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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.001 - SP (2010/0059279-1)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São

Paulo, com base no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra o

acórdão de fls. 2.942-2.964, da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, assim ementado:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Guarujá. Serra do Guararu. LCM nº 43/98. Res. SC nº 48/92 (Tombamento). Estudos e projetos visando adequar a ocupação e exploração turística. ação visando impedir a aprovação de propostas de ocupação.

1. Legitimidade passiva. Fazenda Estadual. As condições da ação se aferem pelo que a inicial contém, abstraída a razão do pedido. O autor pretende que órgãos da administração estadual deixem de apreciar propostas e solicitações de licenciamento de terceiros, razão suficiente para a inclusão do Estado, cuja administração será atingida pela sentença se acolhida a ação, no pólo passivo. Preliminar rejeitada. –

2. Impossibilidade jurídica do pedido. Não há óbice legal ao pedido de declaração de inconstitucionalidade, incidental ou principal, de lei ou ato normativo. A possibilidade jurídica, como condição da ação, se afere pelo que a inicial contém, abstraída a razão do pedido. –

3. Ação civil pública. Declaração incidental de inconstitucionalidade. A ação civil pública é veículo adequado à análise incidental da constitucionalidade das leis (STF, Recl. 600-0-SP, Rel. Néri da Silveira, e Recl. 602-6, Rel. Ilmar Galvão, Pleno, 3-9-1997; REsp nº 227.159-4-GO, STF, 2ª Turma, 12-3-2002, Rel. Néri da Silveira); não o é, no entanto, para declaração de inconstitucionalidade como pedido principal. –

4. Ação civil pública. Declaração incidental. Configuração. O autor não indica ato concreto a ser anulado; não indica nenhum parcelamento ou loteamento a que a lei se aplique; não indica nenhuma pessoa natural ou jurídica a ser atingida pela decisão; não indica nenhum caso ou situação concreta a ser apreciada pelo juiz. A declaração de inconstitucionalidade não visa ao 'desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento' (STF, Recl. nº 600-SP) nem tem por objeto, além da validade constitucional de lei em tese, 'o julgamento de uma específica e concreta relação

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jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover, incidenter tantum , o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público" (STF, Recl. nº 1.733-SP). –

5. Declaração incidental. Pedidos. O pedido de condenação à abstenção de praticar atos com base na lei inconstitucional, sem indicação concreta de qualquer deles, não configura a 'especificação relação jurídica concreta' exigida para a caracterização da declaração meramente incidental. Impropriedade, ademais, da pretensão de obstar à Administração estadual e municipal a análise de pedidos de licenciamento, pois não é dado ao juiz vedar a outro poder o exercício de suas atribuições. Controle judicial que, no caso, se faz a posteriori e frente a determinado ato administrativo concreto. –

6. Sucumbência. O Ministério Público nem a Fazenda do Estado estão sujeitos, salvo comprovada má fé, ao pagamento de honorários de advogado em caso de improcedência da ação civil pública. Aplicação do art. 18 da LF nº 7.347/85. Precedentes. –

Sentença que extinguiu a ação sem apreciação do mérito, por impropriedade da via. Agravo retido não conhecido. Preliminares rejeitadas. Apelo do Ministério Público e da Adelg desprovidos" (fls. 2.943-2.944).

Alega o recorrente que o acórdão recorrido "viola disposições do

vigente Código de Processo Civil que disciplinam os pressupostos processuais e as

condições da ação, invocando-se o art. 3º – que trata do interesse de agir e

legitimidade; o art. 128 – a lide deve ser decidia nos limites em que proposta; o art.

295 – que retrata as hipóteses de indeferimento da petição inicial, não sendo o caso

dos autos; e o próprio art. 267, VI, ratificado pelo E. Tribunal 'a quo' ao confirmar a

sentença de primeiro grau que reconheceu a carência da ação ante a inadequação

da via eleita, pois este artigo somente autoriza a extinção do processo, sem

julgamento do mérito, quando não concorrer qualquer das condições da ação,

sendo inaplicável no caso em exame, e aos artigos 1º, incisos I e IV, 3º, 5º, I,

todos da Lei Federal 7.347/85" (fls. 2.969-2.970).

