kelsen. uma pequena introdução

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KELSEN TEORIA PURA DO DIREITO Uma pequena Introdução .

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KELSEN

TEORIA PURA DO

DIREITO

Uma pequena Introdução.

A UNIDADE DO DIREITO

VIA ESTABELECIMENTO

DA NORMA

FUNDAMENTAL

Como fundamentar, em bases

próprias, o Direito, e por via de

conseqüência, a Constituição, sem a

interferência de valores, sejam estes

políticos, religiosos ou míticos,

garantindo ao Direito um sentido de

unidade e autonomia epistemológica?

Eis a grande questão de Kelsen

quando escreveu a Teoria Pura do

Direito

Kelsen, quando elaborou sua Teoria

Pura do direito, tinha diante de si, a

par de algumas tentativas incipientes

de sistematizações, uma doutrina

justificadora da legitimidade do direito

enquanto ordem normativa, bastante

fragmentada.

Segundo ele, havia os que justificavam o direito em basessupra-humanas ou metafísicas do tipo:

Lei de Deus ( jusnaturalismo de cunho divino)

em dados da Natureza, seja ela a força(Maquiavel cumgranu Salis) ou a reta razão ( Hobbes, e o jusnaturalismode cunho racional ) no destino ( Maquiável,particularmente no conceito de fortuna, ou predestinaçãolegitimadora do poder do Príncipe)

*domínio do saber ( Platão, e a metáfora do Rei filosofo,e sua recepção pela doutrina política do cristianismo daalta idade média e renascentista, sobretudo TomásioCampanella e Tomas Morus, e a imagética do sacerdotecom fiel depositário do conhecimento adequado para gerira cidade)

Na leitura de Kelsen, todos estasteorias, respeitada talvez a exceção,ainda que parcial, da doutrina dojusnaturalismo racional hobbesiano,tinham um erro em comum, a saber:

estabeleciam como fonte última do direito

e, portanto, como base da validade do

ordenamento jurídico, conteúdos

valorativos incapazes de propiciar ao

direito não só uma base epistemológica

única, mas acima de tudo, de estabelecer,

de maneira inquestionável, qual seria o

objeto gnosiológico do direito e, por via de

conseqüência, o que seria, em si, o

próprio direito.

Ora, o objetivo principal de Kelsen eraestabelecer esta base epistemológica " clara edistinta" do status científico do direito,garantindo-lhe o sentido de unidade. Assim,não restou a ele outro caminho senãoabandonar os trilhos dantes percorridos pelasdoutrinas acima citadas e, num exercício decrítica do passado e elaboração do própriopensamento, propor uma teoria do direitocapaz de, sem lançar mão de valores,autolegitimar-se via instrumentalização doselementos retirados de si mesma, e, portanto,do próprio direito, assegurando, assim, umaunidade autoregulativa e autocogente para osignificado de direito.

Desse modo, Kelsen, de um lado lançando mão

da Teoria do Conhecimento de Kant, e de outro,

ciente das advertências de Hobbes sobre o poder

da imaginação sobre a determinação das

vontades dos indivíduos, aceita a tese de que a

razão possui seus limites, que o querer

pressupõe vontade e, em decorrência,

pressupõe incertezas e relatividades de modo

que uma ordem social normativa de base

valorativa ficaria presa às incertitudes da

vontade e, incapaz de oferecer os rigores

buscados por ele no momento do

estabelecendo do objeto do direito.

Será neste passo que a teoria da norma

fundamental ganhará relevo na maquinaria

conceitual Kelseniana. Fruto e pressuposto

da razão, ela será a principal e primeira

fonte legitimadora da validade do

ordenamento jurídico, e em conseqüência,

do Direito Constitucional.

Enquanto pressuposto racional, a norma

fundamental não possui conteúdo

valorativo, ela não é, portanto, fruto da

experiência ou de fundamentos meta-

jurídicos. Ela é apenas e tão somente a

condição lógico transcendental da

validade do sistema jurídico.

Nada obstante, esta norma fundamental não é frutode uma " descoberta livre", ela não é uma "mônoda"destinada a vagar sempre no reino da abstração. Pelocontrário, Kelsen adverte que a norma fundamentalsempre se refere a uma ordem constitucionalempiricamente determinada, sendo sua tarefafuncionar como um verdadeiro postulado defechamento de validade da ordem jurídica. Naspalavras de Kelsen: " sob a condição depressupormos a norma fundamental devemosconduzir-nos como a Constituição prescreve...,isto é, em sentido com o ato de vontadeconstituinte, em harmonia com os prescrições doautor da constituição.

