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Of8aniudor Evari s lo de Moraes Filho /''/ -- :, - -", 'I I ), 0.1 \ \ \ ).. SOCIOLOGIA - CONCEITOS GERAIS E SURGIMENTO .• , ..• . ! Conceito de Sociologia - seu objeto /" . "Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio " o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espír ito' que os fenÔmenos astronômicolli. físicos, químicos e fisiol6gicos, isto é, como submetidos a leis natu·rais invariáveis, cuja descoberta é o objeti"o especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar diretamente. com a maior p,ecisão 'possÍvel, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas suas partes essenciais; isto 6, a o encadeamento necessário de transrormações sucessivas pelo qual gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades. dos grandes macacos, foi conduzido 'gradualmente .0 ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espirito dessa ciência cansiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passad o, a verdadeira explicação do prcsente e a manifestação geral do futur o, Considerando sempre os fatos sociais, não como 'objetos de admi- ração ou de crítica, mas como objetos de observação, ocupa-se el. unicamente em estabelecer suas relações mútuas e apreender a influência que cada . um exerce sobre o conjunto d·o dcscnvolv,imcnto humano . Em suas relações com a prática, afastando das diversas instituições qualquer idéia absoluta de bem ou de mal, encara-as como constanteme nte relativas ao estado determinado da sociedade, e com ele variáveis, ao mesmo tempo que as concebe como podendo se estabelecer espOJltancJ- mente pela única rorça do!'i antecedentes, independellte de qualque r intervenção política direta. pois, suas pe squisas de ap li · cação a colocar em evidênda, segundo as le is 'natura is da civilização combinadas com a ob servação imediata, as diversas tcmJências ......... de cada época. Estes resultados gerais tornam-se, por sua vez, o ponto de par tida positivo dos trabalhos do homem ' de Estado, que s6 têm, poi ass im

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Of8aniudor Evarislo de Moraes Filho /''/

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).. SOCIOLOGIA - CONCEITOS

GERAIS E SURGIMENTO 'I"'""'!~ .• ~.":"'7 , ..• .

! Conceito de Sociologia - seu objeto

/" . "Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio " o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito'

que os fenÔmenos astronômicolli. físicos, químicos e fisiol6gicos, isto é, como submetidos a leis natu·rais invariáveis, cuja descoberta é o objeti"o especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar diretamente. com a maior p,ecisão 'possÍvel, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas a~ suas partes essenciais ; isto 6, a d~scobrir o encadeamento necessário de transrormações sucessivas pelo qual O· gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades. dos grandes macacos, foi conduzido 'gradualmente . 0

ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espirito dessa ciência cansiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do prcsente e a manifestação geral do futuro,

Considerando sempre os fatos sociais, não como 'objetos de admi­ração ou de crítica, mas como objetos de observação, ocupa-se el. unicamente em estabelecer suas relações mútuas e apreender a influência que cada. um exerce sobre o conjunto d·o dcscnvolv,imcnto humano. Em suas relações com a prática, afastando das diversas instituições qualquer idéia absoluta de bem ou de mal, encara-as como constantemente relativas ao estado determinado da sociedade, e com ele variáveis, ao mesmo tempo que as concebe como podendo se estabelecer espOJltancJ­mente pela única rorça do!'i antecedentes, independellte de qualque r intervenção política direta. Reduzem~se. pois, suas pesquisas de apli · cação a colocar em evidênda, segundo as le is 'natura is da civilização combinadas com a observação imediata, as diversas tcmJências pr6pr: ~ ~

......... de cada época. Estes resultados gerais tornam-se, por sua vez, o ponto de partida

positivo dos trabalhos do homem ' de Estado, que s6 têm, poi assim

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dizer, como objetivo real, descobrir e instituir as formas práticas cor­respondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar, ou pelo menos mitigar, quanto possível, as crises mais ou menos graves que um movi­mento espontâneo determina, quando não (oi previsto. Numa palavra, nesta, como em qualquer outra ordem de fen6menos, a ciência condu7. à previdência, e a previdência permite regular a ação." (OPS [1825] . p. 150-5!.)

"A elaboração original dessa nova cianeis foi essencialmente dinAmica, de modo que as leis de hannonia estiveram quase sempre implicitamente consideradas entre as leis de sucessão, cuja apreciação distinta podia, por si só, constituir hoje a Física Social." (CC P. v. VI. p.51!.)

Leis naturais em Sociologia

" Essa iníância teológico-metafísica indica, com efeito, de modo mais direto e menos equívoco, uma repugnância sistemática em consi­derar os fenômenos políticos como submetidos a verdadeiras leis na­turais , cuja imediata aplicação geral seria necessariamente aqui, como em qualquer outro caso anterior, a de impor logo à ação política limites fundamentais, dissipando, sem retomo, a vã pretensão de governar à nossa vontade esse gênero de íenômenos, tão radicalmente subtrafdos como nenhum outro aos caprichos humanos ou super-humanos . ( ... )

Doravante, só haverá realmente, em Filosofia Política, ordem e acordo possíveis, submetendo-se os fenômenos sociais, do mesmo modo que todos os outros, a invariáveis leis naturhis, cujo conjunto circuns­creve, para cada época, ao abrigo de qualquer grave surpresa, os limites fundamentais e o caráter essencial da ação política propriamente dita. Numa palavra, introduzindo para sempre no estudo geral dos fenômenos sociais este mesmo e sp~rito positivo, que sucessivamente regenerou e disciplinou todos os outros gêneros das especulações humanas, cujo esuttlo primitivo nfiQ havia sido, no fundo, mãis 5itisfalóliu. ( ... j

Niio é menos sensível, por outro lado, que eSse sentimento funda­mentai de um movimento social espontlneo e regulado por leis naturais constitui necessariamente a verdadeira base científica da dignidade humana na ordem dos acontecimentos políticos, de vez que as principais tendências da humanidade adquirem assim um imponente caráter de autoridade, que deve ser sempre respeitado, como base preponderante, para qualquer legislação racional. Enquanto isso, a crença atual no

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poder indefinido das combinações políticas, que tanto parece re~lç~ r a importância do homem, termina, verdadeiramente, por lhe :1tTlbUlr uma espécie de automatismo social, passivamente dirigido pela supre­macia absoluta e arbitrária da Providência ou do legislador humano. " (CPP. v. IV, p. 162-63 .)

