apostila de metafísica

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Ponto de partida → a pergunta fundamental: como é o ser. Não posso pensar Deus como algo dentro do ser (a partir do ser), pois o ser seria maior que Deus. Deus é o ser na sua plenitude. A contingência do mundo é colocada por Deus. Tudo o que existe contingentemente (não tem o ser a partir de si mesmo, poderia não ser) participa do ser de Deus. Quanto mais imanente, mais transcendente (quanto mais concebo que não tenho o por mim mesmo, mais me aproximo de Deus). METAFÍSICA Introdução O termo Metafísica tem origem casual: é atribuído ao lugar que coube aos escritos de Aristóteles na coletânea de Andronico de Rodes , onde ficara “depois da Física.”- Meta (gr) = depois. A metafísica estuda o SER (Onto). O nome correto então deveria ser ONTOLOGIA (estudo do Ser). Para Aristóteles é a ciência primeira ou ciência dos princípios primeiros . Apesar de ser rejeitada pela Filosofia Analítica, a Metafísica não deixou de ser comentada e criticada. Isto porque ainda há algo não solucionado , um problema que sempre volta. A Filosofia sempre teve uma relação com a totalidade, uma dimensão importantíssima sua. Com a modernidade a realidade foi setorizada. A sociedade antiga era holística, onde o todo se relacionava com as partes. Na modernidade este todo se desfacelou Da religião derivou a Ética, que derivou a Política, e depois a Economia, etc... Cada âmbito cria sua racionalidade específica . Daí a separação Igreja/Estado por exemplo. Com a filosofia também ocorreu a separação das áreas, e perdeu-se a relação com o todo. Se a filosofia perder sua relação com a totalidade ocorre uma situação paradoxal na qual perde seu sentido (que é de pensar na totalidade) onde não é ciência nem filosofia. Pensar o Onto, o Ser, o todo é função da Metafísica e criticar a metafísica é deixar de pensar no todo. Ontologia: “tudo é”, “tudo é ser”. Se penso, penso sobre uma realidade determinada que “é”, portanto pode ser inteligível. O ser é inteligível: pressuposto metafísico por excelência. A razão é sempre “razão” de alguma realidade, e a realidade “é”. Tudo que é, é ser. Ser racional = ser inteligível por uma racionalidade, uma razão . Nunca posso separar totalmente SER e RAZÃO. A Filosofia: tem a preocupação de pensar o todo e não pode perder esta dimensão. Não pode se reduzir a pequenas áreas. Assim, Pensar o todo significa pensar o SER. O SER é o todo. Criticar a metafísica significa deixar de pensar o todo. A cultura ocidental é uma cultura metafísica. Pergunta radical da razão: “o que é...?” A fim de dar razão das coisas, do ser. Fundamento SER RAZÃO onto logia essência predicação O ser é o horizonte de universalidade , pois a busca do fundamento (porquês) das coisas visa buscar o sentido, o fundamento de algo, portanto do próprio ser. A metafísica é importante porque busca ver as coisas a partir da totalidade . Quando se eleva ao universal, diferenciam-se as partes, está mais perto de perceber o sentido, as limitações, das partes, dos “algos”, já que está em um horizonte maior. Assim, distanciar-se é elevar-se ao horizonte do ser. A filosofia : 1. Descoberta do logos ; 2. O logocentrismo : o logos é colocado no centro. Avaliasse o sentido e o lugar das coisas em relação ao logos. Não é um racionalismo, ou seja, racionalizar tudo valendo somente o universal; 3. O logos é intransponível : não se pode sair ou distanciar dele, pois está inserido dentro dele. Pode- se criticar os logos parciais que tentam tomar o lugar do logos universal, mas mesmo criticando, fundamentando, ainda se está dentro do logos. A metafísica, então, não é um âmbito entre outros à maneira das ciências . Isso porque visa o todo na medida que se pode afirmar que “é”, ou seja, do ponto de vista do “ser enquanto ser” . Nessa perspectiva de poder afirmar que “o ser é”, pode relacionar tudo e por isso o ser é inteligível e pode ser tematizado . 1

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Page 1: Apostila de Metafísica

Ponto de partida → a pergunta fundamental: como é o ser.Não posso pensar Deus como algo dentro do ser (a partir do ser), pois o ser seria maior que Deus. Deus é o ser na sua plenitude. A contingência do mundo é colocada por Deus. Tudo o que existe contingentemente (não tem o ser a partir de si mesmo, poderia não ser) participa do ser de Deus. Quanto mais imanente, mais transcendente (quanto mais concebo que não tenho o por mim mesmo, mais me aproximo de Deus).

METAFÍSICA Introdução

O termo Metafísica tem origem casual: é atribuído ao lugar que coube aos escritos de Aristóteles na coletânea de Andronico de Rodes, onde ficara “depois da Física.”- Meta (gr) = depois.

A metafísica estuda o SER (Onto). O nome correto então deveria ser ONTOLOGIA (estudo do Ser). Para Aristóteles é a ciência primeira ou ciência dos princípios primeiros.

Apesar de ser rejeitada pela Filosofia Analítica, a Metafísica não deixou de ser comentada e criticada. Isto porque ainda há algo não solucionado, um problema que sempre volta.

A Filosofia sempre teve uma relação com a totalidade, uma dimensão importantíssima sua. Com a modernidade a realidade foi setorizada. A sociedade antiga era holística, onde o todo se relacionava com as partes. Na modernidade este todo se desfacelou Da religião derivou a Ética, que derivou a Política, e depois a Economia, etc... Cada âmbito cria sua racionalidade específica. Daí a separação Igreja/Estado por exemplo.

Com a filosofia também ocorreu a separação das áreas, e perdeu-se a relação com o todo. Se a filosofia perder sua relação com a totalidade ocorre uma situação paradoxal na qual perde seu sentido (que é de pensar na totalidade) onde não é ciência nem filosofia. Pensar o Onto, o Ser, o todo é função da Metafísica e criticar a metafísica é deixar de pensar no todo.

Ontologia: “tudo é”, “tudo é ser”.Se penso, penso sobre uma realidade determinada que “é”, portanto pode ser inteligível. O ser é

inteligível: pressuposto metafísico por excelência. A razão é sempre “razão” de alguma realidade, e a realidade “é”. Tudo que é, é ser. Ser racional = ser inteligível por uma racionalidade, uma razão. Nunca posso separar totalmente SER e RAZÃO.

A Filosofia: tem a preocupação de pensar o todo e não pode perder esta dimensão. Não pode se reduzir a pequenas áreas. Assim,

• Pensar o todo significa pensar o SER.• O SER é o todo.• Criticar a metafísica significa deixar de pensar o todo.

A cultura ocidental é uma cultura metafísica. Pergunta radical da razão: “o que é...?” A fim de dar razão das coisas, do ser.

FundamentoSER RAZÃOonto logia

essência predicação

O ser é o horizonte de universalidade, pois a busca do fundamento (porquês) das coisas visa buscar o sentido, o fundamento de algo, portanto do próprio ser.

A metafísica é importante porque busca ver as coisas a partir da totalidade. Quando se eleva ao universal, diferenciam-se as partes, está mais perto de perceber o sentido, as limitações, das partes, dos “algos”, já que está em um horizonte maior. Assim, distanciar-se é elevar-se ao horizonte do ser.

A filosofia:1. Descoberta do logos ;2. O logocentrismo : o logos é colocado no centro. Avaliasse o sentido e o lugar das coisas em relação

ao logos. Não é um racionalismo, ou seja, racionalizar tudo valendo somente o universal;3. O logos é intransponível : não se pode sair ou distanciar dele, pois está inserido dentro dele. Pode-

se criticar os logos parciais que tentam tomar o lugar do logos universal, mas mesmo criticando, fundamentando, ainda se está dentro do logos.

A metafísica, então, não é um âmbito entre outros à maneira das ciências . Isso porque visa o todo na medida que se pode afirmar que “é”, ou seja, do ponto de vista do “ser enquanto ser”. Nessa perspectiva de poder afirmar que “o ser é”, pode relacionar tudo e por isso o ser é inteligível e pode ser tematizado.

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Mesmo diante das dificuldades e das criticas à metafísica, por distanciar-se e elevar-se ao universal, pode avaliar, analisar, os particulares como particulares, algo como algo. Isso só é possível caso se esteja em um âmbito maior, mais universal .

Devido ao distanciamento, o horizonte do universal se amplia . É o que Sócrates diz: ”sei que nada sei”, pois à medida que se abre ao universal, esse se amplia imensamente, a ponto da pessoa ter consciência que não sabe: douta ignorância. Assim, o todo não se pode ser esgotado em nenhuma afirmação, ciência.. . Caso se tematize algo, é porque é um logos parcial. No ato de tematizar se coloca um limite ao tematizado e isso só é possível por se estar em um horizonte maior, em um logos mais universal.

PROGRAMA

I. Atualidade da Metafísica [pré-compreensão da metafísica]1.1 Leitura metafísica da cultura ocidental como cultura da razão [a cultura está marcada pela metaf.]1.2 A experiência metafísica [experiência ao longo da História]

I. O problema Ontológico2.1 A questão da essência [“o que é o ser?” Visa a inteligibilidade do Ser]2.2 A questão da predicação [categorias da razão. “S é P” a razão predica pelas proposições o ser por

categorias. A razão elabora as ciências do ser: o sistema categorial que articula a inteligibilidade do Ser]

2.3 A questão do fundamento [o porquê, tanto do Ser quando da razão]

II. A formação da Metafísica clássica como ciência do Ser3.1 A fundamentação Platônica da Ontologia3.2 A fundamentação Aristotélica da Ontologia3.3 A fundamentação Tomista da ciência do Ser

III. A retomada da Metafísica na Filosofia Moderna4.1 Kant e o problema da Metafísica [questiona a Metafísica enquanto ciência]4.2 Hegel e a dialetização da Metafísica [retoma toda tradição desde a descoberta do logos. Descobre o

Ser como História]4.3 Heidegger e o esquecimento do Ser [o fundamento da metafísica]

BIBLIOGRAFIA

I. F. ALQUIÉ. Metaphysique. In: Enc. Universalis, vol.10; 984-989; Ler esse artigo...

II. G. REALE. Aristóteles Metafisica. In: História da Filosofia Antiga, vol.II. Sp: Loyola, 1994, p.

335-373;

III. H.C. LIMA VAZ. Itinerário da Ontologia Clássica. In: Ontologia e História, São Paulo: Duas

Cidades, p.67-91;

IV. ________. Metafísica: História e Problema. In: Síntese 66 (1994), p. 395-406;

V. ________. Ética e Razão Moderna. In: Síntese 68 (1995), p. 53-84;

VI. ________. Tómas de Aquino: pensar a metafísica na aurora de um novo século. In: Síntese 73

(1996), p. 159-207;

VII. ________. Transcendência: experiência histórica e interpretação filosófico-teológica. In: Síntese

59 (1992), p. 443-460;

VIII. J. LADRIERÈ. Os desafios da racionalidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 1973;

IX. J. CONIL. Metafísica hoy, Acerca de una concepción transformada de Metafísica. Pensamiento,

152 (1982), p. 455-464;

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Page 3: Apostila de Metafísica

X. __________. Orientaciones de la Metafísica actual. In: Revista Diálogo Filosófico, 5 (1986), p.

170-204;

XI. ________, El crepúsculo de la metafísica. Barcelona: Antrhropos, 1988.

.

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Page 4: Apostila de Metafísica

CAPÍTULO I

ATUALIDADE DA METAFÍSICA A Metafísica não deve ser vista como um âmbito particular, mas como uma dimensão que está presente na

reflexão sobre o homem, sobre a natureza e a história 1 . A reflexão filosófica só alcançará o nível profundo se chegar a metafísica; i.é., a uma reflexão sobre o ser. Estamos de alguma maneira na mesma situação de Platão e Aristóteles, a filosofia ou é metafísica ou não é autenticamente filosofia.

1.1 – Leitura Metafísica da Cultura Ocidental como cultura da razãoToda cultura repousa seus pressupostos implícitos que a razão explicita.A nossa cultura esta baseada num pressuposto básico fundamental: põe tudo (todas as obras culturais) em

referência a uma justificação racional. A civilização ocidental é uma civilização da razão, porque se acentuou de modo irreversível a justificação racional da cultura ou das obras culturais. A justificação ou explicação racional é a referência ao logos demonstrativo2 ou científico. E desse logos ou saber demonstrativo surgiu a filosofia como a sua expressão mais ambiciosa3. A partir deste momento em que a cultura descobre a razão e coloca tudo em relação a ela, surge a cultura ocidental. A única, entre todas, que fez da razão o seu emblema, a coloca no centro. A razão também está presente em todas as outras culturas, mas essas não fizeram do logos o seu eixo fundamental.

A descoberta grega do logos demonstrativo e a legitimação social de seu uso foram a causa próxima do aparecimento do saber filosófico e da vida a ele consagrada. Este saber filosófico é um dos elos que nos unem à cultura grega clássica e que assegura a continuidade do que chamamos cultura ocidental. Portanto, é inconcebível pensar a cultura ocidental sem a filosofia. Essa cultura que optou pela referência ao julgamento da razão é uma civilização metafísica.

A cultura ocidental que deu origem à filosofia vê surgir diante de si um paradoxo4. A filosofia é, por um lado, uma obra produzida por essa cultura; mas, por outro lado, surge com a intenção de compreender e explicar o todo da realidade e por conseguinte a própria cultura da qual procede. Trata-se, pois, de uma intenção de universalidade. A interrogação que surge com a compreensão, explicação e questionamento do todo dirige-se a essência, ao ser das coisas. Nada escapa a sua interrogação. Essa universalidade determina o caráter paradoxal da relação entre cultura e filosofia. Ora, essa cultura é uma cultura metafísica porque parte de um pressuposto metafísico que só a metafísica explica ou que se situa em nível metafísico.

O pressuposto da metafísica ocidental: foi formulado por Hegel na sua Filosofia do Direito como: “O real é (efetivamente) racional e o racional é (efetivamente) real”. Esta formulação não pode ser aceita no sentido de esgotar esta racionalidade. Uma formulação válida para esse pressuposto é: “O ser é radicalmente inteligível”5, ou seja, não podemos separar o ser6 do logos7. A razão é incorporada a realidade, caso contrário a própria natureza não teria leis 8 .

09/08/2011- Paradoxo da cultura ocidental: particular X universalidade. A filosofia é produto da cultura. Entretanto, ela se volta para a cultura a fim de refletir sobre ela. Sendo assim, ele acaba sendo mais ampla que a cultura que a criou.

1 Falar de Homem, Natureza e História é falar da totalidade. A natureza “é”, o homem “é” e a História “é”.2 Platão compara o logos ao sol – sua maior experiência foi o encontro com o logos demonstrativo. O logos passou a ser o centro de referência.3 Pois logos é buscar dar razões . De forma ambiciosa, dar razões do Ser: ontologia .4 Paradoxo : A filosofia é uma das obras da cultura, logo a cultura é maior do que a obra que produz, i.é., a filosofia. Na medida que a cultura produz a filosofia, a filosofia surge com uma intenção de universalidade. Assim, a filosofia tenta pensar a cultura que a produziu e acaba sendo mais ampla que a própria cultura.5 “O Ser, o Todo, é radicalmente inteligível”: logocentrismo, intransponibilidade do logos. Como o Ser é inteligível, é possível fazer uma ciência do Ser: ontologia .6 O ser é diferente de Deus. O ser engloba o absoluto e o contigente.7 No ser, Deus aparece identificado como fundamento supremo de todos os seres. – Não posso pensar o racional independentemente do real. A razão não é uma entidade pairando no ar. A razão fora do real não existe, não há uma razão subsistente.8 Mesmo a ciência parte de um pressuposto metafísico: “o real é inteligível”. E isso é concretizado nas leis científicas.

O pressuposto metafísico só é justificado à nível metafísico, pois vai aos pressupostos últimos, universais. Tem que descobri-los e justificá-los. A ciência supõe essa justificação, pois se justificasse por ela mesma, cairia num círculo vicioso, ou seja, ciência justificando a própria ciência.

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- Pressuposto Metafísico: ser é radicalmente inteligível. O ser é tudo, mas ser e tudo não são sinônimos, pois o “tudo” pode ser quantitativo e não é nesse sentido. É importante manter o tudo, porque fora do ser não há nada.- Cada coisa é, mas ela não esgota o ser. Posso explicitar o ser, mas ele continua em aberto.- O ser é radicalmente inteligível. Com isso, não posso fazer uma cisão entre o ser e a razão. A razão está presente no ser.- O homem é contingente, mas que se abre ao todo, ao ser, sem deixar de ser contingente.

Para casa: Ler esses eventos, retomar as anotações e ler o artigo indicado.

Quatro elementos teóricos e culturais (dos dois últimos séculos) que mostram a radicalização da ambição da metafísica na cultura ocidental:

1. O evento9 Hegeliano do “Saber absoluto” como revelação (desvelar e expor a estrutura dos fatos) da essência metafísica da cultura ocidental (Fenomenologia do Espírito “Ciência da experiência da consciência” (Título original da obra) → elevar a experiência humana da cultura ocidental a nível de ciência).

O conceito Hegeliano de “Saber absoluto” revela (desvela e expõe) a essência metafísica da civilização ocidental. Para Hegel, só na nossa civilização a consciência do homem ocidental podia se transformar em ciência10.

O primeiro título da Fenomenologia do Espírito era “Ciência da experiência da consciência”11.Ciência não dos fatos da história ocidental (o que seria historiografia), mas da estrutura significativa destes fatos. O homem pode fazer um tipo de experiência da consciência que mostra a história do ocidente como história pensada (é refletir sobre as coisas que permitem que essa história possa ser pensada) ou como história do conceito (descobrir a estrutura racional dos fatos) , cujo termo é a certeza que se tornou verdade (o verdadeiro é o todo) de que toda a realidade é assumida no saber (quando isso acontece, temos um saber absoluto). É o “Saber absoluto” 12. Não o saber infalível e total de um indivíduo, mas consciência da tentativa de compreender ou pensar a história como totalidade das “obras do espírito” que se referem a razão, ou seja, num certo momento o filósofo pode demonstrar a essência da história13 (i.é, da fenomenologia do espírito). Nada da história escapa da razão. A história comparece diante do tribunal da razão. Hegel com a dialética conseguiu esta demonstração na Fenomenologia do Espírito.

11/08/201- Esse evento hegeliano do “saber absoluto” me mostra que a cultura ocidental é uma cultura da razão.- Esse saber absoluto está relacionado na medida em que os fatos humanos acontecem e suas estruturas racionais, quando pensados, são descobertas.- O objetivo de Hegel ao voltar-se para os fatos humanos da cultura ocidental é perceber o ponto de unidade dos fatos humano, não tanto voltar-se para o fato em si. Não é uma ciência dos fatos empíricos, mas da estrutura significativa dos fatos.- A certeza não é verdade. Ela se torna quando é assumida no saber.

9 Toda cultura se expressa em obras culturais.10 É o logos demonstrativo. Tudo o que o homem ocidental produz faz teoria.11 A consciência é o sujeito.12. Eleva a experiência a Ciência que mostra a racionalidade dos fatos, da experiência humana, a realidade que as liga com o todo. A racionalidade no fim seria o Saber Absoluto. A essência do real é a racionalidade, a idéia. Essa mostra a racionalidade do todo que fica submetido ao julgamento da razão.

A verdade está no todo. Não posso ter a verdade de A somente. A verdade de A está em relação com B, C, D... Para Hegel, se olho somente A, tenho um “A abstrato”, i. é, separado da realidade. Abstrato é o que é separado do todo. Assim, no caso de diversos fatos: A, B, C,..., Quando colocamos em relação uns com os outros, fazemo-lo numa racionalidade, num horizonte comum. Daí o problema da metafísica, relacionar o Uno e o Múltiplo.

Para Hegel, o conceito já é o todo. Hegel age ex post: primeiro, acontece o fato, a experiência. Depois reflete sobre a História e descobre a estrutura racional que a subjaz. Não pode fazer a priori , porque deveria haver uma intuição anterior da História.

A realidade toda chegou a uma expressão científica do real. O saber absoluto não é divino, é um saber onde a totalidade das ciências dá o total do saber.13 O logos é a essência do homem, da história e da liberdade .

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- “Conceito” para Hegel: uma parcela da realidade (fatos) que são refletidos e assumidos racionalmente.

16/08/20111) Atualidade da Metafísica

1.1 Leitura metafísica da cultura Ocidental como cultura da Razão.- pressuposto prévio;- paradoxo;- pressuposto metafísico (ser é radicalmente inteligível)- eventos:

- Evento hegeliano do “Saber Absoluto”; (Ñ é Hegel que é o evento, mas o saber absoluto. Esse evento mostra que o real é racional, que a cultura ocidental é uma cultura da razão. Essência da cultura ocidental é metafísica, pois é a razão)- Evento m arxiano do “Fim da Filosofia”; (Esse evento mostra o fim da Filosofia como realização efetiva da essência metafísica na cultura ocidental).- Evento pó-hegeliano da “crítica das ideologias”; (Esse evento nos mostra a permanência da questão metafísica, da exigência de racionalidade na cultura ocidental)

- Desafios da racionalidade científico-técnica

2. O Evento Marxiano14 do “Fim da Filosofia” como realização efetiva da essência metafísica na cultura ocidental (Manuscrito de 1844-45: crítica da Filosofia do Direito de Hegel).

