kim, j. a realização múltipla e a metafísica da redução
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A realização múltipla e a
metafísica da redução
Jaegwon Kim
Introdução
Faz parte da sabedoria comum na filosofia da mente contemporânea que os
estados psicológicos são «multiplamente realizáveis», e que de facto se realizam
em diferentes estruturas e organismos. Relembram-nos constantemente que
qualquer estado mental, digamos, a dor, é passível de «realização»,
«exemplificação», ou «implementação» numa grande diversidade de estruturas
neurobiológicas, em seres humanos, felinos, moluscos, e talvez outros organismos
mais afastados de nós. Por vezes pedem-nos que contemplemos a possibilidade de
criaturas extraterrestres com uma bioquímica radicalmente diferente da dos
terráqueos, ou até dispositivos electromecânicos, poderem «realizar a mesma
psicologia» que caracteriza os humanos. Esta afirmação, que a que daqui em diante
chamaremos «tese da realização múltipla» («RM»,39 para abreviar), é amplamente
aceite pelos filósofos, especialmente por aqueles que tendem para a linha
funcionalista acerca da vida mental. Não vou disputar aqui a verdade da RM,
embora o que vou dizer possa suscitar uma reavaliação das considerações que
levaram à sua aceitação quase universal.
Há uma perspectiva influente e praticamente incontestada acerca da importância
filosófica da RM. Trata-se da crença segundo a qual a RM refuta de uma vez por
todas o reducionismo psicofísico. Em particular, é usual pensar-se que a teoria
clássica da identidade psiconeural, de Feigl e Smart, o assim chamado «fisicalismo
dos tipos», foi definitivamente remetida pela RM para a pilha das teorias obsoletas
em filosofia da mente. Em todo o caso, o ponto de partida da minha discussão é a
afirmação de que a RM prova a irredutibilidade física do mental.
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.*! Por vezes «RM» referir-se-á ao fenómeno da realização múltipla e não à afirmação de que existe tal fenómeno; não deve haver perigo de confundir ambos. "
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Evidentemente, a actual popularidade do fisicalismo anti-reducionista deve-se, na
sua maior parte, à influência do argumento anti-reducionista baseado na RM,
originalmente desenvolvido por Hilary Putnam e posteriormente elaborado por Jerry
Fodor40 — mais ainda do que ao argumento «anomalista» associado a Donald
Davidson.41 Por exemplo, no seu elegante artigo sobre o fisicalismo não
reducionista,42 Geoffrey Hellman e Frank Thompson dão impulso ao seu projecto da
seguinte maneira:
«Tradicionalmente, o fisicalismo assumiu a forma do reducionismo — grosso
modo, a ideia de que se pode definir explicitamente todos os termos científicos em
termos físicos. Ultimamente, contudo, tem aumentado a consciência de que o
reducionismo é uma afirmação irrazoavelmente forte.»
Mas por que é que o reducionismo é «irrazoavelmente forte»? Numa nota de
rodapé, Helman e Thompson explicam, citando o artigo «Ciências Especiais», de
Fodor:
«Têm surgido dúvidas especialmente em conexão com a explicação funcional
nas ciências de ordem superior (psicologia, linguística, teoria social, etc.) Os
predicados funcionais podem ser fisicamente realizáveis de maneiras heterogéneas,
de modo a contornar a definição física.»
Ernest LePore e Barry Loewer dizem-nos o seguinte:43
«É praticamente letra comum entre os filósofos da mente que as propriedades
psicológicas (incluindo propriedades de conteúdo) não são idênticas a propriedades
neurofisiológicas ou outras propriedades físicas. A relação entre as propriedades
psicológicas e as neurofisiológicas é a de realização das primeiras pelas últimas.
Além disso, uma única propriedade psicológica poderia (no sentido de possibilidade
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40 Jerry Fodor, «Special Sciences, or the Desunity of Science as a Working Hypothesis» (doravante, «Ciências Especiais»), Synthese 28 (1974): 97-115; reimpresso em Representations (MIT Press: Cambridge, 1981) [«Ciências Especiais, ou a Desunidade da Ciência como Hipótese de Trabalho»], como o capítulo introdutório em Fodor, The Language of Thought (Nova Iorque: Crowell, 1975). 41 Donald Davidson, «Mental Events», reimpresso em Essays on Actions and Events (Oxford: Oxford University Press, 1980). [«Acontecimentos Mentais»] 42 «Physicalism: Ontology, Determination, and Reduction», Journal of Philosophy 72 (1975): 551-64. As duas citações abaixo são da p. 551. 43 «More on Making Mind Matter», Philosophical Topics 17 (1989): 175-92. A citação é da p. 179. "
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conceptual) ser realizada por um grande número, talvez uma infinidade, de
diferentes propriedades físicas e mesmo de propriedades não-físicas.»
Passam depois a esboçar a razão pela qual, na sua perspectiva, a RM leva à
rejeição da redução mente-corpo:446
«Se há uma quantidade infinita de propriedades físicas (e talvez de propriedades
não-físicas) que podem realizar F, então F não será redutível a uma propriedade
física básica. Mesmo que F só possa ser realizada por uma infinidade de
propriedades físicas básicas poderá não ser redutível a uma propriedade física
básica uma vez que a disjunção destas propriedades pode não ser ela própria uma
propriedade física básica (isto é, ocorrer numa lei física fundamental). Entendemos
que a «realização múltipla» implica essa irredutibilidade.»
Esta leitura anti-reducionista da RM perdura até hoje; num artigo recente, Ned
Block afirma45:7
«Sejam quais forem os méritos do reducionismo fisiológico, isso não é acessível
ao ponto de vista da ciência cognitiva aqui assumido. Segundo a ciência cognitiva, a
essência do mental é computacional e qualquer estado computacional é
«multiplamente realizável» em estados fisiológicos ou electrónicos que não são
idênticos entre si, de modo que não se pode identificar o conteúdo com qualquer
destes.»
Na sua grande maioria, os filósofos da mente46 deixaram-se convencer por
considerações deste género a rejeitar o reducionismo e o fisicalismo dos tipos. O
resultado de tudo isto tem sido impressionante: a RM não só fez do «fisicalismo não
reducionista» a nova ortodoxia acerca do problema mente-corpo, como ao fazê-lo
fez com que a própria palavra «reducionismo» fosse depreciada, tornando todas as !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
44 «More on Making Mind Matter», p. 180. 45 Em «Can the Mind Change the World?», Meaning and Method: Essays in Honor of Hilary Putnam, org., George Boolos (Cambridge University Press: Cambridge, 1990), p. 146. "46 Estes incluem Richard Boyd, «Materialism Without Reductionism: What Physicalism Does Not Entail», em Block, Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1; Block, em «Introduction: What is Functionalism?» na sua antologia agora citada, pp. 178-79; John Post, The Faces of Existence (Ithaca: Cornell University Press, 1987); Derk Pereboom e Hilary Kornblith, «The Metaphysics of Irreducibility» (a sair nos Philosophical Studies). Um filósofo que não está impressionado com a perspectiva recebida da RM é David Lewis; ver o seu «Review of Putnam» em Block, Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1. "
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variedades de reducionismo num alvo fácil de desprezo e de desconsiderações
abruptas.
Penso ser mais do que tempo de se fazer uma reavaliação da RM. Há algo
correcto e instrutivo na afirmação anti-reducionista apoiada na RM e no argumento
básico que a sustenta, mas penso que não fomos capazes de levar as implicações
da RM suficientemente longe e em resultado disso fomos incapazes de apreciar
inteiramente a sua importância. Uma ideia específica sobre a qual vou argumentar é
a seguinte: a perspectiva comum segundo a qual a psicologia constitui uma ciência
especial autónoma, uma doutrina fortemente promovida no rescaldo da dialéctica
anti-reducionista inspirada pela RM, pode na verdade ser inconsistente com as
implicações reais da RM. A nossa discussão mostrará que a RM, quando
combinada com certos pressupostos metafísicos e metodológicos plausíveis, leva a
algumas conclusões surpreendentes acerca do estatuto do mental e da natureza da
psicologia enquanto ciência. Espero que se torne claro que o destino do fisicalismo
dos tipos não é uma das mais interessantes consequências da RM.
II Realização Múltipla
Foi Putnam, num artigo publicado em 196747, quem primeiro introduziu a RM nos
debates acerca do problema mente-corpo. Segundo Putnam, as teorias
reducionistas clássicas da mente pressupunham a seguinte imagem ingénua de
como os tipos psicológicos (propriedades, tipos de acontecimento e de estado, etc.)
se correlacionam com tipos físicos:
Para cada tipo psicológico M há um único tipo físico (supostamente,
neurobiológico) P que lhe é nomologicamente co-extensivo (isto é, decorre de uma
lei que qualquer sistema exemplifica M em t se e só se esse sistema exemplifica P
em t).
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47 Hilary Putnam, «Psychological Predicates», em W. H. Capitan e D. D. Merrill, orgs., Art, Mind, and Religion (Pittsburgh: University of Pittsburgh, 1967); reimpresso com novo título, «The Nature of Mental States», em Ned Block, org., Readings in Philosophy of Psychology, vol. 1 (Cambridge: Harvard University Press, 1980). [«A Natureza dos Estados Mentais»]
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(Podemos chamar a isto «a tese da correlação») Tome-se o exemplo da dor: a
tese da correlação afirma que a dor, enquanto tipo de acontecimento, tem uma base
neuronal, talvez ainda não completa e rigorosamente identificada, cuja ocorrência,
segundo uma lei, acompanha sempre a ocorrência da dor em todos os organismos
e estruturas capazes de sentir dor. Aqui não se menciona espécies ou tipos de
organismos ou estruturas: o correlato neuronal da dor é invariante através das
espécies biológicas e tipos de estrutura. No seu artigo de 1967, Putnam chamou a
atenção para algo que, em retrospectiva, parece demasiado óbvio:48
«Considere-se o que o defensor da teoria do estado cerebral tem de defender
para que as suas afirmações sejam adequadas. Tem de especificar um estado
físico-químico tal que qualquer organismo (não apenas um mamífero) está com
dores se e só se a) tem um cérebro com uma estrutura físico-química adequada; e
b) o seu cérebro está nesse estado físico-químico. Isto significa que o estado físico-
químico em questão tem de ser um estado possível de um cérebro de mamífero, um
cérebro de réptil, um cérebro de molusco (os octópodes são moluscos e sentem
seguramente dor), etc. Ao mesmo tempo, não pode ser um estado cerebral possível
(fisicamente possível) de qualquer criatura fisicamente possível, que seja incapaz de
sentir dor.»
