“julgamento antecipado da lide” nos juizados especiais ... · no segundo requisito, verifica-se...

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www.professordanielneves.com.br “Julgamento antecipado da lide” nos Juizados Especiais Cíveis e os princípios da celeridade, oralidade e da transação SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. “Julgamento antecipado da lide” (art. 330, CPC); 3. Julgamento antecipado do mérito e o princípio da celeridade e economia processual; 4. Princípio da oralidade e o julgamento antecipado do mérito; 5. Tentativa de conciliação e julgamento antecipado do mérito; 6. Princípios da celeridade e economia processual nos Juizados Especiais Cíveis e o julgamento antecipado do mérito; 7. Princípio da oralidade nos Juizados Especiais e julgamento antecipado do mérito; 8. Julgamento antecipado do mérito e transação nos Juizados Especiais Cíveis; 9. Julgamento antecipado do mérito nos Juizados Especiais; 10. Conclusão. 1. Introdução Segundo o art. 27 da Lei 9.099/95, o procedimento sumaríssimo conta tão somente com uma única audiência, na qual o juiz, uma vez não instituído o atípico “juízo arbitral” dos Juizados Especiais, tentará a conciliação entre as partes e, não a obtendo, passará a instrução e julgamento do processo. A idéia de uma única audiência justifica-se em virtude da alta concentração de atos prevista pela Lei 9.099/95, com o objetivo de tornar o procedimento mais célere. A celeridade vem sendo ressaltada em todas as recentes reformas processuais, sendo apontada como uma das formas de garantir uma maior efetividade às decisões judiciais, considerando-se que quanto mais demora a concessão de prestação jurisdicional, mais difícil se torna a efetivação da decisão judicial.

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“Julgamento antecipado da lide” nos Juizados Especiais

Cíveis e os princípios da celeridade, oralidade e da

transação

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. “Julgamento antecipado da lide” (art. 330, CPC); 3.

Julgamento antecipado do mérito e o princípio da celeridade e economia

processual; 4. Princípio da oralidade e o julgamento antecipado do mérito; 5.

Tentativa de conciliação e julgamento antecipado do mérito; 6. Princípios da

celeridade e economia processual nos Juizados Especiais Cíveis e o julgamento

antecipado do mérito; 7. Princípio da oralidade nos Juizados Especiais e

julgamento antecipado do mérito; 8. Julgamento antecipado do mérito e transação

nos Juizados Especiais Cíveis; 9. Julgamento antecipado do mérito nos Juizados

Especiais; 10. Conclusão.

1. Introdução

Segundo o art. 27 da Lei 9.099/95, o procedimento sumaríssimo conta tão somente

com uma única audiência, na qual o juiz, uma vez não instituído o atípico “juízo

arbitral” dos Juizados Especiais, tentará a conciliação entre as partes e, não a

obtendo, passará a instrução e julgamento do processo. A idéia de uma única

audiência justifica-se em virtude da alta concentração de atos prevista pela Lei

9.099/95, com o objetivo de tornar o procedimento mais célere. A celeridade vem

sendo ressaltada em todas as recentes reformas processuais, sendo apontada

como uma das formas de garantir uma maior efetividade às decisões judiciais,

considerando-se que quanto mais demora a concessão de prestação jurisdicional,

mais difícil se torna a efetivação da decisão judicial.

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Ainda que a fragmentação procedimental em duas audiências seja, pela letra da

lei, circunstância excepcional (art. 27, parágrafo único, Lei 9.0099/95), o que se

nota na praxe forense é sua instituição como regra. Dificilmente há processo de

audiência una nos Juizados Especiais, a não ser na hipótese de homologação de

transação realizada na primeira audiência, o que naturalmente colocará fim ao

processo. A regra, entretanto, não é essa; a primeira audiência presta-se a

tentativa de conciliação, e muito raramente ocorre com a presença de um juiz

togado, sendo muito mais freqüente a presença de conciliadores. Não obtida a

transação, há a designação de uma nova audiência, para a instrução e julgamento,

dessa vez conduzida por um juiz togado, e raramente por um juiz leigo, conforme

permite o art. 40 da Lei 9.099/95.

Sendo a realidade forense a existência de duas audiências nos Juizados Especiais

Cíveis, o presente artigo pretende analisar a possibilidade – não prevista pela Lei

9.099/95 -, de aplicação da regra estabelecida pelo art. 330, CPC, conhecida por

“julgamento antecipado da lide”. As aspas por ora se justificam em virtude da

impropriedade do nome que a lei empresta ao instituto, mas a idéia central é

bastante clara. A possibilidade de o juiz decidir a demanda depois da frustração da

transação na primeira audiência, sem a necessidade de realização da audiência de

instrução e julgamento.

Não resta dúvida de que o Código de Processo Civil se aplica de forma subsidiária

ao procedimento sumaríssimo criado pela Lei 9.099/95, até mesmo porque

nenhuma lei extravagante que cuide de matéria processual tem condições de

sobreviver sem a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. É natural,

entretanto, que essa forma de aplicação de normas somente é demandada quando

há omissão na lei específica e, ainda mais importante, não poderá contrariar o

espírito e os objetivos pretendidos pela lei extravagante. A aplicação subsidiária do

Código de Processo Civil à Lei 9.099/95 deverá, portanto, se compatibilizar com o

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art. 2° dessa lei, que assim vem redigido: “O processo orientar-se-á pelos critérios

da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,

buscando, sempre que possível, a conciliação e a transação”1.

