentes de 12 a 18 que cometeram infraes previstas no

    Estatuto da Criana e do Adole scente. O Liberda de Assist ida tem a parceria da Pastoral do M en or c da Arq uidio cese de

    Be lo H or i z on t e , e con t a com o ap oi o do J u i zado da In fn c i a e do Adolescen t e . O N c l eo D IG A oferece a t e n d i m e n t o

    psicanal t ico a cr ianas,adolescentes, familiares e professores da rede pblica de ensino no co mp lex o de favelas da Ma re,

    inser indo suas

    at ividades no contexto do Programa dc Criana Petrobrs do Centro de Estudos e Aes Solidrias da

    M a r ( C E A S M ) , as s oc i a o civil sem f ins lucrat ivos que, desde 1 997, desenvolve projetos re lacionad os a edu ca o, cu l

    tura, t rab a lh o , comu n i cao e memr i a soc i a l . C f . w w w . c b p r i o .c o m . b r / m a r c . h t m

    INVENES

    P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    18/22

    A m od er nid ad e i r nic a , a c ivi lizao mod ern a, quer que no haja mais ma l-

    entendidos . A revelao do discurso da c incia , em sua cpula com a rel ig io, tem

    a ideia de que deve haver um homem sem mal-entendidos . E por

    isso

    que a psica

    nlise est em

    di f iculdade

    n a Fra n a . As tera pi a s c ogn i t i v o- c om porta m en ta i s n o

    q u e r e m

    que o sujei to fa le , pois se interessam pelo comportamento e fazem uma

    ideia de como o homem deve ser . Na Frana,

    nesse

    m o m e n t o ,

    nossa

    d i f i c u ld a d e

    se

    deve ao fato de que os pol ticos f izeram uma aliana com os terapeutas c o g n i t i v o -

    com po rtam ent ais para dizer que, desde a idade de dois anos , pode-se saber se uma

    criana se tornar um del inquente. No haveria mais mal-entendidos . Por i sso, os

    psicanalistas tm grande responsabil idade no

    m u n d o .

    O luga r da ps icanl ise , o lu

    gar da associao

    l ivre ,

    o lugar ond e o sujeito existe e ond e ele verif ica que ele

    u m a exceo, a t para ele mesmo.

    E f e t i v a m e n t e , c o m o diz iaJesus Santiago, n s no

    estamos

    mais na poca f reu

    diana

    do m al-estar na civil izao.

    Esse

    f o i o d i a gn s t i c o pro po s to por J a c ques -A l a in

    M i l l e r

    e Eric Laurent em seu curso

    O O ut ro que no

    xist

    1997-98). Jacques-

    A l a i n

    M i l l e r se

    j u n t o u

    a Eric Laureant para representar uma verso da psicanlise

    de Orienta o L acaniana, que um a orientao r u m o ao real , ou

    seja,

    aos pontos

    de impasse da civil izao. No se trata mais do mal-estar freudiano.

    Estamos

    em

    u m

    tem po de impasse. E a l ingu age m que es t em qu esto q ua nd o a c iv il izao

    se enco ntra em u m impasse. Por isso, precisamos pensar o m u n d o lu z do esqui

    z of rn i c o , c om o d i z J a c ques - Al a i n

    M i l l e r

    em um tex to n ot v e l .

    Precisamos

    p e n

    sar o mundo luz de uma c l n ica i rnica , pois o esquizofrnico aquele que no

    consente

    em passar pe l o O u t r o d o saber. Ele den uncia o arbi trrio do s igni f ican

    te e

    isso

    tem efei tos sobre o seu corpo. Como ele no inscreve seu corpo na

    l in

    gua gem , n o recebe de

    volta

    a ideia de que tem u m corp o. Por i sso, te m u m cor

    p o

    despedaado.

    E

    m u i t o im po rt an te que nos interessemos pelas invenes de um sujei to . Qua n

    d o

    um sujeito vai ao psicanalista, ele inventa. Ele inventa sua maneira de falar e

    o psicanalista isola os significantes de sua

    a l ngu a

    os s ignif icantes carregados de

    gozo, a f im de operar a sua extrao. Mas nem todo mundo vai a um ps icanal is

    ta .

