kim, j. a realização múltipla e a metafísica da redução

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)/3 A realização múltipla e a metafísica da redução Jaegwon Kim Introdução Faz parte da sabedoria comum na filosofia da mente contemporânea que os estados psicológicos são «multiplamente realizáveis», e que de facto se realizam em diferentes estruturas e organismos. Relembram-nos constantemente que qualquer estado mental, digamos, a dor, é passível de «realização», «exemplificação», ou «implementação» numa grande diversidade de estruturas neurobiológicas, em seres humanos, felinos, moluscos, e talvez outros organismos mais afastados de nós. Por vezes pedem-nos que contemplemos a possibilidade de criaturas extraterrestres com uma bioquímica radicalmente diferente da dos terráqueos, ou até dispositivos electromecânicos, poderem «realizar a mesma psicologia» que caracteriza os humanos. Esta afirmação, que a que daqui em diante chamaremos «tese da realização múltipla» («RM», 39 para abreviar), é amplamente aceite pelos filósofos, especialmente por aqueles que tendem para a linha funcionalista acerca da vida mental. Não vou disputar aqui a verdade da RM, embora o que vou dizer possa suscitar uma reavaliação das considerações que levaram à sua aceitação quase universal. Há uma perspectiva influente e praticamente incontestada acerca da importância filosófica da RM. Trata-se da crença segundo a qual a RM refuta de uma vez por todas o reducionismo psicofísico. Em particular, é usual pensar-se que a teoria clássica da identidade psiconeural, de Feigl e Smart, o assim chamado «fisicalismo dos tipos», foi definitivamente remetida pela RM para a pilha das teorias obsoletas em filosofia da mente. Em todo o caso, o ponto de partida da minha discussão é a afirmação de que a RM prova a irredutibilidade física do mental. .* Por vezes «RM» referir-se-á ao fenómeno da realização múltipla e não à afirmação de que existe tal fenómeno; não deve haver perigo de confundir ambos.

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! )/3!

A realização múltipla e a

metafísica da redução

Jaegwon Kim

Introdução

Faz parte da sabedoria comum na filosofia da mente contemporânea que os

estados psicológicos são «multiplamente realizáveis», e que de facto se realizam

em diferentes estruturas e organismos. Relembram-nos constantemente que

qualquer estado mental, digamos, a dor, é passível de «realização»,

«exemplificação», ou «implementação» numa grande diversidade de estruturas

neurobiológicas, em seres humanos, felinos, moluscos, e talvez outros organismos

mais afastados de nós. Por vezes pedem-nos que contemplemos a possibilidade de

criaturas extraterrestres com uma bioquímica radicalmente diferente da dos

terráqueos, ou até dispositivos electromecânicos, poderem «realizar a mesma

psicologia» que caracteriza os humanos. Esta afirmação, que a que daqui em diante

chamaremos «tese da realização múltipla» («RM»,39 para abreviar), é amplamente

aceite pelos filósofos, especialmente por aqueles que tendem para a linha

funcionalista acerca da vida mental. Não vou disputar aqui a verdade da RM,

embora o que vou dizer possa suscitar uma reavaliação das considerações que

levaram à sua aceitação quase universal.

Há uma perspectiva influente e praticamente incontestada acerca da importância

filosófica da RM. Trata-se da crença segundo a qual a RM refuta de uma vez por

todas o reducionismo psicofísico. Em particular, é usual pensar-se que a teoria

clássica da identidade psiconeural, de Feigl e Smart, o assim chamado «fisicalismo

dos tipos», foi definitivamente remetida pela RM para a pilha das teorias obsoletas

em filosofia da mente. Em todo o caso, o ponto de partida da minha discussão é a

afirmação de que a RM prova a irredutibilidade física do mental.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

.*! Por vezes «RM» referir-se-á ao fenómeno da realização múltipla e não à afirmação de que existe tal fenómeno; não deve haver perigo de confundir ambos. "

! )/+!

Evidentemente, a actual popularidade do fisicalismo anti-reducionista deve-se, na

sua maior parte, à influência do argumento anti-reducionista baseado na RM,

originalmente desenvolvido por Hilary Putnam e posteriormente elaborado por Jerry

Fodor40 — mais ainda do que ao argumento «anomalista» associado a Donald

Davidson.41 Por exemplo, no seu elegante artigo sobre o fisicalismo não

reducionista,42 Geoffrey Hellman e Frank Thompson dão impulso ao seu projecto da

seguinte maneira:

«Tradicionalmente, o fisicalismo assumiu a forma do reducionismo — grosso

modo, a ideia de que se pode definir explicitamente todos os termos científicos em

termos físicos. Ultimamente, contudo, tem aumentado a consciência de que o

reducionismo é uma afirmação irrazoavelmente forte.»

Mas por que é que o reducionismo é «irrazoavelmente forte»? Numa nota de

rodapé, Helman e Thompson explicam, citando o artigo «Ciências Especiais», de

Fodor:

«Têm surgido dúvidas especialmente em conexão com a explicação funcional

nas ciências de ordem superior (psicologia, linguística, teoria social, etc.) Os

predicados funcionais podem ser fisicamente realizáveis de maneiras heterogéneas,

de modo a contornar a definição física.»

Ernest LePore e Barry Loewer dizem-nos o seguinte:43

«É praticamente letra comum entre os filósofos da mente que as propriedades

psicológicas (incluindo propriedades de conteúdo) não são idênticas a propriedades

neurofisiológicas ou outras propriedades físicas. A relação entre as propriedades

psicológicas e as neurofisiológicas é a de realização das primeiras pelas últimas.

Além disso, uma única propriedade psicológica poderia (no sentido de possibilidade

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

40 Jerry Fodor, «Special Sciences, or the Desunity of Science as a Working Hypothesis» (doravante, «Ciências Especiais»), Synthese 28 (1974): 97-115; reimpresso em Representations (MIT Press: Cambridge, 1981) [«Ciências Especiais, ou a Desunidade da Ciência como Hipótese de Trabalho»], como o capítulo introdutório em Fodor, The Language of Thought (Nova Iorque: Crowell, 1975). 41 Donald Davidson, «Mental Events», reimpresso em Essays on Actions and Events (Oxford: Oxford University Press, 1980). [«Acontecimentos Mentais»] 42 «Physicalism: Ontology, Determination, and Reduction», Journal of Philosophy 72 (1975): 551-64. As duas citações abaixo são da p. 551. 43 «More on Making Mind Matter», Philosophical Topics 17 (1989): 175-92. A citação é da p. 179. "

! )/4!

conceptual) ser realizada por um grande número, talvez uma infinidade, de

diferentes propriedades físicas e mesmo de propriedades não-físicas.»

Passam depois a esboçar a razão pela qual, na sua perspectiva, a RM leva à

rejeição da redução mente-corpo:446

«Se há uma quantidade infinita de propriedades físicas (e talvez de propriedades

não-físicas) que podem realizar F, então F não será redutível a uma propriedade

física básica. Mesmo que F só possa ser realizada por uma infinidade de

propriedades físicas básicas poderá não ser redutível a uma propriedade física

básica uma vez que a disjunção destas propriedades pode não ser ela própria uma

propriedade física básica (isto é, ocorrer numa lei física fundamental). Entendemos

que a «realização múltipla» implica essa irredutibilidade.»

Esta leitura anti-reducionista da RM perdura até hoje; num artigo recente, Ned

Block afirma45:7

«Sejam quais forem os méritos do reducionismo fisiológico, isso não é acessível

ao ponto de vista da ciência cognitiva aqui assumido. Segundo a ciência cognitiva, a

essência do mental é computacional e qualquer estado computacional é

«multiplamente realizável» em estados fisiológicos ou electrónicos que não são

idênticos entre si, de modo que não se pode identificar o conteúdo com qualquer

destes.»

Na sua grande maioria, os filósofos da mente46 deixaram-se convencer por

considerações deste género a rejeitar o reducionismo e o fisicalismo dos tipos. O

resultado de tudo isto tem sido impressionante: a RM não só fez do «fisicalismo não

reducionista» a nova ortodoxia acerca do problema mente-corpo, como ao fazê-lo

fez com que a própria palavra «reducionismo» fosse depreciada, tornando todas as !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

44 «More on Making Mind Matter», p. 180. 45 Em «Can the Mind Change the World?», Meaning and Method: Essays in Honor of Hilary Putnam, org., George Boolos (Cambridge University Press: Cambridge, 1990), p. 146. "46 Estes incluem Richard Boyd, «Materialism Without Reductionism: What Physicalism Does Not Entail», em Block, Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1; Block, em «Introduction: What is Functionalism?» na sua antologia agora citada, pp. 178-79; John Post, The Faces of Existence (Ithaca: Cornell University Press, 1987); Derk Pereboom e Hilary Kornblith, «The Metaphysics of Irreducibility» (a sair nos Philosophical Studies). Um filósofo que não está impressionado com a perspectiva recebida da RM é David Lewis; ver o seu «Review of Putnam» em Block, Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1. "

! )/*!

variedades de reducionismo num alvo fácil de desprezo e de desconsiderações

abruptas.

Penso ser mais do que tempo de se fazer uma reavaliação da RM. Há algo

correcto e instrutivo na afirmação anti-reducionista apoiada na RM e no argumento

básico que a sustenta, mas penso que não fomos capazes de levar as implicações

da RM suficientemente longe e em resultado disso fomos incapazes de apreciar

inteiramente a sua importância. Uma ideia específica sobre a qual vou argumentar é

a seguinte: a perspectiva comum segundo a qual a psicologia constitui uma ciência

especial autónoma, uma doutrina fortemente promovida no rescaldo da dialéctica

anti-reducionista inspirada pela RM, pode na verdade ser inconsistente com as

implicações reais da RM. A nossa discussão mostrará que a RM, quando

combinada com certos pressupostos metafísicos e metodológicos plausíveis, leva a

algumas conclusões surpreendentes acerca do estatuto do mental e da natureza da

psicologia enquanto ciência. Espero que se torne claro que o destino do fisicalismo

dos tipos não é uma das mais interessantes consequências da RM.

