juliana v. b

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Juliana V. B. verbalizada.tumblr.com

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Page 1: Juliana V. B

J u l i a n a V . B .v e r b a l i z a d a . t u m b l r . c o m

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Uma dose e meia de mim.

O 2 . J u l i a n a

““

J u l i a n a

J u l i a n a

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Juliana:Ama de ser

enigmática e pouco previsível. É do tipo que se magoa fácil mas

se recusa a chorar.

“ “J u l i a n a

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SSolte esses cabelos, menina, seje mulher provocante ou criança inocen-te, transforme seus lábios num sorriso torto e levante o olhar devagar-zinho quando lhe apontarem o céu. Esse desejo insaciável por flores, abraços, gaivotas e paz que te persegue e sua mania de ser intangível só te faz especial, só te faz mais você. Grite com vontade para o vento, deixe-o bagunçar os seus cabelos e a sua vida, feche os olhos e sinta um pouco de paz, porque com a mente tranquila você se torna tão sábia,

tão jovem… Chame a chuva de verão, embriague-se com todas as doses de felicidade, sonhe alto, sonhe intenso, porque a sua força de vontade é poderosíssima e você pode percorrer muito mais do que imagina ao longo dessa vida travessa. Coloque os fones no ouvido e escute as músicas no último volume como sempre faz, porque essa sua ligação com música é coisa mágica - nunca vi igual - e mantem forte a tentação de conhecê-la e o enigma que gira em torno de você. Querida, neste momento lhe

falo sério; quero que olhe para mim e escute-me com atenção: terá que aprender a ignorar a sociedade para conquistar o mundo. Sugiro que guarde essa bondade e inocência para que possa usá-las quando todos parecerem maus e destrutivos e quiserem enfiar a estaca no seu peito. Peço que reserve o amor que vive dentro de você e compartilhe-o mais tarde com quem não teve oportunidade de conhecê-lo. Entendeu, re-gistrou? Então não perca tempo; corra, faça suas malas e vá. Meu anjo, lembre-se sempre que nessa viagem o céu é o seu limite, e sua missão é, além de brilhante, se fazer eterna.

Beijo, vá pela sombra.

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EEu fui até a beira do mar para ver se as ondas te traziam de volta ou levavam embora as mágoas que aprisionei na alma, mas elas apenas se desenrolaram aos meus pés e me doparam com a fragrância da marisia. Me obriguei - sem ter muitas opções - a entender que dor de saudade é irremediável e que cabia à mim aprender a lidar com a solidão, mas isso não foi suficiente para por fim ao meu silêncio interior. As palavras, então, tornaram-se meu único refúgio e passagem para a felicidade, porque davam-me a possibilidade de escapar do meu corpo e mudar

de vida - mesmo que dentro de um mundo fantasioso. E entre as frases e parágrafos eu me transformei na dona do universo, vi você ao meu lado como rei soberano e nós, rumando em direção ao infinito, destinados a viverem fe-lizes para sempre… Foi exatamente aí que rasguei todas as histórias, porque o sentimento cruel de decepção que seguia (já que eu estava sozinha apoiada sobre livros de contos de fada ao invés de vivendo uma vida de verdade) só fazia doer. Sabe, talvez eu esteja destinada a passar o

resto dos meus dias pensando no que poderíamos ter sido, talvez a vida a partir de agora seja vir à praia todos os dias e voltar para casa frustra-da com as lembranças cada vez mais vivas, mas talvez não. E enquanto houver a possibilidade de ser feliz, não vou deixar de lutar, não importa se a água está fria ou quente, se o céu está ensolarado ou nublado ou se a memória poderá ser apagada ou não… Já decidi, meu anjo; já decidi e já fui…

