jung e a arteterapia no brasil,

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FACULDADE VICENTINA ICHTHYS INSTITUTO DE PSICOLOGIA E RELIGIÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA E RELIGIÃO ORIENTAL E OCIDENTAL JOÃO PAULO SANTOS JUNG E A ARTETERAPIA NO BRASIL: UMA REVISÃO SOBRE O TRABALHO DE NISE DA SILVEIRA COM A ARTE E COM AS MANDALAS 1

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN

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FACULDADE VICENTINAICHTHYS instituto de psicologia e religioPS-GRADUAO em psicologia analtica e religio oriental e ocidentaljoo paulo santosJUNG E A ARTETERAPIA NO BRASIL: UMA REVISO SOBRE o trabalho de nise da silveira com A ARTE E COM AS mandalascuritiba2012

joo paulo santosJUNG E A ARTETERAPIA NO BRASIL: UMA REVISO SOBRE o trabalho de nise da silveira com A ARTE E COM AS mandalas

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Ps-Graduao em Psicologia Analtica e Religio Oriental e Ocidental da Faculdade Vicentina.

Orientadora: Prof. Dr. Sonia Regina LyraCuritiba2012

Todo mundo deve inventar alguma coisa, a criatividade rene em si vrias funes psicolgicas importantes para a reestruturao da psique. O que cura, fundamentalmente, o estmulo criatividade.NISE DA SILVEIRAresumoO presente artigo uma reviso literria que apresenta a trajetria profissional da Dra Nise Magalhes da Silveira, sua ligao com a psicologia analtica idealizada pelo Dr Carl Gustav Jung,seu trabalho com as obras de arte, especialmente, as obras com forma circular, pintadas por esquizofrnicos, que Jung denominou mandalas. Tm-se como objetivo levantar as principais informaes sobre o curso da carreira profissional e acadmica da mdica psiquiatra que veio a se tornar pioneira nos estudos sistemticos da psicologia analtica em nosso pas, dando especial ateno ao seu mtodo de trabalho com a arteterapia e com as mandalas. A pesquisa se justifica pela sua importncia acadmica e histrica, pois alm de tratar de um mtodo teraputico bastante funcional, relata um momento crucial para o desenvolvimento da psicologia de Jung no Brasil, apresentando tambm o princpio de uma transformao no sistema de sade mental, que hoje prev nova perspectiva para o tratamento de pessoas com transtornos mentais severos nos hospitais psiquitricos.

Palavras-chave: Carl Gustav Jung; Nise da Silveira; Arteterapia; Mandalas.ABSTRACTThis article is a literature review that presents the professional career of Dr. Nise Magalhes da Silveira, its connection with analytical psychology conceived by Dr Carl Gustav Jung and trablaho performed with the works of art, especially works with circular form, painted for schizophrenia, which Jung called mandalas. They have as main objective to get information about the career of medical and academic psychiatrist who went on to become a pioneer in the systematic study of analytical psychology in our country and expand its method of working with art therapy and the mandalas. The research is justified by its historical and academic significance, as well as dealing with a highly functional method of treatment, reports a crucial moment for the development of Jung's psychology in Brazil, also being the beginning of a transformation in the mental health system, which now provides a new perspective for the treatment of people with severe mental disorders in psychiatric hospitals.

Keywords: Carl Gustav Jung; Nise da Silveira; Art Therapy; Mandalas. IntroduoA principal contribuio aos estudos de Psicologia Analtca no Brasil se deve s aes da psiquiatra Nise Magalhes da Silveira (Nise). Sua busca por compreender a linguagem de seus pacientes esquizofrnicos saiu dos mtodos tradicionais da psiquiatria de sua poca, considerados demasiadamente agressivos, e caminhou pelas vias da arte, encontrando ressonncia no trabalho do psiquitra suo Carl Gustav Jung. A teoria Junguiana prev uma busca humanizada pela integralidade do ser, que deveria explorar seus potenciais criativos, indo ao enconto de Si mesmo.