O objetivo principal do presente artigo é demonstrar que o “julgamento antecipado

da lide”, nos moldes sugeridos, é absolutamente possível no procedimento

sumaríssimo, seja pela ausência de vedação expressa na Lei 9.099/95, seja

porque absolutamente compatível com os princípios norteadores dos Juizados

Especiais.

2. “Julgamento antecipado da lide” (art. 330, CPC)

O art. 330, CPC, ainda que não o faça de forma perfeita, cria o “julgamento

antecipado da lide”, instituto processual que permite ao juiz proferir sentença de

mérito - acolhendo ou rejeitando o pedido do autor - ainda na fase do “julgamento

conforme o estado do processo”, ou seja, imediatamente após o encerramento da

fase postulatória. Existem algumas críticas ao instituto, tanto no que se refere ao

nome atribuído pela lei, como as previsões legais que definem os requisitos para

que possa se dar o chamado “julgamento antecipado da lide”. Uma análise de tais

críticas, ainda que superficialmente, será interessante para o aclaramento do

instituto.

A primeira crítica freqüente da doutrina diz respeito ao nome escolhido pelo autor e

consagrado pela reiterada repetição dos operadores do direito. A sentença

proferida pelo juiz nos termos do art. 330, CPC, será uma sentença genuína de

mérito, ou seja, será uma sentença que acolherá ou rejeitará o pedido do autor

com fundamento na existência ou não do direito material alegado por ele (art. 269,

1 Nesse sentido Ricardo Cunha Chimenti, Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 07 e Joel Dias Figueira Jr., Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, São Paulo, RT, 2006, pp. 32-33.

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I, CPC). O que se estará decidindo, portanto, é o pedido do autor, e não

propriamente a lide, que como se sabe não se confunde com o pedido2. Dessa

forma, parcela da doutrina prefere a nomenclatura julgamento antecipado do

pedido3, sendo preferível, entretanto, o entendimento majoritário na doutrina ao

chamar o instituto previsto pelo art. 330, CPC, de julgamento antecipado do

mérito4.

Ainda com relação ao nome, há também uma outra crítica de parcela da doutrina

quanto à expressão “julgamento antecipado”, entendendo-se que na realidade o

julgamento não está sendo antecipado, mas ocorrendo no exato momento em que

deveria ocorrer, em virtude das circunstâncias fáticas e probatórias da demanda

judicial5. A crítica tem sentido, mas não me parece problemático continuar a

chamar o instituto de julgamento antecipado do mérito, desde que se estabeleça

que essa antecipação não é propriamente do caso concreto, mas sim imaginada

abstratamente, tomando-se em conta o procedimento cognitivo padrão.

Esse procedimento é dividido em quatro fases: postulatória, saneamento,

instrutória e decisória, sendo que num processo tradicional, o fim normal do

processo será uma sentença de mérito proferida na última fase procedimental.

Ainda que a sentença proferida com amparo no art. 330, CPC, seja uma sentença

genuína de mérito, não deixa de ter alguma atipicidade esse julgamento, não com

relação a seu conteúdo, mas a seu momento procedimental. Pensando-se 2 Enrico Tullio Liebman, vol. 1, 3ª ed., Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo, Malheiros, 2005, pp. 222-223; Cândido Rangel Dinamarco, “O conceito de mérito em processo civil”, in Fundamentos do processo civil moderno, vol. I, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 251-254. Em sentido contrário, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 7ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 715: “Lide é sinônimo de mérito”. 3 Antonio Carlos Marcato, Código de Processo Civil interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, São Paulo, Atlas, 2004, p. 938. 4 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, 5ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 241; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, 7ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2007, p. 472; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol. 1, 9ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 358. 5 Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol I, op. cit., p. 358; Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo II, São Paulo, RT, 2001, p. 444.

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abstratamente, o processo/fase de conhecimento chega a seu fim antes do

momento planejado pela lei, ainda que se levando em conta as particularidades do

caso concreto, o momento de julgamento tenha sido o ideal. Tendo-se tal

concepção em mente, é possível a manutenção da idéia de “julgamento

antecipado”.

Uma segunda crítica é voltada à redação dos dois incisos do art. 330, CPC, que

prevêem os requisitos alternativos para o julgamento antecipado do mérito: “I –

quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de

fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II – quando ocorrer

a revelia (art. 319)”.

No primeiro requisito parece haver uma falha no final da redação, porque na

realidade a desnecessidade de produção de prova não se limita àquela prova

produzida em audiência de instrução. A prova pericial não é produzida em

audiência e nem por isso poderá ser desconsiderada para fins de impossibilidade

de julgamento antecipado do mérito. Sendo desnecessária a prova produzida em

audiência (depoimento pessoal e testemunhal), mas sendo necessária a produção

de prova pericial ou de qualquer outra espécie cuja produção dispense a realização

de audiência, não será aplicável o art. 330, CPC. O que importa é não ser mais

necessária a produção de qualquer espécie de prova no processo6, o que será

analisado pelo juiz com o cuidado necessário para não sejam ofendidos os

princípios da ampla defesa e do contraditório.

6 Nesse sentido José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 429, apontando para a suficiência da prova documental, “tornando-se irrelevante outra qualquer, seja testemunhal, seja pericial” e Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 330: “Portanto, o que se antecipa, na verdade, não é a sentença, e sim a fase decisória, diante da desnecessidade de produção de prova oral ou pericial”.

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No segundo requisito, verifica-se a indevida confusão entre o conteúdo e o efeito

da revelia. Sabe-se que efeito e conteúdo não se confundem, até mesmo porque o

conteúdo é o que está dentro e o efeito é o que se projeta para fora. Dessa

maneira, o conteúdo da revelia, que forma o conceito do instituto, é a ausência

jurídica de defesa do réu, ou seja, é uma mera situação de fato gerada pela não

apresentação, dentro da forma legal, de peça defensiva pelo réu. Uma vez

verificada a revelia, passa-se a analisar seus efeitos, sendo o principal dele aquele

previsto pelo art. 319, CPC, e excepcionado em determinadas situações pelo

dispositivo legal subseqüente: presunção de veracidade dos fatos alegados pelo

autor.

