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Camila Magalhães Silveira Laura Helena Silveira Guerra de Andrade 24 de novembro de 2011 Tese de Doutorado Preditores sociodemográficos das transições entre os estágios do uso de álcool (uso na vida, uso regular, abuso e dependência) e remissão dos transtornos relacionados, na população geral adulta residente na Região Metropolitana de São Paulo

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Camila Magalhães Silveira Laura Helena Silveira Guerra de Andrade

24 de novembro de 2011

Tese de Doutorado Preditores sociodemográficos das transições entre os

estágios do uso de álcool (uso na vida, uso regular, abuso e dependência) e remissão dos transtornos

relacionados, na população geral adulta residente na Região Metropolitana de São Paulo

O impacto do uso do álcool e transtornos relacionados na Carga Global de Doenças (GBD)

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30

% DALYS H

% DALYS M

Mundo: 1. Uso associado + de 60 doenças

(Rehm et al., 2010) 2. Piora do consumo entre mulheres

(Wilsnack et al., 2009)

Américas: supera estatísticas globais 1. Mortes 2. Padrões de consumo 3. Transtornos relacionados ao uso 4. Principal fator de risco para a

carga global de doenças (OMS, 2008)

Rehm et al., 2009

Anos vividos com incapacitação (DALYS) decorrentes do álcool

Modelo atual para medir o impacto do uso do álcool na saúde

CRA; Adaptado de: Rehm et al., 2010

Correlatos sociodemográficos para uso, abuso e dependência (AUD) no Brasil

• Prevalências AUD variam de 3% (Almeida e Coutinho, 1993) a 40,3% (Filizola etal., 2008);

• Homens consomem mais álcool do que as mulheres em todas as idades e são mais propensos a AUD (Almeida-Filho et al., 2004, Barros et al., 2007; Laranjeira et al. 2009; Pechansky et al. , 2004)

• Estado civil: efeitos diferentes em homens e mulheres (Almeida-Filho et al., 2004; Laranjeira et al., 2009; Silveira et al., 2007)

• Associação negativa entre o nível socioeconômico (SES) e AUD (Barros et al., 2007, Mendoza-Sassi e Béria, 2003; Moreira et al.,

1996; Primo e Stein, 2004)

A maioria dos estudos realizados no Brasil focou em fatores de risco para AUD através de um ponto de vista estático, não considerando as transições entre os diferentes estágios de uso

Idade de início (AOO) do uso do álcool no Brasil

Referências: E1 Pechansky, 1998 E2Vieira et al.,2007 E3 Soldera et al., 2004 E4 Galduroz et al., 2005 E5 Laranjeira et al., 2007 E6 Almeida e Coutinho, 1993 E7 Bastos et al., 2008

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E1estudante

E2estudante

E3estudante

E4estudante

E5 jovens(14-17)

E5 jovens(18-25)

E6 Brasil E7 Brasil

Média AOO Brasil

AOO não foi estudada como preditor para as transições

Estudar em uma amostra probabilística da RMSP: 1. As prevalências e correlatos sociodemográficos para o uso de

álcool na vida, uso regular, abuso e dependência para amostra total e de acordo com o gênero

2. Os correlatos sociodemográficos para as transições entre os estágios de uso do álcool

3. As idades de início de cada estágio sucessivo de uso do álcool

4. As probabilidades de transição de um estágio de uso do álcool para outro

OBJETIVOS

HIPÓTESES DO ESTUDO

1. Homens fazem mais uso do álcool e apresentam maiores prevalências de abuso e dependência que mulheres

2. Mulheres estão bebendo cada vez mais cedo

3. Fatores sociodemográficos atuam diferentemente entre homens e mulheres nos vários estágios de uso do álcool

4. As probabilidades de transição entre os estágios são inversamente proporcionais às suas gravidades

5. Idade de início do uso seguirá padrões de estudos anteriores

6. Uso precoce do álcool é fator de risco para AUD

MÉTODOS

São Paulo Megacity - Pesquisa sobre saúde, bem estar e estresse (Transtornos

mentais e do comportamento na população geral: Prevalência, Fatores de Risco e Sobrecarga Social e Econômica)

• Parte de iniciativa internacional (28 países): coordenação OMS • Primeiro levantamento realizado RMSP • Pesquisa domiciliar, > 18 anos •Amostra 5.037 indivíduos; métodos rigorosos de multiestratificação (taxa de resposta 81%) • Instrumento: Composite International Diagnostic Interview (CIDI) •Módulo explora 6 estágios de uso: nunca usou, uso na vida, uso regular (consumo de pelo menos 12 doses em 12 meses), abuso, dependência (abordagem "ungated”) e remissão

