filosofia jurídica (kant e kelsen)

41
A Filosofia do Direito em Kant Renato Vasconcelos Magalhães juiz de Direito no Rio Grande do Norte INTRODUÇÃO O presente trabalho visa, de forma despretensiosa, contribuir no sentido de trazer a lume alguns tópicos da filosofia do Direito na obra de Immanuel Kant, fazendo com que o legado jusfilosófico deste "Copérnico" venha, de alguma forma, contribuir não para o desenvolvimento da problemática jurídica enquanto questão essencialmente teórica, como também na aplicação do Direito enquanto realização do justo, entendido tal conceito na forma esboçada por ROBERTO AGUIAR (1). Cumpre-nos, inicialmente, situar Kant dentro do panorama filosófico de sua época para que possamos ter uma visão contextualizada da importância de sua obra. Nascido em Koenisgberg, na Alemanha, em 22 de abril de 1724, e educado sob o espírito pietista que caracterizava o protestantismo alemão da época, em 1740 ingressa na Universidade de Koenigsberg, dedicando-se inicialmente a Teologia e posteriormente às Matemáticas, às Ciências Naturais e à Filosofia. Passado alguns anos, por volta de 1770, é nomeado para a cátedra de Matemática, na mesma Universidade, que mais tarde trocaria pela de Lógica e pela de Metafísica, lecionando durante 26 anos e falecendo em 12 de fevereiro de 1824. II - O DESENVOLVIMENTO FILOSÓFICO: O filósofo das três críticas, como mais tarde viria a

Upload: deborah-arditti

Post on 31-Jul-2015

181 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

A Filosofia do Direito em Kant

       

Renato Vasconcelos Magalhãesjuiz de Direito no Rio Grande do Norte

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa, de forma despretensiosa, contribuir no sentido de trazer a lume alguns tópicos da filosofia do Direito na obra de Immanuel Kant, fazendo com que o legado jusfilosófico deste "Copérnico" venha, de alguma forma, contribuir não só para o desenvolvimento da problemática jurídica enquanto questão essencialmente teórica, como também na aplicação do Direito enquanto realização do justo, entendido tal conceito na forma esboçada por ROBERTO AGUIAR (1).

Cumpre-nos, inicialmente, situar Kant dentro do panorama filosófico de sua época para que possamos ter uma visão contextualizada da importância de sua obra. Nascido em Koenisgberg, na Alemanha, em 22 de abril de 1724, e educado sob o espírito pietista que caracterizava o protestantismo alemão da época, em 1740 ingressa na Universidade de Koenigsberg, dedicando-se inicialmente a Teologia e posteriormente às Matemáticas, às Ciências Naturais e à Filosofia. Passado alguns anos, por volta de 1770, é nomeado para a cátedra de Matemática, na mesma Universidade, que mais tarde trocaria pela de Lógica e pela de Metafísica, lecionando durante 26 anos e falecendo em 12 de fevereiro de 1824.

II - O DESENVOLVIMENTO FILOSÓFICO:

O filósofo das três críticas, como mais tarde viria a ser conhecido, inspirou-se para a construção do seu sistema filosófico nas correntes que, até então, predominavam: o Racionalismo dogmático de DESCARTES, LEIBNIZ E ESPINOZA e o Empirismo cético de BACON, HUME E LOCKE. Os racionalistas acreditavam que a busca das verdades absolutas poderia (e deveria) ser feita sem a intervenção dos sentidos que, de certa forma, obstaculizavam o conhecimento e, por conseguinte, obscureciam a verdade. O conhecimento, para a doutrina racionalista, seria fruto de uma simples faculdade, a razão. ESPINOZA professava que "se encontrará a possibilidade de atingir as coisas particulares partindo do todo concreto, em que não haverá mais a dualidade de sujeito e objeto, pois no todo estes dois são idênticos" (2). Partindo deste raciocínio chegaríamos à conclusão que o todo na filosofia de LEIBNIZ corresponderia à figura de Deus que, através do seu conceito, unificaria as idéias e os seus objetos, o que dispensaria a causalidade entre as coisas e o conhecimento. Por outro lado, os empiristas creditavam todo o sucesso das suas investigações filosóficas à experiência. Quanto mais próximos dos sentidos e, logicamente, mais distantes da razão, mais seguro seria o conhecimento. Com os empiristas e, precisamente com BACON, não se colocaria mais o problema do

Page 2: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

conhecimento da "coisa em si", porque o intelecto somente conseguiria atingir, através da experiência, os fenômenos, aquilo que se perceberia sensorialmente. Daí o ceticismo desta corrente. Assim, para os empiristas, o conhecimento seria fruto de uma outra faculdade, a sensibilidade.

Durante a primeira parte de sua atividade filosófica, que alguns autores costumam dividir em quatro (3), Kant deixou-se levar pelo racionalismo dogmático tendo, mais tarde, sido desperto deste sono através do empirismo cético.

Ocorre que nenhuma destas correntes, se vistas isoladamente, responderia ao anseio filosófico de Kant. A primeira corrente, ao se ater somente à razão humana, não conseguiu criar uma teoria que explicasse a própria razão como elemento inconteste de todo o conhecimento, como assevera IRINEU STRENGER: "tecia uma rede metafísica e racional em torno do conhecimento de Deus, do mundo e da alma humana, sem ocorrer uma averiguação indagando com que direito confiava cegamente na pura razão humana em assuntos que sobrepassam todo os limites da experiência possível" (4). Cria-se na razão como uma fé. A Segunda corrente, por seu turno, afirmava que todo o conhecimento partiria da experiência, contudo não formulava princípios seguros que embasassem sua teoria: tendo a matemática e a física verdades necessárias e universais e sendo os dados da experiência contigentes e particulares, essa necessidade e universalidade não derivaria da experiência, teriam uma outra fonte e qual seria esta? (5)

É exatamente neste ponto do seu desenvolvimento filosófico que Kant aparece com suas três Críticas, fazendo confluir as doutrinas filosóficas anteriores, procurando uma resposta ao problema que ora se colocava: como chegar ao conhecimento sem cair nas antípodas do racionalismo e do empirismo. A resposta vem com a Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica do Juízo (1790). Com estas três obras Kant procura tanto responder a uma filosofia especulativa, essencialmente teorética, quanto uma filosofia prática.

Superficialmente, já que nosso intuito não é precisamente esboçar a teoria filosófica de Kant, mas tão somente verificar a contribuição de seu pensamento para a filosofia do Direito, arriscamo-nos a comentar, em síntese apertada, que dentro do sistema kantiano a razão pura haveria de ser um conjunto de conceitos puros "a priori", deduzidos pela razão da experiência, enquanto que a razão prática deveria abranger os princípios puros do exercício da razão pura prática no campo da Moral e do Direito.

Assim, a doutrina do Direito encontra-se inserta na obra kantiana na efetivação da razão prática, que proporciona os princípios básicos de sustentação a uma metafísica dos costumes. Ao justificar esta metafísica Kant assevera: "se um sistema de conhecimento ´a priori´ por puros conceitos se chama metafísica, uma filosofia prática, que não tem por objeto a natureza, mas a liberdade do arbítrio, pressuporá e requererá uma metafísica dos costumes" (6)

Vista como uma síntese da sensibilidade e do entendimento o conhecimento em Kant corresponde a uma correlação entre o sujeito e o objeto. "Nessa relação os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são (a coisa em si), mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Assim, a coisa em si, o ´númeno´, o absoluto, é incognoscível. Só

Page 3: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

apreendemos o ser das coisas na medida em que se nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno." (7). Não conhecemos a realidade essencial, apenas a manifestação fenomenológica das coisas, adaptando-se estas à nossa faculdade e não o contrário (revolução corpernicana). A problemática do conhecimento em Kant é colocada de forma clara na obra de HABERMAS : "Com Kant, a tarefa prescutora das possibilidades do conhecimento delimitou o alcance da ciência - da crítica - fundando uma teoria do conhecimento imune às questões da compreensão do ser inscritas no indizível, indecifrável e ilimitado mundo metafísico. Desta forma a filosofia se presume um conhecimento antes do conhecimento, abrindo entre si e as ciências um domínio próprio do qual se vale para passar a exercer funções de dominação" (8). Veremos mais adiante que esta revolução copernicana opera-se com Kant principalmente na Ética. Cria-se, assim, um fosso intransponível entre a "coisa em si" e o fenômeno. Na palavras de CARLOS LOPES DE MATOS :"Dos fenômenos para uma realidade essencial há um passo que não podemos dar na hipótese do realismo mediato: esta realidade fica sendo incognoscível. Em conclusão, apenas as ciências tem valor. A metafísica teórica torna-se impossível, só se refazendo as verdade metafísicas por exigência da razão prática: o dever supõe a alma imortal, a liberdade e Deus" (9).

