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a DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS JUIZ DO TRABALHO TRT/4ª REGIÃO DIREITO CIVIL 1

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JUIZ DO TRABALHO – TRT/4ª REGIÃO DIREITO CIVIL

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SUMÁRIO

1. Da Lei. Hierarquia, Integração e Interpretação da lei...................................................... 002

2. Pessoas Naturais e Jurídicas............................................................................................. 005

3. Dos Bens e suas Classificações.......................................................................................... 042

4. Dos Fatos Jurídicos............................................................................................................ 053

5. Obrigações......................................................................................................................... 090

6. Contratos........................................................................................................................... 121

7. Direito da Empresa............................................................................................................ 195

8. Responsabilidade Civil...................................................................................................... 235

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DA LEI. HIERARQUIA, INTEGRAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LEI

O que se refere a lei, sua hierarquia, integração e interpretação em matéria de direito civil está consubstanciado na Lei de Introdução ao Código Civil.

A Lei de Introdução ao Código Civil – LICC (Decreto-Lei nº 4.657/42) teve sua denominação

alterada pela Lei nº 12.376/2010 passando a ser chamada de Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. A alteração é pertinente porque a Lei de Introdução não se reporta apenas à codificação civil, mas a todo o ordenamento jurídico nacional, definindo regras gerais de vigência, limites de incidência, métodos de integração e aplicação da norma jurídica.

A primeira regra definida na Lei de Introdução diz respeito ao momento em que a lei passa a

operar efeitos. Lei em sentido estrito é ato normativo geral e abstrato emanado do Poder Legislativo. Lei em sentido amplo é, por exemplo, a emenda à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos, regulamentos, portarias (atos normativos do Poder Executivo). Promulgada (ato de sancionar a lei) ele ingressa no universo jurídico. Publicada ela neutraliza o não conhecimento e pode ter sua observância exigida, pois ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º, LINDB).

As Leis se caracterizam pela:

Generalidade: a lei dirige-se potencialmente a todas as pessoas ou categorias de pessoas.

Abstração: não regula apenas uma situação individual, mas cria hipótese de incidência ampla.

Obrigatoriedade: todos são obrigados a cumpri-la, sob pena de imposição de uma sanção. O Direito, quando quer uma conduta, impõe; quando não quer, proíbe. No Direito Civil a norma não se impõe de forma irresistível em todos os casos (normas dispositivas). A possibilidade de adoção de outra conduta não contradiz a obrigatoriedade, mas é um limite à extensão de sua aplicação.

Persistência ou Permanência: não se exaure com apenas uma aplicação.

Existência de Sanção: a sanção está presente na lei ou no ordenamento de modo indireto (Bobbio). Há, contudo, diversas normas sem sanção (aqueles que atribuem direitos, regulam a capacidade e a personalidade, normas de competência, normas programáticas, normas conceituais).

Estatualidade: devem emanar de autoridade competente.

Quanto à classificação as leis podem ser assim agrupadas:

Quanto à duração

o Temporárias: são aquelas que possuem vigência determinada (depois caducam). o Permanentes ou Perpétuas: são aquelas que estão aptas a produzirem seus efeitos

até que outra norma a revogue.

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Quanto à amplitude do campo de atuação ou alcance

o Gerais (comuns): regulam em toda sua amplitude e de modo genérico, determinadas relações jurídicas.

o Especiais: trata com maior especificidade certas relações jurídicas (ex. CDC, Lei de Locações, Lei de Registros Públicos).

o Excepcionais: normas de exceção que contradizem as regras gerais.

Quanto à imperatividade o Normas Cogentes: podem ser imperativas (determina uma conduta positiva – o que

se deve fazer) ou proibitivas (determinam uma abstenção – conduta negativa sob pena de sanção).

o Normas Dispositivas: podem ser subsidiárias ou integrantes (suprem a vontade do indivíduo, pois certas situações não podem ficar sem regulação) ou hipotéticas ou autorizantes (a vontade do indivíduo se declara no sentido da autorização legal).

Quanto à sanção o Perfeitas: a violação importa nulidade do ato sem sanção pessoal.

o Mais que perfeitas: a violação importa nulidade do ato e imposição de uma pena de ordem pessoal.

o Imperfeitas: não decretam invalidade nem impõe sanção de ordem pessoal. o Menos que perfeitas: não decretam nulidade do ato, mas impõe sanção.