Sustenta mais adiante ser "inegável e incontroverso o cabimento da

ação civil pública para a tutela do meio ambiente, nos termos do art. 1º, inciso I, da

Lei 7.347/85. A via eleita pelo autor, portanto, é adequada, sendo o Ministério

Público legitimado constitucionalmente, cf. art. 129, III, da CR, e art. 5º, I, da referida

lei" (fl. 2.981). Além disso, acrescenta, "é possível a declaração incidental de

inconstitucionalidade, na ação civil pública, de quaisquer Leis ou atos normativos

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do poder público, desde que a controvérsia constitucional não se apresente como

pedido, mas causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, cuja

apreciação seja indispensável à solução da lide" (fl. 2.984).

No caso concreto, argumenta o recorrente, "a inicial sustenta de forma

fundamentada a necessidade efetiva de preservação do local – a Serra do Guararu

– que já vem sendo objeto de degradação ambiental, cf. fls. 20/23, procurando

impedir a ocorrência de novos danos com a instalação de novas residências e

outras interferências na área, configurando condutas concretas, objetivas, ao

contrário do entendimento do v. acórdão recorrido, de modo a compatibilizar as

condutas questionadas com legislação federal que outorga proteção ao meio

ambiente, buscando-se a nulidade das três propostas de utilização da área descrita

na petição inicial, mediante a imposição de obrigações de não fazer, cf. fls. 2656"

(fl. 2.986). Assim, "a pretensão não está dirigida a se declarar a

inconstitucionalidade de uma norma geral e abstrata. Pretende-se tirar do mundo

jurídico uma norma inconstitucional que incide sobre uma situação concreta" (fl.

2.986).

Com efeito, apresenta-se "equivocado e superado o entendimento de

impossibilidade jurídica do pedido relativamente à inconstitucionalidade da Lei

Complementar 43/98, pela inadequação da via eleita pelo autor" (fl. 2.987). Ressalta

que "não se busca suspender a eficácia da norma legal referida, 'erga omnes' , mas

tão só reconhecer sua inconstitucionalidade para que não seja aplicada na relação

jurídica em discussão na ação, conforme bem demonstrado a fls. 2656,

dispensando-se aqui ociosa repetição" (fl. 2.988).

Pede o provimento do recurso especial, "afastando-se o decreto de

carência da ação para o regular prosseguimento da ação civil pública

ambiental, visto que bem presentes os requisitos legais para o regular

desenvolvimento da relação processual" (fl. 2.992).

Apresentaram contrarrazões a Fazenda do Estado de São Paulo (fls.

2.997-3.008), a Prefeitura Municipal do Guarujá – SP (fls. 3.010-3.020) e a

Associação de Desenvolvimento do Leste do Guarujá – Adelg (fls. 3.023-3.056).

O recurso especial não foi admitido na instância ordinária (fls.

3.059-3.060), subindo a esta Corte, entretanto, por força do provimento do Agravo

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de Instrumento n. 1.101.169/SP, da relatoria da em. Ministra Eliana Calmon (fl.

3.181).

Opina o Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, Subprocurador-Geral da

República, pelo provimento do recurso, entendendo que se revela "perfeitamente

cabível o ajuizamento de ação civil pública para a declaração de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo desde que, incidenter tantum ,

incorpora-a como causa de pedir da ação, consistente na condenação dos réus em

obrigação de não fazer, em relação à instalação de novas residências ou

equipamentos que possam vir a comprometer ambientalmente a Serra do

Guararu/SP" (fl. 3.200).

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.001 - SP (2010/0059279-1)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM . OCUPAÇÃO DO SOLO. DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. SERRA DO GUARARU.

– Na linha da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, é cabível a declaração de inconstitucionalidade de lei incidenter tantum em ação civil pública, hipótese verificada no caso em debate, no qual o pedido principal é, na verdade, impedir que os entes públicos permitam e pactuem com a continuidade de eventuais devastações na Serra do Guararu.