Esta ruptura laborada por Kant, colocando o ´ser´ como inatingível pelo pensamento humano, vem influenciar de forma explícita o pensamento jurídico de sua época, já que aquele permanece prisioneiro de suas próprias formas subjetivas de pensar, enquanto que o ´dever ser´ impõe-se à vontade humana. (10). Os filósofos do Direito após Kant passam a se posicionar ou segundo este, reduzindo o Direito a um mero ´dever ser´, sem relação com o ´ser´, como o fez brilhantemente KELSEN (11), ou buscando uma saída para a superação desta dicotomia, tentando deduzir o ´dever ser´ do ´ser´, já que para Kant isto seria impossível: "Para Kant, pois, o ´dever ser´ não pode ser deduzido do ´ser´, não se assenta na estrutura do fato, mas na racionalidade do Subjetivo" (12).

Somente com HUSSERL, através da fenomenologia jurídica, é que se vai superar a ruptura kantiana, tentando relacionar os dois mundos separados, permitindo uma correspondência entre o ´ser´ e o ´dever ser´, ou mais precisamente, entre o ser e o pensar. O Ego, agora com HUSSERL, volta-se intencionalmente para os objetos individuais, colocando-os em parênteses e, podendo desta forma captar o eidos, a essência ideal do objeto. Esta tentativa de superação da dicotomia kantiana, através da fenomenologia de Husserl, repercute no pensamento jurídico, sobremaneira nos trabalhos do jurista alemão ADOLF REINACH (13), que publicou um livro no qual o Direito era tomado através de uma ótica fenomenológica. Resta, inconteste, que o pensamento kantiano além de originalmente ter contribuído para o desenvolvimento da filosofia do Direito, despertou entre juristas da época e posteriores efervescentes discussões jusfilosóficas tanto no sentido de depurar as suas teorias, quanto no intuito de superá-las.

Apesar de ter publicados trabalhos anteriores é somente como a CRITICA DA RAZÃO PURA que Kant revela os três pontos de sua investigação filosófica : Que posso conhecer? Que devo fazer? E o que me é permitido esperar? Para a esfera do trabalho a qual nos propusemos, a segunda pergunta é que assume forma relevante. Trata-se de investigar a possibilidade da existência de princípios ´a priori´ do agir

Page 4: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

humano. Entretanto, isto só é possível na medida que exista uma razão pura prática, isto é, se a razão pura, poder ser, independente de qualquer motivo, prática. Este estudo será o objeto da CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA.

Antes, contudo, de partimos para A Critica da Razão Prática, seguindo o desenvolvimento lógico do pensamento kantiano analisemos, mesmo que superficialmente, a idéia contida na Crítica da Razão Pura.

Nesta obra toda investigação filosófica de Kant se volta para a correlação entre a objetividade da experiência possível e as condicionalidades ´a priori´ e constitutivas próprias do eu puro ou da consciência em geral. MIGUEL REALE, em artigo lapidar, na Revista Brasileira de Filosofia, pontua "É sabido que uma das contribuições fundamentais e decisivas de Kant consiste no reconhecimento da função ativa e constitutiva do espírito, enquanto dotado da faculdade de síntese ordenadora dos dados sensíveis, para a determinação da experiência e a constituição fenomênica dos objetos, pondo em correlação necessária a ´experiência possível´ com ´as condições lógicas de possibilidade´ inerentes ao sujeito cognoscente consideradas de maneira universal, isto é, não como individualidade empírica, mas como ´consciência em geral´". (14)

A teoria transcendental de Kant, que tem por objeto o conhecimento humano, constitui, na verdade, um método, que visa encontrar a possibilidade de juízos que venham revelar um conhecimento universal e que não seja tão somente um desdobramento do próprio conceito, isto é, do sujeito no predicado. Assim, pode-se afirmar que para Kant transcendente não é o que extrapola os limites da experiência possível, mas o que precede toda experiência, tornando possível o próprio conhecimento da experiência. "Si el conocimiento fuese transcendente, conoceria cosa externas; si fuese inmanente, sólo conocería ideas (lo que hay en mí). Mas el conocimiento es transcedental, es decir, conoce los fenómenos, las cosas en mí, lo que se me aparece como fenómeno" (15).

A Critica da Razão Pura foi escrita exatamente para determinar as possibilidades do conhecimento e os fundamentos de sua validade. Em Kant a metafísica ontológica é substituída pela metafísica transcendental que não se arroga mais no interesse de conhecer os objetos transcendentes, seu objetivo, com Kant, se encontra voltado agora para a estrutura do sujeito transcendental e, em última análise, as próprias formas e validades de se conhecer. Na obra em comento, Kant define os juízos ´a priori´ e ´a posteriori´, os juízos analíticos e sintéticos, que servirão de estrutura para o desenvolvimento de toda sua teoria.

O Juízo ´a priori´ constitui o conhecimento universal e necessário que não funda sua validade na experiência, como é o caso da matemática e da física. Já os juízos ´a posteriori´ têm na experiência o seu fundamento de validade.

Juízos analíticos são aqueles em que o atributo explicita o que já se encontra no sujeito (ex. os corpos são extensos, a esfera é redonda). Nestes casos o predicado já se encontrava contido no sujeito. Os juízo sintéticos, por sua vez, têm a particularidade do atributo acrescentar ao sujeito algo que anteriormente não lhe pertencia (ex. a mesa é de madeira, a cadeira é pesada). Há, ainda, as categorias ´a

Page 5: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

priori´ (espaço e tempo) com as quais o entendimento apreende e conhece as coisas.

Nos juízos sintéticos ´a posteriori´ a experiência me ensina que os atributos convém ao sujeito, contudo tais atributos, em razão do seu próprio fundamento, não podem ser considerados necessários e universais. Já nos juízos sintéticos ´a priori´ o atributo acrescenta algo ao sujeito, mas de uma forma universal e necessária (16).

Ultrapassando a Crítica da Razão Pura Kant vai se ater na ação moral, a qual afirma que somente será possível se a razão pura for também prática, ou seja, se ela não depender de nenhum fator externo, a não ser sua própria força interna. Este é o objeto de análise da Crítica da Razão Prática que passa a ser estudada na segunda fase do desenvolvimento de sua filosofia e é precisamente na razão prática que vai se situar o nascedouro de toda concepção jurídica kantiana, desenvolvida ulteriormente na Metafísica dos Costumes.

Não se pode negar a influência de ROUSSEAU nesta fase do desenvolvimento filosófico de Kant, bem como a forte educação pietista que recebera enquanto jovem. Com Rousseau aprende que a dignidade do homem esta fundada na sua moralidade.

Como dantes afirmado, a revolução corpernicana realizada por Kant ocorreu sobremaneira na Ética. O desenvolvimento da filosofia moral desde SÓCRATES, que voltara os olhos para a práxis humana ao invés dos deuses (17), centralizava-se principalmente sobre o objeto enquanto Kant, revolucionariamente, passa a visualizar o assunto sobre o enfoque do sujeito. Coloca a moral em 1ª pessoa ocorrendo, assim, o processo de interiorização do "eu". A filosofia volta-se ao próprio conhecimento, colocando-o em cheque, questionando os fundamentos de validade do próprio pensar. A metafísica passa a ocupar-se do estudo do sujeito transcendental (filosofia transcendental).

III - A FILOSOFIA JURÍDICA:

A filosofia jurídica kantiana propriamente dita teve seu início na Crítica da Razão prática mas é principalmente no Metafísica dos Costumes (18) que Kant aprofunda o seu estudo jusfilosófico . Nesta obra o filósofo alemão retoma alguma conceitos já discutidos na Crítica da Razão Prática e os aprofunda. Suas principais preocupações e, por conseguinte, contribuições, são o desenvolvimento paralelo dos conceitos de Direito e moral, delimitando seus campos e traçando suas características fundamentais e a idéia da coação como nota essencial do Direito.

Kant observa na primeira parte da Metafísica dos Costumes que existe uma dupla legislação atuando sobre o homem, enquanto consciente de sua própria existência e liberdade: uma legislação interna e uma legislação externa. A primeira diz respeito à moral (ética no sentido estrito), obedecendo à lei do dever, de foro íntimo, enquanto a segunda revela-nos o Direito, com leis que visão a regulação das ações externas.

O paralelo entre moral e Direito norteia toda a obra jurídica deste autor, tendo a liberdade como ponto nodal e pano de fundo desta relação. Kant observa que o

Page 6: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

verdadeiro critério diferenciador entre moral e direito é a razão pela qual a legislação é obedecida. Afirma que a vontade jurídica é heterônima, posto que condicionada por fatores externos de exigência da mesma, enquanto que a vontade moral é autônoma, já que o móbil desta é o dever pelo dever.

Desta forma a mera concordância com a norma, independente do móbil, encontra-se no plano jurídico da legalidade, enquanto que para o plano ético exige uma concordância com valores internos independente de inclinações. RAYMOND VANCOURT, comentando a moral dentro da visão kantiana, expõe: "Pode acontecer, de fato, que as nossas ações estejam materialmente conformes com o dever, mas que nós a façamos por interesse ou inclinação: é o que se passa com o comerciante que vende ao preço justo para manter a sua clientela, ou com o homem que ajuda o seu próximo unicamente por simpatia. Comportando-se desse modo eles permanecem no plano da legalidade. Esta exige apenas que se atue de acordo com a lei, pouco importando as intenções. A moralidade exige mais: que eu me conforme com e espírito e a letra da lei, que eu me conforme a isso por respeito por ela" (19).