O evento marxiano significa o “fim da filosofia” como realização efetiva da essência metafísica da cultura ocidental. Trata-se de mundanizar a filosofia, i.é, o torná-la mundo, torná-la realidade e, com isso, chegará o advento do reino da liberdade15 ou reino da razão (Liberdade = realização da razão).

Antes de Marx, os filósofos apenas pensaram o mundo. Já Marx afirma que tem que transformá-lo. Ao invés da Idéia, Marx coloca a matéria, por isso materialismo.

Realizar a filosofia significa realizar a racionalidade suprimindo o irracional, i.é, a alienação16. Quando isso acontecer a filosofia acabará, não porque se tenha tornado inútil, mas porque se tornou realidade. Toda cultura será então racional e teremos o reino da liberdade.

A liberdade consistirá em trabalhar e relacionar-se com os outros seguindo a razão e não em opções irracionais. A filosofia “mundanizar-se-a”, i.é, não será mais uma superestrutura ideológica como no estado atual, que é irracional.

3. O evento Pós-Hegeliano da “Crítica das Ideologias ”17 (Ideologia no sentido de Marx) como permanência da questão metafísica no centro da consciência teórico-histórica da civilização ocidental.

O evento teórico da “crítica das ideologias” é um evento pós-hegeliano que supõe o saber absoluto18. A possibilidade da consciência teórica de uma cultura de criticar e desmascarar a expressão teórica dos interesses particulares que atuam na sociedade só é possível pela razão histórica, ou seja, após Hegel. Esta possibilidade consiste em explicitar o implícito ideológico e seus códigos, i.é., em reconhecer que numa cultura existem interesses discernindo e opondo os interesses que atuam nas ideologias. Isto só é possível depois do “saber absoluto”, i.é, depois de tudo ter sido submetido ao julgamento da razão. Podemos salientar três correntes:

a. A crítica ideológica dos marxismos: Apesar de ter um conceito de ideologia, Marx foi o primeiro a assumir a perspectiva de uma crítica ideológica após meditar a Fenomenologia do Espírito (no escrito de 1845 “A Ideologia Alemã”). A crítica ideológica marxista continuou mais nos marxismos ocidentais do que no marxismo soviético que era menos crítico e que não existem mais. Temos os marxistas franceses, italianos ... (Korchs, Lúcaks, Althusser, Gramsci, Kolakowski...).

b. “A Teoria Crítica da Sociedade”: de Adorno e Horkheimer19. Utilizam para a crítica social, além do marxismo elementos de sociologia do conhecimento e outros.

14Marxiano = do próprio Marx; Marxista = dos seguidores de Marx15 Para Marx é o reino da razão realizada.

Para Spinoza, Liberdade = intelecção da necessidade. Assim, o homem realizará suas obras em sentido da razão16 A primeira alienação é econômica, esta provoca e leva consigo as outras alienações: burguesa, religiosa...17 É um fenômeno moderno. Com capa de universalidade, defender interesses particulares. Ideologia = tentativa de justificar racionalmente o que é interesse particular. Aqui, então, ideologia é dita no sentido marxiano.18 Hegel = busca da essência da Filosofia; Marx = realização dessa essência.19 “O todo é inverdadeiro”, está contaminado ideologicamente. Assim, para Adorno, não se pode fazer uma teoria, pois se contaminaria com o todo. Tentar mudar o todo, significaria ser contaminado por esse.

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c. “O Racionalismo crítico (K. Popper) e o Neopositivismo”: Apesar de se opor ao marxismo e às teorias críticas dele derivadas, o racionalismo crítico é fortemente crítico e radical na análise científica das teorias sociais em nome da razão. Nada é universalmente válido e tudo é submetido a uma crítica 20 . E o mesmo no neopositivismo21. De novo as teorias atuais da sociedade só tem sentido a partir do pressuposto metafísico de que “o real é racional”.

4. Os desafios da Racionalidade Científico-Técnica inscritos no Itinerário Histórico da Metafísica como forma de nossa civilização.É um fato que a ciência reina soberana atualmente, nesse sentido podemos falar de uma época de

cientifização. A racionalidade científica nos legou uma herança, é um produto da cultura ocidental, cultura que produziu a filosofia. Isto significa, a mesma cultura se pergunta pelo significado da ciência atual e percebe que a racionalidade científico-técnica coloca, pela sua própria natureza, desafios, problemas para a nossa cultura.22 Porque a ciência e a técnica provam efeitos tão fortes na ética, estética?

A cultura ocidental colocou a razão no centro e este fez um questionamento total das coisas. O fundamental é o questionamento. Se a cultura ocidental é uma cultura metafísica, porque ela se tornou metafísica? Porque fez a experiência metafísica.

18/08/2011=> Por que a cultura ocidental se tornou uma cultura da razão? Porque ela fez (e ainda faz), ao longo da história, experiências metafísicas. Esse é o ponto de conexão entre os pontos 1.1 e 1.2.

1.2 - Experiência Metafísica (aspecto filosófico)Do ponto de vista teórico, este é o aspecto mais importante. Trata-se de refletir sobre como e porque a

nossa cultura se tornou metafísica. Brevemente podemos responder que nossa cultura se tornou metafísica por que fez e refez uma e outra vez a experiência metafísica. Vejamos os aspectos mais globais desta experiência.

O termo experiência não é tomado aqui em sentido individual, psicológico; mas num sentido histórico cultural, i.é, trata-se da experiência que se exprime em obras significativas de reflexão filosófica. Toda cultura faz uma passagem para uma experiência reflexiva de seus valores23. Então perguntamos como se deu a experiência metafísica na civilização ocidental?

1.2.1 - Experiência Metafísica como experiência do caminho (Não qualquer caminho, mas aquele que nos leva ao fundamento) (“méthodos”)24

Os sofistas ameaçaram introduzir o ceticismo na cultura grega. Para responder a este risco de ceticismo ou de irracionalismo, começa a experiência metafísica como método, i.é, como busca de um caminho que leve até o fundamento.

A busca de um caminho, antes de ser uma experiência filosófica e receber propriamente uma conceitualização rigorosa foi possibilitada por uma experiência específica e profundamente humana. O que possibilitou a busca de um caminho foi a experiência de transcendência25.

Experiência da Transcendência (prepara o caminho para a experiência da metafísica)O homem é um ser aberto que se transcende, que vai sempre além de seus limites. O significado

semântico do termo transcendência aponta na direção de um movimento de subida ou de ascensão. Transcender significa ir além, subir, ascender. É característico do homem ter um horizonte, não ficar preso nas malhas do instinto. Desde que o homem transgrediu os limites impostos pelo instinto a sua característica é sempre ir além, transgredir as fronteiras do mundo entendido como horizonte englobante das experiências imediatas do homem. Nesse sentido o homem é um ser cuja natureza é ultrapassar a natureza.

20 Como não se pode testar todos os possíveis casos de uma hipótese, a teoria é valida até que se encontre alguma coisa que a torne falsa.21¾22

Livro fundamental: “Os desafios da racionalidade” de J. Ladrière, vozes,1979. (Há uma recensão do P. Vaz sobre esse livro em Síntese, n.13, 1978, pp. 151-155.23 A cultura ocidental força as outras culturas a fazerem uma reflexão sobre si mesmas.24 Esse caminho, essa experiência leva ao fundamento. Não é um método como o da ciência, que também é rigoroso.25 Ver artigo do Pe. Vaz sobre Transcendência (=ir além) (cf. Bibliografia no início desta apostila)

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A experiência da transgressão dos limites surgiu como traço inconfundível de uma civilização que desde 800 a 200 a.C. se estendeu do mediterrâneo até o extremo oriente. As peculiaridades deste tempo, que foi chamado de “tempo-eixo”, estão na origem do problema filosófico em torno da direção axial da história. Esse é o tema de Hegel em “Lições sobre a Filosofia da História” e retomado por K. Jaspers em “Origem e Meta da História”. Mas foi sobretudo Heric Voegelin que reconstruiu em “Order and History” (5 vols.) o alcance desta extraordinária experiência espiritual que operou uma verdadeira revolução no universo simbólico das grandes civilizações.

O problema da transcendência tem sua origem numa experiência histórica que está na base das duas grandes expressões conhecidas: no Deutero-Isaías e em Platão . Ela assumirá a forma de dois paradigmas fundamentais que determinaram o desenvolvimento da idéia de transcendência na civilização ocidental. O paradigma da transcendência como “palavra da revelação” em Israel, e o paradigma como “idéia” na Grécia. A estrutura destas duas formas de experiência se constitui através de uma tensão fundamental entre dois pólos: o Cosmos e o Ser.

Em torno do Cosmos articulou-se a representação da “ordem” nas sociedades tradicionais, e ele desempenhou a função de centro unificador.

O pólo do Ser representou o caminho de um êxodo que se dirigia a romper o simbolismo cósmico. Foi o caminho da transcendência.

E o caminho para a transcendência provocou uma diferenciação que na Grécia assumiu uma feição “noética” (= leis fundamentais do pensamento ou Lógica) e em Israel uma feição “profética”.

Em ambos os casos, se faz uma crítica radical das tradições mitológicas, dos símbolos fundamentais da representação do divino.

Na transcendência da “palavra da revelação” em Israel a relativização e finalmente a rejeição de todo o simbolismo do divino intracósmico se faz sob o signo da história e assume como forma intrínseca “ o existir na presença de Deus”.

Na transcendência da “idéia” na Grécia, a crítica se faz sob o signo da verdade ( alethéia) , da verdade do ser, cujo desvelamento de Parmênides a Platão assinala a outra direção que a experiência da transcendência seguira e que podemos designar como “ existir na contemplação do Ser ” (theoria).

É nessa forma de experiência da transcendência, caracterizada como teoria do ser, que se faz presente o discurso demonstrativo da razão consagrado com o nome de Filosofia .

- A experiência de transcendência prepara o caminho da metafísica na cultura ocidental.

A busca do caminho na Grécia (se deu como experiência histórica e experiência teórica)Surgiu como uma experiência histórica e como uma experiência teórica.

a) HistóricaNa sua origem histórica a filosofia foi uma resposta entre outras à crise profunda da sociedade26. É

importante falar da crise da sociedade grega (do século VI a.C.) porque as criações intelectuais que essa crise provocou tornaram-se paradigmas de uma tradição que se prolonga até nós, entre essas criações estão, por exemplo, a Ética e a Política. Caracterizam-se pelo fato de terem procurado buscar na razão ou num “sistema de razões” a “therapéia” ou cura para as enfermidades sociais. Platão e Aristóteles foram os primeiros grandes artífices destes corpos de razões que receberam na tradição grega a denominação de “Ethike epistheme” e “Politike epistheme”, i.é, “ciência dos costumes” e “ciência da comunidade regida por leis”; que resultaram nas nossas atuais Ética e Política. A estes termos os latinos acrescentaram o Direito, “Corpus iuris” ou “corpo das leis” que obedece ao mesmo critério de um corpo de razões organizado demonstrativamente. Portanto, desde então Ética, Política e Direito são as fontes da auto-legitimação da sociedade, e sobretudo nos momentos em que deve enfrentar a mais profunda das crises, a saber, a crise de suas razões de ser e de agir na qual se joga sua própria sobrevivência.

A busca de um caminho se impõe igualmente como uma necessidade cultural em face da leitura sofística dessa crise e do remédio proposto pelos sofistas, a saber, o de uma nova paidéia (educação) fundada na retórica e na opinião (doxa). A resposta de Sócrates e Platão foi fundada na razão.

b) TeóricaPorque esta experiência da busca de um caminho que leve ao fundamento foi formulada em forma de

teoria. A filosofia surge como uma intenção de conhecimento racional ou demonstrativo – “logos apodeiktikos”- voltada para a totalidade do ser na forma de um saber desinteressado (theoria), mas que declara expressão de um anelo enraizado no âmago da natureza humana e que é uma indagação em torno do ser e em torno da verdade. E como teoria do ser e da verdade, a filosofia se propõe como fonte da mais elevada

26 Crise social grega: desta crise surgiram paradigmas de instituições que legitimam todas as sociedades: a Ética e a Política. Mais tarde, com os romanos, surge o Direito.

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felicidade – “eudaimonia”. Nesse sentido se parássemos de discutir o problema da verdade voltaríamos ao irracionalismo. Hoje surgem muitas teoria da verdade, mas a filosofia não pode abandonar nem deixar de discutir o problema da verdade. A filosofia surge nos primórdios da cultura ocidental com uma face enigmática que estabelece entre ela e o mundo no qual faz a sua aparição uma relação dialética na medida em que a intenção filosófica se propõe levar a cabo uma crítica e uma negação das pretensas evidências da doxa, da opinião, e a recuperação do sentido da realidade natural e da vida humana a luz da alethéia . Essa estrutura dialética já esta presente na concepção grega de filosofia.

Retomada da Experiência do Caminho (método que leva ao Ser) na História:Esta exigência histórica e teórica da civilização grega aparece retomada na história.

a) A dialética ascendente e a ontologia da idéia em Platão27

Os livros VI e VII da “República” e “O Sofista”. A imagem do caminho para o alto ocupa o lugar ilustre desde que Platão a celebrizou no “Banquete” (210a-211c) e na “República” (VII, 514a-517d). A Alegoria da caverna é uma alegoria fundadora da civilização ocidental; como levar os homens da ilusão dos sentidos para a idéia28.

b) Os graus de universalidade em AristótelesTrata-se do problema que vem de Platão29, mas elaborado logicamente por Aristóteles na classificação das

ciências30. Trata-se da relação das ciências entre si que culmina na Metafísica como “Filosofia Primeira”. Nesse problema, trata-se das categorias universais e da causa primeira (o motor imóvel). Atualmente, é o problema da interdisciplinaridade das ciências.

c) O itinerário do “Cogito” em Descartes31 Trata-se do “Discurso do Método” como expressão da busca metafísica de Descartes (busca do ser). A

finalidade de Descartes é procurar a verdade.

d) O método como “Crítica” e a Idealização transcendental em Kant

27 Platão não é um idealista. Ele é um realista, porque em sua teoria a verdadeira realidade é a idéia.28 A realidade não é o que aparece aos sentidos, mas à realidade das idéias. Para Platão o Bem (Uno) é o princípio de tudo.29 Se para Platão o ser é idéia subsistente, separada da realidade; Aristóteles vai descobrir o ser na realidade tal como ela é.30 Que foi chamado depois de graus de abstração ou universalidade.31 Diante da nova realidade criada pela ciência moderna, Descartes cria um novo método. Inicia a filosofia do sujeito.

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O método como crítica32 leva ao resultado de que o ser não é mais cognoscível. A metafísica não pode, pois, ser ciência da razão pura (ver as antinomias33 da razão pura). Mas ela é uma necessidade absoluta que deverá ser respondida pela crítica da razão prática34.

e) A “Ciência da Experiência da Consciência” e a Fenomenologia do Espírito de HegelTrata-se da experiência do caminho35 que passa pela angústia e o desespero, porque todas as certezas

históricas são abaladas, até chegar ao “éter puro” do saber absoluto, i.é., até encontrar o último apoio. Aqui já não há mais um caminho entre outros, mas o caminho se tornou metafísico. O ser da história é metafísico, o resultado de todo processo, é o todo que é abarcado pelo conceito. O ser se desdobra no percurso histórico.

f) A Redução e a Idealidade Fenomenológica de Husserl36

32 Kant coloca novamente o problema do método. O método agora como crítica. Uma crítica que coloca a razão voltada não para o ser, mas para a razão, até onde a razão pode ir. A razão não pode conhecer, pode apenas pensar sobre a totalidade. O conhecer se dá em cima de categorias. A razão não é mais ontológica, é apenas formal. A idéia não é mais ontológica, é idealização. A metafísica significa a busca por princípios “a priori” da razão.

Kant percebe que a física encontrou o caminho seguro da ciência. Então ela o guiará ao caminho.Antes, o real era quem determinava. Entretanto, agora, com a física, o sujeito é que constitui, leva hipóteses para a

natureza responder. Então, a ciência mudou a perspectiva para o sujeito. Esse não cria o objeto, mas o determina.Conhecer: atividade do entendimento, é determinar (determinista). Conhecesse o fenômeno, o objeto, constituído pelo eu transcendental.Pensar: a razão pensa (formal), mas não determina o objeto. Caso conhecesse, é porque o eu transcendental o constituiu. É munida de idéias do todo, que são três: mundo, homem (alma) e Deus. Como não é formal, a razão é regulativa.

Sujeito (aplica categorias aos algos) – Objeto (constituído pelo sujeito)Faz isso da seguinte forma:Recebendo o dado da sensibilidade [sensação + intuição (espaço e tempo)] e vai para o entendimento. As categorias

estão no sujeito, no entendimento. É nesse momento que se dá o conhecer, pois aplica o entendimento no dado da sensibilidade.

É possível conhecer o objeto constituído pelo sujeito, o fenômeno, mas não a coisa-em-si. Então, o conhecimento é inesgotável. Mantêm a coisa-em-si, pois é a condição de possibilidade dos fenômenos.

Juízo sintético a priori: algo ligado a algo de forma necessária e universal.Juízo: atribuir predicado ao sujeito – S é P;Sintético: predicado não está contido no sujeito. Faz uma síntese entre duas coisas. Não diz o que deve ser, mas o que é, é contingente, garantido pela experiência.A priori: universal e necessário.

A experiência é possibilitada pelo juízo sintético a priori. As condições de possibilidade da experiência, são as condições de possibilidade dos objetos.

As formas da sensibilidade: recebe as coisas e sintetiza na intuição (tempo e espaço);Categoria do entendimento: síntese originária do conhecimento (apercepção);O sujeito transcendental (Eu Penso): realiza essa relação, sintetiza, determina o objeto. Abre a condição de conhecer,

a objetividade em geral, universal. O que não cai no seu horizonte, não pode ser conhecido.Enquanto que para Platão, o nous (inteligência) penetra tudo. O ser é condição para o conhecer. O ponto final é a

idéia.A finitude: a clássica, era do finito em relação ao infinito. Mas agora a finitude é do homem que depende das coisas

de fora.A liberdade: transcende o âmbito do determinismo, se for explicada, deixa de ser liberdade. Para conhecer os

determinismos, tem que estar para além deles, ou seja, na liberdade. O animal não conhece seus determinismos.O bem moral: universal, valido para uma Comunidade Ilimitada de Seres Humanos. Lei autônoma, que me dou, do

que deve ser.As leis da natureza estão na categoria do entendimento formalmente. Enquanto o conteúdo vem materialmente, de

fora, tem um caráter a priori.A metafísica é a ciência dos princípios a priori da razão. Metafísica da razão = da natureza; metafísica do agir = dos

costumes.Kant critica o racionalismo (Bongarden e Leibniz), pois percebe que o conhecimento é limitado e critica o empirismo

que limitava o conhecer a experiência somente, Kant percebe que a experiência é constituída pelo sujeito.

33 Antinomias: tese e antítese.34 Para Kant a metafísica como atitude natural (abertura ao todo) do homem continua sendo válida. Mas a metafísica deixa de ser a “Ciência do Ser” para tornar-se “ciência dos princípios a priori da razão”. Outra observação em Kant é a distinção do conceito de transcendental, a saber, na filosofia clássica os transcendentais do Ser são o Unum, Verum e o Bonum; em Kant o transcendental está no Sujeito (idéias transcendentais, por exemplo) e não no Ser.35 Toda a Fenomenologia do Espírito é, portanto, um caminho.

O ser é o resultado de todo processo, é o todo, que é abarcado pelo conceito, o saber absoluto.10

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Ver o primeiro capítulo da “Idéias para uma Fenomenologia Pura”. Livro importante de Husserl: “Crise da Ciência Ocidental”. Voltar as coisas, para conhecê-las é possível em um horizonte transcendental, nos quais as coisas se mostram. Para ele, o ser é cognoscível, radicalmente inteligível.

A experiência metafísica se deu, pois, como experiência do método que deve chegar a um fundamento. Ora, para poder andar é preciso ter os instrumentos adequados, i.é, as regras incluídas no método. Nessa caminhada o homem diz o ser. A metafísica que surge do questionamento científico começa a ser histórica como problema do caminho que o problema da metafísica coloca ao homem para poder andar, i.é, o problema das regras.

A partir daí surgem fundamentalmente três caminhos ou direções que mostram como o ser é dito:a) A direção axiomática (Platão e Aristóteles): através do método busca-se um princípio que permite

subir até o Primeiro princípio 37 (análise) e voltar a realidade (síntese). O espaço metafísico está aí, trata-se de descobri-lo e andar por ele.

b) A direção transcendental (emergência do sujeito): descoberta da aprioridade. O sujeito é capaz de legislar38, por isso os princípios a priori. Agora já se pode falar de metafísica dos costumes. O espaço metafísico aparece como algo a ser construído pelo homem e por isso deve ser idealizado transcendentalmente.

c) A direção dialética (Hegel)39: o espaço metafísico se estende a toda experiência humana, da consciência natural ao espírito; do sujeito ao saber absoluto, que é já uma experiência metafísica. Por isso, o caminho não é mais um caminho entre outros, mas é a totalidade da experiência que o homem faz que é metafísica. O método se absolutiza como círculo dos círculos. O método é a própria metafísica. O real é todo metafísico.