O trabalho com pinturas feitas por esquizofrnicos revelou imagens circulares que chamaram ateno pela sua estrutura e riqueza de detalhes. Estudas por Nise, enviadas ao Dr Carl Gustav Jung (Jung), as mandalas ganharam sentido e pertimiram reestabelecer o contato com os pacientes, em processo teraputico.

Entre outras conquistas, Nise responsvel por alavancar considervel reforma no sistema de atendimento psiquitrico em nosso pas, possibilitando ao doente sair da posio alienante que ocupava dentro de hospitais psiquitricos, para atuar em um setting teraputico que lhe possibilite existir, criar e se expressar por meio da arte. Este artigo rev por meio da literatura o trabalho desenvolvido por Nise da Silveira, levantando os principais aspectos de sua vida e de sua carreira profissional, dando nfase para o seu encontro com a Psicologia Analtica e para o seu trabalho com arte e mandalas. Justifica-se pela sua importncia acadmica, e por disceminar parte da histria da Psicologia Analtica no Brasil. Conclui-se com ele que o trabalho de Nise da Silveira foi pea fundamental para o desenvolvimento da Psicologia Junguiana em nosso pas, como tambm contribuiu para a formao de uma nova e humanizada perspectiva de tratamento psiquitrico. DESENVOLVIMENTO

As primeiras manifestaes em nome da Psicologia Analtica no Brasil so atribudas s aes da mdica Nise Magalhes da Silveira. Nascida em Macei, no ano de 1905, filha de Faustino Magalhes da Silveira e Maria Lydia, Nise entrou para a faculdade muito nova, formou-se em Medicina no ano de 1926, aos 21 anos. Ela era a nica mulher entre os 157 alunos de sua turma (CARVALHO E AMPARO, 2006).De acordo com os registros histricos, no consta que Nise tenha feito qualquer meno s obras de Jung nesse perodo. Embora j tivesse ouvido falar dele, por meio de palestras e publicaes de seu colega Arthur Ramos, sua relao com a psicologia analtica s se deu anos mais tarde. Em 1933, ela foi aprovada em um concurso pblico para trabalhar, como mdica psiquiatra na antiga Assistncia a Psicopatas e Profilaxia Mental (CARVALHO E AMPARO, 2006).