O legislador no art. 330, II, CPC, confundiu a revelia com seus efeitos, prevendo

que “quando ocorrer a revelia”, se justificará o julgamento antecipado do mérito. O

equívoco do legislador mostra-se evidente quando se leva em consideração a

previsão contida no art. 324, CPC, que ao tratar do “efeito da revelia”,

acertadamente aponta que, não sendo gerado o efeito da revelia – presunção de

veracidade dos fatos – o autor deverá ser intimado para especificar provas no

prazo de dez dias. O que se pretende demonstrar é que não basta a revelia para

que o julgamento antecipado do mérito seja justificado, sendo imprescindível que

dessa revelia seja gerado, no caso concreto, o seu mais importante efeito, que é a

presunção de veracidade dos fatos7. Uma vez presumidos os fatos como

verdadeiros, não haverá objeto de prova (art. 334, CPC), o que tornará a fase

probatória desnecessária e justificará a aplicação do art. 330, CPC.

Em síntese conclusiva, o julgamento antecipado do mérito se justifica nas

demandas em que não haja, após o encerramento da fase postulatória, a

necessidade de produção de prova. Essa desnecessidade de fase instrutória, exige

7 Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 22ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, pp. 98-99; Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 451; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 359-360.

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do juiz tão somente a aplicação do direito abstrato ao caso concreto, o que deverá

fazer por meio de sentença definitiva, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor

(art. 269, I, CPC).

3. Julgamento antecipado do mérito e o princípio da celeridade e

economia processual

Para se compreender com exatidão como o julgamento previsto pelo art. 330, CPC,

contribui para a celeridade e a economia processual, é indispensável uma análise

do sistema anterior ao Código de Processo Civil de 1973. Nesse sistema, a

audiência de instrução e julgamento era indispensável, sendo realizada mesmo nos

casos em que não havia prova a ser produzida. Conforme lições de Gabriel

Rezende Filho, “a audiência de instrução é têrmo essencial do processo ordinário,

não podendo ser dispensada. Ainda quando as partes não hajam protestado pela

produção de provas causais, o juiz é obrigado a marcar a audiência de instrução e

julgamento, pois é do sistema do Código que nela se realize o debate oral e se

profira o julgamento da causa”8.

No procedimento estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1939 a audiência

de instrução era obrigatória, o que nitidamente postergava a entrega da prestação

jurisdicional em muitos casos de forma indevida. Não sendo necessária a produção

de provas, a designação de uma audiência de instrução demandava um período de

tempo durante o qual as partes já poderiam saber do resultado do processo, caso

se permitisse o julgamento por escrito, sem a necessidade de designação de uma

audiência. É natural que o aumento significativo de processos faça com que as

audiências de instrução e julgamento passem a ser designadas cada vez mais

distantes do momento em que a fase postulatória se encerra, em nítido prejuízo

dos princípios da celeridade e economia processual.

8 Cfr. Curso de direito processual civil, vol. 2, São Paulo, Saraiva, 1963, p. 167.

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Os problemas práticos gerados pela obrigatoriedade de designação de uma

audiência de instrução e julgamento eram tão avassaladores que a modificação do

sistema em 1973, permitindo-se a partir de então um julgamento do mérito sem a

necessidade de designação de audiência de instrução nos termos do art. 330,

CPC, foi saudada com entusiasmo pela melhor doutrina. Sálvio de Figueiredo

Teixeira chegou a afirmar que “esta foi a melhor inovação introduzida no CPC em

1973”9.

Ficou nítido que o instituto do julgamento antecipado do mérito servia ao processo

no qual a prova, por qualquer razão, fosse desnecessária a partir do final da fase

postulatória. Não tinha mesmo sentido aguardar a sentença em razão de uma

audiência na qual somente haveria os debates orais – instituto em franco desuso

na praxe forense atual – e o julgamento. Essa obrigatoriedade rumava contra os

princípios da celeridade e da economia processual. Da celeridade porque atrasava

a prolação de sentença sem qualquer justificativa plausível. De economia

processual porque, além de fazer o processo demorar mais tempo que o

estritamente necessário, obrigava as partes e a máquina judicial à realização de

uma audiência sem qualquer função a ser nela desenvolvida que não pudesse ser

cumprida anteriormente e por escrito.

A doutrina é uníssona no sentido de que o julgamento antecipado da lide é instituto

voltado à economia e celeridade processual. Pontes de Miranda afirma que o art.

330, CPC, presta-se a não retardar “procedimento de que muito tempo não

precisa”10, enquanto José Frederico Marques expressamente defende que “o

julgamento antecipado do litígio inspira-se no princípio da economia processual e

será realmente bastante benéfico para o desafogo das audiências e do serviço

judiciário em geral”11. A doutrina mais moderna expressa a mesma opinião, como

9 Cfr. Código de Processo Civil anotado, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 255. 10 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, Rio de Janeiro, Forense, 1974, p. 202. 11 Cfr. Instituições de direito processual civil, vol. III, Campinas, Millennium, 2000, p. 314.

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se pode notar nas lições de Humberto Theodoro Jr., para quem o instituto

“harmoniza-se com a preocupação de celeridade que deve presidir à prestação

jurisdicional”12.