Recurso especial conhecido e provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator):

O Ministério Público do Estado de São Paulo, em 26.9.2003, propôs

ação civil pública contra a Prefeitura Municipal de Guarujá, a Fazenda Pública do

Estado de São Paulo e a Associação de Desenvolvimento do Leste do Guarujá –

Adelg, pedindo a o final assim:

"2) ao final, a procedência da ação, para, declarando-se, incidenter tantum , a inconstitucionalidade do art 5º, incisos XV e XVI, art. 8º, II, art. 9º, inciso XII, do art. 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48, da Lei Complementar Municipal 043/98:

[...]b) condenar:

b.1) todos os réus solidariamente, em prazo imediato, a:

b.1.1) OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, consistente na proibição de aprovar a proposta e contraproposta apresentadas pela ADELG para a ocupação da Serra do Guararu, bem como a proposta do Grupo de Trabalho da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, mencionadas no corpo da presente petição inicial;

b.1.2) OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, consistente em não instalação de novas residências, quer na instalação de equipamentos ou de quaisquer atividades de comércio, indústria ou

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serviço, inclusive públicos, que possam a vir comprometer ainda mais a situação na Serra do Guararu e nos ecossistemas presentes em sua área envoltória;

b.2) a Prefeitura Municipal de Guarujá e a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, a:

b.2.1) em prazo imediato, a OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, consistente em não aprovar, licenciar, autorizar ou permitir qualquer atividade que importe na ampliação da degradação ambiental e afronta à legislação ou na perenização dos padrões de ocupação a ela associados, quer na instalação de novas residências, quer na instalação de equipamentos ou de quaisquer atividades de comércio, indústria ou serviço, inclusive públicos, que possam a vir comprometer ainda mais a situação na Serra do Guararu e nos ecossistemas presentes em sua área envoltória" (fl. 52).

O Juiz de primeiro grau julgou "extinto o processo, sem exame do

mérito, com fundamento no art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil" (fl.

2.535). Fundamentou o Magistrado que "há Lei Municipal, e de natureza

complementar (LC nº 43/98), que disciplina o Zoneamento, Uso e Ocupação do solo

urbano na cidade do Guarujá. Se ela padece de alguma inconstitucionalidade,

concretamente demonstrada à luz do texto constitucional, é por meio da ação

declaratória de inconstitucionalidade, e não através da ação civil pública, que a

infração ao texto constitucional deve ser pronunciada" (fl. 2.532). Afirmou, ainda,

serem "inócuos (...) os inúmeros questionamentos que a petição inicial traz sobre as

propostas de ocupação da região leste de Guarujá" (fl. 2.532). Em verdade,

continua a sentença, "é estabelecida nos autos discussão meramente teórica,

acadêmica, sobre as propostas de ocupação da região leste de Guarujá,

objetivando o autor daí extrair pronunciamento judicial sobre a inconstitucionalidade

de dispositivos da Lei Complementar em questão, contaminados, segundo a inicial,

pelos vícios das referidas propostas" (fl. 2.532).

O Tribunal de origem, no acórdão recorrido, por maioria, manteve a

sentença, aduzindo que "a questão foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal:

admite-se o controle difuso da constitucionalidade de lei ou ato normativo 'incidenter

tantum' , como causa de pedir e como passo necessário à apreciação do pedido;

mas não como pedido principal" (fl. 2.953). Assim, segundo o aresto, "a dificuldade,

como esta ação demonstra, está na caracterização da declaração de Documento: 12616291 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 14

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inconstitucionalidade como pedido principal ou como causa de pedir; como objeto

da ação o como questão incidental de cuja solução depende o pedido. Observo que

a existência de pedido, por si só, não afasta a complexidade da análise; toda ação

tem pedido e o Ministério Público, conhecedor da jurisprudência, não formula ações

em que a declaração de inconstitucionalidade seja o pedido principal" (fl. 2.953).

Para o Tribunal, após examinar a inicial, "o autor não indica nenhum parcelamento

ou loteamento a que a lei se aplique; não indica nenhuma pessoa natural ou jurídica

a ser atingida pela decisão (a isso não servindo a indicação no pólo passivo da

ADELG, associação de empreendedores que, ela mesma, não loteia nem implanta

loteamento); não indica nenhum caso ou situação concreta a ser apreciada pelo

juiz" (fl. 2.959). Diante do estudo feito em relação à inicial, concluiu pela

manutenção da sentença, afirmando que as questões trazidas pelo autor devem ser

examinadas na via própria, não em ação civil pública.