Ordem de positividade das ciências

"A época em que as ciências começaram a tornar-se verJadeira­mente positivas deve ser reportada a Bacoo, que deu o primeiro sinal dessa grande revolução; a Galileu, seu contemporâneo. que lhe deu o primeiro exemplo, e, po r fim , a Descartes, que destruiu irrevogavel­mente nos espíritos o jugo da autoridade em matéria científica. Foi então que a filosofia natural nasceu e que a capacidade cient ífi ca encontrou seu verdadeiro caráter, como elemento espiritual de um nuvo

sistema social. A partir dessa época, as ciências to rnaram-se sucessiva mente

positivas na ordem natural que deviam seguir para tal fim. isto _ é: segundo o grau maior ou menor de suas relações com ° homem . I~ol assim que a Astronomia em primeiro lugar, em seguida a Física, mais tarde n Química, e, enfim , nos nossoS dias, a Fisiologia , constituíram-se em ciências positivas. Esta revolução está, portanto, plenamente efetua­da em todos os nossos conhecimentos particulares, e tende evidente­mente a operar-se hoje na Filosofia, na Moral e na Política, sobre as quais a influência das doutrinas teológicas e da metafísica já foi destruída aos olhos de todos os homens instruídos, sem que, contud o, estejam elas ainda íundadas em observações. lÔ a única coisa que íalta ao desenvolvimento espiritual do nosSO sistema social.

A medida que as ciências se tornaram positivas, e que, em con­seqüência, fizeram progressos sempre crescentes, uma massa cada vez maior de idéias científicas penetrou na educação comum, ao mesmo tempo que as ãoutrinas reiigiosas perdiam pour ..... a pouco a sua influên­cia. Construfram-sc escolas especiais para ;'\s ciências, nas qUllis, po r assim dizer, era nula n ação da teologin e da metarísicn . Enfim . mudou de tal modo o estado dos espíritos a este respeito que. atualmente, o sistema de idéias de cada indivíduo, desde o cidadão menos instruído até o mais esclarecido, corresponde quase em sua totalidade :\s ciências positivas, e as antigas crenças ocupam nf , comparativamente, um lugar muito pequeno, nas próprias classes em que essa!; crenças CotHicrvaram maior força." (OPS [1820]. p. 32-33 . )

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"Não cabe ,aqui explicar por que encadeamento esta grande mu­dan\3 se produziU,. basta notar, de fato, para fixar as idéias, que é no mOVllnento determmado no espírito humano pelos preceitos de Bacon pelas concepções de Descartes e pelas descobertas de Galileu (movi: mento que nnda mais representou do que o resultado final e inevitável de todos ~s tr~balhos an~erioresL que deve ser recuada a origem direta d~ uma filosofia ver~adelramente positiva, isto é, inteiramente despren­dIda de qualquer aliança teológica e metafísica, que havia mais ou menos alterado até então o caráter das teorias naturais.

Foi durante. os dois séculos decorridos depois dessa memorável época que os dIversos ramos dos nossos conhecimentos chegaram enfim, ao e~tado positivo. Mas, se importa pouco, para o nosso objetiv~ atu~l, examm,ar por que meios esta passagem se operou, é, ao contrário, multo esse?cl~1 observar atentamente em que ordem nossas diferentes cI~ss~s de IdéIas passaram por tal transformação, de vez que esta noção é mdlSpensável para completar o conhecimento da lei precedentemente exposta.

~ma marcha muito simples e muito natural manifesta~se a este respeito,

Nossas diversas concepções tornaram-se sucessivamente positivas na me,5ma ordem qu~ ~eguiram para se tomarem, a princípio. teológicas, e, maIS tarde, mctaflSlcas. Esta ordem é a do grau de facilidade que apresenta () e~tudo d.os fenômenos correspondentes, E de terminada por sua cornpllcaç50 maior ou menor, por sua independência mais ou menos complet a, por seu grau de especialidade, e por sua re lação mais Ou menos ~lreta com o homem, quatro motivos que, embora tendo cada qual uma . JIlfluência distinta, são, no fundo, inseparáveis. Ora, eis a este respeito, a classificação ditada pela natureza dos renômenos 'tal como a conhecemos hoje. '

~s fenô~enos astr~nômicos são ao mesmo tempo os mais simples, os ll)31S gerais e os mais afastados do homem; influem sobre todos os outros, sem ser por eles :nfIuenciados, pelo menos a um grau sens[vel para nós; ~bed_ecem apenas a uma única lei, a mais universal da natureza, a da. gravltaça~ . Depois deles, vêm os fenômenos da fío.;ica térrestre p:opnamente dJt~, que s~ .complicam com os precedentes, e que, além dlss~, seguem leiS eSpeCiaiS, mais limitadas nos seus resultados, Em seguida, os fenômenos químicos, que dependem de uns e de outros e nos quais se percebe mais uma nova série de leis a das afinidades cujos efeitos são menos extensos, Por fim. os fenÔmen os fiSiOlÓgiCOS:

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nos quais se observam todas as leis da Física, quer celeste, quer terres~ tre, e da Química, embora modificados por outras leis que lhes são próprias, e cuja influência ~ ainda mais limitada. ( ... )

Observando, sob este aspecto, a marcha do espirito humano desde há dois séculos, verifica-se que, efetivamente, a Astronom ia foi a primeira a tornar~se uma ciência positiva ; depois dela, a Física, em seguida a Química e, por fim, em nossos dias, a Fisiologia. Tal é o estado presente do desenvolvimento intelectual.

A fim de conhecer com toda a precisA0 necessária a verdadeira época a que chegou, agora, esta grande revolução, deve· se distinguir, na última ciência (a Fisiologia), a seção relativa às funções intelectuais e afetivas da que compreende as outras funções orgânicas. ( ... )

Depois de haver assim estabelecido, pelos [atos, a que ponto chegou hoje a formação da Filosofia Positiva, deve-se examinar o que resta ainda fazer para completá-Ia.

A série natural dos fenômenos [ornece ela própria, por assim diz:!Y'"esposta a esta questão. /' As quatro grandes classes de observações precedentemenle esta-

/ belecidas não compreendem, pelo menos explicitamente, todos os pontos de vista sob os quais podem ser considerados os seres existentes. Falta evidentemente o ponto de vista social para os seres disso suscetíveis, e sobretudo para o homem; mas vê-se, com a mesma clareza, que esta lacuna 6 ti única. Assim, possuímos agora uma física celeste, uma física terrestre, quer mecânica, quer química, uma física vegetal e uma rísica animal; falta-nos ainda uma última, a Física Social, a fim de que ° sistema de nossos conhecimentos naturais lique completo," (OPS

[1 825] . p. 147-50}/--

Necessidade da Sociologia - seu surgimento

HE fácil cxplica r~se ao mesmo tempo por que a Política niío pôde tornar.se mais cedo uma ciência positiva, e por que é para isso convocada hoje. Duas condições fund amentais, distintas, ainda que inseparáveis, eram para isso indispensáveis.