4. Princípio da oralidade e o julgamento antecipado do mérito

Não há qualquer dúvida de que o julgamento antecipado do mérito, sem a

realização da audiência de instrução e julgamento, não haverá a oralidade típica

dessa espécie de ato processual. O que é preciso analisar é se a não realização da

audiência de instrução fere de alguma forma o princípio da oralidade, e, para tanto,

é indispensável a análise de quais atos praticados numa audiência de instrução e

julgamento ocorrem em consonância com o princípio da oralidade. Nessa análise,

deve-se ter em mente correta lição de Ernane Fidélis dos Santos, para quem “ a

oralidade não é fim em si mesma. Mister não se faz a audiência, se o juiz puder,

logo após a fase de postulação, decidir a lide, apreciando diretamente o pedido do

autor”.13

A audiência de instrução e julgamento tem seu início com o pregão das partes e de

seus patronos para que adentrem ao local físico da audiência. Nas demandas em

que seja possível a obtenção de uma transação, o juiz tentará que as partes

cheguem a um acordo, e sendo frutífera a conciliação o juiz a homologará por meio

de sentença de mérito impura, colocando fim ao processo e por conseqüência

óbvia, à própria audiência de instrução e julgamento. Nota-se desde já que a não

realização da audiência de instrução naturalmente impedirá que o juiz tente a

conciliação entre as partes nesse momento processual. A impossibilidade da

tentativa de conciliação, entretanto, é tema que será enfrentado em capítulo

12 Cfr. Curso de direito processual civil, vol. I, 47ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 463. 13 Cfr. Manual de direito processual civil, vol. 1, 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 431.

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próprio, considerando-se que dentre os princípios dos Juizados Especiais

encontra-se a tentativa de conciliação e transação (art. 2°, Lei 9.099/95).

Não obtida a conciliação, passa-se à fase de instrução, com a oitiva de peritos,

quando excepcionalmente são chamados para prestar esclarecimento a respeito

do laudo pericial realizado (art. 452, II, CPC). Após a oitiva dos peritos, desde que

requerido expressamente pelas partes, há o depoimento pessoal – que pode ser

substituído na ausência de pedido pelo interrogatório – e depois há oitiva de

testemunhas. Como se nota, a instrução probatória realizada durante a audiência

de instrução e julgamento é toda oral14, e naturalmente não há essa oralidade

quando a audiência não ocorre. Não se pode, entretanto, falar em ofensa ao

princípio da oralidade, considerando-se que o julgamento antecipado do mérito

somente terá cabimento quando não for mais necessária a produção de qualquer

outra prova, entre elas, naturalmente, as provas orais. Significa dizer que, mesmo

que no caso que foi julgado antecipadamente o mérito houvesse designação de

audiência de instrução, nenhuma prova oral haveria de ser produzida, sendo nesse

tocante absolutamente inútil e desnecessária a audiência.

Após a instrução, passa-se aos debates orais, que são na realidade as alegações

finais das partes, feitas oralmente dentro das regras formais previstas pelo art. 454,

CPC. É natural que sem a realização da audiência de instrução e julgamento não

haverá oportunidade de debates orais, e nisso nitidamente haverá uma ofensa ao

princípio da oralidade, já que retira das partes o direito de fazer oralmente suas

alegações finais. Quanto a esse tema, entretanto, deve se destacar a baixa

incidência da ocorrência das alegações finais, que em regra, e contra a letra da lei,

são transformados em memoriais escritos. Por uma série de razões – falta de

preparo dos advogados, falta de vontade do juiz, abarrotamento das pautas com

14 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol. 2, 9ª ed., São Paulo, RT, 2005, p. 518.

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audiências em série, etc – mesmo quando ocorre a audiência de instrução e

julgamento esse aspecto da oralidade é constantemente afastado1516.

O último ato a ser proferido em audiência de instrução e julgamento é a prolação

da sentença, o que naturalmente não ocorrerá se o juiz já tiver convertido os

debates orais em memoriais escritos, não se justificando nesse caso a designação

de uma audiência com o fito exclusivo de ler às partes o teor da sentença17. Mais

uma vez nota-se que a oralidade na prolação da sentença não é conseqüência

inexorável da realização da audiência de instrução. Havendo a conversão dos

debates orais em memoriais escritos, a sentença será feita por escrito, e mesmo

que as partes façam os debates orais, o juiz não é obrigado a sentenciar oralmente

em audiência, podendo preferir fazê-lo no prazo impróprio de 10 dias, conforme lhe

faculta o art. 456, CPC.

5. Tentativa de conciliação e julgamento antecipado do mérito

O julgamento antecipado do mérito previsto no art. 330, CPC, gera um

processo/fase de conhecimento pelo rito ordinário sem a realização de audiências.

É evidente que não ocorrerá a audiência de instrução, fator primordial para a

aplicação do dispositivo legal em comento, mas também não haverá a audiência

preliminar prevista pelo art. 331, CPC, que temporalmente só deve ocorrer se não

15 Consultar Daniel Amorim Assumpção Neves, “Recentes alterações do agravo retido – obrigatoriedade de sua interposição de forma oral de decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento”, in Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, Dialética, v. 34, 2006, pp. 21-22. 16 O problema pode ser ainda mais grave, conforme aponta Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 445: “Verifica-se no cotidiano forense um sem-número de audiências de instrução e julgamento designadas desnecessariamente, inclusive diante da inexistência de prova oral a ser colhida. Mais hilariante a cena quando, mesmo inexistindo provas a serem produzidas em audiência de instrução e julgamento, terminam os advogados das partes por pedir prazo (de regra concedido) para oferecimento de alegações finais, por memoriais”. 17 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, op. cit., p. 518; José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, op. cit., p. 79; Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. 2, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 235.