Putnam passou a argumentar que a tese da correlação é empiricamente falsa. Os
autores subsequentes, porém, têm reforçado a ideia da realizabilidade múltipla do
mental como uma ideia conceptual: é um facto conceptual, a priori, acerca das
propriedades psicológicas o serem propriedades físicas «de segunda ordem» e que
a sua especificação não impõe condições ao modo da sua implementação física49.
Muitos defensores da explicação funcionalista para termos e propriedades
psicológicos defendem tal perspectiva.
Assim, na nova imagem aperfeiçoada, a relação entre tipos psicológicos e físicos
é algo semelhante a isto: não existe um tipo neuronal único N que «realize» a dor,
em todos os tipos de organismos ou sistemas físicos; ao invés, há uma
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48 «The Nature of Mental States», p. 228 (no volume de Block). [«A Natureza dos Estados Mentais»] '*!Assim, Post afirma: «Os estados funcionais e intencionais definem-se sem olhar às suas realizações físicas ou a outras», The Faces of Existence, p. 161. Comparar também a citação anterior de Block. "
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multiplicidade de tipos neurofísicos, Nh, Nr, Nm... tal que Nh realiza a dor nos seres
humanos, Nr realiza a dor nos répteis, Nm realiza a dor nos marcianos, etc. Talvez
as espécies biológicas, na compreensão comum que se tem delas, sejam
demasiado amplas para fornecer bases de realização físico-biológica únicas; a base
neuronal da dor poderia talvez mudar, mesmo num único organismo, ao longo do
tempo. Mas a ideia principal é clara: qualquer sistema capaz de ter estados
psicológicos (isto é, qualquer sistema que «tem uma psicologia») subsume-se em
alguma estrutura do tipo T tal que os sistemas com a estrutura T partilham a mesma
base física para cada tipo de estado mental que são capazes de exemplificar
(devíamos considerar a relativização ao tempo aqui, de modo a acomodar a
possibilidade de que, em momentos diferentes, um indivíduo se subsuma em
diferentes tipos de estrutura). Assim, as bases de realização física para estados
mentais têm de ser relativizadas a espécies, ou melhor, a tipos de estruturas físicas.
Temos assim a seguinte tese:
Se algo tem a propriedade mental M no momento t, há uma estrutura do tipo T e
uma propriedade física P tal que é um sistema do tipo T em t e tem P em t, e
verifica-se, segundo uma lei, que todos os sistemas do tipo T têm M num dado
momento, no caso de terem P nesse momento.
Podemos chamar a isto «a tese da correlação estruturalmente restrita» (ou
«teoria restrita da correlação», para abreviar).
Ter-se-á notado que nem esta tese nem a tese da correlação falam em
«realização».50 O discurso acerca da «realização» não é metafisicamente neutro: a
ideia de que as propriedades mentais são «realizadas» ou «implementadas» por
propriedades físicas traz em si uma certa imagem ontológica das propriedades
mentais como derivadas e dependentes. Há a sugestão de que, quando olhamos
para a realidade concreta, nada há além de exemplificações de propriedades e
relações físicas, e que a exemplificação numa dada ocasião de uma propriedade
física adequada no cenário contextual (frequentemente causal) adequado
simplesmente conta como ou constitui uma exemplificação de uma propriedade !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
/1! Tanto quanto sei, o termo «realização» foi primeiro usado com um sentido semelhante ao que tem actualmente por Hilary Putnam em «Minds and Machines», em Sydney Hook, org., Dimensions of Mind (Nova Iorque: New York University Press, 1960). "
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mental nessa ocasião. Uma ideia como esta é evidente na concepção funcionalista
de propriedade mental como extrinsecamente caracterizada em termos do seu
«papel causal», em que aquilo que desempenha este papel é uma propriedade (dir-
se-á então que a última propriedade «realiza» a propriedade mental em questão)
física (ou, em todo o caso, imental). Pode-se ver a mesma ideia na proposta
funcionalista relacionada de interpretar uma propriedade mental como uma
«propriedade de segunda ordem» que consiste em ter-se uma propriedade física
que satisfaz certas especificações extrínsecas. Regressaremos a este tópico mais
tarde; porém, devíamos notar que alguém que aceita qualquer das duas teses da
correlação não precisa de adoptar a linguagem da «realização». Isto é, trata-se à
primeira vista de uma posição coerente conceber as propriedades mentais em si
próprias como «propriedades de primeira ordem», caracterizadas pelas suas
naturezas intrínsecas (por exemplo, sentir fenoménico), que, na verdade, têm
correlatos nomológicos nas propriedades neuronais. (Com efeito, quem quer que
esteja interessado em defender uma posição dualista sobre o mental devia evitar
completamente o discurso da realização e considerar as propriedades mentais
como propriedades de primeira ordem ao mesmo nível que as propriedades físicas.)
A ideia principal da RM que é relevante para o argumento anti-reducionista que
gerou é apenas isto: as propriedades mentais não têm propriedades físicas
nomicamente co-extensivas, quando as últimas são adequadamente individuadas.
Pode ser que se tenha de conceber as propriedades que são candidatas à redução
como sendo realizadas, ou implementadas, por propriedades na base prospectiva
da redução;51 isto é, se pensarmos que certas propriedades têm as suas próprias
caracterizações intrínsecas que são inteiramente independentes de outro conjunto
de propriedades, não há esperança de reduzir as anteriores às últimas. Mas é
necessário argumentar a favor desta ideia e, em todo o caso, ela não
desempenhará qualquer papel no que se segue.
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/)!Sobre isto ver Robert Van Gulick, «Nonreductive Materialism and Intertheoretic Constraints», em Emergence or Reduction?, org., Ansgar Beckermann, Hans Flohr e Jaegwon Kim (a sair de De Gruyter).
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Suponhamos que a propriedade M é realizada pela propriedade P. Como se
relacionam entre si M e P e, em particular, como variam mutuamente? LePore e
Loewer afirmam o seguinte:52
«A concepção usual é que o facto de e ser P realiza o facto de e ser F se e só se
e é P e há algum género de conexão forte entre P e F. Propomos compreender esta
conexão como uma conexão necessária que é explicativa. A existência de uma
conexão explicativa entre duas propriedades é mais forte do que a afirmação de que
P ! F é fisicamente necessária uma vez que nem todas as conexões fisicamente
necessárias são explicativas.»
Assim, LePore e Loewer apenas exigem que a base de realização de M seja
suficiente para M e não simultaneamente necessária e suficiente. Presumivelmente,
isto responde à RM: se a dor é multiplamente realizada de três maneiras como
acima, cada dos Nh, Nr e Nm será suficiente para a dor e nenhum deles necessário
para a mesma. Creio que isto não é uma resposta correcta, porém; a resposta
correcta é não enfraquecer a necessidade e suficiência conjuntas da base física,
mas antes relativizá-la, como na tese restringida da correlação, a respeito de
espécies ou tipos de estrutura. Pois suponhamos que concebemos um sistema
físico que exemplificará uma determinada psicologia e tome-se M1, ..., Mn, como as
propriedades psicológicas requeridas por esta psicologia. O processo de concepção
tem de envolver a especificação de um n-tuplo de propriedades físicas, P1, ..., Pn,
todas instanciáveis pelo sistema, de tal modo que para cada i, Pi constitui uma
condição suficiente e necessária neste sistema (e outros com uma estrutura física
relevantemente semelhante), não apenas uma condição suficiente para a ocorrência
de Mi (pode-se chamar a cada um de tais n-tuplos de propriedades físicas uma
«realização física» da psicologia em questão53). Isto é, para cada estado psicológico
temos de conceber no sistema um estado físico nomologicamente co-extensivo.
Temos de fazer isto se vamos controlar tanto a ocorrência como a não corrência dos
estados psicológicos envolvidos, e este tipo de controlo é necessário se vamos
garantir que o dispositivo físico exemplificará adequadamente a psicologia. (Isto é
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
/"!«More on Making Mind Matter», p. 179. LM"Cf. Hartry Field, «Mental Representation», em Block, Readings in Philosophy of Psychology (Cambridge: Harvard University Press, 1981), vol. 2."
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especialmente claro se pensarmos em construir um computador; as analogias com
computadores dão muito que pensar acerca da «realização».)
Mas não será possível que a realização múltipla ocorra também «localmente»?