Resta-nos a pergunta; por que se age por dever(moral) e conforme o dever (jurídica) e não de forma diversa? A Metafísica dos Costumes tem por objeto o estudo dos princípios "a priori" da conduta humana. Compreender as condições que estão submetidas o homem, libertas de toda mistura empírica e, dentro destas condições, a vontade, na concepção kantiana, a qual ocupa papel de destaque em sua filosofia, torna-se constituidora da ética. A vontade, para Kant, constitui a própria razão pura prática e sendo ela a mola propulsora da ética, seus princípios são erigidos à categoria do universal. Em outras palavras, a moral que estava centrada no individual e subjetivo agora com a razão torna-se universal e objetiva. Contudo, como assevera JOAQUIM SALGADO, esta ética para ser universal não pode ter a sua vontade dependente de uma matéria, precisa ser desprovida de conteúdo: "O ato moral tem de nascer da própria vontade que, concebida como desprovida de conteúdo e não se determinando por nada do exterior, mas por si mesma é vontade pura. Por isso ela mesma cria a lei a que se submete, a qual não é dada de fora por algum objeto ainda que esse seja concebido como bem supremo". (20)

Assim, os princípios desta moral partem do próprio sujeito, sem contudo poder ser considerada subjetiva, já que não são ditados pela sensibilidade, tratam-se de conceitos derivados da vontade pura ou "a priori" da razão. Ao agir sobre tal ordem o homem cria princípios universais que devem ser seguidos por todos. Agindo eticamente o homem não age por si próprio mas por toda a humanidade. Introduz, portanto, a existência do dever como uma forma "a priori" da razão, que traduz-se no imperativo categórico traduzido por ele nos seguintes termos: "obra conforme a una máxima tal, que a la vez pueda servir de Ley universal" (21).

Concluímos, assim, que a moral (ética no sentido estrito) kantiana é visualizada sob uma ótica puramente formal, sem prescrição de nenhum conteúdo. O dever moral é formal (dever por dever), agindo-se apenas por respeito ao dever.

Por seu turno, diferentemente da legislação moral que tem como princípio fundamental o imperativo categórico (22), enquanto postulado da razão pura prática,

Page 7: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

a norma jurídica tem como regra um dever exterior, império de uma autoridade investida de poder coativo.

Não podemos esquecer que para Kant tanto o Direito quanto a moral têm a sua estrutura de justificação na liberdade (23) e que a diferença entre um e outro reside no fato de que na moral a força coativa é interna e oriunda da própria razão pura prática enquanto que no Direito é externa e visa a garantia da liberdade do outro.

Ainda respondendo a indagação anterior, Kant afirma que o dever se assenta no princípio da liberdade, sem a qual aquele não seria possível. Aduz, ainda, que o dever constitui uma vinculação humana à lei. Entrementes, age-se de acordo com a lei moral, respeitando-a, somente quando esta é fruto da própria vontade e produto da vontade pura ou da razão pura prática. Para Kant dever moral e dever jurídico não se diferenciam pela substância. Para a ação moral o homem age por dever e para o Direito conforme o dever e para ambos os casos o dever só é cumprido porque derivada da vontade como razão pura prática, sob o imperativo categórico da razão.

Retomando a doutrina do jurista alemão THOMASIUS, Kant assevera o caráter coativo do Direito e toma este como sua nota característica. Diferente de seus antecessores coloca a coação como nota essencial do Direito, trazendo-a para dentro do Direito. Por isso Kant fala mesmo de coação e não de coercibilidade. Não seria mais a faculdade de coagir quando alguém estivesse agindo contrário ao Direito, mas que em toda estrutura do Direito a coação estaria inerente, como uma malha intrínseca permeando toda a ação humana que se projetasse para o exterior, já que o Direito só cuidaria das ações exteriorizadas, projetadas para fora do ser humano (ao contrário da moral). Mais tarde se afirmaria que o Direito não cuida tão somente daquilo que se exteriorizaria, mas levaria em conta o próprio mundo da intenção. (24)

A pergunta que se coloca agora é como a coação entraria como nota característica do Direito se o conceito de liberdade encontra-se subjacente à idéia de Direito. Kant pontua que a minha ação será justa se puder conviver com a liberdade do outro, segundo leis universais e, contrario sensu, será injusta a ação do outro que me impeça de agir desta maneira. Cria, assim, o imperativo categórico do Direito como decorrência lógica do imperativo categórico da moral: "Age externamente de tal modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal".

Destarte, tudo aquilo que exerce coação à minha ação justa constitui um obstáculo à liberdade, necessitando, assim, de uma coação contrária e justa. Demonstra-se o próprio caráter ético da coação dentro do Direito. "Além disso, a coação que o outro me exerce, contrária à minha ação justa, é um obstáculo à liberdade. O obstáculos ao obstáculo à liberdade é justo, porquanto concorda com a liberdade segundo leis universais. Assim, a coação é conforme ao Direito, ou seja, Direito e faculdade de coagir significam a mesma coisa" (25). Compatibiliza, por conseguinte, a idéia de coação e liberdade, como sendo aquela não antagônica mas necessária mesma a idéia desta.

Na busca do conceito de Direito Kant afirma a impossibilidade de encontrá-lo pela via empírica, apenas com a observação do direito positivo. Para ele o grande erro

Page 8: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

dos juristas de até então foi a procura do conceito na manifestação do Direito, enquanto legislação positiva, quando deveriam ter ido atrás daquilo que era essencial. A procura deveria ser feita nos princípios "a priori" da razão pura prática. Para Kant são três os elementos que compõe o conceito de Direito: "em primeiro lugar, este conceito diz respeito somente à relação externa e, certamente, prática de uma pessoa com outra, na medida em que suas ações, como fatos, possam influenciar-se reciprocamente; em segundo lugar, o conceito do Direito não significa a relação do arbítrio como o desejo de outrem, portanto com a mera necessidade (bedürfnis), como nas ações benéficas ou cruéis, mas tão só com o arbítrio do outro; em terceiro lugar, nesta relação recíproca do arbítrio, ao fim de que cada qual se propõe com o objeto que quer, mas apenas pergunta-se pela forma na relação do arbítrio de ambas as partes, na medida que se considera unicamente como livre e se, com isso, ação de um poder conciliar-se com a liberdade do outro segundo uma lei universal". (26)

Acentua-se o caráter tipicamente formal do Direito para Kant, independente de conteúdo, prescrevendo um complexo de condições através de uma liberdade formal de arbítrios, para uma possível coexistência destes próprios arbítrios.

Assevera, por fim, o seu o conceito de Direito: "O conjunto de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal da liberdade" e deste extrai o seu princípio universal: "Uma ação é conforme ao Direito quando permite, ou cuja máxima permite, à liberdade do arbítrio de cada um coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal" (27)

IV – CONCLUSÃO:

Dentro daquilo que inicialmente foi proposto, ou seja, trazer à baila alguns pontos da filosofia Kantiana e a sua influência para o Direito, eram estas as considerações a fazer, reconhecendo que, complexo e extenso, o tema é fonte inesgotável para todos os estudiosos da Filosofia e do Direito, uma vez que a influência deste filósofo germânico para a história do pensamento humano foi imensa. Suas idéias foram decisivas no surgimento do idealismo alemão. A releitura de sua obra feita pelos neokantianos, a inspiração a movimentos filosóficos como a fenomenologia e o existencialismo já atestariam o tamanho da reviravolta que causaria este filósofo no desenvolvimento da filosofia moderna.

Ademais, sua contribuição para a Doutrina do Direito foi incomensurável. Aprofundou e sistematizou a teoria de Thomasius, descrevendo um paralelo entre moral e Direito. Introduziu no conceito de Direito a idéia de coação, tomando esta como nota característica daquele. Sem mencionar que o conceito de liberdade e justiça não podem ser hoje estudados sem se ter como norte a obra deste pensador.