Não há dúvida. A questão depende de prévio exame da petição inicial,

especificamente da causa de pedir, do pedido e dos efeitos pretendidos.

Ao que se verifica, o autor busca proteger a Serra do Guararu, situada

no Município de Guarujá – SP, tendo esse embate se iniciado em 1996, muito antes

da edição da Lei Complementar municipal n.043, de 21.12.1998.

A investigação respectiva, no âmbito do Ministério Público do Estado

de São Paulo, foi objeto do Procedimento n. 23/1996, "com o fim de esclarecer e

apurar denúncia de eventual ocupação leste de Guarujá, ocasionando degradação

ambiental na chamada 'Serra do Guararu', uma das únicas áreas de Mata Atlântica

remanescente no Estado" (Portaria n. 23/96 de 11.12.1996 - fl. 55).

Com base no referido procedimento, apurou o autor que "a Serra do

Guararu é o maciço que representa o maior e mais bem preservado conjunto de

vegetação nativa contínua, de fisionomia predominantemente florestal, da Ilha de

Santo Amaro, abrigando flora e fauna altamente diversificadas e legalmente

protegidas, compondo ecossistemas complexos de grande valor ecológico,

científico, estético e paisagístico. A área da Serra, com mais de 2.000 hectares tem

grande expressão, inclusive no contexto da Baixada Santista" (fl. 3). A mencionada

"Serra e suas áreas do entorno apresentam ampla ocorrência de espaços territoriais

especialmente protegidos, com ampla ocorrência de Áreas de Preservação

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Permanente definidas pelo Código Florestal (Lei Federal 4771/65; Resolução

CONAMA 303/2001; Resolução 302/2002), contando com muitas nascentes, cursos

d'água, encostas com altas declividades e setores de topo de morro" (fl. 4). Além

disso, é uma área natural tombada, objeto de regulamentação específica pelo

CONDEPHAAT (Resolução Secretraria da Cultura n. 048, de 18.12.1992) e, por

apresentar cobertura florestal nativa predominantemente de Mata Atlântica e por

possuir em seu entorno ecossistemas associados, como manguezal e formações

vegetais e restinga, a Serra do Guararu é protegida pelo Decreto Federal n. 750/93,

além de contar com a presença de espécies de fauna endêmica e ameaçada de

extinção (Portaria Ibama 1522/89; Decreto Estadual 42.838/98, tais como o bugio

(alouatta fusca ), o macuco (tinamus solitarius ) e o sabiá-cica (Triclaria

malachitacea ), entre muitas outras" (fl. 4).

Sobre a degradação ambiental, extraio da inicial, exemplificativamente,

as seguintes alegações também baseadas no procedimento investigatório:

"A análise de fotos aéreas de junho de 1986, quando já em vigor a Resolução CONAMA 04/85 (Reservas Ecológicas) e a Resolução CONAMA 01/86 (Estudo de Impacto ambiental), evidenciou que ainda inexistia até então o acesso exclusivo a partir da Estrada Guarujá-Bertioga, referente ao empreendimento Tijucopava, mas já haviam sido consumadas aberturas de arruamentos, como ramificações das poucas vias existentes, sendo que também já estava aberta a estrada do empreendimento Taguaíba, e a estrada citada no parágrafo anterior, dando acesso ao extremo Sul da Praia Branca:

[...]A configuração da paisagem ainda se mantinha com o

evidente predomínio da cobertura florestal nativa da Mata Atlântica e a presença de seus ecossistemas associados, observando-se que até então, embora já tivesse sido praticamente consumada a abertura de arruamentos componentes dos empreendimentos imobiliários existentes, com a promoção de evidente degradação ambiental, era notável a mínima e esparsa ocupação por construções em lotes, até mesmo nas planícies arenosas adjacentes as parias, intervindo por vezes em terrenos de marinha (tendência que se manteve ao longo do tempo), verificando-se ainda nas citadas planícies, remanescentes da cobertura vegetal.