Conclusão: a experiência metafísica tem um legado, tudo foi objeto de um questionamento radical, por isso surgem teorias que tentam explicar as coisas. A partir daí o homem se vê forçado a responder pelo todo. Temos que dar um sentido ao todo.

25/08/2011

1.2.2 - Experiência Metafísica como experiência do “Fundamento” (arché)40

A busca do caminho termina no encontro com o “fundamento”. Vejamos alguns exemplos das experiências do fundamento na cultura ocidental:

1°. O “ananke stenai” de Aristóteles“É necessário parar”. A busca do racional não é indefinida, pois se o real é racional, tem que ter alguma

razão de ser. A racionalidade do real exige como postulado que a busca se detenha, tenha um fim. Ir ao infinito seria recair no relativismo sofista 41 . É preciso parar nos primeiros princípios: chegar ao ser. O primeiro princípio é indemonstrável 42 .

O ser se desdobra no processo histórico. Coloca o mundo como desdobramento necessário de Deus. Deus, o espírito absoluto, se revela, se desdobra, na História. Por isso, o mundo é necessário.

Enquanto que para o Aquinate, o mundo é pura gratuidade de Deus.A essência da História, para Hegel, é o pensar que se pensa a si mesmo e, por isso, inclui todas as coisas que são

inteligíveis. A coisa-em-si é o espírito absoluto.Descartes: o cogito é o pensar que pensa a si mesmo abstraído do resto;Espinosa: o pensar pensa o todo: todo mecanicista (leis da natureza): panteísmo;Hegel: é o cogito, o pensar que pensa a si mesmo na história. Idealista, a radical reflexividade do ser humano. É o que

faz a filosofia mover-se.O que não pode ser aceito na filosofia de Hegel é que tudo é supra-sumido na História: Deus, mundo, pessoas...

36 Fazer uma redução para descobrir onde o ser se mostra, sua manifestação no Eu.37 Em Platão o Bem e em Aristóteles o Primeiro motor imóvel.38 Tanto no âmbito teórico (pelas categorias do entendimento) quanto pelo agir (liberdade é autonomia).39 Hegel critica em Kant a separação entre Forma e Conteúdo. Para Hegel, essas realidades não podem ser separadas, por isso ele usa o conceito de Universal concreto.40 An-arché = anarquia = sem fundamento.41 Tudo seria relativo.42 Só pode ser demonstrado indiretamente, por retorção: pelo absurdo de sua negação, pois negar algo já é afirmar sua existência.

Se fosse por dedução, supor-se-ia algo além do primeiro princípio, o que não pode ocorrer!O primeiro princípio lógico exige o primeiro princípio ontológico: ser-razão. Assim, o princípio de não contradição é

lógico e ontológico. Por isso, um predicado não pode ser, simultaneamente, atribuído e não atribuído, ontologicamente, algo não pode ser e é.

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2°. O “Fundamento” na ordem LógicaA experiência metafísica se estrutura como experiência da “arquitetônica da razão”43. Desde Platão até

hoje, passando especialmente por Hegel, a razão metafísica se torna “ordenadora” na busca do fundamento na ordem lógica44. A noção de sistema 45 é um postulado implícito da racionalidade do real ou da ordenação do real conforme a razão. Se o real é racional pode ser ordenado (a razão é ordenadora).3°. O “Fundamento” na ordem Ontológica

A experiência metafísica se estrutura como experiência da “unidade do ser”. Se buscamos um fundamento na ordem lógica, postula-se também que o real é uno; deve-se pois buscar o princípio uno do real46. Este se deu em duas versões:

a) A Metafísica como “Teologia”47

Teologia entendida aqui no sentido grego da palavra como investigação racional sobre a explicação última da realidade. É a questão da diferença ontológica entre ser e ente48.

b) A Metafísica como “Sistema”Se o real é um , a razão é uma; o sistema do real deve ser perfeitamente isomorfo ou adequado ao sistema da razão. Mas, como o empírico é contingente e não tem unidade lógica, então temos que buscar a unidade lógica necessária do lado “a priori”. Surge, portanto, a diferença transcendental entre o “a priori” e o “a posteriori”. E a metafísica se situa no “a priori” lógico, necessário. Antes, o ser determinava a razão, agora, o apriori determina o aposteriori.A metafísica tem que buscar sempre um sistema cada vez mais adequado. O mesmo acontece com

Wittgeinstein, “o que não se pode falar deve-se calar”; i.é, só se pode falar (discutir racionalmente) daquilo que é lógico e que se postula correspondente a realidade do que pretendemos falar. Temos, pois, o postulado metafísico, a unidade do ser e do real49.

A experiência metafísica do caminho, que acaba na descoberta do fundamento, se exprime numa ontologia. E de acordo com os três caminhos que vimos anteriormente, podemos constatar três tipos de ontologia:

1. A Ontologia da essência caminho axiomático (Platão, Aristóteles, S. Tomás...)Ontologia grega e sua superação pelo cristianismo. O ser é dito como “ordem”. Trata-se de ordenar o mundo das essências, contemplá-los. O mundo como uma grandeza teológica50, i.é, como “scala criaturaruam”, até chegar a Deus infinitamente transcendente, infinitamente presente. Aqui o problema metafísico tematiza sobretudo a natureza.

2. A Ontologia como lei caminho transcendentalA “ physis ” não é mais o que se contempla, mas o que se pressupõe a partir de Galileu, Descartes, etc... Agora trata-se da hipótese, depois do modelo a ser verificado. A partir daí, o ser é dito em termos de organização do mundo que procede do mesmo discurso, i.é, o mundo é organizado a partir das hipóteses, que é o sistema do mundo. Neste segundo tipo, o pensamento metafísico entra na sociedade, ele destrói a sua ordem natural, espontânea, para que a sociedade organize da melhor maneira possível. O problema do direito natural moderno será a transposição da metafísica da lei para a sociedade, que nos dá regras para organizar a sociedade. A sociedade torna-se pois problema metafísico.

Não se pode pensar sem pensar algo: esse algo determina.Na concepção clássica, o ser é descoberto no juízo (S é P), em toda afirmação. O ser é P: a afirmação (P) é feita no

horizonte do ser. Por exemplo, a parede é branca, é uma determinação do ser, que abre a inteligibilidade.Já na modernidade, Para Kant, o objeto é constituído no horizonte do sujeito. Esse abre a objetividade.Para Kant, metafísica é a ciência dos princípios apriori da razão.

43 As razões aparecem articuladas logicamente num todo.44 Lógica é ter uma ordem.45 Sistema é a ordenação de um todo racional.46 É impossível falar de unidade sem pluralidade e também não posso falar de pluralidade (diferenças) sem falar de unidade. Sempre colocamos em relação entre si. Diferenças só podem ser captadas num horizonte de unidade. Não se trata de uma unidade parmediana (absoluta, imóvel, em si), mas de unidade (cf. Platão) na pluralidade (móvel). A relacionalidade é a unidade. Um exemplo: O homem só pode falar de sua particularidade porque reconhece os outros (multiplicidade).47 Em grego: Teologia = discurso racional sobre o último princípio da realidade.48 Heidegger.O ser primeiro fundamenta os entes (entitativo, é um ser concreto). O ente recebe seu nome de sua relação com o ser. Esse é inesgotável.49 Na época clássica: ser - razão Para Wittgeinstein: mundo - linguagem. A forma do mundo é a forma da linguagem.50 Posso encontrar uma racionalidade que intrinsecamente me conduz a Deus

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3. A Ontologia do espírito 51 caminho dialético (Hegel)A “physis” desaparece porque a técnica , resultado da ciência Galileiana, por sua vez resultado da metafísica, ocupa o seu lugar. O “espírito” é o agir histórico do homem. O ser agora é dito como processo. A história torna-se problema metafísico. E o único modelo de discussão é o dialético.

Conclusão: vemos assim que a nossa civilização é metafísica ou está penetrada de metafísica. A cultura ocidental “é” (não depende de nós) uma cultura metafísica, na qual todos os seus problemas, conhecimentos, valores, crenças ..., se tornam objeto de um tipo de questionamento radical que consiste em ter que justificar-se diante da razão e das exigências da razão. Exigência radical da razão de não contentar-se com as aparências, mas de responder a pergunta: “o que é ...?”

Essa experiência da metafísica que começou com os pré-socráticos, tratando em termos da demonstração nos deixou um legado: “o homem tem que dar-se uma razão para tudo o que ele faz”. Por isso, surgem teorias para cada âmbito da realidade. É preciso ter uma teoria que justifique cada coisa. Uma idade pós-moderna é aquela em que tudo se tornou metafísica. Onde o homem tem que assumir uma razão para viver, tem que buscar uma razão para justificar tudo, tem que dar razão de sua história, tem que elaborar uma teoria até de seu inconsciente.

51 Sujeito consciente e livre.13

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CAPÍTULO II O PROBLEMA ONTOLÓGICO

Fundamento

SER RAZÃO

“O que é ?”

essência predicação(categorias)52

2.1 - A questão da essência ( Eidos ) 53 Colocamos a pergunta: “o que é o real ?” é a pergunta radical da razão que se eleva ao todo, ao ser e

não às partes, aos algos. Trata-se do real assumido ou traduzido na razão. A razão busca o que é real e responde pela definição 54 . Trata-se das essências (no plano lógico das definições) que nos juízos dão o conhecimento certo 55 e necessário 56 do real . O problema da essência implica, portanto, a definição lógica do objeto e a oposição; pois definir implica opor a outros. É portanto o problema da lógica e da dialética, i.é, da lógica desenvolvida numa dialética. Este problema implica um outro: o problema da identidade e da problema diferença. Pois, na hora de definir o ser nos encontramos com uma pluralidade de seres e cada ser é diferente dos outros, mas de todos os seres se pode dizer que são. Portanto, não são radicalmente diferentes. Mas o ser é, i.é, ele é idêntico a si mesmo , não se dilui no nada, ele tem uma consistência. Como definir então o ser, se ele deve incluir a identidade consigo mesmo e a diferença entre os seres. Este problema foi tratado por Platão no diálogo “O Sofista”. Como este problema foi decisivo para todo o problema da metafísica nós o trataremos depois. Aqui, trata-se apenas de perceber em que consiste o problema ontológico. E o primeiro aspecto deste problema é a questão da essência.

Platão 57 : A pergunta pela “coisa mesma” como pergunta pelo ente originário58

Platão coloca a pergunta pelo logos das coisas, i.é, pelo saber das coisas mesmas que primeiro se mostram mascaradas e disfarçadas. Essa pergunta inclui uma crítica ao modo cotidiano de conceber as coisas. Este se contenta com a aparência que as coisas desperta. O pensamento filosófico concebe a “coisa mesma”.

Portanto, nós temos duas perspectivas que as coisas apresentam: (1) elas se mostram à sensibilidade como aparência que finalmente é ilusão e (2) elas se mostram ao pensar próprio tal como elas são em si.

O papel do que aparece é duplo, a) trata-se só do aparecimento, i.é, não da coisa mesma e b) nele se reflete a coisa mesma. Por exemplo: imagem do rosto no espelho. A coisa mesma é o “eidos”, i.é, a essência original da coisa que revela o olhar filosófico.

Portanto, nós temos dois aspectos do ser: (1) enquanto se apresenta ao olho corporal nós temos o âmbito das cópias das figuras originárias e (2) enquanto visível ao pensamento: dá a conhecer a coisa una, consistente, que se revela a si mesma (Rep. 510). Um triângulo desenhado é uma cópia do triângulo mesmo original que nada tem a ver com a natureza material. O triângulo mesmo é a idéia de triângulo: (1) que está presente em cada triângulo realizado materialmente, (2) mas que existe totalmente independente desta ligação com o corporal. Mas, (3) o fato de que numa figura corporal possa acontecer uma referência à idéia presente nela, deve-se a circunstância de que participa desta idéia, por isso pode ser dado o nome de triângulo. A geometria deve pois mediatizar: (1) a experiência da distinção entre o original uno e as múltiplas cópias do fenômeno, e (2) a experiência da pertença da cópia ao original. Mas a intenção própria do pensamento matemático dirige-se não à cópia, mas a “O triângulo”, a “O círculo”, etc. O signo conduz ao original.

52 S é P:É no juízo que se descobre o ser. O que se afirma (P) é uma categoria do ser (S). Esse movimento se abre para a

transcendência.53 Quer mostrar a inteligibilidade do ser, necessidade intrínseca.54 Definir é separar uma coisa da outra, delimitar,determinar a necessidade intrínseca.55 A razão que faz com que algo seja, e não seja outra coisa.56 Alguma determinação que faz com que algo seja (eidos).57 É realista por excesso: o real é a idéia, o ente originário.58 É a idéia. Ao se afirmar um sujeito o Ser é afirmado como Mesmo nesse sujeito singular. Mas ao afirmar que algo É também se afirma que Não É outra coisa (Outro). Como posso chegar à generalização do Ser? Essa pergunta supõe que o Ser esteja objetivado, mas esse pressuposto é falso porque o Ser não poder ser objetivado, o Ser é horizonte.

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Portanto, a “coisa mesma”, o eidos, não é mediado pela cópia, ela é imperecível, imutável, não produzida no tempo, não desaparece. A “coisa mesma” é idêntica a si mesma, apreensível só pelo pensamento59.

Por isso, as asserções (afirmações) que expressam a coisa mesma são seguras, firmes, resistentes, verdadeiras. A alma é de igual natureza que o objeto eidético, pois a alma que se eleva ao real, a idéia imutável, é também imutável, eterna, pois participa dessa idéia. Temos então a seguinte equação: verdadeiro conhecimento é igual ao ser das coisas. O princípio de não-contradição é fundamentado no ser da coisa mesma.

Assim, a coisa mesma em virtude de seu caráter originário se mostra como imperecível, imutável, idêntica consigo mesma e autônoma em oposição as suas imagens que são dependentes delas.

Uma última caracterização da idéia é que ela é “aitia” (causa) do mundo sensível. Enquanto coisas mesmas, as idéias são coisas originárias. As idéias são as causas para que haja um mundo fenomenal. Cada idéia é responsável pela existência das coisas corporais que são chamadas como ela em virtude de sua participação. Se um fenômeno é belo, a causa originária dele é a beleza mesma presente nele. O fenômeno é belo porque participa da beleza (Fédon 100 c-e). A verdadeira causa não pode ser algo do mundo corporal, pois este é sempre causado.

Aristóteles 60 : Metafísica como Ciência dos Primeiros Princípios61 ou das causasAristóteles retoma a pergunta radical da razão: “o que é o ser?”Essa pergunta eqüivale a perguntar pelos

primeiros princípios (archai) do ente. Desde Platão a interpretação dos “archai” oferece-se como as primeiras causas, i.é, como aquelas instâncias responsáveis pelo fato de que o ente seja ente (Met. 1080 a62). A metafísica pergunta, pois, pelo ente e seus primeiros princípios. Aristóteles usa o nome filosofia como sinônimo de ciência, e como a metafísica pergunta pelos primeiros princípios ela é ciência (ou filosofia) primeira, como exigência intrínseca, pressuposta, das ciências. A metafísica visa conhecer as primeiras causas de todo ente.

Características dos Primeiros Princípios: necessidade e universalidadeOs primeiros princípios concernem a todo ente. Não existe pois nenhum ente que não esteja submetido a

eles. Eles são, portanto, universais. A ciência primeira dirige-se ao todo, pois o universal é o primeiro (Met. 1026a.24,32). Mas dizer que ela trata de fundamentar todo ente não significa que ela reúna em si todas as coisas existentes. Mas, assim como a matemática considera as coisas com respeito a sua calculabilidade, assim, a filosofia primeira considera os entes na sua universalidade com respeito a seu caráter de ser. Então, “há uma ciência que estuda o ser enquanto ser e os atributos que lhe pertencem essencialmente (...) e como nós buscamos os primeiros princípios e as causas mais elevadas é evidente que existe necessariamente aquela realidade à qual estes princípios e estas causas pertencem em virtude de sua própria natureza”(Met. 1003a.20-28). Trata-se, pois, dos primeiros princípios de todo ente.

Forma Causa Final ESSÊNCIA

Matéria Causa Eficiente

Ato

Potência

Essa ciência primeira, que depois foi chamada metafísica, pergunta pois pelos primeiros princípios de todo ente. E o ente, enquanto ente, i.é, no seu caráter de ser, tem que ser concebido como uma essência. Esta essência contém de modo universal princípios que podem ser encontrados em cada objeto particular (causa formal, material, final e eficiente).

59 Isso é o que buscávamos no ser, algo que o determina-se, que fosse sua essência.60 Pega as idéias chaves de Platão evitando a idealização. Assume as idéias de forma e matéria. Aquela informa essa.61 Para Aristóteles: Substância = 1) Sensíveis + 2) Supra-sensíveis. Sensíveis = 1.a) Perecíveis (F+M) : coisas em geral que perecem e se transformam; + 1.b) Imperecíveis (F+(M=éter)): sol, estrelas, etc. 2) Supra-sensível = Forma Pura + Ato Puro : Motores imóveis.62 Aqui Aristóteles cita o texto Fédon.

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Ao ente enquanto ente pertencem quatro causas: A primeira é a causa material ou o substrato63; a segunda é a causa formal. A forma é responsável pela unificação das partes num todo. A forma unifica (informa, determina), a matéria é informada, determinada. Portanto, as duas causas pertencem a essência.

O papel da essência é caracterizado pelo fato de que ela é princípio de afirmação das outras categorias (predicados)64. Enquanto as outras categorias são os modos pelos quais se afirma algo sobre a essência, a essência mesma não é afirmada de uma outra. Ela é um conceito último que exprime o caráter causal da coisa da qual se fazem afirmações. A essência é o primeiro princípio que dá a resposta a pergunta: porque predicados pertencem a seu sujeito? Ela é de forma especial causa e princípio pois, a razão de ser de uma coisa se reduz em definitivo ao logos dessa coisa. E a razão primeira de ser é causa e princípio (Met. 983a.25ss).

A terceira causa é o princípio de onde partem o movimento das essências ou causa eficiente. E a quarta causa é em oposição a terceira, a causa final, i.é., a razão visada pelo movimento da essência. A essência é ao mesmo tempo sua história, do primeiro começo do seu devir (causa eficiente) até a sua consumação (causa final), e como tal, a essência exprime o “bem da coisa” enquanto ela inclui sua consumação. A essência designa também o “telos” (fim) da coisa. Se para Platão o bem tinha o significado do permanente, eterno, imutável; em Aristóteles a seu conceito pertence o devir. O “bem da coisa” é o processo coerente desde seu começo até seu momento final.

Fundamento: motor imóvel, como essência (lógico): inteligência que se pensa a si mesmaAto (energeia) – Causa Formal Causa Eficiente (causa) ato

Essência movim.

Potência (dynamis) – Causa Material (movimento) Causa Final (Telos) potenciaInteligibilidade intrínseca do ser.

Como possibilidade não concretizada, ainda possívelEssência: um ser determinado por suas causas – o Bem da coisa - unidadeSer: Unum, Verum et Bonum

A delimitação da essência é pois de natureza temporal. Falar de uma essência é sempre falar de uma essência unificada. Portanto, o problema da unidade é intrínseco da essência. Como conceber esta unidade ?

A essência reúne forma e matéria. Falar da independência da forma não significa isolar a forma da matéria, do contrário não poderíamos conceber a ligação entre elas. Como pensar a unidade então ?

A unidade da essência, diz Aristóteles, não tem um caráter de amontoado, mas de um todo, do tipo por exemplo, da sílaba. A sílaba não é o mesmo que uma série de letras porque ela é algo autônomo por si. Esta independência e totalidade é a “causa” de que se chame sílaba a união de letras (Met. 1041b, 11ss). A ligação operada pela forma é um movimento unificado pelo qual os elementos materiais são compostos num todo. A produção do todo não é feita por um mero “é” , mas pelo movimento de entrada dos elementos reunidos no todo essencial da sílaba. “O homem é um animal e bípede, mas deve haver alguma coisa fora do animal e do bípede; se são elementos puramente materiais, alguma coisa que não seja nem elemento nem composto de elementos, mas a essência” (Met.1043b,10ss).

Falar que a essência é una não é acrescentar um novo predicado. Intrinsecamente ela é una, ou seja, a unidade pertence a mesma essência. O ser uno é, pois, uma determinação particular do ser ente na medida em que determina o ser fazendo dele um ser essencial determinado.

Essa determinação formadora acontece pela “ energeia ” na qual a pluralidade de predicado é conservada pelo laço unificante da essência.

A pergunta pela essência de uma coisa que é ao mesmo tempo o laço unificante das muitas determinações que lhe pertencem é respondida pela dupla “energeia” e “dynamis”.