Page 9: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

NOTAS:

1.2. Aguiar, Roberto A R. de. O que é Justiça - Uma abordagem dialética. São

Paulo. Ed. Alfa-Ômega, 1982, p. 27 3.4. Matos, Carlos Lopes de. Vista Geral da Filosofia Moderna -Revista

Brasileira de Filosofia, vol XXXII, pag. 408. 5.6. Como observa IRINEU STRENGER a atividade filosófica de Kant divide-se

em quatro grandes períodos: O primeiro vai até 1760 e nesta época Kant ainda é racionalista e dogmático. Sua filosofia se desenvolve dentro dos limites traçados por LEIBNIZ-WOLF, atraindo-o, nesta época, as ciências naturais mais que a metafísica pura. O segundo período vai de 1760 a 1769, é o empirismo-cético. Neste período sua maior preocupação é a crítica ao racionalismo, analisando o valor da lógica pura e chegando à conclusão que esta nunca dará ao conhecimento resposta que se espera. Afirma, ainda neste período, após as leituras de HUME, ter despertado do sono dogmático, que a razão jamais poderá descobrir o porquê da causalidade na natureza e o que se possa saber a respeito, deve ser obtido na experiência. O terceiro período, que vai de 1770 até 1780 é um período de transição, em que aprofunda seu pensamento crítico. O quarto último período é o criticista com a publicação de seus grandes livros, que vai de 1781 até a sua morte (Strenger, Irineu. Temas de Formação Filosófica. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1986. P. 48-9)

7.8. strenger, Irineu, p.47 9.10. Vancourt, Raymond. Kant. Lisboa, Ed. Edições 70. P. 19. 11.12. Kant, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa. Ed. Calouste GulbeKian,

1985, p. 87 13.14. Leite, Flamarion Tavares. O Conceito de Direito em Kant. São Paulo. Ed.

Cone., p. 30 15.16. Habermas, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Apud Chueri,

Vera Karan de. Filosofia do Direito e Modernidade. Ed. JM. 1995, p. 15-16. 17.18. Cf. Mattos, Carlos Lopes de, cit., p. 408 19.20. A vontade aparece na obra Kantiana desempenhando um papel fundamental.

Page 10: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

Ela é a própria razão pura prática, podendo a liberdade ser explicitada a partir do conceito de vontade. Ela é, por conseguinte, ´a faculdade de desejar não em relação à ação como arbítrio (Willkür) -, mas em relação ao fundamento de determinação do arbítrio´ (Op. Cit, p. 47).

21.22. "Do fato de algo ser não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do

fato de algo dever ser não pode seguir que algo é. O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma" ( Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo. 1997, Trad. João Batista Machado. Ed. Martins Fontes, p. 215)

23.24. Salgado, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant-Seu Fundamento na

Liberdade e na Igualdade. Minas Gerais. 1986. Ed. EDH- UFMG, p. 175. 25.26. Sustenta REINACH que o conhecimento jurídico se processa exatamente

como se propõe na gnosiologia husserliana: o pensamento está intencionalmente voltado às vivências determinadas do mundo jurídico (são as experiências do Direito Positivo ou as situações jurídicas concretas; pondo entre parêntesis, desconectando esta realidade empírica do Direito, capta a inteligência o Eidos jurídico, os conceitos jurídicos, que são estruturas ontológicas imanentes e ´a priori´, condicionantes da experiência particular" (Mendoça, Jacy de Souza. Problemática Jurídico Filosófica Atual. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XXI, fasc. 81, p. 53.

27.28. Reale, Miguel. Meditações Sobre a Experiência Ética. Revista Brasileira de

Filosofia. Vol XVII, faz. 68, out-dez/67,p. 382. 29.30. Martínez Paz, E. Influência de Kant sobre a Filosofia jurídica

contemporânea -Córdoba, 1925 31.32. O que há de necessário e universal no conhecimento é oriundo de sua

própria razão, de suas estruturas intrínsecas, que são as condições ´a priori´ transcendentais procuradas por Kant.

33.34. . "Sócrates realiza também a passagem do ´logos´ mítico das narrações

cosmogônicas, teogônicas e heróicas, que constituem modelos indiscutíveis de comportamentos na esfera da práxis, para o de ´logos´ epistêmico, como discurso que demonstra por meio dos fatos ou da razão, de modo reflexivo ou crítico". Cf. Joaquim, Carlos Salgado. Cit. P. 148

35.36. que divide-se em duas partes: A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude 37.38. Cf. Vancourt, Raymond. Cit. p. 33. Kant foi acusado por alguns filósofos de

sua época de excesso de rigorismo, como foi o caso SCHILLER. 39.40. Cf. Salgado, Joaquim Carlos. Cit. p. 159 41.42. Juntamente com este imperativo categórico Kant nos oferece mais outras

duas formas: "Obra de tal manera, que la persona humana, ni en ti, ni

Page 11: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

en otras, sea tomada nunca como un simple medio, sino como fin" e ainda " Obra de tal manera, que tu voluntad sea fuente de legislación universal"

43.44. "Age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade,

em lei universal da natureza" 45.46. "Justa é somente a ação, sob cuja a máxima a liberdade de arbítrio de

cada um pode coexistir com a liberdade de todos. A liberdade é a condição de toda vida moral e, portanto, também do direito. Nenhum direito e nenhum dever tem sua origem noutra coisa senão na liberdade: von der alle morallische Gesetze, mithin alle Recht, sowohl als Pflichten ausgehen". Cf. Salgado, Joaquim Carlos. Cit p. 253.

47.48. "Por outro lado se é certo que o Direito só aprecia ação enquanto

projetada no plano social, não é menos certo que o jurista deve apreciar o mundo das intenções. O foro íntimo é de suma importância na Ciência Jurídica" Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Ed. Saraiva. 10ª edição. 1983, p. 55.

49.50. Kant, Imannuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. Apud, Leite,

Flamarion Tavares. Cit. p. 37 51.52. Kant. Imannuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. P. 336, Apud

Op. Cit p. 68-69. 53.54. Cf. Leite, Flamarion Tavares. Cit. p. 70.

BIBLIOGRAFIA:

Aguiar, Roberto A. R. de. O que é Justiça - Uma Abordagem Dialética. São Paulo. Ed. Alfa-ômega, 1982. Matos, Carlos Lopes de Matos. Vista Geral da Filosofia Moderna. Revista Brasileira de Filosofia, vol. XXXII. Strenger, Irineu. Temas de Formação Filosófica. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1986. Kant, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa. Ed. Calouste GulbeKian, 1985 ------------------- Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa. Ed. 70. ------------------- Prolegômenos a toda Metafísica futura que queira apresentar-se

Page 12: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

como Ciência. Lisboa. Ed. 70. --------------------Crítica da Razão prática. Rio de Janeiro. Ed. Tecnoprint Vancourt, Raymond. Kant. Lisboa, Ed. Edições 70 Habermas, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Apud Chueri, Vera Karan de. Filosofia do Direito e Modernidade. Ed. JM. 1995 ---------------------- Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara, 1987. Leite, Flamarion Tavares. O Conceito de Direito em Kant. São Paulo. Ed. Cone Mendonça, Jacy de Souza. Problemática Jurídico Filosófica Atual. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XXI, fasc. 81, Reale, Miguel. Meditações Sobre a Experiência Ética. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XVII, faz. 68, out-dez/67 -------------------- Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Ed. Saraiva. 10ª edição. 1983, Martínez Paz, E. Influência de Kant Sobre a Filosofia Jurídica Contemporânea -Córdoba, 1925 Oliveira, Samuel de. O Kantismo no Brasil. Revista Brasileira de Filsosofia Vol. XV. Fasc. 58. Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo. 1997, Trad. João Batista Machado. Ed. Martins Fontes Salgado, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant-Seu Fundamento na Liberdade e na Igualdade. Minas Gerais. 1986. Ed. EDH- UFMG Bobbio, Noberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Ed. UNB, 1995. 3ª.edição. Terra, Ricardo Ribeiro. A Distinção entre Direito e Ética na Filosofia Kantiana. Porto Alegre. Filosofia Política 4. Ed. L& Pm..

 

Page 13: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

K de Kant ou de Kelsen?

       

Waldo Fazzio Júnioradvogado e professor em Bauru (SP), autor de livros de Direito Comercial

            "Uma teoria deste tipo não tem nada a ver com a ciência"

E. B. Pasukanis [01]

            É voz comum entre juristas menos exigentes em matéria epistemológica que a teoria kelseniana do Direito está arrimada em Kant. Contudo, mesmo com muita compreensão, parece difícil sintonizar pontualmente o idealismo transcendental de Kant com o positivismo empírico de Kelsen, sem embargo dos pontos de contato evidentes na primeira fase deste.

            Ciente de que uma teoria empírica do Direito significaria a insuficiência da razão como fonte e a necessidade de se buscar subsídios em dados sociais e históricos, Immanuel Kant sustenta que "uma teoria do Direito meramente empírica é uma cabeça que pode ser bela, mas que, desgraçadamente não tem cérebro". [02]

            De outra parte, Hans Kelsen concebe a dogmática legal como uma ciência social empírica, cujo objeto é, entretanto, inteiramente independente dos fatos e não pode ser reivindicado pelas ciências sociais. Esta aproximação paradoxal irá produzir a ambígua concepção de normação jurídica assentada sobre uma hipótese/ficção e uma Ciência do Direito auto-referencial desprovido de lógica própria.

            Como se consuma essa dubiedade engendrada por Kelsen, em teimoso desprezo pela advertência de Kant – é o assunto deste artigo, onde Kelsen e Kant se aproximam e, depois, se distanciam definitivamente.

O estado da arte da epistemologia jurídica

            Às vésperas da globalização econômica, aumentam as interrogações de sociólogos do Direito e de juristas sobre o "novo Direito" necessário para dar conta das demandas de soluções para os conflitos intersubjetivos e internacionais adventícios. Uma nova

Page 14: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

configuração do mundo ocidental reclama uma nova configuração do Estado e do Direito.