II Realização Múltipla

Foi Putnam, num artigo publicado em 196747, quem primeiro introduziu a RM nos

debates acerca do problema mente-corpo. Segundo Putnam, as teorias

reducionistas clássicas da mente pressupunham a seguinte imagem ingénua de

como os tipos psicológicos (propriedades, tipos de acontecimento e de estado, etc.)

se correlacionam com tipos físicos:

Para cada tipo psicológico M há um único tipo físico (supostamente,

neurobiológico) P que lhe é nomologicamente co-extensivo (isto é, decorre de uma

lei que qualquer sistema exemplifica M em t se e só se esse sistema exemplifica P

em t).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

47 Hilary Putnam, «Psychological Predicates», em W. H. Capitan e D. D. Merrill, orgs., Art, Mind, and Religion (Pittsburgh: University of Pittsburgh, 1967); reimpresso com novo título, «The Nature of Mental States», em Ned Block, org., Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1 (Cambridge: Harvard University Press, 1980). [«A Natureza dos Estados Mentais»]

! )31!

(Podemos chamar a isto «a tese da correlação») Tome-se o exemplo da dor: a

tese da correlação afirma que a dor, enquanto tipo de acontecimento, tem uma base

neuronal, talvez ainda não completa e rigorosamente identificada, cuja ocorrência,

segundo uma lei, acompanha sempre a ocorrência da dor em todos os organismos

e estruturas capazes de sentir dor. Aqui não se menciona espécies ou tipos de

organismos ou estruturas: o correlato neuronal da dor é invariante através das

espécies biológicas e tipos de estrutura. No seu artigo de 1967, Putnam chamou a

atenção para algo que, em retrospectiva, parece demasiado óbvio:48

«Considere-se o que o defensor da teoria do estado cerebral tem de defender

para que as suas afirmações sejam adequadas. Tem de especificar um estado

físico-químico tal que qualquer organismo (não apenas um mamífero) está com

dores se e só se a) tem um cérebro com uma estrutura físico-química adequada; e

b) o seu cérebro está nesse estado físico-químico. Isto significa que o estado físico-

químico em questão tem de ser um estado possível de um cérebro de mamífero, um

cérebro de réptil, um cérebro de molusco (os octópodes são moluscos e sentem

seguramente dor), etc. Ao mesmo tempo, não pode ser um estado cerebral possível

(fisicamente possível) de qualquer criatura fisicamente possível, que seja incapaz de

sentir dor.»

Putnam passou a argumentar que a tese da correlação é empiricamente falsa. Os

autores subsequentes, porém, têm reforçado a ideia da realizabilidade múltipla do

mental como uma ideia conceptual: é um facto conceptual, a priori, acerca das

propriedades psicológicas o serem propriedades físicas «de segunda ordem» e que

a sua especificação não impõe condições ao modo da sua implementação física49.

Muitos defensores da explicação funcionalista para termos e propriedades

psicológicos defendem tal perspectiva.

Assim, na nova imagem aperfeiçoada, a relação entre tipos psicológicos e físicos

é algo semelhante a isto: não existe um tipo neuronal único N que «realize» a dor,

em todos os tipos de organismos ou sistemas físicos; ao invés, há uma

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

48 «The Nature of Mental States», p. 228 (no volume de Block). [«A Natureza dos Estados Mentais»] '*!Assim, Post afirma: «Os estados funcionais e intencionais definem-se sem olhar às suas realizações físicas ou a outras», The Faces of Existence, p. 161. Comparar também a citação anterior de Block. "

! )3)!

multiplicidade de tipos neurofísicos, Nh, Nr, Nm... tal que Nh realiza a dor nos seres

humanos, Nr realiza a dor nos répteis, Nm realiza a dor nos marcianos, etc. Talvez

as espécies biológicas, na compreensão comum que se tem delas, sejam

demasiado amplas para fornecer bases de realização físico-biológica únicas; a base

neuronal da dor poderia talvez mudar, mesmo num único organismo, ao longo do

tempo. Mas a ideia principal é clara: qualquer sistema capaz de ter estados

psicológicos (isto é, qualquer sistema que «tem uma psicologia») subsume-se em

alguma estrutura do tipo T tal que os sistemas com a estrutura T partilham a mesma

base física para cada tipo de estado mental que são capazes de exemplificar

(devíamos considerar a relativização ao tempo aqui, de modo a acomodar a

possibilidade de que, em momentos diferentes, um indivíduo se subsuma em

diferentes tipos de estrutura). Assim, as bases de realização física para estados

mentais têm de ser relativizadas a espécies, ou melhor, a tipos de estruturas físicas.

Temos assim a seguinte tese:

Se algo tem a propriedade mental M no momento t, há uma estrutura do tipo T e

uma propriedade física P tal que é um sistema do tipo T em t e tem P em t, e

verifica-se, segundo uma lei, que todos os sistemas do tipo T têm M num dado

momento, no caso de terem P nesse momento.

Podemos chamar a isto «a tese da correlação estruturalmente restrita» (ou

«teoria restrita da correlação», para abreviar).

Ter-se-á notado que nem esta tese nem a tese da correlação falam em

«realização».50 O discurso acerca da «realização» não é metafisicamente neutro: a

ideia de que as propriedades mentais são «realizadas» ou «implementadas» por

propriedades físicas traz em si uma certa imagem ontológica das propriedades

mentais como derivadas e dependentes. Há a sugestão de que, quando olhamos

para a realidade concreta, nada há além de exemplificações de propriedades e

relações físicas, e que a exemplificação numa dada ocasião de uma propriedade

física adequada no cenário contextual (frequentemente causal) adequado

simplesmente conta como ou constitui uma exemplificação de uma propriedade !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/1! Tanto quanto sei, o termo «realização» foi primeiro usado com um sentido semelhante ao que tem actualmente por Hilary Putnam em «Minds and Machines», em Sydney Hook, org., Dimensions of Mind (Nova Iorque: New York University Press, 1960). "

! )3"!

mental nessa ocasião. Uma ideia como esta é evidente na concepção funcionalista

de propriedade mental como extrinsecamente caracterizada em termos do seu

«papel causal», em que aquilo que desempenha este papel é uma propriedade (dir-

se-á então que a última propriedade «realiza» a propriedade mental em questão)

física (ou, em todo o caso, imental). Pode-se ver a mesma ideia na proposta

funcionalista relacionada de interpretar uma propriedade mental como uma

«propriedade de segunda ordem» que consiste em ter-se uma propriedade física

que satisfaz certas especificações extrínsecas. Regressaremos a este tópico mais

tarde; porém, devíamos notar que alguém que aceita qualquer das duas teses da

correlação não precisa de adoptar a linguagem da «realização». Isto é, trata-se à

primeira vista de uma posição coerente conceber as propriedades mentais em si

próprias como «propriedades de primeira ordem», caracterizadas pelas suas

naturezas intrínsecas (por exemplo, sentir fenoménico), que, na verdade, têm

correlatos nomológicos nas propriedades neuronais. (Com efeito, quem quer que

esteja interessado em defender uma posição dualista sobre o mental devia evitar

completamente o discurso da realização e considerar as propriedades mentais

como propriedades de primeira ordem ao mesmo nível que as propriedades físicas.)

A ideia principal da RM que é relevante para o argumento anti-reducionista que

gerou é apenas isto: as propriedades mentais não têm propriedades físicas

nomicamente co-extensivas, quando as últimas são adequadamente individuadas.

Pode ser que se tenha de conceber as propriedades que são candidatas à redução

como sendo realizadas, ou implementadas, por propriedades na base prospectiva

da redução;51 isto é, se pensarmos que certas propriedades têm as suas próprias

caracterizações intrínsecas que são inteiramente independentes de outro conjunto

de propriedades, não há esperança de reduzir as anteriores às últimas. Mas é

necessário argumentar a favor desta ideia e, em todo o caso, ela não

desempenhará qualquer papel no que se segue.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/)!Sobre isto ver Robert Van Gulick, «Nonreductive Materialism and Intertheoretic Constraints», em Emergence or Reduction?, org., Ansgar Beckermann, Hans Flohr e Jaegwon Kim (a sair de De Gruyter).

! )3.!

Suponhamos que a propriedade M é realizada pela propriedade P. Como se

relacionam entre si M e P e, em particular, como variam mutuamente? LePore e

Loewer afirmam o seguinte:52

«A concepção usual é que o facto de e ser P realiza o facto de e ser F se e só se

e é P e há algum género de conexão forte entre P e F. Propomos compreender esta

conexão como uma conexão necessária que é explicativa. A existência de uma

conexão explicativa entre duas propriedades é mais forte do que a afirmação de que

P ! F é fisicamente necessária uma vez que nem todas as conexões fisicamente

necessárias são explicativas.»

Assim, LePore e Loewer apenas exigem que a base de realização de M seja

suficiente para M e não simultaneamente necessária e suficiente. Presumivelmente,

isto responde à RM: se a dor é multiplamente realizada de três maneiras como

acima, cada dos Nh, Nr e Nm será suficiente para a dor e nenhum deles necessário

para a mesma. Creio que isto não é uma resposta correcta, porém; a resposta

correcta é não enfraquecer a necessidade e suficiência conjuntas da base física,

mas antes relativizá-la, como na tese restringida da correlação, a respeito de

espécies ou tipos de estrutura. Pois suponhamos que concebemos um sistema

físico que exemplificará uma determinada psicologia e tome-se M1, ..., Mn, como as

propriedades psicológicas requeridas por esta psicologia. O processo de concepção

tem de envolver a especificação de um n-tuplo de propriedades físicas, P1, ..., Pn,

todas instanciáveis pelo sistema, de tal modo que para cada i, Pi constitui uma

condição suficiente e necessária neste sistema (e outros com uma estrutura física

relevantemente semelhante), não apenas uma condição suficiente para a ocorrência

de Mi (pode-se chamar a cada um de tais n-tuplos de propriedades físicas uma

«realização física» da psicologia em questão53). Isto é, para cada estado psicológico

temos de conceber no sistema um estado físico nomologicamente co-extensivo.