Quanto à origem e campo territorial de incidência

o Federais/Nacionais: atingem todo território nacional e vinculam Estados e Municípios

o Federais em sentido estrito: aplicam-se ao âmbito da União e podem atingir todo o território nacional

o Estaduais: aplicam-se no âmbito do Estado o Municipais: aplicam-se no âmbito do Município

A lei é a fonte formal direta ou imediata do direito e, salvo disposição contrária, começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada, sendo que nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada (art. 1º, LINDB).

Conforme definido pelo art. 2o da LINDB, não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare (revogação expressa), quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita). A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Em outras palavras, proíbe-se a repristinação automática. Se, contudo, a lei revogadora for declarada inconstitucional, tem sido reconhecida pela jurisprudência a restauração da eficácia da lei revogada.

O legislador ao realizar seu ofício tem os olhos voltados ao presente e ao futuro, mas a contingência e riqueza da vida evidenciam a impossibilidade de previsão de todos os fenômenos sociais. Assim, existirão fatos desprovidos de regulação jurídica. É o que Gastón Morin definiu como

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revolta dos fatos contra os códigos. Temos, então, o difícil problema das lacunas da lei - note-se que o ordenamento jurídico não tem lacunas lógicas, mas axiológicas, segundo o princípio ontológico do Direito. Havendo lacunas na lei, deve o aplicador do direito recorrer aos mecanismos de integração normativa que determinam ao juiz a observância, ao decidir, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito (art. 4º da LINDB). Parte da doutrina considera que deve ser preservada a ordem dos meios de integração. Contudo, consideramos que o juiz tem a liberdade de optar pelo método de integração que considere mais adequado à solução da controvérsia. Considere-se ainda que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, LINDB).

Analogia. A analogia consiste num processo lógico pelo qual o aplicador do Direito estende o preceito legal aos casos não diretamente compreendidos em seu dispositivo, mas que guardem identidade de razão (Caio Mário). O direito romano era sensível a este fenômeno e intuitivamente já anunciava que onde há a mesma razão há o mesmo direito. Não é propriamente fonte do Direito, mas instrumento técnico de que se vale o juiz para suprir lacunas, em outras palavras, meio de integração normativa. A norma dele resultante é norma jurisprudencial praeter legem.

Requisitos para aplicação: (a) inexistência de dispositivo legal disciplinando a hipótese; (b)

semelhança fática entre a relação não contemplada e a outra regulada pela lei; (c) identidade de fundamentos jurídicos.

Espécies de analogia:

Analogia legis – estende-se a aplicação do dispositivo legal a um caso não previsto. Regra isolada.

Analogia iuris – não há dispositivo específico que regule caso semelhante. O aplicador, então, extrai a norma buscando isolar a razão jurídica presente em um conjunto de normas afins, um instituto, ou em acervo de diplomas legislativos, para aplicá-la ao caso não regulado.

Costume. Comparado à lei trata-se o costume de fonte de menor objetividade, pois a produção

normativa se dá através de um procedimento difuso que não se reduz a um ato básico (a promulgação). Promulgada, a lei passa a ter existência jurídica. O costume, todavia, não se promulga; “ele se cria, se forma, se impõe sem que neste processo se localize um ato sancionador.”1

Orlando Gomes define o costume como os usos de determinada comunidade juridicamente

obrigatórios. São práticas reiteradas, constantes, notórias, observada com apoio na convicção de corresponder a uma necessidade jurídica.

Savigny, representante da Escola Histórica, considera o costume o elemento mais autorizado

de criação do direito, por ser revelação espontânea da consciência jurídica da coletividade. O costume possui elementos objetivo e subjetivo. O elemento objetivo ou externo consiste no

uso continuado (constância na repetição dos mesmos atos, observância uniforme de um mesmo comportamento). O elemento subjetivo ou interno é a convicção (geral) de obrigatoriedade (opinio necessitatis sive obligationis ou opinio juris et necessitatis).

As normas consuetudinárias se fazem impositivas, pois são dotadas de validade e eficácia, como as normas legais. Sua validade, todavia, não deflui de normas de competência, mas da convicção de obrigatoriedade.