    O s

    adolescentes,

    que s o c on f ron ta d os c om um pon to d e i m pa s s e , i n v en ta m ,

    como disse m u i t o b e m

    A r t h u r

    R i m b a ud . E a poc a em que eles e n c o n t r a m u m a

    lngua e, po r isso, preciso ajud-los a sustentar a l ngua qu eeles i n v e n t a m . C o m o

    disse R olan d Barthes , a adolescncia jus tamente u m m om en to em que se perde

    o gosto pela fala.

    Estamos

    em uma poca em que se deve encontrar o gos to pela

    fala.

    M as o que a

    fala?

    A r t i c u l a r - s e a o O u t r o . A prov oc a o d a l i n gua gem um

    apelo que se faz ao O u t r o . Prov oc a o v em d ep rov oca re que , em

    la t im, s igni f i

    ca ap elo ao o u t r o . Nesse sentido, no precisamos nos apresentar

    nessa

    verso

    C U R I N G A N 2 3 N O V

    2 0 0 6

    E l i P MG

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    19/22

    -

    -

    s-

    d o O u t r o q u e sabe, do Outro que exis te . preciso se apresentar como um Ou

    tr o que diz s im, mas que pede ao su je i to , com sua presena, que diga um pouco

    mais sobre ele mesmo, para que

    possa

    efetivamente salvar a lngua que a sua pr

    pria

    l ngua. E por

    isso

    que se deve insist ir bastante sobre a l in gu ag em . N o

    f u n d o ,

    o

    su je ito que nos interessa s exis te na l ing ua gem . O su je i to , co m o o pa i , uma h i

    ptese . O Nome-do-Pai uma inveno do su je i to para dar um nome ao real que

    lh e c on c e rn e , e m e l h or qu an d o se t e m u m O u t r o qu e r e spon d e ao N om e - d o- P a i

    e que demonstra como e le mesmo se v i r o u co m isso, co m o e le se arr u m ou co m a

    l ngua. Como ps icanal is tas , ento, temos a responsabi l idade de demonstrar como

    ns mesmos nos v iramos co m a l ing ua gem , com o fazem os poetas , qu an d o in ven

    t a m , e m r e la o a u m po n t o d e im pass e, u m a n om e a o .

    Q u a n t o

    questo sobre Freud, fa le i h pouco que a lguns

    adolescentes

    n o t i

    n h am

    mais

    acesso

    dvida s imblica, como se a dvida s imblica lhes t ivesse s ido

    sequestrada. A

    p a r t i r

    d o m om e n t o e m qu e f a l am os , t od os n s d e v e m os a l gu m a

    coisa

    ao s i m b l i c o ,

    estamos

    em d vida co m o s im bl ico . Al is , porisso que a gen

    te fala. Portanto, quando se trata de cr ianas que v ivem em lugares onde o s imbl i

    co m u i t o precr io , m u i t o importante lhes propor lugares de fala, lugares de ar

    t iculao da lei s ignificante . A

    part i r

    do momento em que se fala, no se est mais

    fora da lei ; entra-se na lei s ign ifican te, nico luga r on de se p od e trata r a prpria ex

    ceo. Se no houvesse o s ignificante, no se poderiasaber que se uma exceo.

    Somos, cada

    um de ns , uma exceo a ns mesmos .

    isso

    qu e apr e n d e m os c om

    a psicanlise.

    Somos

    t od os e xc e e s .

    Fernanda

    D i a s

    Sou daEBP-Rio e trabalho na favela da Cidade de Deus. Gos

    taria d e vol ta r aohi p hop e questo da

    i r o n i a ,

    qu e v oc a r t i c u lo u c om a e s qu i zo

    frenia, e qu e s t o d o a f as t am e n t o c om o o u t r a f or m a d e m an e j o d a l i n gu age m , c i

    tada por Freud em seu texto O

    humor

    ( F r e u d , 1927 . Gostaria de falar sobre um

    rapperdz

    C i d a d e d e D e u s , M V B i l l8 . E m u m a d esuas entrevistas, ele disse que sua

    me foi um a p e . Ele une pai e me em uma s palavra , que t ra du z um a

    c o n f i

    gurao familiar

    m u i t o

    c o m u m nesse t ipo d e c om u n i d ad e . Gos t ar i a qu e v oc c o

    mentasseessa soluo, gostar ia de saber seesse t i p o de contexto exis te onde voc

    t rabalha , isto , se existe

    esse

    t i p o

    de famlia em que no h homens ou em que

    eles

    apenas passam e que so chefiadas unicamente pelas mes.