O princípio da matéria produz a pluralidade enquanto que a unidade é operada pela forma. Temos que ver as causas da matéria como “possibilidades” que se tornam realidades efetivas pela formação da matéria (pelo ato formador da matéria). Mas como a matéria se encontra em permanente mudança temos que ver como se produz a unidade. Contra Platão, a essência é entendida no sentido de coisas particulares, como um todo que é produzido pelo movimento operado pela forma. Surge assim um movimento de ambos os lados, da matéria e da forma que nos levam a falar de um todo. Visto do aspecto do todo, podemos dizer que a matéria e forma são propriamente o todo, só que um em potência de um lado, enquanto em ato do outro (Met. 1045b,17ss).

Na matéria como “dynamis” há uma tendência para a realização pela forma, se ela não entrasse no todo permaneceria indeterminada65; e o sentido da forma como “energeia ” é atualizar a matéria, dar uma

63 O substrato não é a matéria, mas aquilo que é informado. No caso de uma mesa o substrato é a madeira, no caso do homem é o corpo.64 S é P. Eu predico (P) algo de um sujeito determinado que aqui é a essência (Forma + Matéria). Logo, é a essência que possibilita as várias predicações. Em Kant, no lugar da essência está o Sujeito Transcendental.65 A forma determina.

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determinação à indeterminação que se mostra na pluralidade das possibilidades que faz com que a coisa tenha uma essência determinada.

2.2 - A Questão da Predicação 66 ou categorias O segundo grande aspecto do problema ontológico é a questão da predicação. Se a pergunta radical da

razão é: “o que é o real ?”, e se responde pela definição dando a essência, surge imediatamente a questão da predicação no domínio da ontologia. O real tem uma razão de ser que se exprime em conceitos universais e irredutíveis entre si. É o sistema das categorias que exprime e articula o ser. Esse problema implica a superação lógico-dialética do monismo parmenediano67. Se o real (Ser) é racional, inicia-se o discurso da razão que mostra a inteligibilidade do real na sua totalidade.

Platão: Metafísica como Doutrina da Ciência68

A metafísica ao perguntar pela “coisa mesma”, concebe a si como saber que determina seu próprio caráter de ciência. Trata-se de conhecer os critérios que determina a cientificidade em geral e de medir-se a si mesma por esses critérios.

Ao estabelecer um critério, a Metafísica surge também como crítica. Ela introduz uma espécie de tribunal que distingue entre o verdadeiro e o não verdadeiro, entre o saber e o não saber69. Orientado pelo conceito de “coisa mesma”, i. é, do ser próprio da idéia, Platão estabelece um critério para todo o saber. O saber distingue-se do não-saber pelo fato de que ele consegue metodicamente o olhar correto que conduz à coisa mesma70. Assim como a “coisa mesma” está aí na sua identidade imutável, assim também o saber dela encontrará a expressão em enunciados firmes e convincentes. O saber pode conseguir seu fundamento por uma referência à coisa mesma vista diretamente por ele. O programa científico da metafísica inclui, pois, o conhecimento do método filosófico que conduz àquele estado do pensamento que permite ver e pensar corretamente. “Orthologos” é o nome para esse método. Assim, à doutrina metafísica da ciência pertence:- A essência: o ser da coisa mesma;- O método que leva à coisa mesma;- A descrição do método, do caminho, do pensamento até a verdade.

Platão faz esta descrição na República 509d e ss, servindo-se de uma linha como fio condutor. Ele divide a linha em duas partes desiguais. A primeira é o mundo do sensível e a segunda o mundo do inteligível e volta a dividir cada uma das partes em outras duas partes desiguais. Das duas partes desiguais, uma representa o visível, a outra o inteligível:

Mundo sensível mundo inteligível_________VISÍVEL__________________________INTELIGÍVEL_________________

cópia 71 original72 matemáticas73 episteme74

imagens figuras hipótese anypothetonsombras natureza reflexão pensante intelectus (nous75)

(dianóia)76

falsidade verdadeopinião cognoscível

O visível divide-se novamente em duas partes desiguais. A primeira representa o valor da cópia. A segunda o original.

66 Como o ser é inteligível e determinado pela definição, essência, a categoria articula e exprime o ser. As categorias. Pergunta base: Que categorias expressam o Ser em sua totalidade? Ou Como expressar o Ser sabendo que ele é uno e múltiplo?. Predicação = atribuir um predicado (P) a um sujeito (S). ex.: A parede (S) é amarela (P).67 A=A; o Ser é, o Não Ser não é.68 A ciência primeira tem que justificar seus próprios pressupostos, enquanto que as diversas ciências têm pressupostos que não são justificados por elas mesmas.

Aqui será visto a cientificidade em geral, a articulação em âmbito metafísico.Se a essência para Platão é a coisa-mesma, o eidos ,aqui a ciência deve levar a essa mesma coisa-mesma.

69 Para Platão o primeiro critério é a coisa mesma, o ser da coisa. Para ele o saber verdadeiro é o saber do ser das coisas, i. é, da idéia.70 O segundo critério de Platão: o método que conduz à coisa mesma, um orthologos (ortho = correto).71 Ex.: uma sombra, um reflexo na água. Nessas duas primeiras colunas estamos no plano sensível.72 Aqui está-se no âmbito da opinião. Ex.: o homem (não é ainda a idéia)73 Nessa 3a. coluna há uma dependência parcial do sensível. Reflexão pensante, entendimento = dianóia.74 Aqui nessa 4a. coluna já se está no plano da ciência pura. Não há mais dependência do sensível.75 Nous = intus legere. Entra, capta, a coisa mesma.76 Precisa da imagem, mas se leva ao inteligível (imutável, não temporal).

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Assim o primeiro degrau indica o lugar onde se encontram as imagens ou cópias fracas como as sombras ou figuras refletidas na água.

O segundo degrau representa a pluralidade de figuras das quais as sombras e os reflexos anteriores são cópias. Platão se refere aqui a tudo àquilo que é produzido pela natureza como os seres vivos que nos rodeiam, etc...

Na seção do inteligível, onde se encontra aquele que faz a distinção entre a verdade e o que não chega à ela, entre o cognoscível e a opinião.

O terceiro degrau surge como um âmbito que está entre o visível e o inteligível puro, entre a opinião e o pensamento da ciência pura. Nele se encontram os matemáticos, os geômetras, os aritméticos. A sua situação faz com que seu pensamento seja forçado a entrar no âmbito do visível e tomar-lhe emprestado figuras que usa conscientemente como imitações simbólicas. Essa situação força cada ciência (p. ex. a matemática) a partir da imagem como de algo subjacente, i. é, as hipóteses e a partir delas caminha, não até o princípio, ou seja, a hipótese absoluta, mas até ao fim que o pensamento se propôs77. O geômetra e todos aqueles que se encontram nessa situação científica, põem como base de acordo com sua meta de conhecimento, e seu método, triângulos, círculos desenhados e descreve neles sinais visíveis78. Eles procedem como se soubessem o que verdadeiramente está na base do seu procedimento (no caso, o triângulo mesmo, ideal), e dão às proposições conseguidas, o papel de hipóteses. Assim eles perguntam pelas proposições sobre algo, mas não em que consiste o ser e a essência dele. Nesse sentido eles partem de fundamentos misturados de “coisa mesma” e de sua “aparência” e derivam daí o restante que se propuseram como meta.

Do ponto de vista filosófico mostra-se que eles se servem das figuras visíveis, falam e pensam sobre eles, mas na verdade eles têm no pensamento, não as figuras, mas as coisas mesmas, o triângulo mesmo e não a figura material. Os matemáticos buscam “ver” o que não poderia ser visto de outro modo se não por reflexão pensante – é a dianóia 79 .

O quarto lugar concerne ao puro saber – episteme – o conhecimento das coisas mesmas, do ser mesmo. Ele representa o ponto de vista do pensar a partir do qual podem ser feitas todas as afirmações anteriores, sobre a opinião e o saber, incluindo o proceder dos matemáticos. Conseqüentemente trata-se do conhecimento do critério pelo qual o pensamento filosófico e todas as outras ciências tem que medir-se. Este último degrau coordenado ao puro saber corresponde à perspectiva que entrega diretamente a coisa mesma sem a mediação de qualquer imagem80. O caminho deste pensar conduz não a uma meta escolhida pelo cognoscente (uma hipótese), mas ao primeiro princípio (anypotheton) que precede todo pensar como fundamento do ente mesmo. O princípio não é fruto de uma escolha do cognoscente, mas é princípio entitativo por si mesmo81. O pensamento consegue assim um caminho que partindo de hipóteses conduz ao primeiro princípio do todo. Este não é posto hipoteticamente como princípio, nem como meta do conhecimento, mas subjaz a todo conhecer, é princípio anypotheton82 e é conhecido pela filosofia como tal.

O saber não se serve mais de imagens, mas capta as puras coisas mesmas de modo que ele avança de idéia em idéia e acaba nas idéias. A razão com seu poder dialético chega até o fim do seu percurso – é o saber da pura razão (nous) que deve ser distinguido do saber das ciências (dianóia)83.

Do ponto de vista da metafísica as ciências aparecem como submetidas à coação e à necessidade 84 porque elas não refletem sobre os próprios pressupostos, sobre os primeiros princípios. Na metafísica o princípio é tomado e conhecido como tal, isto é, como princípio, e a hipótese é conhecida como relativa, é tomada e conhecida como tal. Assim os degraus conseguidos pela divisão não são concebidos como um ao lado do outro, mas o supremo degrau, o do conhecimento dialético, abrange e reúne todos eles na unidade de uma única atividade racional.

Aristóteles: A Questão da Substância: (Ousia)85

Se o ser é inteligível, pode (deve) ser organizado em termos categoriais86.

77 Fim esse que é demonstrar a hipótese.78 Ex. No desenho de um triângulo a indicação dos ângulos internos.79 Faculdade da razão que distingue.80 Ou seja, sem mescla com a sensibilidade. A “coisa mesma” se apresenta então como sem necessidade das coisas sensíveis, ou seja, a “coisa mesma” é o que é por ela mesma.81 Entitativo: de ente, i. é, real.82 Não hipotético.83 Este nous é o puro saber, onde chegou a razão que indagou pelo ser: “o que é?”Nous = intelectus = ver até o mais profundo.A pergunta pelo saber inclui a reflexividade, o saber é reflexivo. Distinguimos imagem, reflexo (sombras), figuras,... O saber científico é reflexivo também. Sabe que sabe, é auto- reflexivo.84 Toda ciência repousa em pressupostos.85 Conferir nota 7486 Termos categoriais ou predicados. A substancia é uma categoria da razão que exprime a essência (inteligibilidade do ser).

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“Há uma ciência que estuda o ser enquanto ser e os atributos que lhe pertence essencialmente”.(Met. 1003 a 20) Essa ciência tem que elaborar as categorias que exprimem e articulam o ser. Na questão da essência vimos os princípios constitutivos do ente enquanto ente e dissemos também que a essência é o princípio das afirmações das outras categorias87. Trata-se, pois, de mostrar as modalidades de predicação; pois “o ser se diz de muitas maneiras”88. (Met. 1003 a 33) Ora, o ser que se diz de muitas maneiras implica uma unidade primeira que dá inteligibilidade aos diversos modos de ser, e para Aristóteles, a unidade primeira que dá inteligibilidade aos diversos modos de ser é a categoria da substância (Ousia). “Algumas coisas são pelo fato de serem substâncias. Outras por serem modificações da substância. Outras por representarem um trânsito para a substância”. (Met. 1003 b5) Mas entre todas as acepções do ser está claro que o ser em sentido primeiro é “o que a coisa é, i. é, a substância da coisa”89 (Met. 1028 a 14), pois, tudo o que nós podemos dizer ou afirmar se refere sempre a um sujeito real e determinado, este sujeito é a substância90. É, pois, evidente que é por meio desta categoria que existem todas as outras, por conseguinte o ser fundamental e primeiro, o ser absolutamente falando é a substância.

A substância é absolutamente primeira tanto no ponto de vista lógico como do ponto de vista temporal:

Do ponto de vista temporal, porque a substância é cronologicamente anterior às propriedades, que possam afetá-lo e que pode possuir sucessivamente. Neste sentido nenhuma categoria existe separada. Só há a substância.

Do ponto de vista lógico, ela é primeira porque na definição de cada ser é essencialmente contida a definição da sua substância, e acreditamos conhecer verdadeiramente uma coisa quando conhecemos o que ela é, e não por exemplo a sua quantidade.

É inerente à substância uma necessidade interna àquilo pelo qual a coisa é, i.é, a substância, pertence a coisa necessariamente. Do contrário nunca saberíamos o que a coisa é, nem poderíamos atribuir-lhe qualquer predicado, e já sabemos que o que dá determinação e necessidade é a forma. Com esta teoria da determinação essencial pela forma, Aristóteles pretende fundamentar uma unificação das muitas determinações que advém a uma essência. “Sócrates formado”. A ligação “Sócrates” e “formado” aponta primeiro para uma essência91. A essência Sócrates penetra e unifica esse e outros predicados. Com isso Aristóteles critica a ligação platônica das idéias como “atomismo das idéias”92. A idéia platônica é incapaz de fundamentar a realização de uma unidade essencial e individual e da penetração da matéria pela forma.

Categorias acidentais (ou de segunda ordem)93: Aristóteles distingue entre a substância e as categorias de segundo grau, que são: Quantidade, Qualidade, Relação, Lugar, Tempo, Situação, Atividade e Passividade94. Todas essas categorias são predicáveis da substância como categoria principal.

87 S é P. É o S um ente (essência) determinada e ele é condição de possibilidade de afirmação de infinitos predicados.88 Antes para Platão o ser se manifestava na idéia subsistente.89 A Substância dá a essência da coisa. Porém essência e substância são a mesma coisa, a substância é pelo aspecto da razão (predicação), a essência pelo aspecto do ser.90 Nos juízos, S é P, supõe-se um ser essencial, cuja categoria é a substância, ou seja, um sujeito substancial. Já para Kant, é transcendental. Mas, o juízo sempre pede um sujeito.

A ciência não fornece unidade, pois se setoriariza, já que seu método é limitado a aspectos. Assim, cada ciência fornece um aspecto da essência. Enquanto que a substancia unifica as diversas categorias.91 O ser humano Sócrates.92 Cada idéia é um ser independente.93 Categorias acidentais: Nem tudo existe com necessidade. Existe o contigente e os predicados acidentais. O acidente encontra-se numa substância e pode ser dito dela sem que essa afirmação seja necessária. Por ex.: a propriedade de ser branca pertence às propriedades que descrevem um ser humano, mas ela com respeito ao ser essencial é contigente.

Como é possível a predicação acidental? A predicação acidental é possível porque a matéria tem a propriedade de ser ilimitada. Por causa dessa ilimitação, a matéria é ao mesmo tempo causa de singularidade. O individual não pode ser definido. Se considerarmos a forma da matéria, ela reúne um círculo de determinações que constituem a essência necessária da coisa. A forma faz da matéria uma essência determinada. Porém, na matéria existem ainda outras possibilidades que não foram determinadas necessariamente pela forma, na delimitação de uma essência.

Precisamente, esse excesso indeterminado sobre a determinação formal necessária constitui o caráter único individual de uma coisa. A esta singularidade pertence que, o que ela é, não é necessariamente, ou seja, é acidental, e poderia ter sido diferente, portanto contingente. São propriedades que se acrescentam à sua determinação essencial e são assumidas a partir da indeterminação da matéria.

A causa material que entra em jogo em cada realização leva consigo propriedades “indeterminadas” que fundamentam a entrada do casual e do fortuito. Se a forma conseguisse configurar sem resíduo todas as possibilidades indeterminadas da matéria, na efetividade de uma determinação, e penetrá-las com necessidade, então teria sido superada toda contingência no mundo.94 Aristóteles chega a chamar essas categorias de segundo grau como “acidente”. Entretanto isso não significa que elas sejam “contingentes” elas são necessárias.

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Decisivo para ele é a pergunta: “que tipo de unidade surge da composição dos muitos predicados categoriais?” Por um lado categorias são conteúdos elementares (elementos primeiros) i. é, um tipo de “quid”, um tipo de “quididade” (um algo). Por outro, o “quid” próprio é só aquele que como unidade essencial concentra e penetra, unificando-os, todos os predicados categoriais. Assim o “ser-algo” compete em primeira linha e absolutamente à substância, e de um modo secundário as outras categorias (Met. 1030 a 29). O primeiro “ser-algo” pertence à substância que liga e une os outros predicados numa coisa única.

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Kant: Categorias do Entendimento95

O problema do sistema categorial chega a Kant que opera uma síntese entre a “idéia platônica” e as “categorias aristotélicas”. A idéia platônica do ser é pensada como: Mundo, Sujeito e Deus. A categoria de substância e de causa e efeito permitem a constituição da ciência. A ciência “físico- matemática” é possível porque é categorial. A metafísica que é “ideal” e não categorial96. Não é possível como ciência, mas a ciência é possível porque o nosso entendimento possui categorias. Metafísica para Kant é ciência dos princípios a priori da razão. (Isso significa que a Ciência é possível por causa da Metafísica, isto é, introduz a lógica da razão do sujeito no real).

Espaço e Tempo são formas a priori do conhecimento. Mas só com eles eu não tenho conhecimento. Quando eu aplico o fenômeno no espaço e no tempo e também aplico as categorias do entendimento há conhecimento.Se não tenho dados nesse espaço e tempo, eles serão puramente formais.Categorias sem intuições são vazias. Intuições sem categorias são cegas, ou seja, não há conhecimento ainda.Há conhecimento quando aplico as categorias de causa e efeito às coisas no tempo e no espaço.

Categorias: Elas são contitutivas do objeto fenomenal- Quantidade- Qualidade- Relação (são mais fundamentais)

- Causa- Efeito

- Modalidade

Razão: (ideias) pensar → As ideias não constituem as coisas, elas são regulativas- Mundo- Homem- Deus

Eu só posso conhecer o fenômeno, não a coisa em si. A razão não conheçe, ela pensa. Do ponto de vista formal, as categorias são a natureza em si, elas são as leis da natureza. Metafísica: ciência dos princípios a priori da razão. Deixa de ser, em Kant, ciência do ser.O princípio regulativo do agir humano é o imperativo categórico.A razão não conhece o objeto. A razão agente produz ações. No conhecimento há a necessidade de algo de fora que seja recebido para haver conhecimento. O agir moral é produzido pela razão prática. Lei natural: todo efeito tem uma causaNa razão prática há uma causa (vontade livre), efeito (ações) e uma lei moral (dever ser). Essa lei moral pode não acontecer, pois ela é implicada pela liberdade (diferentemente do mundo físico). Por isso ela é dever ser, pois ela pode não ser.O mundo físico é o mundo do que é. O mundo humano é o mundo do dever ser. O primeiro é dado e o segunndo dever ser construído.Juízos sintéticos a posteriori são possíveis devido as coisas.

95 A razão clássica é metafísica, i. é, expressa e articula o ser. Daí o nome Ontologia, razão da realidade, que articula o ser.Kant chega a conclusão que a razão não conhece o ser (não pode pensá-lo), ou seja, a metafísica não é possível como

ciência (conhecer). O ser é a coisa em si que é impossível para a razão. Para Kant só é possível conhecer o fenômeno.A física (a ciência moderna) descobriu um caminho novo para uma ciência...A metafísica, ao contrário, não o fez.

Temos que encontrar um caminho novo para a reflexão metafísica. Como isso é possível? Que a ciência tenha encontrado um caminho seguro é um fato.

Olhando para este caminho Kant observa que é o cientista que determina o objeto, é ele que faz as hipóteses e obriga a natureza a responder à ela. Por isso a ciência é experimental, ela mostra as condições para a experiência. Kant tenta fazer o mesmo na filosofia.

Até agora era o ser que determinava a razão – Kant faz a “revolução copernicana” da filosofia. O homem passa a determinar o objeto. Kant diz que tudo que existe ocorre dentro das formas a priori de espaço e tempo, contudo isso não nos dá ainda o conhecimento. É com o entendimento que são aplicadas as categorias que vão determinar as intuições e que nos dá o objeto. E é o sujeito, o “eu penso”, que vai unificar, que vai constituir o conhecimento do fenômeno. É o homem que produz o fenômeno, o objeto. Daí as categorias são constitutivas a priori e necessárias. A razão, que não conhece a coisa em si, tem a faculdade de pensar as idéias Homem, Mundo e Deus. A razão pensa nestas idéias, que regulam toda a realidade. É o âmbito do pensar.96 Constituem o objeto, enquanto que a idéia apenas regula.

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Hegel 97 : “Ciência da Lógica”98

A formulação mais radical do problema “a questão da predicação, está na “Ciência da Lógica” de Hegel, como ontologia dialética absoluta99. Não depende mais do problema da adequação das categorias à experiência100, mas é o problema da exposição da racionalidade do real, que não depende de nossa razão contigente, mas da razão em si mesma. Hegel pretende construir a inteligibilidade radical do real – um discurso que certamente acontece em nossa razão, mas que pretende ser discurso da razão em si. A “Ciência da Lógica” é a ontologia de Hegel, que retoma e transforma Platão, Aristóteles, Espinosa, Kant, etc. O movimento da razão passa da noção de Ser como essência para o conceito. Esse movimento da razão é a Idéia Absoluta 101 o que eqüivale afirmar o método absoluto, ou caminho interior da razão que sai da razão e acaba na razão102.