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for hipótese de julgamento antecipado do mérito. Prova maior disso é a própria

redação do art. 331, CPC, que aponta expressamente: “Se não ocorrer qualquer

das hipóteses previstas nas seções precedentes (...) o juiz designará audiência

preliminar (...)”18.

A melhor doutrina, inclusive, afirma corretamente que “superada a fase postulatória

e proferido o saneamento do processo, não há, tecnicamente, mais como se

cogitar de julgamento antecipado da lide”.19

A audiência preliminar, que já foi chamada de “audiência de conciliação” tem como

um de seus atos a tentativa de conciliação realizada pelo juiz, o que naturalmente

não ocorrerá com o julgamento antecipado do mérito. Aplicando-se literalmente o

procedimento previsto pelo ordenamento processual, não haverá momento para o

juiz tentar a conciliação entre as partes quando julgar antecipadamente o mérito,

sendo correto afirmar que nesse caso a celeridade e economia processual obtidas

com tal forma de decisão se sobrepõem à tentativa de conciliação.

Em razão da importância que o processo civil dá atualmente à conciliação20,

percebendo o juiz ser hipótese de julgamento antecipado do mérito, mas também

notando que é possível a obtenção de uma conciliação, não seria nada absurdo o

juiz determinar a realização de uma audiência, que não seria propriamente a

audiência preliminar, com o objetivo exclusivo de tentar uma conciliação entre as

partes. Essa audiência se justifica a luz da aplicação do art. 125, IV, CPC, que

atribuiu ao juiz a função de “tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”. Seria

18 Nesse sentido os ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 360 e Antônio Cláudio da Costa Machado, Código de Processo Civil interpretado e anotado, São Paulo, Manole, 2006, p. 707 19 Cfr. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, op. cit., p. 334. 20 Daniel Amorim Assumpção Neves, Ações probatórias autônomas, tese de doutorado – USP, defendida em maio de 2006, pp. 336-343.

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uma forma de não afastar a tentativa de conciliação, mesmo havendo o julgamento

antecipado do mérito.

6. Princípios da celeridade e economia processual nos Juizados

Especiais Cíveis e o julgamento antecipado do mérito

Conforme já foi amplamente demonstrado, o instituto do julgamento antecipado do

mérito tem como maior preocupação a celeridade e economia processual,

evitando-se a postergação de procedimentos que já se encontrem maduros para

julgamento. No art. 2°, Lei 9.099/95, dentre os princípios que regulam o

procedimento sumaríssimo, a celeridade e a economia processual têm lugar de

destaque, sendo uma das grandes ambições do legislador a entrega rápida de

prestação jurisdicional21.

Não resta qualquer dúvida que a adoção do julgamento antecipado do mérito no

Juizado Especial, a ser realizado imediatamente após a realização da audiência –

sessão – de conciliação, sempre que não seja mais necessária a produção de

prova, representaria a entrega de prestação jurisdicional de maneira muito mais

rápida, atingindo-se um dos mais relevantes princípios do sistema dos Juizados

Especiais. Essa celeridade será tanto mais benéfica à qualidade da prestação

jurisdicional, quanto menor for a eficiência do local no qual tramita o processo,

sendo notória a dificuldade estrutural porque passam os Juizados Especiais nos

dias atuais. A realização de duas audiências, sendo somente a segunda delas

conduzida pelo juiz, é a forma encontrada na praxe forense para agilizar o

andamento procedimental.

21 Ricardo Cunha Chimenti, Teoria e prática dos Juizados Especiais, op. cit., p. 12: A maior expectativa gerada pelo novo sistema é a sua promessa de celeridade sem violação do princípio da segurança das relações jurídicas”.

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No Estado de São Paulo, no qual o Judiciário encontra sérias e conhecidas

dificuldades em prestar tutela jurisdicional dentro de tempo razoável, como

prometido pela Constituição Federal (art. 5ª, LXVIII, CF), existem Comarcas nas

quais as audiências de instrução são designadas para dois anos após a realização

da audiência de conciliação, o que paradoxalmente faz com que o processo nos

Juizados Especiais tenha um procedimento mais moroso do que na Justiça

Comum. Ainda que o tempo de dois anos seja um absurdo deplorável, prazos

temporais inferiores, mas bem além do desejável, são constantes no dia-a-dia

forense nos Juizados Especiais22.

Diante da indesejada morosidade no procedimento dos Juizados Especiais, em

especial até a prolação da sentença, circunstância decorrente dentre outros fatores

da excessiva demora na realização da audiência de instrução, uma adequada

forma de se preservar o princípio da celeridade é o julgamento antecipado do

mérito, evidentemente quando não houver necessidade de produção de prova.

7. Princípio da oralidade nos Juizados Especiais e julgamento

antecipado do mérito

Havendo julgamento antecipado do mérito não se realizará a audiência de

instrução e julgamento, o que poderia levar o estudioso menos atento a acreditar

em ofensa ao princípio da oralidade, um dos que balizam o procedimento previsto

pela Lei 9.099/95. Na realidade, entretanto, não haverá qualquer ofensa a tal

princípio, ou ainda, será tão mínima que não chega a criar real obstáculo à

aplicação desse instituto no procedimento sumaríssimo.

22 Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma abordagem crítica, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004, p. 24: “É preciso, porém, que se diga que a falta de estrutura de alguns Juizados tem feito com que os processos neles instaurados demorem tanto quanto demoram os processos que tramitam perante os juízos comuns”.