1 Tércio Sampaio Ferraz.

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Como inexiste um ato formal que atesta o ingresso da norma costumeira no sistema jurídico, surge a dúvida do momento em que se inicia sua vigência. A prova do costume não tem como foco o início da vigência da norma, mas se ela, de fato existe ou não, competindo àquele que alega provar-lhe a existência. Assim, não se prova a vigência, mas a existência.

O costume obedece à seguinte classificação:

Secundum legem – se acha referido ou ratificado em lei.

Praeter Legem – complementa a lei preenchendo lacunas (regra de integração - art. 4º da Lei de Introdução)

Contra Legem – opõe-se ao preceito legal. Trata-se do costume ab-rogatório (consuetudo ab-rogatória) e o desuso2 (esquecimento de certas prescrições legais). No caso de costume contra legem surge a dúvida sobre qual deve prevalecer: ele ou a lei? Entendem que prevalece a lei Orlando, Carlos Maximiliano e Caio Mário, com apoio no art. 2º da Lei de Introdução e na convicção da existência de hierarquia entre as fontes e de preponderância da lei. Consideram que deve prevalecer o costume Enneccerus, Machado Neto, Serpa Lopes.

Princípios Gerais de Direito. Podem ser definidos como o substrato comum de diversas normas

positivas (Caio Mário); como regras gerais induzidas do sistema jurídico dotada do caráter da universalidade (Orlando Gomes); ou, ainda, como componentes que estruturam o sistema mantendo sua coesão (Tércio Sampaio Ferraz Jr.);

Distribuem-se em 3 categorias: (a) princípios que seriam a base para organização social e

política; (b) princípios decorrentes das instituições sociais formulados pela doutrina; (c) brocardos, máximas, aforismos, em suma, os provérbios jurídicos; são representações vivas de verdades jurídicas de grande valor expressivo e retórico.

Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um

estado de coisas. Os princípios, então, situam-se no plano deontológico, prescrevendo a obrigatoriedade de observância de certos comportamentos necessários à promoção gradual de certo objetivo.

O artigo 6º, caput, da Lei de Introdução define regra fundamental sobre aplicação da lei no

tempo que consagra o princípio da irretroatividade das leis; e está em consonância com o artigo 5º do texto constitucional. Respectivamente:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

2 Desuetudo ou dissuetudo

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Assim, a regra é a seguinte: a lei nova não atinge os fatos anteriores ao início de sua vigência. Em consequência, os fatos anteriores à vigência da lei nova regulam-se pela lei do tempo em que foram praticados (tempus regit actum).

Em seguida, enuncia-se a definição legal:

Ato Jurídico Perfeito: ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Direito Adquirido: aquele que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Coisa Julgada: decisão judicial de que já não caiba recurso.

Sobre o tema da aplicação da lei no tempo, deve, ainda, ser observada a regra de transição do artigo 2.035 do CC, segundo a qual:

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Defende-se a incidência de normas de ordem pública destinadas a assegurar a função social da propriedade e dos contratos que poderão atingir os efeitos dos contratos constituídos sob a égide do Código anterior. Neste sentido o STJ:

RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPUGNAÇÃO EXCLUSIVAMENTE AOS DISPOSITIVOS DE DIREITO MATERIAL. POSSIBILIDADE. FRACIONAMENTO DE HIPOTECA. ART. 1488 DO CC/02. APLICABILIDADE AOS CONTRATOS EM CURSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2035 DO CC/02. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. - Se não há ofensa direta à legislação processual na decisão do Tribunal que revoga tutela antecipadamente concedida pelo Juízo de Primeiro Grau, é possível a interposição de Recurso Especial mencionando exclusivamente a violação dos dispositivos de direito material que deram fundamento à decisão.. - O art. 1488 do CC/02, que regula a possibilidade de fracionamento de hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2035 do CC/02. - Não cabe aplicar a multa do art. 538, § único, do CPC, nas hipóteses em que há omissão no acórdão recorrido, ainda que tal omissão não implique a nulidade do aresto. - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 691.738/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/05/2005, DJ 26/09/2005, p. 372)

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Em seguida, aborda a Lei de Introdução a aplicação da lei no espaço. Define-se que a lei do país em que for domiciliada a pessoa (lex domicilii) determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Na hipótese de casamento, sendo ele realizado no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. Possível também o casamento de estrangeiros perante autoridades diplomáticas e consulares do país de ambos os nubentes (§§ 1º, 2º e 3º do art. 7º da LINDB).