Há um predomínio da razão.Na metafísica clássica, o ser determina a razão.Na metafísica hegeliana, a razão determina o ser.

2.3 - A Questão do Fundamento (Princípio / Arché)O terceiro e último grande aspecto do problema ontológico é a questão do princípio. A pergunta radical

da razão (“O que é”) e o discurso da razão (questão da predicação) sobre o real implicam em movimento de vai e vem. A razão procura (vai) um fundamento, um princípio absoluto, um princípio último, e volta para explicar a realidade a partir dele.

97 Hegel é kantiano, mas acha Kant insuficiente. É kantiano no sentido de que é o homem que constitui o conhecimento. Não concorda com Kant à medida que este coloca limite ao conhecimento. “O conhecimento do homem é limitado” – Kant é o filósofo dos limites.

Para Hegel colocar limites significa já tê-los ultrapassado. Não podemos nos deter nos limites, temos que voltar ao Ser. Não podemos dizer que o ser seja incognoscível. Devo pressupor um sujeito que conhece o ser, um sujeito absoluto, um espírito absoluto onde a razão predomina. Faz uma logicização do ser. A essência do real é racional (a lógica), daí o predomínio da razão. Uma razão entitativa, não vazia como em Kant. Um logos que determina o ser: “o real é racional”.98 Se Metafísica para Hegel é “Ciência da Lógica” já está neste título de seu livro a idéia de que, para ele, Metafísica é possível como ciência. A “coisa em si” é cognoscível mas não “de fato” (toda, inteiramente).99 O ser para Hegel é a História. A razão é dialética, onde articula todas as razões da história. Não há para hegel idéias como em Platão, mas a Idéia Absoluta do Todo. Dialética = articulação de cada parte no todo (círculo dos círculos); absoluta = idéia única absoluta. Para Hegel não há Forma sem Matéria por isso ele critica o formalismo kantiano.100 Para Kant as categorias constituíam o objeto e as experiências, e são válidas quando são aplicadas às intuições, constituindo a experiência.101 A idéia do Todo.102 É o auto- desdobramento do sujeito absoluto.

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Princípio Fund.

Vai e Ser ---------------- Razão Vai e Volta Volta

Essência Predicação

PlatãoEm Platão, esta busca assume a expressão de uma dialética ascendente, que vai do sensível até chegar

a idéia do Bem como princípio absoluto de compreensão a qual permite uma dialética descendente na qual o princípio sem pressupostos (idéia do Bem) possibilita uma explicação da totalidade do real como participação maior ou menor nessa idéia.

AristótelesEm Aristóteles encontramos “o caminho da descoberta” (via inventionis) ou do que é inteligível para

nós (Arché lógico) e o “caminho da demonstração” (via demonstrationis) ou do que é inteligível em si (Arché do real). Na busca da verdade descobrimos primeiro a verdade para nós, até atingirmos os princípios lógicos e ontológicos a partir dos quais podemos elaborar o silogismo que produz ciência. Neste sentido a ciência é um círculo: vamos ao princípio e dele voltamos.

Hegel dirá mais tarde que a lógica é o círculo dos círculos. Essa estrutura passa a ser a estrutura de todo pensamento científico. O método científico, de modo global, inclui sempre dois momentos: a pesquisa [busca do princípio] e a explicação do real a partir dela.

O problema do princípio assumiu duas direções complementares ou correlatas que deram origem a dois tipos de ontologia:

a) Metafísica da Ordem :O princípio é considerado na ordem da essência e deu origem à Metafísica da Ordem. Busca-se a essência primeira a partir da qual se organiza o mundo das essências103. Temos dois exemplos:

1. A 4ª via de São Tomás que trata do problema dos graus de perfeição. Nela se trata de demonstrar a existência de Deus através dos graus de perfeição, a começar pelos existentes no mundo.

2. Em Espinosa104 a ordem aparece também na concepção de substância, atributos e modos. Para ele, só há uma substância, então a natureza = Deus.

b) Metafísica da Criação :Na metafísica da criação o princípio é considerado na ordem da existência105. Esta metafísica surge no encontro da filosofia grega com a filosofia cristã. Nela trata-se do problema do “começo absoluto”. Para os gregos o mundo é eterno, necessário, não contigente. Para eles não tem sentido a pergunta de Leibniz: “Por que existe algo em lugar de nada?”. É aqui que São Tomás106 se separa de Aristóteles. Para S. Tomás o mundo é contigente e é criado por Deus. Se fosse necessário Deus não poderia tê-lo criado. Para Aristóteles o Ser se diz de muitas maneiras e uma das primeiras formas de dizê-lo é a Substância.

103 Em Platão, por exemplo, a idéia do Bem organiza toda a realidade.104 O panteísmo de Espinosa explica esta concepção.105 Esse: existir em latim106 Para São Tomás, o tempo surge com a criação, então, pode falar de um mundo criado, mas eterno, pois é quando surgem que decorre o tempo. Para ele, Deus é ser subsistente e inteligência absoluta.

Para Aristóteles, o mundo é eterno, assim como tempo e movimento. Para ele, Deus é o motor imóvel, inteligência que pensa a si mesmo.

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CAPÍTULO III A FORMAÇÃO DA METAFÍSICA CLÁSSICA COMO CIÊNCIA DO SER 107

3.1 - Fundamentação Platônica da Ontologia 108 O que possibilita o primeiro estatuto científico é a superação da identidade parmenidiana. A identidade

parmenidiana109 sofrerá uma ruptura pela introdução do “não-ser”.Ponto de partida: a ciência procede por atribuição e negação (S é P; S não é P), i. é, avança através de

um movimento lógico que responde ao estatuto ontológico do seu objeto. Implica uma discussão dialética que deverá tratar do ser e do não-ser.

3.1.1 - A aporia do “não-ser”Mas Parmênides afirma que o ser é uno e absoluto: O ser “é”, e o “não-ser” não é. Aceitar isso

significa que toda opinião é verdadeira, que não se pode distinguir o verdadeiro do falso, porque se há identidade tudo é verdadeiro, não há dizer falso, pois, isso seria obrigar o não-ser a ser. Com efeito, o não-ser absoluto não pode ser atribuído, nem verbalmente, ao ser pois haveria contradição nos termos, nem à alguma coisa, pois esta implica também o ser. Pronunciar, portanto, o não ser é nada pronunciar, porque à nada se atribui. O “não-ser” é impensável e se ninguém pode pensar ou exprimir o não-ser, então também ninguém pode exprimir o erro, e excluir a falsidade do discurso: toda opinião é verdadeira. Paradoxalmente, temos assim o relativismo universal do sofista. O sofista para negar que o não-ser possa ser expresso de algum modo apóia-se na correspondência de ser e dizer, e a lógica dessa negação repousa no pressuposto de Parmênides, da unidade absoluta do ser. Portanto tudo depende desse pressuposto, a aporia do não-ser: “o não-ser não pode ser objeto de atribuição, pois se opõe à unidade do ser, e se não é objeto de atribuição, não pode haver ciência”.

Platão responde com a seguinte tese: “ O não-ser também é sob um certo aspecto, e o ser por sua vez não é ” (Sofista 241e).

Prova da tese: (de que o não-ser é)1° passo: Redução ao absurdo. Para Parmênides o ser é estendido à totalidade absoluta e como uno exclui

toda a pluralidade. O ser de Parmênides apresenta-se como uno absoluto. “Se o Ser se apresenta como Uno Absoluto, como podemos atribuir-lhe a dupla denominação de Ser é Uno?”, pois suporia a pluralidade!

O ser Uno apresenta-se como Todo, mas se o Ser é um todo: ou é um todo composto (é constituído de partes e então a unidade não é absoluta) ou é um todo simples (ou o Todo existe e o Ser como uno absoluto é afetado pela dualidade de Ser e de Todo, ou o Todo não existe e então não possui unidade, que é própria do Todo, e teremos então uma infinita pluralidade que nega qualquer gênero de ser e o Ser mesmo). Sofista 244 – 245.

Conclusão110: Negar absolutamente o não-ser (a pluralidade) é destruir a unidade no plano do funcionamento de nossa razão, i. é, é preciso quebrar a rígida imobilidade do ser parmenidiano, e conformá-lo a natureza do discurso do logos .

107Objetivo: mostrar qual foi o ponto chave que configura a metafísica clássica. É esse ponto que será questionado na modernidade.

Formação: processo que passa por etapas: três momentos: Platônico, Aristotélico, Tomista. Há uma continuidade entre eles, porém em cada um encontramos uma unidade singular que forma diferentes aspectos da ciência do Ser.

Metafísica Clássica: Platão, Aristóteles e São Tomás não são os únicos. Encontramos também Plotino, Santo Agostinho, etc. Mas em suas metafísicas aparecem traços fundamentais que os distinguem e norteiam todo o pensamento metafísico.

Ciência do Ser: A filosofia grega é metafísica. Não há filosofia grega sem metafísica. Por isso ou a filosofia acaba na dimensão do ser ou deixa de ser filosofia. Neste sentido surge a ciência do Ser. Depois Kant dirá que ela é impossível como ciência. Ela continua válida, mas não como ciência e sim como atitude, abertura, ao todo.108 Como definir que o ser é uno e múltiplo? É o problema que Platão respondeu no sofista. Platão afirma que é possível uma ciência do ser. Esse deve ser captado na unidade e na multiplicidade, pois a unidade supõe a pluralidade. Ao fazer um juízo (S é P) é dar uma unidade a uma pluralidade ordenada:

ser o ser abre o horizonte de inteligibilidade. Possibilita dizer: S é P (o mesmo) e S não é P ↓ ↓ (o outro). O ser é um entrelaçamento de idéias: do ser, do mesmo e do outro: o ser é o

mesmo outro mesmo que não é o outro. O mesmo só é visto em relação ao outro(S é P) (S não é P)definir (juizo) oporassim, por exemplo, a falsidade só tem sentido em relação à verdade; a injustiça só tem sentido em relação à justiça, o

ser só tem sentido em relação ao não ser...109 Para Parmênides a identidade Ser e Pensar é plena.110 O Ser é inteligível para uma Razão, negar o não-ser é negar a própria Razão!

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2° Passo: Mostrando que o “ser inclui o movimento” [para Platão, o conhecer já é um tipo de movimento (lógico) da inteligência]:

O ser inclui o movimento como possibilidade de relação no seio do ser inteligível111. Isso será feito através da noção de dynamis [potência de ação (conheço) e paixão (algo é conhecido: o ser)] que será o meio termo dialético para passar a teoria platônica do ser. A dynamis significa poder ou ser capaz de agir ou sofrer o efeito de uma ação. Ela é princípio ativo ou passivo de relação. Os imobilistas distinguem rigorosamente entre a genesis e a ousia em todos os aspectos imutável (Sof. 248 a). Ora é evidente que pela sensação no corpo nos comunicamos com a genesis (puro fluxo = pantha rei) e pelo raciocínio na alma, nos comunicamos com a ousia (existência real)112 (248 e). Esta relação (raciocínio/ousía) deve implicar uma dynamis ativa na faculdade, passiva no objeto, pois é pela dynamis que se manifesta o ser real . Mas mesmo admitindo que a alma conheça e que a existência seja conhecida, os imobilistas se recusam a ver neste fato uma relação de um termo ativo e de um termo passivo. Se o conhecimento é de algum modo uma ação, a conseqüência é que o ser conhecido sofra esta ação e enquanto é conhecido, é movido logicamente.

Ora, negar que o conhecimento seja uma ação, é cair no seguinte dilema: ou “recusar ao ser na sua totalidade o movimento e, portanto, a vida, a alma e a inteligência”, ou “conceder que a vida, a alma e a inteligência pertencem ao ser total e não obstante persistir em recusar ao ser total o movimento” (Sof. 249). A primeira hipótese é assustadora, pois eqüivale a negar a realidade da inteligência, da vida e da alma. A 2ª hipótese é absurda. Portanto, a alma, e com ela o movimento da inteligência, entra no âmbito do ser real, sob pena de se tornar impossível todo o conhecimento113. Mas este movimento não afeta a realidade intrínseca das idéias. Se a alma é dynamis ativa, a relação do lado das idéias é puramente lógica, i. é, não implica alteração real. O estado ontológico das idéias é o repouso, mas sem excluir a relação lógica com a inteligência. Relação que permite afirmar que o movimento da inteligência é algo real, pois atinge o ser das idéias.

Conclusão : O ser total inclui o movimento114 e o repouso, mas não se identifica com nenhum deles115. O filósofo abraça a totalidade do ser, tanto no seu aspecto estático, quanto no seu aspecto dinâmico, e com isso Parmênides e Heráclito são superados, i. é, salva a unidade do objeto da ciência. A definição do ser que compreende o movimento e o repouso, está implicada na possibilidade mesma do conhecimento e do seu objeto. Se o ser não incluir o movimento, a inteligência não é. Se o ser não inclui a estabilidade, o inteligível dissolve-se numa multiplicidade infinita. Platão busca o ser não no termo estático da elaboração conceitual, mas no movimento com que a alma conhece, i. é, no ato de julgar (juízo). Está pois quebrada a imobilidade do ser parmenidiano.

Porém com este 2° passo ainda não temos a fundamentação da ciência do ser, pois apenas foi refutado o pressuposto dos sofistas, a identidade do ser e pensar, o Uno Absoluto. Sem essa refutação não haverá dizer algo, porque o erro teria por objeto o não-ser, e o não-ser não é. A refutação mostrou que o não ser também é pela inclusão do movimento no ser. Com isso aparecerá o ponto de inserção do não ser e do erro no discurso. Temos agora que mostrar a possibilidade de atribuição lógica de dois objetos reais, de forma que exprima a sua verdade, e assim a ciência do ser se mostrará distinta da arte da ilusão dos sofistas.

3.1.2 - A aporia do Ser (no plano lógico da afirmação, como a inteligência, no juízo, afirma o ser?)A pergunta agora é: “como é possível a atribuição lógica de dois objetos reais 116 que exprimam o ser?”

O ser uno de Parmênides foi quebrado, ele incluiu o não-ser e tem que conformar-se à natureza do discurso, que inclui a pluralidade de dois objetos na atribuição (no juízo). Ora, para Platão o ser é idéia. Se a idéia se exprime no logos da razão, como é possível uma ciência do Ser, se por um lado o ser se fecha no uno absoluto do inteligível (é), e por outro o logos aparece como múltiplo (nos dois elementos do juízo). Como legitimar o relativo da proposição sem renunciar ao absoluto do inteligível?

Se o movimento e o repouso são contrários é evidente que a proposição “o ser é movimento e repouso” não pode significar a identidade do ser com nenhum dos dois predicados, e não se identificando com eles o ser tem que ser um terceiro termo (Sofista 250c), que envolve os dois predicados do exterior. Mas se o ser é exterior como formar então um juízo que atribua ao ser o movimento e o repouso117, i. é, a pluralidade. Se o juízo afirma algo absoluto (algo é assim), Como pode o ser que é múltiplo entrar numa proposição qualquer que afirma

111 Algo passivo de um lado e ativo de outro.112 As verdades matemáticas por exemplo: 2+2=4. Isto sempre será como sempre foi. É imóvel, é idéia. A substância, aquilo que subsiste enquanto existe, é imutável.113 Incluo no ser o não-ser - uma relação com o ser, é um tipo de ser. O ser total inclui o ser e o não-ser. A inteligência também inclui o ser e o não-ser. O não-ser da inteligência se constitui em conhecer o ser.114 inteligência – não ser.115Movimento = a inteligência. O que conhece está em movimento, mudança. O que não conhece não está em movimento, está em repouso. Daí temos que o inteligível está em repouso porque é imutável como 2+2=4, por exemplo. 116 Dois objetos = S e P117 Se o Ser se identifica com o repouso, nega-se o movimento e volta-se à Parmênides. O inverso nega o absoluto do Ser.

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absolutamente? O problema (no plano lógico da afirmação) é o problema geral da expressão lógica ou predicativa do Uno e do Múltiplo.

A necessidade da identidade absoluta volta agora no plano lógico da afirmação. Em toda afirmação afirmamos que o sujeito é uno e ao mesmo tempo o consideramos como múltiplo, p. ex., como atribuir a um sujeito único, como “Homem”, denominações múltiplas como cor, grandeza, vícios, virtudes, etc... temos pois a aporia do ser. A resposta imediata: é impossível que o múltiplo seja uno e que uno seja múltiplo. Portanto não se deveria dizer: “o homem é bom”, mas somente “homem é homem” e “bom é bom” (Sofista 251b). A proposição seria pois, pura tautologia.

Tese de Platão: unidade do ser (não é uma unidade indistinta: cairia em Parmênides;, mas é uma pluralidade ordenada, proposição sintética) 118

O ser total que compreende em si o movimento e o repouso é o ser universal, i. é, a totalidade de tudo que participa do ser. Mas, quando o ser se exprime numa proposição trata-se da idéia do ser como tal que aparece como termo em relação ao movimento e repouso. Então a tese de Platão é: “A unidade do ser [que é idéia] não é uma unidade indistinta, mas uma pluralidade ordenada119, ou uma unidade participada. Assim a proposição afirmada não será uma tautologia, mas uma proposição sintética que exprime através do dinamismo do logos, a unidade e a diversidade do ser. Portanto o Ser será afirmado pela inteligência num “entrelaçamento” (Sofista 259e) de relações fundamentais, e o problema será como determinar estas relações.120

1 - A posição de cada idéia como ser implica sua identidade consigo mesma (o mesmo)121, pois do contrário não se poderia definir o objeto da inteligência (Sofista 249c).

2 - E a posição de cada idéia como determinada perfeição inteligível (o ser, identidade consigo mesma) implica uma relação de alteridade, que a faz ser entre os seres (Sofista 258b), i. é, que a faz ser diferente dos outros (portanto implica o outro).

Temos, pois, duas relações: de identidade (o mesmo) e de alteridade (o outro). Ora, essas duas idéias são subsistentes, pois são determinações ideais distintas do ser. O “mesmo” e o “outro” distinguem-se do Ser. Se o ser se identificasse com “o mesmo” toda distinção seria abolida e cessaria a oposição de unidade e pluralidade. Se o ser se identificasse com “o outro”, ele não compreenderia em si o absoluto (identificação consigo mesmo) e o relativo. Não haveria relações. Assim toda idéia participa da idéia do “mesmo” (idêntica a si mesma) e da idéia do “outro” (distinta de todas as coisas) e, portanto, a afirmação de qualquer idéia como Ser , implica o entrelaçamento das idéias: ser, mesmo e outro, i. é, a lei dessa mútua participação nos revela a estrutura da afirmação do ser122, por exemplo, na idéia do movimento da inteligência: 1) há participação na idéia do ser, pois o movimento é algo real, compreendido no ser total; 2) e o ser do movimento desdobra-se em duas relações, a identidade consigo mesma, mas como o movimento não se identifica com o ser total ele implica também a alteridade, i. é, ele se distingue dos outros seres, e enquanto distinto, o movimento é um outro. Esta relação de alteridade é real, mas negativa, i. é, o movimento “é” mas não é outro ser. Este não-ser não é, pois, o “nada” impensável de Parmênides, mas é um “outro” no ser. Assim, por esta relação de alteridade surge em torno do núcleo permanente do ser uma infinidade de não-ser, de modo que o Ser total aparece como uma pluralidade ordenada e não como unidade indistinta. Temos na mútua participação (esse entrelaçamento) dessas três idéias ( ser, mesmo e outro), as leis que determinam a estrutura da determinação, da afirmação do ser.

A afirmação do Ser (juízo de existência, de realidade) implica necessariamente três princípios que exprimem ao mesmo tempo relações reais nas idéias (ordem ontológica) e leis necessárias da afirmação objetiva (ordem lógica)123:1. Princípio da Realização: É a relação de toda idéia à idéia do Ser 124 . Por esta relação toda idéia se realiza como

ser, embora não seja o ser. Não esgota a totalidade do ser.2. Princípio da Distinção: É a relação de toda Idéia à Idéia do “outro”. Ele exprime a alteridade no ser125. É uma

relação real embora negativa. O “não ser” da alteridade é também um ser, e é afirmado pela inteligência.

118 É um ponto decisivo na História da Filosofia. O homem sempre se abriu ao todo, mas há sempre uma tensão: limitação do aqui e agora, que é insuprimível, e a abertura ao todo, que é radical.119 Ser, Mesmo e Outro.120 Implicadas na afirmação do ser: afirmar tudo o que existe, tudo o que é.

ser Tudo está no horizonte do ser.Dentro desse horizonte há diferença de seres

seres o ser abre a inteligibilidade, a cognoscibilidade.121 É a afirmação: “nada é tão relativo que não contenha algo de necessário”122 Das proposições afirmativas e negativas.123 Ser / Não-Ser: leis reais; Razão: leis necessárias124 Toda vez que afirmo algo, afirmo que algo é, digo “É”.125 Dentro do ser, no seu horizonte é expresso também aquilo que ele não é, a alteridade.

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3. Princípio de Permanência: É a relação real de toda a idéia à idéia do “mesmo”, segundo a qual, cada idéia mantém a sua identidade na comunhão e distinção com todos as outras.