            Esse é um dos motivos que insuflam os pensadores na direção de preocupações epistemológicas. Fica claro porque perguntas habitualmente evitadas sobre o objeto do Direito voltam à tona, trazendo consigo um cipoal de respostas ofertadas no século XX e, bem por isso, na mesma proporção, um emaranhado de argumentos de variada etiologia contra ou a favor desta ou daquela concepção. O segmento da epistemologia jurídica parece condenado à condição de singela reprodução ideológica do poder, à míngua de uma teoria do conhecimento jurídico senão consistente, no mínimo coerente.

            Visto o Direito por dentro, sob a perspectiva do jurista, qualquer concepção de seu objeto é, pelo menos, parcial. Encarada de fora, acaba se reduzindo à apreensão sociológica.

            A questão que emerge é a de se saber se, agora, premidos pela inafastável obrigação de encontrar saídas para o labirinto de dúvidas sobre a viabilidade de uma Ciência do Direito que ultrapasse a humilde técnica do direito positivo, os cientistas ousarão trilhar veredas diferentes das usualmente palmilhadas e vencidas, quando não sucessiva e confessadamente derrotadas.

            Aqui não se trata mais de trânsito paradigmático, mas de compulsoriedade definitória, sob a permanente ameaça da espada de Damocles resumida na indagação secular: o Direito é mera prática social?

            Daí a primeira questão: existe alguma concordância quanto à configuração do Direito?

            Não adianta esconder a resposta: é claro que não. Há propostas, refutações e contínua permuta de posições. Gustav Radbruch abandonou o positivismo puro para aderir ao semi-positivismo aberto à axiologia. Miguel Reale arquiteta uma tridimensionalidade que aloca o valor na edição da norma e na incidência isolada sobre determinado fato, oscilando entre uma base kantiana e as propostas de Nicolai Hartmann. Norberto Bobbio, kelseniano entusiasta, sempre hesita entre o positivismo normativista e o positivismo moderado, da mesma forma que, politicamente, nunca se define entre o socialismo marxista e a democracia social. Ronald Dworkin critica o positivismo hartiano, mas preconiza um individualismo jusnaturalista palatável ao realismo jurisprudencial da tradição norte-americana, sob os aplausos do "american way of life". Theodor Viehweg revolve a terra da filosofia de Aristóteles, em busca de fundamentos tópicos para uma teoria da argumentação que corrija a edição normativa por meio da edição jurisdicional do Direito.

            O que se tem senão o Bobbio da 1ª fase e o Bobbio da 2ª fase; o Kelsen jovem e o Kelsen tardio; o Radbruch de antes e o Radbruch de depois; o Habermas frankfurtiano e o Habermas weberiano; a Agnes Heller lukácsiana e a Agnes Heller kantiana? O planeta filosófico-científico dos arrependidos tem considerável densidade demográfica e não oferece perspectiva de uma reversão migratória.

            André-Jean Arnaud adere de vez à Análise Sociológica lastreada em Max Weber, buscando na teoria interdisciplinar do conhecimento algum socorro para as interrogações oriundas do processo globalizatório, ao perguntar "o que é que ocorre com o

Page 15: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

requestionamento dos fundamentos de um direito sobre o qual nós vivemos até agora..?"(os grifos são do original). [03]

            Nos anos 70 do século passado, Michel Miaille [04], adepto do chamado marxismo estruturalista de Louis Althusser, resignado pela impossibilidade de propor uma práxis marxista, aceita transitar nos limites impostos pelo sistema capitalista, tentando partilhar a totalidade social em instâncias (dimensões?) e contemplar no Direito um sistema de comunicação, sem explicitar em que consiste o conteúdo da comunicação, mesmo ciente de que um sistema de comunicação somente pode estar constituído por discursos. Trilhando o mesmo equívoco de Pasukanis, não diferencia entre a forma e o conteúdo do Direito, tentando mesclá-los numa proposta de funcionamento do Direito.

            Habermas aditou à racionalidade instrumental dos frankfurtianos a racionalidade comunicativa só possível no mundo ideal da igualdade. Luhmann, à frente do funcionalismo sistêmico, transformou o Direito em subsistema social de segundo grau, autopoiético, produtor de si mesmo; o ser humano tornou-se mero ambiente operacional.

            De uma forma geral, as teorias críticas estão preocupadas em justificar-se como tais ou em ajustar-se epistemologicamente, ora como abordagens externas à juridicidade, ora como singelas condenações dos excessos formais. Dessas somente o uso alternativo do Direito encetado pela crítica latino-americana tem obtido pequenos resultados palpáveis e consonantes com uma hermenêutica emancipatória. Assim mesmo, não logram imunizar-se integralmente contra a síndrome do irreal produzida pelo duplo K (Kant e Kelsen), implantado na consciência jurídica desde os positivistas bancos acadêmicos. As demais teorias críticas, geralmente, só servem para o solo em que foram semeadas, já que são despudoradamente eurocêntricas. Enquanto críticas positivas, não negam o que Dussel chama "a negatividade material do homem".

            E o positivismo jurídico?

            Não é segredo, salvo para os positivistas remidos, neo-positivistas e pós-positivistas que o positivismo "fez água" no âmbito do Direito. Quem, descendendo do dualismo kantiano (ser/dever-ser) aposta em Cohen, Stammler e Kelsen sossobra no assustador mundo do irracionalismo, cujo apocalipse é confessado pelo autor da Teoria Pura do Direito, quando admite peremptoriamente que o Direito é irracional, que a lógica não se aplica às normas jurídicas e que, afinal de contas, seu "sistema" está plantado não sobre uma "norma hipotética fundamental", mas simplesmente sobre uma "vontade fictícia".

            A epistemologia positivista nunca teve em mira a construção de certezas científicas. Entrosada com o universo sócio-econômico dominado pela burguesia ocidental, é criada justamente para, sem prejuízo de exercer a polícia científica e o controle do conhecimento, assegurar o desenvolvimento exitoso do projeto capitalista mediante a justificação filosófica e científica, direta ou indireta, de seus postulados mais caros.

            Thomas Kuhn não deixa ilusões quanto a essas circunstâncias, o que demonstra ao vincular o êxito das rupturas paradigmáticas ao consenso da comunidade científica. Deixa nas entrelinhas de suas revoluções científicas o egoísmo, a vaidade e a presunção dos homens de ciência de prontidão, e os indícios de sua transformação em instrutores da

Page 16: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

tecnologia financiada pela elite burguesa na assessoria da "ciência para o fim de".

            Deixando de lado (e no ar) a dúvida sobre a verdadeira natureza da epistemologia do século XX, como filosofia da ciência ou como controle da produção do conhecimento pela comunidade científica patrocinada pelo poder político, o fato é que o positivismo, pelo menos no plano do Direito, acaba situado na dimensão do acredite se quiser ou, na melhor das hipóteses, do faz de conta, pela simbiose do idealismo transcendental com o empirismo positivista.

            E isso leva ao K de Kelsen.

O positivismo de Kelsen

            Atualmente, as proposições de Ralf Dreier, Jürgen Habermas e Robert Alexy ingressam no seleto universo das concepções filosóficas que tentam explicar a juridicidade, por meio da teoria do reconhecimento, segundo a qual o caráter jurídico de uma norma depende da opinião da comunidade, ou de um processo discursivo racional ou argumentativo não institucionalizado. É a linha filosófica alicerçada na confluência entre Kant e Weber, que vai se opor às teorias positivistas do mandato e sanção de John Austin, com nuances diversas (na Europa continental e América Latina) e do positivismo hartiano (Inglaterra e Estados Unidos).

            Por isso, os estudos sobre o neo-positivismo de Hans Kelsen rareiam fora dos cursos de bacharelado. Não fosse por sua extensão modificada pelo positivismo moderado de Norberto Bobbio e a teoria do checo-vienense seria singela nostalgia. O fato é que em nenhum sistema jurídico ocidental prevalecem integralmente as posturas kelsenianas. E isso não é de hoje, pois com a morte de Kelsen, há mais de trinta anos, sua teoria pura, diversas vezes modificada, não tem abrigo confortável em nenhum ordenamento. Até mesmo nos Estados Unidos, onde vive por mais de três décadas, lecionando Direito Internacional, na Universidade de Berkeley, suas obras sequer integram as bibliografias das obras jurídicas mais requisitadas. No Brasil, perde para o tridimensionalismo de Miguel Reale.