Temos de fazer isto se vamos controlar tanto a ocorrência como a não corrência dos

estados psicológicos envolvidos, e este tipo de controlo é necessário se vamos

garantir que o dispositivo físico exemplificará adequadamente a psicologia. (Isto é

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/"!«More on Making Mind Matter», p. 179. LM"Cf. Hartry Field, «Mental Representation», em Block, Readings in Philosophy of Psychology (Cambridge: Harvard University Press, 1981), vol. 2."

! )3'!

especialmente claro se pensarmos em construir um computador; as analogias com

computadores dão muito que pensar acerca da «realização».)

Mas não será possível que a realização múltipla ocorra também «localmente»?

Isto é, podemos querer a flexibilidade de permitir que um estado psicológico, ou

função, sejam exemplificados por mecanismos alternativos dentro de um único

sistema. Isto significa que Pi pode ser uma disjunção de propriedades físicas; assim,

Mi é exemplificada no sistema em causa num dado momento se e só se pelo menos

um dos disjuntos de Pi é exemplificado nesse momento. O resultado de tudo isto é

que a condição, segundo LePore e Loewer, de que P # M se verifica

legiformemente precisa de ser melhorada para a condição de que, relativamente à

espécie ou tipo de estrutura em questão (e permitindo que P seja disjuntivo), P & M

verifica-se legiformemente.5416

Para simplificar, suponhamos que a dor é realizada de três maneiras, como

acima, por Nh em humanos, Nr em répteis e Nm em marcianos. A suposição de

finitude não é essencial para nenhum dos meus argumentos: se a lista não é finita,

teremos uma disjunção infinita em vez de uma finita (alternativamente, podemos

falar em termos de «conjuntos» de tais propriedades em vez de nas suas

disjunções). Se a lista é «ilimitada», estará tudo bem na mesma; não afectará a

metafísica da situação. Abrimos acima a possibilidade de uma base de realização

de uma propriedade psicológica ser ela própria disjuntiva; para prosseguir a

discussão, contudo, pressuporemos que estas N, as três bases de realização da dor

que imaginámos, não são elas próprias disjuntivas — ou, em todo o caso, que o seu

estatuto como propriedades não está em causa. A adequação e importância das

«propriedades disjuntivas» é precisamente uma das questões mais importantes com

que vamos lidar, e pouca diferença fará exactamente em que fase se enfrenta esta

questão.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/'!E quanto à condição ii) de Lepore e Loewer, a exigência de que a base de realização «explique» a propriedade realizada? Algo como esta relação explicativa pode bem ser implicada pela relação de realização; contudo, não creio que deva fazer parte da definição de «realização»; o facto de tal relação explicativa se verificar devia ser uma consequência da relação de realização e não constitutiva desta. "

! )3/!

III As Propriedades Disjuntivas e o Argumento de Fodor

Uma resposta inicial óbvia ao argumento contra a redutibilidade baseado na RM é

«a jogada da disjunção»: Por que não tomar a disjunção: Nh $ Nr $ Nm, como o

único substrato físico da dor? No seu artigo de 1967, Putnam toma essa jogada em

consideração mas rejeita-a sem contemplações: «É certo que nesse caso o

defensor da teoria do estado cerebral se pode salvar com suposições ad hoc (por

exemplo, definindo a disjunção de dois estados de modo a fazer dela um único

«estado físico-químico»), mas isto não tem de ser levado a sério.»55 Putnam não dá

qualquer sugestão quanto a sabermos por que pensa que a estratégia da disjunção

não merece ser seriamente ponderada.

Se há algo de profundamente errado no género de disjunções aqui envolvidas,

isso não é seguramente óbvio; precisamos de ir além de um sentimento de

desconforto com tais disjunções e desenvolver uma explicação racional para as

banir. É aqui que entra Fodor, visto que ele parece ter um argumento para rejeitar

as disjunções. A meu ver, o argumento de Fodor no artigo «Ciências Especiais»

depende crucialmente das duas suposições seguintes:

1) Para reduzir uma teoria Tm de uma ciência especial a uma teoria física Tp,

cada «tipo» em Tm (representada, supõe-se, por um predicado básico de

Tm) tem de ter um «tipo» nomologicamente co-extensivo em Tp.

2) Uma disjunção de tipos heterogéneos não é ela própria um tipo.

A alínea 1) é aparentemente ocasionada pelo modelo derivativo da redução

interteórica que se deve a Ernest Nagel:56 A redução de T2 a T1 consiste em derivar

leis de T2 a partir das leis de T1, em conjunção com princípios ou leis «ponte» que

ligam termos de T2 com termos de T1. Embora esta caracterização não exija em

geral que se correlacione cada termo de T2 com um termos de T1 co-extensivo, é

natural pensar-se que a existência de co-extensões T1 para termos de T2 nos daria,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

//!«The Nature of Mental States», p. 228 (no volume de Block) [«A Natureza dos Estados Mentais»] /3!The Structure of Science (Nova Iorque: Harcourt, Brace & World, 1961), Cap. 11. "

! )33!

com efeito, definições de termos de T2 em termos de T1, permitindo-nos rescrever

as leis de T2 exclusivamente no vocabulário de T1; podíamos então derivar estas

rescrições de leis de T2 a partir das leis de T1 (se não as pudermos derivar assim,

podemos acrescentá-las como leis adicionais de T1 — supondo que ambas as

teorias são verdadeiras).

Outra ideia que mais uma vez nos leva a procurar co-extensões T1 para termos

de T2 é esta: para a redução genuína, as leis-ponte têm de ser interpretadas como

identidades entre propriedades, não como meras correlações de propriedades —

nomeadamente, temos de estar em condições de identificar a propriedade expressa

por um dado termo de T2 (por exemplo, a solubilidade em água) com uma

propriedade expressa por um termo na base de redução (por exemplo, ter uma certa

estrutura molecular). É claro que isto exige que cada termo de T2 tenha uma co-

extensão nómica (ou de contrário adequadamente modalizada) no vocabulário da

base de redução. Por outras palavras, a redução ontologicamente significativa exige

a redução de propriedades de ordem superior e isto por sua vez exige (a menos que

se adopte uma posição eliminativista) que sejam identificadas com complexos de

propriedades de nível inferior. A identidade de propriedades exige, obviamente, no

mínimo, uma co-extensão adequadamente modalizada.57

Portanto, suponhamos que M é um tipo ou género psicológico e concordemos

que para reduzir M, ou para reduzir a teoria psicológica que contém M, precisamos

de uma co-extensão física, P, para M. Mas por que devíamos supor que P tem de

ser um «tipo» físico? O que é um «tipo» ou «género» [kind], afinal? Fodor explica

esta noção em termos de leis, afirmando que um dado predicado P é um «predicado

de tipo ou género» de uma ciência no caso de a ciência conter uma lei que tem P

como sua antecedente ou consequente.58 Há diversos problemas na caracterização

de Fodor, mas não precisamos de o levar literalmente a sério; a ideia principal é que

os tipos ou géneros, ou predicados-tipo ou predicados-género, de uma ciência, são

os que figuram nas leis dessa ciência.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/+! Os meus comentários neste parágrafo e no precedente supõem que a teoria de nível superior não exige qualquer «correcção» relativamente à teoria de base. Com estipulações e qualificações adequadas, deviam aplicar-se a modelos de redução que admitem tais correcções, ou a modelos que só exigem a dedução de um análogo adequado, ou «imagem», na base de redução — desde que os afastamentos não sejam tão extremos ao ponto de justificar o discurso sobre a substituição ou eliminação, em vez da redução. Cf. Patrícia Churchland, Neurophysiology (Cambridge: The MIT Press, 1986), Cap. 7. /4!Ver «Special Sciences», pp. 132-33 (em Representations). [«Ciências Especiais»]

! )3+!

Para regressar à nossa questão, por que deveriam as «leis-ponte» conectar tipos

com tipos / géneros com géneros, neste sentido especial de «tipo ou género»?

Afirmar que as leis-ponte são «leis» e que, por definição, só os predicados-tipo

podem ocorrer em leis não é grande resposta. Na verdade, apenas convida a

levantar a questão posterior de saber por que é que as «leis-ponte» têm de ser

«leis» — aquilo que estaria em falta numa derivação redutiva se as leis-ponte

fossem substituídas por «princípios-ponte» que não conectam necessariamente

tipos com tipos.59 E quanto à consideração de que estes princípios têm de

representar identidades entre propriedades? Será que isto nos impõe a exigência de

que cada tipo reduzido tem de corresponder a um tipo co-extenso na base de

redução? Não; visto não ser óbvio por que não é perfeitamente adequado reduzir

tipos identificando-os com propriedades expressas por predicados não-de género

[non kind] (disjuntivos) na base de redução.

Existe o seguinte argumento possível para se insistir em géneros: se se identifica

M com o não-tipo ou género Q (ou M é reduzido através de um princípio

bicondicional ponte «M # Q», em que Q é um não-tipo), M não pode continuar a

figurar nas leis de ciências especiais; por exemplo, a lei, «M # R» reduzir-se-ia

efectivamente a «Q # R», e portanto perde o seu estatuto como lei devido a conter

Q, um não-tipo.

Penso que esta é uma resposta plausível — pelo menos é o início de uma

resposta. No ponto em que estão as coisas, contudo, sugere circularidade: «Q #

R» não é uma lei porque nela ocorre um não-tipo ou não-género, Q, e Q é um não-

tipo porque não pode ocorrer numa lei e «Q # R», em particular, não é uma lei. O

que precisamos é de uma razão independente para a afirmação de que o género de

Q com que lidamos sob a RM, nomeadamente, uma má disjunção heterogénea, é

inadequada para leis.