O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro com a anuência do cônjuge pode adotar o regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.

Em caso de divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo. A homologação da sentença estrangeira é feita pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i” da CF), mas a execução será do juiz federal de 1ª instância, seja qual for a matéria (art. 109, X, CF). O artigo 12 da Resolução n. º 9/2005/STJ estabelece que: A sentença estrangeira homologada será executada por carta de sentença, no Juízo Federal competente. A homologação deve ser feita apenas após o trânsito em julgado da sentença estrangeira, segundo entendimento do STF:

Súmula nº 420 STF. Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.

Os bens e as relações a eles concernentes serão regulados pela lei do país em que estiverem situados, exceção feita aos bens móveis destinados a transporte para outros lugares ou trazidos pelo proprietário quando deverá ser aplicada a lei do país de seu domicílio (art. 8º da LINDB)3.

Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem (locus regit actum). Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente (art. 9º da Lei de Introdução). Esta última regra vale para os contratos internacionais, pois para os contratos nacionais incide o artigo 435 do CC que considera celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. Assim, se a lei estrangeira for mais favorável ao cônjuge e filho brasileiro ela deverá ser aplicada. A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder (art. 10º da Lei de Introdução).

É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. A concessão de exequatur às cartas rogatórias é feita pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i”

3 O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada

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da CF), mas a execução de carta rogatória, após o exequatur, será do juiz federal de 1ª instância (art. 109, X, CF). O artigo 13 da Resolução n. º 9/2005/STJ assim prescreve: A carta rogatória, depois de concedido o exequatur, será remetida para cumprimento pelo Juízo Federal competente.4

A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça (art. 13 da Lei de Introdução)

Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. Quando se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. (Arts. 14 e 16 da Lei de Introdução)

Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz ou autoridade competente; b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado (tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil); e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. A Resolução n. º 9/2005/STJ regulamenta este dispositivo da Lei de Introdução e acrescenta a necessidade de estar autenticada a sentença estrangeira pelo cônsul brasileiro.

As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (Art. 17, CC). A homologação requer a avaliação destes requisitos negativos:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. DIVÓRCIO, COM ACORDO HOMOLOGADO SOBRE GUARDA, VISITAÇÃO E PENSÃO DOS FILHOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Não se constitui em óbice à homologação de sentença estrangeira o fato de o Requerido, regularmente citado em território estadunidense, não ter sido representado por advogado - mormente porque, se quisesse, poderia ter advogado público. Ademais, conforme bem anotado no parecer ministerial, calcado em jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, "não há como impor à Justiça norte-americana a observância de regras próprias do ordenamento processual brasileiro, no que tange à representação processual por intermédio de advogado." Ausência de ofensa à ordem pública. 2. Restaram atendidos os requisitos regimentais com a constatação da regularidade da citação para processo julgado por juiz competente, cuja sentença, transitada em julgado, foi autenticada pela autoridade consular brasileira e traduzida por profissional juramentado no Brasil, com o preenchimento das demais formalidades legais. 3. Pedido de homologação deferido. Custas ex lege. Condenação do Requerido ao pagamento dos honorários advocatícios. (SEC 7.137/EX, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 14/06/2012, DJe 29/06/2012) SENTENÇA ESTRANGEIRA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. HOMOLOGAÇÃO. 1. Alegação de nulidade de citação não procede quando há certidão de oficial de justiça estrangeiro que comprova o cumprimento da diligência citatória. 2. Sentença estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que preenche as condições legais deve ser homologada.

4 No cumprimento da carta rogatória pelo Juízo Federal competente cabem embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam referentes, opostos no prazo de 10 (dez) dias, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, julgando-os o Presidente. Da decisão que julgar os embargos, cabe agravo regimental. Quando cabível, o Presidente ou o Relator do Agravo Regimental poderá ordenar

diretamente o atendimento à medida solicitada. Cumprida a carta rogatória, será devolvida ao Presidente do STJ, no prazo de 10 (dez) dias, e por este remetida, em igual prazo, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, à autoridade judiciária de origem (§§ 1º a 3º do art. 13 e art. 14, caput, Resolução n.º 9/2005/STJ)

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3. A jurisprudência do STJ e do STF autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens. 4. Sentença estrangeira e acordo firmado entre as partes homologados. (SEC 3.269/EX, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2012, DJe 22/05/2012)

Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os demais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado (art. 18 da Lei de Introdução).