Isto é, podemos querer a flexibilidade de permitir que um estado psicológico, ou
função, sejam exemplificados por mecanismos alternativos dentro de um único
sistema. Isto significa que Pi pode ser uma disjunção de propriedades físicas; assim,
Mi é exemplificada no sistema em causa num dado momento se e só se pelo menos
um dos disjuntos de Pi é exemplificado nesse momento. O resultado de tudo isto é
que a condição, segundo LePore e Loewer, de que P # M se verifica
legiformemente precisa de ser melhorada para a condição de que, relativamente à
espécie ou tipo de estrutura em questão (e permitindo que P seja disjuntivo), P & M
verifica-se legiformemente.5416
Para simplificar, suponhamos que a dor é realizada de três maneiras, como
acima, por Nh em humanos, Nr em répteis e Nm em marcianos. A suposição de
finitude não é essencial para nenhum dos meus argumentos: se a lista não é finita,
teremos uma disjunção infinita em vez de uma finita (alternativamente, podemos
falar em termos de «conjuntos» de tais propriedades em vez de nas suas
disjunções). Se a lista é «ilimitada», estará tudo bem na mesma; não afectará a
metafísica da situação. Abrimos acima a possibilidade de uma base de realização
de uma propriedade psicológica ser ela própria disjuntiva; para prosseguir a
discussão, contudo, pressuporemos que estas N, as três bases de realização da dor
que imaginámos, não são elas próprias disjuntivas — ou, em todo o caso, que o seu
estatuto como propriedades não está em causa. A adequação e importância das
«propriedades disjuntivas» é precisamente uma das questões mais importantes com
que vamos lidar, e pouca diferença fará exactamente em que fase se enfrenta esta
questão.
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/'!E quanto à condição ii) de Lepore e Loewer, a exigência de que a base de realização «explique» a propriedade realizada? Algo como esta relação explicativa pode bem ser implicada pela relação de realização; contudo, não creio que deva fazer parte da definição de «realização»; o facto de tal relação explicativa se verificar devia ser uma consequência da relação de realização e não constitutiva desta. "
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III As Propriedades Disjuntivas e o Argumento de Fodor
Uma resposta inicial óbvia ao argumento contra a redutibilidade baseado na RM é
«a jogada da disjunção»: Por que não tomar a disjunção: Nh $ Nr $ Nm, como o
único substrato físico da dor? No seu artigo de 1967, Putnam toma essa jogada em
consideração mas rejeita-a sem contemplações: «É certo que nesse caso o
defensor da teoria do estado cerebral se pode salvar com suposições ad hoc (por
exemplo, definindo a disjunção de dois estados de modo a fazer dela um único
«estado físico-químico»), mas isto não tem de ser levado a sério.»55 Putnam não dá
qualquer sugestão quanto a sabermos por que pensa que a estratégia da disjunção
não merece ser seriamente ponderada.
Se há algo de profundamente errado no género de disjunções aqui envolvidas,
isso não é seguramente óbvio; precisamos de ir além de um sentimento de
desconforto com tais disjunções e desenvolver uma explicação racional para as
banir. É aqui que entra Fodor, visto que ele parece ter um argumento para rejeitar
as disjunções. A meu ver, o argumento de Fodor no artigo «Ciências Especiais»
depende crucialmente das duas suposições seguintes:
1) Para reduzir uma teoria Tm de uma ciência especial a uma teoria física Tp,
cada «tipo» em Tm (representada, supõe-se, por um predicado básico de
Tm) tem de ter um «tipo» nomologicamente co-extensivo em Tp.
2) Uma disjunção de tipos heterogéneos não é ela própria um tipo.
A alínea 1) é aparentemente ocasionada pelo modelo derivativo da redução
interteórica que se deve a Ernest Nagel:56 A redução de T2 a T1 consiste em derivar
leis de T2 a partir das leis de T1, em conjunção com princípios ou leis «ponte» que
ligam termos de T2 com termos de T1. Embora esta caracterização não exija em
geral que se correlacione cada termo de T2 com um termos de T1 co-extensivo, é
natural pensar-se que a existência de co-extensões T1 para termos de T2 nos daria,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
//!«The Nature of Mental States», p. 228 (no volume de Block) [«A Natureza dos Estados Mentais»] /3!The Structure of Science (Nova Iorque: Harcourt, Brace & World, 1961), Cap. 11. "
! )33!
com efeito, definições de termos de T2 em termos de T1, permitindo-nos rescrever
as leis de T2 exclusivamente no vocabulário de T1; podíamos então derivar estas
rescrições de leis de T2 a partir das leis de T1 (se não as pudermos derivar assim,
podemos acrescentá-las como leis adicionais de T1 — supondo que ambas as
teorias são verdadeiras).
Outra ideia que mais uma vez nos leva a procurar co-extensões T1 para termos
de T2 é esta: para a redução genuína, as leis-ponte têm de ser interpretadas como
identidades entre propriedades, não como meras correlações de propriedades —
nomeadamente, temos de estar em condições de identificar a propriedade expressa
por um dado termo de T2 (por exemplo, a solubilidade em água) com uma
propriedade expressa por um termo na base de redução (por exemplo, ter uma certa
estrutura molecular). É claro que isto exige que cada termo de T2 tenha uma co-
extensão nómica (ou de contrário adequadamente modalizada) no vocabulário da
base de redução. Por outras palavras, a redução ontologicamente significativa exige
a redução de propriedades de ordem superior e isto por sua vez exige (a menos que
se adopte uma posição eliminativista) que sejam identificadas com complexos de
propriedades de nível inferior. A identidade de propriedades exige, obviamente, no
mínimo, uma co-extensão adequadamente modalizada.57
Portanto, suponhamos que M é um tipo ou género psicológico e concordemos
que para reduzir M, ou para reduzir a teoria psicológica que contém M, precisamos
de uma co-extensão física, P, para M. Mas por que devíamos supor que P tem de
ser um «tipo» físico? O que é um «tipo» ou «género» [kind], afinal? Fodor explica
esta noção em termos de leis, afirmando que um dado predicado P é um «predicado
de tipo ou género» de uma ciência no caso de a ciência conter uma lei que tem P
como sua antecedente ou consequente.58 Há diversos problemas na caracterização
de Fodor, mas não precisamos de o levar literalmente a sério; a ideia principal é que
os tipos ou géneros, ou predicados-tipo ou predicados-género, de uma ciência, são
os que figuram nas leis dessa ciência.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
/+! Os meus comentários neste parágrafo e no precedente supõem que a teoria de nível superior não exige qualquer «correcção» relativamente à teoria de base. Com estipulações e qualificações adequadas, deviam aplicar-se a modelos de redução que admitem tais correcções, ou a modelos que só exigem a dedução de um análogo adequado, ou «imagem», na base de redução — desde que os afastamentos não sejam tão extremos ao ponto de justificar o discurso sobre a substituição ou eliminação, em vez da redução. Cf. Patrícia Churchland, Neurophysiology (Cambridge: The MIT Press, 1986), Cap. 7. /4!Ver «Special Sciences», pp. 132-33 (em Representations). [«Ciências Especiais»]
! )3+!
Para regressar à nossa questão, por que deveriam as «leis-ponte» conectar tipos
com tipos / géneros com géneros, neste sentido especial de «tipo ou género»?
Afirmar que as leis-ponte são «leis» e que, por definição, só os predicados-tipo
podem ocorrer em leis não é grande resposta. Na verdade, apenas convida a
levantar a questão posterior de saber por que é que as «leis-ponte» têm de ser
«leis» — aquilo que estaria em falta numa derivação redutiva se as leis-ponte
fossem substituídas por «princípios-ponte» que não conectam necessariamente
tipos com tipos.59 E quanto à consideração de que estes princípios têm de
representar identidades entre propriedades? Será que isto nos impõe a exigência de
que cada tipo reduzido tem de corresponder a um tipo co-extenso na base de
redução? Não; visto não ser óbvio por que não é perfeitamente adequado reduzir
tipos identificando-os com propriedades expressas por predicados não-de género
[non kind] (disjuntivos) na base de redução.
Existe o seguinte argumento possível para se insistir em géneros: se se identifica
M com o não-tipo ou género Q (ou M é reduzido através de um princípio
bicondicional ponte «M # Q», em que Q é um não-tipo), M não pode continuar a
figurar nas leis de ciências especiais; por exemplo, a lei, «M # R» reduzir-se-ia
efectivamente a «Q # R», e portanto perde o seu estatuto como lei devido a conter
Q, um não-tipo.
Penso que esta é uma resposta plausível — pelo menos é o início de uma
resposta. No ponto em que estão as coisas, contudo, sugere circularidade: «Q #
R» não é uma lei porque nela ocorre um não-tipo ou não-género, Q, e Q é um não-
tipo porque não pode ocorrer numa lei e «Q # R», em particular, não é uma lei. O
que precisamos é de uma razão independente para a afirmação de que o género de
Q com que lidamos sob a RM, nomeadamente, uma má disjunção heterogénea, é
inadequada para leis.
Isto significa que a alínea 1) se reduz realmente à alínea 2) acima. Visto que,
dada a noção que Fodor tem de tipo, 2) resume-se a isto: as disjunções de tipos
heterogéneos são inadequadas para leis. Aquilo de que precisamos agora é um
argumento para esta afirmação; rejeitar tais disjunções como «muitíssimo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
/*!Fodor parece pressupor que a exigência de que as leis-ponte têm de conectar «tipos ou géneros» a «tipos ou géneros» faz parte da concepção positivista clássica da redução. Contudo, não creio que haja qualquer garantia para esta pressuposição. "
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disjuntivas» ou «heterogéneas e não-sistemáticas» é rotular um problema e não
diagnosticá-lo60. Nas secções seguintes, espero dar alguns passos no sentido de tal
diagnóstico e retirar algumas implicações que penso serem significativas para o
estatuto da vida mental.
IV Jade, Jadeíte e Nefrite
Permita-se-me começar com uma analogia que nos irá orientar o pensamento
acerca de tipos ou géneros multiplamente realizáveis.
Considere-se o jade: dizem-nos que o jade, afinal, não é um género mineral, ao
contrário do que em tempos se acreditou; ao invés, o jade é composto por dois
minerais distintos com estruturas moleculares dissemelhantes, a jadeíte e a nefrite.