Isto significa que a alínea 1) se reduz realmente à alínea 2) acima. Visto que,

dada a noção que Fodor tem de tipo, 2) resume-se a isto: as disjunções de tipos

heterogéneos são inadequadas para leis. Aquilo de que precisamos agora é um

argumento para esta afirmação; rejeitar tais disjunções como «muitíssimo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

/*!Fodor parece pressupor que a exigência de que as leis-ponte têm de conectar «tipos ou géneros» a «tipos ou géneros» faz parte da concepção positivista clássica da redução. Contudo, não creio que haja qualquer garantia para esta pressuposição. "

! )34!

disjuntivas» ou «heterogéneas e não-sistemáticas» é rotular um problema e não

diagnosticá-lo60. Nas secções seguintes, espero dar alguns passos no sentido de tal

diagnóstico e retirar algumas implicações que penso serem significativas para o

estatuto da vida mental.

IV Jade, Jadeíte e Nefrite

Permita-se-me começar com uma analogia que nos irá orientar o pensamento

acerca de tipos ou géneros multiplamente realizáveis.

Considere-se o jade: dizem-nos que o jade, afinal, não é um género mineral, ao

contrário do que em tempos se acreditou; ao invés, o jade é composto por dois

minerais distintos com estruturas moleculares dissemelhantes, a jadeíte e a nefrite.

Considere-se a seguinte generalização:

L) O Jade é verde

Pode-se ter pensado, antes da descoberta da natureza dual do jade, que L) era

uma lei, uma lei acerca do jade; e podemos ter pensado, com razão, que L) foi

fortemente confirmada por todos os milhões de amostras de jade que se viu serem

verdes (e nenhuma que se tenha visto não ser verde). Agora sabemos mais: L) é na

verdade uma conjunção destas duas leis:

L1) A jadeíte é verde

L2) A nefrite é verde

Mas L) pode em si ser uma lei também; será possível? Tem a forma canónica

básica de uma lei e aparentemente pode sustentar contrafactuais: se algo é jade —

isto é, se algo fosse uma amostra de jadeíte ou de nefrite — então, segue-se em

ambos os casos, segundo uma lei, que esse algo é verde. Não há problema aqui.

Mas há outro sinal canónico da legiformidade que é fequentemente citado, que é

a «projectabilidade», a capacidade de ser confirmado por observação de «instâncias !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

31!Ver Pereboom e Kronblith, «The Metaphysics of Irreducibility», em que se sugere que as leis com predicados disjuntivos não são «explicativas». Penso, contudo, que esta sugestão não está inteiramente desenvolvida aqui. "

! )3*!

positivas». Qualquer condicional generalizada com a forma «Todos os F são G» se

pode confirmar pela exaustão da classe dos F — isto é, eliminando todos os seus

potenciais falsificadores. É neste sentido que podemos verificar generalizações

como «Todas as moedas que tenho no bolso são de cobre» e «Cada uma das

pessoas que está nesta sala ou é filho mais velho ou filho único». Pensa-se,

contudo, que as generalizações legiformes têm a seguinte propriedade adicional: a

observação de instâncias positivas, F que são G, podem reforçar a nossa crença de

que o próximo F será um G. É este tipo de acréscimo de confirmação instância-a-

instância que se supõe ser a marca distintiva da legiformidade; é o que explica a

possibilidade de confirmar uma generalização acerca de uma classe

indefinidamente vasta de itens com base na observação de uma quantidade finita de

observações favoráveis. Esta caracterização grosseira da projectabilidade deve

bastar para o que nos interessa.

Será que L), «o jade é verde», passa o teste da projectabilidade? Parece que

temos aqui um problema61. Porquanto podemos imaginar o seguinte: ao reexaminar

os registos de observações passadas, descobrimos, para nossa consternação, que

todas as instâncias positivas de L), isto é, todos os milhões de amostras de jade

verde observadas, eram afinal amostras de jadeíte e não de nefrite! Se isto

acontecesse, evidentemente que não iríamos nem devíamos continuar a pensar que

L) estava solidamente confirmada. Tudo o que temos são indícios que confirmam

fortemente L1) e nenhum que tenha algo a ver com L2). L) é meramente uma

conjunção de duas leis, uma solidamente confirmada e a outra com estatuto

epistémico em suspenso. Mas todos os milhões de amostras de jadeíte verde são

instâncias positivas de L): satisfazem tanto a antecedente como a consequente de

L). Como acabámos de ver, contudo, não confirmam L), pelo menos não da maneira

convencional que esperamos. E a razão, sugiro, é a de que o jade é um género

verdadeiramente disjuntivo, uma disjunção de dois géneros nómicos heterogéneos

que, contudo, não é ela própria um género nómico62.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3)!Os assuntos que se seguem a respeito de predicados disjuntivos foram desenvolvidos há cerca de uma década atrás; contudo, acabo de me deparar com alguns detalhes relacionados e, em alguns aspectos, semelhantes, no interessante artigo de David Owen, «Disjunctive Laws», Analysis 49 (1989): 197-202. Ver também William Seager, «Disjunctive Laws and Supervenience», Analysis 51 (1991): 93-98. 3"! Pode-se entender que isto define um sentido útil de heterogeneidade de tipos ou géneros: dois tipos ou géneros são heterogéneos entre si no caso de a sua disjunção não ser um tipo ou género.

! )+1!

Que a disjunção está envolvida neste fracasso da projectabilidade pode-se ver da

seguinte maneira: a projecção indutiva de generalizações como L) com

antecedentes disjuntivas sancionaria um procedimento de confirmação reles e

ilegítimo. Pressuponha-se que «Todos os F são G» é uma lei que foi confirmada

pela observação de uma quantidade razoável de instâncias positivas, coisas que

são simultaneamente F e G. Mas estas são também instâncias positivas da

generalização «Todas as coisas que são F ou H são G», para qualquer H que se

queira. Portanto, se em geral se permite a projecção de generalizações com uma

antecedente disjuntiva, esta última generalização é também solidamente

confirmada. Mas «Todas as coisas que são F ou H são G» implica logicamente

«Todo o H é G». Qualquer afirmação implicada por uma formulação bem confirmada

tem ela própria de ser bem confirmada.63 Portanto, «Todo o H é G» é bem

confirmada — na verdade, é confirmada pela observação de F que são G.

Podia-se protestar: «Escute, pode-se aplicar a mesmíssima estratégia a algo que

seja uma lei genuína. Podemos pensar num tipo ou género nómico — digamos, ser

uma esmeralda — como uma disjunção, ser uma esmeralda africana ou uma

esmeralda que não é africana. Isto tornaria «Todas as esmeraldas são verdes» uma

conjunção de duas leis: «Todas as esmeraldas africanas são verdes» e «Todas as

esmeraldas que não são africanas são verdes». Mas seguramente que isto não

mostra que há algo de errado com a legiformidade de «Todas as esmeraldas são

verdes».» A nossa resposta é óbvia: a disjunção «ser uma esmeralda africana ou

ser uma esmeralda que não é africana» não denota um tipo ou género não nómico,

heterogeneamente disjuntivo; denota um tipo nómico perfeitamente bem-

comportado, o de ser uma esmeralda! Nada há de errado com os predicados

disjuntivos em si; a dificuldade surge quando os tipos ou géneros denotados pelos

predicados disjuntos são heterogéneos, «muitíssimo disjuntivos», de modo que as

instâncias que neles se subsumem não mostram o tipo de «similitude», ou unidade,

que esperamos de instâncias que se subsumem num único tipo ou género.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3.!Nota: isto não afirma que para qualquer e, se e é «indício claro» e h e h implica logicamente j, então e é indício claro de j. Há alguma discussão acerca do último princípio; ver Carl G. Hempel, «Studies in the Logic of Confirmation», reimpresso em Hempel, Aspects of Scientific Explanation (Nova Iorque: The Free Press, 1965), especialmente as pp. 30-35. Rudolf Carnap, Logical Foundations of Probability (Chicago: University of Chicago Press, 1950), pp. 471-76. "

! )+)!

O fenómeno em causa, portanto, relaciona-se com a máxima simples da qual por

vezes se afirma que subjaz à inferência indutiva: «as coisas similares comportam-se

de modo similar», «a mesma causa, o mesmo efeito», e por aí em diante. A fonte da

dificuldade que vimos com a confirmação exemplificativa de «Todo o jade é verde»

é o facto, ou crença, de que as amostras de jadeíte e as amostra de nefrite não

exibem uma «similitude» adequada umas em relação às outras de modo a garantir

projecções indutivas a partir de amostras observadas de jadeíte para amostras

inobservadas de nefrite. Mas a similitude do género que se pretende verifica-se para

as esmeraldas africanas e para as que não são africanas — pelo menos, isso é o

que acreditamos e é isso que torna o «tipo ou género disjuntivo», ser uma

esmeralda africana ou uma esmeralda que não é africana, um único tipo ou género

nómico. Mais em geral, o fenómeno relaciona-se com a ideia que amiúde se afirma

das propriedades disjuntivas: as propriedades disjuntivas, ao contrário das

propriedades conjuntivas, não garantem a similitude das instâncias que se

subsumem nelas. E a similitude, diz-se, é o núcleo da nossa ideia de propriedade.

Se essa é a ideia que o leitor tem de propriedade, acreditará que não há quaisquer

propriedades disjuntivas (ou «propriedades negativas»). Mais precisamente,

contudo, devíamos lembrar que as propriedades não são inerentemente disjuntivas

nem conjuntivas tal como as classes não são inerentemente nem uniões nem

intersecções, e que qualquer propriedade se pode exprimir através de um predicado

disjuntivo. Evidentemente, as propriedades podem ser conjunções, ou disjunções,

de outras propriedades. A ideia acerca das propriedades disjuntivas apresenta-se

melhor como uma condição de fechamento sobre propriedades: a classe das

propriedades não é fechada sob disjunção (supostamente, nem sob negação).

Assim, pode muito bem haver propriedades P e Q tais que P ou Q é também uma

propriedade, mas isto não se segue do mero facto de P e Q serem propriedades64.