No que diz respeito às áreas de manguezais da área envoltória que se estabelecem no trecho compreendido entre a Estrada Guarujá-Bertioga e o Canal de Bertioga verificou-se uma ampliação das áreas degradadas deste ecossistema, em comparação a situação verificada na década de 70, embora em tal época já

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ocorressem aterros de manguezais na região, visando inclusive a implantação de marinas (residenciais).

[...]Na análise das duas figuras [...], observa-se a

semelhança da configuração da paisagem, notando-se, em alguns pontos, o aumento do número de desmatamentos e a presença de construções em lotes nos empreendimentos imobiliários, tanto nas áreas mais próximas às praias, como em porções e pontos esparços nas vertentes da Serra do Guararu.

As próximas duas figuras mostram a Serra do Guraru em 1994 e em 1997, lembrando que era vigente o Decreto 750/93 (10/2/93), observando-se uma notável ampliação das áreas desmatadas correspondentes à intervenções nos empreendimentos imobiliários (tendência essa não abrangente ao Loteamento Taguaíba), sendo que nem todas estas áreas contavam com construções, evidenciando-se a ocorrência de novos desmatamentos localizados, de forma mais marcada do que em períodos anteriores, notadamente na área do Loteamento Iporanga. Comparando-se estes dois períodos verifica-se uma ampliação gradativa e continua do processo de degradação ambiental nestas áreas, intervindo em áreas legalmente protegidas pelo Código Florestal - Lei 4771/65, Resolução CONAMA 04/85; Resolução SC 48/92 e Decreto Federal 750/93" (fls. 11-16).

Prossegue o Ministério Público, na petição inicial, com muitos outros

exemplos de degradação da área, ressaltando que, "não obstante predominem, em

quase toda a área da Serra do Guararu, de relevantes atributos, características

ambientais e restrições legais, as requeridas mantêm sob estudo propostas para a

ocupação desta região, as quais, se implementadas, causarão incomensuráveis

danos ao meio ambiente" (fl. 20). Cita, por exemplo, que, "em 1996, foi criado no

âmbito da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, um Grupo de Trabalho específico,

através da Resolução SMA 59/96, atendendo a demanda de entidade denominada

'Sociedade para o Desenvolvimento do Turismo da Região Lesta do Guarujá', a ora

requerida ADELG, composta por proprietários de terra da região abrangida pela

Serra do Guararu, sendo que esta foi protocolada junto ao Gabinete do Secretário

de Estado em 16 de março de 1994" (fl. 21).

A respeito, então, da Lei Complementar municipal n. 043/1998, busca

demonstrar que acolheu diversas propostas pertinentes à ocupação do solo,

prejudiciais ao meio ambiente e incompatíveis com as leis ambientais em vigor e

com as Constituições Federal e Estadual.

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Como se pode verificar, a ação não decorre só da edição da lei, pois já

estava em andamento, em 1996, um procedimento investigatório relativo às

ocupações e devastações na Serra do Guararu e que já autorizava o ajuizamento

da ação civil pública por inércia do Poder Público. A edição da Lei Complementar n.

043/1998 constituiu, apenas, um plus , daí haver o Ministério Público postulado

também a declaração de inconstitucionalidade apenas incidenter tantum , além dos

pedidos normais, definidos pelo autor como "obrigação de não fazer".

Fatos concretos, portanto, existem e são suficientes, em tese, como

causa de pedir, para sustentar a propositura e o processamento normal da ação civil

pública, independentemente da edição da referida lei complementar.

Diante de tudo o que foi dito e esclarecido acima, entendo que a

pretensão relativa à declaração de inconstitucionalidade, sem dúvida alguma, não

representa pedido principal, mas mera forma de impedir que os entes públicos

permitam e pactuem com continuidade de eventuais devastações na Serra do

Guararu. Não há falar, portanto, no caso em debate, em declaração de

inconstitucionalidade com efeito erga omnes .

Aliás, a própria estrutura do texto do pedido final, inicialmente

reproduzido, revela que a declaração de inconstitucionalidade é, apenas, a forma de

se alcançar os pedidos principais condenatórios, de "obrigação de não fazer".