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E

Eu vou me juntas às estrelas, brilhar lá no céu e te admirar de longe. Eu vou passar por ti e ouvir teus desejos, fugir da Terra e me desprender dessa matéria inútil. Um dia, anjo, esses sentimentos tristes não cabe-rão dentro de mim porque estarei cheia de você, cheia de mim, cheia de nós, e então só haverá sorrisos e ares agradáveis. Um dia, minhas palavras farão sentido e tu terás a mim como poetisa, e nós flutuaremos entre as galáxias e nos transformaremos em eternas reticências. Já es-tou até vendo, meu anjo! Se agora morro aos poucos é porque depois

ressuscitarei com vitalidade sem igual, se choro desespe-radamente nestas noites chuvosas é porque ainda hei de rir e balançar os cabelos sob as gotas gélidas que caem do céu. A trilha sonora da minha vida é hoje e será para sempre as cantigas de criança e sussurros melódicos, as palavras doces que escrevo para ti em dó menor. Então, espere, porque um dia iremos cantá-las juntos. Diremos adeus ao passado, enroscaremos as mãos e rumaremos ao infinito que nos aguarda. Meus cabelos sobre o teu

ombro, meu olhar unido ao teu e o timbre das nossas vozes enchendo o ar com a fragrância do amor…

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D

Doce, tão doce que chega a machucar, tamanha delicadeza sobre justa aspereza alheia. Leve, tão leve que flutua junto as nuvens e desfaz-se ao mais suave dos toques; em seu interior, obviamente. Por fora era granito, montanha alta, alvo inatingível, e assim mostrava-se porque a tranquilidade que tinha dentro de si perturbava os outros. Ninguém a compreendia, um completo descaso; quanto mais ela se explicava para o mundo, mais fortes pareciam os nós, e desatá-los nem a mais apta costureira era capaz. Então, de que valia o esforço? Era melhor fingir

submergir na ignorância a ser condenada por voar sem limites no próprio plano. A vida havia lhe ensinado que as pessoas confundem gentileza e bondade com fraqueza, e então pisoteiam os outros até só sobrar pó, porque no fundo, no fundo, sabem que não serão justiçadas. Mas ela não se importava, porque estava bem consigo mesmo e, sendo assim, o resto que se danasse. Felizmente, via rosas em grama queimada e estrelas em céu negro. E não só bastava, transbordava…

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S- Somos vida. E por sermos vida acabamos sendo morte. - É mesmo uma ideia bonita, complexa, quase paradoxal…- … que muitos tratam com descaso por pura inocência.- Cuidado quanto as afirmações desleixadas.- Afirmações desleixadas? Nego suspeitas de negligência e digo inocên-cia com sentido de ingenuidade, porque olhar para si mesmo é fácil, mas se enxergar, nem tanto.- Espere, me esclareça uma coisa: se somos vida e morte, somos tam-

bém brotamento e desfalecimento das margaridas, nascer e pôr do sol, presença e ausência, verdade e mentira, metáfora e personificação…?- Somos céu, sol, grama, água e enfeite de árvore de na-tal. Somos o que quisermos ser, porque vida e morte é tudo e nada.- Tudo bem, basta; fartei-me dessas definições que só apertam os nós da minha mente.- Você não entende o que falo porque não conhece a po-

esia.- Poesia é rima de estrofes sem sentido que o mundo finge entender por medo de admitir a ignorância.- Somos poesia.- Não éramos nada?- E tudo, também.- Por que não desiste dessa ideia inexorável e me deixa viver com qual-quer meio júbilo? Podemos nos encontrar um dia desses para ouvir algu-mas crônicas de rua.- Sei todas de cor.- Chato. Posso ser sincera?- Diga agora ou cale-se para sempre.- Acho que você deveria parar de inventar essas teorias irreais e come-çar a estudar matemática.- E você, deixar de ser hipócrita.- Eu sou hipócrita?- Sim. E vida e morte. E tudo, e nada…- Não entendo, não entendo!(silêncio)- Deixa pra lá…

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EEi, venha cá, sente-se ao meu lado e partilhe um cafezinho. Açúcar, adoçante? Não há de que. Então, eu tenho uma coisa - ou melhor, vá-rias - para lhe dizer, porque a prisão de sentimentos que existe em mim se desfez. É que eu peguei algumas flores e ao despetalá-las, brinquei de bem-me-quer ou mal-me-quer, mas deu empate; quatro vezes cada. Gostaria de saber se essas borboletas que moram na minha barriga tam-bém voam pela sua ou se apenas eu sofro de amor. Ah, certo dia me