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Não se pode falar em ofensa ao princípio da oralidade em razão da dispensa da

audiência de instrução em razão do julgamento antecipado do mérito. Conforme

exaustivamente afirmado durante o artigo, o julgamento antecipado do mérito

somente tem cabimento quando não é mais necessária a produção de prova, de

forma que, nesse caso, ainda que houvesse a designação de audiência de

instrução, as partes não produziriam qualquer prova, por absoluta desnecessidade.

Não haverá prova oral, mas isso não decorre da não realização da audiência de

instrução e julgamento, e sim da ausência de provas a se produzir no caso

concreto.

Também não haverá oportunidade para as partes realizarem os debates orais, mas

nesse tocante uma especialidade do procedimento sumaríssimo afasta qualquer

crítica a respeito de eventual ofensa ao princípio da oralidade. O ato processual de

alegações finais não existe nos Juizados Especiais, de forma que, mesmo havendo

a colheita de provas na audiência de instrução e julgamento, não se dará

oportunidade para qualquer manifestação final oral das partes por meio de seus

patronos23. Dessa forma, a impossibilidade de realização do ato oral “debates

orais”, em razão da não realização da audiência de instrução, jamais poderá ser

entendido como ofensa ao princípio da oralidade, simplesmente porque tal ato não

tem previsão no procedimento sumaríssimo.

Por fim, o último ato a ser praticado na audiência de instrução e julgamento é a

prolação de sentença pelo juiz, naturalmente de forma oral. É evidente que, sem a

realização da audiência de instrução e julgamento, a sentença será proferida por

23 Nesse sentido Joel Dias Figueira Jr., Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, op. cit., p. 246. Também o Enunciado 35 do XX Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil: “Finda a instrução, não são obrigatórios os debates orais”. Em sentido contrário, entendendo pela obrigatoriedade de oportunidade de alegações finais, mas sempre de forma oral, as lições de Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma abordagem crítica, op. cit., p. 106.

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escrito em cartório, o que poderia levar a conclusão de ofensa ao princípio da

oralidade.

Ocorre, entretanto, que a prolação de sentença oral somente é essencial na

hipótese de realização da audiência de instrução, não se justificando a designação

de uma audiência somente com o objetivo de o juiz prolatar a sentença oralmente.

Já foi amplamente demonstrado que nem mesmo na Justiça Comum essa

circunstancia ocorrerá, não sendo legítimo imaginar que nos Juizados Especiais

seja diferente. Seria uma perda de tempo e de energia de todos os envolvidos no

processo, somente para se obter uma sentença oral, o que sacrificaria todo o

procedimento em prol de uma falsa proteção ao princípio da oralidade.

Conforme Joel Dias Figueira Jr., “o juiz deve decidir em audiência, atendendo o

princípio da oralidade”24. O que acertadamente a doutrina afirma é que não tem

sentido o juiz deixar de sentenciar oralmente, durante a audiência, preferindo

chamar os autos a conclusão e proferir a sentença em gabinete25. Sendo realizada

a audiência de instrução, é natural que se espere do juiz a prolação de sentença

oral, porque um eventual encerramento da audiência sem a prolação da decisão

torna o procedimento ainda mais moroso, em contrariedade aos os princípios da

oralidade e também da celeridade processual.

Isso não significa, entretanto, a obrigatoriedade da sentença ser proferida de forma

oral. Tal obrigatoriedade só existe – e ainda assim vem sendo sistematicamente

descumprida pelos juízes no caso concreto – quando houver a realização da

audiência, momento propício para a prolação da sentença. Sem a realização da

24 Cfr. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, op. cit., p. 246. Para Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma abordagem crítica, op. cit., p. 123: “Em outras palavras, significa isto dizer que os atos processuais são praticados diante do juiz na audiência de instrução e julgamento, sendo certo que ao magistrado incumbe, imediatamente, proferir a sentença”. 25 Nesse sentido Cândido Rangel Dinamarco, Manual dos Juizados Cíveis, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, p. 157.

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audiência, por desnecessidade de produção da prova oral, não tem qualquer

sentido exigir-se a prolação da sentença oralmente, o que, em última análise,

exigiria a designação de uma audiência com o fito exclusivo de o juiz prolatar a

sentença, o que a doutrina há muito tempo já rejeitou.

8. Julgamento antecipado do mérito e transação nos Juizados

Especiais Cíveis

Esse é certamente o ponto mais crítico de toda a argumentação, nem tanto pelas

regras procedimentais, mas pelo que costuma ocorrer na praxe forense. As formas

alternativas de solução de conflitos ganham cada vez mais atenção dos

operadores e estudiosos do direito, sendo que a conciliação ou transação têm lugar

de destaque no sistema de solução de conflitos por, supostamente, além de

resolver juridicamente a lide, também resolver a chamada lide sociológica, com a

verdadeira pacificação social. Fala-se em justiça coexistencial (Cappelletti) para se

indicar a solução do conflito por meio da conciliação ou transação.

Conforme já afirmado, no rito ordinário o julgamento antecipado da lide exclui, ao

menos em regra, a tentativa de conciliação conduzida pelo juiz em audiência,

considerando-se que a aplicação da regra do art. 330, CPC, precede à realização

de qualquer audiência, até mesmo a audiência preliminar. Essa ausência de

momento para se tentar uma transação perante o juiz pode ser excepcionalmente

afastada na hipótese de designação específica para esse fim, nos termos do art.

125, IV, CPC. Essa circunstância, entretanto, é realmente excepcional, sendo mais

freqüente a extinção do processo com a resolução do mérito por meio do

julgamento antecipado sem que ocorra qualquer audiência.