Em 1936, Nise da Silveira foi denunciada como comunista e acabou sendo presa por um perodo de 15 meses. Na priso, Nise conheceu pessoas que depenharam importante papel na cultura Brasileira, como Gracilhano Ramos e Olga Benrio. A experincia do crcere marcou profundamente sua vida e acabou se refletindo tambm em seu trabalho. Foi nesse perodo que Nise comeou a ver o processo criativo como possibilidade teraputica fundamental para o tratamento de doentes mentais (CARVALHO E AMPARO, 2006).Outra peculiaridade observada por Nise, neste contato com presos comuns, era como eles inventavam atividades que serviam de antidoto contra o massacrante e repetitivo dia-a-dia Este tipo de subterfgio no era apenas utilizado por eles. Os presos polticos tambm lanavam mo de sua criatividade, (MELO, 2001, Apud MOTTA, 2005, p.62).No perodo que permaneceu em crcere, Nise acabou percebendo que o processo criativo era uma ferramenta muito til para afastar os maus pensamentos, decorrentes do cotidiano daquela realidade deprimente (CARVALHO E AMPARO, 2006).Nise saiu da priso no ano de 1937, em dia de So Joo. Sua soltura aconteceu porque o novo Ministro da Justia Jos Carlos de Macedo Soares mandou libertar todos os presidirios que no tinham condenao ou processo. Em 1944 ela foi readmitida no Hospital Psiquitrico Dom Pedro II, como servidora pblica, no Centro Psiquitrico Nacional, atuando no Engenho de Dentro (MOTTA, 2005).Em 1937, o governo Getulio Vargas criou a Universidade do Brasil e o Instituto de Psicologia, que foi montado no laboratrio de Psicologia da Colnia de Psicopatas do Engenho de Dentro. Esse estabelecimento foi considerado um dos mais importantes locais para o desenvolvimento da psicologia no Brasil, l foram produzidas obras cientficas de grande relevncia no mbito da psiquiatria e da psicologia (ANTUNES, 2001).Em decorrncia da segunda Guerra mundial, novas tcnicas de atendimento foram desenvolvidas para suprir a necessidade de assistncia s vtimas, e algumas dessas tcnicas foram aplicadas por meio da psicologia e psiquiatria, ou foram associadas psiquiatria biolgica. Esse movimento influenciou diretamente o trabalho realizado no Engenho de Dentro, caracterizando o contexto em que Nise da Silveira se inseriu ao retomar suas atividades como psiquiatra (MOTTA, 2005). O autor traz em seu artigo um fragmento de entrevista que teve com Nise da Silveira, que relata:Algumas coisas tinham se modificado e nesse meio tempo surgiu o que se dizia como a grande descoberta no tratamento para doenas mentais, o eletrochoque. Prontamente o doutor a quem eu acompanhava em visita ao hospital disse, com muita disposio, que iria me ensinar a grande novidade. Chamou um paciente e, dizendo que eu aprenderia com facilidade aquela simples e revolucionria operao, acionou o aparelho. Eu no havia sido torturada nos meus tempos de crcere, mas pude ouvir os gritos de sofrimento de vrios companheiros. O mdico chamou ento outro paciente e disse para mim: - viu Nise como fcil! s apertar o boto Eu havia visto o sofrimento do paciente na primeira demonstrao. Olhei para o psiquiatra e disse que no faria aquilo. Ele ainda tentou me convencer das maravilhas daquela engenhoca, mas firmemente eu recusei (MOTTA 1995, Apud MOTTA, 2005, p. 66-67).Nise chegou a relizar uma experincia com os modernos recursos da psiquiatria de seu tempo, ela aplicou um choque de insulina em uma paciente, entretanto, a experincia foi bastante perturbadora, Nise relatou que a paciente no acordava e ento, em desespero, aplicou soro glicosado em sua veia e ainda sim ela demorou a acordar. Depois disso, Nise resolveu nunca mais realizar este tipo de experincia, alegando que procedimentos dessa natureza eram violentos demais (GULLAR, 1996, p. 46, Apud MOTTA, 2005).Devido a sua recusa em trabalhar dessa forma, Nise foi ter com o diretor geral do hospital uma conversa sobre outra possibilidade de trabalho dentro daquela instituio. Ela no estava interessada em cargos ou hierarquias e acabou aceitando uma oferta de trabalho no setor de Teraputica Ocupacional (MOTTA, 2005).