Segundo o art. 11 da Lei de Introdução as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação. Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

DAS PESSOAS

1. DAS PESSOAS

1.1 PESSOAS NATURAIS: PERSONALIDADE E CAPACIDADE

Comecemos com alguns conceitos nucleares. Pessoa é todo ser, ente físico ou coletivo, susceptível de adquirir direitos e contrair obrigações. A ideia de pessoa identifica-se com a noção de sujeito de direito. Personalidade é a aptidão genérica que tem a pessoa de adquirir direitos e contrair obrigações. Toda pessoa tem personalidade jurídica. Capacidade é a aptidão que tem uma pessoa de exercer pessoalmente atos da vida civil, ou seja, de exigir, por si, a observância de seus direitos e de cumprir suas obrigações. A capacidade poderá ser de direito ou de gozo ou poderá ser nominada de capacidade de fato ou de exercício. A primeira identifica-se com a noção de personalidade e consiste na capacidade para adquirir direitos e obrigações na ordem civil. Já a capacidade de fato ou de exercício consiste na medida da personalidade jurídica, ou seja, trata-se de uma restrição legal genérica imposta a determinadas pessoas, em função de situação pessoal que atinge em certa medida seu discernimento, que limita em maior ou menor grau a pratica de atos da vida civil. A incapacidade absoluta impede que o titular do direito o exerça direita ou pessoalmente, devendo ele ser representado. A incapacidade relativa permite que o titular do direito o exerce direta ou pessoalmente, desde que devidamente assistido.

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A incapacidade deriva da lei, sendo as normas a ela concernentes cogentes. Não constitui, pois, incapacidade a limitação decorrente de ato inter vivos ou mortis causa como a cláusula de inalienabilidade imposta pelo doador ou testador Capacidade e Legitimação. Legitimação diz respeito a uma proibição legal de praticar certos atos da vida civil imposta a determinadas pessoas em razão da especial posição jurídica que ocupam, ou seja, trata-se de uma limitação circunstancial, episódica. Assim, o tutor ou curador não estão legitimados a adquirir bens do tutelado ou curatelado, bem como não estão legitimados, assim como os demais administradores de bens alheios, a dar em comodato tais bens, salvo em caso de especial autorização; bem assim, o cônjuge não está legitimado a alienar bens imóveis sem anuência do seu consorte (salvo no regime da separação absoluta); o indigno não está legitimado a suceder; o ascendente não pode vender bens ao descendente sem a anuência dos demais descendentes. Início da Personalidade Civil. Segundo o texto legal, adquire-se a personalidade jurídica pelo nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os interesses do nascituro desde a concepção. O nascituro é o ente concebido que está para nascer (infans conceptus). São basicamente 3 (três) as teorias que tratam do início da personalidade:

Teoria Natalista. Os doutrinadores que se filiam a esta corrente defendem a tese de que nosso sistema legislativo adota esta teoria, pois prescreve que a aquisição da personalidade se dá com o nascimento com vida, possuindo o nascituro, portanto, expectativa de direito.5 A teoria tem sofrido duras críticas por não responder satisfatoriamente questões relativas à condição jurídica do nascituro e sobre a titularidade de diretos da personalidade.

Teoria da Personalidade Condicional. Serpa Lopes, Arnoldo Wald, Oertmann defendem a teoria da personalidade condicional que apresenta a seguinte tese: o nascituro tem personalidade que está condicionada ou evento nascimento com vida, tendo assim o nascituro direitos sob condição suspensiva.