peguei segurando sua foto três por quatro, sentindo fal-ta de nós, imaginando se você também havia guardado a minha. Você guardou? Ou queimou junto com todas as outras lembranças? Não hesite em responder, por favor, porque essa dúvida me sufoca, me agoniza e me pertur-ba quando quero descansar em paz. Veja só, eu também lhe escrevi milhões de cartas mas nunca tive coragem de enviá-las, porque algo me alertou e disse incessantemen-te que você nem terminaria de lê-las; apenas as trancaria numa gaveta quebrada. E bem, minha caligrafia tão ca-

prichada com coração nos pingos dos is não podia sofrer com tamanho descaso, concorda? Amor - acho que tudo bem chamar-lhe assim - você marcou minha vida com tinta permanente enquanto eu fui apenas um esboço de grafite na sua. E sei que esse café e risada artificial são far-santes, bem como suas declarações vazias. Mas quis ter certeza e por isso estou aqui, olhando em seus olhos e perguntando com todas as sílabas se você me ama. E o mais engraçado é que eu nem preciso ouvir a resposta…

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Ah, meu anjo, esqueceram de dizer-lhe que vida de poetisa não é mar de rosas metafóricas? Então sente-se aqui, tome um ou dois goles de água e deixe-me conceder-lhe uma explicação desatada: quem faz poesia en-xerga além; além de corpo, além de carne, além de máscara, e percebe com certa destreza a aspereza e insensatez que há no mundo em que vivemos. Consequentemente, sofre; sofre porque possui sensibilidade sem igual, e para poetar precisa procurar os detalhes mascarados com

beleza e usar da franqueza para falar coisas bonitas. Mas respire com calma, porque não é só dor, não; poetisa tam-bém sabe perceber a pureza e inocência contida nas me-nores e menos significantes coisas e transformá-las numa dose de felicidade sem fim, às vezes, num poema insano. E agora que já lhe foi revelado o peso do fardo que você quer carregar, cabe a você decidir.Só te peço, por favor: dê-me licença porque vou fazer-me poeta.

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CCansei de escrever bonito, soar prolixa, titubear e caçar ditongos mais abertos para que o som levemente adocicado possa acalentar, enobre-cer e adornar minhas singelas palavras. Eu sempre gostei e continuo preferindo a essência, os desenhos amassados, os rascunhos riscados e o que não cabe, transborda. Talvez porque a perfeição seja só um re-flexo de máscaras e de máscaras só os monstros sejam feitos, ou porque espontaneidade me lembre poesia e de poesia quem seja feita sou eu. Ainda que muitos não entendam minha construção frásica e que ela não

faça sentido, não só faz parte de mim como também é o que transmito de olhos fechados e coração aberto. Não adio, não escondo: se é meu, admirarei e amarei, porque se eu não fizer isso ninguém mais fará. Infelizmente agora, eu que sempre tive horror da escuridão, das salas vazias e da penumbra me vejo sozinha nesse mundo argumen-tando sobre idéias que não convém a ninguém, recusando a desculpar-me: sou contra comercialização de sentimen-tos e a favor da proliferação do amor; sou amante das

reticências e gosto da mistura de azul e marrom, vermelho e chocolate, pão e flor. Se tu não gostas, respeites; está faltando quem levante e per-gunte, gritando, sobre o paradeiro da valorização das emoções. Se está aqui ou lá, na polo norte ou sul, na boca de crocodilo ou garras de leão não importa: eu vou buscar.

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AAcorrentei meus próprios pés nessa miniatura de vida e cortei minhas asas para fazer-me prisoneiro de mim. É que sou ao mesmo tempo juiz e julgado, e oscilo entre a súbita vontade de condenar-me com batidas do martelo e a necessidade de satisfazer meu lunático desejo de deixar tudo para trás e fugir. Sou incompreensível, e isso é fato, não só outra questão de ponto de vista; quanto mais eu tento me explicar, mais fortes os nós parecem ficar, e aí é confusão atada. Tentei esquecer e me liber-

tar dessa culpa. E, ainda que poemas que lhe dediquei já tenham queimado em uma lareira qualquer, as lembranças do nosso passado continuam se revesando como flashes em minha mente fraca, cansada, problemática. Eu nunca deveria ter acordado assim tão cedo para ver o nascer do sol porque sol me lembra você e você me lembra dor; e de dor eu já me enchi. Escrevi, rasurei, repeti, remendei e lancei meus rascunhos numa lata de lixo como se de nada valesse o esforço de escrever; se é sobre você ou o quan-to estou sofrendo, melhor deixar para lá, mesmo. Você

sabe que eu gosto do barulho do silêncio e da compania da solidão, e deve estar imaginando-me tropeçando nos próprios pés e entortando o caminho, mas já lhe digo: em breve reencontrarei a trilha e olharei meu reflexo no espelho com orgulho ou mesmo pinta de compaixão. Em breve, se tudo der certo, recuperarei minha capacidade de filosofar e poetar sobre o céu, o sol, a felicidade, os sorrisos, os abraços e as lem-branças mais oportunas. E aí, em fim, eu seguirei em frente sem culpa, sem algemas, sem medo, sem você.