No procedimento previsto pela Lei 9.099/95, ainda que se admita o julgamento

antecipado do mérito - como se propõe no presente artigo - terá ao menos ocorrido

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uma audiência, na qual o conciliador, juiz leigo ou juiz togado, terá tido a

oportunidade de aproximar as partes na tentativa de realização de transação.

Nesses termos, a tentativa de conciliação já terá ocorrido nesse primeiro momento,

de forma que mesmo julgando-se antecipadamente o mérito, sem a realização da

audiência de instrução, não se poderá falar em ofensa ao princípio da tentativa de

transação e conciliação.

Note-se que os princípios da tentativa de conciliação e transação não devem ser

alçados a patamar inalcançável, obrigando o juiz a tentar de toda e qualquer forma,

e a todo o momento, a autocomposição entre as partes. É evidente que sendo um

dos princípios previsto pelo art. 2°, Lei 9.099/95, a transação deve ser buscada

pelo juiz, mas não se pode descartar que nem sempre deverá ser designada

audiência de instrução para que essa tentativa tome lugar.

Os exemplos mais claros do que se afirma são as sentenças proferidas na hipótese

de ausência de autor ou réu à audiência de conciliação. Nesses casos, o juiz

extinguirá o processo sem julgamento do mérito em razão da ausência do autor

(art. 51, inc. I, Lei 9.099/95) ou julgará o mérito – em típico caso de julgamento

antecipado – na hipótese de revelia do réu (art. 23, Lei 9.099/95). Caso a tentativa

de transação na audiência de instrução fosse realmente indispensável, ainda que a

parte não compareça a audiência de conciliação, deveria ser designada uma

audiência de instrução para que, uma vez presentes as partes, fosse tentada uma

conciliação. A audiência de instrução, entretanto, não é designada, o processo é

decidido – no mérito ou não – sem a realização de qualquer tentativa de

conciliação, frustrada pela ausência de uma das partes.

Nesse momento é indispensável trazer ao debate circunstância verificada no dia-a-

dia forense e que não deve ser desprezada: a falta de preparo da maioria dos

conciliadores. Essa circunstância é nitidamente prejudicial ao sistema projetado

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para os Juizados Especiais Cíveis, porque se nota que inúmeras transações

somente são realizadas na presença do juiz, que de maneira muito mais incisiva e

voluntariosa consegue aproximar as partes até que seja realizada a transação.

Nesses casos, que não são poucos, a não realização da audiência de instrução

certamente frustrará a tentativa de conciliação, que terá sido tão somente realizada

de maneira forma, pouco efetiva, na audiência de conciliação.

Não resta dúvida de que um melhor preparo dos conciliadores poderia melhorar

esse panorama, mas é inegável que, perante o juiz de direito, a postura belicosa

das partes costuma diminuir, e a incidência de transações aumenta. Isso,

entretanto, é estrutural, e não parece ter solução imediata. Por outro lado, poder-

se-ia sugerir que o juiz fizesse também a audiência de conciliação, mas novamente

a proposta esbarra em dificuldades práticas já velhas conhecidas de todos.

O que se pretende demonstrar é que, exclusivamente à luz das regras

procedimentais, a realização da audiência de conciliação já seria o suficiente para

que o princípio da tentativa de conciliação e transação, previsto no art. 2°, Lei

9.099/95, seja respeitado. Nesses termos, o julgamento antecipado do mérito esta

em consonância total com tais princípios. Sabendo-se, entretanto, que na realidade

forense o número de transações que são realizadas somente na presença do juiz é

significativo, é natural que tal dado seja utilizado na análise do julgamento

antecipado do mérito. Assim sendo, e como restará demonstrado no capítulo

seguinte, a realização da audiência de instrução será um direito da parte, ainda

que não haja provas a produzir, somente para ter oportunidade de uma audiência

conduzida pelo juiz, com o que estará se garantindo a tentativa de conciliação.

9. Julgamento antecipado do mérito nos Juizados Especiais

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Conforme proposta central do presente artigo, sugere-se a adoção em sede do

procedimento sumaríssimo do julgamento antecipado do mérito, previsto pelo art.

330, CPC. Feita a análise do instituto à luz dos princípios que norteiam os Juizados

Especiais Cíveis, espero que tenha restado demonstrado que não há qualquer

incompatibilidade do julgamento antecipado do mérito com os princípios da

oralidade, celeridade e tentativa de conciliação e transação. A partir dessa

constatação, parte-se para a análise de como tal julgamento deverá ocorrer na

praxe forense.

Já foi devidamente comentado que no procedimento sumaríssimo deveria ser

realizada somente uma audiência, com um primeiro momento de tentativa de

conciliação e um segundo momento com atividades típicas de uma audiência de

instrução e julgamento. Somente em circunstâncias excepcionais, para impedir um

prejuízo para a defesa do interesse da parte, não seria a audiência de instrução

realizada imediatamente após a frustração da conciliação (art. 27, Lei 9.099/95). É

natural que, havendo a aplicação da lei, na maioria dos casos haveria somente

uma audiência, o que evidentemente afastaria qualquer necessidade de julgamento

antecipado do mérito. Como, entretanto, sabe-se que na prática forense

dificilmente há somente uma audiência de conciliação, instrução e julgamento, o

julgamento antecipado do mérito passa a ter grande interesse.

Outra circunstância necessária para que se possa ser possível, ainda que

hipoteticamente, o julgamento antecipado do mérito nos Juizados Especiais, é a

exigência de que a defesa do réu seja apresentada já na primeira audiência,

chamada de audiência de conciliação. Não havendo tal obrigatoriedade -

postergando-se o prazo até a audiência de instrução e julgamento - é natural que,

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em decorrência do princípio do contraditório, seja realizada tal audiência para se

dar ao réu a oportunidade de apresentar defesa26.