Considere-se a seguinte generalização:
L) O Jade é verde
Pode-se ter pensado, antes da descoberta da natureza dual do jade, que L) era
uma lei, uma lei acerca do jade; e podemos ter pensado, com razão, que L) foi
fortemente confirmada por todos os milhões de amostras de jade que se viu serem
verdes (e nenhuma que se tenha visto não ser verde). Agora sabemos mais: L) é na
verdade uma conjunção destas duas leis:
L1) A jadeíte é verde
L2) A nefrite é verde
Mas L) pode em si ser uma lei também; será possível? Tem a forma canónica
básica de uma lei e aparentemente pode sustentar contrafactuais: se algo é jade —
isto é, se algo fosse uma amostra de jadeíte ou de nefrite — então, segue-se em
ambos os casos, segundo uma lei, que esse algo é verde. Não há problema aqui.
Mas há outro sinal canónico da legiformidade que é fequentemente citado, que é
a «projectabilidade», a capacidade de ser confirmado por observação de «instâncias !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
31!Ver Pereboom e Kronblith, «The Metaphysics of Irreducibility», em que se sugere que as leis com predicados disjuntivos não são «explicativas». Penso, contudo, que esta sugestão não está inteiramente desenvolvida aqui. "
! )3*!
positivas». Qualquer condicional generalizada com a forma «Todos os F são G» se
pode confirmar pela exaustão da classe dos F — isto é, eliminando todos os seus
potenciais falsificadores. É neste sentido que podemos verificar generalizações
como «Todas as moedas que tenho no bolso são de cobre» e «Cada uma das
pessoas que está nesta sala ou é filho mais velho ou filho único». Pensa-se,
contudo, que as generalizações legiformes têm a seguinte propriedade adicional: a
observação de instâncias positivas, F que são G, podem reforçar a nossa crença de
que o próximo F será um G. É este tipo de acréscimo de confirmação instância-a-
instância que se supõe ser a marca distintiva da legiformidade; é o que explica a
possibilidade de confirmar uma generalização acerca de uma classe
indefinidamente vasta de itens com base na observação de uma quantidade finita de
observações favoráveis. Esta caracterização grosseira da projectabilidade deve
bastar para o que nos interessa.
Será que L), «o jade é verde», passa o teste da projectabilidade? Parece que
temos aqui um problema61. Porquanto podemos imaginar o seguinte: ao reexaminar
os registos de observações passadas, descobrimos, para nossa consternação, que
todas as instâncias positivas de L), isto é, todos os milhões de amostras de jade
verde observadas, eram afinal amostras de jadeíte e não de nefrite! Se isto
acontecesse, evidentemente que não iríamos nem devíamos continuar a pensar que
L) estava solidamente confirmada. Tudo o que temos são indícios que confirmam
fortemente L1) e nenhum que tenha algo a ver com L2). L) é meramente uma
conjunção de duas leis, uma solidamente confirmada e a outra com estatuto
epistémico em suspenso. Mas todos os milhões de amostras de jadeíte verde são
instâncias positivas de L): satisfazem tanto a antecedente como a consequente de
L). Como acabámos de ver, contudo, não confirmam L), pelo menos não da maneira
convencional que esperamos. E a razão, sugiro, é a de que o jade é um género
verdadeiramente disjuntivo, uma disjunção de dois géneros nómicos heterogéneos
que, contudo, não é ela própria um género nómico62.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3)!Os assuntos que se seguem a respeito de predicados disjuntivos foram desenvolvidos há cerca de uma década atrás; contudo, acabo de me deparar com alguns detalhes relacionados e, em alguns aspectos, semelhantes, no interessante artigo de David Owen, «Disjunctive Laws», Analysis 49 (1989): 197-202. Ver também William Seager, «Disjunctive Laws and Supervenience», Analysis 51 (1991): 93-98. 3"! Pode-se entender que isto define um sentido útil de heterogeneidade de tipos ou géneros: dois tipos ou géneros são heterogéneos entre si no caso de a sua disjunção não ser um tipo ou género.
! )+1!
Que a disjunção está envolvida neste fracasso da projectabilidade pode-se ver da
seguinte maneira: a projecção indutiva de generalizações como L) com
antecedentes disjuntivas sancionaria um procedimento de confirmação reles e
ilegítimo. Pressuponha-se que «Todos os F são G» é uma lei que foi confirmada
pela observação de uma quantidade razoável de instâncias positivas, coisas que
são simultaneamente F e G. Mas estas são também instâncias positivas da
generalização «Todas as coisas que são F ou H são G», para qualquer H que se
queira. Portanto, se em geral se permite a projecção de generalizações com uma
antecedente disjuntiva, esta última generalização é também solidamente
confirmada. Mas «Todas as coisas que são F ou H são G» implica logicamente
«Todo o H é G». Qualquer afirmação implicada por uma formulação bem confirmada
tem ela própria de ser bem confirmada.63 Portanto, «Todo o H é G» é bem
confirmada — na verdade, é confirmada pela observação de F que são G.
Podia-se protestar: «Escute, pode-se aplicar a mesmíssima estratégia a algo que
seja uma lei genuína. Podemos pensar num tipo ou género nómico — digamos, ser
uma esmeralda — como uma disjunção, ser uma esmeralda africana ou uma
esmeralda que não é africana. Isto tornaria «Todas as esmeraldas são verdes» uma
conjunção de duas leis: «Todas as esmeraldas africanas são verdes» e «Todas as
esmeraldas que não são africanas são verdes». Mas seguramente que isto não
mostra que há algo de errado com a legiformidade de «Todas as esmeraldas são
verdes».» A nossa resposta é óbvia: a disjunção «ser uma esmeralda africana ou
ser uma esmeralda que não é africana» não denota um tipo ou género não nómico,
heterogeneamente disjuntivo; denota um tipo nómico perfeitamente bem-
comportado, o de ser uma esmeralda! Nada há de errado com os predicados
disjuntivos em si; a dificuldade surge quando os tipos ou géneros denotados pelos
predicados disjuntos são heterogéneos, «muitíssimo disjuntivos», de modo que as
instâncias que neles se subsumem não mostram o tipo de «similitude», ou unidade,
que esperamos de instâncias que se subsumem num único tipo ou género.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3.!Nota: isto não afirma que para qualquer e, se e é «indício claro» e h e h implica logicamente j, então e é indício claro de j. Há alguma discussão acerca do último princípio; ver Carl G. Hempel, «Studies in the Logic of Confirmation», reimpresso em Hempel, Aspects of Scientific Explanation (Nova Iorque: The Free Press, 1965), especialmente as pp. 30-35. Rudolf Carnap, Logical Foundations of Probability (Chicago: University of Chicago Press, 1950), pp. 471-76. "
! )+)!
O fenómeno em causa, portanto, relaciona-se com a máxima simples da qual por
vezes se afirma que subjaz à inferência indutiva: «as coisas similares comportam-se
de modo similar», «a mesma causa, o mesmo efeito», e por aí em diante. A fonte da
dificuldade que vimos com a confirmação exemplificativa de «Todo o jade é verde»
é o facto, ou crença, de que as amostras de jadeíte e as amostra de nefrite não
exibem uma «similitude» adequada umas em relação às outras de modo a garantir
projecções indutivas a partir de amostras observadas de jadeíte para amostras
inobservadas de nefrite. Mas a similitude do género que se pretende verifica-se para
as esmeraldas africanas e para as que não são africanas — pelo menos, isso é o
que acreditamos e é isso que torna o «tipo ou género disjuntivo», ser uma
esmeralda africana ou uma esmeralda que não é africana, um único tipo ou género
nómico. Mais em geral, o fenómeno relaciona-se com a ideia que amiúde se afirma
das propriedades disjuntivas: as propriedades disjuntivas, ao contrário das
propriedades conjuntivas, não garantem a similitude das instâncias que se
subsumem nelas. E a similitude, diz-se, é o núcleo da nossa ideia de propriedade.
Se essa é a ideia que o leitor tem de propriedade, acreditará que não há quaisquer
propriedades disjuntivas (ou «propriedades negativas»). Mais precisamente,
contudo, devíamos lembrar que as propriedades não são inerentemente disjuntivas
nem conjuntivas tal como as classes não são inerentemente nem uniões nem
intersecções, e que qualquer propriedade se pode exprimir através de um predicado
disjuntivo. Evidentemente, as propriedades podem ser conjunções, ou disjunções,
de outras propriedades. A ideia acerca das propriedades disjuntivas apresenta-se
melhor como uma condição de fechamento sobre propriedades: a classe das
propriedades não é fechada sob disjunção (supostamente, nem sob negação).
Assim, pode muito bem haver propriedades P e Q tais que P ou Q é também uma
propriedade, mas isto não se segue do mero facto de P e Q serem propriedades64.
V O Jade e a Dor
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3'!Em questões respeitantes a propriedades, géneros, semelhança e legiformidade, ver W. V. Quine, «Natural Kinds», em Ontological Relativity and Other Essays (Nova Iorque: Columbia University Press, 1969); David Lewis, «New Work for a Theory of Universals», Australasian Journal of Philosophy 61 (1983): 347-77; D. M. Armstrong, Universals (Boulder, Colorado: Westview Press, 1989). "
! )+"!
Regressemos agora à dor e às suas bases de realização múltipla, Nh, Nr e Nm.