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Minha gata miou para mim e eu compreendi a mensagem: ela sente sua falta. Eu juro que nem ligo mais para você, por isso não duvide quanto ao fato da sua ausência ter sido percebida por ela e somente por ela; sabe como são os gatos, né? Se apegam tanto! Então, miando em alto e bom som, também pediu para que eu trouxesse você de volta. Obviamente, eu não neguei esse favor a pobre coitada! Se você pudesse vê-la… Pa-recia um caco, acabada e triste tamanho sofrimento. Por isso, não pude

deixar pôr minha melhor roupa e o perfume que você mais gosta para implorar-lhe que faça suas malas e me acom-panhe. Se por muito tempo? Bom, até que ela faleça, pelo menos. E sabendo que ela possui uns quatro meses, pre-sume-se que isso demore cerca de quinze anos - talvez mais, talvez menos. Tudo bem para você? Acho, sincera-mente, que o mínimo que você pode fazer por alguém que lhe dedica tanto amor é amá-la de volta ou simplesmente ficar com ela para todo o sempre. Certo, eu me incomodo um pouco, mas o que não faço pela minha mascote, não

é verdade? E não se acanhe, vou adequar-me a você. Venha comigo, querido, ela lhe espera. Venha e permaneça…

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Não entende e não entenderá porque quem sente sou eu, julga agora e sempre julgará porque é humano, e eu entendo. Tudo bem, deixo você dizer o que quiser e divertir-se à vontade; meu cabelo acinzentado e meus olhos castanhos não lhe apetecem mas são parte de mim, e se não consegue suportá-los, dê meia volta. Não se assuste, eu sei, mudei radicalmente; mas é que descobri um dias desses que as pessoas que tanto faço questão me olharão do mesmo jeito, estando eu bonita ou feia,

rosa ou amarela. Consegui perceber, querido, que o que diziam sobre o amor ser cego é a mentira mais mal lavada que existe; quem ama enxerga e enxerga tão bem que vê além: além de cabelo, corpo, peso, cor. E quer saber? Eu me amo, de verdade, e admiro a força que tenho para sorrir, ignorar, relevar, mesmo quando cada palavra solta magoa, arranca pedaços de mim. Mas se você não faz o mesmo, sinto muito, uma reticências para você…

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RRespira que a inspiração vem, se acalma que paciência de poetisa não tem fim, põe umas reticências aqui e alí que a sensação de infinito che-ga e faz flutuar… Não perca sua hora mas não precipite - tudo tem seu tempo, seu momento. Sei que você queria usar a palavra intangível mas não conseguiu encaixá-la no contexto - e sinto lhe informar que nem o próprio contexto você foi capaz de criar. Mas não se abale, não enfie uma estaca no peito nem se subestime; descansa que sua procura in-saciável pela perfeição exauriu a pequena reserva de forças - e disso

você sabe. Deixa seu quarto de cabeça para baixo, apoia a cabeça no travesseiro e não esqueça de manter a porta aberta; vai que o vento me traz aquela vontade de te ver dormindo? Você camufla muito bem, mas entende comple-tamente que minha necessidade de escrever para alguém - ainda que alguém imaginário - não só me completa como me faz transbordar. Eu, assim como você, quero afagar minha cabeça no ombro de um amor e acordar sentindo que o mundo subitamente se tornou justo. Nós - assim

como alguns poucos coitados - também partilhamos da certeza de que nossas palavras raramente são compreendias. Mas tudo bem, vamos combinar: enquanto você acorda e reinicia a busca pela perfeição, eu fico aqui, olhando de longe, catando os rascunhos rabiscados que você deixa para trás. Enquanto você faz de si mesma alguém mais completa e gasta sua inesgotável borracha, os ventos continuam sussurrando no meu ouvido, sacudindo meus cabelos e me trazendo de volta o peculiar apetite pela escrita. E, mais uma vez, persisto com a minha mania incon-veniente de terminar os textos com reticências sem sentido, intangíveis…