Nise pensou consigo: porque no? aceitei a indicao do Doutor Elejalde, mas antes que ele sasse, interrompendo no ar o seu movimento de meia volta, disse com o dedo em riste e um brilho maroto nos olhos: Eu irei para o Setor de Teraputica Ocupacional, mas... ele vai mudar! (MOTTA, 1995, Apud, MOTTA, 2005). A terapia ocupacional considerada uma prtica em sade que pode ser desenvolvida nos mais diversos campos, principalmente no trabalho com pessoas ditas marginalizadas. Seu instrumento a atividade no verbal seja por meio dos trabalhos manuais ou corporais (LIBERMAN, 1998)Com esta deciso, Nise rompe suas relaes com a psiquiatria convencional, e passa a atuar sob uma nova perspectiva, a da teraputica ocupacional. Mesmo recebendo vrias criticas, feitas pelos seus colegas de trabalho, acabou instalando duas atividades iniciais em uma sala de estar, que inicialmente havia sido montada para receber os pacientes de outro mdico. A saber, as atividades eram costura e bordado. O projeto cresceu e no ano de 1946 foram instalados outros atelis e oficinas, incluindo a de desenho e pintura (BEZERRA, 1995).O trabalho dos pacientes tomou grandes propores e em 1947, foi realizada uma exposio com 245 pinturas produzidas no Engenho de Dentro, cujo principal objetivo era entrar em contato com pessoas interessadas pela atividade (SILVEIRA, 1982).A segunda exposio de obras do engenho de dentro aconteceu em 1949, organizada pelo diretor do Museu de Arte Moderna de So Paulo, Leon Degand, que selecionou os trabalhos que fizeram parte da exposio 9 artistas de Engenho de Dentro. No catlogo da exposio, Nise apresenta uma fundamentao terica bastante elaborada, citando Freud, Bleuler e expondo a experincia de Herbert Head com meninas que pintam imagens simblicas semelhantes mandalas. Nise afirma que fato semelhante ocorre nas pinturas de doentes mentais do Brasil e da Europa (SILVEIRA, 1982). nesse perodo que o contato entre Nise da Silveira e a Psicologia Analtica se estabelece com maior profundidade, no seu livro Imagens do Inconsciente, Nise declara:O mais importante acontecimento ocorrido nas minhas buscas de curiosa dos dinamismos da psique foi o encontro com a psicologia junguiana. Jung oferecia novos instrumentos de trabalho, chaves, rotas para distantes circunavegaes. Delrios, alicinaes, gestos, estranhssimas imagens pintadas ou modeladas por esquizofrnicos tornavam-se menos hermticas se estudadas segundo seu mtodo de investigao. E tambm no lhe faltava o calor humano de ordinrio ausente nos tratados de psiquiatria (SILVEIRA, 1982, p.11).A aproximao de Nise com as Obras de Jung se iniciou em 1943, com a publicao de Psicologia e Alquimia. Foi a partir dessa leitura que o Grupo de Estudos C. G. Jung foi idealizado e veio a se formar em 1955. Na ocasio, vrias pessoas interessadas pelo tema se juntaram para desenvolver a atividade (MOTTA, 2005).Em 1954, Nise da Silveira remete uma carta a Carl Gustav Jung, acompanhada de algumas pinturas com formato circular, realizadas pelos doentes que estavam sob o seu cuidado, na qual questionou se aquelas imagens de fato seriam mandalas. Em rplica, Jung respondeu afirmativamente e se mostrou muito interessado pelas pinturas e seus respectivos autores (MOTTA, 2005).Ainda que possua estrutura complexa, a mandala um circulo muitas vezes envolto em uma moldura quadrada. Para Jung, mandala o smbolo do self, utilizada em benefcio da meditao profunda, tem a finalidade de consolidar o ser interior. Contemplar uma mandala pode inspirar serenidade, gerando o sentimento de ordem e sentido para a vida (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009)Entre as representaes mitolgicas do self quase sempre encontramos a imagem dos quatro cantos do mundo, e muitas vezes o grande homem, representado no centro de um crculo dividido em quatro, Jung usou a palavra hindu mandala (crculo mgico) para designar este tipo de estrutura, que uma representao simblica do tomo nuclear da psique humana cuja essncia no conhecemos (JUNG, 2002, p.213).Sobre o conceito de mandala, Jung d a seguinte definio:

Como j foi dito, mandala significa crculo. H muitas variaes do tema aqui representado, mas todas se baseiam na quadratura do crculo. Seu tema bsico o pressentimento de um centro da personalidade, por assim dizer um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona e que ordena todas as coisas, representando ao mesmo tempo uma fonte de energia. A energia do ponto central manifesta-se na compulso e mpeto irresistveis de tornar-se o que se , tal como todo organismo compelido a assumir aproximadamente a forma que lhe essencialmente prpria. Este centro no pensado como sendo o eu, mas se assim se pode dizer, como o si-mesmo. Embora o centro represente, por um lado, um ponto mais interior, a ele pertence tambm, por outro lado, uma periferia ou rea circundante, que contm tudo quanto pertence ao si-mesmo, isto , os pares de opostos que constituem o todo da personalidade, (JUNG, 2002, p. 353).