V O Jade e a Dor

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3'!Em questões respeitantes a propriedades, géneros, semelhança e legiformidade, ver W. V. Quine, «Natural Kinds», em Ontological Relativity and Other Essays (Nova Iorque: Columbia University Press, 1969); David Lewis, «New Work for a Theory of Universals», Australasian Journal of Philosophy 61 (1983): 347-77; D. M. Armstrong, Universals (Boulder, Colorado: Westview Press, 1989). "

! )+"!

Regressemos agora à dor e às suas bases de realização múltipla, Nh, Nr e Nm.

Creio que a situação aqui é instrutivamente semelhante ao caso do jade em relação

com a jadeíte e a nefrite. Parece que pensamos na jadeíte e na nefrite como tipos

distintos (e do jade não pensamos que é um tipo) porque são diferentes tipos

químicos. Mas por que razão é aqui relevante o facto de serem distintos enquanto

tipos químicos? Porque muitas propriedades importantes dos minerais, pensamos,

são supervenientes à sua microestrutura e explicáveis em termos desta, e os tipos

ou géneros químicos constituem uma taxonomia microestrutural que é

explicativamente rica e poderosa. A microestrutura é importante, em suma, porque

as propriedades macrofísicas das substâncias são determinadas pela

microestrutura. Estas ideias compõem a nossa «metafísica» da microdeterminação

para propriedades de minerais e outras substâncias, um pano de fundo de

pressupostos parcialmente empíricos e parcialmente metafísicos que regulam as

nossas práticas indutivas e explicativas.

Os alicerces metafísicos paralelos para a dor, e outros estados mentais em geral,

são, em primeiro lugar, a crença, expressa pela tese da correlação restrita, de que a

dor, ou qualquer outro estado mental, ocorre num sistema quando, e só quando,

estão presentes no sistema condições físicas adequadas e, em segundo lugar, a

crença decorrente de que as propriedades significativas de estados mentais, em

particular relações nómicas entre estes, se devem às propriedades e conexões

causais-nómicas entre as suas «bases» físicas. Chamarei «tese da realização

física»65 à conjunção destas duas crenças. Quer a microexplicação do género

indicado na segunda metade da tese equivalha ou não a «redução» é uma questão

que abordaremos mais tarde. À parte desta questão, contudo, a tese da realização

física é largamente aceite pelos filósofos que falam de «realização física» e isto

inclui os funcionalistas na sua maioria; é quase explícito em LePore e Loewer, por

exemplo, e em Fodor.66

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3/!Este termo é um pouco enganador, uma vez que as duas subteses foram formuladas sem o termo «realização» e podem ser aceitáveis para aqueles que rejeitam o idioma da «realização» em conexão com o mental. Uso o termo uma vez que nos dirigimos principalmente a filósofos (sobretudo funcionalistas) que interpretam a relação psicofísica em termos de realização, em vez de, digamos, emergência ou correlação bruta. 33!Ver «Special Sciences» [«Ciências Especiais»] e «Making Mind Matter More», Philosophical Topics 17 (1989): 59-79. "

! )+.!

Defina-se uma propriedade, N, disjuntando Nh, Nr e Nm; isto é, N tem uma

definição disjuntiva, Nh Nt Nm. Se pressupomos, com os que defendem o

argumento anti-reducionista baseado na RM, que Nh, Nr e Nm são um grupo

heterogéneo, não podemos fazer desaparecer a heterogeneidade apenas

introduzindo uma expressão mais simples, «N»; se há um problema com certas

propriedades disjuntivas, não é um problema linguístico acerca da forma de

expressões usadas para as referir.

Colocamos agora a seguinte questão a Fodor e a filósofos que pensam de modo

semelhante: se a dor é nomicamente equivalente a N, a propriedade dita muitíssimo

disjuntiva e obviamente não-nómica, por que não é a própria dor igualmente

heterogénea e não-nómica como tipo? Por que não é a relação entre a dor e as

suas bases de realização, Nh, Nr e Nm análoga à relação entre o jade, a jadeíte e a

nefrite? Se se mostrar que o jade é não-nómico por causa das suas «realizações»

duais em microestruturas distintas, por que razão não sucederá o mesmo com a

dor? Afinal, o grupo de realizações efectivas e nomologicamente possíveis da dor,

como são descritas pelos entusiastas da RM com tal imaginação, é bastante mais

incongruente do que os dois tipos químicos que constituem o jade.

Creio que devíamos insistir em respostas a estas perguntas por parte dos

funcionalistas que vêem as propriedades mentais como propriedades de «segunda

ordem», isto é, propriedades que consistem em ter uma propriedade com uma certa

especificação funcional67. Assim, diz-se que a dor é uma propriedade de segunda

ordem na medida em que é a propriedade de ter uma propriedade com uma

determinada especificação em termos das suas causas e efeitos típicos e a sua

relação com outras propriedades mentais; chame-se a isto «especificação H». A

ideia da RM, nesta perspectiva, é que há mais do que uma propriedade que satisfaz

a especificação H — na verdade, um conjunto não delimitado de tais propriedades,

dir-se-á. Mas a própria dor, diz-se, é uma propriedade mais abstracta mas bem-

comportada a um nível mais elevado, nomeadamente de ter uma destas

propriedades a satisfazer a especificação H. Devia ser claro por que uma posição

como esta é vulnerável às questões que foram levantadas. Porquanto a propriedade

de ter a propriedade P é exactamente idêntica a P, e a propriedade de ter uma das

propriedades, P1, P2..., Pn, é exactamente idêntica à propriedade disjuntiva, P1 $ P2 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3+!Ver, por exemplo, Block, «Can the Mind Change the World?», p.155

! )+'!

$ ... $ Pn. No pressuposto de que Nh, Nr e Nm são todas as propriedades que

satisfazem a especificação H, a propriedade de ter uma propriedade com H,

nomeadamente dor, não é senão a propriedade de ter ou Nh ou Nr ou Nm6830 —

nomeadamente, a propriedade disjuntiva, Nh $ Nr $ Nm! Não podemos esconder o

carácter disjuntivo da dor atrás da expressão de segunda ordem, «a propriedade de

ter uma propriedade com a especificação H». Assim, na interpretação de

propriedades mentais como propriedades de segunda ordem, as propriedades

mentais mostrar-se-ão em geral ser disjunções das suas bases de realização física.

É difícil ver como se podia ter ambas as coisas — isto é, censurar Nh $ Nr $ Nm

como inaceitavelmente disjuntiva insistindo ao mesmo tempo na integridade da dor

como tipo científico.

Além disso, quando pensamos em fazer projecções acerca da dor, devia colocar-

se basicamente a mesma preocupação acerca da sua adequação que no caso do

jade. Considere-se uma lei possível: «dores agudas administradas em intervalos

aleatórios causam reacções de ansiedade». Suponha-se que esta generalização foi

bem confirmada em humanos. Devíamos esperar nessa base que também se

verificará em marcianos cuja psicologia é implementada (supomos) por um

mecanismo físico bastante diferente? Não se aceitarmos a tese da realização física,

fundamental para o funcionalismo, segundo a qual as regularidades psicológicas se

verificam, na medida em que o fazem, em virtude das regularidades causal-

nomológicas ao nível da implementação física. A razão de a lei ser verdadeira para

humanos deve-se à maneira como o cérebro humano está «configurado»; os

marcianos têm cérebros com um mapa de circuitos diferente e não devíamos

certamente esperar que a regularidade se verificasse neles apenas porque o faz nos

seres humanos69. «As dores causam reacções de ansiedade» pode mostrar não ter

mais unidade como lei científica do que «O jade é verde».

Suponha-se que apesar de tudo isto Fodor insiste em defender que a dor é um

tipo ou género nómico. Não é claro que fosse uma estratégia viável. Porquanto nos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

HP" Podemos manter em mente a relação íntima entre a disjunção e o quantificador existencial conforme a notação canónica nos manuais de lógica."3*!Pode ser um assunto complicado formular este argumento dentro de certos esquemas funcionalistas; se, por exemplo, as propriedades mentais são funcionalmente definidas ao Ramseyficar uma teoria psicológica total, mostrar-se-á que os humanos e os marcianos não podem partilhar qualquer estado psicológico a menos que a mesma psicologia total (incluindo a lei putativa em questão) seja verdadeira (ou defendida como verdadeira) por ambos.

! )+/!

ficaria a dever uma explicação por que a «muitíssimo disjuntiva» N, que afinal é

equivalente à dor, não é um tipo nómico. Se um predicado é nomicamente

equivalente a um predicado bem-comportado, por que não é isso suficiente para

mostrar que também aquele é bem-comportado e que exprime uma propriedade

bem-comportada? Afirmar, como faz Fodor70, que «é uma lei que...» é «intensional»

e não permite a substituição de expressões equivalente («equivalente» em diversos

sentidos adequados) é meramente localizar um potencial problema e não resolvê-lo.

Assim, a nomicidade da dor pode levar à nomicidade de N; mas isto não é muito

interessante. Porquanto dada a tese da realização física, e a prioridade do físico

nela implícita, a nossa anterior linha de raciocínio que partia da não nomicidade de

N para a nomicidade da dor, é mais persuasiva. Penso que temos de levar a sério o

raciocínio conducente à conclusão de que a dor e outros estados mentais podem

acabar por se revelar não-nómicos. Se for este o caso, coloca em sério risco o

argumento de Fodor de que a sua irredutibilidade à física faz que a psicologia seja

uma ciência especial autónoma. Se a dor não é nómica, não é o género de

propriedade em termos da qual se possa formular leis; e «dor» não é um predicado

que possa entrar numa teoria científica que procura formular leis causais e

explicações causais. E o mesmo se aplica a todos os tipos ou géneros psicológicos

multiplamente realizáveis — o que, segundo a RM, significa todos os tipos

psicológicos. Não há teorias científicas do jade, e não precisamos de uma; se o

leitor insistir em ter uma, pode servir-se da conjunção da teoria da jadeíte e da teoria

da nefrite. Do mesmo modo, haverá teorias acerca de dores humanas (instâncias de

Nh), dores répteis (instâncias de Nr), e por aí em diante; mas não haverá uma teoria

integrada, unificada, que abranja todas as dores em todos os organismos

susceptíveis de ter dor, só uma conjunção de teorias da dor para espécies

biológicas adequadamente individuadas e tipos de estrutura física. A psicologia

científica, como a teoria do jade, dá lugar a uma conjunção de teorias específicas

sobre estruturas. Se isto é verdade, a conclusão correcta a retirar do argumento

anti-reducionista inspirado na RM não é a afirmação de que a psicologia é uma

ciência autónoma e irredutível, mas algo que a contradiz, nomeadamente que a

psicologia não pode ser uma ciência com um objecto de estudo unificado. Esta é a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+1!«Special Sciences», p. 140 (em Representations) [«Ciências Especiais»] ."