3.1.3 - Estrutura do Logos Verdadeiro e do Erro126

A estrutura do mundo das idéias (ser, mesmo e outro) é que determina as ciências das idéias127, portanto a conexão real ou comunhão das idéias deverá exprimir-se no discurso da razão e na sua expressão oral no logos, e então se o logos é a transcrição racional das idéias , a unidade do logos será uma unidade sintética, já que o logos é a relação mesma dos termos da proposição, e, no desdobramento do logos, o dialético será aquele que for capaz de exprimir as conexões reais que façam parte do mundo das idéias num mundo ordenado.

A estrutura do logos verdadeiro 128:1 - Enquanto o logos exprime um vínculo inteligível entre termos reais, ele pode ser enumerado no âmbito

do ser (também é um ser) e afirmado como “gênero de ser” (Sofista 260 a). Ora, o logos entrando no âmbito do ser, participa também do não ser (relação de alteridade).

2 – Como o logos participa do não ser? O logos é a expressão oral do discurso, “diálogo interior da alma consigo mesmo” (Sofista 263e). O discurso que exprime uma relação entre idéias, procede por afirmação e negação que constitui a qualidade própria do ato judicativo (S é P; S não é P). Assim o logos refere-se à realidade das idéias e exprime uma “significação acerca do ser” (Sofista 262 a). Mas o logos, participando do ser obedece à lei geral de que o ser participa do não-ser. Ora, se o ser do logos é exprimir o ser real , ele será um ser de significação e terá a mesma amplitude que o ser real, e então o não-ser do logos exprimirá uma “outra” significação e portanto outro logos (verdadeiro e falso). Assim, verdadeiro e falso são propriedades do logos e qualificam um determinado logos que exprime um entrelaçamento de idéias .

Qual é o logos verdadeiro? O logos verdadeiro é sinal da expressão intelectual do ser que aparece inserida num entrelaçamento de relações reais. O que possibilita a proposição é a idéia do ser, da qual participam todas as idéias, mas esta participação implica uma relação de alteridade pela qual cada idéia sendo tal (o mesmo) não é as outras. Assim a proposição afirmando o ser, afirma também o não-ser. Afirmar o que uma idéia é eqüivale a afirmar também o que ela não é. A proposição pode, pois, assumir tanto a forma afirmativa, quanto a forma negativa, mas é sempre a idéia do ser que lhe dá consistência e alcance ontológico. Tal é o logos verdadeiro129, ele exprime os seres tal como eles são (Sofista 263b), i. é, traduz no discurso a densidade do ser e do não-ser, da identidade e da alteridade, que define a estrutura real de cada idéia.

A natureza do Erro:A proposição falsa só poderá ser entendida por relação à proposição verdadeira130, pois ela implica

uma relação que pretende inverter as relações implicadas na proposição verdadeira. Vejamos as relações implicadas na proposição verdadeira.

Cada logos determinado (cada proposição) exprime um determinado ser, num determinado entrelaçamento. A posição do ser implica as relações de identidade e de alteridade, e o juízo que a exprime poderá assumir tanto a forma afirmativa enquanto exprime a identidade do ser da coisa, quanto a forma negativa enquanto exprime a alteridade do não ser da coisa. Assim um logos determinado participa do não ser enquanto exprime um ser de significação. Portanto o logos verdadeiro (ser de significação) exprime afirmativamente o ser real que implica a idéia do mesmo, e implica a afirmação negativa (não ser de significação) que exprime a idéia do outro.

O erro: Ora, o que constitui a natureza do erro é que este não ser de significação vem afirmado como ser com relação ao mesmo sujeito do logos verdadeiro (Sofista 260c). Portanto o logos falso pretende dar ao “outro” o significado do “idêntico”, e ao “não ser” o significado de “ser”. Daí, só o juízo pode ser falso, e o juízo falso (não ser de significação) não é aquele nada de significação que os Sofistas demonstraram ser absurdo, mas exprime uma conjunção arbitrária de dois termos. Pretende exprimir como ser, i. é, uma outra significação com respeito a um determinado logos verdadeiro.

126 O não-Ser só tem sentido no Ser. A mentira só pode ser afirmada pela verdade. Se digo “tudo é mentira” caio numa aporia (tudo acaba sendo verdade pela negação da própria afirmativa). Ex.: “A parede é amarela”: expressão do Ser diante de uma parede amarela. Essa afirmação do Ser implica, consequentemente na presença do não-Ser (a parede não é preta, não é verde, etc.), donde Logos Verdadeiro.

Entretanto a expressão: “A parede é preta”: expressão do não-Ser se diante daquela mesma parede amarela do exemplo anterior, donde Logos Falso.

A verdade e a falsidade são dadas pelo juízo, pela afirmação: pode ser verdadeira ou falsa.127 O Ser é que determina o Logos. A episteme, o anypotheton, o nous, ou seja, o último estágio da linha é que funda a ciência.128 A razão é metafísica, referencial, expressa o ser. Ao expressar o ser também é um modo de ser que consiste em expressar o próprio ser. O ser da razão não é igual ao ser expressado, mas é um ser de significação que ao afirmar um determinado logos estará significando o mesmo e dizendo aquilo que ele não é. Significa a si mesmo e implicitamente tudo o que eles não são.129 Aquele que ao afirmar uma idéia, afirma o que ela não é.130 A mentira só existe em relação à verdade.

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3.1.4 - A insuficiência da Ciência Platônica do SerA dialética platônica como ciência das idéias é uma ontologia. Mas a ontologia platônica se justifica

porque Platão busca o ser no movimento com que a alma conhece, i. é, no ato de julgar em que ela se pronuncia131. A unidade do ser não é uma unidade de identidade (como em Parmênides), mas é uma unidade sintética de participação: Se há juízo há síntese, e se há síntese há diversidade, e se há diversidade e síntese há participação. Assim o ser se revela como participação no ato judicativo (S é P). O juízo revela o ser e sua estrutura relacional opera a síntese do uno e do múltiplo.

Crítica a Platão: o juízo não é a última justificação crítica do serCom efeito, o ser platônico é idéia e enquanto idéia transcende o mundo da experiência e o ato de conhecer.

Assim o mesmo ato de conhecer que nos revela no juízo uma expressão racional do ser não se justifica como tal, pois não é mostrado na sua inteligibilidade como ser que descobre o ser, senão através de uma passagem ao limite na qual o movimento da razão pensante é referida à inteligibilidade da idéia do ser.

O que se revela no juízo é a idéia do ser, do qual participam todas as idéias, mas a idéia do ser é transcendente ao ato mesmo de conhecer e como tal absorve a originalidade da inteligência.

Assim em Platão o ser se exaure em total objetividade, é unívoco.É o ser das idéias. O ser exprime só a posição de cada idéia, i. é, sua realização inteligível no seio de uma

multiplicidade, dentro do qual ela se define por um entrelaçamento de participação e de exclusão132.O ser platônico é existencial, porém sua existência é ideal.133

Para que a ciência do ser possa encontrar um estatuto adequado, 1) a reflexão teria que fazer surgir a inteligibilidade do ser no seio mesmo da inteligência, de modo que a transcendência do ser se justifique pela natureza do ato mesmo da inteligência134, 2) e a dialética do ser teria que mostrar-se primeiro como uma dialética da participação do ato de conhecer135 antes de ser uma dialética da participação da idéia.

Síntese geral da Fundamentação Platônica da Ontologia:Parte do princípio de atribuições da ciência (S é P; S não é P);Aporia do não ser: Remoção de impedimentos.

Mas Parmênides afirma que o não ser é absolutamente nada. Então não pode haver ciência.Platão, pois, afirma que o não ser também tem algo de ser.

Redução ao absurdo do não ser absolutamente não ser;O não-ser também é no movimento da inteligência, pela noção de dynamis. A inteligência

não é o ser.Conclusão: o ser inclui ser e não-ser. Se o não ser não existe, a inteligência também não.

Aporia do ser: no plano lógico da afirmação, do logosComo afirmar o ser se é uno e múltiplo? Essa multiplicidade aparece no Juízo, não se afirma que o

ser é, mas:A unidade do ser (não é uma unidade indistinta: cairia em Parmênides, mas é uma pluralidade

ordenada, proposição sintética).Essa pluralidade ordenada é um entrelaçamento de idéias: do ser, do mesmo e do outro:

Ser o ser implica o que é e o que não é.Então, o juízo afirma o que é (+) e o que não é (-)

S é P S não é PA inteligência não é o ser, mas o conhece, o afirma. Surge uma relação intrínseca entre inteligência

e o ser. Negar o ser é negar a própria inteligência.Três princípios: de realização (realiza o ser), de distinção (se difere do outro) e permanência

(identidade na comunhão e distinção dos outros).Para Platão, é possível uma ciência do ser, pois esse é afirmado no juízo e em um entrelaçamento

de idéia (ser, mesmo e outro).

131 No juízo, S é P. O Ser em Platão se encontra no movimento da inteligência expresso nos juízos.132 As relações do mesmo e do outro.133 O que é que se afirma? Platão: existencial (ideal); Aristóteles: Essência; S.Tomás: Síntese entre Essência e Existência.134 Ser que descobre o ser. A inteligência participa do ser.135 O ato de conhecer participa do ser.

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A estrutura do logos verdadeiro: verdade e falsidade são dadas pelo juízo, pela afirmação.Ser - razão é no movimento da inteligência que se conhece o ser, não éIdéia ciência o ser, mas o afirma. Uma relação intrínseca.

Ser ser o ser real é afirmado por um ser de significação, que se distinguemesmo outro mesmo outro de outros significados.

O discurso exprime um ser real (ser, mesmo e outro: entrelaçamento), um ser de significado.É a idéia do ser que dá consistência as outras: mesmo e outro.Afirmar o ser implica necessariamente afirmar o que não é: afirmar = definir e opor.Logos verdadeiro: quando afirmo o ser, como sendo algo e implicitamente o que não é e vice-versa.

No âmbito do ser, uma afirmação é verdadeira quando afirmo o mesmo e o outro, e será falsa quando afirmo trocando o outro e o mesmo.

A insuficiência da Ciência Platônica do Ser: o ser é descoberto no juízo, ma esse não é a ultima justificação, fundamentação, reflexiva do ser, pois depois Platão afirma que a idéia se torna subsistente, transcendente, então prescindi do juízo.

3.2 - Fundamentação Aristotélica da OntologiaAristóteles tentará superar essa insuficiência da ontologia platônica e nos dará o segundo momento

importante na elaboração científica da ontologia. Ele renunciará a idéia separada, mas não ao Ser, e se o Ser se revela no juízo deverá se exprimir primeiro136 numa dialética de participação do ato de conhecer. Temos assim uma justificação reflexiva do Ser em Aristóteles.

3.2.1 - O Primeiro Princípio da Ciência do Ser137

No livro Terceiro da Metafísica, Aristóteles começa dizendo que existe uma ciência do ser que se distingue de todas as outras ciências particulares. Com efeito, toda ciência parte de princípios, mas o princípio primeiro é a causa da ciência e dá a razão de seu objeto. O princípio é suposto, i. é, uma hipótese e como tal indemonstrável, do contrário cairia num círculo vicioso.

Mas se os princípios das ciências são indemonstráveis, eles poderão e deverão ser justificados pelos princípios de uma ciência superior: é a Ciência do Ser, e seus princípios deverão dar a razão de seu objeto. Sendo a Ciência do Ser a ciência suprema, os seus princípios terão o caráter de absoluta inteligibilidade e de absoluta necessidade (Met. 1005 b13), pois, do contrário, não seria último, suporia esse. Como estabelecer esses primeiros princípios?

Aristóteles chega a eles por meio de uma demonstração que reduz o adversário ao absurdo. Por esta via Aristóteles determina o primeiro princípio da Ciência do Ser: é a lei de não-contradição, que Aristóteles a formula da seguinte maneira: “O mesmo atributo não pode ao mesmo tempo e sob o mesmo respeito pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito” (Met. 1005 b19-20)138. Esse princípio é enunciado como a lei do Ser e do Pensar, é ontológico (é o ser que a determina na razão. É condição de possibilidade) e porque ontológico é lógico (há necessidade intrínseca).

A demonstração: Não há demonstração propriamente dita, porque toda demonstração já implica o princípio. A demonstração será por absoluta reflexão, refletindo sobre ele, enquanto mostra o absurdo de sua negação. Para isso basta que o adversário diga algo com significado. Ora, o cético quer disputar e se quer disputar quer exprimir algo com sentido para ele e para os outros (Met. 1006 a21), do contrário teria que fechar-se no mutismo que seria negar-se como ser pensante e tornar-se semelhante ao vegetal (Met. 1006 a14). Mas onde há significação há determinação e unidade, e há, portanto, uma afirmação do ser: algo de determinado “é”139

(Met. 1006 a24-25). Portanto o ceticismo universal é impossível, pois essa mínima determinação ligada à primeira afirmação da inteligência impõe com rigor absoluto a lei da não-contradição. Assim o primeiro princípio surge no ato judicativo com necessidade absoluta do mesmo movimento da inteligência.

Síntese do Uno e do Múltiplo: O juízo que revela o ser opera logicamente ao mesmo tempo a síntese do uno e do múltiplo com um alcance ontológico. Com efeito, se no juízo há determinação, há unidade, e se há movimento da inteligência, há multiplicidade, pluralidade de determinações. Aristóteles descobre o mesmo que Platão, mas agora aparecerá a originalidade. Platão também descobriu no juízo a unidade sintética do uno e do múltiplo. Mas ele projetou o Ser na objetividade total da idéia separada. Aristóteles descobre o Ser justamente no ato do juízo, que participa do Ser, pois, se a determinação no/do objeto é uma necessidade absoluta para o ser do

136 Não cronologicamente, mas inteligivelmente.137 Esse primeiro princípio é lógico e ontológico. Aqui Aristóteles já está superando a aporia platônica apresentada no final da exposição anterior.138 Ex.: Não posso dizer simultaneamente “A parede é amarela” e “A parede não é amarela”.139 O ser está presente como condição de possibilidade para afirmar algo.

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ato judicativo, então o ato participa do Ser, e o Ser se torna inteligível precisamente no dinamismo intrínseco do ato. “É impossível pensar se não se pensa algo determinado” (Met. 1006 b10). Aristóteles conserva a determinação objetiva do ser sem hipostasiá-la na idéia separada, mas a encontra na originalidade mesma do ato da inteligência.

Nota explicativa:Todo conhecimento implica numa intencionalidade do sujeito. A inteligência por abrir-se a todos os seres é

de certo modo, identificada com todos esses seres, porque no ato de conhecer – através da afirmação de um S através de um P – pode-se dizer que, de certo modo, S torna-se P.

No fundamento último (O Bem para Platão; Primeiro Motor imóvel para Aristóteles) Ser e Razão se coincidem, mas no plano finito eles se distinguem. Através do ato da inteligência se descobre o Ser ( S é P), contudo, esse mesmo ato da inteligência já se encontra dentro do Ser.

SER ( identidade real entre Ser e Razão: unidade)

SERES DETERMINADOS INTELIGÊNCIA

Afirma tudo/ identidade intencional

O Ser em Platão tem existência Ideal. Em Aristóteles o Ser perde a sua existencialidade e se exaure na universalidade da Essência.

Em S.Tomás: Deus é transcendente (é condição transcendental de possibilidade) na imanência. Deus está presente no real como condição transcendental de possibilidade. Em todo conhecimento está pressuposto o Absoluto como condição de possibilidade. )

3.2.2 - Analogia da noção140 de SerO ser do ato da inteligência141 participa do ser, mas não é o ser (não esgota o ser). Porém o ser do ato

judicativo (S é P) que opera a síntese do Uno e do Múltiplo, pode afirmar todos os seres. Ora, “o ser se diz de muitas maneiras” (Met. 1003 a33) que não são sinônimas, mas também não são radicalmente distintas (tudo afirmamos que “é”). Isso significa o ser análogo 142 . O ser que se diz de muitas maneiras implica a referência a uma unidade primeira que dá inteligibilidade aos diversos modos do ser 143 . Por exemplo, chama-se salutar muitas coisas: o que preserva a saúde, o que a produz, o que é sintoma da saúde, etc. A todas essas coisas se atribui o predicado “salutar” por relação a uma unidade primeira que é a saúde, e que dá inteligibilidade as muitas coisas salutares (Met. 1003 a33-35). A unidade primeira que dá inteligibilidade aos diversos modos de se, para Aristóteles é a categoria de substância144. E então se o ser é análogo, o analogado principal é a substância. “algumas coisas são pelo fato de serem substâncias, outras por serem modificações da substância, outras por representarem um trânsito para ela (Met. 1003 b5). Mas entre todas essas acepções do ser está claro que o ser em sentido primeiro é “o que a coisa é”, i. é, a essência (do lado ontológico), a substância da coisa (do lado da categoria da razão145) (Met. 1028 a10). E entre todas as substâncias há uma que exerce uma verdadeira primazia, aquela que sendo imperecível e imutável é a única substância em ato puro146 (Met. 1071 b20). A categoria de substância funda a unidade dos diversos aspectos do ser. Os seres se tornam inteligíveis na medida em que o ato da inteligência afirma a unidade de seu ato e da substância. A unificação pela substância revela a identidade de dois aspectos inteligíveis expressos pelo S e P (Sujeito/ substância ontológica e Predicado) de um

140 Noção abrange tudo (“o ser se diz de muitas maneiras” não são iguais e nem totalmente diferentes), enquanto que o conceito restringiria, delimitaria.141 A inteligência é um modo de ser que expressa o ser.142 Implica a unidade dentro da diversidade do ser.143 Unidade primeira pluralidade

(substância) Zser Y

X144 Todos os outros terão sua inteligibilidade em relação a ela.145 Ser razão são a mesma coisa, mas uma no plano ontológico e aforma causa eficiente X outra no da categoria da razão. A essência é uma

essência substância X categoria da razão, da ciência, que exprime o ser.matéria causa final Y A substancia é uma essência do ser mesmo146 fundamento: Primeiro motor imóvel - inteligência que pensa a si mesma.

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participa participa

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juízo de realidade, numa unidade ontológica denominada substância prima. A inteligibilidade dos seres se esgota no conceito de substância e de suas relações. Recusando o inteligível platônico da idéia separada, Aristóteles busca a inteligibilidade do real no quadro estático das categorias.

3.2.3 - A Insuficiência da compreensão aristotélica do SerA aporia da Metafísica aristotélica se reduz a aporia da substância147. A categoria da substância é que

funda a unidade dos diversos aspectos do ser, mas se a substância é o termo de referência, só é inteligível enquanto universal. A inteligência abstrai do ser concreto, material a sua inteligibilidade universal, a essência, e então não penetra os seres na sua existência, deixando assim escapar a originalidade de cada ser. Ora, se a inteligibilidade do ser é reduzida à inteligibilidade das essências esta permanece inteligibilidade lógica incapaz de atingir a existência singular dos seres reais. Temos assim a grande ambigüidade da metafísica de Aristóteles. Por um lado ela pretende alcançar o ser enquanto ser como objeto da metafísica, por outro lado, ela reduz a inteligibilidade dos seres separados à inteligibilidade estática do conceito universal de sua essência. Assim o ser aristotélico se situa nas determinações da essência. O ser se exaure na universalidade do conceito com o qual Aristóteles não consegue fundar uma analogia dinâmica do ser que seja a síntese de sua essência e existência. O ato judicativo participa do ser só enquanto a determinação objetiva é exigida pelo movimento mesmo da inteligência.

Conclusão: Assim, se o ser platônico era existencial, mas de uma existência ideal, o ser aristotélico não supera os limites das determinações da essência. Será, portanto, necessária uma atitude de síntese entre o realismo do inteligível de Platão e a justificação reflexiva do ser de Aristóteles.

Síntese geral da Fundamentação Aristotélica da Ontologia:Mostrou que o ser é justificado pelo juízo. O ser do juízo consiste em afirmar o ser.Justificação reflexiva do ser:a inteligência participa do ser. Refletindo sobre o juízo, descubro o ser e, ao

mesmo tempo, que o ser da inteligência consiste em afirmar o ser. Por isso, pode-se dizer que o juízo afirma o ser . O ser da inteligência participa do ser afirmando-o. é possibilitada pelo mesmo ser. Uma relação transcendente entre ser e inteligência. Basicamente: não se pode pensar sem pensar algo, afirmar sem pensar. O ser já está presente, portanto, como trancendental.

Cai em outra aporia: o ser será essencial. A inteligência abstrai do ser concreto, material a sua inteligibilidade universal, a essência, e então não penetra os seres na sua existência, deixando assim escapar a originalidade de cada ser.

Aristóteles queria uma ciência do ser enquanto ser, mas acabou reduzindo o ser a substancia (reducionismo). A substância é a universalidade da essência, mas perde a concretude que faz com que cada ser humano exista.

3.3 - A Fundamentação Tomista da Ciência do SerSanto Tomás nos dá a síntese de Platão e Aristóteles numa formulação adequada da ontologia clássica.