Portanto, as mandalas estudadas por Nise da Sillveira representam para a psicologia analtica um smbolo da totalidade psiquica do indivduo (Self), o crculo apresenta, em forma de projeo, os traos da personalidade e as caractersticas relativas ao estado psquico de seu autor. As imagens representadas nas pinturas dos doentes so observadas do ponto de vista simblico, e a interpretao pode levar revelao de contedos inconscientes da psique.

A resposta de Jung serviu de estimulo para a continuidade dos estudos, algum tempo depois ele foi informado sobre a existncia do grupo que levava o seu nome. O contato foi se ampliando at que em 1957, Nise foi Suia estudar no Instituo C. G. Jung de Zurique, convidada pelo prprio Jung, levando consigo dezenas de pinturas produzidas no Engenho de Dentro. Logo, o material foi apresentado com o tema A esquizofrenia em imagens, no II Congresso Internacional de Psiquiatria, acontecido em Zurique (MOTTA, 2005).Alguns dias antes desse congresso, Nise foi recebida por Jung, em sua residncia:Sentada diante do mestre no seu gabinete de trabalho, junto larga janela com vista sobre o lago, falei-lhe do desejo de aprofundar meu trabalho no hospital psiquitrico, de minhas dificuldades de autodidata. Ele me ouvia muito atento. Perguntou-me de repente: - voc estuda mitologia? No, eu no estudava mitologia. Pois se voc no conhecer mitologia nunca entender os delrios de seus doentes, nem penetrar na significao das imagens que eles desenhem ou pintem. Os mitos so manifestaes originais da estrutura bsica da psique. Por isso seu estudo deveria ser matria fundamental para a prtica psiquitrica (SILVEIRA, 1982, p.98)De acordo com Jung, os mitos so manifestaes de origem pr-consciente que ivoluntariamente revelam acontecimentos do inconsciente. (JUNG, 2000).

Em Os arqutipos e o inconsciente coletivo, Jung esclarece que os acontecimentos mitologizados so expresses simblicas que tratam do drama interno e inconsciente do indivduo que assimilado pela conscincia por meio da projeo, direcionada aos elementos da natureza (Jung, 2000). Sonhos, vises, fantasias e iluses so fenmenos psquicos que representam a matriz de toda a mitologia (JUNG, 1984).Os artistas, ao comporem uma obra de arte, exprimem as imagens e emoes primordiais que emergem do inconsciente em uma linguagem adequada para o seu tempo. Essas imagens so denominadas por Jung de arqutipos, (ANJOS; BERNARDEZ, 1985)O ser humano possui muitas coisas que ele no adquiriu com a experincia. Embora inconsciente disso ao nascer, o indivduo traz consigo uma carga hereditria pronta para exercer sua funo. Trata-se de um sistema psquico organizado que se desenvolveu em milhes de anos de evoluo. Assim como os instintos observados em animais, que nunca foram ensinados ou aprendidos individualmente, o ser humano tambm possui um plano bsico de sua natureza individual e coletiva, construdo desde experincias primordiais (STEIN, 2006).

Juventude, velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mes, unies, etc. Apenas a conscincia individual experimenta essas coisas pela primeira vez, mas no o sistema corporal e o inconsciente. Para estes s interessa o funcionamento habitual dos instintos que j foram pr-formados de longa data (JUNG, 2001 apud STEIN, 2006, p.84).

Esse sistema apresenta-se na forma de unidades e complexos. Os arqutipos so categorias apriorsticas, cuja natureza coletiva. So imagens vazias de contedo que s se tornam conscientes a partir da experincia com a realidade emprica, que aciona a predisposio subjetiva e desperta para a vida (GOLDBRUNNER, 1961).

A vida da psique durante a histria da humanidade espelha-se, por conseguinte, nos arqutipos como um drama. E aqui novamente se fecha o circulo: todos os processos naturais mitificados so expresses simblicas do drama interno e inconsciente da alma, que pelo caminho da projeo, isto , refletido em fatos da natureza, se torna perceptvel conscincia humana. O homem inconsciente encontra em todos os processos da natureza analogias para o drama que se desenrola no sujeito que age e sofre (JUNG 1935, apud GOLDBRUNNER, 1961, p.125-126).