Passando à jurisprudência desta Corte, são vários os precedentes que

admitem, em ação civil pública, a declaração de inconstitucionalidade de lei que

viabiliza a ocupação irregular do solo. Confiram-se:

"CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO RECONHECIDA. PRECEDENTES. DESTA CORTE SUPERIOR.

1. Recurso especial contra acórdão que extinguiu o processo, sem exame do mérito, em face de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra o Distrito Federal e vários comerciantes do Setor Comercial Local Norte (SCLN) 716, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 754/94, a qual permitiu a desafetação e alteração de designação originária de áreas públicas de uso comum do povo. Alegou-se que: a) os comerciantes invadiram área pública adjacente ou lindeira aos imóveis de que são proprietários ou locatários, ferindo o

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Código de Posturas do Distrito Federal e as normas que instituíram e regulamentaram o tombamento do conjunto urbanístico do Plano Piloto de Brasília; b) o Distrito Federal se omitiu ao permitir edificações em áreas públicas e em não desconstituí-las, implicando lesão ao patrimônio público e social, à ordem jurídica e ao meio ambiente; c) o Distrito Federal fosse condenado a abster-se em conceder ocupação, emitir alvarás de construção ou funcionamento, aprovar projetos arquitetônicos ou de engenharia, em favor de pessoas naturais ou jurídicas situadas nas áreas de uso comum do povo e suspender a eficácia da Lei Distrital nº 754/94, deixando de promover obras ou qualquer medida que implique a ampliação dos atuais limites das ocupações, sob pena de multa diária.

2. A pretensão não está dirigida a se declarar a inconstitucionalidade de uma norma geral e abstrata. Pretende-se tirar do mundo jurídico uma norma, por afrontar a Constituição Federal, que incide sobre uma situação concreta. A Ação Civil Pública em exame trata de fato materializado, individualizado, a qual se aplica uma norma considerada inconstitucional. Ela busca alcançar, pela via do controle concentrado, a invalidade da norma e, conseqüentemente, a sua não-aplicação ao proibir os serviços de todos os usuários nas condições descritas.

3. O controle difuso da constitucionalidade é permitido a todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, em qualquer grau, uma vez que a questão da inconstitucionalidade é resolvida apenas incidentalmente, como matéria prejudicial. Não gera usurpação da competência do colendo STF o controle difuso de constitucionalidade em ação civil pública, conforme já pronunciado também aquela Corte.

4. Este Relator, por diversas vezes, com base em inúmeros precedentes desta Casa, defendeu que a ação civil pública não poderia servir de meio para a declaração, com efeito erga omnes, de inconstitucionalidade de lei, sendo o Ministério Público parte ativa ilegítima para tanto. Entretanto, em face do novo posicionamento desta Corte, pelo seu caráter uniformizador, revejo minha posição, a fim de reconhecer a legitimidade do Parquet para tal desiderato, com suporte, dentre tantos, nos seguintes julgados:

- 'A teor da assentada jurisprudência do colendo STF e deste Tribunal, declara-se a legitimidade ativa do Ministério Público para propor, na defesa do patrimônio público, a ação civil pública, admitindo-se, no âmbito dessa ação coletiva, a possibilidade declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local (Precedentes).' (REsp nº 424288/RO, Rel. Min. Felix Fisher, DJ 18/03/2004)

- 'O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo

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material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).' (REsp nº 493270/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 24/11/2003)

5. Na mesma linha: EREsp nº 303994/MG, 1ª Seção, DJ de 01/09/2003; EREsp nº 327206/DF, 1º Seção, DJ de 15/03/2004; EREsp nº 303174/DF, 1ª Seção, DJ de 01/09/2003; REsp nº 439509/SP, 4ª Turma, DJ de 30/08/2004; REsp nº 364380/RO, 5ª Turma, DJ de 30/08/2004; AGA nº 290832/SP, 2ª Turma, DJ de 23/08/2004; AGREsp nº 566862/SP, 3ª Turma, DJ de 23/08/2004; REsp nº 373685/DF, 1ª Turma, DJ de 16/08/2004; REsp nº 556618/DF, 4ª Turma, DJ de 16/08/2004; REsp nº 574410/MG, 1ª Turma, DJ de 05/08/2004; REsp nº 557646/DF, 2ª Turma, DJ de 30/06/2004.