Em primeiro lugar, fazia~se necessário que todas as ci('nci<ls par­ticulares se houvessem sucessivamente tornado positivas; porque o conjunto não podia ser tal quando todos os elementos não o eram. Esta condição está hoje preenchida.

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As ciências tornaram·se positivas, uma após outra, na ordem em que era natural que essa revolução se operasse. Esta ordem é a do grau de complicação maior ou menor de seus fenômenos, ou, em outros teonos, de sua relação mais ou menos íntima com o homem. Assim os fenômenos astronômicos a princípio. como sendo os mais simples, e, em seguida, sucessivamente, os físicos, os químicos e os fisiológicos, Coram reconduzidos a teorias positivas; estes últim.os, em época muito recente . A mesma reforma somente em último lugar podia efetuar-se em relação aos fenômenos políticos, que são os mais complicados, pois dependem de todos os Qutros. Mas é, evidentemente, tiio necessário que se efetue agora, como foi impossível ter-se realizado mais cedo.

Em segundo lugar, fazia-se necessário que o sistema social prepa­ratório, no qual a ação sobre a natureza fosse somente o fim indireto da sociedade, houvesse chegado à sua última rase.

De um lado, com efeito, a teoria não podia estabelecer-se até então, porque teria ficado mais adiantada do 'que a prática . Sendo destinada a dirigi-Ia, não poderia antecipá-Ia a ponto de perdê-Ia de vista. Por outro lado, não teria tido antes uma base experimental suficiente. Fazia-se necessário o estabelecimento de um sistema de ordem socia l, admitido por uma população muito numerosa e composta de várias grandes nações, e toda duração possível deste sistema, a fim de que se pudesse fundar uma teoria sobre esta vasta experiência.

Esta segunda condição está hoje satisfeita, tanto quanto a primeira. O sis tema teológico, destinado a Preparar o esplrito humano ao sistema científico, chegou ao termo da sua carreira . ..Isso 6 incontestável, por· quanto o s is tema metafísico, cuja única finalidade é destruir O sistema teológico, tem geralmente obt ido preponderância entre os povos. A política científica deve, assim, estabelecer·se naturalmente, porque, diante da impossibilidade absoluta de prescindir-se de uma teoria, seria necessário supor, se isso não ocorresse, que a política teológica se recrulstitu ísse l já que a polític;t meltlríska não ~, propriamente !.als.ndc, uma vetdadeira teo ria , mas uma doutrina crítica, pr6pria somente para uma transição.

Em resumo, jamais hou ve revolução moral I R um s6 tempo mais inevitável, mais amadurecida e mais urgente do que a que deve agora elevar a Política ao nível das ciências de observação, pel as mãos dos cientistas europeus." (OPS [1822J . p. 79-80.)

"A Política não escapou, assim como as outras ciências, a esta lei fundada sobre a IIntureza da'i coisas. O estado em que sempre

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permaneceu até o presente, e no qual ainda se acha, correspondc, com perfeita analogia, àquele em que se encontrav~~ a Astrologi a .diante da Astronomia, a alquimia em relação à QUlmlca, e a pc~q U\ sa da panacéia universal em relação à Medicina ." (lbid. p. 83-84.)

"A necessidade de tornar positiva a ciência social é tão real hoje, este grande cometimento chegou de tal modo à sua maturidadc, que vários espíritos superiores ensaiaram atingir esse objetivo, tratnndo a Política como uma aplicação de outras ciências já positivas, n~l d~lmílli() das quais acreditaram poder fazê-Ia entrar. ,Como .essas t.enlatl vaS clam. por sua natureza, inexeqU(veis, foram mUIto maIs prOJetad a" do que

segUidas." (lbid. p. 119.) "Pode-se então julgar estabelecido. a prior ; e a po.flt'fÍori, por

demonstrações reais, que, para atingir esse objetivo capital. cumpre considerar a ciência política uma física particular, fundada na obser­vação direta dos fenômenos relativos aO desenvolvimento coleti~o da espécie humana, tendo por objeto a coordenação do passado ~~c.lal, _e , como resultado, a determinação do sistema que a marcha da Clvll lzaçao

tende hoje a produzir. Esta Física Social é evidentemente tão l"0sltlva como qualquer

outra ciência de ob~ervação . Sua certeza intrínseca é também real. As leis que ela descobre satisfazem o conjunto dos fen ômenos observados, merecendo sua aplicação inteira confiança ." (lbid. p. 130.)

j'Um gosto exclusivo pelas obras que mostram mais o u menos C\tc caráter [pelas doutrinas positivas], pronuncia-se cada dia mais, c, numa observação muito decisiva, domina até o espí rito de partido. Os homens que mais se esforçam em restabelecer a Teologia em seu antigo império. cedendo involuntariamente ao gênio do século, honram-se de empregar, sobretudo no estabelecimento de suas opiniões, a autoridade das

considerações positivas.

Chegou, portanto, enfim a época em que, como uitimo rcsuitado de todos os seus trabalhos anteriores, o espírito humano pode completar o conjunto da filosofia natural , reduzindo os fenômenos sociai ... , depois de todos os outros, a teorias positivas. As diversas tentativas prelimi­nares que acabamos de indicar rapidamente bastam para assinalar . essa operação e tomá-la imediatamente praticável , mas ela s a dClxam inteiramente por realizar. Tal 6 a grande tareia filosófica resc rvada ao s6culo XIX pela marcha natural do 110SS0 desenvolvimento intelec-

tual." (OPS [1825J. p. 157.) {

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"Desde essa memorável época [séculos XVI-XVII ], u movimenlu de ascensão da Filosofia Positiva e o movimento de decadência da Filosofia Teológica e Metafísica foram extremamente marcados. São de lal modo pronunciados, que se tornou impo''ijvel atualmente, a todos os ubservadores que tenham consciência do seu sécu lo, dC:\l,;onhcccl a destinação final da inteligência humana para os estudos positivos, assim como seu afastamento doravante irrevogável dessas vãs doutrinas e desses métodos provisórios que somente serviriam para o seu primeiro surlo. Assim, esta revolução fundamental se realizará necessariamente em toda a sua extensão. Se, portanto, resta ainda alguma grande conquista a fazer, a lgum ramo principal do domínio intelectual a invadir, podemos esta r seguros que a transformação se operará, como se efetuou em todos os outros.