Portanto, as mandalas desenhadas pelos pacientes da Dra Nise expressam imagens arquetpicas do inconsciente, que mostram, em forma de projeo simblica a totalidade da psique. O trabalho desenvolvido pela Dra Nise baseia-se nessa conceituao e sua dinmica ocorre da seguinte maneira:No nosso ateli, a pintura no entendida como "medium", tem valor prprio, no s para pesquisas referentes ao obscuro mundo interno de esquizofrnico, mas tambm no tratamento da esquizofrenia. Atribumos grande importncia imagem em si mesma. Se o indivduo que est mergulhado no caos de sua mente dissociada consegue dar forma s

emoes, representa em imagens as experincias internas que o transtornam, se objetiva a perturbadora viso que tem agora do mundo, estar desde logo despotencializando essas vivncias, pelo menos em parte, de suas fortes cargas energticas, e tentando reorganizar sua psique dissociada. A pintura dos esquizofrnicos muito rica em smbolos e imagens que condensam profundas significaes e constituem uma linguagem arcaica de razes universais. Linguagem arcaica, mas no morta. A linguagem simblica desenvolve-se em vrias claves e pautas, transforma-se e transformadora (SILVEIRA, 2011, p. 2).Nise relata em Imagens do Inconsciente, que o principal objetivo do seu trabalho o estudo dessa linguagem, no sendo de grande interesse esmiuar a imagem ou discec-la intelectualmente. Seu objetivo entender a linguagem dos smbolos, diante da qual se coloca na posio de quem aprende. Procuramos ir at o doente. essa a nossa inteno, quando estudamos os smbolos e seus paralelos na arqueologia, mitologia, histria da arte e das religies (SILVEIRA, 2011, p. 37).O smbolo a linguagem que ultrapassa o signo ou o sinal, ele depende de interpretao e esta ltima depende de certa predisposio. O smbolo no apenas representa, pois carregado de afetividade e dinamismo, de natureza paradoxal, realiza ao mesmo tempo em que anula, pressupondo uma ruptura de plano, de modo descontnuo e tambm permite passagem a uma outra ordem, de mltiplas dimenses (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2009).Para Jung, o smbolo expresso na obra de arte se apropria de uma linguagem cheia de pressgios, em condies de dizer mais do que realmente diz, representando algo para alm de si-mesmo. A leitura psicologgica da obra de arte se desvincula do campo artstico para se ocupar com a interpretao e a especulao do smbolo, a fim de obter algum sentido. preciso traduzir vida e histria em imagens, sentidos e conceitos, distanciando-se assim dos mistrios da vida. O conhecimento se d fora do processo criativo e somente desse modo que o smbolo expresso pela arte se torna imagem que produz sentido, ou seja, ser algo que representar algum papel, que poder servir a certo propsito e ter efeito significativo. Quando se observa a tudo isso, obtm-se o conhecimento e o esclarecimento de algo, ficando assim reservados os requisitos cientficos (JUNG, 1985).O sentido encontrado na expresso artstica ganha maior proporo na medida em que observado em srie, quando fica evidente a repetio de motivos e a continuidade de seu fluxo.Os sonhos observados em sries, diz C. G. Jung, revelam surpreendente repetio de motivos e a existncia de uma continuidade no fluxo de imagens do inconsciente. Exatamente o mesmo acontece na expresso plstica dos psicticos examinadas em sries, tomando-se em conta que, na produo da psique dissociada, os contedos do inconsciente apresentam-se mais tumultuados e imbricados uns nos outros, as imagens so mais estranhas e arcaicas que nos sonhos. Entretanto, se dispusermos as pinturas em sries no ser necessrio possuir pacincia extraordinria para encontrar o fio que lhes d sentido. Esta a lio aprendida na escola viva que para ns o ateli de pintura (SILVEIRA, 2011, p.3).