! )+3!

imagem que começa a surgir da RM quando combinada com a tese da realização

física.

Estas reflexões foram ocasionadas pela analogia com o exemplo do jade; é uma

analogia forte e instrutiva, penso, e sugere a possibilidade de um argumento geral.

Na secção seguinte desenvolvo um argumento directo, com premissas e

pressupostos explícitos.

VI Poderes Causais e Tipos Mentais

Uma premissa crucial de que precisamos para um argumento directo é uma

constrição à formação de conceitos, ou individuação de tipos ou géneros, em

ciência, que tem estado presente há muitos anos; foi recentemente ressuscitada por

Fodor em conexão com o externalismo acerca do conteúdo.71 Uma formulação

precisa da constrição pode ser difícil e controversa, mas a sua ideia principal pode

ser colocada do seguinte modo:

[Princípio da individuação causal de tipos ou géneros] Os tipos ou géneros em

ciência são individuados com base em poderes causais; isto é, os objectos e os

acontecimentos subsumem-se num tipo ou género, ou partilham uma propriedade,

na medida em que têm poderes causais semelhantes.

Julgo que isto é um princípio plausível e, em todo o caso, é geralmente aceite.

Podemos ver que este princípio nos permite dar uma interpretação específica da

afirmação de que Nh, Nr e Nm são heterogéneos como tipos: a afirmação tem de

significar que são heterogéneos como poderes causais — isto é, são diferentes

como poderes causais e entram em diferentes leis causais. Isto tem de significar,

dada a tese da realização física, que a própria dor não pode exibir mais unidade

enquanto poder causal do que a disjunção, Nh $ Nr $ Nm. Isto torna-se

particularmente claro se apresentamos o princípio seguinte, que é discutivelmente

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+)!Ver, por exemplo, Carl G. Hempel, Fundamentals of Concept Formation in Empirical Science (Chicago: University of Chicago Press, 1952); W. O. Quine, «Natural Kinds». Fodor dá uma formulação explícita em Psychosemantics (Cambridge: MIT Press, 1988), Cap. 2. Um princípio como este é amiúde invocado no actual debate entre o externalismo e o internalismo acerca do conteúdo; na sua maioria os principais participantes neste debate parecem aceitá-lo. "

! )++!

implicado pela tese da realização física (mas não precisamos fazer disto uma

questão aqui):

[O princípio da herança causal] Se a propriedade mental M é realizada num

sistema em t em virtude da base de realização física P, os poderes causais desta

exemplifica de M são idênticos aos poderes causais de P.7234

É importante ter em mente que este princípio só diz respeito aos poderes

causais de instâncias individuais de M; não identifica os poderes causais da

propriedade M em geral com os poderes causais de uma propriedade física P; a

realizabilidade múltipla de M impede tal identificação.

Por que devíamos aceitar este princípio? Permita-se que notemos que negá-lo

seria aceitar poderes causais emergentes: poderes causais que emergem

magicamente num nível superior e que não são explicáveis em termos de

propriedades de nível inferior, dos seus poderes causais e conexões nómicas. Isto

leva ao notório problema da «causalidade descendente» e à concomitante violação

do fechamento causal do domínio físico73. Penso que um fisicalista sério

consideraria intoleráveis estas consequências.

É claro que o princípio da herança causal, em conjunção com a tese da

realização física, tem a consequência de que os tipos ou géneros mentais não

podem satisfazer o princípio de individuação causal, e isto exclui efectivamente os

tipos ou géneros mentais como tipos ou géneros científicos. O raciocínio é simples:

instâncias de M que são realizadas pela mesma base física têm de ser agrupadas

sob um tipo ou género, visto que ex hypothesi a base física é um tipo ou género

causal; e as instâncias de M com diferentes bases de realização têm de ser

agrupadas sob tipos ou géneros distintos, visto que, mais uma vez ex hypothesi,

estas bases de realização são distintas como tipos ou géneros causais. Sendo os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+"!Coloca-se por vezes um princípio como este em termos de «superveniência» e «base de superveniência» em vez de «realização» e «base de realização». Ver o meu «Epiphenomenal and Supervenient Causation», Midwest Studies in Philosophy 9 (1984): 257-70. Fodor parece aceitar precisamente tal princípio de causalidade superveniente para propriedades mentais, capítulo 2 do seu Psychosemantics. Em «The Metaphysics of Irreducibility», Pereboom e Kornblith parecem rejeitá-lo. +.!Para mais detalhes ver o meu «Downward Causation» em «Emergentism and Nonreductive Physicalism», a sair em Emergence or Reduction?, org. Beckermann, Flohr e Kim, e «The Nonreductivist’s Troubles with Mental Causation», a sair em Mental Causation, org. John Heil e Alfred Mele (Oxford University Press). "

! )+4!

tipos ou géneros mentais realizados por diferentes tipos ou géneros causais físicos,

portanto, segue-se daqui que os tipos ou géneros mentais não são tipos ou géneros

causais, e logo são desqualificados como tipos ou géneros científicos adequados.

Cada tipo ou género mental divide-se em tantos tipos ou géneros quantas as bases

de realização física do mesmo, e a psicologia como ciência com unidade disciplinar

revela-se um projecto impossível.

Qual é a relação entre este argumento e o argumento esboçado nas nossas

reflexões assentes na analogia com o jade? À primeira vista, os dois argumentos

podem parecer não estar relacionados: o primeiro argumento dependia sobretudo

de considerações epistemológicas, considerações sobre projectabilidade indutiva de

certos predicados, ao passo que a premissa crucial do segundo argumento é o

princípio da individuação de tipos ou géneros causais, um princípio em larga medida

metafísico e metodológico acerca da ciência. Penso, contudo, que os dois

argumentos estão intimamente relacionados, e que a chave para ver a relação é a

seguinte: os poderes causais implicam leis, e as leis são regularidades projectáveis.

Assim, se a dor (ou o jade) não é um tipo ou género acerca do qual se possa fazer

projecções indutivas, não pode entrar em leis e portanto não pode qualificar-se

como tipo ou género causal; e isto desclassifica-a como tipo ou género científico. Se

isto está correcto, as reflexões inspiradas no jade dão um conjunto possível de

razões para o princípio de individuação causal. Desenvolver esta rudimentar linha

de raciocínio em termos precisos, contudo, ultrapassa aquilo que posso tentar fazer

neste artigo.

VII O Estatuto da Psicologia: Reduções Locais

Chegados a este ponto, a nossa conclusão é, portanto, a seguinte: se a RM é

verdadeira, os tipos ou géneros psicológicos não são tipos ou géneros científicos.

Que implicações tem isto para o estatuto da psicologia como ciência? As nossas

considerações mostram que a psicologia é uma pseudociência como a astrologia e

a alquimia? Claro que não. A diferença crucial, do ponto de vista metafísico, é que a

psicologia tem realizações físicas, mas a alquimia não. Ter uma realização física é

ter fundamento e explicação física em termos dos processos no nível subjacente.

Na verdade, se cada um dos tipos ou géneros psicológicos postulados numa teoria

psicológica tem uma realização física para uma espécie fixa, a teoria pode ser

! )+*!

«localmente reduzida» à teoria física dessa espécie, no seguinte sentido: Chame-se

S à espécie em causa; para cada lei Lm da teoria psicológica Tm, S # Lm (a

proposição de que Lm se verifica para membros de S) é a versão de Lm «restringida

a S»; e S # T é a versão de Tm restringida a S, o conjunto de todas as leis de Tm

restringidas a S. Podemos então afirmar que Tm é «localmente reduzida» para a

espécie S a uma teoria subjacente, Tp, no caso de S # Tm ser reduzida a Tp. E a

última verifica-se no caso de cada lei restringida a S de Tm, S # Lm,7436 é derivável

das leis da teoria reducente Tp, tomadas conjuntamente com leis-ponte. Que leis-

ponte são suficientes para garantir a derivação? Obviamente, um leque de leis-

ponte restringidas a S com a forma S # (Mi ! Pi), para cada tipo ou género mental

Mi. Tal como as leis-ponte psicológicas irrestritas podem subscrever uma redução

«global» ou «uniforme» da psicologia, as leis-ponte restringidas a espécies ou

estruturas sancionam a sua redução «local».

Se a mesma teoria psicológica se aplica a humanos, répteis e marcianos, os tipos

ou géneros psicológicos postulados por essa teoria têm realizações nas psicologias

de humanos, répteis e marcianos. Se a dependência do mental sobre o físico tem

algum significado, tem de ser que as regularidades postuladas por esta psicologia

comum têm de ter explicações físicas divergentes para as três espécies. A própria

ideia de realização física implica a possibilidade de explicar fisicamente

propriedades e regularidades psicológicas, e a suposição de múltiplas realizações

desse género, nomeadamente a RM, implica um compromisso com a possibilidade

de múltiplas reduções explicativas da psicologia.7537 A lição importante a reter da

RM é a seguinte: se as propriedades psicológicas são multiplamente realizadas,

também a própria psicologia o é. Se as realizações físicas de propriedades

psicológicas são um conjunto «muitíssimo heterogéneo» e «não sistemático», a

própria teoria psicológica tem de ser realizada por um conjunto igualmente

heterogéneo e não sistemático de teorias físicas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+'!Ou uma versão adequadamente corrigida do mesmo (esta qualificação aplica-se também às leis-ponte). +/! Em «Special Sciences» [«Ciências Especiais»] e «Making Mind Matter More», Fodor parece aceitar a redutibilidade local da psicologia e de outras ciências especiais. Mas usa a terminologia da explicação local, em vez da redução, das regularidades psicológicas em termos de microestrutura subjacente. Penso que isto acontece porque a sua preocupação com a redução uniforme nageliana o impede de ver que isto é uma forma de redução interteórica, se a há. "

! )41!