Seria evidentemente contraditório supor que o esplflto humano, t;io disposto à unidade do método, conservasse indefinidamente. para uma !'ó classe de fenômenos, sua maneira primitiva de filosofar, quando chegou a adolar para lodo o reslo uma nova marcha filosófica, de raráter ab!'olutamente oposto. Tudo se reduz então a uma simples questão de falO. A Filosofia Positiva, que, nos dois últimos séculos, atingiu gradualmente tão grande extensão, abrange hoje todas as ordens ue renômenos? E. evidente que ainda não. Em conseqüência. resta ainda uma grande operação cientifica a executar para dar à Filosofia PositiVí1 ° caráter de universalidade, indispensável à sua rec:on!itituição definitiva.

Efetivamente. nas quatro categorias principais de fen ômenos na­turais. enumerados há pouco, os fenômenos astronÔmicos, físicos, 4uímicos e fisi ológicos, nota-se uma lacuna essencial relativa aos fenô­menos soci ais, que, mesmo compreendidos implicitamente entre os renÔmenos fisiológicos. merecem constituir uma categoria distinta, quer po r sua importância, quer pelas dificuldades próprias a seu eSludo. ESla última ordem de concepções, que se relaciona com os fenômenos mais, particulares, mais complicados e mais dependentes de todos os nutros, deveu-se necessa riamente, s6 por isso, aperfeiçoar-se mais lentamente que todos os precedentes, mesmo sem levar em conta obstáculos mais especiais, que consideraremos mais tarde. De quaJquer modo, é evidente que ainda não entrou no domínio da Filosofia Positiva. Os métodos teológicos e metafísicos que, relativamente a todos os outros gêneros de renômenos, nâo sâo mais agora empregados por ningllém. quer como meio de investigação, quer mesmo somente como meio de ilrgumentação, são ainda, ao contrário, exclusivamente utiliza-

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dos. sob qualquer desses dois aspectos, .para tuJo o que conCcrne aos fenômenos sociais, ainda que sua insuficiência a este respeito já seja plef1nll1cntc ~cntida po r todos os bons espírilO!i. cnnc;ados dessas vãs cOlltestaçl)Co;; interl11in(Iveic; entre ti direito divino c :l c;obcranio dn

povo.

Eis, portanto, a grande, mas evidentemente a única lacuna que deve ser preenchida para que se acabe de constituir a Filosofia Positiva. Agora que o espírito humano fundou ri fís ica celeste, a física terrestre, quer mecânica, quer química; a fí sica orgflllica, quer vegetal, quer animal resta concluir o sistema das ciências de observação, fundando , . . . a Física Social. Tal é agor.{I, sob vários aspectos capitaiS, a mal~r e a mais premente necessidade de nossa inteligência; essa é, ouso dIzer, a primeira meta deste curso, sua meta especial.

As concepções que procurarei apresentar relativamente ao estudo dos fenômenos sociais, e das quais espero que este discurso já deixe entrever o germe, não poderiam ter por objeto dar imediatamente à Física Social o mesmo grau de perfeição que aos ramos anteriores da filosofia natural, o que seria evidentemente quimérico, pois que ofere­cem já entre elas, a este respeito, uma extrema desigualdade, aliás inevitável. Mas essas considerações se destinarão a imprimir a esta última classe de nossos conhecimentos esle caráler positivo já assumido por todos os outros. Se esta condição for realmente preenchida, o sistema filosófico dos modernos ficará, enfim, fundado em seu conjunto, porque nenhum fenômeno observável deixaria eviden temente de entrar em qual­quer das cinco grandes categorias, já estabelecidas, dos fenômenos astro­nômiCOS , físicos, químicos, fis iológicos e sociais. Tornando-se hom~g~~eas toLlas as nossas concepções fundamentais, a Filosofia ficará dehllltlva­mcnte constituída no estado positivo. Sem que possa jamais mudar esta característica, só lhe restará desenvolver-se indefi nidamente, mediante aquisições sempre crescentes, que resultarão inevitavelmente de novas ubservações ou de medilações mais profundas." (CPf' . v. I, p. 11-13.)

o nome de Sociologia

"Acredito que devo arriscar, desde agora, este termo novo, socio­logia. exatamente equivalente à minha cxpre~são, já introduzida, de física social , a fim de poder designar por um nome único esta parte complementar da filosofia natural que se relaciona com o estudo positivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos

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soei:,is. A necessidade de tal denominação, para corresponder à desti­naça~ ,especial de~te. volum~) levará, espero, R desculpar esse último exercl~IO de um dlrclta leg,ítJmo, o qual acredito ter sempre usado com toda clrcu~specção convenumtc, e sem deixar de sentir uma profunda repugnfinc.a por qualquer hábito de neologismo sistem ático." (CPP. v. IV [/ 839J, p. 132. )

"Reconheci a seguir que esta imperfeição gramatical [o hibridis­mo la t,H1? e .grego de sua formação] encontra uma feliz compensação na aptldao direta de tal estrutura lembrar sempre o concurso histórico das duas fent,es. ~ntigas. uma social, outra mental , da civilização ~oderna .. O hJbn~lsmo não impediu de admitir vários termos sistemá­tlC~s . cUJa necessidade se fazia sentir, como mineralogia, etc. Com maiS forte razão, não pôde ele impedir a introdução de no mes assim dotados, pela sua própria formação, de eminente propriedade filosófica. Todos os pensadores ocidentais já aceitaram, segundo minha obra fun­damenta I, a palavra soci%gia." (SPP. v. J, p . 403.)

Sociologia, ciência da crise - consclentizaçio de sua época

J "Um sistema social que se extingue, um novo sistema que atingiu r ;ua completa maturidade e que tende a se constituir eis o caráter . fundam ental. assinalado à época atual pela marcha gerai da civiliza ão.