Creio que a situação aqui é instrutivamente semelhante ao caso do jade em relação
com a jadeíte e a nefrite. Parece que pensamos na jadeíte e na nefrite como tipos
distintos (e do jade não pensamos que é um tipo) porque são diferentes tipos
químicos. Mas por que razão é aqui relevante o facto de serem distintos enquanto
tipos químicos? Porque muitas propriedades importantes dos minerais, pensamos,
são supervenientes à sua microestrutura e explicáveis em termos desta, e os tipos
ou géneros químicos constituem uma taxonomia microestrutural que é
explicativamente rica e poderosa. A microestrutura é importante, em suma, porque
as propriedades macrofísicas das substâncias são determinadas pela
microestrutura. Estas ideias compõem a nossa «metafísica» da microdeterminação
para propriedades de minerais e outras substâncias, um pano de fundo de
pressupostos parcialmente empíricos e parcialmente metafísicos que regulam as
nossas práticas indutivas e explicativas.
Os alicerces metafísicos paralelos para a dor, e outros estados mentais em geral,
são, em primeiro lugar, a crença, expressa pela tese da correlação restrita, de que a
dor, ou qualquer outro estado mental, ocorre num sistema quando, e só quando,
estão presentes no sistema condições físicas adequadas e, em segundo lugar, a
crença decorrente de que as propriedades significativas de estados mentais, em
particular relações nómicas entre estes, se devem às propriedades e conexões
causais-nómicas entre as suas «bases» físicas. Chamarei «tese da realização
física»65 à conjunção destas duas crenças. Quer a microexplicação do género
indicado na segunda metade da tese equivalha ou não a «redução» é uma questão
que abordaremos mais tarde. À parte desta questão, contudo, a tese da realização
física é largamente aceite pelos filósofos que falam de «realização física» e isto
inclui os funcionalistas na sua maioria; é quase explícito em LePore e Loewer, por
exemplo, e em Fodor.66
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3/!Este termo é um pouco enganador, uma vez que as duas subteses foram formuladas sem o termo «realização» e podem ser aceitáveis para aqueles que rejeitam o idioma da «realização» em conexão com o mental. Uso o termo uma vez que nos dirigimos principalmente a filósofos (sobretudo funcionalistas) que interpretam a relação psicofísica em termos de realização, em vez de, digamos, emergência ou correlação bruta. 33!Ver «Special Sciences» [«Ciências Especiais»] e «Making Mind Matter More», Philosophical Topics 17 (1989): 59-79. "
! )+.!
Defina-se uma propriedade, N, disjuntando Nh, Nr e Nm; isto é, N tem uma
definição disjuntiva, Nh Nt Nm. Se pressupomos, com os que defendem o
argumento anti-reducionista baseado na RM, que Nh, Nr e Nm são um grupo
heterogéneo, não podemos fazer desaparecer a heterogeneidade apenas
introduzindo uma expressão mais simples, «N»; se há um problema com certas
propriedades disjuntivas, não é um problema linguístico acerca da forma de
expressões usadas para as referir.
Colocamos agora a seguinte questão a Fodor e a filósofos que pensam de modo
semelhante: se a dor é nomicamente equivalente a N, a propriedade dita muitíssimo
disjuntiva e obviamente não-nómica, por que não é a própria dor igualmente
heterogénea e não-nómica como tipo? Por que não é a relação entre a dor e as
suas bases de realização, Nh, Nr e Nm análoga à relação entre o jade, a jadeíte e a
nefrite? Se se mostrar que o jade é não-nómico por causa das suas «realizações»
duais em microestruturas distintas, por que razão não sucederá o mesmo com a
dor? Afinal, o grupo de realizações efectivas e nomologicamente possíveis da dor,
como são descritas pelos entusiastas da RM com tal imaginação, é bastante mais
incongruente do que os dois tipos químicos que constituem o jade.
Creio que devíamos insistir em respostas a estas perguntas por parte dos
funcionalistas que vêem as propriedades mentais como propriedades de «segunda
ordem», isto é, propriedades que consistem em ter uma propriedade com uma certa
especificação funcional67. Assim, diz-se que a dor é uma propriedade de segunda
ordem na medida em que é a propriedade de ter uma propriedade com uma
determinada especificação em termos das suas causas e efeitos típicos e a sua
relação com outras propriedades mentais; chame-se a isto «especificação H». A
ideia da RM, nesta perspectiva, é que há mais do que uma propriedade que satisfaz
a especificação H — na verdade, um conjunto não delimitado de tais propriedades,
dir-se-á. Mas a própria dor, diz-se, é uma propriedade mais abstracta mas bem-
comportada a um nível mais elevado, nomeadamente de ter uma destas
propriedades a satisfazer a especificação H. Devia ser claro por que uma posição
como esta é vulnerável às questões que foram levantadas. Porquanto a propriedade
de ter a propriedade P é exactamente idêntica a P, e a propriedade de ter uma das
propriedades, P1, P2..., Pn, é exactamente idêntica à propriedade disjuntiva, P1 $ P2 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3+!Ver, por exemplo, Block, «Can the Mind Change the World?», p.155
! )+'!
$ ... $ Pn. No pressuposto de que Nh, Nr e Nm são todas as propriedades que
satisfazem a especificação H, a propriedade de ter uma propriedade com H,
nomeadamente dor, não é senão a propriedade de ter ou Nh ou Nr ou Nm6830 —
nomeadamente, a propriedade disjuntiva, Nh $ Nr $ Nm! Não podemos esconder o
carácter disjuntivo da dor atrás da expressão de segunda ordem, «a propriedade de
ter uma propriedade com a especificação H». Assim, na interpretação de
propriedades mentais como propriedades de segunda ordem, as propriedades
mentais mostrar-se-ão em geral ser disjunções das suas bases de realização física.
É difícil ver como se podia ter ambas as coisas — isto é, censurar Nh $ Nr $ Nm
como inaceitavelmente disjuntiva insistindo ao mesmo tempo na integridade da dor
como tipo científico.
Além disso, quando pensamos em fazer projecções acerca da dor, devia colocar-
se basicamente a mesma preocupação acerca da sua adequação que no caso do
jade. Considere-se uma lei possível: «dores agudas administradas em intervalos
aleatórios causam reacções de ansiedade». Suponha-se que esta generalização foi
bem confirmada em humanos. Devíamos esperar nessa base que também se
verificará em marcianos cuja psicologia é implementada (supomos) por um
mecanismo físico bastante diferente? Não se aceitarmos a tese da realização física,
fundamental para o funcionalismo, segundo a qual as regularidades psicológicas se
verificam, na medida em que o fazem, em virtude das regularidades causal-
nomológicas ao nível da implementação física. A razão de a lei ser verdadeira para
humanos deve-se à maneira como o cérebro humano está «configurado»; os
marcianos têm cérebros com um mapa de circuitos diferente e não devíamos
certamente esperar que a regularidade se verificasse neles apenas porque o faz nos
seres humanos69. «As dores causam reacções de ansiedade» pode mostrar não ter
mais unidade como lei científica do que «O jade é verde».
Suponha-se que apesar de tudo isto Fodor insiste em defender que a dor é um
tipo ou género nómico. Não é claro que fosse uma estratégia viável. Porquanto nos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
HP" Podemos manter em mente a relação íntima entre a disjunção e o quantificador existencial conforme a notação canónica nos manuais de lógica."3*!Pode ser um assunto complicado formular este argumento dentro de certos esquemas funcionalistas; se, por exemplo, as propriedades mentais são funcionalmente definidas ao Ramseyficar uma teoria psicológica total, mostrar-se-á que os humanos e os marcianos não podem partilhar qualquer estado psicológico a menos que a mesma psicologia total (incluindo a lei putativa em questão) seja verdadeira (ou defendida como verdadeira) por ambos.
! )+/!
ficaria a dever uma explicação por que a «muitíssimo disjuntiva» N, que afinal é
equivalente à dor, não é um tipo nómico. Se um predicado é nomicamente
equivalente a um predicado bem-comportado, por que não é isso suficiente para
mostrar que também aquele é bem-comportado e que exprime uma propriedade
bem-comportada? Afirmar, como faz Fodor70, que «é uma lei que...» é «intensional»
e não permite a substituição de expressões equivalente («equivalente» em diversos
sentidos adequados) é meramente localizar um potencial problema e não resolvê-lo.
Assim, a nomicidade da dor pode levar à nomicidade de N; mas isto não é muito
interessante. Porquanto dada a tese da realização física, e a prioridade do físico
nela implícita, a nossa anterior linha de raciocínio que partia da não nomicidade de
N para a nomicidade da dor, é mais persuasiva. Penso que temos de levar a sério o
raciocínio conducente à conclusão de que a dor e outros estados mentais podem
acabar por se revelar não-nómicos. Se for este o caso, coloca em sério risco o
argumento de Fodor de que a sua irredutibilidade à física faz que a psicologia seja
uma ciência especial autónoma. Se a dor não é nómica, não é o género de
propriedade em termos da qual se possa formular leis; e «dor» não é um predicado
que possa entrar numa teoria científica que procura formular leis causais e
explicações causais. E o mesmo se aplica a todos os tipos ou géneros psicológicos
multiplamente realizáveis — o que, segundo a RM, significa todos os tipos
psicológicos. Não há teorias científicas do jade, e não precisamos de uma; se o
leitor insistir em ter uma, pode servir-se da conjunção da teoria da jadeíte e da teoria
da nefrite. Do mesmo modo, haverá teorias acerca de dores humanas (instâncias de
Nh), dores répteis (instâncias de Nr), e por aí em diante; mas não haverá uma teoria
integrada, unificada, que abranja todas as dores em todos os organismos
susceptíveis de ter dor, só uma conjunção de teorias da dor para espécies
biológicas adequadamente individuadas e tipos de estrutura física. A psicologia
científica, como a teoria do jade, dá lugar a uma conjunção de teorias específicas
sobre estruturas. Se isto é verdade, a conclusão correcta a retirar do argumento
anti-reducionista inspirado na RM não é a afirmação de que a psicologia é uma
ciência autónoma e irredutível, mas algo que a contradiz, nomeadamente que a
psicologia não pode ser uma ciência com um objecto de estudo unificado. Esta é a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+1!«Special Sciences», p. 140 (em Representations) [«Ciências Especiais»] ."