As mandalas pintadas no Engenho de Dentro materializam as foras do inconsciente, numa tentativa de compensar a dissociao esquizofrnica. Assim como outros sistemas vivos, a psique tambm procura defender-se caso o seu equilbrio seja perturbado. Seus movimentos instintivos de defesa se projetam em imagens circulares, aparecendo no perodo agudo de surto esquizofrnico, bastando para isso que o doente encontre um ambiente acolhedor, onde possa desenhar e pintar livremente. Isso no quer dizer que o paciente ter sua ordem psquica reestabelecida, na verdade, as imagens circulares expressam esboos, tentativas, e projetos de renovao (SILVEIRA, 2011).Os mtodos criativos utilizados pela Doutora Nise ganharam destaque e acabaram por desencadear o desenvolvimento de uma nova psiquiatria em nosso pas.Nise da Silveira deu um passo extraordinariamente importante na direo de algo bastante genuno para a psiquiatria e para a psicologia modernas. Impunha-se a tarefa de exercer seu trabalho de psiquiatra, habilmente integrando suas reflexes psicolgicas e sociais a um novo modelo de trabalho psiquitrico, cujo centro de gravidade deslocava o paciente de um mundo de clausura e aprisionamento para o interior de um moderno estilo de espao, em que arte e vida contrapunhan-se, afugentando o mal-estar e o tdio (GOUVA, p25-29, 2008)Dotada de vasto conhecimento, afeto e entusiasmo, Nise da Silveira supervisionava sistematicamente os trabalhos desenvolvidos na Casa das Palmeiras, no Engenho de Dentro, no Museu de Imagens do Inconsciente e no Grupo de Estudos realizado as quarta-feiras, sempre em sua casa. Dentro dos atelis, as imagens imaginadas se transformavam em imagens concretas, trabalhadas na madeira, moldadas na argila ou simbolizadas nas cores. Dessa forma um novo espao foi criado, destinado ao desenvolvimento da expressividade artstica do paciente interno (GOUVEA, 2008, p.25-29).A imaginao reinventava-se pela via do barro, das cores da textura dos tecidos, criando e modificando o carter agressivo dos mtodos tradicionais de tratamento. Inalgurando no paciente um sentimento de liberdade e de interesse pessoal pelas operaes e produes de objetos destinados a alimentar o prazer de viver reduzindo a fora da presso negativa, muitas vezes exercida pelo mundo externo (GOUVEA, 2008, p.25-29).Hoje em dia, o reconhecimento atribudo ao trabalho da doutora Nise Magalhes da Silveira fica evidente, tanto nas instituies que tratam de pessoas com psicoses severas, cujos profissionais atuam se utilizando e aprimorando suas tcnicas de tratamento, que hoje so referncia em nosso pas, quanto no meio acadmico onde sua obra ganhou envergadura e respeito.CONSIDERAES FINAIS

Com esse trabalho, conclui-se que Nise da Silveira realizou uma obra de grande importncia tanto para a promoo de sade com tratamento humanizado no sistema hospitalar quanto para a disseminao da obra de Carl Gustav Jung no Basil, fonte inspiradora de seu trababalho. As imagens circulares pintadas em srie por esquizofrnicos, sobre as quais Nise da Silveira dedicou-se durante muitos anos, ganharam sentido psicolgico e sua interpretao foi viabilizada pelo mtodo Junguiano, que lhe permitiu acessar o mundo interno de pessoas que at ento eram tratadas com procedimentos agressivos e dolorosos, mantidas sistematicamente alienadas, por estarem impossibilitadas de se expressar utilizando o discurso racional. No havia o que fazer com o doente que recebesse um diagnstico de esquizofrenia. O trabalho de Nise da Silveira transformou essa realidade, demosntrando que pessoas portadoras de psicoses graves poderiam se expressar de diversas outras formas, que no a palavra, lhes devolvendo o direito de existir, criar e de se relacionar.REFERNCIAS

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