De co r~formldadc. corn es~e estado de coisas, dois movimentos de n;tu4

rela d.(ere~te ag.tam hOJe a sociedade: um de desorganização outro de r:organlZação. Pelo primeiro, considerado isoladamente, ' é ela .mpellda para uma. profun~a anarquia moral 'e pol/tlca, que parece ameaçá-Ia de próx.ma e lJ1evitável dissolução. Pelo segundo é ela condUZIda para o estado social definitivo da espécie human a, 'o mais conven .ente à sua natureza, no qual todos os seus meios de prosperidade d~vem receber seu mais completo desenvolvimento e sua aplicação mais direta . E n~ co~x.istência dessas duas tendências opostas Que consiste t grantIe c.r ! ~e "'~""lda pelas nações mais civilizadas. I! sob esse duplo

I speclo que a Crise deve ser considerada para ser compreendida.

Desde o m~m~nto em que essa crise começou a manifestar-se até o presente, a tendencl8 à decomposição do antigo sistema tem sido domi­nante, ou antes, é ainda a única que claramente se pronunciou. Estava ~a natu reza das c~isas ~ue a crise assim começasse, c isto {oi útil, a fim de que ? antIgo sistema se modificasse bastante, para permitir proceder-se diretamente à formação do novo. Mas, hoje, quando esta

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condição está plenamente satisfeita, quando o sistema reud~ 1 e teológico se acha tão atenuado quanto possa ser, até que o novo sistema comece a se estabelecer, a preponderância que ainda conserva a tendência crítica é O maior obstáculo aos progressos da civilização, e mesmo à destruição do antigo sistema. Aí está a ca usa principa l dos abalos te rríveis e sem­pre renascentes que acompanham a crise.

/ A única mane ira de pôr termo a esta tempestuosa si tuação, de reter a anarquia que invade dia a dia a socíed.ade, numa palavra, de reduzir a crise a um simples movimento mo ral, é determinar às nações civilizadas que deixem a direção crítica a fim de tomarem a direção orgânica, fazendo convergir todos os seus esforços para a formação do novo 'sistema social, meta definitiva da crise, e para :lo qual nada mais

~do que preparatório tudo quanto se tem feito até o presente . ( ... )

\

Mesmo a contragosto, cada um é de seu século. Os espíritos que mais acreditam lutar contra a marcha da civilização obedecem, in volun­tariamente, à sua irresistível influência, e concorrem por si mesmos a

, secundá-Ia. ( ... )

Depois de tcr considerado separadamente as duas maneiras dife­rentes pelas quais os povos e os reis concebem esta reorga nização, se se compara uma com a outra , vê-se que cada uma delas, por vícios que lhe são próprios, é igualmente incapaz de coloca r a sociedade numa direção verdadeiramente orgânica, e assim de impedi r para o futu ro o retorno das tempestades que constantemente acompanhara m até o prc-

li sente a grande crise que caracteriza a época atual. Ambas são (1) anárquicas no mesmo grau, uma po r sua natureza íntima , outra por

suas conseqUências necessárias.

A única diferença que existe entre elas, neste ponto, é que, na opinião dos reis, constitui-se o governo propositadamente em oposição direta e contínua à sociedade; ao passo que, na opini ão dos povos, é a sociedade que se estabelece sistematicamente num estado permanente

, je hostilidade contra o governo. ( ... )

O êxito de tal opinião bastarda, que n"da mais é do que uma mistura das idéias retrógradas com as idéias críticas, evidencia clara­mente dois fatos muito essenciais para o conhecimento exato da época atual. Prova, em primeiro lugar, que a insuficiência da doutrina crítica, para corresponder às grandes necessidades atuais da sociedade, é tão profunda e universalmente sentida quanto a incompatibilidade do sis­tl!m3 teológico e feudal relativamente ao presente estado da civilização. Em segundo lugar, garante que nem a opini ão crítica, nem a opinião

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retrógrada, podem obter mais ascendência real. Quando uma delas parece prestes a adquirir a preponderância, ~ disposição geral dos espíritos torna~se imediatamente favorável à outra, até que esta, iludida por e55;] aparellte aprovação, tenha adquirido bastante atividade para dar lugar 80S mesmos alnrmas, e, por conseguinte, sofrer, por sua vez, a mesma decepção.

Estas oscilações sucessivas efetuarn·se ora num, ora noutro sen. tido, conforme a marcha natural dos acontecimentos manifeste espe. cialrnclltc, ou o absurdo do antigo sistema, ou o perigo da anarquia. Tal é, neste momento, o mecanismo da política prática, c tal será inc. vitavelmentc enql1anto não forem fixadas as idéias sobre a malleira de reorganizar a sociedade; enquanto ná se formar uma opinião capaz

)

de preencher ao mesmo tempo essas uas grandes condições prescritas , por nossa época, c que, até agora, arecem contraditórias: o ,abandono

\' ,I do antigo ~isfma e ° estabelecimento de úma ordem regul.ar e es-, táveL (.,.y

) O destino da sociedade, chegada à sua maturidade, não é habitar Ipar~a ~cmpre o velho e mes~uinho par,dieiro que construiu em sua

,' lnfnl1Cla, como pensam os reis; nem Viver eternamente sem abrigo, I depois de té-Io abandonado, como pensam os povos, mas construir,

com o auxílio da experiência adquirida e com todos os materiais que acu lllu lou, o edifício melhor apropriado às suas necessidades e ao seu bcm-c"wr, Tal é a grande e nobre empresa reservada à geração atuaL (.,.)

A sociedade está hoje desorganizada, tanto no aspecto espiritual, quanto no temporal. A anarquia espiritual" precedeu e engendrou a anarquia temporal. Ainda hoje o mal-estar social depende muito mais da primeira causa do que da segunda. De um lado, o es tudo atento da marcha da c ivilização prova que a reorganização espiritual da socie~ dade encontra-se agora mais preparada do que sua reorganização tem­poral. Deste modo, a primeira série de esforços diretos para concluir a época revolucionária deve ter por objetivo reorgan izar o poder espiritual; enq uanto que, até o presente, a atenção fixou-se ~c ll1pre sobre a reforma do poder tel1lporal.