Análise estatística

1. Diferenças de gênero quanto ao uso do álcool e AUD •Modelos de regressão logística relações entre os correlatos SD e estágios de uso • Odds-Ratios para cada variável sociodemográfica, separado por gênero •Método stepwise (backward) ajustar o modelo de regressão ao modelo final

2. Transições entre os estágios de uso de álcool e remissão de AUD

• Análises de sobrevivência distribuições de idade de início e os preditores SD das transições sendo a variável “pessoa-ano” a unidade de análise • Modelos de regressão logística relações entre correlatos SD e as transições •SAS 9.1; Testes bi-caudais com nível de significância de 5%

RESULTADOS e DISCUSSÃO

Prevalências de uso e transtornos relacionados

USO USO REGULAR ABUSO DEPENDÊNCIA

Prevalência (SE) 86% (1,1) 56% (1,1) 10% (0,8) 3,6% (0,4)

Razão H/M 1,2 1,8 4,0 5,8

Probabilidade de transição

66% (1,2) 19% (1,3) 34% (2,8)

73% e 59%

1. As prevalências de abuso (10%) e dependência (3,6%) se somadas são condizentes com as prevalências nacionais de AUD (Carlini et al., 2007, Laranjeira et al., 2007)

2. Os dados de progressão são inéditos no país; 1/3 abusadores tornam-se dependentes (Fonseca et al. 2010; Rehm et al., 2006)

3. Remissão da dependência < que outros países => estigma e baixa procura por tratamento ((Kalaydjian et al.,2009; Lee et al., 2009) Peluso e Blay., 2008)

Correlatos sociodemográficos associados ao uso de álcool e AUD: modelo final USO USO REGULAR ABUSO DEPENDÊNCIA

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC) OR (95% IC)

Idade 18-24 18-24 18-24 18-24 18-24

0,5 (0,4-0,7) 2,5 (1,4-4,5) 0,4 (0,3-0,7) 5,6 (2,6-11,8) 0,2 (0,04-0,7)

25-34 25-34

3,1 (1,8-5,1) 4,8 (1,7-13,2)

35-44 35-44 35-44

2,2 (1,2-3,9) 6,5 (1,8-23,2) 3,0 (1,2-7,6)

45-54

2,3 (1,4-3,9)

55-64

1,7 (1,0-2,8)

Escolaridade Baixa Baixa Baixa

0,4 (0,3-0,5) 0,7 (0,6-0,9) 11,3 (2,6-48,7)

Média-baixa Média-baixa

0,6 (0,4-0,9) 6,0 (1,5-24,9)

Média-alta Média-alta

0,7 (0,4-1,0) 7,3 (1,8-29,4)

Renda familiar

Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa

1,6 (1,2-2,0) 1,5 (1,2-1,9) 1,8 (1,3-2,5) 3,2 (1,9-5,3) 3,9 (1,9-7,7)

Média-Alta Média-baixa Média-Baixa

2,1 (1,4-3,2) 2,5 (1,5-3,9) 2,3 (1,0-5,1)

Estado civil Solteiros Sep/divorc/viúva Sep/divorc/viúva

0,6 (0,4-0,9) 1,7 (1,3-2,1) 2,0 (1,1-3,9)

Ocupação Trabalhando Desempregado Desempregada Trabalhando

1,5 (1,2-1,8) 2,0 (1,3-3,1) 1,2 (1,2-3,2) 0,5 (0,3-1,0)

Correlatos sociodemográficos associados a uso de álcool e AUD: diferença entre os gêneros

Idade: efeito coorte em mulheres, mas não entre homens, é compatível com mudanças culturais e socioeconômicas (IBGE, 2009;

Greenfield e Room, 1997)

Estado Civil: mulheres são mais protegidas pelo casamento (Horwitz et

al., 2006) e mais sensíveis a “ruptura” do casamento (Silveira et al., 2007;

Scott, 2009)

Desemprego: privação social decorrente do desemprego levaria ao aumento do consumo e AUD (Forcier, 1988; Kessler et al., 2007; Eliason e Storrie, 2009)

Idade de início do uso de álcool, uso regular, abuso e dependência

• Uso: mediana de AOO aos 17 anos

• Uso regular: mediana de AOO aos 25-26 anos

• Abuso: 50% antes dos 24 anos

• Dependência: maioria antes dos 35 anos de idade

Correlatos sociodemográficos das transições entre os estágios de uso do álcool

Variável

Sociodemográfica Categoria OR (95% CI) OR (95% CI) OR (95% CI) OR (95% CI)

Idade (anos) 18-34 3.86* (2.64-5.64) 1.58* (1.13-2.20) 1.98* (1.02-3.85)