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Achei uma foto três por quatro tua dentro da minha antiga carteira e percebi como o tempo passa rápido, passa correndo, voa. Ninguém nos avisou que seria tão súbito assim, e que você deixaria de ser minha antes mesmo de ser. Eu não pude fazer nada; seu cheiro saiu do meu travesseiro sem que eu percebesse que esteve lá, e tudo o que restou foram essas lembranças malditas que só fazem perturbar minha sani-dade. Não tem cura para essas minhas mãos calejadas, sem uso; elas

ficarão assim, ásperas e ruim ao toque para sempre, por-que eu não faço mais questão de tratá-las. Não quero que elas toquem outra pele que não seja a sua, não quero que elas acariciem o corpo que não seja o seu. É, ninguém nos avisou, ninguém nunca avisa… Eles gostam de ver em nossas faces a surpresa, a tristeza, o arrependimento. Mas tudo bem, vai que nem eles sabiam? A vida dá umas revira-voltas radicais que nos tiram as pessoas que ama-mos; às vezes, nos tiram até nós mesmos, e contra isso ninguém pode. Mas estou aprendendo, conforme os dias

passam, o tempo passa, o tempo voa, que na pior das hipóteses, ainda terei sua foto três por quatro comigo, hoje, sempre.

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Agora eu vou falar na primeira pessoa do singular porque cansei do plu-ral. “Nós” nunca serviu, nunca existiu, nunca coube no contexto; não que a conjugação ficasse errada, eu que sempre acabava sozinha, mesmo. Mudei. Não quero mais seus subsídios, amor, nem suas esmolas, suas migalhas, nada. Juro, prometo fingir que sempre fui só eu comigo mesma nessa vida, e também parar de usar o imperativo, como se de alguma forma você fosse obedecer as minhas súplicas de “venha, preciso de

você” ou “fique comigo”. Mas em troca preciso que você me deixe em paz e pare de perturbar meu sono frágil. Eu tinha medo de te abandonar, amor, medo de viver a minha vida por mim mesma, de correr atrás do que eu queria, de ser feliz, porque estava presa a ideia sem nexo de que só poderia encontrar a felicidade se estivesse ao seu lado. E advinhe? Me soltei. Estou livre. Estou partindo, inclusive. Seguindo em frente e deixando o “nós” para trás, deixan-do você para trás. Não que em algum momento da nossa

jornada, tivéssemos ficado lado a lado. Mas nada importa agora. Porque já que juntos, nós não alcançamos a felicidade, estou indo ser feliz sem você.

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SSe era por causa de sua solidão deprimente ou da simples necessidade de preencher o vazio que sentia dentro de si, ninguém sabia, também pou-co importava. O menino simplesmente mergulhava a mente, o corpo e a alma nos livros e ficava alí, submerso, durante horas. Substituía uma vida sem emoção (vida morta, como os amadores da antítese gostam de dizer) por várias, cheias de adrenalina, cheias de drama, cheias de aventura. Aos quatorze anos, já havia sido Rei da Prússia, Peter Pan, Bambi e

Mafalda. Já havia perdido os pais - mesmo que quando olhasse através do basculhante os visse lendo jornal - e também perdido a própria vida - mesmo que o coração ainda batesse. Vivia de surtos irreais e caídas depressi-vas realistas até demais - ora se via trancado numa cela cercada de leões, ora compreendia que a cela era seu quarto e os leões, seus medos secretos. Lia Dom Quixote e se sentia o próprio, sem saber que, quando voltava ao normal, não abandonava o personagem.Então, por não conseguir viver suas próprias aventuras,

virou um herói de conto sem graça, um protagonista feito de outros, um menino sem história, que passou a pertencer aos livros de outros. Um herói - como não? - sem vida, mas ainda assim, cheio de vivências.

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É E M V O C Ê S Q U E M E A C H O !

m e a c h e i . t u m b l r . c o m n a o d i g i t e . t u m b l r . c o m

P R O J E T O :