    C r i s t i n a Nogueira - Q ua nd o voc se re fer iu jov em que escreveu o l i v r o , des

    t ac ou u m m om e n t o d e s of r i m e n t o e d i s s e qu e o pa idessa jovem era um pai que

    nunca dissera s im. Queriasaber se voc

    estava

    se ref erin d o passagem d o Semin

    9

    * Alex Pereira

    Barbosa A . K . A .

    M V ( M e n s a g e ir o d a V e rd a d e ) B i l l

    nasceu

    n a Ci d ad e d e Deu s , comu n i d ad e q u e j f o i con s i

    derada a mais violenta do Rio de Janeiro. I n i c i ou su a h i s t r i a ju n t o ao movi men t o hip hop em 198 4 , t en d o s i d o u m d os

    f u n d ad ores da O N G Cen t ra l n i ca d as

    Favelas

    ( C U F A ) , q u e b us ca , p o r i n t er m d i o d o m o v i m e n t o hip hop elevar a auto -

    est ima das comunidades r desenvolver proje tossociaise culturais.

    INVENES P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    20/22

    r i o l i v r o5(1957-1958),

    de Lac an , r e t om ada por M i l l er para acentuar a importn

    c ia do "pai que diz s im" . Gostar ia tambm que voc falassesobre o ideal do eu,

    sobre o qu a ldisse ser im po r t an t e para a sa da do c om ple x o de d ipo n o m e n i n o .

    L e m b r e i - m e d o l ivroJuvent ude desori ent ada d e A u g u s tA i c h h o r n , qu e ressalta a

    im por t n c ia do ide a l do e u n o t r ab a lho c om

    esses

    jovens .

    Para

    F r e u d , o e du c ador

    deve ocupar de a lguma formaessa funo, se um educador com formao anal

    t i c a ( Fr e u d , 1925).

    Pa r t i c i p a n t e - Go star ia desaber como voc t rata a funo da cr iana como ob

    j e t o a n o m u n d o m o d e r n o .

    Pb i l i ppe La cad-N o Sem in io l i v r o 16 : de um O u t r o ao

    outr o

    ( Lac an , 1968 -

    1969), em uma das l ies de maio, Lacan fala da "segunda biografia

    p r i m e i r a " ,

    dita

    i n f a n t i l , e d iz que o mais im po rta nt e para a cr iana entend er c om o o saber,

    o gozo e o ob je to a lhe foram oferec idos . Eles lhe foram oferec idos pe la l i n g u a

    g e m e , para que a l inguagem oferea a lguma

    coisa

    cr iana, preciso que

    isso

    se

    sustente pe lo desejo do pai e pe lo desejo d a m e . Q u a n d o

    chegamos

    a o m u n d o ,

    somos c on f r on t ados c om a lgu m qu e s e c ham a " m e " , m as sabemos disso

    apenas

    p o r q u e

    o O u t r o d iz " m am e " . " M am e " o sign i f i can t e qu e o f e r e c ido c r ian a

    para nomear esse ob j e t o b izar r o qu e se c ham a " m e " . O m e s m o acontece c om o

    pai. A m e d iz : Esse o seu papai" , e a cr iana diz "papai" porque a me vai ofe

    recer ao pai

    esse

    s ign i f i c an t e . A c rian a apr ee n de q u e t e m u m c or p o po r qu e , qu an

    d o e la chora, o

    O u t r o ,

    que se chama mame, debrua-se sobre e la e diz : "Voc

    e st c h or an do " A , c om e a o m a l - e n t e n d ido . S e r qu e ela c hor a p or q u e t e m f om e

    o u

    porque e la quer que

    esse

    ob je to b iz arro , que se chama m am e, a to m e nos bra

    os? Ou ser que e la chora porque tem algumacoisa que no vai bem em seu cor

    po? Essa a exis tnc ia humana.

    Para q u e isso funcione , prec iso que ha ja l inguagem. O problema das cr ianas

    da per i fer iafrancesa qu e , m u i t o f r e qu e n t e m e n t e , s o

    descendentes

    de i m i g r a n

    tes. Seus pais falam a l ngua de seu pas de or igem e no o francs. Ento, apren

    d e m

    palavras de uma l ngua bizarra. Alis , toda l ngua bizarra para uma cr ian

    a porque a l ngua de

    seus

    pais.Nesse

    caso,

    contudo, a inda mais b izarro porque

    no se trata da lnguafrancesa,eisso cr ia tenses no nvel do corpo, como a

    h ipera t i -

    vidade ,

    o

    fracasso escolar,

    uma certa violncia, pois no tm as palavras da lngua do

    senso c o m u m p a ra t r a d u z i r o que

    eles

    f a lam e n t re s i . En t o , in v e n t am u m a l n gu a

    que leva em conta a l ngua do pas de or igem, a l ngua francesa e t am b m a l n

    gu a do c or po qu e t m .