            Não é intenção deste artigo subestimar a importância da contribuição kelseniana ao Direito moderno. Seria um propósito injusto, senão uma tolice, porque seu ideário formalista ainda encontra simpatizantes que o conhecem por resumos, manuais, notas de rodapé e aulas de positivistas inconscientes. Serve ao nazismo, ao fascismo, ao franquismo, à social-democracia e, mais produtivamente, à democracia liberal. É uma forma aberta e receptiva a qualquer conteúdo suscetível de ancoragem estatal. Mas sua obra é, sobretudo, uma tentativa honesta de produzir epistemologia jurídica e de investigar analiticamente a juridicidade; um marco científico indesmentível que consegue angariar notórios discípulos como Merkl, cujas palavras não permitem qualquer dúvida:

            "Perhaps I may.. . hope that their rivals will show understanding of their efforts to philosophically deepen the problems of the theory of state and law and to link thoseproblems to analogue problems of other sciencies, for the purpose of freeing our science from its unhealthy isolation and its

Page 17: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

including, as a worthy member, into the system of sciencies." [05]

Neo-kantismo

            Bafejado pelo neo-kantismo, Kelsen insiste na objetividade e na pureza de sua resistência científica anunciando a desvinculação Direito-Política e a liberação do Direito das algemas da Moral. Quer fazer do Direito uma ciência, cuja epistemologia positivista privilegia o empírico e o método normativo substitui a causalidade das ciências naturais pela noção de imputabilidade. Agarra-se à distinção kantiana entre ser e dever-ser, diferenciação que, nos anos seguintes, extremamente aprofundada e até desmerecida, o conduzirá ao porto do irracionalismo. Anti-psicologista propõe uma análise das relações necessárias entre os sentidos das normas, assemelhando-se à concepção da linguagem não-empírica de Gottlob Frege, para quem também os significados são objetos abstratos.

            Na micrologia kantiana reside a melhor explicação para o significado do neo-kantismo jurídico, corrente de pensamento que se desenvolve, na segunda metade do século XIX, paralela ao positivismo em moda. Anote-se que Kelsen freqüentou as duas linhas.

            Enquanto o positivismo vê nas sensações o dado primário da consciência e contempla em sua associação, sob a forma conceitual, o objeto de toda ciência, o neo-kantismo percebe que o método positivista não fundamenta a verdade, de modo absoluto. Daí, intenta conhecer o conhecimento, validar suas proposições e alcançar a objetividade absoluta dos juízos científicos. Quer dizer, abeberar-se em Kant. [06]

            Todavia, isso precisa ser entendido com muito tempero. Reconstruir a teoria do conhecimento de Kant não significa repetir a analítica transcendental, mas elaborar um sistema, uma antimetafísica, a partir da gnosiologia praticada na Crítica da Razão Pura. Isso pode ser resumido como a extensão dos juízos sintéticos a priori às ciências humanas, como fundamento absoluto de validade de todos os objetivos culturais do homem-ser histórico. Em última análise, trata-se de uma nova proposta de regulação das configurações sociais.

            A meta do neo-kantismo em geral é o enfoque dos pressupostos da ciência, a ampliação para a totalidade dos saberes do princípio, segundo o qual, os objetos é que se guiam pelos conceitos.

            O platônico Hermann Cohen, grande influência neo-kantista de Hans Kelsen, enfrenta a tarefa de sistematizar Kant, pretendendo desfazer o que considera a grande contradição do kantismo, ou seja, a substituição da dedução transcendental objetiva dos conceitos puros pelo pressuposto metafísico da lei moral no homem.

            Só para rememorar, Kant opera a divisão "mundo do ser (realidade) e mundo do dever-ser (normatividade)", reservando ao primeiro o campo próprio das ciências naturais, em particular, da matemática. Cohen aventura-se na aplicação ao campo das ciências do espírito (Ética e Direito) do método transcendental kantiano criado para as ciências exatas. Opera um Direito que significa a Ética em conceitos ou, para ser mais preciso, a Matemática da Ética. É que a crítica da razão prática não observa o mesmo método da

Page 18: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

crítica da razão pura, em Kant.

            Rudolf Stammler, por outro lado, tenta o encadeamento formal dos dados jurídicos sob um método empírico. Desloca para a Ciência do Direito a distinção seminal entre forma e matéria, que Kant situa na base da experiência das ciências naturais. Enuncia o Direito como um sistema de formas puras pelas quais pensamos juridicamente. Quer dizer, a forma pura é um a priori lógico do conhecimento jurídico. O Direito é "um querer" formal, para Stammler.

            Cohen e Stammler, cada qual a seu modo, partem de Kant com a pretensão de ampliá-lo e completá-lo. Essas duas incursões no planeta kantiano serão os grandes referenciais que, ao lado da concepção política de Jellinek, povoarão o universo metodológico de Hans Kelsen.

Síntese contextual

            Talvez Viena seja o melhor exemplo da transição cultural que assinala o ingresso da Europa no século XX. Causa uma certa inveja imaginar um cenário em que as valsas de Richard Strauss convivem com a música dodecafônica de Arnold Schönberg e a análise lógica da linguagem de Wittgenstein corre paralela à psicanálise de Freud.

            Essa descrição serve para emoldurar o ambiente intelectual em que se produz a obra jurídica inicial do magistrado Hans Kelsen, que virá colecionar mais de 400 trabalhos metodologicamente impecáveis sobre Teoria do Direito, Direito Público, Direito Internacional, Direito Constitucional, Teoria do Estado, Filosofia e, até mesmo, Sociologia.

            Isso não é suficiente para Kelsen se impor no universo jurídico dos Estados Unidos, onde passa a viver desde 1940 após fugir da perseguição nazista. Professor de Direito Internacional em Harvard e, depois, em Berkeley, passa desapercebido, na common law norte-americana, reconhecidamente voltada ao pragmatismo e à tradição realista de cunho judicial, presente em Roscoe Pound, O. Wendell Holmes e B. Cardozo.

            O certo é que o cientificismo jurídico kelseniano povoa o horizonte jurídico da Europa continental e da América Latina em meados do século XX, conquanto não predomine nas legislações.

            Ao traçar o perfil de Kelsen como positivista e social-democrata, forçosamente deve ser dito que critica o jusnaturalismo (do qual nunca consegue se esquivar completamente) porque não-científico, mas não deixa de agredir o próprio positivismo da época, pela ausência de objetividade e rigor metodológico. Kelsen é o cientista jurídico do método.

O dualismo de Kant em Kelsen

            Em Kelsen como em Kant, a realidade é dividida em mundo do ser e mundo do dever-ser. Não há liame entre ambos. São mundos absolutamente estranhos, como

Page 19: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

categorias originárias insuscetíveis de aproximação.

            O mundo do ser é o dos fatos e, como tal, uma interligação causal. O mundo do dever-ser é o das exigências de conduta, das pretensões de conformar a atividade humana. Aqui mora o Direito, cuja gramática não diz o que acontece, mas o que deve acontecer. O universo jurídico é o das normas que exigem determinados comportamentos. Daí que a Ciência do Direito é normativa (não causal) o que equivale a dizer, é o conhecimento dos conceitos e realidades normativas.

            Esta é a raiz do enfoque kelseniano. O mundo do ser é exterior; seus processos vitais (sociológicos e psicológicos) embora constituam o conteúdo das normas ficam fora do Direito, já que este é só forma. As considerações de ordem teleológica, também, posto que processos psicológicos.

            De fato, o conhecimento jurídico kelseniano tem por objeto normas que emprestam a certos fatos o caráter de atos jurídicos. As normas expressam o sentido de atos de vontade, o que deve ser.

            Não é lícito ignorar que, na primeira fase de sua produção, a principal fonte filosófica é a teoria do conhecimento de Immanuel Kant, notabilizada pela inversão da centralidade gnosiológica do objeto para o sujeito cognoscente. Gera uma teoria pura (como teorias puras foram denominadas as de Cohen e Stammler), empurrada pela preocupação obsessiva de conferir caráter científico ao Direito, mediante a rígida cesura em relação à Psicologia, Sociologia, Política e Moral. Concentrado na clássica divisão de mundos (de Kant), arremete contra os jusnaturalistas incapazes de diferenciar o direito que é e o direito que deve ser. [07] Normatividade, objetividade e recusa de qualquer sincretismo metodológico – essa é a tríade essencial do pensamento kelseniano.

            Na edificação de uma ciência descritiva do Direito, Kelsen abraça a estruturação formal do direito legislado e suas categorias básicas como se fossem constitutivas de uma unidade autônoma.

            Por isso, não é todo Kant que interessa a Kelsen, mas apenas a metodologia da crítica da razão pura. Trocando a causalidade pela imputabilidade, como critério metodológico delimitador, define uma Ciência do Direito que repousa sobre uma categoria lógico-transcendental: a norma fundamental hipotética. Rigorosamente, trata-se da Ciência do Direito produzindo seu próprio objeto.

            Kelsen não ambiciona prescrever, mas simplesmente descrever; não submerge materialmente, resta na superfície da estruturação formal. Não se ocupa de fatos, mas de normas hipotéticas. Nada mais que o dever-ser como nexo entre o ato ilícito e a sanção. O normativo pressupõe a inserção da vontade e não sobrevive sem a sanção. O Direito se caracteriza pelo seu tipo específico de sanção: imanente, externa e institucional. Pode ser conceituado como a organização da coação que acompanha um sistema de normas de condutas hipotéticas. Afinal Direito e Estado são faces da mesma ficção.