(Nota-se, aqui, que o formalismo Kelseniano não é tãoradical assim)

Vê-se, por conseguinte, que a norma

fundamental será a norma superior

estruturante dos mecanismos pelos quais

todo o demais ordenamento jurídico será

produzido. Como ela não possui

conteúdo, a ordem jurídica poderá

objetivar os valores a serem

positivados sem receio de que se

perca sua unidade sistêmica inerente

ao direito.

De fato, estrutura escalonada, norma superiorque produz norma inferior, criação, aplicação eobservância do direito, são recursosconceituais pelos quais Kelsen procurademonstrar que a estabilidade buscada porele para o direito é alcançada ao seestabelecer, tautologicamente, que odireito possui como objeto normas e, que éum tipo de norma, a saber, a normafundamental, que dá validade ao própriodireito e legitima os atos de vontade dolegislador constituinte originário que, porsua vez, poderá, ao seu critério, estabelecero modo pelo qual as outras normas serãoproduzidas.

Respeitado o postulado da norma fundamental

como fonte última legitimadora da validade do

ordenamento jurídico, postular-se-ia também

que as normas possuem diferentes planos

numa escala hierárquica de maneira que, seja a

constituição advinda por via consuetudinária ou

positiva, será ela, materialmente, a estabelecer o

modo pelo qual os escalões normativos inferiores

serão produzidos, tais como a legislação ordinária,

o costume, decretos, decisões judiciais ( para

kelsen a sentença além de aplicar produz direito).

Como será a Constituição que regula os órgãos

e o processo legiferante, e os procedimentos

pelos quais poder-se-á, num instante posterior,

verificar a validade das normas produzidos, a

norma fundamental ao atuar como fonte

última legitimadora da validade do

ordenamento jurídico e, por conseguinte, da

constituição, será, em decorrência, o fecho

lógico-racional no qual todo o ordenamento

e sua estrutura escalonada poderá se dirigir

para buscar o fundamento de sua própria

validade, produção, aplicação e unidade.

Assim, da análise da função

epistemólogica da norma fundamental

pode-se ver o quanto na teoria de

Kelsen é necessário, quando da

fundação da legitimidade e da cogência

da ordem jurídica positiva, manter-se

neutro frente aos valores

Com efeito, obedecer a Norma

Fundamental ao modo kelseniano,

não é uma questão de fé, mas uma

questão de dar um fecho racional ao

sistema, imunizando-o contra

possíveis contestações, por relativas,

de cunho valorativo.

Deste modo, está aberto o campo teórico para a

unificação da idéia de direito. Daí a grande

preocupação de Kelsen com a idéia de unidade.

Unidade de poder, unidade de autoridade,

unidade de direito positivo e, por via de

conseqüência, unidade de valores

objetivados normativamente, cuja função

básica é garantir estabilidade e

previsibilidade no agir de cada qual, de

modo a instituir um máximo possível de

planejamento e paz social.

Do exposto, ao que parece, Kelsen ainda

compartilha - com Hobbes, o medo pela

fragmentação acentuada das vontades diante

da ausência de um referencial objetivo. Daí

sua defesa de uma ordem jurídica neutra,

cuja magnitude e autoridade inquestionável

possibilitaria, pelo monopólio da força e do

direito, refrear os impulsos dos indivíduos

desejantes. contendo a agressividade e

estabilizando o jogo social na figura do

ESTADO CONSTITUCIONAL todo poderoso

( o Leviatã hobbesiano) .

Todos sabemos os limites do método

Kelseniano, se por um lado ele auxilia, e muito,

na construção epistemológico-estrutural do

Direito como um todo, e do Direito

Constitucional, em particular, e, acima de tudo,

via noção da pirâmide normativa, o

estabelecimento da doutrina do controle, em

abstrato, da constitucionalidade das leis, com o

conseqüente aparecimento da figura dos

tribunais constitucionais, as ADINS, etc,

circunstâncias, como sabemos, tão presentes

no dia a dia das atuais lides constitucionais.

De outro, em termos de Teoria do Estado

e jogo do poder, o formalismo jurídico

Kelseniano pouco contribui para a criação

de anticorpos contra atos de

autoritarismo, pois, ao deixar os valores

em segundo plano, ele pouco pode fazer

frente atos de ruptura Institucional.

Enfim, não podemos escapar de pensar,com Kelsen, o modo de estruturação doDireito Constitucional e da UNIDADE doordenamento jurídico. Contudo, há que seficar alerta aos limites de sua teoria, emparticular frente à sempre importantedecisão de quais valores sãoimprescindíveis para se afirmar alegitimidade da ordem jurídica formalizadana Constituição jurídica por ventura emexame.