Teoria Concepcionista. Clóvis Beviláqua, Teixeira de Freitas, Silmara Chinelato, dentre outros eminentes civilistas, defendem a teoria concepcionista, segundo a qual o nascituro desde a concepção tem personalidade jurídica, sendo, portanto, pessoa. Trata-se de corrente que tem prevalecido no Direito Civil Contemporâneo6, sobretudo, por apresentar respostas satisfatórias quanto à condição jurídica do nascituro e a titularidade de direitos da personalidade. Maria Helena Diniz desdobrando o tema defende a tese da personalidade jurídica formal e material, esclarecendo que tem o nascituro a titularidade dos direitos da personalidade desde a concepção (personalidade jurídica formal), adquirindo os direitos patrimoniais com o nascimento com vida (personalidade jurídica material).

O enunciado nº 1 do CJF revela tendência à adoção da teoria concepcionista e o enunciado nº 2 recomenda a adoção de um estatuto próprio para definição da situação jurídica do embrião7.

Enunciado nº 1 do CJF8: Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.

5 A Espanha, fiel à fonte romanística, exige a forma humana e a viabilidade para aquisição da personalidade 6 Constatação a que chega Flávio Tartuce in Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 70. 7 O tema foi tratado na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). 8 A referência aos enunciados far-se-á de forma concisa, indicando-se apenas o seu número e a remissão ao Conselho da Justiça Federal (CJF) órgão

responsável pela realização das Jornadas de Direito Civil, evento que reúne vários especialistas que debatem sobre as propostas encaminhadas

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Enunciado nº 2 do CJF: Art. 2º: sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem precedente importante sobre o tema, reconhecendo o direito do nascituro à indenização por dano moral, ipsis litteris:

DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional. (REsp 399028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 232)

Incapazes. Até 03 de janeiro de 2016, este era o rol de incapazes definido nos artigos 3º e 4º do Código

Civil: Incapacidade absoluta. Rol dos absolutamente incapazes: (a) menor de 16 anos; (b) enfermos

ou deficientes mentais que em razão desta circunstância não tiverem necessário discernimento para a prática de atos civis; (c) aqueles que não puderem exprimir sua vontade, mesmo por causa transitória. Incapacidade relativa. Rol dos relativamente incapazes: (a) maiores de 16 e menores de 18 anos; (b) ébrios habituais, toxicômanos e deficientes mentais com discernimento reduzido; (c) excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; (d) pródigos. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015, em 4 de janeiro de 2016, ocorreu uma mudança impactante na Parte Geral do Código Civil com repercussão em alguns ramos do Direito e, particularmente, no vasto campo do Direito Privado.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência provocou profundas modificações no regime das incapacidades. O portador de transtorno mental será retirado da condição de incapaz, passando a ter

e, uma vez aprovadas, tornam-se enunciados.

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um regime próprio de proteção. Assim, aqueles que não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, por deficiência ou enfermidade (i); os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido (ii); os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (iii), não serão automaticamente qualificados como incapazes. Mas isso não quer dizer que o portador de transtorno mental não sofrerá limitações no exercício de sua capacidade. Poderá, inclusive, ser submetido ao regime protetivo da curatela.9

Com o término da vacatio legis, assim ficou a redação dos artigos 3º e 4º do CC:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. I - (Revogado); II - (Revogado); III - (Revogado). Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

A primeira conclusão decorrente da alteração legislativa é que só teremos uma hipótese de

incapacidade absoluta: os menores de 16 anos. A segunda conclusão é que aqueles que por deficiência mental tenham o discernimento

reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, não constam do rol dos relativamente incapazes. Sendo possível expressarem a sua vontade, deverá ser a manifestação reputada válida; não sendo possível exprimirem a vontade, incidirá a regra contida no inciso III do artigo 4º do CC.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência provocará uma mudança de paradigma na forma

como se dá a proteção dos portadores de deficiência. A pessoa com deficiência terá assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 84 do EPD). Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Mas a definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível (§§ 1o e 3o do artigo 84 do EPD). Além disso, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. 85, caput e §§ 1º do EPD).

Ainda na parte geral, no campo probatório, as mudanças repercutem, pois haverá a

revogação dos incisos II e III do artigo 228 do CC. A lei vedava a admissão como testemunha daqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil e dos cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam. A vedação expressa foi substituída pela possibilidade de a pessoa com deficiência

9 REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades. Publicado no site da Revista Consultor Jurídico em 20

de julho de 2015. <<http://www.conjur.com.br/2015-jul-20/estatuto-pessoa-deficiencia-altera-regime-incapacidades>>. In verbis: “A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz”)

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testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva (recursos que permitem ampliar as habilidades funcionais dos portadores de deficiência). Ou seja, a condição pessoal por si só não será suficiente para subtrair do portador de necessidades especiais a capacidade para testemunhar.