Ocorre, entretanto, que mesmo não se exigindo o oferecimento da resposta já na

audiência de conciliação, ainda não está totalmente afastada a possibilidade de

julgamento antecipado do mérito. Basta que o juiz, diante da desnecessidade de

provas, fixe um prazo após a frustração da conciliação para que a defesa seja

apresentada, ao invés de designar a audiência de instrução e julgamento somente

para que tal defesa nela seja apresentada. Como, entretanto, não é o juiz togado

que conduz essa audiência, tal circunstância tem pouca incidência prática.

Como já foi afirmado anteriormente, a parte tem o direito a presença de um juiz

togado em audiência, de forma que, requerido expressamente na audiência de

conciliação perante o conciliador ou o juiz leigo tal desejo, ainda que já exista

defesa nos autos e não haja prova a ser produzida, não resta dúvida de que a

audiência deverá ser designada. Dessa forma, não parece correta a hipótese de

não realização da audiência de instrução e julgamento, ainda que nela nenhuma

prova seja produzida, se esse for o desejo expresso de uma das partes.

Diante de tudo que se afirmou no presente capítulo, descreve-se a situação ideal

para o julgamento antecipado do mérito nos Juizados Especiais Cíveis: conciliação

frustrada na primeira audiência, com defesa já apresentada pelo réu,

desnecessidade de produção de prova e ausência de pedido expresso de qualquer

das partes para que se realize obrigatoriamente a audiência de instrução e

julgamento.

26 Há enunciado no XX encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil nesse sentido: Enunciado 10: A contestação poderá ser apresentada até a audiência de instrução e julgamento. Nesse sentido também as lições de Ricardo Cunha Chimenti, Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis, op. cit., p. 131.Contra, entendendo que o momento é a audiência de conciliação, Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. III, op. cit., p. 497; Joel Dias Figueira Jr., Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, op. cit., p. 229

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Interessante notar que, além da circunstância descrita, que seria enquadrada no

art. 330, I, CPC27, com seus devidos temperamentos às especialidades

procedimentais do rito sumaríssimo, existe outra situação na qual o julgamento

antecipado do mérito pode se verificar, fundado no art. 330, II, CPC. Segundo o art.

20, Lei 9.099/95, a ausência do demandado na sessão de conciliação ou audiência

de instrução gera sua revelia, e segundo o art. 23, Lei 9.099/95, o juiz proferirá

imediatamente a sentença. Essa hipótese de julgamento, indubitavelmente, é um

julgamento antecipado do mérito, nos exatos termos do art. 330, II, CPC, desde

que, naturalmente, o juiz tenha presumido os fatos alegados pelo autor como

verdadeiros.

Merece nesse sentido a transcrição das lições de Cândido Rangel Dinamarco a

respeito do tema: “”nos casos em que tiver lugar o efeito da revelia, o juiz julgará o

mérito antecipadamente, como manda a lei, pelas mesmas razões por que o faz

também o Código de Processo Civil (LJE, art. 23; CPC, art. 330, inc. II):

incontroversos os fatos constitutivos do direito do autor e fato algum havendo sido

alegado pelo réu que não contestou, não será necessária nenhuma instrução. O

processo extinguir-se-á, portanto, com julgamento do mérito.”28

10. Conclusão

O objetivo do presente artigo é demonstrar que, à luz dos princípios que norteiam o

procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, é absolutamente saudável para o

sistema a possibilidade de julgamento antecipado do mérito, sem necessidade de

instauração de audiência de instrução e julgamento. Para tanto, foram analisado os

27 Reconhecendo tal possibilidade, Joel Dias Figueira Jr., Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, op. cit., p. 242: “(...), se a questão de mérito for exclusivamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência, deverá o juiz julgar o processo no estado em que se encontra.” 28 Cfr. Manual dos Juizados Cíveis, op. cit., p. 137. No mesmo sentido, mencionado expressamente a aplicação do art. 330, II, CPC, Patrícia Trunfo Teixeira, Lei dos Juizados Especiais Federais interpretada, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 81.

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princípios que de alguma forma poderiam ser maculados com a aplicação

subsidiária do art. 330, CPC, demonstrando-se que em nenhum deles haveria

ofensa suficiente para impedir o julgamento antecipado do mérito no procedimento

sumaríssimo.

Partindo-se da premissa de que o julgamento antecipado do mérito está em

consonância com os princípios do Juizado Especial, se levou em conta as

particularidades procedimentais da Lei 9.099/95 para sugerir uma forma adequada

de aplicação de tal instituto. Nessa análise buscou-se levar em consideração a

prática forense, sem a qual as discussões doutrinárias seriam somente isso:

discussões doutrinárias.

De tudo que foi analisado, chego a conclusão de que, ao menos em duas

hipóteses bem claras, o juiz deverá julgar antecipadamente o mérito em sede de

Juizados Especiais, o que, além de acelerar a entrega da prestação jurisdicional,

liberará a pauta de audiências de instrução para somente àquelas hipóteses em

que tal ato processual mostra-se efetivamente indispensável.

Assim, são duas as hipótese de julgamento antecipado do mérito em sede de

Juizados Especiais: (i) frustração de conciliação na audiência de conciliação, com

defesa apresentada pelo réu, desnecessidade de produção de prova e ausência de

pedido expresso de uma ou ambas das partes para a realização da audiência de

instrução e julgamento; (ii) ausência do demandado à audiência de conciliação,

com a conseqüente decretação de sua revelia, desde que o juiz presuma

verdadeiras as alegações de fato feitas pelo autor.