! )+3!
imagem que começa a surgir da RM quando combinada com a tese da realização
física.
Estas reflexões foram ocasionadas pela analogia com o exemplo do jade; é uma
analogia forte e instrutiva, penso, e sugere a possibilidade de um argumento geral.
Na secção seguinte desenvolvo um argumento directo, com premissas e
pressupostos explícitos.
VI Poderes Causais e Tipos Mentais
Uma premissa crucial de que precisamos para um argumento directo é uma
constrição à formação de conceitos, ou individuação de tipos ou géneros, em
ciência, que tem estado presente há muitos anos; foi recentemente ressuscitada por
Fodor em conexão com o externalismo acerca do conteúdo.71 Uma formulação
precisa da constrição pode ser difícil e controversa, mas a sua ideia principal pode
ser colocada do seguinte modo:
[Princípio da individuação causal de tipos ou géneros] Os tipos ou géneros em
ciência são individuados com base em poderes causais; isto é, os objectos e os
acontecimentos subsumem-se num tipo ou género, ou partilham uma propriedade,
na medida em que têm poderes causais semelhantes.
Julgo que isto é um princípio plausível e, em todo o caso, é geralmente aceite.
Podemos ver que este princípio nos permite dar uma interpretação específica da
afirmação de que Nh, Nr e Nm são heterogéneos como tipos: a afirmação tem de
significar que são heterogéneos como poderes causais — isto é, são diferentes
como poderes causais e entram em diferentes leis causais. Isto tem de significar,
dada a tese da realização física, que a própria dor não pode exibir mais unidade
enquanto poder causal do que a disjunção, Nh $ Nr $ Nm. Isto torna-se
particularmente claro se apresentamos o princípio seguinte, que é discutivelmente
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+)!Ver, por exemplo, Carl G. Hempel, Fundamentals of Concept Formation in Empirical Science (Chicago: University of Chicago Press, 1952); W. O. Quine, «Natural Kinds». Fodor dá uma formulação explícita em Psychosemantics (Cambridge: MIT Press, 1988), Cap. 2. Um princípio como este é amiúde invocado no actual debate entre o externalismo e o internalismo acerca do conteúdo; na sua maioria os principais participantes neste debate parecem aceitá-lo. "
! )++!
implicado pela tese da realização física (mas não precisamos fazer disto uma
questão aqui):
[O princípio da herança causal] Se a propriedade mental M é realizada num
sistema em t em virtude da base de realização física P, os poderes causais desta
exemplifica de M são idênticos aos poderes causais de P.7234
É importante ter em mente que este princípio só diz respeito aos poderes
causais de instâncias individuais de M; não identifica os poderes causais da
propriedade M em geral com os poderes causais de uma propriedade física P; a
realizabilidade múltipla de M impede tal identificação.
Por que devíamos aceitar este princípio? Permita-se que notemos que negá-lo
seria aceitar poderes causais emergentes: poderes causais que emergem
magicamente num nível superior e que não são explicáveis em termos de
propriedades de nível inferior, dos seus poderes causais e conexões nómicas. Isto
leva ao notório problema da «causalidade descendente» e à concomitante violação
do fechamento causal do domínio físico73. Penso que um fisicalista sério
consideraria intoleráveis estas consequências.
É claro que o princípio da herança causal, em conjunção com a tese da
realização física, tem a consequência de que os tipos ou géneros mentais não
podem satisfazer o princípio de individuação causal, e isto exclui efectivamente os
tipos ou géneros mentais como tipos ou géneros científicos. O raciocínio é simples:
instâncias de M que são realizadas pela mesma base física têm de ser agrupadas
sob um tipo ou género, visto que ex hypothesi a base física é um tipo ou género
causal; e as instâncias de M com diferentes bases de realização têm de ser
agrupadas sob tipos ou géneros distintos, visto que, mais uma vez ex hypothesi,
estas bases de realização são distintas como tipos ou géneros causais. Sendo os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+"!Coloca-se por vezes um princípio como este em termos de «superveniência» e «base de superveniência» em vez de «realização» e «base de realização». Ver o meu «Epiphenomenal and Supervenient Causation», Midwest Studies in Philosophy 9 (1984): 257-70. Fodor parece aceitar precisamente tal princípio de causalidade superveniente para propriedades mentais, capítulo 2 do seu Psychosemantics. Em «The Metaphysics of Irreducibility», Pereboom e Kornblith parecem rejeitá-lo. +.!Para mais detalhes ver o meu «Downward Causation» em «Emergentism and Nonreductive Physicalism», a sair em Emergence or Reduction?, org. Beckermann, Flohr e Kim, e «The Nonreductivist’s Troubles with Mental Causation», a sair em Mental Causation, org. John Heil e Alfred Mele (Oxford University Press). "
! )+4!
tipos ou géneros mentais realizados por diferentes tipos ou géneros causais físicos,
portanto, segue-se daqui que os tipos ou géneros mentais não são tipos ou géneros
causais, e logo são desqualificados como tipos ou géneros científicos adequados.
Cada tipo ou género mental divide-se em tantos tipos ou géneros quantas as bases
de realização física do mesmo, e a psicologia como ciência com unidade disciplinar
revela-se um projecto impossível.
Qual é a relação entre este argumento e o argumento esboçado nas nossas
reflexões assentes na analogia com o jade? À primeira vista, os dois argumentos
podem parecer não estar relacionados: o primeiro argumento dependia sobretudo
de considerações epistemológicas, considerações sobre projectabilidade indutiva de
certos predicados, ao passo que a premissa crucial do segundo argumento é o
princípio da individuação de tipos ou géneros causais, um princípio em larga medida
metafísico e metodológico acerca da ciência. Penso, contudo, que os dois
argumentos estão intimamente relacionados, e que a chave para ver a relação é a
seguinte: os poderes causais implicam leis, e as leis são regularidades projectáveis.
Assim, se a dor (ou o jade) não é um tipo ou género acerca do qual se possa fazer
projecções indutivas, não pode entrar em leis e portanto não pode qualificar-se
como tipo ou género causal; e isto desclassifica-a como tipo ou género científico. Se
isto está correcto, as reflexões inspiradas no jade dão um conjunto possível de
razões para o princípio de individuação causal. Desenvolver esta rudimentar linha
de raciocínio em termos precisos, contudo, ultrapassa aquilo que posso tentar fazer
neste artigo.
VII O Estatuto da Psicologia: Reduções Locais
Chegados a este ponto, a nossa conclusão é, portanto, a seguinte: se a RM é
verdadeira, os tipos ou géneros psicológicos não são tipos ou géneros científicos.
Que implicações tem isto para o estatuto da psicologia como ciência? As nossas
considerações mostram que a psicologia é uma pseudociência como a astrologia e
a alquimia? Claro que não. A diferença crucial, do ponto de vista metafísico, é que a
psicologia tem realizações físicas, mas a alquimia não. Ter uma realização física é
ter fundamento e explicação física em termos dos processos no nível subjacente.
Na verdade, se cada um dos tipos ou géneros psicológicos postulados numa teoria
psicológica tem uma realização física para uma espécie fixa, a teoria pode ser
! )+*!
«localmente reduzida» à teoria física dessa espécie, no seguinte sentido: Chame-se
S à espécie em causa; para cada lei Lm da teoria psicológica Tm, S # Lm (a
proposição de que Lm se verifica para membros de S) é a versão de Lm «restringida
a S»; e S # T é a versão de Tm restringida a S, o conjunto de todas as leis de Tm
restringidas a S. Podemos então afirmar que Tm é «localmente reduzida» para a
espécie S a uma teoria subjacente, Tp, no caso de S # Tm ser reduzida a Tp. E a
última verifica-se no caso de cada lei restringida a S de Tm, S # Lm,7436 é derivável
das leis da teoria reducente Tp, tomadas conjuntamente com leis-ponte. Que leis-
ponte são suficientes para garantir a derivação? Obviamente, um leque de leis-
ponte restringidas a S com a forma S # (Mi ! Pi), para cada tipo ou género mental
Mi. Tal como as leis-ponte psicológicas irrestritas podem subscrever uma redução
«global» ou «uniforme» da psicologia, as leis-ponte restringidas a espécies ou
estruturas sancionam a sua redução «local».
Se a mesma teoria psicológica se aplica a humanos, répteis e marcianos, os tipos
ou géneros psicológicos postulados por essa teoria têm realizações nas psicologias
de humanos, répteis e marcianos. Se a dependência do mental sobre o físico tem
algum significado, tem de ser que as regularidades postuladas por esta psicologia
comum têm de ter explicações físicas divergentes para as três espécies. A própria
ideia de realização física implica a possibilidade de explicar fisicamente
propriedades e regularidades psicológicas, e a suposição de múltiplas realizações
desse género, nomeadamente a RM, implica um compromisso com a possibilidade
de múltiplas reduções explicativas da psicologia.7537 A lição importante a reter da
RM é a seguinte: se as propriedades psicológicas são multiplamente realizadas,
também a própria psicologia o é. Se as realizações físicas de propriedades
psicológicas são um conjunto «muitíssimo heterogéneo» e «não sistemático», a
própria teoria psicológica tem de ser realizada por um conjunto igualmente
heterogéneo e não sistemático de teorias físicas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+'!Ou uma versão adequadamente corrigida do mesmo (esta qualificação aplica-se também às leis-ponte). +/! Em «Special Sciences» [«Ciências Especiais»] e «Making Mind Matter More», Fodor parece aceitar a redutibilidade local da psicologia e de outras ciências especiais. Mas usa a terminologia da explicação local, em vez da redução, das regularidades psicológicas em termos de microestrutura subjacente. Penso que isto acontece porque a sua preocupação com a redução uniforme nageliana o impede de ver que isto é uma forma de redução interteórica, se a há. "
! )41!