Inclino-me a pensar que as múltiplas reduções locais, e não as reduções globais,

são a regra, mesmo nas áreas em que normalmente supomos que as reduções são

possíveis. Passo agora a uma possível objecção à ideia de redução local, pelo

menos na sua aplicação à psicologia. A objecção é a seguinte: dado o que sabemos

acerca das diferenças entre membros de uma única espécie, mesmo as espécies

são demasiado amplas para fornecer bases de realização determinadas de estados

psicológicos, e dado o que sabemos acerca dos fenómenos de maturação e

desenvolvimento, lesões cerebrais, e coisas semelhantes, as bases físicas do

mental podem mudar mesmo para um único indivíduo. Isto põe seriamente em

causa, prossegue a objecção, a disponibilidade de leis-ponte restringidas a espécies

necessárias para reduções locais.

A ideia desta objecção pode perfeitamente estar correcta enquanto facto

empírico. Pode-se responder com duas outras ideias, contudo. Em primeiro lugar, a

investigação neurofisiológica continua porque há uma crença partilhada e

provavelmente bem fundada entre os investigadores de que não há diferenças

individuais enormes dentro de uma espécie no modo como os tipos psicológicos são

realizados. Os membros de uma mesma espécie têm de exibir semelhanças

físicofisiológicas importantes, e há provavelmente boas razões para pensar que

partilham bases de realização física a um grau suficiente para tornar a procura de

bases neurais relativas à espécie para estados mentais factível e compensatória. Os

investigadores nesta área procuram evidentemente explicações neurobiológicas de

capacidades e processos psicológicos que são generalizáveis para os membros

(«normais») de uma dada espécie, no seu todo ou na maioria.

Em segundo lugar, mesmo que haja diferenças individuais enormes entre

membros da mesma espécie quanto ao modo como a sua psicologia é realizada,

isso não afecta aquilo que metafisicamente está em causa: desde que se mantenha

a tese da realização física, tem de se aceitar que todo o organismo ou sistema com

vida mental se subsume num tipo de estrutura física tal que os seus estados

mentais são realizados por determinados estados físicos de organismos com essa

estrutura. Pode ser que estas estruturas sejam tão minuciosamente individuadas e

que tão poucos os indivíduos que efectivamente se subsumem nelas que a

investigação sobre as bases neurais de estados mentais nestas estruturas não vale

mais a pena, do ponto de vista teórico ou prático. O que precisamos de reconhecer

aqui é que a possibilidade científica de, digamos, a psicologia humana ser um facto

! )4)!

contingente (pressupondo que é um facto); depende do facto feliz de os seres

humanos não exibirem diferenças fisiológico-biológicas que sejam psicologicamente

relevantes. Mas se o fizessem, isso não mudaria a metafísica da situação nem um

pouco; continuaria a ser verdade que a psicologia de cada um de nós era

determinada pela sua neurobiologia e localmente redutível a esta.

De forma realista, haverá diferenças psicológicas entre indivíduos humanos: é um

lugar comum que não há duas pessoas exactamente iguais — quer física quer

psicologicamente. E as diferenças individuais podem manifestar-se não só em

factos psicológicos particulares mas em regularidades psicológicas. Se aceitamos a

tese da realização física, temos de acreditar que as nossas diferenças psicológicas

estão enraizadas nas nossas diferenças físicas e são explicadas por estas, tal como

esperamos que as nossas semelhanças psicológicas sejam explicáveis deste modo.

Os humanos são provavelmente menos semelhantes entre si do que, digamos,

espécimes de um modelo Chevrolet.76 E tem de se esperar que as leis psicológicas

para humanos, num certo nível de especificidade, tenham carácter estatístico e não

determinista — ou, se o leitor prefere, que sejam «leis ceteris paribus» em vez de

«leis estritas». Mas nada disto é peculiar à psicologia; estes comentários aplicam-se

seguramente à fisiologia e anatomia humana tanto quanto à psicologia humana. Em

todo o caso, nada disto afecta o que está metafisicamente em causa a respeito da

microdeterminação e da explicação microredutiva.

VIII Implicações metafísicas

Mas terá a redução local alguma importância filosófica, especialmente no que

respeita ao estatuto das propriedades mentais? Se uma propriedade psicológica

teve múltiplas reduções locais isso significa que a propriedade em si foi reduzida?

Ned Block levantou precisamente essa questão, argumentando que o reducionismo

restringido a espécies (ou fisicalismo dos tipos restringido a espécies) «evita a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+3!Compare-se a instrutiva analogia de J. J. Smart, entre organismos biológicos e rádios superheteródinos, em Philosophy and Scientific Realism (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1963), pp. 56-57. A concepção que Smart tem da relação entre a física e as ciências especiais, como a biologia e a psicologia, é similar em alguns aspectos à posição que defendo aqui. "

! )4"!

principal questão metafísica: «o que é comum nas dores dos cães e das pessoas (e

todas as outras espécies) em virtude do que são dores?»77

Pereboom e Kornblith elaboram a ideia de Block, da seguinte maneira:

«... mesmo que haja um único tipo de estado físico que normalmente realiza a dor

em cada tipo de organismo, ou em cada tipo de estrutura, isto não mostra que a dor,

como tipo de estado mental, é redutível a estados físicos. Tem de se entender a

redução, no presente debate, como redução de tipos, uma vez que o objecto

primário das estratégias redutivas são explicações e teorias, e as explicações e

teorias quantificam sobre tipos... A sugestão de que há reduções de dor específicas

à espécie resulta na afirmação de que as dores em espécies diferentes nada têm

em comum. Mas isto é apenas uma forma de eliminativismo.» 40

Aqui há diversas questões relacionadas mas separáveis a ser levantadas. Mas

antes devíamos perguntar: têm todas as dores de ter «algo em comum» em virtude

do qual são dores?

Segundo a concepção fenomenológica da dor, todas as dores têm de facto algo

em comum: todas elas doem. Mas do meu ponto de vista, os que defendem esta

perspectiva da dor rejeitariam qualquer programa reducionista, independentemente

das questões presentemente em causa. Mesmo se houvesse uma lei-ponte

uniforme, invariante em relação à espécie, a correlacionar dores com uma única

base física em todas as espécies e estruturas, continuariam a afirmar que a

correlação se verifica como um facto bruto, inexplicável, e que a dor, como

acontecimento qualitativo, um «sentimento cru», permaneceria irredutivelmente

distinto da sua base neural. Muitos emergentistas defendem aparentemente uma

perspectiva deste tipo.

Presumo que Block, Pereboom e Kornblith não falam de um ponto de vista

fenomenológico deste tipo mas de um ponto de vista funcionalista em geral. Mas de

uma perspectiva funcionalista não é de todo em todo claro como devemos entender

a questão «O que têm todas as dores em comum, em virtude do qual são dores?»

Do meu ponto de vista, no núcleo do programa funcionalista está a tentativa de

explicar relacionalmente o significado de termos mentais, em termos de inputs, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

++!«Introdução: What is Functionalism?» em Readings in the Philosophy of Psychology, pp. 178-79.

! )4.!

outputs, e conexões com outros estados mentais. E na perspectiva, discutida

brevemente atrás, de que as propriedades mentais são propriedades de segunda

ordem, a dor é a propriedade de ter uma propriedade com uma determinada

especificação funcional H (em termos de inputs, outputs, etc). Isto dá uma resposta

curta à questão de Block: o que todas as dores têm em comum é o padrão de

conexões tal como especificadas por H. O reducionista local tem tanto direito a essa

resposta como o funcionalista. Compare-se duas dores, uma instância de Nh e uma

instância de Nm: o que têm em comum é cada uma ser a instância de uma

propriedade que realiza a dor — isto é, exibem o mesmo padrão de input-output-

outras conexões de estados internos, nomeadamente o padrão especificado por H.

Mas alguns dirão: «Mas H é apenas uma caracterização extrínseca; o que têm

em comum estas instâncias de dor que lhes seja intrínseco?» O reducionista local

tem de conceder que na sua perspectiva nada há de intrínseco que todas as dores

tenham em comum, em virtude do qual fossem dores (pressupondo que Nh, Nr e Nm

«nada têm de intrínseco em comum»). Mas essa é também precisamente a

consequência da perspectiva funcionalista. Isso, poder-se-ia dizer, é tudo o que está

em causa no funcionalismo: o funcionalista, especialmente o que aceita a RM, não

procuraria, nem deveria procurar, algo comum a todas as dores além de H (o núcleo

do funcionalismo, poder-se-ia dizer, é a crença de que os estados mentais não têm

«essência intrínseca»).

Mas há uma questão adicional levantada por Block e outros: O que acontece às

propriedades que foram localmente reduzidas? Continuam entre nós, distintas e

separadas das propriedades físico-biológicas subjacentes? Conceda-se: a dor

humana foi reduzida a Nh, a dor marciana a Nm, e por aí em diante, mas então e a

dor em si? Continua não reduzida. Estaremos ainda presos ao dualismo de

propriedades mentais e físicas?