De !Odas as considerações precedentes, deve-se evidentemente con­cluir pela absoluta necessidade de separar os trabalhos teóricos da reorganiz(lç:io socia l, adequada à época atual, dos trabalhos práticos; isto é. deve-se conceber e executar os que se relacionam com o espírito da nova o rdem social , com o sistema de idéias gerais que lhe deve corresponde r, i so l~d<l!l1('nte dos que têm por objetivo o sistema de reIa~

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ções sociais e o modo administrativo que delas deve re~ultar, Nada se pode fazer de esseocial e de sólido, quanto à phite prática, eo~uanto ~ parte teórica não estiver estabelecida ou, pelo menos, bem adl8ntada, (OPS [1822J, p, 47-48, 50, 54-55, 57-58 , 59, 68-69,)

liA sociedade encontra-se hoje, evidentemente, sob o aspecto mo­ral numa verdadeira e profunda anarquia, reconhecida 'por todos os ob;ervadores, quaisquer que sejam suas opiniões especulatlvas. ( ... )

Se se considera, portanto, como demonstrada a imposs~biHda,de de restabelecer a teologia em toda a extensão do seu antlgo_ Impér~o ,(e, por certo, ninguém mais duvida disto), ,~ão há ?utra soluça0 adm1S~lvel a não ser .a formação da Filosofia POSItiva, Nao se tr~~a, de exa~mar se isso é vantajoso ou deplorável, se ~ssa operação é diflcll ou, fáCIl, ~e deve exigir muito ou pouco tempo. Todas essas questô7s OCtosas ~ao afastadas pela decisão fatal da observação: não há maIS ~utra Salda para a sociedade; cumpre, portanto, meter imediata~ente maos à obra. E. de resto , as outras considerações indicad,as aquI ,mostram que esta última revolução, que deve afinal restabelecer ,na s~cledade uma order;n estável longe de ser tão superior, como se Imagma, às forças atuaiS do es~irito humano, está de tal modo preparada pelos antecedentes que se tornou inevitável. (.,,) ,

Quanto a mim, este trabalho já foi empreendido, porque, c~nSldero a Física Social como tendo agora mesmo um começo d~ eXls~enCta., e este ponto de vista dominará sempre em minhas conslderaçoes ftlo­

sóficas." (OPS [1825J, p. 159-61.)

"Quadragésima sexta lição - Considerações politicas prelimina­res sobre' a necessidade e a oportunidade da Física Social, segundo a

análise fundamental do estado social atual. (".)

Que esta fundação [da SociologiaJ seja em primeiro l uga~ .Ievada ao ponto não somente de constatar, para todos os bons espltltos, . a ossibilid~de atual de conceber e de cultivar a ciência social ,à. manclra

~as ciências plenamente positivas, mas tamb6m d7 marcar OItldamente o verdndeiro caráter filosófico desta ciência definitiva, estabeleccTllJo~lhe solidamente as principais bases. eis aí, senl dúvida, tudo, o que é ~c~-

, , d'as Ao mesmo tempo basta ISSO csscnctu-nuudo tentar em nossos t ' 'd d mente como espero demonstrá-lo, às nossas mais urgentes ne~ess l a. es inteledtuais, e mesmo às necessidades mais imperiosas da prática SOCial,

sobretudo atual. (",)

A imensa lacuna fundamental que acarreta, evidentemente, no sistema geral da Filosofia Positiva, o deplorável estado de infância

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prolongada no qual ainda jaz a ciência social, deveria bastar, sem dúvida, para tomar altamente irrecusável, a qualquer inteligência ver­dadeiramente filosófica, a estrita necessidade de uma empresa destinadn a imprimir enfim no espírito humano, já tiío bem preparado a outros respeitos. esse grande caráter de unidade de mélOlJo c de homogene i­dade de: doutrina, indispensável li plenitude de seu desenvolvimentu especulativo, e sem o qual a sua atividade prática não seria capaz de ter nem nobreza, nem energia bastantes. (, .. ) Creio dever dest inar toda esta lição [46-.] a algumas explicações preliminares sobre a relaç;io fundamental e direta da operação, puramente abstrata na aparência, que consiste em instituir, hoje , o que denominei de Ffsica Social, com o conjunto das principais nécessidades que o deplorável estado das so­ciedades atuais manilesta a todos os esplritos sérios e esclarecidos.

Depois deste esclarecimento pr~vio, sobre o qual , assim, me dispenso de voltar mais tarde, todos os verdadeiros homens de Estado compreenderão, espero, que, por não pretender nenhuma aplicação atual e es~ ~ ~aodemh~o nemor.Jsso é meno irrecusavel-

",1If'l'f"''' ''.' ; , """"~j1 '" '~::m\ta~~' Híb,..r . t~·"i· .' f1\' 'i'" ~hj"'I·*-""' i · .1 . ~e~te su .. ~e d .. íup.uaao ~ r e cap. , sem a qual não merecena interessar, com efeito, a solicitude daquele. a quem preocupa acima de tudo, a tão justo tItulo, a obrigação, cada vez mais indispensável e aparentemente mais difícil , de resolver afinal a assustadora constituição revolucionária das sociedades modernas." (CPP. v. IV, p. 2, 3 e 4.)

Divisões da Sociologia

"Sem dúvida a ciência social poderá algum dia ser racionalmente subdividida com utilidade, até certo grau, mas hoje não podemos saber de modo algum em que consistirá esta divisão ulterior, pois seu verda­deiro principio deve resultar apenas do desenvolvimento gradual da ciência, que somente poderia ser agora fundada segundo um estudo de conjunto. Já provei, acima, que haveria mesmo um verdadeiro perigo fiJos6fiço se se qüises5ê, desde este mumento, reaiizar, a títuio áe decom­posição pennanente do trabalho, a distinção indispensável entre o estndo estático e o estado dinAmico, malgrado 'sua' evidente racionalidade e seu uso conti'nuo.

A qualquer idade dessa ciência, as pesquisas parciais que lhe poderão vi r a ser necessárias só poderiatq ser convenientemen te indicadas e concebidas pelos progressos do seu estudo integral, que assinalarão espontaneamente os pontos especiais cujo esclarecimento

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próprio pode concorrer para o aperfeiçoamento direto do assunto." (CPP. v. IV, p. 186.)

" A época das conquistas não pode ser a dos limites precisos."

(OPS 11R221· r . 129.)

Especificidade do social - Riologia e Sociologia

"U ma scgunda tentativa, infinitamente menos vicio,a em sua na­tureza do que a prc(;cdente, mas igualmellte ir j1ratic~vcl. é a que teve po r objetivo tornar positiva a ciência socia l, leva ndo-a a se.r essencial­mente uma simples conseqüência direta da Fisiologia . Cabanls é o autor desta concepção. seguida sobre tudo devido a ele. Constitui O verdadeiro alvo mosMico de sua céleb re obra sobre <1 R elaçâo do Físico e do Moral do Homem, aos ol hos de quantos haj am considerado íl doutrina geral exposta na obra como orgân ica e não como puramente crítica.