No direito de família, serão alterados dispositivos concernentes à capacidade para casar e

às invalidades do casamento. O curador não poderá mais revogar a autorização para o casamento (art. 1518, caput, CC). Será revogado o inciso I do artigo 1.548 do CC que dispõe ser nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil.

Houve modificações quanto à disciplina do erro essencial sobre a pessoa do cônjuge. Será

revogado o dispositivo que considerava hipótese de erro essencial sobre a pessoa a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Será também alterado o inciso III do artigo 1.557 que terá a seguinte redação: “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: [...] III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; [...]”.

Sobre a teoria da prescrição, sabemos que tanto ela como a decadência não correm contra os

absolutamente incapazes (art. 198, I e 208, caput, CC). Considerando-se a literalidade da norma, esta regra, a partir dar entrada em vigor do EPD, apenas beneficiará o menor de 16 anos. O EPD neste ponto é menos protetivo que o CC. Jurisprudência e doutrina terão de construir juntas uma solução que não prejudique aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos civis, bem como os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

O assunto ainda renderá grandes debates no campo da teoria do negócio jurídico, especialmente, quanto aos temas da representação e a teoria das nulidades. As manifestações de vontade que emanem dos absolutamente incapazes não devem ser a priori desconsideradas. Há situações, sobretudo, reguladas pelo direito de família e que tenham implicação direta sobre aspectos existenciais da criança ou adolescente, nas quais a vontade do incapaz deve ser devidamente avaliada.

Enunciado nº 138 do CJF. Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3o, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

Incapacidade Relativa. Consiste também em limitação genérica imposta pela lei à prática de certos atos da vida civil. Porém a limitação é menos drástica que na incapacidade absoluta. O relativamente incapaz poderá realizar por si atos da vida civil (exceto aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade), desde que devidamente assistido. E, como exceção, poderá praticar atos sem a presença do assistente. A não intervenção do assistente, como regra, acarreta a anulabilidade do ato, mas em certas situações poderá ele ser ratificado. Sobre a redução da idade para se alcançar a capacidade civil plena e sua repercussão em outros ramos do direito, especialmente o previdenciário, vale a leitura do enunciado abaixo transcrito:

Enunciado nº 3 do CJF. Art. 5º: a redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial.

Algumas regras importantes: (a) o menor de 18 anos e maior de 16 não poderá invocar sua idade para eximir-se de obrigação se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se espontaneamente declarou-se maior; (b) a incapacidade relativa de uma das partes não pode ser

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alegada pela outra em benefício próprio (o negócio anulável produz regularmente seus efeitos); (c) a incapacidade relativa de uma das partes não aproveita os cointeressados capazes, exceto se o objeto de direito ou a obrigação comum for indivisível; (d) ninguém poderá reclamar o que pagou a um incapaz por obrigação anulada, exceto se provar que a importância paga reverteu-se em seu proveito. (e) a incapacidade não é excludente absoluta de responsabilidade patrimonial; (f) o incapaz responderá pelos prejuízos que causar se o seu responsável legal não puder ou não tiver a obrigação de fazê-lo (art. 928, CC). Atos que podem ser realizados por menores de 16 e maiores de 18 sem a presença do assistente: (a) aceitar mandato (art. 666, CC); (b) fazer testamento (art. 1.860, p. único, CC); (c) ser testemunha em atos jurídicos (art. 228, I, CC); (d) exercer empregos públicos compatíveis com sua idade; (e) realização de contrato de trabalho; (f) ser eleitor. Proteção dos Incapazes. Representação e assistência são os mecanismos de proteção dos incapazes, através dos quais se supre a incapacidade.

Representação – Substituição do incapaz por uma pessoa capaz para a prática de atos da vida civil. Os representantes podem ser os pais, tutores ou curadores.

Assistência – Os assistentes do relativamente incapaz praticam determinado ato jurídico conjuntamente com o assistido ou ratificam determinado ato por ele praticado.