            A explicação da normatividade prática do Direito não se insere entre os objetivos da teoria pura de Kelsen. Seu fito é o instrumental teórico-descritivo do Direito. [08]

Page 20: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

A tragédia da teoria pura

            À medida em que vai se afastando de suas matrizes kantianas, a teoria pura de Kelsen também vai submergindo no invisível, no incognoscível, até atingir o fantástico. Afinal, embora Kant não seja suficientemente abstrato para se prestar a otimizações vizinhas do irracionalismo, o que move Kelsen é a obsessão pela coerência.

            A teoria pura do direito, argutamente criticada nos Fundamentos do Direito, por Miguel Reale, não logra concreticidade no direito brasileiro, remanescendo nas aulas de Introdução ao Estudo do Direito, no início do curso de graduação e nos estudos de pós-graduação das universidades atadas ao positivismo. E nem poderia ser diferente, pelas mesmas razões que determinaram seu abandono no primeiro mundo.

            Primo, quando se indaga sobre a obra Teoria Pura do Direito, é inevitável que se esclareça a qual das versões se refere. Da primeira edição, de 1934, nascem diversas versões modificadas, cada uma acrescentando ou substituindo postulados. Sua Teoria Geral do Direito e do Estado também promove correções na opera mater. Enfim, após seu falecimento, vem à luz seu último trabalho, editado pelo Instituto Kelsen, de Viena, a Teoria Geral das Normas, que assinala uma transformação radical da construção teórica kelseniana, como se verá adiante.

            O próprio Kelsen, na Suíça, em 1934, ao prefaciar a primeira edição da Teoria Pura do Direito consome muitas linhas comentando as oposições argüidas contra seu feito:

            "Na verdade, a teoria combatida não é de forma alguma algo assim de tão completamente novo e em contradição com tudo o que até aqui surgiu. Ela pode ser entendida como um desenvolvimento ou desimplicação de pontos de vista que já se anunciavam na ciência jurídica positivista do séc. XIX"

            Kelsen está aludindo ao neo-kantismo como filosofia pura e abstrata, subtraída à toda historicidade, como manifesta cesura em relação à Moral e à Sociologia, esboçada nos trabalhos da Escola de Marburgo, sobretudo pelas penas de Rudolf Stammler e Hermann Cohen. O Direito como sistema é uma aplicação do método transcendental de Kant: os juízos sintéticos a priori como fundamento absoluto da verdade das proposições não apenas das ciências naturais-matemáticas (Kant), mas agora, também às conformações sociais, às criações estéticas e até à teologia (neo-kantismo). O jurídico resulta numa verdadeira matemática das ciências do espírito, numa reação frontal contra a dialética hegeliana.

            Continua Kelsen dizendo que "a luta não se trava na verdade – como as aparências sugerem – pela posição de Jurisprudência dentro da ciência e pelas conseqüências que daí resultam, mas pela relação entre a ciência jurídica e a política, pela rigorosa separação entre uma e outra, pela renúncia ao enraizado costume de, em nome da ciência do Direito e, portanto, fazendo apelo a uma instância objetiva, advogar postulados políticos que apenas podem ter um caráter altamente subjetivo, mesmo que surjam, com a melhor das boas-fés, como ideal de uma religião, de uma nação ou de uma classe".

            De fato, enquanto os fascistas declaram a teoria pura uma concessão ao liberalismo

Page 21: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

democrático, os democratas liberais e os sociais-democratas a contemplam como uma trincheira fascista. Vista pelo comunismo como ideologia do capitalismo, ao mesmo tempo, é contemplada com o rótulo de anarquismo e bolchevismo judeu, pelo nacional-socialismo. A ortodoxia científica custa a Kelsen até mesmo uma assemelhação à metafísica de cunho religioso (protestante ou católico).

            O exemplo mais flagrante consiste no fato de que o Kelsen tardio repele a existência de uma lógica jurídica (antes afirmada), negando a incidência do princípio da não-contradição e as regras de inferência. Sua última versão da teoria pura estão centralizadas na noção de vontade e na exclusão da aplicação da lógica às normas jurídicas. Seu sistema teórico baseado na cisão ser/dever-ser torna-se mais aprimorado e coerente, mas beira o irracionalismo.

            Nosso conhecimento, diz Mario G. Losano, está ligado ao mundo do ser e às regras da lógica: o Direito, depurado no último Kelsen chega a ser, agora, incognoscível. Com efeito, se por conhecimento entendemos o conhecimento racional que se serve das regras lógicas, a atual teoria kelseniana deve ser incluída entre as teorias não-cognoscitivistas do Direito. [09]

            Por causa de sua orientação irracionalista frente à lógica das normas, a nova concepção kelseniana exposta na Teoria Geral das Normas, embora se constitua numa autêntica enciclopédia das normas, fecha as portas ao desenvolvimento da filosofia analítica do Direito, circunstância sublinhada por Kalinowski, Klenner e Ota Weinberger.

A hipótese/norma/ficção fundamental

            Se o Direito é um conjunto de conexões dinâmicas em que as normas inferiores recebem o sopro de validade de outras normas mais elevadas e mais gerais, Kelsen chega, necessariamente, a uma norma suprema, a mais geral, que proporciona validade a toda ordem jurídica. É a norma das normas que fundamenta a própria Constituição.

            A grundnorm é o elemento mais controvertido da construção kelseniana e, bem por isso, o que mais mudou sua qualificação epistêmica, transformando-se num "perpetuum mobile". [10] Criada como razão de validade, fundamento de validez da ordem jurídica, não é uma norma positiva do sistema, senão que lhe é exterior. Trata-se de uma pressuposição cuja validade é inquestionável. [11]

            Já, ao formular sua teoria do Estado, Kelsen alude à norma fundamental como uma hipótese jurídica, ou seja, um pressuposto lógico-transcendental de índole formal que enseja o conhecimento e a interpretação da ordem jurídica como objetivamente válida. [12]

Trata-se, pois, de um pressuposto condicionado que obriga "algo determinado y concreto, a saber: un orden jurídico eficaz, es decir, un conjunto de relaciones fácticas de poder". [13]

            Aqui Kelsen assume o transcendentalismo kantiano:

            "Assim como Kant pergunta: como é possível uma interpretação, alheia a toda metafísica, dos fatos dados aos nossos sentidos nas leis naturais

Page 22: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

formuladas pela ciência da natureza, a Teoria Pura do Direito pergunta: como é possível uma interpretação, não reconduzível a autoridades metajurídicas, como Deus ou a natureza, do sentido subjetivo de certos fatos como um sistema de normas jurídicas objetivamente válidas descritíveis em proposições jurídicas? A resposta gnosiológica da Teoria Pura do Direito é: sob a condição de pressupormos a norma fundamental (...) A função desta norma fundamental é: fundamentar a validade objetiva da ordem jurídica positiva...". [13]

            Contudo, em sua obra póstuma, Kelsen despreza a configuração da "norma fundamental" como evocação do idealismo transcendental kantiano. Adota a teoria ficcionalista de Vaihinger e assume o caráter ficcional do pressuposto fundamental:

            "A norma fundamental de uma ordem jurídica ou moral positivas – como evidente do que precedeu – não é positiva, mas meramente pensada, e isto significa uma norma fictícia, não o sentido de um real ato de vontade, mas sim de um ato meramente pensado. Como tal, ela é uma pura ou verdadeira ficção no sentido da vaihingeriana Filosofia do Como-se, que é caracterizada pelo fato de que ela não somente contradiz a realidade, como também é contraditória em si mesma." [14]

            A resposta da Ciência do Direito ao problema do fundamento de validade da ordem jurídica é uma ficção contraposta à realidade e que é auto-contraditória.

            Fracassa o intento descritivo de Kelsen porque não explica nem descreve como é realmente o direito positivo. Seu sistema acaba se transformando num discurso político sobre como deve ser concebido o Direito, como sistema jurídico-estatal unificado, hierarquizado, pleno e coerente de normas jurídicas e de autoridades normativas, dotados de validade objetiva e de obrigatoriedade intrínseca, sobre a base de uma ficção. Como enfatiza Fariñas Dulce, o que Kelsen edifica é um conceito mítico do que é o direito positivo, enquanto reconstrução sistêmica e discursiva de um único tipo de direito, a saber: o direito moderno ocidental de caráter burguês. [15]

            O próprio objeto do Direito, isto é, a hipótese fundamental normativa, transforma-se em vontade ficta, revivescimento da fictio veritatis da Escolástica medieval.

            Para Alf Ross, a grundnorm revela sua verdadeira face: instrumento de uma ideologia sustentadora do Estado. [16]

            Quando Hans Kelsen, já octogenário, assume literalmente o ficcionalismo de Die philosophie des Als Ob, de H.Vaihinger [17], proclamando que o fundamento de validade da Ciência do Direito é um "como se", aparta-se definitivamente de Kant (aliás, também expressamente) e lança todos os pensadores kelsenianos ao beco das perplexidades. Tudo não passa de um "faz de conta": o sistema normativo é uma construção fictícia, portanto ficção da ficção (uma vez que toda Ciência é construída); o empírico é ficto (!!!), o sujeito da ficção é a ficção do sujeito (quer dizer, o sujeito do conhecimento é só objeto do sujeito-ficção) e o Estado, da mesma forma que Deus, só existe porque acreditamos que assim seja.