As considerações apresentadas neste capítulo sobre o espírito da política positiva provam, neste ensaio e no precedente. que (oi necessa­riamente mal concebido. Trata-se, agora, de indicar com precisão o seu vício. Consiste em que tal maneira de proceder anula a observação direta do passado social , que deve servir de base fundamenta l à política

positiva.

A superioridade do homem sobre os outros animais. não podendo ter e não tcndo, realmente, outra causa senão :I. perfeição relativa de sua organização, tudo o que a espécie humana tem feito e tudo o que pode fa zer deve, evidentemente, ser considerado, em última análise, uma conseqüência necessária de sua organizaç;io, modificada em seus dei tos pelas condições exteriores. Neste sent ido, a Física Social, isto é o estudo do desenvolvimento coletivo da espécie humana, é, sem d'úvida, um ramo da Fisiologia, isto é, o estudo do homem, concebido em toda a sua extensão. Em outros termos, a história da civilização naua mai!'! 6 UU ljue a ~ull{i IlU [II;~U t: U l..üli"lp l ê llh;i,W i,o,dispensável da história naturol do hOlllem.

Mas, tanto importa bem conceber e jamais perder de vi sta esta incontestável filiaçã o. qua nto seria mul-e ntcndido concluir daí não ser necessário estabelecer ri divi!t5.o categóric:l entre a Fí 'i ica Social e a Fisiologia proprialllcnte dita .

Quando os fi siologis tas estudam a história natural de uma espécie animal dotada dc sociab ilidade . a dos caslOre". por exemplo, abrangem

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COOl razão a história da ação coletiva exercida pela comunidade. Não julgam necessário estabelecer uma linha de demarcação entre o estudo dos fenômenos sociais da espécie e dos fenÔmenos relativos ao indivíduo i~oIat..lo. Tal falta de precisão não tem, para o caso, nenhum inconve­niente real, ainda que as duas ordens de fenÔmenos sejam distintas. Po rque, achando-se paralisada, quase em sua origem, a civilização das espéçics sociais mais inteligentes, notadamente pela imperfeição de uma organIzação, tI secundariamente, pela preponderância da espécie huma­na, Il ,io encontra o espírito nenhuma dificuldade, num encadeamento .ão pouco prolongado, em ligar diretamente todos os fenômenos coletivos aos fenômenos indivjduais. Assim, o motivo geral que faz estabelecer as di visões, a fim de faci litar o estudo, isto é, a impossibilidade, para a inteligência humana, de seguir uma cadeia de deduções muito extensa, não ex iste no caso.

Suponha-se, ao contrário, que a espécie dos castores se torne mais int eligente, que sua civilização possa se desenvolver livremente, de tal modo que haja encadeamento contínuo de progresso de uma geração para outra, sentir-se-á imediatamente a necessidade de tratar em sepa­rado a história dos fenômenos sociais da espécie. Pode r-se-á ainda, par" as primeiras gerações, ligar este estudo ao dos fenômenos do indivíduo; mas, à medida que se vá afastando da origem , es ta dedução se tornará mais difícil de ser estabelecida, e, por fim, have rá a impossi­bilidnde total de segui- Ia. IÕ precisamente o que ocorre. no mais alto grau, ('m relação ao homem .

Sem dúv ida , os fenômenos coletivos da espécie humana admitem como causa derradeira, assim como seus fenômenos individuais, a natureza especial de sua o rganização. Mas o estado da civilização humana em cada geração depende imediatamente do est ado da geração precedente , e só produz imediatamente o da seguinte. :t:. possível seguir, com toda a precisão suficiente, este encadeamento, a partir da origem, ligando de manei ra dire ta cada termo ao precedente e ao seguinte. Estilria, ao contrário , absolutamente acima das forças do 110'iSO espírito, vi ncular um termo qualquer da série ao ponto de pnnida primhivo, Suprimindo-lhe todas ac; re lações in termediárias . ( .. . )

Em resumo, ainda que a Fis iologia da espécie e a do indivíd uo sejam duas ciências absol utamente da mesma ordem, ou antes duas porções distintas de uma ciê ncia única, nào é menos indispensável cOllcebe-las e tr~H;í- la " scparndamcn lc . t preciso que a prime ira tome sua base to: seu ponto de pmtida na segunda para ser ve rdadeiramente rositiva. ma" deve . <.:m seguida . ser est udada de maneira isolada. apoian-

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do-se na observação direta dos fenômenos sociais." (OPS [1822). p. 124-26, 128-29.)

"Sendo humanos, os fenômenos sociais estão, sem dúvida , com­preendidos entre os fisi ológicos. Mas, embora por esta razão, deva a Física Social tomar como ponto de partida a Fisiologia individual, e manter-se com ela em relação contínua, nem por isso deve menoS ser concebida e cultivada como ciência inteiramente distinta, por causa da influência progressiva das gerações humanas umas sobre as outras . Esta influência qu~ , na Física Social, é a consideração preponderante, não poderia ser convenientemente estudada do ponto de vista puramente fisiológico." (OPS [1825]. p . 150.)

- "Qualquer que seja- a extrema importância de tais indicações [da necessidade de certas bases biológicas para os estudos sociais] , primiti­vas ou contínuas, não se pode dissimular que os principais filósofos biologistas as concebem hoje, quase sempre, de maneira viciosamente exagerada, tendendo a fazer desaparecer inteiramente a Sociologia como ciência direta e distinta, reduzindo-a a ser nada mais do que um simples corolário final da ciência do homem, abstração feita de qualquer observação histórica propriamente dita. Esta grande aberração filosófica foi sobretudo muito marcada no ilustre Cabanis, e o próprio Gall não soube dela se prerenir suficientemente. Sem dúvida, sem. ser tão profundamente irracional como a tendência análoga da malOfla dos físicos e dos químicos em tratar, por sua vez, a Biologia como uma simples derivação da filosofia inorgânica, tal disposição intelectual não pode ser menos nociva aos progressos reais do espírito humano, porque, se pudesse prevalecer, impediria, necessari amente, o indispensáve.1 su:to da ciência social. Concebe-se, com efeito, segundo as exphcaçoes precedentes, que o primeiro esboço da série so~ial, considerad~ em. seus termos originais, deva resultar sobretudo a titulo de deduçao d l ~eta. da teoria biológica do homem, independente de uma exploração hIStó­rica, então impossível ou demasiado defeituosa. Mas tal mane.i ra de proceder torna-se necessariamente ilusória para o estudo ultcnor da evolução social, se ai nda se pretendesse determinar essencialmente a priori o desenvolvimento efetivo, em vez de estudá-lo segundo as obser­vações imediatas e especiais. ( ... )

O principal vício intelectual desta filosofia consiste hoje, como reconhecemos, neste espírito absoluto que ela laz presidir a todas as especulações sociais. Esse espírito é necessariamente mantiqo pela vã teoria que examinamos, e que, abstração feita de qualquer estado social dete rmioado, tendo a subordinar diretamente todas as considerações

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soe!ais à concepção absoluta de um tipo poUtico imutável, mais bem defl",~o sem d~vida que os tipos puramente teológicos ou metaflsicos, mas tao essencialmente contrário 80 genio eminentemente relativo da verdadeira filosofia politica. A maioria dos filósofos biologistas foi assim involuntariamente conduzida a esta funesta aberração prática de considerar inerentes à natureza fundamental do homem, e, por canse­qü.ência, indestrutíveis, modificações sociais realmente passageiras. pró­pnas de um estado determinado do desenvolvimento hum ano.