Cessação da Incapacidade. Cessa a incapacidade pelo decurso do tempo ou quando desaparece sua causa. Aos 18 anos cessa a incapacidade em relação à menoridade. Com a emancipação também. Situação dos índios. A capacidade dos índios é regulada pela Lei nº 6.001/73. O Estatuto do Índio estabelece em seu artigo 8º que “são nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente. ” Excepciona-se a regra “no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos”. Existe, portanto, um regime tutelar especial que se assemelha, mas não se identifica com a tutela do direito comum, tomando-lhe de empréstimo, no que for compatível, seus princípios e regras. Ressalte-se que qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes: (a) idade mínima de 21 anos; (b) conhecimento da língua portuguesa; (c) habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; (d) razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional. (Art. 9º da Lei nº 6.001/73). Emancipação. É a aquisição da plena capacidade de fato antes da idade legal. Modo de cessação da incapacidade. São espécies de emancipação:

Voluntária. Por concessão dos pais ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público devidamente inscrito no Registro Civil competente, independente de homologação judicial, se o menor tiver 16 anos.10

Judicial. Concedida pelo juiz, ouvido o tutor, se tiver o menor 16 anos. Neste caso o juiz, de ofício, deve comunicar a emancipação ao oficial do Registro Civil, para que se efetive o registro. Sem ele a emancipação não produz efeitos.

Legal.

10 Enunciado nº 397 do CJF. Art. 5º. A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade.

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o Casamento – Podem casar o homem e a mulher a partir dos 16 anos com a autorização dos pais ou representantes legais. Excepcionalmente, poderá casar o menor de 16, com autorização judicial, em caso de gravidez ou para evitar sanção penal (art. 1.520, CC). A dissolução posterior da sociedade conjugal não determina o retorno à incapacidade, mesmo se o casamento for nulo ou anulável.11

o Exercício de emprego público efetivo. Cargo em comissão, cargo de confiança, contrato temporário, não determinam a perda da incapacidade.

o Colação de grau em curso superior.

o Estabelecimento civil ou comercial ou relação de emprego que lhe garanta uma economia própria.

Sobre o tema, merece destaque o enunciado 530 da VI Jornada de Direito Civil do CJF:

Enunciado nº 530 do CJF. A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE

Generalidades. Os direitos da personalidade são atributos inerentes à pessoa que possuem natureza extrapatrimonial. Na Antiguidade já existiam mecanismos de repressão a ações atentatórias aos direitos da personalidade, por exemplo, em Roma, aquele que fosse vítima de agressões físicas ou morais poderia intentar contra o causador do dano a actio injuriarum. Com o Cristianismo, as ideias de proteção à pessoa humana e de fraternidade universal contribuíram para um novo redimensionamento dos direitos da personalidade. Na Modernidade, as guerras, sobretudo as do século XX, chamaram a atenção para uma maior tutela dos direitos da personalidade em razão dos abusos cometidos. Os direitos da personalidade são direitos subjetivos excludenti alios, dirigidos a exigir um comportamento negativo dos outros, reagindo em face de uma agressão injusta. Características. São os direitos da personalidade:

Absolutos – Oponíveis erga omnes, criando um dever geral de abstenção.

Gerais - Outorgados a qualquer pessoa pelo fato de existirem.

Extrapatrimoniais – São insusceptíveis de aferição econômica, embora sua violação enseje reparação civil e sua utilização específica proporcione uma contraprestação em pecúnia.

Intransmissíveis – não podem migrar para a esfera jurídica de outrem.

Vitalícios - Nascem e extinguem-se com seu titular, sendo dele inseparáveis.

Indisponíveis – São insusceptíveis de disposição. Trata-se, no entanto, de regra que admite algumas exceções, por exemplo: determinada pessoa pode explorar sua imagem na divulgação de algum produto ou serviço; alguém pode ceder parte do corpo (órgão ou tecido) para fins terapêuticos.

Irrenunciáveis – Consequência natural da indisponibilidade, não podem os direitos de personalidade ultrapassarem a esfera jurídica de seu titular.

11 Silvio Rodrigues e Caio Mário, consideram que se trata de uma situação irreversível. Para Pablo Stolze a emancipação não persiste, a não ser se

contraída de boa-fé.