Inclino-me a pensar que as múltiplas reduções locais, e não as reduções globais,
são a regra, mesmo nas áreas em que normalmente supomos que as reduções são
possíveis. Passo agora a uma possível objecção à ideia de redução local, pelo
menos na sua aplicação à psicologia. A objecção é a seguinte: dado o que sabemos
acerca das diferenças entre membros de uma única espécie, mesmo as espécies
são demasiado amplas para fornecer bases de realização determinadas de estados
psicológicos, e dado o que sabemos acerca dos fenómenos de maturação e
desenvolvimento, lesões cerebrais, e coisas semelhantes, as bases físicas do
mental podem mudar mesmo para um único indivíduo. Isto põe seriamente em
causa, prossegue a objecção, a disponibilidade de leis-ponte restringidas a espécies
necessárias para reduções locais.
A ideia desta objecção pode perfeitamente estar correcta enquanto facto
empírico. Pode-se responder com duas outras ideias, contudo. Em primeiro lugar, a
investigação neurofisiológica continua porque há uma crença partilhada e
provavelmente bem fundada entre os investigadores de que não há diferenças
individuais enormes dentro de uma espécie no modo como os tipos psicológicos são
realizados. Os membros de uma mesma espécie têm de exibir semelhanças
físicofisiológicas importantes, e há provavelmente boas razões para pensar que
partilham bases de realização física a um grau suficiente para tornar a procura de
bases neurais relativas à espécie para estados mentais factível e compensatória. Os
investigadores nesta área procuram evidentemente explicações neurobiológicas de
capacidades e processos psicológicos que são generalizáveis para os membros
(«normais») de uma dada espécie, no seu todo ou na maioria.
Em segundo lugar, mesmo que haja diferenças individuais enormes entre
membros da mesma espécie quanto ao modo como a sua psicologia é realizada,
isso não afecta aquilo que metafisicamente está em causa: desde que se mantenha
a tese da realização física, tem de se aceitar que todo o organismo ou sistema com
vida mental se subsume num tipo de estrutura física tal que os seus estados
mentais são realizados por determinados estados físicos de organismos com essa
estrutura. Pode ser que estas estruturas sejam tão minuciosamente individuadas e
que tão poucos os indivíduos que efectivamente se subsumem nelas que a
investigação sobre as bases neurais de estados mentais nestas estruturas não vale
mais a pena, do ponto de vista teórico ou prático. O que precisamos de reconhecer
aqui é que a possibilidade científica de, digamos, a psicologia humana ser um facto
! )4)!
contingente (pressupondo que é um facto); depende do facto feliz de os seres
humanos não exibirem diferenças fisiológico-biológicas que sejam psicologicamente
relevantes. Mas se o fizessem, isso não mudaria a metafísica da situação nem um
pouco; continuaria a ser verdade que a psicologia de cada um de nós era
determinada pela sua neurobiologia e localmente redutível a esta.
De forma realista, haverá diferenças psicológicas entre indivíduos humanos: é um
lugar comum que não há duas pessoas exactamente iguais — quer física quer
psicologicamente. E as diferenças individuais podem manifestar-se não só em
factos psicológicos particulares mas em regularidades psicológicas. Se aceitamos a
tese da realização física, temos de acreditar que as nossas diferenças psicológicas
estão enraizadas nas nossas diferenças físicas e são explicadas por estas, tal como
esperamos que as nossas semelhanças psicológicas sejam explicáveis deste modo.
Os humanos são provavelmente menos semelhantes entre si do que, digamos,
espécimes de um modelo Chevrolet.76 E tem de se esperar que as leis psicológicas
para humanos, num certo nível de especificidade, tenham carácter estatístico e não
determinista — ou, se o leitor prefere, que sejam «leis ceteris paribus» em vez de
«leis estritas». Mas nada disto é peculiar à psicologia; estes comentários aplicam-se
seguramente à fisiologia e anatomia humana tanto quanto à psicologia humana. Em
todo o caso, nada disto afecta o que está metafisicamente em causa a respeito da
microdeterminação e da explicação microredutiva.
VIII Implicações metafísicas
Mas terá a redução local alguma importância filosófica, especialmente no que
respeita ao estatuto das propriedades mentais? Se uma propriedade psicológica
teve múltiplas reduções locais isso significa que a propriedade em si foi reduzida?
Ned Block levantou precisamente essa questão, argumentando que o reducionismo
restringido a espécies (ou fisicalismo dos tipos restringido a espécies) «evita a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+3!Compare-se a instrutiva analogia de J. J. Smart, entre organismos biológicos e rádios superheteródinos, em Philosophy and Scientific Realism (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1963), pp. 56-57. A concepção que Smart tem da relação entre a física e as ciências especiais, como a biologia e a psicologia, é similar em alguns aspectos à posição que defendo aqui. "
! )4"!
principal questão metafísica: «o que é comum nas dores dos cães e das pessoas (e
todas as outras espécies) em virtude do que são dores?»77
Pereboom e Kornblith elaboram a ideia de Block, da seguinte maneira:
«... mesmo que haja um único tipo de estado físico que normalmente realiza a dor
em cada tipo de organismo, ou em cada tipo de estrutura, isto não mostra que a dor,
como tipo de estado mental, é redutível a estados físicos. Tem de se entender a
redução, no presente debate, como redução de tipos, uma vez que o objecto
primário das estratégias redutivas são explicações e teorias, e as explicações e
teorias quantificam sobre tipos... A sugestão de que há reduções de dor específicas
à espécie resulta na afirmação de que as dores em espécies diferentes nada têm
em comum. Mas isto é apenas uma forma de eliminativismo.» 40
Aqui há diversas questões relacionadas mas separáveis a ser levantadas. Mas
antes devíamos perguntar: têm todas as dores de ter «algo em comum» em virtude
do qual são dores?
Segundo a concepção fenomenológica da dor, todas as dores têm de facto algo
em comum: todas elas doem. Mas do meu ponto de vista, os que defendem esta
perspectiva da dor rejeitariam qualquer programa reducionista, independentemente
das questões presentemente em causa. Mesmo se houvesse uma lei-ponte
uniforme, invariante em relação à espécie, a correlacionar dores com uma única
base física em todas as espécies e estruturas, continuariam a afirmar que a
correlação se verifica como um facto bruto, inexplicável, e que a dor, como
acontecimento qualitativo, um «sentimento cru», permaneceria irredutivelmente
distinto da sua base neural. Muitos emergentistas defendem aparentemente uma
perspectiva deste tipo.
Presumo que Block, Pereboom e Kornblith não falam de um ponto de vista
fenomenológico deste tipo mas de um ponto de vista funcionalista em geral. Mas de
uma perspectiva funcionalista não é de todo em todo claro como devemos entender
a questão «O que têm todas as dores em comum, em virtude do qual são dores?»
Do meu ponto de vista, no núcleo do programa funcionalista está a tentativa de
explicar relacionalmente o significado de termos mentais, em termos de inputs, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
++!«Introdução: What is Functionalism?» em Readings in the Philosophy of Psychology, pp. 178-79.
! )4.!
outputs, e conexões com outros estados mentais. E na perspectiva, discutida
brevemente atrás, de que as propriedades mentais são propriedades de segunda
ordem, a dor é a propriedade de ter uma propriedade com uma determinada
especificação funcional H (em termos de inputs, outputs, etc). Isto dá uma resposta
curta à questão de Block: o que todas as dores têm em comum é o padrão de
conexões tal como especificadas por H. O reducionista local tem tanto direito a essa
resposta como o funcionalista. Compare-se duas dores, uma instância de Nh e uma
instância de Nm: o que têm em comum é cada uma ser a instância de uma
propriedade que realiza a dor — isto é, exibem o mesmo padrão de input-output-
outras conexões de estados internos, nomeadamente o padrão especificado por H.
Mas alguns dirão: «Mas H é apenas uma caracterização extrínseca; o que têm
em comum estas instâncias de dor que lhes seja intrínseco?» O reducionista local
tem de conceder que na sua perspectiva nada há de intrínseco que todas as dores
tenham em comum, em virtude do qual fossem dores (pressupondo que Nh, Nr e Nm
«nada têm de intrínseco em comum»). Mas essa é também precisamente a
consequência da perspectiva funcionalista. Isso, poder-se-ia dizer, é tudo o que está
em causa no funcionalismo: o funcionalista, especialmente o que aceita a RM, não
procuraria, nem deveria procurar, algo comum a todas as dores além de H (o núcleo
do funcionalismo, poder-se-ia dizer, é a crença de que os estados mentais não têm
«essência intrínseca»).
Mas há uma questão adicional levantada por Block e outros: O que acontece às
propriedades que foram localmente reduzidas? Continuam entre nós, distintas e
separadas das propriedades físico-biológicas subjacentes? Conceda-se: a dor
humana foi reduzida a Nh, a dor marciana a Nm, e por aí em diante, mas então e a
dor em si? Continua não reduzida. Estaremos ainda presos ao dualismo de
propriedades mentais e físicas?