Pode-se ver, por exemplo, como o próprio ilustre Gall , não obstan­te sua eminente sagacidade filosófica menosprezando erroneamente as considerações sociais, para utilizar-se somente de imperfeitas noções fi siológicas, de resto, deslocadas, foi conduzido, a respeito da guerra, a ~ u,ma espécie de declamação científica inteiramente indigna de seu gemo, querendo estabelecer uma pretensa imobilidade das tendências militares da humanidade, malgrado o conjunto de testemunhos hist6ri­coso Indicam estes, ao contrário, com absoluta eVidência o decréscimo gradual 00 espírito guerreiro, à medida que o desen'volvimento se realiza, decréscimo, aliás, plenamente conforme ao sistema mais apro­fundado das leis fundamentais da nossa natureza.

Ser~a fácil indicar muitos outros casos análogos, mais ou menos p:onu~clados, n?s q.uais a viciosa preponderância das considerações bIOlógicas, e o IrraCional desprezo das noções históricas conduziram igualmente a desconhecer em profundidade a verdadeira e:olução social e a supor uma fixidez quimérica em disposições essencialmente variá­veis. Esta inrluência, duplamente nociva, que tende diretamente a destruir. a um sÓ tempo, a verdadeira concepção filosófica da ciência social e sua principal destinação prática, é sobretudo muito pronunciada na maioria das teorias relativas à educação, quase sempre considerada assim, à maneira da filosofia teológico-metafísica, com abstração feita do estado correlativo da civilização humana." (CPP. v. IV, p. 254-57.)

Sociologia e Economia Política

"Devem-se também relacionar com a grande escola do século XVIII dois . ramos especiais da doutrina crítica que conservam ainda algum ~rédlto, porque ofe recem parcialmente um caráter orgânico. ainda que mdlreto e confuso. O principal consistiu na entati'ttt dos economistas para descobri r as leis da existência material das sociedades estudando-a isoladamente da ordem intelectual e moral. Apesar do insucesso ne-

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cessá rio desta empresa tão viciosa, seus trabalhos concorreram para o abalo decisivo, desacreditando o sistema de proteção adotado pelos governos ocidentais em relação à atividade pacífica. Assis tirbm também tt evolução posit iva, atraindo sobre a indústria uma atenção teórica, fazendo mesmo sentir o contraste prático entre a civilização moderna e a antiga." (SPP. v. 111, p. 585.)

"A fim de extrair de nosso exame atual toda a utilidade principal, que possa comportar, para o prévio esclarecimento geral do objetivo e o espírito da grande fundação [da Sociologia) que OIlSO empreender por minha vez, creio dever completá-lo ainda com algumas reflexões filosóficas sobre a natureza e o objeto do que se chama economia polfiica.

Não se pode, sem dúvida, censurar os nossos economistas de have r pretendido estabelecer a verdadeira ciência social, de vez que os mais clássicos dentre eles esforçaram-se por representar dogmaticamente, so­bretudo em nossos dias, o objeto geral de seus estudos como inteiramente distinto e independente do conjunto da ciência política, da qual se esforçam sempre mais por isolá-lo perfeitamente. Mas, não obstante essa confissão decisiva, cuja sinceridade espontânea , por certo, não deve ser de modo algum posta em dúvida, não é menos evidente que estes fil6sofos se persuadiram, de muito boa fé, que enfim havi am chegado, imitando os cientistas propriamente ditos. a submeter ao espírito positivo o que chamam de ciência econômica, e que cada dia propõem sua maneira de proceder como o tipo segundo o qual todas as teorias sociais devem ser finalmente regeneradas. ( ... )

Aliás, deve-se cuidadosamente notar que a confissão geral de nossos economistas sobre o isolamento necessário de sua pretensa ciência, rel:ltivamente ao conjunto da Filosofia Social, constitui impli­citamente um involuntário reconhecimento. decisivo embora indireto, da inanidade científica desta teoria, que Adam Smith esteve bem longe de assim conceber. Porquanto, pela natureza do objeto, nos estudos sociais: como em todos os relMivoe; $Im corpoe; vivos; os diversos aspectos gerais estão, por força, mutuamente solidórios e racionalmente inseparáveis, a tal ponto que não podem ser convenientemente esclare­cidos senão uns pelos outros. Quando se dei xa o mundo das entidades [metafísicasJ, para considerar as especulações reais , torna-se certo, então, que a análise econômica ou industrial da sociedade não poderia ser positivamente realizada, com abstração de sua análise intelectual , moral e política, quer do passado, quer mesmo do presente. Assim, reciproca­mente, esta irracional separação fornece um sintoma irrecusável da

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natureza essencialmente metafísica das doutrinas que a tomam por base. Tal é, pois, o julgamento final que me parece merecer a pretensa ciência econôm ica , co n<;iderada sob o aspecto dogmático. ( .. . )

E perceptível , assi m, como conseqüência dessas dircfrentes expl i­caçoes. que a espécie de predileção passageira que o espírito human o parece manirestar, em nossos dias, pelo que se chama economia política, deve ser sobretudo considerada, em realidade, como um novo sintoma característ ico da necessidade instintiva, ji prQfundamente sentida, d: submeter enfim os estudos sociais aos lOétodo. verdadeiramente positi­vos, e, ao mesmo tempo, da falta atual da realização efetiva desta grande condição filosófica, que, uma vez preenchida de modo conve­/l iente, fará instantaneamente cessar qualquer interesse intelectual que possa ainda inspirar esta aparência ilusória." (CPP. v. IV, p. 138-47.)

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