6. Recurso especial provido, nos termos do voto" (REsp n. 728.406/DF, publicado em 2.5.2005, Primeira Turma, da relatoria do em. Ministro José Delgado).

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO DF A NÃO CONCEDER TERMOS DE OCUPAÇÃO E A PROMOVER A DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÕES EM QUADRA RESIDENCIAL DE BRASÍLIA, SOB ALEGAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DISTRITAL 754/94. EXERCÍCIO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS, TANTO DOS ÓRGÃOS QUE DETÊM INICIATIVA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, QUANTO DAQUELES QUE DETÊM A INCUMBÊNCIA DE JULGÁ-LA, JÁ QUE PRESERVADA A APLICAÇÃO DA NORMA A TODAS AS DEMAIS SITUAÇÕES E PESSOAS A QUE SE DESTINA — RESULTADO DISTINTO, PORTANTO, DAQUELE QUE SE PODERIA OBTER PELA VIA DO CONTROLE CONCENTRADO. PRECEDENTE DO STJ EM CASO IDÊNTICO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO" (REsp n. 599.007/DF, publicado em 17.5.2004, Primeira Turma, da relatoria do em. Ministro Teori Albino Zavascki).

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI DISTRITAL 754/1994. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES.

1. Adequação da Ação Civil Pública ajuizada, com fundamento na inconstitucionalidade da Lei Distrital 754/1994, para impedir ocupações irregulares e obter indenização por danos causados ao meio ambiente e ao patrimônio público, cultural, estético, paisagístico, arquitetônico e social. Precedentes do STJ.

2. A jurisprudência da Primeira Seção firmou-se no sentido do cabimento de Ação Civil Pública para declaração incidental de inconstitucionalidade, desde que a controvérsia constitucional seja causa de pedir, fundamento ou questão prejudicial à resolução do litígio principal.

3.O controle de constitucionalidade difuso ou incidenter

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tantum , sem eficácia erga omnes , pode ser exercido por meio de Ação Civil Pública.

4. Recurso Especial provido" (REsp n. 437.172/DF, publicado em 7.4.2009, Segunda Turma, da relatoria do em. Ministro Herman Benjamin).

"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO INCIDENTER TANTUM DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI PARA A BUSCA DE NULIDADE DE ATOS ADMINISTRATIVOS E CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER DO ENTE FEDERATIVO - POSSIBILIDADE.

A inicial da ação civil pública apenas requer a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Distrital n. 754/94 para, especificamente, obter a nulidade dos atos administrativos, realizados com base nela e, ainda, condenar o Distrito Federal à indenização por dano ambiental, bem como à obrigação de não-fazer, para que não seja entregue aos particulares alvarás de edificação nas áreas que estabelece. Possibilidade, conforme precedentes do STF e do STJ" (AgRg no REsp n. 439.515/DF, publicado em 4.6.2007, Segunda Turma, da relatoria do em. Ministro Humberto Martins).

Também o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. OCUPAÇÃO DE LOGRADOUROS PÚBLICOS NO DISTRITO FEDERAL. PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DA LEI 754/1994 DO DISTRITO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL PREJUDICADO.

Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da lei distrital 754/1994, que disciplina a ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal.

Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da lei 754/1994 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incindenter tantum . Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública par alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes .

No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira

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causa de pedir.Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito

Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal" (Recurso Extraordinário n. 424.993-6/DF, publicado em 19.10.2007, da relatoria do em. Ministro Joaquim Barbosa).

Por tudo isso, entendo que foram violados os artigos 267, inciso VI, e

295 do Código de Processo Civil e os artigos 1º, incisos I e IV, 3º, 5º, I, todos da Lei

Federal 7.347/85, todos prequestionados implicitamente, estando presentes os

requisitos necessários ao processamento da ação, sobretudo o cabimento, em tese,

da ação civil pública.

Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial,

determinando o regular processamento da ação civil pública.

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