Vou esboçar duas maneiras possíveis de enfrentar este desafio. Em primeiro

lugar, relembre-se os meus comentários anteriores acerca da concepção

funcionalista das propriedades mentais como propriedades de segunda ordem: a

dor é a propriedade de ter uma propriedade com a especificação H, e, dado que Nh,

Nr e Nm são as propriedades que satisfazem H, a dor revela-se uma propriedade

disjuntiva, Nh $ Nr $ Nm. Se o leitor defender a perspectiva das propriedades

mentais como propriedades de segunda ordem, a dor foi reduzida a este tipo físico

disjuntivo e sobrevive assim. Independentemente de considerações acerca de

! )4'!

redução local, a própria concepção de dor que o leitor defende compromete-o com a

conclusão de que a dor é um tipo ou género disjuntivo, e se aceitar qualquer forma

de fisicalismo respeitável (em particular, a tese da realização física), é um tipo ou

género disjuntivo físico. E mesmo se o leitor não aceitar a perspectiva de que as

propriedades mentais são propriedades de segunda ordem, desde que esteja à

vontade com tipos e propriedades disjuntivos, pode, no rescaldo da redução local,

identificar a dor com a disjunção das suas bases de realização. Nesta abordagem,

então, o leitor tem outra resposta, mais directa, para a questão de Block: o que

todas as dores têm em comum é que todas se subsumem no tipo disjuntivo, Nh $ Nr

$ Nm.

Se o leitor tem aversão a tipos ou géneros disjuntivos, há outra abordagem, mais

radical e em certo sentido mais satisfatória. O ponto de partida desta abordagem é o

reconhecimento franco de que a RM leva à conclusão de que a dor, enquanto

propriedade ou tipo, tem de desaparecer. A redução local, afinal de contas, é

redução, e ser reduzido é ser eliminado como entidade independente. O leitor dirá

talvez: a redução global é diferente na medida em que é também conservadora —

se a dor é globalmente reduzida à propriedade física P, a dor sobrevive como P.

Mas também é verdade que sob a redução local, a dor sobrevive como Nh nos

humanos, como Nr nos répteis, e por aí em diante. Tem de se admitir, contudo, que

a dor enquanto tipo ou género não sobrevive à redução local múltipla. Mas será isso

assim tão mau?

Regressemos mais uma vez ao jade. Será o jade um tipo ou género? Sabemos

que não é um tipo ou género mineral; mas será um tipo ou género de outro tipo

qualquer? Claro que isso depende do que entendemos por «tipo». Há determinados

critérios partilhados, em larga medida baseados em macropropriedades observáveis

de amostras minerais (por exemplo: a dureza, a cor, etc.), que determinam se algo é

uma amostra de jade, ou se o predicado «é jade» se lhe aplica correctamente. O

que todas as amostras de jade têm em comum são apenas estas propriedades

macrofísicas observáveis que definem a aplicabilidade do predicado «é jade». Neste

sentido, os utentes do português que têm «jade» no seu vocabulário associam o

mesmo conceito a «jade»; e podemos reconhecer a existência do conceito de jade e

ao mesmo tempo reconhecer que o conceito não discrimina nem responde a uma

propriedade ou tipo no mundo natural.

! )4/!

Penso que podemos dizer algo semelhante acerca da dor e da «dor»: há critérios

partilhados para a aplicação do predicado «dor» ou «está com dores», e estes

critérios podem bem ser funcionalistas na sua maior parte. Estes critérios dão-nos

um conceito de dor, um conceito cuja clareza e determinação dependem,

pressuporemos, de certas características (como a explicitude, a coerência e a

completude) dos critérios que regem a aplicação de «dor». Mas o conceito de dor,

nesta interpretação, como o conceito de jade, não tem de discriminar um tipo ou

género objectivo.

Tudo isto pressupõe uma distinção entre conceitos e propriedades (ou tipos).

Temos essa distinção? Creio que sim. Grosso modo, os conceitos encontram-se na

mesma arena que os predicados, significados (talvez, algo como os Sinne

fregeanos), ideias, e coisas semelhantes; Putnam sugeriu que se identificasse

conceitos com «classes de sinonímia para predicados»,7841 e isso está

suficientemente próximo do que tenho em mente. Propriedades e relações, por

outro lado, estão «lá fora no mundo»; são aspectos e características de coisas e

acontecimentos no mundo. Incluem magnitudes e quantidades físicas fundamentais,

como massa, energia, tamanho, forma, e fazem parte da estrutura causal do mundo.

Pode-se defender que a propriedade de ser água é idêntica à propriedade de ser

H2O, mas é evidente que o conceito de água é distinto do conceito de H2O

(Sócrates tinha o primeiro mas não o segundo). Concordaríamos maioritariamente

que os predicados éticos são significativos e que temos os conceitos de «bom»,

«correcto», etc.; contudo, a questão de saber se há as propriedades bondade e

rectitude é discutível e tem sido objecto de muita discussão ultimamente.79 Se o

leitor pensa que na sua maior parte estes comentários fazem sentido, então

compreende a distinção conceito-propriedade que tenho em mente.

Reconhecidamente, tudo isto é um pouco vago e programático, e precisamos

nitidamente de uma teoria melhor articulada sobre propriedades e conceitos; mas a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

+4!Em «The Nature of Mental States» [«A Natureza dos Estados Mentais»] +*! Tenho em mente, claro, a controvérsia a respeito do realismo moral; ver os artigos em Geoffrey Sayre-McCord, Essays on Moral Realism (Ithaca: Cornell University Press, 1988).

! )43!

distinção está ali, sustentada por um conjunto impressionantemente sistemático de

intuições e requisitos filosóficos.80

Mas será a segunda abordagem uma forma de eliminativismo mental? Num certo

sentido é: como afirmei, nesta abordagem nenhuma propriedade no mundo

responde a conceitos mentais irrestritos a espécies. Mas recorde-se: ainda há

dores, e por vezes estamos com dor, como há ainda amostras de jade. Temos

também de ter em mente que a presente abordagem não é, nas suas implicações

ontológicas, a forma canónica de eliminativismo mental agora em voga.81 Sem

entrar em pormenor sobre quais são as diferenças, permita-se apenas que

indiquemos alguns detalhes importantes. Em primeiro lugar, a presente perspectiva

não afasta propriedades mentais restritas a espécies, por exemplo: a dor humana, a

dor marciana, a dor canina, e as restantes, embora elimine a «dor em si». Em

segundo lugar, ao passo que o eliminativismo canónico consigna o mental ao

mesmo limbo ontológico para onde se remeteu o flogisto, as bruxas e as

emanações magnéticas, a posição que tenho vindo a esboçar coloca-o a par com o

jade, as mesas e as máquinas de somar. Ver o jade como um não-tipo não é

questionar a existência do jade ou a legitimidade e utilidade do conceito de jade. As

mesas não constituem um tipo ou género científico; não há leis acerca de mesas

como tais, e ser uma mesa não é um tipo causal explicativo. Mas tem de se

distinguir nitidamente entre isto e a afirmação falsa de que não há mesas. O mesmo

se aplica a dores. Estas ideias sugerem a seguinte diferença a respeito do estatuto

da psicologia: a presente perspectiva admite, e na verdade encoraja, «psicologias

específicas de espécies», mas o eliminativismo canónico acabaria com tudo o que é

psicológico — psicologias específicas de espécies e psicologia global.82

Resumindo, então, os dois esquemas metafísicos que esbocei dão-nos as

seguintes opções: ou aceitamos tipos ou géneros disjuntivos e interpretamos a dor e

outras propriedades mentais como sendo tipos ou géneros assim, ou então temos

de reconhecer que os nossos termos e conceitos mentais gerais não discriminam !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

41!Sobre conceitos e propriedades, ver, por exemplo, Hilary Putnam, «On Properties», Mathematics, Matter and Method (Cambridge: Cambridge University Press, 1975); Mark Wilson, «Predicate Meets Property», Philosophical Review 91 (1982): 549-90, especialmente a secção III. 4)!Tal como as versões preferidas por W. V. Quine, Stephen Stich e Paul Churchland. "4"!A abordagem ao problema mente-corpo aqui aludida é desenvolvida no meu «Funcionalismo e Irrealismo Acerca do Mental» (em preparação). "

! )4+!

propriedades e tipos no mundo (podemos chamar a isto «irrealismo acerca de

propriedades mentais»). Devo acrescentar que não estou interessado em promover

quer os tipos disjuntivos quer o irrealismo acerca do mental, um conjunto

perturbador de opções para a maior parte de nós. Ao invés, o meu principal

interesse tem sido seguir as consequências da RM e aceitá-las, dentro de um

esquema metafísico razoável.

Comentei já o estatuto da psicologia como ciência sob a RM. Como argumentei, a

RM compromete seriamente a unidade disciplinar e a autonomia da psicologia como

ciência. Mas não tem de se entender isto como uma mensagem negativa. Em

particular, a afirmação não implica que um estudo científico de fenómenos

psicológicos não seja possível ou útil; pelo contrário, a RM afirma que os processos

psicológicos têm fundamento nos processos e regularidades biológicos e físicos, e

abre a possibilidade de explicações esclarecedoras de processos psicológicos num

nível mais básico. Acontece apenas que a um nível mais profundo, a psicologia se

divide ao ter realizações locais múltiplas. Contudo, as psicologias específicas de

espécies, por exemplo, a psicologia humana, a psicologia marciana, etc., podem

todas florescer como teorias científicas. A psicologia permanece científica, embora

talvez não continue a ser uma ciência. Se alguém insistir em ter uma psicologia

global que seja válida para todas as espécies e estruturas, também pode

certamente ter o que pretende; mas tem de pensar essa psicologia global como uma

conjunção de psicologias restritas a espécies e ter cuidado, acima de tudo, com as

suas induções.83

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

PM"Este artigo descende de um artigo inédito, «A Desunidade da Psicologia como uma Hipótese de Trabalho?», que circulou no início da década de 1980. Estou em dívida para com as seguintes pessoas, entre outras, pelos comentários úteis: Fred Feldman, Hilary Kornblith, Barry Loewer, Brian McLaughlin, Joe Mendola, Marcelo Sabates e James Van Cleve."