3.3.1 - O Ser, objeto da Inteligência148

De Platão e Aristóteles São Tomás recebe uma noção do movimento da inteligência149 em que o juízo aparece no seu caráter sintético do uno e do múltiplo sem hipostasiar a idéia150. De Aristóteles recebe a idéia de que o objeto da inteligência é o ser, pois em toda afirmação da inteligência emerge a necessidade absoluta de afirmar uma determinação objetiva151 introduzindo assim, o objeto afirmado na ordem do ser (Ser – mesmo – outro). E se a inteligência afirma com necessidade uma determinação do objeto, então também ela instala-se imediatamente no reino do ser (ela é). Portanto, no ato do juízo da inteligência revela-se o ser do objeto e o ser da inteligência em unidade. Mas esta afirmação expontânea do ser recebe uma expressão extremamente elaborada na doutrina da reflexão completa.152

147 Em torno da substância é que surgirá a insuficiência.148 Não esgotado pelo juízo, pelo conhecer. A afirmação da inteligência afirma o ser.149 Os três: Platão, Aristóteles e Tomás descobrem o ser por meio dele. A inteligência é, mas não é o ser.150 Platão hipostasiou a idéia, colocou-a separada.151 Em todo ato de pensar necessariamente aparece o ser, i. é, algo de determinado é. Só posso pensar algo e esse algo é (Ser).152 Há verdades objetivas, mas elas têm que passar pela inteligência afirmante, que reconhece a verdade em si.

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3.3.2 - A Afirmação do Ser na Doutrina da Reflexão CompletaSão Tomás funda a ontologia não numa operação da inteligência que se limita a abstrair do objeto uma

formalidade, ou captar a essência dos seres particulares, mas funda a ontologia no ato judicativo cuja função própria será afirmar o ser como existente 153 o qual possibilitará a unidade do uno e do múltiplo.154 Ele encontra a unidade do ser na afirmação absoluta do ato puro de existir que acontece no juízo e que torna inteligível a existência de cada ser enquanto limitado por sua essência155. E a afirmação da fonte do todo o ser como ato puro de existir é que permite afirmar do existir como tal: “esse 156(existir) é a atualidade de todos os atos e a perfeição das perfeições” (De Potencia q.7 a.2, ad 9m) e o ato de existir nos seres é a intimidade mesma do ser finito que se mostra assim num supremo grau de inteligibilidade. Esta afirmação absoluta do ato puro de existir supõe: a) uma reflexão completa da inteligência, e b) mostra a participação tanto do ato da inteligência quanto dos seres objetivos no ser absoluto (no existir absoluto).

a) Reflexão Completa: Em todo conhecimento o sujeito cognoscente se identifica com o objeto conhecido (intencionalmente, de alguma maneira), mas a inteligência é de certo modo tudo, pois ela está aberta a todo ser157. A inteligência, num primeiro momento, introduz um objeto nas condições da inteligibilidade necessária dela, é receptiva158, mas, num segundo momento, ela retorna ao “ser do objeto” libertando-o das condições subjetivas da assimilação159. Assim o juízo tem por termo a afirmação da existência do objeto. Este retorno só é possível através de uma reflexão completa da inteligência sobre seu ato160. Esta reflexão implica por um lado, o conhecimento da estrutura desse ato como orientada a conformar-se intencionalmente com o real, e por outro lado, o conhecimento da mesma inteligência como princípio ativo dessa conformação. A inteligência conhece, pois, o ser do objeto na medida em que ela afirma o ser do objeto descobrindo, ao mesmo tempo, o ser da inteligência. Esta reflexão completa é, assim, condição metafísica da afirmação do ser pela inteligência, e da disjunção que opera entre o sujeito e o objeto. Não se pode afirmar o ser se, simultaneamente, não afirmar que o ser da inteligência. É um ato por estrita reflexão.

b) Participação: Se a inteligência afirma o ser do objeto pela reflexão sobre si mesma que descobre o seu ser, ela mostra ao mesmo tempo a sua participação na inteligência infinita161, no ser absoluto, no qual existência e essência se coincidem, pois afirmando o ser descobre seu ser-relativo (se é relativo, participa). A inteligência infinita está presente na inteligência finita como princípio de todo conhecimento intelectual, i. é, na medida em que ela possibilita na inteligência finita a afirmação do ser. A inteligência afirma o ser do objeto na medida em que ela afirma o ato de existir limitado pela essência desse objeto. A atribuição da existência por si infinita a um objeto finito só se justifica por essa limitação intrínseca pela essência do objeto. Ora, isso significa o ser do objeto é afirmado enquanto participado, i. é, o ser do objeto é inteligível na medida em que aparece com uma existência participada que exige a sua dependência causal do Existir Subsistente162.

Conclusão: Assim, Tomás faz convergir a dialética do ato e a dialética do objeto para o Ser em quem a intelecção e o inteligível são o mesmo. Tomás vê formalmente constituído o objeto ontológico como ciência nesta inteligibilidade do ser que se mostra no juízo como participação do ato e do objeto. Ora, esta inteligibilidade do ser se mostra imediatamente transcategorial ou transcendental 163 na medida em que a afirmação do ser

153 É a novidade, afirmar o ser como existente (esse).154 Quando digo que algo é estou afirmando a existência, o existir da coisa. O ser em Platão afirma a idéia, em Aristóteles afirma a substância, em S. Tomás afirma o existir.155 É no horizonte do existir que se dá a possibilidade da predicação. O existir não é predicado. Um existir determinado é um ser finito, o existir limitado por uma essência. Sem esta determinação seria o ato puro de existir. Portanto um ser finito qualquer se torna inteligível por uma essência determinada.156 O ato dos atos é o esse.157 Essa abertura significa que ela pode conhecer potencialmente tudo. Não significa que ela irá de fato conhecer tudo.158 Se ficasse nesse nível, cairia num subjetivismo, cada um com sua sentença.159 Nesse momento, é ativa.160 Refletindo sobre o ato de inteligir descubro que o ser do ato é conformar-se com o objeto.161 Eu conheço o ser da inteligência que consiste em descobrir o ser. Se este ser não é o ser, então ele é participado.162 Existir altera Aristóteles: Aquino:

relação causal relação A c. f. ser subsistenteparticipação essênci essência (pot.)

existência P c. e. existência (ato)essência inteligência

163 Não pode ser objetivado, além de toda categoria.32

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implica a participação tanto do ato como do objeto na Existência Infinita: Inteligível perfeito e intelecção criadora. A ontologia é assim a ciência suprema como ciência do ser.

( Nota explicativa:Para S.Tomás em todo juízo o que eu afirmo não é o Ser (Platão) mas o Existir.

ESSE (Ato Puro de Existir, existir sem limitações)

EXISTIR DETERMINADO OUTROS (limitado por uma essência) ESSÊNCIA (F+M)

Esse = condição transcendental de possibilidade de afirmação de todo existir determinado. Logo, toda afirmação depende desse Ato Puro de Existir. Para Platão era o Ser a condição transcendental de possibilidade de todo juízo (pensar) porque só podia pensar algo e algo que é.

Outros = há nesses outros um que é privilegiado, a saber, a Inteligência. E a Inteligência é especial porque é a única capaz de conhecer os demais seres. Só ela pode conhecer o Ser. )

Síntese geral da Fundamentação Tomista da Ontologia:Para Tomás, o ser é descoberto no juízo (Platão) por uma justificação reflexiva (Aristóteles): justificação

reflexiva completa sobre o juízo, a inteligência reflete, resulta em cada ser existente, afirma não o ser universal (idéia ou substancia), mas o existente, que contem uma essência. O juízo não é o ser, mas o afirma.

Existir (esse: ato puro de existir,Torna concreto, substancial, S é P fonte de toda inteligibilidade de todos os seres concretos)Um ser existente, limitado existênciaPor sua essência. essência

O existir é de muitas maneiras.Existir ( esse ) : não é o existir empírico, mas metafísico. Uma relação transcendental

Ser essência: limita o existir, para não ser absoluto. Entre elas.Tomas radicaliza a pergunta radical da razão: “o que é?”, passando para “porque algo existe ao invés do

nada?”. Porque existe o ser?Para ele, o mundo, o existir, não é necessário. Então, o que afirmo é o existir que é limitado por uma

essência, se não seria o absoluto.Surge a idéia de criação, pois o existir de um ser finito participa do ser absoluto (ato dos atos, perfeição da

perfeição). Todo ser finito é contingente. Em cada afirmação, o ser subsistente está presente como condição de possibilidade dela.

No ser finito, razão e ser se distinguem, pois a existência é limitada pela essência, mas participa do ser absoluto. Ser e inteligência se separam.

No ser absoluto, ser e razão, mundo e linguagem, se coincidem. É ontológico (entitativo) e lógico, transparente para si mesmo.

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CAPÍTULO IV A RETOMADA DA METAFÍSICA NA FILOSOFIA MODERNA 164

Na retomada da metafísica partimos de Kant porque ele marcou uma ruptura na “posse tranqüila da Metafísica. Até então do ponto de vista teórico nunca fora questionada a metafísica. As críticas se desenvolviam no interior da metafísica. Kant começa a questionar a metafísica enquanto tal.

4.1 - Colocação crítica do problemaKant colocou de maneira crítica o problema da metafísica, e para ele o problema da metafísica que é o

problema do ser, é o problema do todo. Dirigir-se ao todo é a tarefa essencial da metafísica. Mas a pergunta de Kant é se os objetos metafísicos da razão podem ser determinados pelo pensamento. O que ele questiona é o modo tradicional de referir-se ao todo, i. é, a pretensão da metafísica de alcançar cientificamente, metodicamente, seus 3 objetos: Mundo, Homem e Deus.

A metafísica que Kant conheceu é a racionalista de Leibniz e Wolf (séc. XVIII) com sua divisão em metafísica geral (ontologia) e metafísica especial [cosmologia (mundo), psicologia racional (homem) e teologia natural (Deus)]. Este conteúdo da metafísica deixara de ser percebido na sua unidade. A pergunta que Kant coloca é já uma questão tipicamente moderna: “Qual é a cientificidade 165 possível dessa metafísica racionalista? ” Ele reconhece que a metafísica foi e seguirá sendo uma disposição natural do Espírito Humano, mas o problema é o da cientificidade possível do caminho metafísico166.

O ponto de vista que Kant adota para julgar as pretensões da razão de conhecer o todo é o da finitude (razão finita) e o da subjetividade (sujeito). Este ponto de vista é inteiramente novo. A finitude torna-se o lugar explícito a partir do qual o todo é visto e determinado (as determinações vão vir agora do sujeito). Este novo ponto de vista é a conseqüência da metafísica racionalista que é resultado de uma “logicização” da metafísica (antes, o ser determinava a razão, mas agora há um predomínio da razão). A relação do lógico com o todo deixou de ser suficientemente pensada167, daí o florescimento nos tempos modernos de um formalismo matemático, ou lógico, que se apresenta como saber que projeta a priori (sem conteúdo, somente formal). Em conseqüência coloca-se a questão do conteúdo desse saber. Nesse contexto o recurso necessário à

164 O artigo do Pe. Vaz Ética e Razão Moderna ilustra muito bem as características da Razão Clássica e Moderna. Razão Clássica: uma razão metafísica, i. é, o ser determina a razão que é transcendental, tem uma autoreflexividade que percebe ser determinada pelo ser. Razão Moderna: razão independente do ser, mas não totalmente, porque a razão deixa de ser metafísica, e passa a ser autônoma.

A partir de Kant a razão deixa de ser ontológica, uma ciência do ser, mas torna-se uma razão no horizonte da totalidade. Temos a razão teórica e prática. Na razão teórica temos a diferenciação entre o conhecer e o pensar. Conhecer se dá através do entendimento. O pensar é próprio da razão, onde encontramos as idéias de mundo, de homem e de Deus. São idéias formais porque não temos acesso ao conhecimento de Deus, nem do homem e também do mundo (em si). Não podemos aplicar as categorias do entendimento que dão o objeto do entendimento. “Categorias sem conteúdo são vazias”. Formalmente as leis da natureza são leis do entendimento (categorias). Não se pode, neste sentido, conhecer a Deus, pois ele teria que ser um objeto constituído pelo sujeito.

Para Kant o ser não pode ser mais conhecido, é a coisa em si (aquela coisa que não conhecemos) e a razão não conhece o ser. A razão (sujeito) conhece os objetos (dados pelas categorias do entendimento). Daí não posso conhecer Deus, mas também não posso dizer que ele não exista, pois não tenho onde confirmar isto.

Porém categorias sem intuições são vazias. Essas intuições são dadas pela coisa em si, que é incognoscível, pois não passa pelo processo do conhecer.

A razão prática (o agir, a práxis) é a faculdade de agir racionalmente. Supõe uma causa que produz efeito. A causa do agir é a vontade que produz ações (efeito) que são submetidas à lei da razão prática, a lei da liberdade (autonomia = auto nomos = lei própria), uma lei intrínseca, liberdade para si mesmo. A razão prática está no âmbito do pensar, como também a lei da liberdade= autonomia. Daí o imperativo categórico de Kant: Devo agir incondicionalmente com esta lei intrínseca = “age como se tua máxima possa ser elevada a uma lei universal”. Agir autonomamente de acordo com a lei universal.

A coisa em si é incognoscível, mas tem que ser admitida. A finitude nossa é dada pela dependência dos “algo de fora”. Aquela “fonte que me dá os algos de fora”, mas não posso conhecê-la. Ex: Não posso conhecer o ser humano em si, posso apenas conhecer os fenômenos. O homem em si não é conhecido, mas é a fonte de onde vem o fenômeno Homem.

Kant é o filósofo dos limites, através de suas críticas apresenta os seguintes limites: Coisa em si - Fenômeno; Conhecer -Pensar e Entendimento - Razão.165 A Física (= ciência da natureza) tanto para Kant quanto contemporaneamente continua sendo a referência, ou modelo, de ciência. Por isso um exemplo: a tendência biologicista de algumas correntes da Psicologia.166 A ciência moderna encontrou o caminho seguro para a cientificidade, daí chegaram a resultados relevantes, seguros e inquestionáveis. Descobriu, devido a física Newtoniana-Galilaica, que a natureza está escrita com caracteres matemáticos. Então o sujeito vai a ela e a interroga. É o sujeito que leva as hipóteses à natureza e a obriga a responder.

Na metafísica ocorre o contrário. Se trata de ver qual o caminho seguro que leve a uma ciência do ser. Kant faz uma revolução copernicana do conhecimento: descobre os juízos sintéticos a priori. Mas como eles são possíveis?167 Como que a lógica (razão) se volta para o todo?

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experiência assume o sentido de uma experimentação na qual os fatos apresentados devem permitir a verificação dos princípios nos seus conteúdos concretos.

A mesma questão coloca-se então para a metafísica: “como lhe é dado um objeto?” Essa questão é formulada por Kant com a pergunta: “Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?” Como é possível a metafísica? Essa pergunta condiciona toda a Crítica da Razão Pura. São a prova kantiana da aprioridade da forma da sensibilidade (espaço-temporal), da distinção radical entre fenômeno e coisa-em-si e a rejeição da metafísica enquanto ciência168. Aqui se produz a revolução copernicana 169 . Kant apela explicitamente à finitude do conhecimento humano para responder a essa pergunta e rejeitar a metafísica como ciência. Para ele, qualquer juízo sintético a priori (junção a priori de um predicado a um sujeito sinteticamente) só é possível pela mediação da experiência170. Porém a intuição genial de Kant está em ter interpretado esta mediação pela experiência não só como um assumir um dado de fora, mas também como um constituir o dado (ver nota explicativa). Portanto, a mediação através da experiência se dá: ou assimilando um dado ou mostrando que certas ciências são constitutivas da experiência.

O dado é construído com uma lógica transcendental, ela é constitutiva do objeto. Assim, “As condições de possibilidade da experiência são, ao mesmo tempo, as condições de possibilidade dos objetos da experiência.” (B 197). Isto é, a experiência supõe dado, mas estes sempre estão em relação com um sujeito, isto significa, a experiência é constituída por um sujeito. Dizer portanto, que a experiência é constituída por um sujeito transcendental significa que a experiência é sempre relacionada a ele. Constituir não é produzir: sem os dados de fora, não há constituição.

Nota explicativa:S é P na metafísica clássica. O Ser se diz de muitas maneiras e a primeira é a Substância. Sujeito

ontológico: essência (substância)Para Kant não podemos supor esse sujeito ontológico porque são pontos referenciais de seu pensamento: a

finitude (limites) e a subjetividade.(Conhecimento

Limite Esquema Finito) LimiteAlgo(s) SENSIBILIDADE Transcend. ENTENDI- EU RAZÃO

(imaginação MENTO PENSO espaço tempo transcend.) pensar (Formas a priori) ideías

Fonte incognoscível regulativasCondição de Possi-bilidade do fenômeno agir-prática

homemautonomo(se dá lei)

mundonoumênico(deve ser,mas podenão ser.Deve ser

Mundo fenomênico (o que é) Construído)

Noumenon não é corretamente correspondente à coisa em si. Noumenon é do lado da Razão. Um exemplo de noumenon é a Liberdade.1. fenômeno – coisa-em si: o primeiro é constituído pelas categorias;2. conhecer – pensar : as categorias principais são causa e efeito, pois são modos de pensar do entendimento. O pensar se dá

pelas idéias (mundo, homem e Deus), são regulativas e não constituvas, pois abrem o entendimento. O ato de conhecer nunca esgota a coisa em si;

3. mundo Noumênico (razão) – fenomênico: o homem se realiza e atua no fenomênico, que é determinista. Todo fenômeno tem uma causa (física de Newton e Galileu). Por causa disso, Kant não abre mão da coisa-em-si ser incognoscível. Pois caso fosse conhecida, não haveria espaço para a liberdade, a determinaria: “tive que limita o espaço do conhecimento para abrir espaço para a crença, para a liberdade”. Onde cessa o mundo, cessa o determinismo, o fenômeno e começa a liberdade.

168 Pois o conhecer é constitutivo, determinista. Só se conhece, então, o que é constituído, o objeto, o que não ocorre com Deus, homem e mundo. Onde cessa a explicação (causa e efeito) cessa o conhecer.169 Ver nota 167.170 A experiência explica o sintético. A experiência é que possibilita os juízos sintéticos.

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Coisa em si

1a. síntese (espaço-temporal): forma apriori da sensibilidade. Estão no sujeito e não nas coisas. Não são conceitos.Aqui ainda não há conheci-mento, apenas ordena sucessi-vamente.

2a. síntese Aplica as categorias (Quant., Qualid., Rel. e Mod.). elas constituem o obje-to ao serem apli-cadas a intuição. Estão no sujeito.

Sujeito que realiza as duas sínteses an-teriores, acompanha-ndo todas as repre-sentações. Síntese originária da aperce-pção (cosnciência de si) ≠ de percepção (sensível)

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4.1.2 - A transformação171 transcendental da MetafísicaO que aconteceu em Kant? Lembremos o resultado anterior: todo conhecimento humano se desenvolve

no marco da subjetividade finita cuja função própria é determinar, e por isso requer para sua operação algo determinável. A determinação como operação da subjetividade é a abertura do horizonte da objetividade em geral172 dentro do qual o determinável como dado toma consistência, i. é, é determinado. O determinável como “outro” da subjetividade chega a ser “objeto”. A experiência e o conhecimento, enquanto auto-realização da subjetividade, se produzem como abertura do horizonte transcendental, que se concretiza como objetividade. O que não entra neste horizonte não pode ser conhecido pois não chega a ser o objeto, permanece indeterminado. Portanto, se consideramos o transcendental num sentido mais ativo, temos a operação da subjetividade. Se considerarmos o horizonte transcendental num sentido mais estático, temos o espaço mesmo aberto, i. é, o âmbito da objetividade em geral. No seu conjunto, o acontecimento total do transcendental é a atuação da subjetividade que inclui o outro dela (diferente da subjetividade) na circularidade de sua automediação, de forma que a subjetividade que se produz se revela como a objetividade mesma dos objetos. Para a subjetividade transcendental, o outro é o determinável do dado sensível, mas, designando assim o “outro” como determinável para a subjetividade Kant remete ainda a um novo outro que não é para a subjetividade e que podemos chamar o outro transcendental (a coisa em si). Este outro é um conceito limite do qual a subjetividade transcendental precisa para poder se delimitar como subjetividade finita. A coisa em si é primordialmente aquilo pelo qual reconhecemos e preservamos o caráter fenomenal do nosso conhecimento (fenômeno só tem sentido se delimitado pela coisa em si).

Então a transformação transcendental da metafísica operada por Kant consiste em que o todo é pensado como objetividade, i. é, como autodeterminação da subjetividade e que a objetividade assim compreendida corresponde a doutrina clássica da essência e do ser, mas reduzindo o ser ao ponto de vista transcendental. O Ser, o sujeito transcendental, passa a ser um predicado transcendental que determina o objeto na sua plena objetividade, i. é, na objetividade plena do objeto constituído pelo sujeito173. O Ser não é aquela presença que sempre precede o nosso conhecimento e na qual está sempre arraigado, mas, ao contrário, é o termo sempre objetivo do movimento da objetividade transcendental. Ora, na medida em que transcendentaliza o Ser reduzindo-o à objetividade, Kant encontra o limite da razão pura. A razão não pode ir além do limite da objetividade ou da possível experiência que é constituída pelo entendimento. O máximo que a razão pode fazer é orientar os conhecimentos assim adquiridos na direção da unidade última incondicionada, mas ela, enquanto razão, é indeterminada porque às idéias formais da razão (Mundo, Sujeito e Deus) não corresponde nenhuma experiência possível, pois experiência só é possível em relação à intuição de um dado sensível.