Page 23: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

Inconclusão

            Uma aproximação descompromissada de uma questão até aqui insolúvel não pode pretender o status de proferir conclusões. Deve cingir-se à síntese do deduzido, ou seja, inconcluir.

            Como um clássico muito comentado e pouco lido, Kelsen é apresentado como uma extensão kantiana, quando, de fato, Kant só lhe fornece o mote: Kelsen parte dele para depois aprofundá-lo (seu maior pecado?) quase platonicamente, e rejeitá-lo expressamente, na obra póstuma.

            Da depuração à saturação, Hans Kelsen lapida o diamante até pulverizá-lo. O positivismo e Kant, que se encontram mesclados no primeiro Kelsen, se divorciam. Saem de cena, substituídos pelo ficcionalismo.

            Se o rigor e a ortodoxia kantiana constituem as sementes do formalismo kelseniano, esse binômio é alimentado a tal grau de aplicação que compele Kelsen a condenar a Crítica da Razão Prática, pelo fato de não se ocupar da razão, e de inserir na ética e na jurisprudência o elemento irracional da vontade. Em 1959, Kelsen ataca a Metafísica dos Costumes e culmina por rotular Kant como jusnaturalista.

            Na Teoria Geral das Normas, Kelsen combate veementemente o purismo kantiano, justificador do direito natural, na medida em que, tanto na Crítica da Razão Prática como na Metafísica dos Costumes, Kant insere Deus como supremo legislador e a legislação humana como mera delegação do legislador divino ou a legisladora razão divina no homem. É o jusnaturalismo em sua mais pura essência religiosa.

            Sobre a dualidade ser/dever-ser, Kelsen diz que "não pode ser encontrado na Filosofia de Kant, porque segundo esta norma moral, o dever-ser moral, a lei da moral, parte da razão como razão prática, que é a mesma razão, cuja função é conhecimento do ser; pois que a razão prática, o legislador moral e a razão teórica são no fundo uma, diz Kant...". Termina afirmando a contraditoriedade do conceito de razão prática (simultaneamente querer e conhecer, vontade e razão) e a supressão do dualismo essencial pelo próprio Kant. Afirma que o conceito kantiano nada mais é do que a enteléquia aristotélica ou a ratio practica de Tomás de Aquino, ou seja, a razão divina no homem. [18]

            Hoje, não é possível deixar passar o fato de que a teoria pura de Kelsen olvida-se da singela circunstância de que a lógica não pode ascender à pureza absoluta, sob pena de alcançar o irracionalismo de sua própria negação. Se a vontade é irracional, uma vontade fictícia pode ter paralelo mais irracional?

            A infidelidade manifesta ao Kant da primeira teoria pura custa a Kelsen o preço de injustificáveis contradições. Não se pode aceitar parcialmente o transcendentalismo kantiano porque, uma vez assumido, revela-se um caminho sem volta. Também não se pode pretender sua extensão para campos em que, prudente e conscientemente, a natureza burguesa e religiosa de Kant impede-o de freqüentar. Certamente, não é possível transcendê-lo. Outros neo-kantianos o tentaram e, também, não foram bem sucedidos.

            Kant não perdoa a infidelidade ou o título do opúsculo de Von Kirchmann (A

Page 24: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

jurisprudência não é ciência) está correto?

NOTAS

            01 A teoria geral do direito e o marxismo. Trad. Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 40.

            02 Metafísica dos costumes. São Paulo: Ícone, 1993, p. 336.

            03 O direito entre a modernidade e a globalização. Lições de filosofia do direito e do Estado. Trad. Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 35.

            04 Introdução crítica ao direito. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa., 1994.

            05. Cfme JELIC, Zoran (An observation on the theory of law of Hans Kelsen. In: Facta Universitaris Series: Law and Politics. Nis: Nis University, 2001,v. 1, pp. 551 - 570). Além de Adolf Julius Merkl (teoria dos graus normativos) cumpre destacas Alfred Verdross-Dosberg (a norma fundamental no Direito Internacional).

            In contrast to Merkl who has been next to obssessed by the image of Hans Kelsen,

            even apt to a kind of glorification of his teacher, Verdross has often been critical of

            certain theses of pure theory of law,

            06Ao dizer que "é preciso voltar a Kant", Otto Liebmann reproduz esse ideário comum aos cientistas da Escola de Marburgo, dos quais são bons modelos o físico Helmholtz e os historiadores E. Zeller e Kuno Fischer.

            07 STEVEN GREEN, Michel, professor da George Mason University, (Alabama: Alabama Law Review, 2003 v. 54, n. 2, p. 366) expõe uma síntese forte do pensamento kelseniano, combatendo o empiricismo e o jusnaturalismo: "Unlike empiricists,for whom the law is reducible to social facts, Kelsen argues that legal interpretation concerns non-empirical norms. These norms have a necessary structure that restricts legal interpretation. On the other hand, unlike natural law theorists, Kelsen argues that the law is not restricted by moral considerations. Any act, no matter how morally repugnant, can be legally required. Kelsen’s restrictions on legal interpretation are formal, not material."

            08 É bom que se enfatize o enorme percentual de injustiça contido nas críticas dirigidas a Kelsen por juristas pragmáticos, sobre o aspecto prescritivo das normas jurídicas. O jurista vienense jamais se ocupa disso. Seu enfoque é meramente descritivo e, metodologicamente asséptico.

            09 La teoria pura del derecho del logicismo al irracionalismo. Estudo preliminar à tradução italiana da obra póstuma de Hans Kelsen, Teoria generale delle norme. Trad.

Page 25: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

Mirella Torre, Torino: Einaudi, 1985.

            10 A primeira edição (1934) é uma síntese da teoria de Kelsen. A segunda edição é de 1960, completamente diferente da anterior, na medida em que foram incorporadas as investigações feitas pelo autor no longo interstício. A tradução francesa da primeira edição saiu em 1953, contendo alguns acréscimos. A edição mais completa é a alemã de 1960. Assim também a tradução italiana de Renato Treves, publicada em 1966.

            11 SQUELLA, A. Acerca de la norma básica. Revista de Ciências Sociales, Madrid, 1974, pp. 419-423.

            12 WALTER, R. Kelsen, la teoria pura del derecho y el problema de la justicia. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1997, pp. 83 e ss.

            13 FARIÑAS DULCE, Maria José. La ficción en la teoria jurídica de Hans Kelsen. Revista Crítica Jurídica, n. 18, Junho de 2001, p. 3.

            14 Teoria pura do Direito. 4. ed. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor. 1976, p. 279.

            15 Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1986, p. 326.

            16 Op. cit, p. 5.

            17 Sobre la autorreferencia y el difícil problema del Derecho constitucional. In: El concepto de validez y otros ensayos. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1969, p. 83.

            18 Apud Teoria geral das normas, p. 325.

            19 Op. cit. pp. 99 e ss.

Bibliografia:

            ARNAUD, André-Jean. O direito entre a modernidade e globalização. Lições de filosofia do direito e do Estado. Trad. Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

            BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995.

            COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

            FARIÑAS DULCE, Maria José. La ficción en la teoria jurídica de Hans Kelsen. In:

Page 26: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

Revista Crítica Jurídica, nº 18, Junho de 2001.

            HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

            KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2003. Coleção A obra-prima de cada autor.

            _____. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os pensadores.

            _____. Metafísica dos costumes. São Paulo: Ícone, 1993.

            KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Dr. João Baptista Machado. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1976.

            _____. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986.

            _____. Teoria geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

            _____. A ilusão da justiça. Trad. Sérgio Tellaroli. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

            KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997.

            LOSANO, Mario G. La teoria pura del derecho del logicismo al irracionalismo. Estudo preliminar à tradução italiana da obra póstuma de Hans Kelsen, Teoria generale delle norme. Trad. Mirella Torre. Torino: Einaudi, 1985.

            MIAILLE, Michel. Introdução crítica ao direito. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.

            PASUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A teoria geral do direito e o marxismo. Trad. Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989.

            RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1997.

            REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.

            ROSS, Alf. Sobre la autoreferencia y el difícil problema del derecho constitucional. In: El concepto de validez y otros ensayos. Buenos Aires: Centro Editor da América Latina,

Page 27: Filosofia Jurídica (Kant e Kelsen)

1969.

            SQUELLA, A. Acerca de la norma básica. Madrid: Revista de Ciências Sociales, 1974.

            TREVES, Renato. Sociologie du droit. Trad. William Baranès et Olivier Simsek. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.

            WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. A epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luis Bolzan de Moraes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. II.

            WALTER, R. Kelsen, la teoria pura del derecho y el problema de la justicia . Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1997.