35-49 2.68* (1.81-3.99) 1.40* (1.05-1.85)

50-64 1.85* (1.08-3.16)

65+ 1.0 - 1.0 - 1.0 -

Gênero Mulher 0.57* (0.49-0.65) 0.41* (0.34-0.51) 0.53* (0.38-0.75)

Homem 1.0 - 1.0 - 1.0 -

Escolaridade Estudante 3.50* (1.51-8.12)

Baixa 2.33* (1.03-5.31) 3.35* (1.44-7.78) 6.13* (1.28-29.26)

Média-baixa 3.53* (1.62-7.72) 1.54* (0.98-2.39) 3.52* (1.42-8.69)

Média-alta 3.96* (1.52-10.35) 1.49* (1.03-2.14) 2.36* (1.11-5. 05)

Alta 1.0 - 1.0 - 1.0 - 1.0 -

Estado Civil Solteiro 3.14* (2.15-4.59) 1.49* (1.11-1.98)

Separado/Divorc

iado/Viúvo 1.58* (1.10-2.26) 2.00* (1.35-2.96)

Casado/ “mora

junto” 1.0 - 1.0 - 1.0 -

Idade de início AOO uso - - 0.90* (0.87-0.94)

AOO uso regular - - - - - -

(N = 2,942) (N = 2559) (N = 1738) (N = 476)

Uso Regular entre os

usuários na vida

Uso na vida na

Amostra Parte II

Abuso entre usuários

regulares

Dependência entre os

que abusam

Estudante e transição do uso regular para abuso

• Brasil:↑uso pesado de álcool em 10 anos (Galduróz et

al; 2004) e ↑ consumo entre universitários da USP em 4 anos (Stempliuk et al ; 2005)

• EUA: associação com todas as transições (Hingson et

al., 2009; Kalaydjian et al., 2009)

• China: ser estudante é fator protetor para as transições e > remissão de AUD (Lee et al., 2009)

Baixo nível de escolaridade e transição para dependência

e menor remissão de AUD

• < escolaridade provável < acesso à informação e a tratamento para AUD

• uso de álcool abandono escolar precoce (Lee et al., 2009)

• < nível de escolaridade, indicador < SES normas sociais menos restritivas para o uso do álcool (Bloomfield et al., 2006; Crum et al., 1993; Rehm et al., 2010)

Separados/divorciados/viúvos e transição para uso regular e para abuso

• “Efeito-casamento" uso de álcool é reduzido na fase de transição para a vida de casado (Leonard e

Rothbard; 1999)

• “Efeito-separação”

–beber pesado interfere na qualidade da vida conjugal e estabilidade do casamento

– separação leva ao ↑ consumo do álcool (Leonard e Eiden; 2007)

Idade de início precoce e transição para o abuso

• Beber precoce:

– Efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento (Hingson

et al., 2006; Pitkanen et al., 2005; Hingson e Zha, 2009)

– Vulnerabilidade para comportamentos problemáticos e traços para comportamentos de risco de modo geral (Kendler e Prescott, 1999; Zucker, 2008)

– Marcador não-específico ou não-causal para AUD na vida adulta (Hingson e Zha, 2009)

Limitações

1. Resultados não podem ser generalizados para outras cidades e estados brasileiros

2. Futuras investigações poderão incluir: etnia, religião (Bastos et al.,

2008) história familiar de AUD (Dawson e Grant., 1998) e medidas de privação social (Rehm et al., 2010)

3. Quanto à AOO dos diferentes estágios de uso do álcool, um viés

de recordação pode ocorrer (Kessler e Ustun, 2004)

4. Três possíveis formas de transição entre AUD (Degenhardt et al., 2007):

(a) “início concomitante do abuso e da dependência” (b) “dependência antes do abuso” (c) “abuso antes da dependência”

Conclusões

• 1º estudo a investigar AOO para as diferentes fases de uso de álcool e verificar influências de gênero, idade, escolaridade e estado civil tempo-dependentes em toda a trajetória de uso do álcool

• Da convergência à inversão dos padrões de consumo: estudo futuros deverão avaliar de modo complexo o impacto das mudanças nos papéis sociais que normatizam as relações entre homens e mulheres (Seedat et al., 2009)

• Achados sociodemográficos: poderão contribuir para as medidas de risco do Global Burden of Diseases

• População alvo das políticas públicas: jovens, estudantes, mulheres, pessoas de áreas menos privilegiadas

• Políticas e sistemas de saúde: transformar para enfrentar novos desafios

Inclusão da Idade de Início no modelo

CRA; Adaptado de: Rehm et al., 2010

AOO