A razão Pura Prática174

O mesmo acontece com a razão prática. Pela lei prática a realidade objetiva das idéias é postulada. O que é esta realidade objetiva teoricamente indeterminada mas praticamente postulada? Nós temos acesso a ela pela liberdade que a lei moral determina mostrando-a como autodeterminada (autônoma). Pela realidade objetiva da liberdade e pelos outros postulados podemos chegar a formar um conceito bem determinado de Deus como aquele que possibilita a realização do supremo bem (composto de moralidade e de felicidade). Mas qual é essa determinação de Deus? A resposta de Kant é coerente: o que dizemos de Deus pelo caminho dos postulados práticos não alcança a sua natureza, não a determina em si175 mas é a nós mesmos que determina e a nossa vontade. 171 A metafísica clássica era uma metafísica do Ser (unum, verum et bonum: transcendentais, pois estão no ser), mas agora é uma metafísica dos princípios apriori da razão.

Época clássica modernaSer → subjetividade O transcendental do ser é o do objeto.

* Síntese espaço temporal;* categorias do entendimento;* eu penso (apercepção).

Objetividade em geral. Objeto, algo determinável

Coisa em si172 Suj.< obj. Se algo for constituído objeto o será no horizonte da objetividade em geral – o que conheço é o objeto no horizonte aberto pela subjetividade. Só posso conhecer algo no horizonte da subjetividade, isto é, só posso conhecer algo constituído.173 É o sujeito transcendental que valida os juízos sintéticos a priori, quem configura a forma objetual dos objetos, as categorias.174 A lei moral me leva a liberdade. A realização desse supremo bem exige o postulado de Deus, pois o supremo bem é a síntese da felicidade (seres) e moralidade (razão). Só se pode realizar a liberdade no mundo sensível por uma concordância dos dois no mundo sensível.175 Ela nos ilumina a nós mesmos, não a natureza de Deus.

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O sentido da realidade objetiva é determinado pela subjetividade prática transcendental. Assim a ampliação prática da razão pura não significa um acréscimo especulativo, nenhum conhecimento novo do que Deus é realmente em si mesmo. O único que pode ser retido para o conceito determinado do ser supremo são os predicados que correspondem à intenção prática da razão. Assim o conceito de Deus pertence à moral e toda a teologia é simplesmente ético-teologia, predicados ontológicos são impossíveis. Assim o questão do ser encontra-se colocada de maneira crítica em Kant. Não reduzida ao campo da subjetividade transcendental.

O dever é incondicional. Se é incondicional tem que ser possível. Logo temos que mostrar a sua possibilidade – que são dadas pelos postulados da imortalidade e da existência da Deus. Esses postulados iluminam o agir, não a natureza do Homem. ]

4.2 - Hegel e a Dialetização da MetafísicaHegel é Kantiano, assume-o e o critica. Kant era o filósofo dos limites, Hegel diz que isso não se sustenta

porque se estabelecemos um limite já fomos além desse limite. Portanto podemos ao menos ter a certeza que é cognoscível. Para Kant é o sujeito que abre o horizonte da inteligibilidade, mas esse sujeito é finito. Em Hegel aparece o sujeito infinito, o Espírito Absoluto, e que será o horizonte da inteligibilidade. A história é automediatividade do sujeito.

Para Hegel o horizonte de inteligibilidade continua sendo o homem ( como em Kant). Mas como a subjetividade transcendental se delimita como finita? É através do confronto com a “coisa em si”. Hegel não admite os limites kantianos porque a Subjetividade Transcendental passa a determinar o Ser (coisa em si), por isso, é em Hegel é Sujeito Absoluto.

A objetividade é a automediação da subjetividade. O sujeito se auto-mediatiza. O Ser é história = auto-desdobramento do Absoluto. O Ser para Hegel vira História. Só a racionalidade dialética pode dar conta dessa História.

Antes o Ser determinava a Razão. Em Hegel há uma inversão. O Ser é logicizado. A Razão determina o Ser.

4.2.1 - Crítica à filosofia transcendental de Kant1°) Crítica à unidade sintético-originária da apercepção (do eu penso): Para Hegel, essa idéia da unidade

sintético-originária da apercepção é o princípio autêntico de toda e qualquer especulação176.Hegel supera radicalmente o dualismo de Kant (coisa em si/fenômeno), isto é, o ponto de vista da

subjetividade e da finitude, mas supera englobando. A filosofia de Hegel é, nesse sentido, a tentativa de conceber o real em sua totalidade177 sempre mediada

pela subjetividade. O grande feito de Hegel consiste em integrar todo o ponto de vista de Kant, centrado no homem como Sujeito, dentro de uma visão do real em sua totalidade. Hegel chama a atenção de que Kant não foi até o fim de sua descoberta por deter-se no reino das “coisas-em-si” completamente incognoscível. O que se deve compreender é a totalidade. Ela é o espaço em que nós estamos, refletimos e falamos (estamos sempre dentro da totalidade).

Três razões dessa críticaa) A verdade, de modo geral, é concordância do conhecimento com o seu objeto. Mas falando da “coisa-

em-si”, Kant introduz uma inadequação de conceito e de realidade pois para que o real possa ter algum sentido não pode pressupor atrás de si uma “coisa-em-si”. O objeto (ou o real) é aquilo que é compreendido, que chega à sua auto-compreensão.178

Se para além do objeto tivéssemos que pressupor a “coisa-em-si”, tudo o que nós disséssemos a respeito da verdade, seria fazer representações vazias de conteúdo. Sem uma auto-mediação, um dizer-se a si mesmo em oposição e em separação do real.

b) Kant absolutiza a finitude do conhecimento. No momento em que a filosofia quer dar um conteúdo, quer dizer o que é a finitude, já está implicando o conceito de infinitude, uma concepção do real em sua totalidade que ele não explicita.179 Não é, pois, possível fugir do todo (ao todo).180

O Homem é essa totalidade, move-se dentro dela e é inútil fugir dela porque ao querer fugir dessa totalidade nem por isso o homem foge de estar relacionado a ela dizendo-a, implicando-a.

176 Plano filosófico por excelência em Hegel. É essa a atividade da Razão.177 Sem os limites kantianos.178 Movimento do real = mov. do conceito ( o real é racional).179 O finito é uma determinação do infinito.180 Em qualquer necessidade há uma manifestação do absoluto. Ex.: até mesmo a operação 2+2 = 4 tem uma necessidade que já supõe o absoluto.

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c) A liberdade incompreendida. Hegel diz “a concepção do idealismo subjetivo (Kant) encontra sua contradição imediata na consciência da Liberdade. Liberdade que procura dirigir-se às coisas e integrá-las em si.

Com isso se mostra que entre as coisas e o homem como Sujeito existe sempre a relação. E, por isso, as coisas não podem estar além dele. Não pode haver uma “coisa-em-si” desconhecida.

2°) Crítica aos juízos sintéticos à priori: [ louva e critica. ] Hegel vê na idéia dos juízos sintéticos à priori a idéia verdadeira da Razão, mas acrescenta que Kant não desenvolveu essa idéia até o fim. Em Kant os juízos sintéticos à priori era um problema do conhecimento, isto é, tratava-se de fundamentar as ciências que incluem esses juízos. Hegel desloca este problema do plano da Crítica do Conhecimento para o plano especulativo da compreensão da realidade, pois para ele não é possível representar-se um Sujeito pensante que enuncia juízos sintéticos à priori sem permanecer numa consideração unilateral e que a respeito deles se coloque o problema de sua comprovação (dos juízos sintéticos à priori). Pois a totalidade do real existe sempre de antemão. Conhecer/Pensar é já sempre estar dentro do real181, é a automanifestação do real”. O real é uma totalidade que contém essencialmente a auto-mediação e o problema dos juízos sintéticos à priori é entender o real ou o absoluto como Ur-teie (juízo. Ur = parte originária), isto é, como algo que não é abstrato, mas como Sujeito que se divide, se exterioriza, se auto-diferencia e, nesse processo, se encontra em sua totalidade plena. O problema dos juízos sintéticos à priori foi elevado ao plano de uma compreensão do real como síntese e auto-divisão de todas as diferenças a partir de uma identidade originária (Ur-teie). Assim à pergunta, à questão formal e abstrata de como fundamentar o juízo sintético à priori, não pode obter resposta antes de se reconduzir o problema ao plano em que ele surge, no seu sentido verdadeiro. Não se trata, portanto, da possibilidade de haver juízo sintético a priori, mas trata-se de perguntar como compreendemos o real, como o real em sua totalidade “chega à sua racionalidade”.

3°) Crítica às antinomias da Razão182: Hegel diz que Kant tem uma intuição muito profunda porque o real não é algo indiferente mas uma totalidade que é síntese de opostos. E ele chama a atenção para o aspecto dialético de Kant. Louva-o por ter descoberto as antinomias da Razão. Essa descoberta significa um progresso profundo na compreensão do real porque o real é um processo dialético. Mas ele critica Kant por ter colocado as antinomias na Razão separada do real. A Razão para Kant é a suprema unificação do conhecimento mas apenas do ponto de vista regulativo. Kant encontra as antinomias só na Razão em vez de encontrá-las na própria realidade. O que Hegel tenta fazer é compreender o próprio real em sua totalidade numa perspectiva dialética.

4.2.2 - A proposição especulativaQual é pois o ponto de vista do qual Hegel se coloca? O ponto de vista da ciência é o especulativo. O ponto

de vista de Hegel é o da absolutidade ( não é concebida como separada, mas como transcendente) porém a palavra absoluto não pode ser entendida de modo abstrato ( fora do real, do contingente), isto é, que excluísse o movimento, relatividade, história, etc. A característica de Hegel é de ter levantado, por um lado, a pretensão de uma compreensão total do real, e por outro lado, de ter apresentado esta concepção como infinitamente detalhada, infinitamente mediada. O absoluto não é algo consistente em si mesmo com a exclusão da realidade concreta (histórica) mas o absoluto é o processo da realidade total que inclui todos esses aspectos particulares. Hegel compreendeu o Absoluto como uma mediação do conceito. O conceito não significa algo como uma identidade subjetiva, mas significa a totalidade de um fenômeno, a auto-expressão de uma totalidade. Neste sentido, o conceito nunca será algo estático, mas sempre um movimento, passando de uma compreensão para outra. A expressão lingüística que caracteriza tudo isso é a proposição especulativa183.

( Mas para entender o que é a Proposição Especulativa:)

- Proposição empírica:Uma proposição é sempre uma predicação de algo sobre algo ( S (algo) é P (algo)). O primeiro algo (S) é

sempre um substrato (aquilo que está na base) e do qual vai ser predicado um segundo algo. Na perspectiva empírica a proposição é sempre atribuir predicados a um substrato, predicados esses que provém da experiência casual, isto é, do encontro casual que o Sujeito falante tem com esse substrato.

Predicados são atribuídos a Sujeito de maneira extrínseca. Não se diz o que seja o Sujeito como tal. Tudo isso se reduziria a um amontoado de Predicados sem conexão interna porque provindos de uma experiência casual cujo nexo interno (S e P) não é compreendido. (Sujeito-coisa)

- Proposição metafísica:

181 Para perguntar pelo todo já tenho que estar dentro dele.182 Para Hegel, Kant consideraria a realidade como antinômica já que a Razão não pode cair em contradição.183 Não é uma proposição S é P, mas é uma proposição de proposições, a expressão do todo. Uma proposição empírica, por exemplo, liga o predicado ao sujeito de modo puramente acidental, como em “a árvore é composta de ramos...” O sujeito é um sujeito coisa – algo extrínseco.

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Esta consiste em considerar o Sujeito-coisa num plano filosófico, metafísico, isto é, no plano que faz do Sujeito-coisa algo consistente: O Sujeito de uma enunciação que tem a pretensão de ser verdadeira para todos.

Na perspectivia metafísica aquilo a que se dirigem as proposições é sempre um Sujeito ontológico. E a metafísica consiste na atribuição de predicados metafísicos a este sujeito. Predicados que em parte são casuais e em parte já são vistos com uma certa conexão interna. Na “Enciclopédia das ciências filosóficas” Hegel trata do conceito de lógica ( “As diferentes posições do pensamento em relação à objetividade”). Nesse texto o ponto de vista da Metafísica é o plano do entendimento e não o plano da Razão, isto é, aquele plano do qual a filosofia pensa poder atingir a verdade das coisas através da atribuição de Predicados a elas. Hegel diz “esta ciência considera as determinações do pensamento como determinações fundamentais das coisas mesmas.”

Quanto a isso, Hegel louva muito essa Metafísica e diz que ela está acima do filosofar da crítica posterior. ( Sujeito-ontológico)

A crítica que Hegel faz à metafísica é que através das atribuições de Predicados à coisa, ela crê ser a coisa conhecida no que ela mesma é realmente. Certamente essa metafísica fazia uma suposição inicial de que as categorias do pensamento são também categorias das coisas. Porém a relação entre o Sujeito e as Categorias, segundo Hegel, ainda é entendida de uma maneira exterior.

A proposição metafísica atribui Predicados a um Sujeito ontológico. A coisa aqui não é mais a coisa do plano empírico-casual mas é um Sujeito situado já no plano da compreensão inteligível. Porém, a relação entre o Sujeito e Predicado ainda é exterior.

- Proposição transcendental:A perspectiva transcendental sempre se centra em torno do Sujeito humano. É a perspectiva que procura

descobrir a implicação que tem o Sujeito humano no pensar filosófico. Essa implicação é absolutamente determinante para o conhecimento filosófico em Kant.

Também no plano transcendental o conhecimento se processa através do juízo (S,P e cópula). Mas a ligação entre o Sujeito e Predicado passa pela automediação do Sujeito mesmo. O Sujeito ao qual se atribui uma determinada coisa é o Sujeito que se situa num plano superficial porque está tendo como seu pressuposto o Sujeito Transcendental que se automediatiza através do juízo no qual acontece a atribuição de um Predicado a um Sujeito.

Em Kant a desc (?) do Sujeito humano é pensada em toda a sua amplidão, em todo o seu significado, na constituição do conhecimento das coisas. O Sujeito é um ponto que atua através de funções chamadas categorias e com isso constitui o conhecimento objetivo. Com Kant a Subjetividade entrou no plano do conhecimento. E desde então, não podemos refletir sem levar em conta o papel do homem como Sujeito cognoscente.

Porém, para Hegel, o homem é totalidade. Não existe um Sujeito isolado que depois entrasse em relação com um mundo de coisas, mas o que há é o mundo da linguagem. Esse mundo é uma totalidade, isto é, já é o homem em relação com as coisas.

A realidade não é determinada só pelo Sujeito nem só pelas coisas mas realidade, enfim, tudo que é categoria, e o que emerge no encontro (homem com as coisas) na totalidade dada e não uma totalidade que o homem chegaria se quisesse ou não.

O homem está sempre mediado pelas coisas e as coisas sempre mediadas pelo homem. (Sujeito-transcendental)

- Proposição Especulativa:Temos de novo o Sujeito e o Predicado e a cópula. Mas o essencial da proposição especulativa consiste em

ver que o Predicado é realmente a mediação do Sujeito.Se perguntássemos que é o Sujeito teríamos que responder: é o Predicado. Porém, não ligados de modo

exterior, mas de modo que o Predicado é automediação mesma do Sujeito. No início o Sujeito é sempre uma abstração. A proposição não consiste em atribuir nem empiricamente, nem metafisicamente, nem transcendentalmente Predicados a um Sujeito, mas é o movimento imanente da própria coisa.

Podemos caracterizar todo o sistema de Hegel como uma única grande proposição especulativa, que seria a Idéia , a Natureza, o Espírito. A Idéia se mediatiza através da Natureza chegando ao Espírito. Aqui a cópula184 não seria uma proposição mas um silogismo como Hegel diz no fim da “Enciclopédia”. Mas o silogismo não é outra coisa senão a continuação, concretização maior de uma proposição. Nesse sentido, a proposição especulativa seria a grande proposição que é constituída de inumeráveis proposições particulares.

4.2.3 - As três partes da LógicaO método dialético: Na enciclopédia Hegel distingue 3 aspectos de logicidade:

a) o aspecto do abstrato ou do entendimento,b) o aspecto da dialética ou da razão negativa,c) o aspecto especulativo ou da razão positiva.

184 O é do juízo S é P.39

Page 40: Apostila de Metafísica

Não são três partes da Lógica, mas três momentos de toda e qualquer realidade lógica. O ser é inteligível, o real é racional.

a)O Abstrato: são os conceitos tomados em si mesmos (na sua fixidez), em sua “determinidade” sem mostrar a necessidade de serem relacionados com outro.185

b)O Dialético: é o momento da negação dessa determinidade dos conceitos ou das categorias, por ex., se digo “finito” e paro, estou no primeiro plano do entendimento, mas se me elevo ao plano da razão o conceito de “finito” me leva ao seu contrário, o “infinito”.

c)O Especulativo: é o momento da afirmação. Momento que capta a unidade dos dois anteriores. Temos uma negação (dialético), a negação da negação ( = afirmação. Especulativo) e neste terceiro momento atingimos a coisa de que se trata, a unidade dos dois.

Não existe um método formalmente estabelecido que fosse aplicável ao real. O método é a alma imanente do real. Na Fenomenologia do Espírito, por ex., o método é a alma imanente da experiência que a consciência faz, na Filosofia Política o método dialético é a alma imanente da auto-realização da liberdade, na Lógica (Ciência da Lógica) o método é a alma imanente da categorialidade, da discursividade que se auto-sistematiza enquanto se auto-compreende.

Determinidade das coisas = entendimentoRelacionalidade das coisas = razão.A compreensão do real inclui determinidades e relacionalidades.

[ A relacionalidade é a determinidade das coisas completamente correspondida. Ex.: Qual o verdadeiro em si da criatura? É tanto mais em si quanto mais relacionado estiver com o todo. ]

No parágrafo 18 da Lógica encontramos: “A idéia se revela como sendo o pensar puro e simplesmente idêntico consigo”.

1. A idéia é primeiro um universal do qual de outro modo nunca se sai. É o pensamento que seja o que for, e pense o que pensar, se afirma e se confirma sempre como pensamento e permanece idêntico a si mesmo. A Idéia tomada nesta pureza e nesta abstração pelas quais é pura inteligibilidade que se capta como inteligibilidade pura é o objeto da “Ciência da Lógica”. Esta é pois a ciência da Idéia como Logos Universal ou da Idéia “em-si e para-si” como duplo matiz de abstração ou pureza mas também de totalidade e de ausência de unilateralidade implicado na expressão “em e para-si”.

2. Mas de fato nessa definição da Idéia como pensar idêntico consigo há algo mais do que a simples universalidade lógica do pensamento, pois em Hegel só há afirmação verdadeira pelo caminho da negação. Assim a identidade consigo do pensamento não é outra coisa senão a negação de sua diferença consigo. Na expressão “idêntico consigo” (e especialmente na preposição “com”) encontra-se já conotado um “processo” de identificação consigo, pois, se o pensamento é idêntico a si, isso implica que difere de si e nega essa diferença. A diferença de si a si implicada por essa identificação consigo, constitui a Idéia como Natureza e funda a Filosofia da Natureza, que é a ciência da Idéia em “seu ser outro”, i. é, da Idéia na sua alteridade, em sua diferença consigo, em seu distanciamento de si, em sua particularidade.

3. E de novo na expressão “idêntico consigo” que implica um processo de diferenciação (Idéia e Natureza) está contida a identificação consigo do pensamento, ato implicado no si da expressão “idêntico consigo” que supõe o processo de retorno a si fora da diferença, e de coincidência ativa consigo. Este processo de retorno e de coincidência ativa é constitutivo da Idéia como Espírito e por isso funda a Filosofia do Espírito, que é a ciência da Idéia, não mais na sua universalidade lógica, nem na sua particularidade natural, mas na sua singularidade espiritual186 do ato que dispõe soberanamente de si. Então lógica (U), natureza (P), e espírito (S) são três momentos de uma única idéia absoluta.187

185 Ex.: Se digo “Ser”, é o mais abstrato de tudo, porque é o todo. O Ser em sua fixidez é abstrato.186 Em Hegel o singular é o universal concreto.187 A Idéia absoluta em Hegel não existe separada (como em Kant com o conceito (idéia) correspondente de Deus). Idéia: Ciência da Lógica; Natureza: Ciência da Natureza; Espírito: Filosofia do Espírito. Paralelo: Kant = Mundo, Sujeito e Deus // Hegel = Natureza, Espírito e Idéia. A Natureza tem uma racionalidade mas ela não tem consciência de ter tal racionalidade. A Natureza não é consciente, mas é logos. Essa racionalidade da Natureza só pode ser explicitada por uma consciência, ou seja, pelo homem. A Natureza é o outro do pensar (Aristóteles: não posso pensar sem pensar algo). O pensar para Hegel sabe que pensa e por isso é consciente, por isso dispõe soberanamente de si. Platão = Ser; Hegel = Natureza, Espírito e Idéia = logicização do Ser

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