Vou esboçar duas maneiras possíveis de enfrentar este desafio. Em primeiro
lugar, relembre-se os meus comentários anteriores acerca da concepção
funcionalista das propriedades mentais como propriedades de segunda ordem: a
dor é a propriedade de ter uma propriedade com a especificação H, e, dado que Nh,
Nr e Nm são as propriedades que satisfazem H, a dor revela-se uma propriedade
disjuntiva, Nh $ Nr $ Nm. Se o leitor defender a perspectiva das propriedades
mentais como propriedades de segunda ordem, a dor foi reduzida a este tipo físico
disjuntivo e sobrevive assim. Independentemente de considerações acerca de
! )4'!
redução local, a própria concepção de dor que o leitor defende compromete-o com a
conclusão de que a dor é um tipo ou género disjuntivo, e se aceitar qualquer forma
de fisicalismo respeitável (em particular, a tese da realização física), é um tipo ou
género disjuntivo físico. E mesmo se o leitor não aceitar a perspectiva de que as
propriedades mentais são propriedades de segunda ordem, desde que esteja à
vontade com tipos e propriedades disjuntivos, pode, no rescaldo da redução local,
identificar a dor com a disjunção das suas bases de realização. Nesta abordagem,
então, o leitor tem outra resposta, mais directa, para a questão de Block: o que
todas as dores têm em comum é que todas se subsumem no tipo disjuntivo, Nh $ Nr
$ Nm.
Se o leitor tem aversão a tipos ou géneros disjuntivos, há outra abordagem, mais
radical e em certo sentido mais satisfatória. O ponto de partida desta abordagem é o
reconhecimento franco de que a RM leva à conclusão de que a dor, enquanto
propriedade ou tipo, tem de desaparecer. A redução local, afinal de contas, é
redução, e ser reduzido é ser eliminado como entidade independente. O leitor dirá
talvez: a redução global é diferente na medida em que é também conservadora —
se a dor é globalmente reduzida à propriedade física P, a dor sobrevive como P.
Mas também é verdade que sob a redução local, a dor sobrevive como Nh nos
humanos, como Nr nos répteis, e por aí em diante. Tem de se admitir, contudo, que
a dor enquanto tipo ou género não sobrevive à redução local múltipla. Mas será isso
assim tão mau?
Regressemos mais uma vez ao jade. Será o jade um tipo ou género? Sabemos
que não é um tipo ou género mineral; mas será um tipo ou género de outro tipo
qualquer? Claro que isso depende do que entendemos por «tipo». Há determinados
critérios partilhados, em larga medida baseados em macropropriedades observáveis
de amostras minerais (por exemplo: a dureza, a cor, etc.), que determinam se algo é
uma amostra de jade, ou se o predicado «é jade» se lhe aplica correctamente. O
que todas as amostras de jade têm em comum são apenas estas propriedades
macrofísicas observáveis que definem a aplicabilidade do predicado «é jade». Neste
sentido, os utentes do português que têm «jade» no seu vocabulário associam o
mesmo conceito a «jade»; e podemos reconhecer a existência do conceito de jade e
ao mesmo tempo reconhecer que o conceito não discrimina nem responde a uma
propriedade ou tipo no mundo natural.
! )4/!
Penso que podemos dizer algo semelhante acerca da dor e da «dor»: há critérios
partilhados para a aplicação do predicado «dor» ou «está com dores», e estes
critérios podem bem ser funcionalistas na sua maior parte. Estes critérios dão-nos
um conceito de dor, um conceito cuja clareza e determinação dependem,
pressuporemos, de certas características (como a explicitude, a coerência e a
completude) dos critérios que regem a aplicação de «dor». Mas o conceito de dor,
nesta interpretação, como o conceito de jade, não tem de discriminar um tipo ou
género objectivo.
Tudo isto pressupõe uma distinção entre conceitos e propriedades (ou tipos).
Temos essa distinção? Creio que sim. Grosso modo, os conceitos encontram-se na
mesma arena que os predicados, significados (talvez, algo como os Sinne
fregeanos), ideias, e coisas semelhantes; Putnam sugeriu que se identificasse
conceitos com «classes de sinonímia para predicados»,7841 e isso está
suficientemente próximo do que tenho em mente. Propriedades e relações, por
outro lado, estão «lá fora no mundo»; são aspectos e características de coisas e
acontecimentos no mundo. Incluem magnitudes e quantidades físicas fundamentais,
como massa, energia, tamanho, forma, e fazem parte da estrutura causal do mundo.
Pode-se defender que a propriedade de ser água é idêntica à propriedade de ser
H2O, mas é evidente que o conceito de água é distinto do conceito de H2O
(Sócrates tinha o primeiro mas não o segundo). Concordaríamos maioritariamente
que os predicados éticos são significativos e que temos os conceitos de «bom»,
«correcto», etc.; contudo, a questão de saber se há as propriedades bondade e
rectitude é discutível e tem sido objecto de muita discussão ultimamente.79 Se o
leitor pensa que na sua maior parte estes comentários fazem sentido, então
compreende a distinção conceito-propriedade que tenho em mente.
Reconhecidamente, tudo isto é um pouco vago e programático, e precisamos
nitidamente de uma teoria melhor articulada sobre propriedades e conceitos; mas a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+4!Em «The Nature of Mental States» [«A Natureza dos Estados Mentais»] +*! Tenho em mente, claro, a controvérsia a respeito do realismo moral; ver os artigos em Geoffrey Sayre-McCord, Essays on Moral Realism (Ithaca: Cornell University Press, 1988).
! )43!
distinção está ali, sustentada por um conjunto impressionantemente sistemático de
intuições e requisitos filosóficos.80
Mas será a segunda abordagem uma forma de eliminativismo mental? Num certo
sentido é: como afirmei, nesta abordagem nenhuma propriedade no mundo
responde a conceitos mentais irrestritos a espécies. Mas recorde-se: ainda há
dores, e por vezes estamos com dor, como há ainda amostras de jade. Temos
também de ter em mente que a presente abordagem não é, nas suas implicações
ontológicas, a forma canónica de eliminativismo mental agora em voga.81 Sem
entrar em pormenor sobre quais são as diferenças, permita-se apenas que
indiquemos alguns detalhes importantes. Em primeiro lugar, a presente perspectiva
não afasta propriedades mentais restritas a espécies, por exemplo: a dor humana, a
dor marciana, a dor canina, e as restantes, embora elimine a «dor em si». Em
segundo lugar, ao passo que o eliminativismo canónico consigna o mental ao
mesmo limbo ontológico para onde se remeteu o flogisto, as bruxas e as
emanações magnéticas, a posição que tenho vindo a esboçar coloca-o a par com o
jade, as mesas e as máquinas de somar. Ver o jade como um não-tipo não é
questionar a existência do jade ou a legitimidade e utilidade do conceito de jade. As
mesas não constituem um tipo ou género científico; não há leis acerca de mesas
como tais, e ser uma mesa não é um tipo causal explicativo. Mas tem de se
distinguir nitidamente entre isto e a afirmação falsa de que não há mesas. O mesmo
se aplica a dores. Estas ideias sugerem a seguinte diferença a respeito do estatuto
da psicologia: a presente perspectiva admite, e na verdade encoraja, «psicologias
específicas de espécies», mas o eliminativismo canónico acabaria com tudo o que é
psicológico — psicologias específicas de espécies e psicologia global.82
Resumindo, então, os dois esquemas metafísicos que esbocei dão-nos as
seguintes opções: ou aceitamos tipos ou géneros disjuntivos e interpretamos a dor e
outras propriedades mentais como sendo tipos ou géneros assim, ou então temos
de reconhecer que os nossos termos e conceitos mentais gerais não discriminam !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
41!Sobre conceitos e propriedades, ver, por exemplo, Hilary Putnam, «On Properties», Mathematics, Matter and Method (Cambridge: Cambridge University Press, 1975); Mark Wilson, «Predicate Meets Property», Philosophical Review 91 (1982): 549-90, especialmente a secção III. 4)!Tal como as versões preferidas por W. V. Quine, Stephen Stich e Paul Churchland. "4"!A abordagem ao problema mente-corpo aqui aludida é desenvolvida no meu «Funcionalismo e Irrealismo Acerca do Mental» (em preparação). "
! )4+!
propriedades e tipos no mundo (podemos chamar a isto «irrealismo acerca de
propriedades mentais»). Devo acrescentar que não estou interessado em promover
quer os tipos disjuntivos quer o irrealismo acerca do mental, um conjunto
perturbador de opções para a maior parte de nós. Ao invés, o meu principal
interesse tem sido seguir as consequências da RM e aceitá-las, dentro de um
esquema metafísico razoável.
Comentei já o estatuto da psicologia como ciência sob a RM. Como argumentei, a
RM compromete seriamente a unidade disciplinar e a autonomia da psicologia como
ciência. Mas não tem de se entender isto como uma mensagem negativa. Em
particular, a afirmação não implica que um estudo científico de fenómenos
psicológicos não seja possível ou útil; pelo contrário, a RM afirma que os processos
psicológicos têm fundamento nos processos e regularidades biológicos e físicos, e
abre a possibilidade de explicações esclarecedoras de processos psicológicos num
nível mais básico. Acontece apenas que a um nível mais profundo, a psicologia se
divide ao ter realizações locais múltiplas. Contudo, as psicologias específicas de
espécies, por exemplo, a psicologia humana, a psicologia marciana, etc., podem
todas florescer como teorias científicas. A psicologia permanece científica, embora
talvez não continue a ser uma ciência. Se alguém insistir em ter uma psicologia
global que seja válida para todas as espécies e estruturas, também pode
certamente ter o que pretende; mas tem de pensar essa psicologia global como uma
conjunção de psicologias restritas a espécies e ter cuidado, acima de tudo, com as
suas induções.83
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
PM"Este artigo descende de um artigo inédito, «A Desunidade da Psicologia como uma Hipótese de Trabalho?», que circulou no início da década de 1980. Estou em dívida para com as seguintes pessoas, entre outras, pelos comentários úteis: Fred Feldman, Hilary Kornblith, Barry Loewer, Brian McLaughlin, Joe Mendola, Marcelo Sabates e James Van Cleve."