    Esse

    o pr ob le m a

    essencial.

    Lacan sempre apreende o pai pelo vis da carncia. O pai sempre carente, ou

    seja,

    no es t a l tura do s ign i f icante que p oder ia dizer o que a cr iana tem no cor

    p o . E qu an do no h pai a l gu m , mais terr ve l a inda, co m o d em onstra o l i v r o de

    Faiza Gune , a jovem descendente d e m a r r o q u i n o s . U m a c r i a n a v e m c o m o u m

    C U R I N G A N 2 3 N O V 2 0 0 6 E B P M G

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    21/22

    e n i gm a re l ac i on ad o c om odesejodam e ,que odesejodoO u t r o ,e queanima

    paraela a l in g u a g e m . Q u a n d oh essa animaodal i n g u a g e m , v e m a c im a o s igni

    ficante d o N o m e - d o - P a i .E

    isso

    que est escri to napr i m e i ra par tedam e t f orapa

    t e rna ,

    em que ox

    aparece.

    Esses t rs termos so todaali n g u a g e m .Ox a pos io

    da criana ,

    a

    pos i o

    de seu

    c o r p o

    v i v o ,

    que faz

    c o m

    que ela se

    r e p o r t e

    ao

    O u t r o .

    E , n o r m a l m e n t e , t u d o issop o s t o sobrea l i n g u a g e m .

    Para

    Fa i za G u n e ,

    sua

    existncia

    no

    mais

    um

    e n i g m a .

    Paraela,

    u m

    des

    t i n o de m e rd a . Elat e m certeza disso, noes t mais c onf ron tad acom o e n i gm a

    d o desejodoO u t r o . C o m o elat e messe d e s t i n odem e r d a ,elai l u s t raa pos io

    de ob je toa d a c r ian a c om o ob j e to - d e j e to , qu e n ocrmaisnal i n g u a g e m .A

    l i n

    gu age m , paraela, noacredi tar mais nop aiou na m e , po i s temu m a e x i s t n

    cia

    de

    m e r d a .

    Mas

    como, a inda ass im, es t

    na

    l ngua , in ven ta para

    si ,

    dessap o s i

    odeo b j e t oa o N o m e - d o - P i o r .No crmais noN o m e - d o - P a ie i n v e n t aesse

    N o m e - d o - P i o r , para falar

    sobre

    a sua

    c o n d i o

    de

    m e r d a . N a

    v i d a ,

    ela se faz en-

    c u l h a r .

    E, c o m o set ra tadesua l ngu a,prec is o d i ze r s i m ae la , m e s m o qu e d i

    gamos que

    isso

    no

    basta

    p o r q u e ,se elav aiseapresentar aa l gu m para proc u rar

    u m

    e m p r e g o ,ou na

    escola,

    preciso queelafaleal nguadosenso c o m u m .Epre

    c i s o , p o r t a n t o ,

    que

    r e c o n h e a m o s

    o que elai n v e n t o u .

    E m

    seut e x t o sobre acrise dae d u c a o , H a n n a h A r e n d t d i zque

    cada

    criana

    traz

    c on s i go

    um

    e l e m e n to

    de

    n o v i d a d e .

    O

    n i c o prob l e m a

    que os

    a d u l t o s

    no

    so mais responsveis pe lo mundoque oferecem cr iana . Ser responsvel pelo

    m u n d o que seoferece criana ajud-la afalara l ngua dosenso c o m u m ,com

    base

    nas

    palavras

    que ela

    inventa para

    si. E o que se faz em uma

    f am l i a . Q u an

    d o uma criana inventa uma palavra engraadinha, a g e n te r i ,a gente diz s i m .

    A o

    m e s m o t e m p o , p o r m , d i z e m o s a ela queseria

    m u i t o

    b o mse ela

    falasse

    c o m o

    t o d o

    m u n d o .

    T R A D U O C r i s t i n a

    D r n m m o n d

    R E VI S O D A T R A D U O A n a C l a r k

    INVENES P TERN S

  • 5/20/2018 Lacadee-Modernidade Ironica e a Cidade de Deus

    22/22

    e f e r n c i a s b i b l i o g r f i c a s

    A R E N D T ,

    H a n n a h . A cr is e n a e d u c a o

    1954).

    E m : Entre o

    passado

    e o futuro. Sao Pau l o : Persp ect i va ,

    1 9 7 9 .

    D H C I A C C L A ,

    A n t o n i o .

    L c N o m - d t i - P r c : u n

    t r o t i .

    Letrre meusuellc, n . 24 7 . Par i s : c o l e de l a Cause f r e t i -

    d i e n n e , 2006, p . 14-16.

    F E R N A N D O

    I r . , S . H . The new

    beats:

    culture,

    musique,

    et

    attitudes

    du bip-hop.

    N i m c s :

    K a r g o , 2000.

    F R E U D , S i g m u n d . Romances f a m i l i a r e s 1908). E m : Edio Standard brasileira da s Obras psicolgicas

    completas

    de Sigmund Freud, v o l . I X . R i o d c J a n e ir o : I m a g o , 1976., p.241-247.

    . A l g u n s t i p o s d c c a r t e r e n c o n t r a d o s n o t r a b a l h o p s i c a n a l t i c o

    1916).

    E m : Edio

    Standard brasileira

    das

    Obras

    psicolgicas

    completas

    de Sigmund Freud, v o l . X I V . O b . c it .

    . Pre fc i o a Juventude

    desorientada,

    d e

    A i c h h o r n

    1925). E m : Edio

    Standard

    brasileira das

    Obras

    psicolgicas

    completas

    de Sigmund Freud,

    v o l . X I X . O b . c i t .

    . O

    h u m o r 1927).

    E m : Edio

    Standard brasileira

    da s

    Obras

    psicolgicas

    completas

    de Sigmund Freud,

    v o l . X X I . O b . c it .

    G U N P 1 , F a i z a . Amanh,

    numa

    boa

    2004).

    Ri o de J an e i ro :

    N o v a

    F r o n t e i r a , 2006.

    K A F K A ,

    F r a n z . Carta ao pai

    1919).

    P o r t o A l e g r e :

    L P M

    E d i t o r e s , 2006.

    L A C A D E , P h i l i p p e . Le malentendu de 1 enfant. L a u s a n n e : d i t i o n s P a y o t L a u s a n n c , 2003.

    L A C A N , Jacques. O Seminrio, livro 3: as psicoses 1955-1956). R i o d e J a n e i r o : Jorge Z a h a r E d i t o r , 1 9 8 5 .

    . O Seminrio, livro 5: as formaes do

    inconsciente 1957-1958).

    R i o d e J a n e i r o :

    Jorge

    Z a h a r

    E d i t o r ,

    1 9 9 9 .

    . Le Scminaire, livre XVI: d un Autre

    1 autre

    1968-1969). I n d i t o .

    . O Seminrio, livro 17: o

    avesso

    da psicanlise 1969-1970) . R i o d e J a n e i r o : Jorge Z a h a r E d i t o r ,

    1 9 9 2 .

    . O Seminrio, livro 20:

    mais, ainda 1972-1973).

    Ri o de J an e i ro :

    Jorge

    Z a h a r

    E d i t o r ,

    1 9 8 5 .

    . Le Seminaire, livre XXIII: le sintbome 1975-1976). Par i s : Seu i l , 2005.

    . L e m a l e n t e n d u 1980). Ornicar?, n . 22-23. P a r i s : S e n i l , 1 9 8 1 , p . 11-14.

    L I N S , P a u l o . La Cit de Dieu

    1997).

    Paris:

    G a l l i m a r d ,

    2003.

    M I L L E R ,

    J a c q u e s - A l a i n . La fuite du

    sens

    1995-1996). I n d i t o .

    . U m a f a n t a s i a . Opo

    Lacaniana,

    n . 4 2 . S o P a u l o : E l i a , 2005, p . 7 - 18

    . Peas avu l sas .

    Opo

    Lacaniana, n . 4 4 . S o P a u l o : E l i a , 2005, p . 9 - 2 7 .

    . Peas avu l sas . Opo Lacaniana, n . 4 5 . S o P a u l o , E l i a , 2006, p . 9 - 3 0

    C U R I N G A N 2 3 N O V 2 0 0 6

    E B P M G